AS ELITES LOCAIS E A ORGANIZAÇÃO DO

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
AS ELITES LOCAIS E A ORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO1
IGOR PAOLO RIBEIRO DIAS RODRIGUES2
Resumo: A pesquisa visa compreender a relação entre as elites locais e o processo de
organização do território no Norte – Fluminense, mais especificamente em Campos dos Goytacazes.
Primeiro fazemos uma aproximação conceitual entre os conceitos de território e elites, esboçando
algumas discussões acerca dos mesmos. Feito isto analisamos a organização do território campista,
situando os momentos na formação da elite, ligada a cana de açúcar, e que dominou o território ao
longo da história. E por fim chegamos ao período atual da crise da tradicional elite usineira, e do
surgimento de uma elite política baseada na administração pública, e nos vultosos recursos das
rendas petrolíferas.
Palavras-chave: Território; Elites; Campos dos Goytacazes
Abstract: The research aims to understand the relationship between local elites and the process of
organizing the territory in the Norte - Fluminense, specifically in Campos dos Goytacazes. First we
make a conceptual approach between the concepts of territory and elites, outlining some discussions
about them. That done we analyze the organization of the territory of Campos, standing times in the
formation of elite, linked to sugar cane, and who dominated the territory throughout history. And last
we come to the current period of the traditional elite of sugar cane crisis, and the emergence of
political elite based on public administration, and in the vast resources of oil revenues.
Key-words: Territory; Elites; Campos dos Goytacazes
1 – Introdução
A pesquisa visa compreender a relação entre as elites locais e o processo de
organização do território no Norte – Fluminense, mais especificamente em Campos
dos Goytacazes. Para entender este processo partimos da noção de território,
mesmo existindo uma diversidade de concepções de território, em qualquer uma
será estabelecida uma relação com o poder. Principalmente em termos da
dominação político – econômica (Haesbaert, 2007). Consideramos que este
processo de dominação é empreendido por um grupo social em especifico que
entendemos enquanto “elites”, uma minoria que dirige a sociedade, exerce o poder e
disputa a liderança política (Bottomore, 1974). As elites em Campos são ligadas
historicamente a plantação, o beneficiamento da cana e comercialização do açúcar.
Aliamos assim a discussão de território e as elites locais, sintetizando em uma
sentença fundamental do nosso trabalho, para Souza (1995, p.79) questão
1
Pesquisa de mestrado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal
Fluminense – UFF/Campos dos Goytacazes, sob orientação da Profa. Dra. Silvana Cristina da Silva.
2
Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense, pólo
Campos dos Goytacazes. E-mail de contato: [email protected]
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importante do território que é “quem domina ou influencia quem nesse espaço, e
como?”, quem e como e sobre quem as relações de poder se dão no espaço, quem
no sentido do grupo social que domina outrem, e como se dá essa dominação, a
partir de que formas, de quais práticas e discursos, são questões fundamentais.
Percebemos então que este território campista que fazemos alusão foi sendo
organizado em um processo desigual e de dominação política perpetrado pelas
elites que aqui se constituíram.
Esse domínio político – econômico das elites locais vai se realizar no século
XX com a consolidação da monocultura da cana e reforço do poder da elite local.
Desse predomínio chegamos aos anos de 1970 – 1980 com a “modernização
conservadora” do setor, e a aliança das elites campistas e seus projetos
regionalistas e os projetos nacionais, com a obtenção de recursos para as atividades
sucroalcooleiras, sendo o maior exemplo o Proálcool (Cruz, 2003). A profunda crise
desta atividade na década de 1980 e o início da exploração do petróleo inauguram
um novo período na organização do território, com estabelecimento da atividade
petrolífera e dos royalties recebidos pela prefeitura (Piquet, 2003).
O importante nesse sentido é ao analisar a organização do território e as
relações de poder e dominação dos grupos elitistas, perceber sua mutação e
permanência. Como as formas desiguais se perpetuam e transfiguram-se em um
novo contexto sócio-espacial e econômico como este, que finda o longo período do
domínio da atividade sucroalcooleira e de suas elites inaugurando o período do
petróleo. Mas que também não significa mudanças radicais nas condições
socioeconômicas, a chave nesse sentido está na persistência das desigualdades
históricas (Cruz, 2003). Em um modelo de desenvolvimento baseado na
desigualdade, agora transmutado para formas atuais de dominação política e
econômica, nas administrações públicas e seu crescente domínio das rendas
petrolíferas, em um contexto de administrações municipais baseadas em uma
economia dos royalties.
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2 – Desenvolvimento
Território e elites uma aproximação
Muitos ao discutir o conceito partiram de uma frase que sintetizou bem a
noção de território, “um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de
poder” (SOUZA, 1995, p.78). Primeiro devemos considerar, que o poder está
presente nas mais distintas concepções de território. Olhando as definições e a
própria afirmação de Haesbaert (2007) ou Souza (2009) ou uma rápida leitura das
definições de território das mais diversas, de Ratzel a Sack passando por Gottmann,
isso fica claro. Para Souza (2009) afirmar isso não significa em hipótese alguma
alijar ou desmerecer qualquer uma das outras dimensões sociais, seja a econômica
ou a cultural. Essas outras dimensões são de extrema importância e compõem o
intricado e complexo jogo de relações que estabelecem um território. A própria
distinção soa artificial e até mesmo ideológica, já que a realidade complexa não
comporta tais distinções redutoras.
Haesbaert (2007) entende que território vai desde a explícita dominação
político – econômica a implícita apropriação cultural – simbólica. Vai utilizar a
distinção de Henri Lefebvre para diferenciar e definir a apropriação como
relacionada ao campo do vivido e do valor de uso, e a dominação mais concreta e
relacionada ao valor de troca. Compreende o conceito como expressando um
“espaço – tempo vivido”, complexo e diferente do território hegemônico do
capitalismo, “unifuncional” por definição e encarnado na figura do Estado. A própria
lógica capitalista irá fazer com que o processo de dominação sobreponha a “(re)
apropriação” por parte da sociedade. O território assim deve ser trabalhado na
multiplicidade de suas manifestações, de quem domina aos dominados, da luta
hegemônica a luta de resistência. O território funcionando como abrigo em relação
aos “atores hegemonizados” ou como recurso para “atores hegemônicos” (Santos,
2000). O distinguido assim, a partir de quem o constrói e de seus objetivos políticos.
Principalmente na relação espaço e poder, e como cada vez mais o controle do
espaço se expressa como controle social (Becker, 1998).
A territorialidade humana ligada diretamente ao poder seria expressa também
em suas dimensões econômica e cultural, contendo dois tipos ideais de território.
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Que Haesbaert (2007) conceitua como território funcional e simbólico, ligado
fundamentalmente as ideias de apropriação e dominação. Assim as relações de
poder produzem tanto “funções” quanto “significados”, como são ideais, os dois tipos
não podem ser considerados puros, mas sim, na realidade encontram-se em um
“continuum”. É importante também perceber a historicidade do território, porque a
apropriação e dominação vão variar ao longo do tempo, além de em si mesmas
como na relação entre elas nesse “continuum”. O Território seria então um
instrumento de poder e valor, além de valor de uso ou troca, mas também como
valor simbólico.
Esse campo de força chamado território é uma dimensão do espaço social,
assim como o poder é dimensão das relações sociais, o território seria então
expressão dessas relações (Souza, 2009). Haesbaert (2001) vai lembrar que para
David Harvey é a “prática humana em relação ao espaço” que responderá o que é o
espaço. Usando essa mesma lógica, o autor vai considerar que é através das
questões dentro de um processo de territorialização, que poderemos chegar não a
uma definição “acabada”, mas a uma aproximação do território. Mais importante do
que responder “o que é território”, é se questionar sobre as questões que nos levam
a produzirmos as concepções de território.
Quando nos deparamos com o território que ao longo do tempo foi sendo
construído em Campos, nos ficou claro que este, se constituía a partir da dominação
política, em relações de poder assimétricas, que um grupo desde o início exercia
sobre os demais. Essa minoria que domina política e economicamente, aparece
muitas vezes designada pelos autores como elites, talvez dada ao caráter histórico
de brutal exclusão, desigualdade e elitismo que nas planícies Goitacá se fincou. Mas
essa recorrente e bem presente elite surge onde? E se constitui como? Perguntas
essas feitas para não ficarmos na constatação e naturalização, se é verdade que
historicamente existem e existiram elites, não é verdade, que seja por carma ou
desígnio divino que elas exercem seu domínio. Por outro lado também não é um
dado e fardo a dominação de uma minoria, e junto com ela a sujeição da maioria,
mas sim é histórico e socialmente datado o processo espacial de dominação das
elites. Elas o assim o são, elites, dado a essa produção, que nesta pesquisa
tentaremos esboçar.
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Para isso é necessário agora que investiguemos o conceito “elite”, sua
diversidade de concepções, e em como essas discussões nos auxiliam no estudo da
organização do território em Campos. O termo elite em si nasce na França para
designar no século XVII coisas e produtos de alta qualidade. No século XVIII já
começa a ser difundida a acepção de elite que se referia à distinção e diferenciação
social, mas ainda de forma restrita. Essa acepção irá se difundir no final do XIX com
a divulgação da obra de Pareto, tornando-se cada vez mais recorrente
principalmente após as teorias sociológicas das elites nos anos de 1930. Do ponto
de vista teórico, os italianos Vilfredo Pareto (1848-1923) e Gaetano Mosca (18581941) são os precursores dos debates acerca das elites (Barnabé, 1999; Bottomore,
1974).
Bottomore (1974), Barnabé (1999), Perissinotto; Codato (2009b) concordam
com uma questão em particular, que o elitismo ou a teoria das elites clássicas nasce
como reação ao marxismo, ou mais especificamente como uma crítica profunda da
teoria das classes sociais marxista. Que vai desde o comprometimento ideológico
dessas teorias com as classes dominantes ao considerar a necessidade das elites,
até o rechace a sociedade sem classes ou a luta de classes. Não há a possibilidade
para esses autores de um governo popular ou uma sociedade igualitária, com isso
Mosca e Pareto se aproximam em seus confrontos, contra o marxismo e a
democracia, com o estabelecimento da crença em uma minoria dominante.
Concordamos com Bottomore (1974) em sua afirmação de que o elitismo é
determinista, naturaliza a condição de uma sociedade com elites ao não historicizar
sua formação, determinando que toda sociedade teve, e mais, precisar ter elites. A
mudança é vedada e impossibilitada devido à “eterna elite governante” que Barnabé
(1999) faz referência.
Perissinotto; Codato (2009 a-b) entendem a importância dos estudos das
elites para aprofundar a compreensão da reprodução das relações de dominação.
Ou como entende Bottomore (1974) a importância das elites no estudo das
sociedades, nas causas das modificações estruturais da sociedade ou mesmo a
mobilidade social nas elites. Atualmente para ele pode-se definir elites como grupos
funcionais que possuem status elevado dentro da sociedade, uma minoria que dirige
a sociedade exerce o poder e disputa a liderança política. Barnabé (1999) irá manter
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em seu texto uma relação entre elite, classe social e poder local, o que é válido para
nossa empreitada, estabelece, por exemplo, a ideia de ser o local onde ocorre as
relações de poder, apesar de acertadamente não esquecer do processo
globalização. Ao fazer pesquisa sobre elite política local elenca questões
fundamentais, como “as classes dominantes se fazem presente no local?” ou como
se dá o nexo dessa elite com uma classe dominante “geral”. Ou quando considera a
“elite política” oficial, os que exercem os cargos políticos e a não-oficial, que
controlam e influenciam as decisões políticas. Assim usa um conceito de elite mais
amplo não se restringindo a prefeitos e vereadores, mas também forças econômicas
e políticas – ideológicas, que influenciam direta ou indiretamente, e que apesar de
suas diferenças tem no mesmo objetivo sua semelhança o “controle do poder local”.
Perissinotto; Codato (2009a) lançam uma base teórico – metodológica para o estudo
dessas questões. Parte da ideia de classe como coletividade politicamente
representada por uma “elite de classe”, e para metodologicamente operacionalizar
isso, tenta identificar a “representação subjetiva de classe” a partir de três elementos
investigativos. Que apesar de pesos diferentes, todos concorrem de forma integrada
para a comprovação da relação de representação de classe. Primeiro o estudo do
comportamento da elite, as ações, segundo o conteúdo do discurso, e terceiro a
origem social dos membros da elite.
3 – Resultados
Território e elites em Campos dos Goytacazes3
Na parte anterior discutimos território e elites. Primeiro partimos da relação
fundamental espaço e poder, e como o território é fruto das relações de poder
projetadas no espaço, onde esse campo de forças se torna dimensão da
espacialidade social. Da materialidade e do simbólico do território vemos a dinâmica
da dominação política-econômica e da apropriação simbólica. Quem domina este
território é o segundo ponto, esta “minoria política” representa uma classe, donde da
relação das posses dos meios de (re)produção sai sua sustentação. Que é política e
econômica de forma dialética, mesmo que não diretamente em sua totalidade, uma
3
A partir deste momento utilizaremos em referência a Campos dos Goytacazes apenas o termo
Campos.
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parte ou fração da elite se estabelece enquanto “elite política”. No caso de Campos
desde muito cedo veremos o estabelecimento de um grupo que exercerá domínio
sobre os demais, não por acaso por muito tempo serão chamados de “senhores”,
palavra que designa muito bem a relação de mando e subserviência, é um termo
político por excelência. Que expressa um território marcado por relações de poder
brutalmente assimétricas, pelo domínio político e exploração econômica. É na
origem desse território que encontramos a origem dessa elite, e vice versa. Nesse
caso veremos a multiplicidade das manifestações do território, como já nos lembrou
Haesbaert a historicidade do território é fundamental, porque os processos de
apropriação e dominação serão variados ao longo da história, mudando e se
rearranjando. É daí que achamos oportuno historicizar o território de Campos.
A multiplicidade das manifestações dos territórios será expressa no que nos
lembrou Santos (2000), é importante ao olhar esse território perceber o par dialético
de quem domina e dos dominados. Desde o esforço hegemônico até a resistência, e
como o território pode ser “recurso” para os agentes hegemônicos ou “abrigo” para
os atores hegemonizados. Já discutimos que o motivo das elites serem elites não
vem do acaso, ou de suas qualidades como entendia Pareto. Por isso avança mais
Mosca quando enxerga a diversidade e os diversos interesses nestes grupos,
baseados não apenas na força, a elite também tira sua sustentação da
representação de interesses que ela administra. Assim longe da naturalização dos
teóricos do elitismo, partimos para historicizar e tentar esboçar a origem e o caráter
dessa elite, fugindo do determinismo da “eterna elite governante”, (que lembra
Barnabé) que na realidade vai historicamente se organizando utilizando os recursos
e seu domínio político, e posse dos meios de reprodução social.
Podemos assim baseado nos diversos autores falar em um processo histórico
de diversas fases das elites em Campos (Alves, 2007; Silva; Mota, 2004; Fridman,
2007; Pereira 2012). No primeiro momento uma elite formada a partir dos donatários
na capitania hereditária, e os colonos a quem eram dados as sesmarias, o território
era assim um território colonial fruto da geopolítica portuguesa, onde tais grupos
baseavam seu poder político e econômico na posse e domínio das terras. A partir
desse substrato nasceu uma aristocracia rural, os senhores de terras, escravos e
engenhos, aliados a uma burguesia mercantil (vendedores de açúcar, escravos e
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outras coisas), esse é o núcleo da nascente elite campista. Aqui temos o domínio
dos pequenos senhores dos engenhos e engenhocas em uma economia e território
colonial, agrária e escravista, tendo a cana de açúcar seu principal produto,
vinculado também a um diversificado setor de subsistência.
Será no século XIX que mudanças fundamentais ocorrem em Campos e na
sociedade brasileira, a chegada da família real, a independência, e o período político
econômico do primeiro e segundo império que são a conjuntura que forja o inicio do
segundo momento, quando os pequenos senhores e sua produção artesanal dão
lugar à uma modernização profunda. Que reorganiza a produção e as relações, é o
nascimento de uma “nobreza” rural, os “grandes” barões do açúcar e seus engenhos
a vapor, um período de concentração de renda e centralização política. É o
momento das mais diversas modernizações, seja na produção, ou as próprias
reformas urbanas, que precocemente começaram em Campos já na primeira
metade do século XIX. Essa nova aristocracia rural fruto da modernização, produtoprodutora, que acumulou riquezas também se baseava na economia agráriaescravista e era dependente da tríade terra, escravos e engenhos.
Essa nobreza rural do inicio e meados do século XIX também sofre uma
mudança, inaugurando o terceiro momento. O processo de modernização continua e
mudanças principalmente com a crise da economia escravista, e logo assim, o fim
do segundo império e o nascimento da república, forjam um contexto onde nas
décadas finais do século XIX vemos nascer uma nova elite, não mais de senhores
ou barões, mas sim do “moderno capitalista”, não mais senhor de escravos ou tão
somente de terras. Baseado na exploração do trabalho livre, seus negócios se
diversificam, o capital financeiro, a especulação e o rentismo se tornam presente,
essa elite é comerciante, industrial, donas de imóveis e etc. A cana continua sendo à
base do domínio territorial e em torno da qual a economia vai funcionando, mas
agora ela funciona em função da nascente indústria usineira. Os membros da elite
não são mais senhores de terras, mas sim donos de usinas, que são frutos de
sociedades comerciais e agrícolas, de diversos acionistas, das mais diversas firmas.
Bancos e ferrovias multiplicam-se na paisagem da planície Goitacá, ainda verde das
folhas da cana.
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O “moderno usineiro” então é produto-produtor da modernização do final do
século XIX e do XX. Mesmo que essa dita modernização esteja sempre bem ligada
ao passado. A “modernização conservadora” é marca tanto dos discursos quanto da
prática dessas elites. O século XX é o período do domínio das usinas e seu setor
produtivo, bem como do usineiro. Sua projeção política pode ser percebida nos
diversos e sucessivos planos de modernização do urbano campista e o sempre
repetido projeto de Campos capital do Estado. Evocando uma “consciência
regional”, que se repete sempre como sina, em relação ao “passado glorioso” da
grande Campos. Esse expediente sempre é utilizado, principalmente em dois
distintos momentos, nos períodos de expansão da economia e bons ventos da cana,
e nos períodos de crise. Ao longo do século XX a atividade sucroalcooleira e suas
elites passarão por diversos momentos de grande crescimento e outros de crise,
como nos anos de 1920 e profunda crise. Diante da crise o auxilio do governo
federal, é uma elite tutelada que se consolida ao longo do tempo e das diversas
crises que se sucederam (1940, 1950) (Alves, 2011; Cruz, 2003).
A (re)produção social está ligada as elites e a construção de uma identidade e
projeto de território, elitista, autoritário e desigual; articulado com os investimentos
que vem do governo federal. A crise do petróleo nos anos 1970, dentre outros, é o
motivo para dois movimentos do governo central que mudam Campos. A criação do
Proálcool e a instalação da Petrobrás. É a partir desses recursos que a elite em crise
se reergue. Assim, estabelece-se um jogo escalar de relações que são
fundamentais, no estabelecimento e propagação do projeto das elites, alimentadas
com recursos federais em decorrência da crise mundial do petróleo e a necessidade
de recursos energéticos. As elites colocaram-se porta-vozes desse projeto,
utilizando um expediente político e cultural, o passado, e a identidade econômica da
cana. Porque é a partir dessa afirmação, das “tradicionais” bases econômicas, a
“vocação” regional, que se podia articular os recursos e o projeto, já que o Proalcool
é a sobrevida e último suspiro do setor sucroalcooleiro e de suas elites. Aqui um
novo processo de modernização ocorre, já entendido em sua forma autoritária e
excludente, como Cruz (2003) mostra, a modernização conservadora, das antigas
relações sociais que não são incompatíveis com o novo, com o capitalismo moderno
e sua dinâmica. As elites reproduzem politicamente a “modernização pelo alto” a
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“revolução passiva”, baseados no “pacto oligárquico” remodelado com a ditadura,
que estende a “cidadania incompleta” para as classes trabalhadoras. Esse estado de
coisas preserva as elites e suas relações clientelísticas, paternalistas e autoritárias.
Nos anos de 1980 com toda sua conjuntura de fim da ditadura,
redemocratização e profunda crise econômica e social, vemos o declínio e implosão
do setor sucroalcooleiro e de suas elites. O pacto entre a ditadura e as elites é
rompido e os recursos da tutela governamental param de chegar. A elite “parasitária”
de recursos públicos perde economicamente e politicamente, é nítido a perda de seu
poder e influência. A situação paupérrima dos trabalhadores e a crise, culminam em
diversas lutas e greves seguidas, surge uma receptividade geral a luta dos
trabalhadores e candidaturas com bandeiras sociais no sindicalismo e nas lutas de
bairro, unindo-se em oposição ao “poder dos usineiros”. Dentro desse contexto a
expansão das atividades da Petrobrás em Campos, logo tornando a bacia de
Campos a maior de todas no país, reacende a esperança dos recursos que vinham
do petróleo, ser alternativa ao modelo e domínio da cana e de suas elites, sendo
símbolo e base de um novo modelo e projeto territorial (Cruz, 2003). A profunda
crise da década de 1980 e o início da exploração do petróleo inauguram um novo
período na organização do território, com estabelecimento da atividade petrolífera e
dos royalties recebidos pela prefeitura (Piquet, 2003). O ano de 1988 é importante,
visto que, pela primeira vez um candidato não ligado as elites usineiras e saído do
caldo cultural de oposição as mesmas, torna-se prefeito em Campos.
4 – Conclusão
As elites exercem um domínio no território, esse é exercido a partir do
domínio da economia e da política, criando e recriando uma cultura de desigualdade
e mando em relação às populações pobres. Essa é a chave e lógica de organização
territorial em Campos. Quando se pensa na origem e persistência das
desigualdades em Campos, Cruz (2003) muito bem traz a situação sempre
paradoxal de ao mesmo tempo em que recebe investimentos em atividades
produtivas dinâmicas e ligadas ao setor de energia, também é um lugar pobre e
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muito desigual. O Autor vê na dinâmica do projeto das elites e hegemonia a causa.
Se analisarmos a organização do território realizado a partir de uma relação de
domínio das elites, chegamos a um momento no fim dos anos de 1980 e início dos
anos 1990, onde as bases econômicas e políticas das tradicionais elites não existem
mais. O que resta então? Uma nova elite surgiu? A esperança que em Campos foi
gestada, de que os recursos do petróleo patrocinariam uma mudança, infelizmente
não ocorreu. Os royalties foram “sequestrados” por administrações públicas (Serra,
2007), em um modelo de desenvolvimento baseado na desigualdade.
Nela surge, talvez, uma nova “elite” que não domina a economia diretamente,
como Bottomore (1974) nos lembrou, se a ideia marxista é de que a classe
dominante o é por causa de seu domínio dos meios de produção, traz Max Weber
que considera que a posse dos meios de administração pode ser alternativa a posse
dos meios de produção, para basear o poder político. A nossa tese é de que surge
uma nova “elite” política baseada nas administrações públicas, e no crescente
domínio das rendas petrolíferas, um grupo político que com alternância interna
domina desde o final de 1980 até os dias atuais, mantendo e atualizando as práticas
políticas tradicionais. Campos hoje é o município que mais recebe esses recursos no
Brasil, mas também amarga índices sociais péssimos4. Os royalties do petróleo ao
que todos os mais diversos estudos mostram, não serviram para mudar a dinâmica
desigual e excludente no território, marca do mesmo desde sua fundação, nas
planícies que agora não são mais verdes de cana e brancas do “ouro branco”, mas
que agora jorra o “ouro negro”, dos dois “ouros”5 a grande parte da população não
foi e continuam não sendo beneficiada.
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1999.
4
5
Por exemplo, reveza entre o último e penúltimo lugar no IDEB do Estado.
Expressões conhecidas em Campos, ouro branco designa o açúcar e o negro o petróleo.
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