Imperialismo: segunda fase do capitalismo José Eustáquio Diniz Alves1 O imperialismo era, na realidade, uma extensão da soberania dos Estados-nação europeus além de suas fronteiras (…) Os Estados Unidos não são, e nenhum outro Estado-nação poderia ser, o centro de um novo projeto imperialista. O imperialismo acabou. Nenhum país ocupará a posição de liderança mundial que as avançadas nações européias um dia ocuparam2. Segundo o Dicionário de Ciências Sociais3 é possível distinguir 5 usos do vocábulo imperialismo: a) no sentido básico, designa o governo de um imperador, em especial quando despótico e arbitrário; b) durante as décadas de 1870 e 1880, a palavra teve aceitação geral na Grã-Bretanha e imperialista era a pessoa que aprovava o Império Britânico; c) mais ou menos na mesma época, a palavra imperialismo passou a designar a ampliação do domínio territorial europeu na África e na Ásia e representava “soberba, combatividade e prestígio”; d) na visão leninista o imperialismo é “a fase monopolista do capitalismo”; e) outro uso comum relaciona o imperialismo com o controle de um Estado por outro, quer seja o controle americano no Iraque ou o controle do Tibet pela China. Mas enquanto conceito teórico, o imperialismo não foi desenvolvido por Karl Marx, mas sim por autores, marxistas ou não, que estudaram as transformações do capitalismo da fase concorrencial para a fase monopolista. No espaço de três lustros, surgiram 5 livros que foram fundamentais para a colocação do problema. O autor que teve papel seminal na elaboração e difusão deste conceito foi o economista inglês John Atkinson Hobson (1858-1940) que publicou, em 1902, o livro Imperialismo que veio a inspirar toda a literatura posterior. Rudolf Hilferding (1877-1941) publicou o Capital financeiro, em 1910 e Rosa Luxemburgo (1871-1919) publicou o A acumulação de capital, em 1913. Já no desenrolar da Primeira Guerra Mundial, surgiram os livros O imperialismo e a economia mundial, de Nicolai Bukharin (1888-1938), publicado em 1916 e o livro Imperialismo, etapa superior (última) do capitalismo de Lênin (1870-1924), publicado em 1917. Evidentemente, as abordagens destes 5 livros clássicos não são convergentes. Ao contrário, existem claras diferenças entre eles. Aliás, é preciso deixar claro que o conceito de imperialismo é um dos mais ecléticos da teoria marxista e, ao longo do tempo, tem sido utilizado de maneira muito pouco científica. O conceito tem três elementos básicos: 1 Professor titula da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE – e coordenador da Pós-graduação da ENCE/IBGE. E-mail: [email protected] 2 HARDT, M. NEGRI, A. Império. Editora Record, Rio de Janeiro e São Paulo, 2002, pp. 13-14 3 Dicionário de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, FGV, 1987. a) o processo de acumulação capitalista; b) a periodização do capitalismo em fases ou estágios; e c) a divisão internacional econômica e política entre os países. Hobson foi o primeiro a mostrar que o imperialismo corresponde à passagem do capitalismo concorrencial (laissez faire) para o capitalismo monopolista, sendo que ele representaria uma nova fase (a segunda) do capitalismo. Fase esta que corresponde à concentração extrema do capital, ao monopólio das patentes, ao poder de monopsônio sobre os mercados locais de trabalho e de matérias-primas e ao surgimento de uma “classe financeira” que exerce controle sobre a grande indústria capitalista. Mas o autor não considerava que o imperialismo seria a última fase do capitalismo, como imaginou Lênin. Hobson, também não via o desenvolvimento do imperialismo, especialmente o americano, como fruto de uma “dominação externa”, mas sim de uma “dominação interna”, ou seja, o potencial expansivo do grande capital, incapaz de ser contido nos estreitos limites nacionais, dada a sua tendência à sobrevalorização, transbordaria para o campo internacional. A análise central de Hobson parte da acumulação nacional para a expansão internacional, sendo que os fatores “locais” tinham preponderância sobre os fatores externos. Hilferding, ao contrário de Hobson, considerava o imperialismo, especialmente o europeu, como uma etapa superior do capitalismo, que tinha na “dominação externa” a sua fonte primeira de expansão. Contudo, o autor não via o imperialismo como última etapa do capitalismo, mas, ao invés, via de forma simpática a capacidade da nova etapa do capitalismo monopolista em unificar os capitais comercial, industrial e financeiro, reduzindo a “anarquia” do capitalismo concorrencial. Ele chegou a sonhar com o “capitalismo organizado”. Em decorrência destas visões ele assumiu uma posição socialdemocrata após a Primeira Guerra e virou Ministro das Finanças na República de Weimar. Com a ascensão de Hitler ele teve de abandonar seu país, mas acabou sendo preso na França e deportado para a Alemanha, onde foi assassinado, em 1941, pelo regime nazista. Já Rosa Luxemburgo não via o imperialismo como uma etapa específica e diferenciada em relação ao capitalismo concorrencial, mas sim, como a conseqüência lógica do processo de acumulação de capital. Analisando o livro 2 de O Capital, de Marx, Rosa vê uma impossibilidade de o capital se reproduzir em escala ampliada, sem “terceiros mercados”, isto é, sem mercados não capitalistas. A autora vê, de maneira inerente ao capitalismo, uma tendência ao subconsumo. Assim, para que a sobreacumulação do capital possa se concretizar o capitalismo precisava conquistar novos mercados. Daí surge o processo de internacionalização que é uma condição vital da expansão do capital. As conquistas coloniais seriam a sobrevida do capitalismo. Desta forma, Rosa Luxemburgo acreditava que o limite do capitalismo seria atingido quando ele ocupasse todos os interstícios do planeta. Sem “terceiros mercados” o capitalismo não teria como garantir a continuidade da acumulação e entraria em crise irreversível. Ela analisou a Primeira Guerra Mundial como fruto da disputa interimperialista que levaria ao fim do capitalismo ou à regressão civilizatória da humanidade. Por isto ela lançou, em 1915, a palavra de ordem: “socialismo ou barbárie”. Em defesa de suas teses ela criou a Liga Spartaquista e foi para as ruas defender a revolução alemã, mas foi assinada pelas forças reacionárias, em 1919. Tanto Bukharin, quanto Lênin, discordavam do conceito de imperialismo de Rosa Luxemburgo, especialmente no que tange às teses subconsumistas. Bukharin via a divisão internacional do trabalho como um caso particular da divisão social do trabalho, ou seja, a “economia mundial” era o resultado do choque dos “organismos econômicos nacionais”. Para ele, o “capitalismo monopolista de estado” tendia a eliminar a concorrência interna nos países, mas acentuava a concorrência externa entre os interesses dos diversos Estados-nação. A economia mundial era muito mais que a soma das economias nacionais e a tendência à internacionalização do capital se dava em paralelo às barreiras nacionais de proteção às burguesias nacionais (e também ao proletariado). Em conseqüência a guerra interimperialista seria o resultado das diferentes dinâmicas entre capitais nacionais disputando espaços internacionais. Contudo, nos anos 20, Bukharin passou a defensor da construção do socialismo em um só país. Mesmo assim, em 1937, Bukharin foi preso pelas forças stalinistas, acusado de estar aliado aos militantes trotskistas e, no ano seguinte, foi assassinado por acusação de traição à URSS. Lênin, a partir de uma síntese das contribuições anteriores, via o imperialismo como resultado de 5 características: a) a exportação de capital adquire importância primordial, ao lado da exportação de mercadorias; b) a produção e a distribuição passam a ser centralizadas por grandes trustes ou cartéis; c) os capitais bancário e industrial se fundem; d) as potências capitalistas dividem o mundo em esferas de influência; e) essa divisão é concluída, abrindo a possibilidade de uma luta intercapitalista incessante para redividir o mundo. Com base nestes pressupostos, Lênin considerava que o imperialismo era “parasitário, rentista e putrefático”, isto é, parasitário porque retardava o progresso técnico, rentista porque vivia de rendas da exportação de capitais e putrefático porque sempre promovia guerras de conquista. Assim como Bukharin, Lênin achava que os países imperialistas utilizavam parte dos seus lucros internos para “subornar” as elites operárias de seus países, criando uma “aristocracia operária” que se tornava reformista e não revolucionária. Por isto, eles achavam que a revolução socialista iria acontecer nos países da periferia do sistema capitalista que eram os elos fracos do sistema. Para eles a revolução nos países “imperialistas” viria num segundo momento. A única possibilidade de evitar a revolução socialista seria o surgimento de um “Super-imperialismo”, que se materializaria na construção de um “Truste mundial” unindo o conjunto dos capitais internacionais. Mas eles achavam que antes disto: “o imperialismo soçobrará fatalmente e o capitalismo se transformará em sua antítese”4. Entretanto, o fracasso da experiência soviética e a nova realidade mundial enfraqueceram as formulações leninistas. Nota-se, pois, que existem, desde o início, profundas diferenças na formulação do conceito de imperialismo. Durante um tempo, imperialismo e colonialismo eram as duas fases da mesma moeda. A idéia de que o mundo imperialista caminhava para o colapso ficou em voga com a ascensão do nazi-fascismo e a Segunda Guerra Mundial (19391945), que pareciam confirmar a tese do “socialismo ou barbárie”. As duas grandes 4 Lênin, Prefácio, In: BUKHARIN, N. O imperialismo e a economia mundial. Rio de Janeiro, Laemmert, 1969. guerras foram as expressões máximas da luta inter-imperialista no século XX e todas as análises marxistas (ou não) sempre enfatizaram que o imperialismo é um sistema de disputa entre potências capitalistas centrais. A teoria do imperialismo em um só país (como sugerem certas análises atuais sobre a hegemonia dos EUA) é uma idéia que nem Stalin ousou formular. As abordagens que interpretavam o imperialismo como a última etapa do capitalismo, ou como iminência da bancarrota do sistema, estiveram em voga até 1945. Todavia, tudo mudou com a nova conjuntura pós-guerra. O mundo assistiu a um grande crescimento da economia mundial na segunda metade do século XX, especialmente nos chamados “30 anos gloriosos” (1945-1973), quando houve o maior crescimento econômico de toda a história da humanidade, apesar das previsões em contrário de Rosa Luxemburgo, Bukharin e Lênin. As mudanças ocorreram em dois níveis: político e econômico. No plano político internacional, a primeira grande mudança foi o fim do colonialismo e o processo de libertação nacional dos países do Terceiro Mundo. Em segundo lugar, ao invés de disputas crescentes o capitalismo internacional promoveu a criação da ONU (organização das Nações Unidas), do BIRD (Banco Mundial), do FMI (Fundo Monetário Internacional), do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio) - que antecedeu a OMC (Organização Mundial de Comércio), da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), da OECD, (Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento) e outros órgãos de caráter multilateral. Os antigos países imperialistas não criaram um “super-imperialismo” como chegou a imaginar Lênin, mas criaram um mundo de regulação da concorrência dos diversos países “capitalistas monopolistas de Estado” e de “cooperação” internacional. No plano econômico, houve uma difusão da sociedade de consumo de massas. O fordismo e o taylorismo se tornaram hegemônicos (inclusive na URSS) e houve uma generalização das políticas de cunho keynesiano, visando a garantir o pleno emprego. Aquilo que Lênin dizia que era a exportação do capital-dinheiro se transformou em exportação de bens de capital. A partir de 1945 houve um processo de internacionalização da produção capitalista. Instalou-se o período das multinacionais, empresas que controlavam plantas de produção em diversos países do mundo. A velha divisão internacional do trabalho - entre países exportadores de produtos industriais e países exportadores de produtos primários e matérias-primas – se transformou e ficou mais complexa. Mesmo sem reconhecer a existência de uma nova fase do capitalismo, Mandel, em 1972, chamou de capitalismo tardio a nova realidade que se configurava e que ia além das previsões leninistas: “um desenvolvimento ulterior da época imperialista”5. Neste novo contexto, os herdeiros do conceito de imperialismo mudaram o foco da questão após 1945 e o começo da Guerra Fria. As novas definições do imperialismo passaram a dar ênfase na questão das “trocas desiguais” e na “teoria da dependência”. O imperialismo deixou de ser visto como uma disputa entre potências monopolistas para se tornar um conflito entre países ricos (centrais) e países pobres (periféricos), enquanto 5 MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio, São Paulo, Abril Cultural, 1982, p. 5 virou moda falar de países desenvolvidos (modernos) e países subdesenvolvidos (tradicionais). Diante do sucesso dos países capitalistas centrais no sentido de reduzir a pobreza e garantindo a inclusão social em seus próprios territórios, a atenção se voltou para a pobreza e a exclusão social no Terceiro Mundo. O modelo de “Troca desigual” de Arghiri Emmamuel (1911-2001) baseava-se na diferença da taxa de exploração entre as nações imperialistas e as nações exploradas. A taxa de lucros é igual em todo o mundo porque o fator de capital desloca-se livremente para onde os ganhos são maiores. Quanto aos salários reais, são determinados por razões sociológicas e históricas, especialmente a grande oferta de mão-de-obra e a fraqueza dos sindicatos, tendendo a ficar ao nível de subsistência. É exatamente do abismo verificado entre os salários que surge a troca desigual, em favor dos países imperialistas e em detrimento dos países explorados, onde a exploração dos trabalhadores seria maior. O problema da abordagem de Arghiri é que ela supõe que, enquanto existe disponibilidade de mão-de-obra, os países explorados deveriam apresentar taxas de crescimento maior que a dos países imperialistas. Mas na prática isto não acontecia. Assim alguns autores introduziram a noção de que o imperialismo só investia em setores modernos e mantinham atrasados os setores tradicionais. Contra esta visão dualista, Gunder Frank articulou a visão do “desenvolvimento do subdesenvolvimento”, mostrando que o capitalismo periférico constituía “formações econômicas bloqueadas”. Samir Amin considera que a troca desigual nasce do encontro das técnicas capitalistas avançadas com os operários com salários de subsistência dos países dependentes. Mas Charles Bettelhein, vê relação inversa, pois considera que os salários relativos são menores nos países imperialistas, onde existe maiores taxas de mais-valia. Na linha das abordagens da “troca desigual”, surgiu a teoria da dependência cujos principais autores são: Teotônio dos Santos e Fernando Henrique Cardoso (FHC) e, de maneira geral, pode ser resumida em 6 características: a) a dependência é a estrutura condicionante da pobreza; b) a pobreza é o resultado do subdesenvolvimento; c) desenvolvimento e subdesenvolvimento são partes de uma estrutura interdependente de um sistema global; d) o sistema global é tal que o desenvolvimento de parte do sistema ocorre às expensas da outra parte; e) subdesenvolvimento não é simplesmente nãodesenvolvimento, mas um tipo de estrutura socioeconômica trazido pela integração na esfera dos países capitalistas avançados; f) dependência é a situação na qual as economia de um grupo de países são condicionadas pelo desenvolvimento e expansão de outros países. Rui Mauro Marini chegou a formular a idéia de subimperialismo, que seria efetuado por países como Brasil, Índia, Irã, etc.6 Desta forma, percebe-se que o conceito de imperialismo foi se adaptando para novas formulações. Contudo, se o sociólogo FHC defendeu a teoria da dependência, quando estava na presidência pediu para que seus leitores esquecessem o que ele escreveu. Infelizmente, muitas pessoas de esquerda continuaram a defender aquelas velhas formulações. Muitas forças de esquerda repetem, às vezes sem saber, as velhas 6 MARINI, R.M. Subdesarollo y revolución, México, 1969. fundamentações da teoria da dependência e as velhas práticas protecionistas, adotando posturas reformistas, mas com um linguajar (pseudo) revolucionário. Atualmente, algumas pessoas fazem uma associação mecânica entre globalização e imperialismo. Mas é um erro imaginar que a globalização é apenas um novo nome para o conceito de imperialismo ou que é apenas uma nova ideologia que não tem sustentação na concretude da estrutura produtiva mundial. Um erro básico é falar do imperialismo sem definir qual imperialismo se está referindo. Também é preciso definir o conceito de globalização. Na verdade a globalização é um processo muito antigo que antecede, inclusive, o surgimento do capitalismo.7 Quando se fala da globalização (com todo o seu conteúdo neoliberal), se está falando de uma nova etapa do capitalismo, que vem tomando forma depois do fim da Guerra Fria e do aprofundamento da Terceira Revolução Industrial, ou Revolução Científica Tecnológica. A questão conceitual colocada é estabelecer os parâmetros para a interpretação desta nova etapa do capitalismo, uma etapa pós-imperialista e pós-moderna. 7 Ver ALVES, J.E.D. FAVERSANI, F. Análises de Conjuntura: globalização e o segundo governo FHC. Ouro Preto, REM, 2002.