região e identidade – o caso do alentejo

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VI Congresso da Geografia Portuguesa
Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
REGIÃO E IDENTIDADE – O CASO DO ALENTEJO
Ana Lavrador
Membro da e-GEO, FCSH da Universidade Nova de Lisboa e doutoranda da Universidade de Évora
Maria Alexandre Lousada
Departamento de Geografia /CEG, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa
Resumo
Este artigo debruça-se sobre a mudança na identidade do Alentejo, uma das mais
carismáticas regiões de Portugal. Nos últimos 30 anos ocorreram importantes modificações na
região, quer no que respeita ao regime de propriedade quer relativamente às actividades
económicas, ambas com reflexos no uso do solo e na sua ocupação. As consequentes
mudanças da paisagem e o marketing apoiado em representações criaram uma nova
identidade para a região. Essas mudanças na identidade regional alentejana estão fortemente
relacionadas com três momentos políticos cruciais: a) A Campanha do Trigo, nos anos 30 do
século XX, através da qual a região é transformada no “celeiro do país”; b) A Reforma
Agrária, emergente da Revolução do 25 Abril de 1974, ficou associada às expropriações, a
novas figuras empresariais (UCP) e ao voto comunista, no seu conjunto representando o
Alentejo Vermelho; c) A actualidade, com início na adesão de Portugal à CEE, em 1986, é
balizada, no essencial, pelas seguintes modificações: (re)modelação agrícola (vinhedos, olival,
produção de gado, plano de rega do Alqueva); novas actividades industriais (em particular a
plataforma de Sines e novas acessibilidades) e, sobretudo, uma importante oferta recreativa,
centrada nas residências secundárias e no turismo (visitas a centros urbanos, caça, enoturismo,
outros), no seu conjunto oferecendo uma nova paisagem agrária e uma nova identidade ao
Alentejo.
A metodologia utilizada assenta na recolha estatística e num conjunto de representações
diversificado, com destaque para textos literários e as: imagens contidas em folhetos
publicitários.
Palavras-chave: paisagem, identidade, representação, marketing, Alentejo.
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INTRODUÇÃO
Neste artigo pretende-se chamar a atenção para os traços gerais das mudanças das
paisagens alentejanas, confrontando-as com representações (textos, fotografias, cartazes,
vídeo) que as ilustrem e tenham influenciado a identidade da região1. Nesse balanço, podem
ser consideradas três etapas chave, assentes em políticas rurais diversas, senão antagónicas: 1)
Políticas proteccionistas – Leis de Etelvino de Brito (finais XIX) e Campanha do Trigo (anos
30 do século XX) – no quadro de uma economia agro-alimentar de base sectorial à qual ficou
associada a imagem do Sul latifundiário e cerealífero; 2) Políticas de equidade social e
produtiva – o Alentejo Vermelho da Reforma Agrária (RA) (1975-1979), após a Revolução do
25 Abril de 1974 – paradigma do fecho de um ciclo e bastião de resistência e da luta de
classes, concretizado no desmantelamento das estruturas agrárias do período proteccionista e
latifundiário anteriormente em vigor; 3) Politica Agrícola Comum (PAC), depois da adesão à
CEE, em 1986, e sobretudo após os anos 90, cujas directrizes gerais se regem segundo o
paradigma da reconversão, do incremento da produtividade, da valorização e qualificação da
produção agrícola e florestal (Covas, 2004).
Em linhas gerais, pode afirmar-se que, no Alentejo, a política cerealífera do Estado
Novo fez tábua rasa das paisagens herdadas tendo-se ambiental e socialmente desastrosa, à
semelhança do sucedido noutras regiões europeias (Nanda, 1994, pp. 295). A propaganda
regionalista da época, sustentada em representações panfletárias de grande difusão à escala
nacional, criou uma imagem forte que ainda hoje subsiste na memória de muitos portugueses,
associada à funcionalidade cerealífera da região, de que é paradigma o chavão: “O Alentejo é
o celeiro de Portugal”, símbolo da Campanha do Trigo (de 1930 a 1969). Desde a adesão à
CEE, e em particular a partir da segunda metade dos anos 90, as políticas da PAC, os novos
contextos produtivos induzidos pelo mercado global, pela mecanização e pelo
desenvolvimento de novas actividades turísticas e culturais no âmbito do rural multifuncional,
têm vindo a mudar lentamente a identidade da região. O marketing turístico e sectorial faz
emergir e difunde o Alentejo como um destino de evasão e sonho, sustentado na autenticidade
e no bom acolhimento das suas gentes, na qualidade dos produtos da terra e numa
modernidade sofisticada. Ou seja, um Alentejo que alia harmoniosamente a cultura
“tradicional” e a preservação (mesmo que aparente) das paisagens com as novas tecnologias e
o design apurado e onde está apagada a memória da agitação revolucionária e da pobreza.
1
Este artigo foi objecto de uma primeira abordagem no 10th Annual Mediterranean Studies
Association Congress, que teve lugar em Évora, (30 Maio-2 de Junho de 2007): Maria
Alexandre Lousada e Ana Lavrador - From the Red Alentejo to the new wave Alentejo .
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Nestas novas representações do Alentejo as novas tecnologias e a arte são ferramentas
fundamentais na sua construção e difusão e a cultura tradicional (uma parte da mesma,
escolhida) é um elemento crucial da diferença, como tem sido sublinhado pela literatura a
propósito de outros lugares (Cosgrove, 1988 e 1989; Smith, 1992; Daniels, 1993; Kucan,
1999).
1.
A PAISAGEM E A REPRESENTAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE
Numa perspectiva humanista pode-se definir paisagem como síntese entre o objectivo e o
subjectivo, como “área concreta, cujo carácter resulta da acção e interacção de factores
naturais e humanos e do seu reconhecimento pelas pessoas” (Convenção Europeia da
Paisagem, 2000, Artigo 1). Nessa óptica, as paisagens são vistas como “processos de
mediação, parte e parcela da cultura hegemónica” (Cosgrove, 1989); “produtos vividos”
(Zukin, 1992); “expressão visual de um projecto técnico, social e económico” (Ambroise,
2003); ”materialização dos discursos dos diferentes interesses sociais” (Schein, 1997, in Roca,
2007 et al). Por seu turno, as representações são analisadas enquanto processos organizados
de informação centrados na interpretação subjectiva do indivíduo ou grupo em resposta a um
a um estímulo exterior, passível de gerar e difundir imagens do real (Vala, 2000). Nesse
sentido, as representações são formas de poder (Haraway, 1991, in Rose, 2001), pois
permitem manipular as actuações e viabilizam a articulação das diferentes forças sócioeconómicas e culturais locais, regionais e mesmo nacionais em torno de uma região. Michel
Foucault e Baudrillard salientaram o poder simbólico das formas de representação na gestão,
regulação e construção das identidades geográficas, as quais mais não são que fruto da
cultura, resultado de um conjunto de conhecimentos partilhados através dos tempos. Com
efeito, no caso das paisagens rurais, as representações têm ajudado a transformar lugares de
trabalho em objectos de contemplação, de que são paradigmáticas as imagens/cenário
expressas nas representações turísticas (destinos turísticos) e/ou em ícones de diferenciação,
uma mais valia relevante no mercado global (Lavrador et al, 2006). E uma “identidade
coerente” é aquela em que existe, como sublinhou Harner (2001), um equilíbrio entre a
realidade paisagem e a sua representação, Enquanto processo de comunicação, a
representação integra uma linguagem, uma vez que comporta uma acção de codificação
(simplificação da informação em símbolos - sinais iconográficos2, matemáticos, geométricos)
e uma outra de descodificação pelo indivíduo receptor, que a deverá detectar, discriminar e
2
Iconográficos, isto é, aqueles que dizem respeito ao aspecto gráfico de algo (poicons – integram imagens;
diagramas, comportam relações; metáforas – estabelecem paralelismos (Keats, 1996)
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interpretar. É nesta perspectiva que aqui se abordam as representações relativas aos três
momentos temporais em análise.
2.
O QUADRO GERAL DA PAISAGEM DO ALENTEJO
O Alentejo representa o paradigma de região Mediterrânea: forte adaptação vegetal ao clima
(matagais/charneca e culturas agrícolas); predomínio do uso agrícola extensivo; grande
propriedade (latifúndio), acentuada mutação da ocupação do solo. O carácter mediterrânico
afirma-se também na contínua sucessão de gentes e de culturas que transpuseram ao longo
dos séculos a região e aí se instalaram, o que foi facilitado pelo relevo, uma vasta
peneplanície de baixa altitude. A sucessão de povos e culturas deixou inscrita nas paisagens
alentejanas um espólio patrimonial diversificado – arqueológico (megalítico); monumental
(castelos, paços, casas nobiliárias, aquedutos, fontes); vernacular (moinhos, poços, condutas
de rega, muros, outros). Acrescem hábitos e costumes particulares que, conjuntamente com as
paisagens, conferem à região uma forte identidade. Mas o Alentejo tem um outro lado, negro,
do qual fazem parte os frequentes conflitos, a luta permanente contra a pobreza, as
desigualdades sociais, a interioridade e as dificuldades ambientais (acentuada secura e calor
estival, chuvas escassas e concentradas e pobreza dos solos), resultando numa das mais baixas
taxas de ocupação humana da Europa e das mais baixas do país (5,2% da população
portuguesa e uma reduzida densidade populacional de 20hab/km2, INE, 2006). A escassez
humana é na realidade um atributo distintivo da região, uma vez que permanece ao longo dos
séculos. São também paradigmáticas as fortes e muito antigas desigualdades sociais, com
origem na oposição entre os proprietários das grandes extensões de terra (latifúndios) e os
agricultores, desprovidos de terras e na maior parte sem qualquer tipo de protecção laboral3.
Inscrevem-se na paisagem estratégias de sobrevivência e de adaptação ao quadro ambiental e
social, salientando-se o povoamento concentrado e a constituição e exploração do montado.
2.1. A CAMPANHA DO TRIGO (1930 A 1969) – “O CELEIRO DO PAÍS”
Apesar das transformações agrícolas e do reforço demográfico, no primeiro quartel do séc.
XX prevaleciam na região graves problemas económicos associados. As revoltas eram
frequentes, constituindo referência as greves gerais de 1910 e 1912 (Pereira, 1982). A entrada
em vigor da política produtivista do Estado Novo, representada pela Campanha do Trigo
(anos 30 e 40 do séc. XX) transforma o panorama rural e as paisagens do Alentejo. Assiste-se
3
Cf., por exemplo, para os finais do século XVIII Silbert (1978) e, para a primeira metade do século xx, Pereira
(1982)
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a uma nova colonização demográfica da região com vista ao seu desenvolvimento agrícola.
Segundo Fonseca (1996), em meados do século XX, o sector primário garantia entre 50% a
60% do PIB e ocupava 68% a 70% da população activa. Disponibilizou-se apoio técnico e
financeiro ao sector, cujo funcionamento partia de garantias que envolviam fixação de preços,
factores de produção e apoio ao escoamento dos produtos. Promoveu-se o arroteamento da
charneca e do montado com vista à introdução de culturas cerealíferas, assentes em novas
técnicas culturais e em políticas agrícolas proteccionistas para os cereais.
As consequências na paisagem foram avassaladoras. De 1875 a 1956, a superfície agrícola
passou de 1886 mil hectares para 4762 mil hectares, a superfície florestal de 640 mil hectares
para 3234 mil hectares, os incultos diminuíram consideravelmente (de 6077 mil hectares a
562 mil hectares) e o construído e o não cultivável aumentaram de 291 mil hectares para 820
mil hectares (Baptista, 1996). A monocultura cerealífera mecanizada ocupou os solos de
maior potencial produtivo (barros de Beja), mas também se alargou ao montado e às áreas de
mato, assim como foi substituindo as restantes culturas tradicionais (sobretudo o olival),
comprometendo o potencial produtivo dos frágeis solos delapidados pela erosão inerente às
arroteias e sugados de matéria orgânica. Em 50 anos a superfície lavrada tinha duplicado e o
montado fora reduzido em quase 50% (Ferreira, 2001). O confronto entre o levantamento
cartográfico de A. G. Perry (1880-90) e o levantamento efectuado nos anos 50 para as Cartas
Agrícolas e Florestais fazem prova dessa mudança (Figuras 1).
Figura 1 – Uso do Solo no Alentejo, 1886,
1/50.000, fl. 32, A. G. Perry (esq.) e Carta Agrícola e Florestal, 1/25.000, fl. 509, 1960, SROA, Lisboa (dir.)
Na paisagem, a Campanha do Trigo conduziu a um processo de simplificação, cuja imagem
mais forte é a das monótonas planícies cerealíferas, pontuadas por sobreiros, azinheiras e
algum gado e quebradas de quando em vez por aglomerados humanos de casas pequenas, com
paredes grossas e chaminés largas, em que o sol faz reflectir o branco da cal. Se no Inverno e
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na Primavera, a terra se cobria de tapetes verdes de erva e de cereal jovem, a imagem da
região que vendiam os cartazes promocionais, e que ainda hoje faz parte da memória de
muitos portugueses, é a do dourado das espigas e a da “riqueza do pão”. Acresce a ideia de
progresso e de produtividade assente na mecanização (tractor, motocultivador, ceifeiradebulhadora, motor de rega), nos químicos (fertilizantes e fitofármacos sintéticos) e nos
híbridos de alto rendimento (Figura 2).
Figura 2 – Cartazes da Campanha do Trigo, Ministério da Agricultura e Pescas (década de 50)
As consequências sociais desta fase foram muito críticas para o Alentejo. Com efeito, em
1950, prevaleciam as grandes disparidades sociais. Segundo Baptista (1996), a terra
encontrava-se nas mãos de poucas centenas de grandes latifundiários, menos de 1% da
população activa agrícola. A grande maioria era assalariada (86%), e desta 10% correspondia
a temporários. Os restantes 14% integravam pequenos proprietários e empresas familiares. No
latifúndio, as melhores terras eram cultivadas para rendimento dos proprietários, enquanto
que as menos produtivas eram retalhadas e distribuídas a seareiros, pequenos parceiros na
cultura do trigo, meta ideal dos pequenos agricultores da região O desemprego era uma
ameaça permanente para os trabalhadores temporários, como eram constantes os movimentos
de protesto contra os salários de miséria. Os conflitos sociais e a sua veemente repressão eram
uma constante na região. A sociedade rural tinha uma forte expressão demográfica e
económica, sendo muito diminuta a capacidade de atracção de população, da indústria e dos
serviços. Tinham-se gerado graves desequilíbrios ambientais (esgotamento dos solos e
erosão) e humanos, uma vez que o abandono voluntário para o litoral e para o estrangeiro,
sobretudo a partir dos anos 60, e a saída dos homens para a guerra colonial, eram realidades
incontroláveis na região. Estava aberto caminho à desertificação, principalmente na margem
esquerda do Guadiana, menos povoada e ambientalmente mais frágil, reduzida a matos de
estevais, a um montado herbáceo de heliófitas, e sobretudo a grandes extensões de campo raso
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proveniente das arroteias preparatórias das searas, sulcadas por ravinamentos provocados
pelas águas pluviais ou, nos casos mais extremos, pela rocha nua (Figura 3 e Quadro 1).
Arroteia resultante da intensificação do uso do montado e seus efeitos na erosão nas cabeceiras; Erosão em
vertente resultante da lavra e do alinhamento das oliveiras; suspensão por coluvionamento da base da árvore;
Montado granadeiro em solos esqueléticos.
Figura 3 – Impactos ambientais das arroteias na margem esquerda do rio Guadiana
Quadro 1 - Mudança tecnológica. O caso da Herdade dos Machados (Moura), 1948-1975
1948
Área agrícola contínua
Olival
Figueiral
Emprego permanente
Emprego sazonal
Tracção animal
H- Homens; M – Mulheres
6000ha
1500ha
550ha
450 H
150 M – Monda; 60-80 H - Ceifa
250H e 350 M – Apanha azeitona
44 - Muares
20 - Azinos
170 - Bois de trabalho
1962/63
6000ha
1500ha
450ha
448 H; 100 M
54 H; 36 M
1974/75
6100ha
1350
500ha
180 H; 89 - M
----
12 - Tractores
39 - Tractores
1- Ceifeira-debulhadora
3 - Ceifeiras 44 – Muares
debulhadoras
179 – Bois de trabalho
Fonte: Adaptado de Baptista, 1996
A repressão política e a censura impediam que as alusões a esta realidade viessem à luz nos
media. Porém, nos textos literários (Seara de Vento, Cerromaior, Aldeia Nova, O Fogo e as
Cinzas de Manuel da Fonseca; Até Amanhã Camaradas, de Manuel Tiago, pseudónimo de
Álvaro Cunhal; Levantados do Chão, de José Saramago, entre outros), os enredos e
personagens abordam a dureza e o drama das famílias camponesas, a luta pela procura de
melhores dias, a experiência da resistência clandestina e o suporte das convicções ideológicas.
As paisagens são coloridas de sangue e é descrito o esforço da sua construção. São expoentes
desse realismo (e neo-realismo) outras formas de representação, tais como: a poesia de
Florbela Espanca, de Manuel Alegre ou de Ary dos Santos; os desenhos de Álvaro Cunhal; a
música erudita de Fernando Lopes Graça; as letras das canções de Adriano Correia de
Oliveira ou de José Afonso; o fado na voz de Carlos do Carmo e a arte de muitos outros. A
contestação e a intervenção existiam, a desolação da paisagem e das gentes do Alentejo
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povoavam as vivências das elites intelectualizadas, como no seguinte excerto de uma poesia
de Florbela Espanca:
Árvores do Alentejo
Horas mortas…Curvadas aos pés do Monte
A planície é um brasido…e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!
….
Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!
Florbela Espanca (1894-1930)
2.2. O ALENTEJO VERMELHO - A PAISAGEM DA REVOLUÇÃO DE 25 ABRIL
Com o 25 de Abril, a questão agrária dominou todas as acções e todos os debates. A terra foi
reivindicada pelos assalariados agrícolas e iniciou-se o movimento de ocupação das grandes
propriedades. Havia também a vontade de aumentar a riqueza proveniente da agricultura,
sector praticamente estagnado na região e no país - entre 1953 e 1970 a taxa de crescimento
do PAB foi de 0,5% por ano (Estrela, 1978). A Reforma Agrária e a sua significativa
expressão territorial à escala nacional - 3.640.153 hectares de Zona de Intervenção Reforma
Agrária (ZIRA, DL 236-B/75, de 5 de Abril)4 era o suporte político-institucional dessas
intenções (Figura 5).
<5%
5 a 20%
20 a 50%
Fonte: Adaptado de Barros, 1981
>50%
Figura 4 – Percentagem de ocupação na Zona de Intervenção Reforma Agrária (ZIRA)
4
A área da ZIRA equivalia a 41% da área do Continente e 45% da SAU do país (Macedo, 1985).
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O objectivo era a modificação do poder económico e político e a reestruturação da
distribuição da riqueza, em busca de uma nova ordem mais equitativa, sustentada uma política
de forte inspiração comunista. Do conjunto de medidas levadas a cabo pela Reforma Agrária
têm destaque: as ocupações, as expropriações e a criação de Unidades Colectivas de Produção
(UCP)5 - colectivo de trabalhadores e pequenos proprietários que controlavam em comum a
terra e os meios de produção - cuja função primordial era o fornecimento de apoio financeiro
(crédito agrícola de emergência) e o pagamento de salários. Numa primeira fase, o 2º
Governo Provisório decreta a expropriação de todas as propriedades com mais de 50ha de
terras irrigadas ou com mais de 500ha de sequeiro (DL 203-C, 15 de Abril de 1975). Ao
longo do verão quente de 1975, trabalhadores agrícolas apoiados pelos seus sindicatos
ocuparam em massa as propriedades particulares (fig. 5). Em finais de 1975 tinham sido
legalmente expropriados 350.000ha de terra, de um total calculado de 1.600.000ha, mas o
cálculo das ocupações cifrava-se pelo milhão de hectares, 550 herdades ocupadas e 71.900
trabalhadores a cargo das UCP (Estrela, 1978). Em Outubro de 1975, a RA tinha atingido o
expoente máximo6 dos seus objectivos: 771.195ha expropriados (de um total de 1250.0000ha)
e mais 891.211ha encontravam-se sob a gestão das UCP em funcionamento.
Fonte: UDP, anos 1974-75
Figura 5 – A ocupação de terras por trabalhadores agrícolas
Após o 25 de Novembro de 1975, o 6º Governo Provisório, afecto ao Partido Socialista,
substitui a liderança comunista no cenário político nacional, modificando o processo de
5
Chegaram a existir 314 UCP, num total de 891.211 hectares (Estrela, 1978).
Legislação relativa aos estatutos das UCP - DL 606-B, de 28 de Julho de 1975; DL 406 A/75 e 407-A/75, de 30
de Julho de 1975; DL 541-B/75, de 27 de Setembro e DL 586/75, de 18 de Outubro, de 1975.
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ocupações. Inicia-se uma fase legalista na dinâmica da Reforma Agrária7. Impedem-se as
novas ocupações, aumenta o controle nas expropriações, restituem-se terras ocupadas, iniciase um processo de indemnizações, com início nos proprietários estrangeiros (DL 236-A e
236-B, de 5 de Abril de 1976). O processo de devolução das “reservas” acelera-se a partir de
Dezembro de 1976, são cortados os financiamentos estatais às UCP, os processos de
expropriação são revistos, é formada a Associação de Agricultores Livres (mais tarde
Confederação dos Agricultores Portugueses (CAP) e as forças políticas mais liberais (PPD e
PS) iam preparando o caminho para a entrada do país na Comunidade Europeia .
Neste período, o ritmo das mudanças fundiárias não foi acompanhado por uma dinâmica
idêntica na paisagem, até porque que a caminhada para a extensificação, a intensificação
cultural e a mecanização permaneceu inalterada. Contudo, apostou-se em novas variedades de
trigo de elevado rendimento e o seu cultivo foi restringido a terrenos menos vulneráveis sob o
ponto de vista ambiental. A produção de trigo passa de 70% do VAB do Continente, para
75%, em 1980, muito acima de Trás-os-Montes, a segunda região com maiores produções,
com 12% do VAB do Continente (INE, 1990). A mudança mais significativa terá sido alguma
diversificação cultural. No Alentejo Interior, a olivicultura ocupava a segunda posição do país
(23% do VAB, INE, 1990), depois de Trás-os-Montes. Investiu-se nas culturas irrigadas,
sobretudo no arroz, e nalgumas forrageiras e leguminosas. O montado, cujo abandono se tinha
acentuado com o decréscimo da população rural devido à fuga de gente para as cidades e
estrangeiro, permaneceu sem grande alteração.
2. 3. A ADESÃO À CEE E AS MUDANÇAS NA SOCIEDADE E NA PAISAGEM
Com a adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1986, a agricultura da região e
do país dava os primeiros passos na entrada de num novo ciclo, centrado na promoção de
projectos de grande dimensão e capital intensivos, na qualificação da produção e na liberdade
de mercado.
No plano social, o sonho da equidade protagonizada pela RA sucumbira, mas tinha deixado
algumas marcas positivas, como uma profunda mudança na população rural, marcada pela
redução do trabalho permanente (embora menos significativo do que o temporário) e a subida
dos salários, pese embora prevalecerem desigualdades de género, agravadas pelo facto do
trabalho agrícola ter passado a ser uma actividade essencialmente feminina, após a Revolução
7
As ocupações permaneceram até Março de 1976, sendo que em finais de 1975, 2/3 da área total expropriável
tinha sido ocupada.
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de Abril. Com efeito, nos anos 50, cerca de 50% dos activos alentejanos trabalhava na
agricultura, números que descem para 27% em 1991, reduzindo-se a 11,1%, em 2001 (INE,
Censos). A agricultura passa também a actividade a tempo parcial. Em 1989, 30% das
famílias rurais indicava como actividade principal empregos fora da exploração, verificandose em 2001 uma duplicação desse número. Esta mudança é acompanhada por uma perda
demográfica (2,7%) desde o censo de 1991, na região menos povoada do país (534.365
habitantes, 7,2% do total do país, INE, 2001). Esse declínio fica-se a dever ao abandono dos
campos, à forte quebra da natalidade e ao êxodo rural para as cidades. A distribuição de terras
aos assalariados e pequenos agricultores proporcionada pela Reforma Agrária não conseguiu
dar resposta às novas exigências de uma produção industrial, técnica e de capital intensivo,
dirigida ao mercado global, o que promoveu o abandono apoiado pela PAC (set-aside). Por
outro lado, os centros urbanos da região foram-se desenvolvendo. Nos últimos dez anos, o
saldo migratório da região foi positivo (14.000 indivíduos, +2,5% dos residentes na região) e
a concentração nas áreas urbanas sobe de 45% para 48% (INE, 2001). No panorama
demográfico do Alentejo, na viragem do milénio, anula-se pela primeira vez o tradicional
predomínio do campo como lugar de residência permanente. As habitações rurais decrescem
de 38% para 35%, desde os censos de 1991, equilibrando-se com o número de residências
urbanas 41%, (INE, 2001), as quais não cessam de aumentar. No cômputo global, a sociedade
rural alentejana contrai-se e articula-se de forma crescente com o mundo urbano.
Na paisagem, iniciou-se uma grande viragem. A PAC implicou o fim da anterior política
agrícola favorável ao máximo aproveitamento da terra e à extinção dos incultos. Numa
primeira fase da aplicação da PAC, o abandono subsidiado, a capitalização e a intensificação
foram as novas palavras de ordem. A questão da terra esbateu-se a favor de uma profunda
transformação tecnológica, cujos efeitos na região levaram a uma contracção de 36% na
superfície cultivada, entre 1960/64 e 1985/88 (Baptista, 1996) (Quadro 2).
Quadro 2 – Contracção da Superfície ocupada pelo trigo: o caso da Herdade dos
Machados (Moura), 1940-1998
Datas
Superfície cultivada (ha)
1940-1949
622.000
1950-1959
766.000
1960-1969
647.000
1976
531.000
1977
258.000
1998
300.000
Fonte: Feio, M., 1998
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Porém, algumas culturas tiveram importantes apoios financeiros, como a vinha e o olival, cuja
plantação na região de Moura passou de 5020ha nos anos 60, para 18.570ha, em 1995 (Feio,
1998). No caso do olival, a mecanização tinha comprometido a tradicional associação do
olival com a vinha e/ou com árvores de fruto, bem como a sua plantação nos melhores solos.
Novas plantações de oliveiras alinhadas (rank)8 criam um novo padrão regular na paisagem
(Figura 6). O mesmo sucede com a vinha, cujos bardos começam a alastrar espraiando-se em
mares de vinha, sobretudo dentro do perímetro das oito Sub-regiões destinadas à produção de
vinho de qualidade DOC – Portalegre, Borba, Évora, Redondo, Reguengos, Vidigueira,
Moura, Granja-Amareleja (Figura 7).
Figura 6 – Olival alinhado (Herdade dos Machados -Moura) e mar de vinha (Fundação
Eugénio de Almeida -Évora)
O montado, o maior património florestal do Sul do país (cerca de 1.200.000ha) e porventura o
sistema com maior potencial ambiental e produtivo na região (Ferreira, 2001; Pnigdefabregas,
1997), foi igualmente alvo de recuperação, face à importante degradação resultante da
intensificação cerealífera. Assim, e de acordo com as orientações do Plano de Acção Florestal
(1986), foram plantadas árvores (sobretudo azinheiras criadas em viveiro), procedeu-se à poda
das árvores, ao corte regular de matos, ao espaçamento na recolha de bolota (Figura 7). Na
pecuária, o gado ovino perdeu alguma dimensão na década de 80, assim como o suíno e os
bovinos de carne, embora o Alentejo conjuntamente com a Beira Interior comportasse 50%
dos rebanhos do país e representasse 15% da suinicultura nacional, em 1990 (INE, 1991).
Triunfa a grande propriedade, recuperada como a principal marca da estrutura fundiária,
promove-se um forte investimento tecnológico e científico, procura-se elevar a produtividade,
reduzir a mão-de-obra e qualificar a produção, destinada ao mercado global. Regressa o
desemprego e o trabalho temporário.
8
No âmbito do olival, sobretudo nas áreas de maior declive, é importante modificar os sistemas de plantação
sustentados no alinhamento das árvores e na sua distribuição segundo o perfil longitudinal das vertentes, os quais
facilitam a erosão hídrica descontínua ao longo das vertentes, fazendo aumentar a taxa de erosão (Feio, 1998).
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Plantio de azinheiras (esq.); Poda das árvores (dir.)
Figura 7 – O novo montado na margem esquerda do rio Guadiana
2.4. AS NOVAS PAISAGENS RURAIS DO ALENTEJO
A partir de 1996, o enfoque da PAC centra-se no desenvolvimento do rural multifuncional das
actividades económicas e das paisagens, a que já neste milénio acrescem as novas directrizes
de protecção-conservação, sobrepondo-se às lógicas sectorial e territorial (Covas, 2004). Os
subsídios comunitários e o mercado global aumentaram o fosso entre pequenos e grandes
produtores, mas também constituíram uma porta de oportunidades para novos investidores
nacionais e estrangeiros, revitalizando as explorações agrícolas, intensificando a sua
exploração e criando dinâmicas produtivas que geram riqueza.
No plano da produção agrícola, exige-se hoje qualidade, prestígio e especificidade territorial;
valorização das práticas culturais tradicionais; contacto directo produtor/cliente; segurança
alimentar dos produtos; certificação dos produtos. No que respeita à protecção do ambiente e
da paisagem destacam-se: os subsídios a soluções agro-ambientais e agro-rurais sustentáveis
(biodiversidade, pluralidade fontes energéticas, etc.) e as práticas culturais menos intensivas
(agricultura verde, protecção e produção integrada). As monoculturas cerealíferas estabilizam
e tendem a restringir-se aos solos mais apropriados, caso dos barros de Beja. Apoiam-se
actuações integradas e a entreajuda dos diferentes actores, em busca da coesão social, da
solidariedade entre regiões e países. A pluriactividade e o pluri-rendimento são referidas
como possíveis soluções, em particular nos casos de regiões ameaçadas pelo despovoamento,
como é, precisamente, o caso do Alentejo.
Encontram-se novas valências centradas na paisagem e dependentes da sua sustentabilidade e
qualificação. As eco-condicionalidade (poluidor-pagador) e os financiamentos locais baseados
nos sítios e nos lugares (Programa LEADER) dão nova esperança à requalificação da
paisagem, ao bem-estar e à qualidade de vida. Com efeito, o objectivo é proteger a perda de
diversidade, a descaracterização e a uniformização das paisagens. As orientações Rede Natura
2000 são determinantes na ocupação cultural, em particular no montado, cuja gestão passa a
ter um carácter integrado: reflorestação; recuperação de raças bovinas regionais (Retinta e
Mertolenga); apicultura; indústria de perfumes e de óleos; e a caça, cuja crescente importância
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pode ter reflexos nas diferentes modalidades da sua exploração (Zonas de Caça Associativa;
Zonas de Caça Turística; Reservas de Caça). As culturas irrigadas constituem uma nova
aposta, com destaque para as potencialidades da Zona de Protecção Especial do Alqueva,
igualmente promissora no âmbito turístico e no campo das energias hídrica e renováveis9
(Figura 8).
Reflorestação na Contenda de Moura (Rede Natura, 2000); Pivot de rega (Vidigueira); Central hidroeléctrica do Alqueva.
Figura 8 – Novas valências centradas na paisagem
No que respeita à vinha, a área de ocupação tem vindo sempre a aumentar desde a adesão à
CEE, em 1986. Na década seguinte, o rácio reestruturação/abandono representou um saldo
global positivo de 2200ha, sendo a percentagem de área reestruturada para DOC muito
significativa (33%, Simões 1998). Nos últimos anos, as transferências de direitos de plantação
para a região continuam a suceder-se - mais de 600.000ha entre 2001 e 2005 (IVV, 2005).
Existe uma maior especialização no caso das Sub-regiões Borba e Reguengos, as quais
produzem 51,5% do volume total do Vinho Regional e 60% do vinho DOC Alentejo, que se
cifra hoje em mais de 700.000 hectolitros por ano (CVRA, 2005).
2.5. A MUDANÇA DA IMAGEM DA REGIÃO NA PROCURA TURÍSTICA
No contexto da mudança, a nova imagem do Alentejo rural - símbolo de cultura, mais valia
ambiental - constitui um poderoso mito para a procura turística. Nesse sentido, advogam-se os
benefícios do rural, enquanto genuíno, saudável, retemperador, etc. Como Batista (1990)
assinala, esta mudança trouxe alterações benéficas ao turismo alentejano: aumento da
diversidade dos destinos na região; redução da sazonalidade; compressão do tempo médio de
estadia e da antecedência da marcação; multiplicação das vias de conhecimento dos lugares e
os meios de reserva; alargamento do leque sócio-económico e cultural do turista.
O marketing tornou-se um instrumento fulcral na promoção das rotas turísticas, do turismo
rural, dos produtos tradicionais, do artesanato e mesmo da diversidade das actividades
económicas. As orientações estratégicas contempladas no PNPOT (2006) consideram
9
A central fotovoltaica de Moura, com uma produção calculada de 62MW é hoje a maior à escala mundial.
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prementes novas ofertas turísticas assentes na valorização dos recursos locais (naturais e
culturais), na inovação, no conhecimento, nas competências técnicas e nas redes de
comunicação (MA, 2006). Nesse sentido, estabeleceram-se as seguintes prioridades para a
região alentejana: melhoria das acessibilidades; criação de pólos de excelência (rurais e
urbanos); qualificação do património construído (aldeias, cidades), histórico (castelos, casas
senhoriais) e arqueológico (megalítico). Os Programas de Iniciativa Comunitária (PIC)
LEADER, destinados à revitalização de áreas desfavorecidas como o Alentejo, deram um
importante contributo no estabelecimento de Itinerários, entre os quais se podem destacar os
das Rota dos Vinhos do Alentejo10 , são exemplo da nova dinâmica multifuncional na esfera
do enoturismo (Figura 9).
Fonte: CVR Alentejo
Figura 9 – Rotas dos Vinhos do Alentejo
Nas imagens dos Roteiros são oferecidas sugestões de visitas culturais (castelos, palácios,
sítios arqueológicos); desporto de ar livre, sobretudo a caça; passeios com vistas panorâmicas;
artesanato (olaria, couros, tapetes, outros); visitas a aldeias típicas; alojamento nas quintas
(montes); gastronomia, e provas vínicas. Procura-se articular o “clássico” turismo cultural
com as tendências recentes do turismo de Natureza, Cinegético e Desportivo (ICEP, 2000).
CONCLUSÃO
No balanço histórico global, o Alentejo permanece uma das regiões mais emblemáticas do
país no que respeita ao carácter das suas paisagens, detendo uma identidade inconfundível no
território nacional, centrada no relevo plano, na escassez humana, na grande propriedade, nas
culturas extensivas, no tipo de povoamento concentrado, na arquitectura popular e na
gastronomia. As diferentes representações que lhe conferem visibilidade tentam hoje renovar
10
Caminho de S. Mamede (Alto Alentejo), Itinerário Histórico (Alentejo Central) e Nas Margens do Guadiana
(Baixo Alentejo).
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a imagem do Alentejo, apagando a memória das searas, expressão de delapidação da
paisagem e de tempos de conflito para a maioria da população da região. Pretende-se refazer a
relação da sociedade com o território, aliando trabalho, qualidade de vida e sustentabilidade
ambiental, conciliando o processo produtivo com a protecção dos ecossistemas, o espaço
produtivo com a recreação e a cultura, enfatizando as memórias não conflituais e a herança
histórica. Importa que as novas dinâmicas de desenvolvimento sejam capazes de aproveitar os
recursos e preservar as paisagens da região, quebrando simultaneamente o estigma da pobreza
e da degradação do território. As representações têm aqui um importante papel; será que são
capazes de destronar a imagem da seara, da fome e da revolta e ao mesmo tempo reforçar a
singularidade e a identidade da região? Para esse efeito, no plano da gestão da paisagem é necessário
definir quais são os valores a preservar e que novos elementos podem contribuir para criar uma
assinatura distintiva da região.
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