A Relação Pedagogia-Profissão de mulher

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A RELAÇÃO PEDAGOGIA – PROFISSÃO DE MULHER: DESAFIO ATUAL
PARA A PRÁTICA E A FORMAÇÃO DE EDUCADORAS
Cynthia Rúbia Braga Gontijo
Universidade Estadual de Minas Gerais
RESUMO
Ao tratar da questão ‘A Relação Pedagogia – Profissão de Mulher: Desafio atual para a prática a
formação de educadoras’ é imprescindível considerar a dimensão histórica que condicionou o imaginário
do que é ser mulher e suas escolhas e posições no âmbito do público. Dimensões essas que se
constituíram em contextos concretos, na articulação entre o público e o privado na vida cotidiana dos
sujeitos no acontecer histórico. Até a inserção da mulher no mercado de trabalho e de sua participação
mais efetiva no âmbito público as mulheres tinham na esfera privada o espaço concreto de sua
participação como sujeito social. Era no âmbito privado que a mulher delineava as possibilidades para se
pensar, para fazer, representar-se enquanto um ser mulher. No final do Séc. XIX, início do Séc. XX, as
mulheres têm sistematicamente ampliadas suas atividades do domínio privado para o âmbito público.
Esse momento histórico pode ser considerado como sendo de emancipação feminina. Com a expansão
capitalista percebemos que houve uma maior demanda para que a mulher se inserisse no mercado de
trabalho como força produtiva e como geradora de capital. A mulher também demandou por sua
participação em outros domínios sociais que não fosse somente o privado. As representações e vivências
dos papéis considerados válidos para homens e mulheres entram em choque, já que o conjunto de valores
internalizados entram em conflito. É certo que esses conflitos já existiam, porém se acentuam com as
possibilidades concretas de inserção da mulher na vida pública. Nessa transição, os valores são
contestados. Dessa maneira, foi na articulação entre essas forças (a demanda sócio-econômica num
contexto histórico específico – o sistema capitalista e a busca da mulher por mais representatividade nas
atividades sócio-culturais) que possibilitou/condicionou novos espaços de atuação para a mulher. Sentirse sujeito pelo trabalho determinou a identidade social das mulheres. Uma massa feminina insere-se no
mercado de trabalho. Algumas profissões são pensadas como ideal para as mulheres, dentre elas o
magistério. O magistério é um espaço de trabalho considerado como possível de conciliação entre a vida
pública e privada da mulher. Com base nessas idéias, algumas questões me desafiaram: Nesse contexto o
magistério é considerado como um trabalho profissional ou um trabalho fora de casa para as mulheres
exercerem seus direitos na esfera pública? A trajetória histórica do magistério influenciou as
representações sobre o curso de Pedagogia – criado em 1939? Como? Com base nessas representações de
que forma as pessoas significam e atribuem valor ao Pedagogo hoje? A Pedagogia é vista hoje como um
curso para mulheres? Caso seja, isso o torna um curso considerado socialmente inferior a outras
profissões? Por que? E ainda, nós enquanto mulheres - alunas do curso de Pedagogia, o que faremos com
isso? Há assim um claro reconhecimento de que é preciso que os profissionais da Pedagogia reconheçam
a trajetória histórica de construção social do magistério enquanto profissão pensada para mulheres, para
que possam delinear conscientemente seu espaço profissional e atuar nele. Neste trabalho, abordo a
temática com o objetivo de identificar as representações de alunas - de um curso de Pedagogia de uma
universidade pública - sobre a profissão que escolheram e como elas relacionam a trajetória histórica do
magistério com suas escolhas profissionais hoje. O trabalho foi desenvolvido por estudo de caso,
recorrendo ao registro de dois tipos de anotações: as descritivas e as reflexivas. Desenvolvendo-se estudo
de caso em estabelecimento de ensino superiro, localizado em Belo Horizonte. Utilizei a pesquisa
histórica para heuristicamente elaborar um quadro teórico que pudesse fundamentar a análise de
conteúdo/discurso, caminhando da pré-análise para a descrição analítica e de relações e interpretação
referencial/estabelecimento de relações. A partir desse estudo discuto os desafios atuais para a formação e
a prática de educadoras.
TRABALHO COMPLETO
Ao tratar da questão ‘A Relação Pedagogia – Profissão de Mulher: Desafio atual
para a prática e a formação de educadoras’ é imprescindível considerar a dimensão
histórica que condicionou o imaginário do que é ser mulher e suas escolhas e posições
no âmbito do público. Dimensões essas que se constituíram em contextos concretos, na
articulação entre o público e o privado na vida cotidiana dos sujeitos no acontecer
histórico. Até a inserção da mulher no mercado de trabalho e de sua participação mais
efetiva no âmbito público as mulheres tinham na esfera privada o espaço concreto de
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sua participação como sujeito social. Era no âmbito privado que a mulher delineava as
possibilidades para se pensar, para fazer, representar-se enquanto um ser mulher. No
final do Séc. XIX, início do Séc. XX, as mulheres têm sistematicamente ampliadas suas
atividades do domínio privado para o âmbito público. Esse momento histórico pode ser
considerado como sendo de emancipação feminina. Com a expansão capitalista
percebemos que houve uma maior demanda para que a mulher se inserisse no mercado
de trabalho como força produtiva e como geradora de capital. A mulher também
demandou por sua participação em outros domínios sociais que não fosse somente o
privado. As representações e vivências dos papéis considerados válidos para homens e
mulheres entram em choque, já que o conjunto de valores internalizados entram em
conflito. É certo que esses conflitos já existiam, porém se acentuam com as
possibilidades concretas de inserção da mulher na vida pública. Nessa transição, os
valores são contestados. Dessa maneira, foi na articulação entre essas forças (a demanda
sócio-econômica num contexto histórico específico – o sistema capitalista e a busca da
mulher por mais representatividade nas atividades sócio-culturais) que
possibilitou/condicionou novos espaços de atuação para a mulher. Sentir-se sujeito pelo
trabalho determinou a identidade social das mulheres. Uma massa feminina insere-se no
mercado de trabalho. Algumas profissões são pensadas como ideal para as mulheres,
dentre elas o magistério.
Com base nessas idéias, algumas questões me desafiaram: Nesse contexto, o
magistério é considerado como um trabalho profissional ou um trabalho fora de casa
para as mulheres exercerem seus direitos na esfera pública? A trajetória histórica do
magistério influenciou as representações sobre o curso de Pedagogia – criado em 1939?
Como? Com base nessas representações de que forma as pessoas significam e atribuem
valor ao Pedagogo hoje? A Pedagogia é vista hoje como um curso para mulheres? Caso
seja, isso o torna um curso considerado socialmente inferior a outras profissões? Por
quê? E ainda, nós enquanto mulheres - alunas do curso de Pedagogia, o que faremos
com isso? Há assim um claro reconhecimento de que é preciso que os profissionais da
Pedagogia reconheçam a trajetória histórica de construção social do magistério
enquanto profissão pensada para mulheres, para que possam delinear conscientemente
seu espaço profissional e atuar nele. Neste trabalho, abordo a temática com o objetivo
de identificar as representações de alunas - de um curso de Pedagogia de uma
universidade pública - sobre a profissão que escolheram e como elas relacionam a
trajetória histórica do magistério com suas escolhas profissionais hoje. O trabalho foi
desenvolvido por estudo de caso, recorrendo ao registro de dois tipos de anotações: as
descritivas e as reflexivas. Desenvolvendo-se estudo de caso em estabelecimento de
ensino superior, localizado em Belo Horizonte. Utilizei a pesquisa histórica para
heuristicamente elaborar um quadro teórico que pudesse fundamentar a análise de
conteúdo/discurso, caminhando da pré-análise para a descrição analítica e de relações e
interpretação referencial/estabelecimento de relações. A partir desse estudo discuto os
desafios atuais para a formação e a prática de educadoras.
Algumas concepções sobre a mulher - Cotidiano e Imaginário que influenciaram as
Representações Sociais sobre o Curso de Pedagogia
“Todas as histórias são perseguidas pelos
fantasmas das histórias que poderiam ter sido.”
(Salman Rushdie, 1992)
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O que é ser mulher? O dicionário Aurélio (1986) define mulher como pessoa
adulta do sexo feminino, cônjuge do sexo feminino, esposa. Acredito que três
dimensões condicionam o ser mulher, definindo-a como tal: o sexo biológico, o sexo
psicológico e o sexo social. O sexo biológico pode ser caracterizado como a condição
própria da espécie humana, aquilo que define em termos fisiológicos o que é ser macho
ou fêmea. No caso da mulher, as características do seu corpo, a possibilidade de gerar.
Nesse estudo interessam-me as dimensões psicológicas e sociais do ser mulher.
Dimensões essas que se constituem em contextos concretos, constituídos tanto nas
representações e significações dos indivíduos, quanto na concretude das suas vivências
no cotidiano do processo de desenvolvimento da humanidade. Tais dimensões se
articulam entre o público e o privado na vida cotidiana de sujeitos no acontecer
histórico. É na articulação entre o público e o privado que se vai delineando no
cotidiano e no imaginário dos indivíduos o que é ser mulher em nossa sociedade. Isso
produz representações sociais sobre o que é ser mulher em nossa sociedade e isso,
muitas vezes condiciona as escolhas e posições delas na vida profissional.
Até a inserção da mulher no mercado de trabalho e de sua participação mais
efetiva no âmbito público as mulheres tinham, na esfera privada o espaço concreto de
sua participação como sujeito social. Era no âmbito do privado que a mulher delineava
as possibilidades para se pensar, para fazer, representar-se enquanto um ser mulher.
Com raras exceções (algumas camponesas com atividade remunerada, alguns grupos
específicos que tinham a mulher como membro efetivo de participação na renda
familiar, etc) as mulheres não exerciam plenamente suas potencialidades como cidadãs
nos contextos sociais. Assim, a mulher é pensada, vista e tratada como um ser para o
lar, aquele que é responsável pelas atividades puramente domésticas e sob o poder do
pai e depois do marido. Dessa forma, podemos considerar que
historicamente ocorreu que, sem ser remunerada, a mulher ficou
encarregada das tarefas da reprodução da força de trabalho e da
reprodução biológica do social nas esferas do privado. Enquanto o homem
responsabilizou-se pelo trabalho produtivo na esfera do público e por tal
passou a ser remunerado. A ideologia se encarregou do resto,
transformando essa rígida divisão sexual do trabalho em uma divisão
natural, própria a biologia de cada sexo. A mitificação do papel de esposa e
de mãe concretizou-se mais facilmente na medida em que casa e família
passaram a significar a mesma coisa, apesar de na verdade não o serem.
(MASSI, 1992: 79)
De acordo com a autora o homem foi socializado para ser dependente no privado
e independente no público, ao passo que a mulher o é exatamente no sentido oposto.
Pode-se considerar então que esses papéis foram assimilados/internalizados no
cotidiano social, produzindo no imaginário dos sujeitos o que seria ser mulher e o que
seria ser homem em nossa sociedade. Tais papéis foram criações simbólicas e concretas
produzidas em contextos históricos situados.
Com a expansão capitalista percebemos que houve uma maior demanda para que
a mulher se inserisse no mercado de trabalho como força produtiva e como geradora de
capital. A mulher também demandou por sua participação em outros âmbitos sociais
que não fosse somente o privado. As representações e vivências dos papéis
considerados válidos para homens e mulheres entram em choque, já que o conjunto de
valores internalizados entram em conflito. É certo que esses conflitos já existiam, porém
se acentuam com as possibilidades concretas de inserção da mulher na vida pública.
Nessa transição os valores são contestados. Dessa maneira, foi na articulação entre essas
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forças (a demanda sócio-econômica num contexto histórico especifico – o sistema
capitalista e a busca da mulher por mais representatividade nas atividades sócioculturais) que foram possibilitados novos espaço de atuação para a mulher. Nesse
contexto de transformação social as mulheres começam a participar mais efetivamente
da vida pública. Esse momento histórico pode ser considerado como sendo de
emancipação feminina, já que a vida social das mulheres se amplia do âmbito privado
para o público. Nesse enfoque, ideologicamente o sistema capitalista coloca o público
como símbolo de produção social.
Uma massa feminina insere-se no mercado de trabalho, porém notamos que
algumas profissões são escolhidas (ou será determinadas?) como sendo ideal para elas.
Questiono porque acredito que ideologicamente muitas vezes nossas escolhas são
condicionadas, à medida que as profissões referidas geralmente são aquelas que se
assemelham à vida doméstica. Profissões como Enfermagem, Magistério, Pedagogia1
são pensadas como uma extensão do lar. Um espaço de trabalho considerado como
possível de conciliação entre a vida pública e privada da mulher.
Com base nesses pressupostos acredito que se deve diferenciar o que é entendido
como trabalho fora de casa de trabalho profissional. O trabalho fora de casa pode ser
considerado como qualquer trabalho realizado fora da esfera privada, da vida
doméstica. Massi (1992) entende o trabalho fora de casa como uma ocupação
valorizada, encarada como um enriquecimento pessoal e uma forma de estar atualizada
como os homens. Segundo ela a mulher quer transitar para fora do privado, ou necessita
fazê-lo. Isso justifica muitas vezes as escolhas profissionais inconscientes, deslocadas
de processos de negociações mais amplos entre a mulher e o homem em relação às
escolhas e atuações profissionais. O trabalho profissional é entendido como a atividade
escolhida - carreira, mediante planejamento. Propriamente uma forma de agir sobre o
público através da inserção no mercado produtivo.
Nesse contexto, o magistério é considerado como um trabalho profissional ou
um trabalho fora de casa para as mulheres exercerem seus direitos na esfera pública?
Guacira Lopes Louro (1997) em seu texto Mulheres na sala de aula frisa que no
final do século XIX, inicio do século XX o magistério transforma-se em trabalho de
mulher. A justificativa do discurso centrava-se na idéia de que
as mulheres tinham, por natureza, uma inclinação para o trato com as
crianças, que elas eram as primeiras e naturais educadoras, portanto nada
mais adequado do que lhes confiar a educação escolar dos pequenos. (...)
Para tanto seria importante que o magistério fosse também representado
como uma atividade de amor, de entrega e doação. A ele acorreriam
aquelas que tivessem vocação. (LOURO, 1997: 450)
No inicio do século XX o magistério pode ser compreendido mais como um
trabalho fora de casa do que um trabalho profissional, isso porque é iniciado e praticado
pelas mulheres que tinham como objetivo principal estarem atualizadas como os
homens a partir da transição do privado para o público. Percebemos que a identidade
profissional do magistério nesse momento histórico delineia-se no conturbado conflito
entre trabalho fora de casa e trabalho profissional.
Porém, em função da dialeticidade dos fenômenos podemos considerar que as
próprias mulheres – com as possibilidades de leitura do mundo ampliadas nessa
transição - sentem a necessidade e demandam pela profissionalização sistemática do
1
A referência a Pedagogia, instituída somente em 1939, justifica-se na idéia de que as questões apontadas
até aqui acompanham todo o Séc. XX.
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magistério. Necessidades e demandam que se acentuam no desenvolver do século XX,
que criam espaços para a construção de uma nova identidade para o magistério –
entendido como trabalho profissional. Pode-se pensar que no decorrer do século XX,
em função dessas necessidades e da reação as representações produzidas sobre o
magistério (a instituição da Anped, da Anfop, a sindicalização da profissão e a própria
criação do curso de Pedagogia em 1939 são exemplos) das demandas sociais do mundo
contemporâneo e de estudos/teorias da Psicologia, Sociologia, Antropologia, História,
etc, potencializou-se um espaço concreto para a mulher repensar-se enquanto
profissional da educação.
Com base nesses pressupostos, a trajetória histórica do magistério influenciou as
representações sociais sobre o curso de Pedagogia?
Para Moscovici (1978, apud. PEREIRA, 2000: 117-118) a representação social
"compreende um sistema de valores, de noções, de práticas relativas a objetos sociais,
permitindo a estabilização do quadro de vida dos indivíduos e dos grupos, constituindo
um instrumento de orientação da percepção e de elaboração das respostas, e
contribuindo para a comunicação dos membros de um grupo ou de uma comunidade."
Dessa maneira, as representações apresentam-se como "imagens, afirmações que se
formam, veiculam e consolidam no processo de interação e comunicação social."
Tomando o enfoque do autor podemos inferir que o quadro de percepções e imagens
sobre a trajetória histórica do magistério – produzidas desde o final do Séc. XIX –
viabilizou um quadro de representações sociais sobre as mulheres na educação, que
contribui para que o curso de Pedagogia institui-se num cenário de conflito, um espaço
de luta entre as imagens sendo produzidas ao longo de um processo educativo e
histórico e a configuração de novos valores sendo atribuídos ao curso.
Estamos em 2003, portanto 64 anos se passaram desde a instituição do curso de
Pedagogia em 1939. Mediante essas pressuposições, podemos falar ainda da relação
Pedagogia – profissão de mulher? Superamos esse conflito? Quais as nossas
representações do curso hoje? Foi com base nessa reflexão e na minha vivência como
aluna de um curso de Pedagogia que considerei relevante identificar, via estudo de caso,
as representações de alunas - de um curso de Pedagogia de uma universidade pública sobre a profissão que escolheram e como elas relacionam a trajetória histórica do
magistério com suas escolhas profissionais hoje.
Considerações sobre a Metodologia
“a recriação da linguagem produz uma visão
nova, não habitual do mundo, através da qual
objetos, paisagens e criaturas assumem outros
contornos, surgem libertas das formas
tradicionais decorrentes de nossas padronizadas
representações subjetivas.”
(GARSEN, Bernardo. Veredas no Grande Sertão
- sd)
A abordagem metodológica se caracterizou como um estudo de caso, recorrendo
ao registro de dois tipos de anotações: as descritivas e as reflexivas. orientado por uma
perspectiva etnográfica, tendo como unidade de análise as representações sociais
produzidas por um grupo de 32 alunas, com idade entre 21 e 47 anos.- de um curso de
Pedagogia de uma universidade pública, localizada em Belo Horizonte – sobre a
profissão que escolheram e como elas relacionam a trajetória histórica do magistério
com essa escolha.
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Busquei desvelar processos comumente encobertos (representações sociais) por
análises (via relatos orais e entrevistas, bem como observações direta e livre). A
combinação das técnicas aplicadas objetivou abranger a maior amplitude possível na
descrição, explicação e compreensão do problema investigado. (TRIVINOS, 1987:138140) Para isso recorri à comparação de resposta a entrevistas bem como aos
depoimentos informais com dados observacionais e análise dos meios. Utilizando a
técnica de análise de conteúdo/ discurso, caminhando da pré-análise para e entre a
descrição analítica/ desenvolvimento do sistema de categorias e de relações e
interpretação referencial/ estabelecimento de relações. A opção pela análise de
conteúdo/discurso apóia-se nas idéias de Bardin (1977) que aponta o método como um
meio privilegiado que “se presta para o estudo das motivações, atitudes, valores,
crenças, tendências,” dos sujeitos em suas relações sociais. Esse método é caracterizado
como um
conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando, por procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, obter indicadores
quantitativos ou não, que permitam a inferência de conhecimentos relativos às
condições de produção/recepção (variáveis inferidas) das mensagens.(160)
A partir da pré-análise das informações (caracterizada pela organização das
falas) foi possível fazer a descrição analítica das mesmas. Por fim procurei realizar a
interpretação inferencial, a partir da construção de um quadro referencial consistente,
que pode fundamentar a análise de conteúdo/discurso, e condicionar indicadores que
permitissem a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção das
mensagens. A pesquisa histórica possibilitou a leitura heurística das falas. É importante
ressaltar que não procurei enquadrar o discurso em quadros de representações estanques
e dados a priori, já que o conceito de representações é amplo e complexo, dificultando
sua utilização como objeto de identificação e análise e que os conjuntos de
representações no contexto investigado não estão dados, não podendo ser analisados
como isolados empíricos, mas precisam ser construídos em função das exigências
postas pela definição do problema de pesquisa.
Representações de Alunas - de um Curso de Pedagogia de uma Universidade
Pública – Sobre a profissão que escolheram e suas relações com a trajetoria
histórica do Magistério
A entrada na academia se constitui para essas alunas como uma etapa nova em
suas vidas, indicando momentos de conflito em relação à escolha do curso e decepção
pela sua condição de mulher – oprimida e submissa, que as levaram a essa escolha2.
Perguntada sobre a opção pelo curso, a maioria (29 das 32 alunas entrevistas) diz que
não tinham o curso como primeira opção no vestibular. A realização profissional era
pensada mediante o sonho de ingressar em outras faculdades – desde Medicina,
Veterinária, Direito, até Ciências Sociais.
Nesses casos há uma clara evidência das dificuldades dessas mulheres em definir
a profissão que escolheram. Observamos as falas: “Meu marido só me deixou fazer
curso superior porque era Pedagogia, por só ter mulher, e como é ele que me sustenta.”
“Queria fazer o curso porque adoro criança.” “Meu sonho era fazer faculdade de
2
Essa questão é discutida por Arroyo (2001) no seu Oficio de Mestre, que delineia um panorama sobre o
consenso em relação às representações sociais em torno do magistério, pensado por muitos como um
curso especifico para mulheres oprimidas.
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Medicina, não tive condições, me restou Pedagogia porque eram poucos candidatos por
vaga.”
O ingresso na Pedagogia é atribuído por elas a condição econômica, identificada
pelo déficit nos estudos, já que todas vinham de escolas públicas, o tempo restrito para
estudar e a falta de oportunidades para a entrada da classe trabalhadora na academia,
especialmente para as mulheres. Percebiam a Pedagogia como uma das poucas
possibilidades para que elas pudessem cursar o nível universitário, à medida que
consideravam a entrada no curso relativamente fácil, condizente com suas imagens
sobre si mesmas.
A entrada para a universidade confunde-se com o início de um processo
doloroso: a descoberta do ser Pedagoga, identificados nas seguintes falas: “Não sei que
imagens tinha sobre a Pedagogia antes de iniciá-lo, de ser uma em potencial, nem a que
tenho hoje na verdade.” “Acho que primeiro tenho que saber qual é o papel do
Pedagogo na sociedade para poder saber o que é ser uma Pedagoga. Até hoje não sei ao
certo o que é ser Pedagoga.” “Não sei bem o que fazer com esses conhecimentos que
aprendo aqui.” ou então:
A impressão, sensação, emoção foi de desencontro. Não com o curso em si,
já que o mesmo vem atendendo de certa forma minhas expectativas em
relação ao processo ensino-aprendizagem, à medida que a maioria dos
professores estão sempre mediando o descortinamento de novos mundos,
mundos esses que eu devo buscar. O desencontro no primeiro semestre
aconteceu com a esperança.
Ao mesmo tempo em que sofriam com a concretude da recém entrada na
academia, sentiam-se felizes e com bastante expectativa diante do novo mundo, definido
pelos textos acadêmicos, pelas teorias desconhecidas e relações que seriam
estabelecidas com o conhecimento. Sentimentos que podem definir-se por desassossego.
O depoimento transcrito a seguir retrata essas idéias. É uma auto-avaliação
realizada por uma aluna no 1o período do curso, em 2000, para a disciplina Introdução a
Pesquisa.
Reflita sobre sua trajetória acadêmica neste semestre e sobre suas vivências
na disciplina
Existir é manter-se disponível, possibilitando-se sempre o inicio de uma
nova existência (como se não nascido completamente). Liberdade é manterse diante da beleza e bebê-la. Conhecimento é um não esterelizar-se.
Sabedoria é mais que conhecimento, é um gosto próprio, que vem
desconhecido, assusta e provoca existência consciente (malandramente
sonhadora, mas concreta também).
Mais do que conhecimento as aulas de “Introdução a Pesquisa: teoria e
prática/2a semestre – 2000” possibilitaram de modo particular e peculiar
um quê de sabedoria. Certamente foi o avanço fundamental e de total
pertinência ao desenvolvimento futuro, de toda uma vida.
Num processo dialético (especialmente humano) desenvolveu-se a chave de
uma postura extremamente sensível diante da realidade. Fica a
sensibilidade! Todo início, longe de ser alienante tem caráter de
sensibilidade: um contato, um olhar, a percepção. Para surgir e tornar-se
caminho, no qual o comprometimento com a realidade poderá “ou não”
gerar o investigador de mundos (definindo-se em sua instância última de
211
acordo com as suas posições em relação à vida). “Quem é inteligente
sempre aprende, porque está em atitude de pesquisa. Naturalmente muda de
posição no dinamismo natural de uma realidade variável e surpreendente”
(DEMO, Pedro. Pesquisa: principio cientifico e educativo. 5o ed. São Paulo:
Cortez, 1997: 28)
A maior das certezas é de que “Pesquisa” mais que os limites em si e para
si que o termo pode determinar, pelo menos na superficialidade de qualquer
dicionário, “é” atitude diante das possibilidades...saltando das necessidades
simplistas a liberdade e emancipação.
Professora, num retrospecto, encontro mais dúvidas que certezas, inquietude
que gera vontade, vontade e vontade de envolvimento. Não deixar a vida
parar, não poder esperar (apesar da cautela) e desejar que não roubem a
“consciência desperta” (fazer mais, ter mais, ser mais). São condutas
simples e perigosas que foram abraçadas durante suas aulas, que
gargalham em mim, que continuam fazer-se (...)
Sem ser mais a mesma, Cynthia Rúbia Braga Gontijo. 08/12/00
No contexto dos discursos dessas alunas surgem falas que indicam uma
identidade profissional sendo construída a partir de conflitos em relação às formas de se
entender e estar à profissão no interior de um horizonte histórico dado, mas que é
também produção coletiva da cotidianidade. (NÓVOA: 1992) Nesse sentido não
podemos negar a subjetividade e historicidade dessa construção. A narrativa
dicotomizada pelas suas frustrações, ansiedades, sonhos e esperanças revelam o início
de uma identidade profissional sendo produzida, permeada pelo conflito entre a
sensação de passividade e não conhecimento em relação à profissão e o despertar de
uma percepção sobre o próprio curso.
Observemos algumas colocações sobre o que elas pensam sobre o valor social da
Pedagogia hoje: “Todo mundo acha que eu fico aqui cortando florzinha.” Eles
perguntam com desdém: você faz pedagogia, mas cê quer ser professora?” “Todo
mundo que eu falo que faço Pedagogia me pergunta o que é isso. É professora?”
Ao pensar a profissão - Pedagogia em termos mercadológicos questionei as
competências e habilidades desenvolvidas durante o curso, em função da
empregabilidade no mercado hoje. Quando tô muito chateada, com medo,
acho que o que estou aprendendo aqui somente vai servir para cuidar dos
meus filhos. Ao pensar em termos puramente ideológicos, tomando como
base o que venho aprendendo - significando – re-significando –
conscientizando-me sobre a escola como um espaço de transformação,
questionei e questiono o poder dessa instituição e do Pedagogo como um
profissional capaz de promover mudanças significativas num contexto social
mais amplo.
Ao expressarem que muitas pessoas não sabem o que é ser Pedagogo (a) ou
então o identificam com o ser professora as alunas geralmente demonstram irritação. O
que demonstra certa resistência, ainda que inconsciente, em relação às imagens sociais
sobre a Pedagogia.
Vale comentar que em nenhum momento das falas estabelecem a trajetória
histórica do magistério e da Pedagogia como uma das possíveis dimensões das
representações sociais em torno dessa profissão. Primeiramente podemos pensar que por
não estarem dimensionando historicamente o curso têm dificuldades em elaborar sua
própria conceituação sobre a profissão e, conseqüentemente delimitar seu campo de
212
atuação e sua importância na sociedade hoje, mas ao indicarem em suas falas resistência
em relação às percepções produzidas historicamente estão produzindo cenários de
conflito, âncora para a transformação das idéias sobre o curso de Pedagogia.
Cabe salientar que essa transformação é possível mediante o entendimento das
representações com o objetivo de sua reelaboração e em seguida pela superação das
mesmas. Tal processo é denominado por Saviani (1984) como catarse. Que ao remeterse a definição de Gramsci sobre o conceito denomina catarse como sendo a “elaboração
superior da estrutura em superestrutura na consciência dos homens.” (SAVIANI, 1984:
75) O conflito identificado nas alunas através de nossas conversas é um avanço,
considerando os estágios na catarse.
A transformação do pensar e agir a Pedagogia depende da consciência dos
limites e possibilidades da mesma no contexto atual. Para reconhecer o valor social do
Pedagogo (a) e construir uma identidade profissional condizente e coerente em tempos
pós-modernos é preciso produzir-viver processos de catarse na universidade. Somente
possível através de uma reflexão coletiva sobre os aspectos históricos que
condicionaram nossas representações, com o objetivo de superá-las.
A catarse se vincula à ruptura de visões que contradizem a própria História, no
sentido de que é necessário reelaborar e superar as representações que estão ‘presas’ a
outros tempos e espaços. Isso fundamenta a idéia de que a universidade não pode se
isentar da discussão sobre a relação entre representações sociais e história. No caso
especifico da Pedagogia não podemos deixar de acrescentar a questão de gênero nessa
relação.
A construção da identidade do Pedagogo (a) passa por muitas variáveis, desde a
subjetividade do sujeito até os aspectos concretamente históricos, possibilitadores de
sua formação, no sentido de eu -mundo. O Pedagogo precisa tanto do seu eu no mundo
quanto dos aspectos materiais desse mundo na sua formação. Isso denota que a
Pedagogia é válida para homens concretos, para suas necessidades reais, numa dada
sociedade, em tempos contextualizados. Precisamos discutir na universidade tais idéias
para podermos delinear conscientemente nosso espaço profissional e atuar nele. Não
podemos negar a historicidade das profissões, por isso é indispensável situar a
Pedagogia na História presente.
Ao dizer “Todo mundo que eu falo que faço Pedagogia me pergunta o que é
isso. É professora?” e fazê-lo com irritação, essa aluna está reagindo às imagens
produzidas socialmente e historicamente sobre o curso. A reação é indicio de que ela
demanda por clareza profissional. Algo somente possível com a consciência do nosso
papel de sujeitos históricos.
Como aluna do curso de Pedagogia espero que a academia se constitua como
espaço concreto para se repensar essa profissão. Possível na interseção da reação sobre
as representações sociais em relação ao magistério como profissão de mulher e a
produção coletiva de novos significados sendo elaborados pelos indivíduos em relação à
Pedagogia. Dessa forma, a universidade pode potencializar os processos de catarse
sugeridos.
Conclusões do Estudo
Quem, de três milênios,
Não é capaz de se dar conta
Vive na ignorância, na sombra,
A mercê dos dias, do tempo.
213
Johann Wolfgang von Goethe
As mulheres num dado momento histórico têm suas atividades ampliadas da
esfera privada para o âmbito público. A questão de sentir-se sujeito pelo trabalho,
determinando a identidade social do sujeito, nos faz pensar: o que é trabalho?
Consideramos o trabalho como qualquer atividade humana de modificação da natureza
concreta e simbólica. As representações sociais construídas historicamente sobre o
magistério e, logo, da Pedagogia configurou o contexto do processo de trabalho das
mulheres na educação.
Ao falar em processos de catarse estou pensando que alunas de Pedagogia
podem reelaborar suas representações sobre o curso e logo superá-las. A superação
dessas representações ampliaria as condições de discussão relativas ao processo de
trabalho das mulheres na educação viabilizando a estruturação da nossa identidade
profissional – algo necessário na História presente.
Quero dizer que com a superação dessas imagens caminharemos para a
compreensão do trabalho do Pedagogo (a), algo que não deve ser realizado a luz de
discursos sexistas. Devemos primeiramente re-significar nossas representações sobre
profissões para homens ou mulheres pela emergência da reflexão. A questão é se
estamos ou não, homens e mulheres- profissionais da educação - sendo expropriados em
nosso trabalho.
A Reificação do individuo nas suas atividades produtividades deve ser o ponto
central da nossa discussão enquanto mulheres – Pedagogas. Para isso é preciso “a
transformação dessas estruturas, que depende da reelaboração das representações, para
logo caminharmos para a superação das mesmas.”
Enquanto mulheres - alunas do curso de Pedagogia, o que podemos fazer?
Neste estudo identificamos que existe uma relação entre Pedagogia – profissão
de mulher. A partir dessa constatação foi possível delimitar algumas questões para
reflexão (pontos que estamos procurando trabalhar em sala de aula entre nós – alunas do
curso de Pedagogia):
os indicadores históricos relativos ao conteúdo implícito na relação Pedagogia –
profissão de mulher como viabilizador do processo de trabalho das mulheres na
educação,
as representações sociais entre gênero e trabalho que subentendem a idéia de
profissões para homens ou mulheres determinam o valor social atribuído ao
profissional.
Compreendemos que podemos desempenhar nosso papel enquanto Pedagogas,
sendo essa pensada ou não como um trabalho somente para mulheres. Ainda que a
mesma venha sendo desempenhada mais por mulheres do que por homens não a faz
inferior a outras profissões. Podemos ser Pedagogas - mulheres, contribuindo para o
desenvolvimento da libertação dos homens nas suas atividades produtivas, mediante o
pensar em conjunto, sobre esses pontos, porque a luta pela libertação das mulheres é a
luta pela libertação dos homens no e pelo trabalho.
Estas questões não estão ultrapassadas, e, apoiada nelas, busco em Simone de
Beauvoir (apud. BADINTER: 1985) a pergunta, mulher: segundo sexo? Acrescentando,
Pedagoga: profissão inferior? Acreditamos que a problemática é contemporânea e a
universidade, especialmente a faculdade de Pedagogia, deve reconhecê-la.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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