A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO AS ELITES LOCAIS E A ORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO1 IGOR PAOLO RIBEIRO DIAS RODRIGUES2 Resumo: A pesquisa visa compreender a relação entre as elites locais e o processo de organização do território no Norte – Fluminense, mais especificamente em Campos dos Goytacazes. Primeiro fazemos uma aproximação conceitual entre os conceitos de território e elites, esboçando algumas discussões acerca dos mesmos. Feito isto analisamos a organização do território campista, situando os momentos na formação da elite, ligada a cana de açúcar, e que dominou o território ao longo da história. E por fim chegamos ao período atual da crise da tradicional elite usineira, e do surgimento de uma elite política baseada na administração pública, e nos vultosos recursos das rendas petrolíferas. Palavras-chave: Território; Elites; Campos dos Goytacazes Abstract: The research aims to understand the relationship between local elites and the process of organizing the territory in the Norte - Fluminense, specifically in Campos dos Goytacazes. First we make a conceptual approach between the concepts of territory and elites, outlining some discussions about them. That done we analyze the organization of the territory of Campos, standing times in the formation of elite, linked to sugar cane, and who dominated the territory throughout history. And last we come to the current period of the traditional elite of sugar cane crisis, and the emergence of political elite based on public administration, and in the vast resources of oil revenues. Key-words: Territory; Elites; Campos dos Goytacazes 1 – Introdução A pesquisa visa compreender a relação entre as elites locais e o processo de organização do território no Norte – Fluminense, mais especificamente em Campos dos Goytacazes. Para entender este processo partimos da noção de território, mesmo existindo uma diversidade de concepções de território, em qualquer uma será estabelecida uma relação com o poder. Principalmente em termos da dominação político – econômica (Haesbaert, 2007). Consideramos que este processo de dominação é empreendido por um grupo social em especifico que entendemos enquanto “elites”, uma minoria que dirige a sociedade, exerce o poder e disputa a liderança política (Bottomore, 1974). As elites em Campos são ligadas historicamente a plantação, o beneficiamento da cana e comercialização do açúcar. Aliamos assim a discussão de território e as elites locais, sintetizando em uma sentença fundamental do nosso trabalho, para Souza (1995, p.79) questão 1 Pesquisa de mestrado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense – UFF/Campos dos Goytacazes, sob orientação da Profa. Dra. Silvana Cristina da Silva. 2 Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense, pólo Campos dos Goytacazes. E-mail de contato: [email protected] 6841 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO importante do território que é “quem domina ou influencia quem nesse espaço, e como?”, quem e como e sobre quem as relações de poder se dão no espaço, quem no sentido do grupo social que domina outrem, e como se dá essa dominação, a partir de que formas, de quais práticas e discursos, são questões fundamentais. Percebemos então que este território campista que fazemos alusão foi sendo organizado em um processo desigual e de dominação política perpetrado pelas elites que aqui se constituíram. Esse domínio político – econômico das elites locais vai se realizar no século XX com a consolidação da monocultura da cana e reforço do poder da elite local. Desse predomínio chegamos aos anos de 1970 – 1980 com a “modernização conservadora” do setor, e a aliança das elites campistas e seus projetos regionalistas e os projetos nacionais, com a obtenção de recursos para as atividades sucroalcooleiras, sendo o maior exemplo o Proálcool (Cruz, 2003). A profunda crise desta atividade na década de 1980 e o início da exploração do petróleo inauguram um novo período na organização do território, com estabelecimento da atividade petrolífera e dos royalties recebidos pela prefeitura (Piquet, 2003). O importante nesse sentido é ao analisar a organização do território e as relações de poder e dominação dos grupos elitistas, perceber sua mutação e permanência. Como as formas desiguais se perpetuam e transfiguram-se em um novo contexto sócio-espacial e econômico como este, que finda o longo período do domínio da atividade sucroalcooleira e de suas elites inaugurando o período do petróleo. Mas que também não significa mudanças radicais nas condições socioeconômicas, a chave nesse sentido está na persistência das desigualdades históricas (Cruz, 2003). Em um modelo de desenvolvimento baseado na desigualdade, agora transmutado para formas atuais de dominação política e econômica, nas administrações públicas e seu crescente domínio das rendas petrolíferas, em um contexto de administrações municipais baseadas em uma economia dos royalties. 6842 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 2 – Desenvolvimento Território e elites uma aproximação Muitos ao discutir o conceito partiram de uma frase que sintetizou bem a noção de território, “um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder” (SOUZA, 1995, p.78). Primeiro devemos considerar, que o poder está presente nas mais distintas concepções de território. Olhando as definições e a própria afirmação de Haesbaert (2007) ou Souza (2009) ou uma rápida leitura das definições de território das mais diversas, de Ratzel a Sack passando por Gottmann, isso fica claro. Para Souza (2009) afirmar isso não significa em hipótese alguma alijar ou desmerecer qualquer uma das outras dimensões sociais, seja a econômica ou a cultural. Essas outras dimensões são de extrema importância e compõem o intricado e complexo jogo de relações que estabelecem um território. A própria distinção soa artificial e até mesmo ideológica, já que a realidade complexa não comporta tais distinções redutoras. Haesbaert (2007) entende que território vai desde a explícita dominação político – econômica a implícita apropriação cultural – simbólica. Vai utilizar a distinção de Henri Lefebvre para diferenciar e definir a apropriação como relacionada ao campo do vivido e do valor de uso, e a dominação mais concreta e relacionada ao valor de troca. Compreende o conceito como expressando um “espaço – tempo vivido”, complexo e diferente do território hegemônico do capitalismo, “unifuncional” por definição e encarnado na figura do Estado. A própria lógica capitalista irá fazer com que o processo de dominação sobreponha a “(re) apropriação” por parte da sociedade. O território assim deve ser trabalhado na multiplicidade de suas manifestações, de quem domina aos dominados, da luta hegemônica a luta de resistência. O território funcionando como abrigo em relação aos “atores hegemonizados” ou como recurso para “atores hegemônicos” (Santos, 2000). O distinguido assim, a partir de quem o constrói e de seus objetivos políticos. Principalmente na relação espaço e poder, e como cada vez mais o controle do espaço se expressa como controle social (Becker, 1998). A territorialidade humana ligada diretamente ao poder seria expressa também em suas dimensões econômica e cultural, contendo dois tipos ideais de território. 6843 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Que Haesbaert (2007) conceitua como território funcional e simbólico, ligado fundamentalmente as ideias de apropriação e dominação. Assim as relações de poder produzem tanto “funções” quanto “significados”, como são ideais, os dois tipos não podem ser considerados puros, mas sim, na realidade encontram-se em um “continuum”. É importante também perceber a historicidade do território, porque a apropriação e dominação vão variar ao longo do tempo, além de em si mesmas como na relação entre elas nesse “continuum”. O Território seria então um instrumento de poder e valor, além de valor de uso ou troca, mas também como valor simbólico. Esse campo de força chamado território é uma dimensão do espaço social, assim como o poder é dimensão das relações sociais, o território seria então expressão dessas relações (Souza, 2009). Haesbaert (2001) vai lembrar que para David Harvey é a “prática humana em relação ao espaço” que responderá o que é o espaço. Usando essa mesma lógica, o autor vai considerar que é através das questões dentro de um processo de territorialização, que poderemos chegar não a uma definição “acabada”, mas a uma aproximação do território. Mais importante do que responder “o que é território”, é se questionar sobre as questões que nos levam a produzirmos as concepções de território. Quando nos deparamos com o território que ao longo do tempo foi sendo construído em Campos, nos ficou claro que este, se constituía a partir da dominação política, em relações de poder assimétricas, que um grupo desde o início exercia sobre os demais. Essa minoria que domina política e economicamente, aparece muitas vezes designada pelos autores como elites, talvez dada ao caráter histórico de brutal exclusão, desigualdade e elitismo que nas planícies Goitacá se fincou. Mas essa recorrente e bem presente elite surge onde? E se constitui como? Perguntas essas feitas para não ficarmos na constatação e naturalização, se é verdade que historicamente existem e existiram elites, não é verdade, que seja por carma ou desígnio divino que elas exercem seu domínio. Por outro lado também não é um dado e fardo a dominação de uma minoria, e junto com ela a sujeição da maioria, mas sim é histórico e socialmente datado o processo espacial de dominação das elites. Elas o assim o são, elites, dado a essa produção, que nesta pesquisa tentaremos esboçar. 6844 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Para isso é necessário agora que investiguemos o conceito “elite”, sua diversidade de concepções, e em como essas discussões nos auxiliam no estudo da organização do território em Campos. O termo elite em si nasce na França para designar no século XVII coisas e produtos de alta qualidade. No século XVIII já começa a ser difundida a acepção de elite que se referia à distinção e diferenciação social, mas ainda de forma restrita. Essa acepção irá se difundir no final do XIX com a divulgação da obra de Pareto, tornando-se cada vez mais recorrente principalmente após as teorias sociológicas das elites nos anos de 1930. Do ponto de vista teórico, os italianos Vilfredo Pareto (1848-1923) e Gaetano Mosca (18581941) são os precursores dos debates acerca das elites (Barnabé, 1999; Bottomore, 1974). Bottomore (1974), Barnabé (1999), Perissinotto; Codato (2009b) concordam com uma questão em particular, que o elitismo ou a teoria das elites clássicas nasce como reação ao marxismo, ou mais especificamente como uma crítica profunda da teoria das classes sociais marxista. Que vai desde o comprometimento ideológico dessas teorias com as classes dominantes ao considerar a necessidade das elites, até o rechace a sociedade sem classes ou a luta de classes. Não há a possibilidade para esses autores de um governo popular ou uma sociedade igualitária, com isso Mosca e Pareto se aproximam em seus confrontos, contra o marxismo e a democracia, com o estabelecimento da crença em uma minoria dominante. Concordamos com Bottomore (1974) em sua afirmação de que o elitismo é determinista, naturaliza a condição de uma sociedade com elites ao não historicizar sua formação, determinando que toda sociedade teve, e mais, precisar ter elites. A mudança é vedada e impossibilitada devido à “eterna elite governante” que Barnabé (1999) faz referência. Perissinotto; Codato (2009 a-b) entendem a importância dos estudos das elites para aprofundar a compreensão da reprodução das relações de dominação. Ou como entende Bottomore (1974) a importância das elites no estudo das sociedades, nas causas das modificações estruturais da sociedade ou mesmo a mobilidade social nas elites. Atualmente para ele pode-se definir elites como grupos funcionais que possuem status elevado dentro da sociedade, uma minoria que dirige a sociedade exerce o poder e disputa a liderança política. Barnabé (1999) irá manter 6845 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO em seu texto uma relação entre elite, classe social e poder local, o que é válido para nossa empreitada, estabelece, por exemplo, a ideia de ser o local onde ocorre as relações de poder, apesar de acertadamente não esquecer do processo globalização. Ao fazer pesquisa sobre elite política local elenca questões fundamentais, como “as classes dominantes se fazem presente no local?” ou como se dá o nexo dessa elite com uma classe dominante “geral”. Ou quando considera a “elite política” oficial, os que exercem os cargos políticos e a não-oficial, que controlam e influenciam as decisões políticas. Assim usa um conceito de elite mais amplo não se restringindo a prefeitos e vereadores, mas também forças econômicas e políticas – ideológicas, que influenciam direta ou indiretamente, e que apesar de suas diferenças tem no mesmo objetivo sua semelhança o “controle do poder local”. Perissinotto; Codato (2009a) lançam uma base teórico – metodológica para o estudo dessas questões. Parte da ideia de classe como coletividade politicamente representada por uma “elite de classe”, e para metodologicamente operacionalizar isso, tenta identificar a “representação subjetiva de classe” a partir de três elementos investigativos. Que apesar de pesos diferentes, todos concorrem de forma integrada para a comprovação da relação de representação de classe. Primeiro o estudo do comportamento da elite, as ações, segundo o conteúdo do discurso, e terceiro a origem social dos membros da elite. 3 – Resultados Território e elites em Campos dos Goytacazes3 Na parte anterior discutimos território e elites. Primeiro partimos da relação fundamental espaço e poder, e como o território é fruto das relações de poder projetadas no espaço, onde esse campo de forças se torna dimensão da espacialidade social. Da materialidade e do simbólico do território vemos a dinâmica da dominação política-econômica e da apropriação simbólica. Quem domina este território é o segundo ponto, esta “minoria política” representa uma classe, donde da relação das posses dos meios de (re)produção sai sua sustentação. Que é política e econômica de forma dialética, mesmo que não diretamente em sua totalidade, uma 3 A partir deste momento utilizaremos em referência a Campos dos Goytacazes apenas o termo Campos. 6846 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO parte ou fração da elite se estabelece enquanto “elite política”. No caso de Campos desde muito cedo veremos o estabelecimento de um grupo que exercerá domínio sobre os demais, não por acaso por muito tempo serão chamados de “senhores”, palavra que designa muito bem a relação de mando e subserviência, é um termo político por excelência. Que expressa um território marcado por relações de poder brutalmente assimétricas, pelo domínio político e exploração econômica. É na origem desse território que encontramos a origem dessa elite, e vice versa. Nesse caso veremos a multiplicidade das manifestações do território, como já nos lembrou Haesbaert a historicidade do território é fundamental, porque os processos de apropriação e dominação serão variados ao longo da história, mudando e se rearranjando. É daí que achamos oportuno historicizar o território de Campos. A multiplicidade das manifestações dos territórios será expressa no que nos lembrou Santos (2000), é importante ao olhar esse território perceber o par dialético de quem domina e dos dominados. Desde o esforço hegemônico até a resistência, e como o território pode ser “recurso” para os agentes hegemônicos ou “abrigo” para os atores hegemonizados. Já discutimos que o motivo das elites serem elites não vem do acaso, ou de suas qualidades como entendia Pareto. Por isso avança mais Mosca quando enxerga a diversidade e os diversos interesses nestes grupos, baseados não apenas na força, a elite também tira sua sustentação da representação de interesses que ela administra. Assim longe da naturalização dos teóricos do elitismo, partimos para historicizar e tentar esboçar a origem e o caráter dessa elite, fugindo do determinismo da “eterna elite governante”, (que lembra Barnabé) que na realidade vai historicamente se organizando utilizando os recursos e seu domínio político, e posse dos meios de reprodução social. Podemos assim baseado nos diversos autores falar em um processo histórico de diversas fases das elites em Campos (Alves, 2007; Silva; Mota, 2004; Fridman, 2007; Pereira 2012). No primeiro momento uma elite formada a partir dos donatários na capitania hereditária, e os colonos a quem eram dados as sesmarias, o território era assim um território colonial fruto da geopolítica portuguesa, onde tais grupos baseavam seu poder político e econômico na posse e domínio das terras. A partir desse substrato nasceu uma aristocracia rural, os senhores de terras, escravos e engenhos, aliados a uma burguesia mercantil (vendedores de açúcar, escravos e 6847 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO outras coisas), esse é o núcleo da nascente elite campista. Aqui temos o domínio dos pequenos senhores dos engenhos e engenhocas em uma economia e território colonial, agrária e escravista, tendo a cana de açúcar seu principal produto, vinculado também a um diversificado setor de subsistência. Será no século XIX que mudanças fundamentais ocorrem em Campos e na sociedade brasileira, a chegada da família real, a independência, e o período político econômico do primeiro e segundo império que são a conjuntura que forja o inicio do segundo momento, quando os pequenos senhores e sua produção artesanal dão lugar à uma modernização profunda. Que reorganiza a produção e as relações, é o nascimento de uma “nobreza” rural, os “grandes” barões do açúcar e seus engenhos a vapor, um período de concentração de renda e centralização política. É o momento das mais diversas modernizações, seja na produção, ou as próprias reformas urbanas, que precocemente começaram em Campos já na primeira metade do século XIX. Essa nova aristocracia rural fruto da modernização, produtoprodutora, que acumulou riquezas também se baseava na economia agráriaescravista e era dependente da tríade terra, escravos e engenhos. Essa nobreza rural do inicio e meados do século XIX também sofre uma mudança, inaugurando o terceiro momento. O processo de modernização continua e mudanças principalmente com a crise da economia escravista, e logo assim, o fim do segundo império e o nascimento da república, forjam um contexto onde nas décadas finais do século XIX vemos nascer uma nova elite, não mais de senhores ou barões, mas sim do “moderno capitalista”, não mais senhor de escravos ou tão somente de terras. Baseado na exploração do trabalho livre, seus negócios se diversificam, o capital financeiro, a especulação e o rentismo se tornam presente, essa elite é comerciante, industrial, donas de imóveis e etc. A cana continua sendo à base do domínio territorial e em torno da qual a economia vai funcionando, mas agora ela funciona em função da nascente indústria usineira. Os membros da elite não são mais senhores de terras, mas sim donos de usinas, que são frutos de sociedades comerciais e agrícolas, de diversos acionistas, das mais diversas firmas. Bancos e ferrovias multiplicam-se na paisagem da planície Goitacá, ainda verde das folhas da cana. 6848 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO O “moderno usineiro” então é produto-produtor da modernização do final do século XIX e do XX. Mesmo que essa dita modernização esteja sempre bem ligada ao passado. A “modernização conservadora” é marca tanto dos discursos quanto da prática dessas elites. O século XX é o período do domínio das usinas e seu setor produtivo, bem como do usineiro. Sua projeção política pode ser percebida nos diversos e sucessivos planos de modernização do urbano campista e o sempre repetido projeto de Campos capital do Estado. Evocando uma “consciência regional”, que se repete sempre como sina, em relação ao “passado glorioso” da grande Campos. Esse expediente sempre é utilizado, principalmente em dois distintos momentos, nos períodos de expansão da economia e bons ventos da cana, e nos períodos de crise. Ao longo do século XX a atividade sucroalcooleira e suas elites passarão por diversos momentos de grande crescimento e outros de crise, como nos anos de 1920 e profunda crise. Diante da crise o auxilio do governo federal, é uma elite tutelada que se consolida ao longo do tempo e das diversas crises que se sucederam (1940, 1950) (Alves, 2011; Cruz, 2003). A (re)produção social está ligada as elites e a construção de uma identidade e projeto de território, elitista, autoritário e desigual; articulado com os investimentos que vem do governo federal. A crise do petróleo nos anos 1970, dentre outros, é o motivo para dois movimentos do governo central que mudam Campos. A criação do Proálcool e a instalação da Petrobrás. É a partir desses recursos que a elite em crise se reergue. Assim, estabelece-se um jogo escalar de relações que são fundamentais, no estabelecimento e propagação do projeto das elites, alimentadas com recursos federais em decorrência da crise mundial do petróleo e a necessidade de recursos energéticos. As elites colocaram-se porta-vozes desse projeto, utilizando um expediente político e cultural, o passado, e a identidade econômica da cana. Porque é a partir dessa afirmação, das “tradicionais” bases econômicas, a “vocação” regional, que se podia articular os recursos e o projeto, já que o Proalcool é a sobrevida e último suspiro do setor sucroalcooleiro e de suas elites. Aqui um novo processo de modernização ocorre, já entendido em sua forma autoritária e excludente, como Cruz (2003) mostra, a modernização conservadora, das antigas relações sociais que não são incompatíveis com o novo, com o capitalismo moderno e sua dinâmica. As elites reproduzem politicamente a “modernização pelo alto” a 6849 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO “revolução passiva”, baseados no “pacto oligárquico” remodelado com a ditadura, que estende a “cidadania incompleta” para as classes trabalhadoras. Esse estado de coisas preserva as elites e suas relações clientelísticas, paternalistas e autoritárias. Nos anos de 1980 com toda sua conjuntura de fim da ditadura, redemocratização e profunda crise econômica e social, vemos o declínio e implosão do setor sucroalcooleiro e de suas elites. O pacto entre a ditadura e as elites é rompido e os recursos da tutela governamental param de chegar. A elite “parasitária” de recursos públicos perde economicamente e politicamente, é nítido a perda de seu poder e influência. A situação paupérrima dos trabalhadores e a crise, culminam em diversas lutas e greves seguidas, surge uma receptividade geral a luta dos trabalhadores e candidaturas com bandeiras sociais no sindicalismo e nas lutas de bairro, unindo-se em oposição ao “poder dos usineiros”. Dentro desse contexto a expansão das atividades da Petrobrás em Campos, logo tornando a bacia de Campos a maior de todas no país, reacende a esperança dos recursos que vinham do petróleo, ser alternativa ao modelo e domínio da cana e de suas elites, sendo símbolo e base de um novo modelo e projeto territorial (Cruz, 2003). A profunda crise da década de 1980 e o início da exploração do petróleo inauguram um novo período na organização do território, com estabelecimento da atividade petrolífera e dos royalties recebidos pela prefeitura (Piquet, 2003). O ano de 1988 é importante, visto que, pela primeira vez um candidato não ligado as elites usineiras e saído do caldo cultural de oposição as mesmas, torna-se prefeito em Campos. 4 – Conclusão As elites exercem um domínio no território, esse é exercido a partir do domínio da economia e da política, criando e recriando uma cultura de desigualdade e mando em relação às populações pobres. Essa é a chave e lógica de organização territorial em Campos. Quando se pensa na origem e persistência das desigualdades em Campos, Cruz (2003) muito bem traz a situação sempre paradoxal de ao mesmo tempo em que recebe investimentos em atividades produtivas dinâmicas e ligadas ao setor de energia, também é um lugar pobre e 6850 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO muito desigual. O Autor vê na dinâmica do projeto das elites e hegemonia a causa. Se analisarmos a organização do território realizado a partir de uma relação de domínio das elites, chegamos a um momento no fim dos anos de 1980 e início dos anos 1990, onde as bases econômicas e políticas das tradicionais elites não existem mais. O que resta então? Uma nova elite surgiu? A esperança que em Campos foi gestada, de que os recursos do petróleo patrocinariam uma mudança, infelizmente não ocorreu. Os royalties foram “sequestrados” por administrações públicas (Serra, 2007), em um modelo de desenvolvimento baseado na desigualdade. Nela surge, talvez, uma nova “elite” que não domina a economia diretamente, como Bottomore (1974) nos lembrou, se a ideia marxista é de que a classe dominante o é por causa de seu domínio dos meios de produção, traz Max Weber que considera que a posse dos meios de administração pode ser alternativa a posse dos meios de produção, para basear o poder político. A nossa tese é de que surge uma nova “elite” política baseada nas administrações públicas, e no crescente domínio das rendas petrolíferas, um grupo político que com alternância interna domina desde o final de 1980 até os dias atuais, mantendo e atualizando as práticas políticas tradicionais. Campos hoje é o município que mais recebe esses recursos no Brasil, mas também amarga índices sociais péssimos4. Os royalties do petróleo ao que todos os mais diversos estudos mostram, não serviram para mudar a dinâmica desigual e excludente no território, marca do mesmo desde sua fundação, nas planícies que agora não são mais verdes de cana e brancas do “ouro branco”, mas que agora jorra o “ouro negro”, dos dois “ouros”5 a grande parte da população não foi e continuam não sendo beneficiada. 4 – Referências Bibliográficas ALVES, H M. A Sultana do Paraíba: Reformas urbanas e poder político em Campos dos Goytacazes (1890-1930). Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro; Imprensa Oficial, 2007. _____. Modernização Urbana e Poder Político em Campos dos Goytacazes (193040). In: XI Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências Sociais, Salvador: 2011. BARNABÉ, I R. Elite, classe social e poder local. Estudos de Sociologia, v. 4, n. 7, 1999. 4 5 Por exemplo, reveza entre o último e penúltimo lugar no IDEB do Estado. Expressões conhecidas em Campos, ouro branco designa o açúcar e o negro o petróleo. 6851 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO BOTTOMORE, T B. As elites e a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. CRUZ, J L V. Projetos nacionais, elites locais e regionalismo: desenvolvimento e dinâmica territorial no Norte Fluminense entre 1970 e 2000. Tese (Doutorado) IPPUR/UFRJ, Rio de Janeiro, 2003. FRIDMAN, F. O urbano e o regional nos Campos das Delícias. Anais do XII Encontro Nacional da ANPUR. Belém: UFPa, 2007. HAESBAERT, R. Da desterritorialização à multiterritorialidade. Anais do IX Encontro Nacional da ANPUR. Vol. 3. Rio de Janeiro: ANPUR, 2001. _________. Território e Multiterritorialidade: um debate. GEOgraphia, Niterói: UFF, v. 17, p. 19-45, 2007. PEREIRA, W L C M. Francisco Ferreira Saturnino Braga: negócios e fortuna em Campos dos Goytacazes. História (São Paulo), v. 31, n. 2, p. 212-246, 2012. PERISSINOTTO, R.; CODATO, A. 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