diagnósticos de campos magnéticos na superfície do sol, utilizando

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DIAGNÓSTICOS DE CAMPOS MAGNÉTICOS NA SUPERFÍCIE DO SOL, UTILIZANDO
LINHAS DE CÁLCIO
José Augusto S. S. Dutra1, Francisco C. R. Fernandes2
Universidade do Vale do Paraíba – UNIVAP / Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento
1
2
[email protected], [email protected]
Resumo- Neste trabalho é apresentada uma breve revisão do Efeito Zeeman, que causa os
desdobramentos nas linhas de emissão e absorção observadas no espectro de fontes emissoras e sua
dependência com a intensidade do campo magnético presente na fonte. Tais conceitos são abordados no
contexto da física solar. São apresentadas as principais manifestações dos campos magnéticos presentes
no Sol (tais como as regiões ativas e as manchas solares) e de que forma as linhas espectrais de Cálcio
podem ser utilizadas como diagnósticos de campos magnéticos na superfície do Sol. Neste sentido, é
descrito um procedimento que considera as transições dos níveis de energia associados às linhas de Ca II
presentes no espetro solar e a intensidade do campo magnético é determinada utilizando medidas típicas
de separação destas linhas observadas no espectro proveniente das regiões de manchas solares.
Palavras-chave: espectroscopia, linhas espectrais de Ca II, campos magnéticos solares.
Área do Conhecimento: Ciências Exatas e da Terra - Astronomia
Introdução
Em 1908, utilizando um espectógrafo de alta
dispersão,
George
Hale
observou
que
determinadas linhas espectrais produzidas nas
proximidades das manchas solares apareciam
como duplas ou mesmo triplas, isto é, ao invés de
apenas uma linha num determinado comprimento
de onda, o espectro mostrava um desdobramento,
de modo que via-se uma linha à direita e outra à
esquerda do comprimento de onda esperado. Este
fenômeno
de
duplicação
de
linhas
foi
posteriormente chamado de efeito Zeeman e
ocorre quando a fonte emissora de luz está
submetida a um campo magnético (no caso o
campo magnético solar). Com base na separação
das linhas observada, Hale determinou o campo
magnético nesta região, que chega a 5000 Gauss,
e conseguir mostrar que o campo magnético
médio, gerado pelo Sol é da ordem de 1 a 2
Gauss.
Efeito Zeeman
O desdobramento de linhas espectrais de
átomos por ação de campos magnéticos externos
é conhecido como efeito Zeeman, em outras
palavras, consiste no deslocamento das linhas
espectrais de um sistema (átomos, moléculas,
defeito , impurezas em cristais, etc.) em diferentes
componentes devido à ação de um campo
magnético. Esse efeito, previsto por Lorentz a
partir de teorias clássicas, foi investigado sem
sucesso por Faraday e finalmente descoberto pelo
físico holandês Peter Zeeman, em 1896, que, por
esta razão o fenômeno recebeu e é conhecido até
hoje como efeito Zeeman.
Este fenômeno é utilizado principalmente na
determinação da multiplicidade dos termos
espectrais (números quânticos dos níveis de
energia), mas pode servir também como
ferramenta para o diagnóstico e a possível
determinação da intensidade do campo magnético
presente no meio responsável pelas linhas
observadas nos espectros de vários objetos
astrofísicos, tais como nuvens de gás ionizado,
estrelas, e principalmente no Sol. Fora do contexto
astrofísico, o desdobramento dos níveis de
energia resultante da ação de um campo
magnético externo constitui a base das técnicas
de ressonância magnética utilizadas nos
diagnósticos médicos (COHEN-TANNOUJJI, et al.,
1983).
Campos Magnéticos Solares
A presença de campos magnéticos no Sol
desempenha um papel fundamental na geração de
diversos
fenômenos
solares
relacionados
principalmente com a atividade solar e que têm
efeitos no meio interplanetário, incluindo efeitos na
Terra (CECATTO, 2003).
O Sol tem um intenso e complexo campo
magnético. O campo magnético médio do Sol é de
cerca de 1 Gauss, cerca de duas vezes mais forte
do que a média do campo sobre a superfície da
Terra (cerca de 0,5 Gauss). Uma vez que à
superfície do Sol é mais de 12.000 vezes maior
que a Terra, a influência global do campo
magnético do Sol é muito grande.
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1
Em termos globais, a forma do campo
magnético do Sol é semelhante à forma do campo
da Terra, na formado campo de uma barra
magnética (imã) (Figura 1).
Figura 1- Diagrama ilustrando o campo de dipolo,
semelhante ao gerado por uma barra imantada.
O campo magnético do Sol se estende a
grandes distâncias muito além dos planetas. Nesta
distante extensão, o campo magnético do Sol é
chamado de Campo Magnético Interplanetário.
Sendo que, sobreposta a este campo básico
(chamado de campos de dipolo), existe uma
estrutura do campo solar muito complexa. O
campo magnético solar em larga escala apresenta
uma forma de linhas distendidas. Locais onde o
campo magnético do Sol é especialmente forte
são chamados ativos e, muitas vezes, produzem
par de manchas solares. A intensidade do campo
magnético local, na vizinhança de uma grande
mancha solar pode atingir 4.000 ou 5.000 Gauss,
muito maior do que a média do campo solar.
Perturbações no campo magnético próximo de
regiões
ativas
podem
desencadear
uma
reorganização deste campo, buscando sempre
estados mais estáveis e de menor energia, de
forma que a energia magnética armazenada no
campo, muitas vezes é liberada na forma de
explosões solares, como flares solares e ejeções
de massa coronal (SILVA, 2006).
Manchas solares
Na fotosfera solar são encontradas as
chamadas manchas solares, regiões escuras que
apresentam uma temperatura (da ordem de 3.000
a 4.000 K) inferior à média do restante da fotosfera
que é da ordem de 6.000 K (Figura 2). Uma
mancha solar típica pode ter um tamanho da Terra
(ou maior) e durar por alguns dias ou semanas.
Observando o deslocamento das manchas é
possível medir o período de rotação do Sol em
torno de si mesmo.
Figura 2- Imagem do disco solar mostrando
regiões com grupos de manchas solares (a). No
detalhe (b) é mostrado uma mancha solar,
apresentando as regiões denominadas de umbra
(mais escura) e penumbra (mais clara).
http://csep10.phys.utk.edu
/astr162/lect/sun/magnetic.html.
Nestas regiões, o campo magnético é muito
mais intenso, inibindo o transporte convectivo o
que as torna muito mais frias que a atmosfera. As
manchas solares representam as regiões onde o
campo magnético sub-fotosférico aflora, dando
origem aos arcos magnéticos (Figura 3) (SILVA,
2006).
Figura 3- Imagem em ultravioleta da atmosfera
solar (obtida pelo satélite TRACE) mostrando a
estrutura magnética em forma de arcos associada
a uma região ativa.
Por esta razão, as manchas geralmente
aparecem aos pares, segundo a bipolaridade do
campo magnético, ou seja, uma mancha
associada à polaridade norte vem sempre
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acompanhada por outra mancha, associada à
polaridade sul do campo magnético.
A manifestação destes campos magnéticos
intensos que afloram da superfície solar pode ser
visualizada em imagens de arcos magnéticos em
comprimentos de onda no ultravioleta ou raios–X.
Tais imagens mostram o confinamento de material
da atmosfera solar nas estruturas magnéticas em
forma de arcos associadas a altas temperaturas.
Atualmente, as letras usadas são as linhas D
do sódio (5980 nm), as linhas H e K do Cálcio II
(3933 e 3968,5 nm) e as linhas B do Magnésio. A
Figura 4 mostra detalhes de uma parte do
o
o
espectro solar (entre 4.300 A e 4.400 A ) e a
Figura 5 apresenta as principais séries de linhas
encontradas no espectro da atmosfera solar.
Espetro de linhas
A luz proveniente da fotosfera do Sol (e de
outras estrelas) apresenta uma assinatura da sua
temperatura, da sua idade e da sua composição
química. Uma vez que esta luz é absorvida e reemitida nas demais camadas superiores da
atmosfera da estrela, resulta um espectro de luz
não contínuo, ou seja, composto de linhas
espectrais.
Linhas espectrais solares
A primeira identificação das linhas fotosféricas
solares de absorção foi apresentada por
Frunhofer, em 1814. Para identificação das linhas
Frunhofer adotou uma nomenclatura com letras
maiúsculas para linhas mais fortes e letras
minúsculas para linhas mais fracas.
Figura 5- Linhas do espectro da atmosfera solar.
Figura 4- Parte do espectro solar (4300 a 4400 A), mostrando diversas linhas espectrais.
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3
Diagnóstico do campo magnético por meio de
linhas espectrais
Quando um átomo se desloca sob ação de um
campo magnético, cada nível atômico de energia
pode se dividir em três ou mais sub-níveis,
gerando uma separação das linhas, de acordo
com o efeito Zeeman. Se as separações são tão
pequenas que não podemos distingui-las, vemos
somente uma linha alargada. Quando o campo
magnético é forte, como acontece nas regiões
ativas solares (região das manchas), é possível
medir a separação entre linhas. A partir da
separação observada é possivel estimar a
intensidade do campo magnético presente no
meio onde as linhas são geradas (NINDOS; ZIRIN,
1998).
A Figura 6 mostra o efeito da presença de
campos magnéticos intensos na região das
manchas solares. Na figura, o painel da esquerda
mostra a imagem da fotosfera solar (caracterizada
pela granulação), onde está presente uma mancha
solar, com as áreas denominadas umbra (mais
escura) e penumbra (mais clara), resultantes da
diferença de temperatura causada pela presença
de fortes campos magnéticos aflorando das
regiões sub-fostosféricas. O painel de cima mostra
o espetro desta região, que apresenta linhas
espectrais mostrando o efeito de desdobramento
(efeito Zeeman). A presença de campos
magnéticos intensos nas manchas solares separa
as linhas espectrais em duas ou mais
componentes (região B). As regiões assinaladas
por A e C, mostram as linhas sem efeito Zeeman,
devido a ausência de campos magnéticos.
A
B
energia do desdobramento Zeeman obtida na
transição do Ca II (uma vez ionizado) será dada
por:
∆E = µ B Bgm j ,
sendo B a intensidade do campo magnético, mj = J, -J + 1 . . . +J, o número quântico referente à
transição. A presença do campo magnético
aumenta
a
degenerescência
no
nível,
desdobrando-o em 2J + 1 componentes, uma para
cada valor de mj. A grandeza g, denominada fator
g de Landé, é um coeficiente adimensional
característico do nível atômico considerado dado
por (EISBERG; RESNICK,1983).
g = 1+
j ( j + 1) + s ( s + 1) − l (l + 1)
2 j ( j + 1)
No caso da transição do nível D2 para D3 da
linha de Cálcio observada no espectro de linhas
para regiões ativas (manchas solares) teremos
que o fator g de Landé para o nível de energia 4
2
D1/2 é
g = 1+
1
2
( 12 + 1) − 12 (1 − 12 ) − 0(0 + 1)
2( 12 )( 12 + 1)
= 4/3 .
2
E para o nível 3 P1/2 é
g = 1+
1
2
( 12 + 1) + 12 ( 12 + 1) − 1(1 + 1)
2( 12 )( 12 + 1)
= 2/3 .
Os desdobramentos dos níveis de energia
podem ser calculados pela fórmula da energia
apresentada anteriormente, considerando o valor
do fator g do nível, do momento de dipolo
magnético e do número quântico mj. Assim, para o
2
nível 4 D1/2 tem-se que
∆E = g µB B mj
∆E = (4/3) (5,79 × 10 eV/Gauss) B (±1/2)
-9
C
∆E = ± 3.86 × 10 B (eV)
-9
Figura 6- Diagrama representando a manifestação
do efeito Zeeman observado nas linhas espectrais
solares (Adaptado de SCHRIJVER et al., 1989).
Cálculo do desdobramento dos níveis – Ca II
2
E, para o nível 3 P1/2 vem que
∆E = g µB B mj
∆E = (2/3) (5,79 × 10 eV/Gauss) B (±1/2)
-9
∆E = ±1.93× 10 B (eV)
-9
Nesta seção, é apresentado o procedimento
para determinação do campo magnético a partir
da observação da separação das linhas de Cálcio.
A distribuição eletrônica do átomo de Cálcio:
20
2
2
6
2
6
2
Ca - 1s 2s 2p 3s 3p 4s . A variação de
Deste modo, o desdobramento da linha de
maior comprimento de onda é
-9
-9
-9
- 1,93 × 10 B – 3,86 × 10 B = - 5,79× 10 B(eV);
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de grandeza maiores que o campo magnético da
Terra, da ordem de 0,5 Gauss.
e o de menor comprimento de onda é
-9
-9
-9
+ 1,93 × 10 B + 3,86 × 10 B = 5,79 × 10 B(eV).
Agradecimentos
A diferença de energia ∆E entre os dois fótons
será
JASSD agradece a bolsa de Mestrado recebida
da UNIVAP.
∆E = 11,58 × 10 B(eV)
-9
Referências
Sendo o comprimento de onda expresso por
λ = hν = hc / E, vem que E = hc / λ.
Então vem que a derivada do comprimento de
onda em relação à energia E será dada por:
dλ/dE = - hc / E
2
ou em termos de intervalos
∆λ = hc ∆Ε / Ε
2
Considerando, uma variação para separação
das linhas de Cálcio de ∆λ = 0,022 nm, de forma
que a variação em energia determinada
anteriormente será da ordem de
∆E = 11,58× 10 B(eV) = - (0,022 nm) (E / hc)
-9
2
Expressando a energia em Joules, vem que
∆E = 11,58 × 10 B x 1,6 × 10
-27
∆E = 18,52 × 10 B (J)
-9
-19
(J)
Considerando que E = hc / λ = hc / 3968,5 nm
resulta que
∆λ [hc / 3968,5 nm] = hc (18,52× 10
2
-27
B) (J)
Substituindo os valores da constante de
-3
Boltzmann h = 6,63 × 10 J.s e da velocidade da
8
luz no vácuo, c = 3 × 10 m/s, a intensidade do
campo magnético foi determinada. O campo
magnético estimado é da ordem de 0,5 T ou 5000
Gauss.
- CECATTO, J.R. O Sol. In: Introdução à
Astronomia e Astrofísica. Cap. 4. INPE INPE7177-PUD/38, 2003.
- COHEN-TANNOUJJI; DIU, B.; LALOÉ, F.
Quantum Mechanics. Vol. One, Editora Willey,
ISBN: 0-471-16433-X, 1983.
- EISBERG, R., RESNICK, R., Física Quântica –
Átomos, moléculas, sólidos, núcleos e partículas.
2ª. Edição. Editora Campus, Rio de janeiro, 1983.
- NINDOS, A.; ZIRIN, H. The relation of Ca II K
features to magnetic field. Solar Physics, V.179,
p. 253–268, 1998.
- SCHRIJVER, C.J.; COTE, J.; ZWAAN, C.; SAAR,
S.H. Relations between the photospheric magnetic
field and the emission from the outer atmospheres
of cool stars. I – The solar CA II K line core
emission. Astrophysical Journal, V.337, p.964976, 1989.
- SILVA, A. V. R., Nossa Estrela:o Sol. Coleção
Temas Atuais de FÍSICA, Livraria da Física
Editora, 2006.
- The Magnetic Field of the Sun. Disponível em:
http://csep10.phys.utk.edu/astr162/lect/sun/magnet
ic.html. Acesso em 02/05/2009.
- Solar Physics, Marshall Space Fligth Center.
Disponível em: http://solarscience.msfc.nasa.gov/
3dfields.shtmlSolar. Acesso em 30/04/2009.
Conclusão
A partir dos desdobramentos da linha do Ca II
observadas no espectro registrado para a emissão
das manchas solares, considerando os números
quânticos associados aos níveis de energia
referentes à transição do Cálcio, é possível
determinar a intensidade do campo magnético
presente. Os valores obtidos (da ordem de 5000
Gauss) estão de acordo com os esperados para
as regiões das manchas solares. E como
comparação, tais valores são cerca de 4 ordens
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