EXPERIÊNCIAS DIDÁTICAS NA ENCRUZILHADA ENTRE HISTÓRIA, SOCIOLOGIA E FILOSOFIA: AS CONCEPÇÕES DE ESTÉTICA ATRAVÉS DE PESQUISA NA INTERNET Weber Abrahão Júnior* Componente curricular: Interdisciplinar (História, Sociologia e Filosofia) Público Alvo: Alunos da 2ª série do Ensino Médio Introdução Esse é um relato de experiência. A atividade foi desenvolvida com turmas do segundo ano do Ensino Médio de escola privada, no estado de Minas Gerais, no segundo semestre do ano de 2014, dentro de um projeto interdisciplinar envolvendo a Filosofia, a Sociologia e a História, e de acordo com as Orientações Curriculares para o Ensino Médio. É uma experiência de fronteira entre as disciplinas que ministro no ensino médio, História, Sociologia e Filosofia. Segundo Barca (2001, p. 13), as investigações em cognição histórica, empreendidas a partir dos anos 1970 por Peter Lee e outros autores, demonstraram que os argumentos generalistas que afirmavam a impossibilidade de aprendizagem histórica para os detentores de idade mental inferior a 16 anos, estavam equivocados. Rompendo com a abordagem positivista, que investe em quantidade factual e objetivismo (e seu corolário, a neutralidade investigativa), e partindo do universo de *Graduado em História pela Universidade Federal de Uberlândia; pós-graduado em História do Brasil Contemporâneo pela Universidade Federal de Uberlândia; graduado em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia; pós-graduado em Direito Civil pela Universidade Federal de Uberlândia; professor do Ensino Médio na rede privada do estado de Minas Gerais; participante do grupo de pesquisa NIESC - Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Estudos Culturais, da Universidade Federal de Goiás como estudante; Mestrando em História na UFG, Regional Catalão. Professor de História, Sociologia e Filosofia. E-mail: [email protected] RELATO DE PRÁTICA ABRAHÃO JR. W. referência dos alunos (ideias que os alunos elaboram em e acerca da História), faz-se necessário considerar, conforme Barca que O meio familiar, a comunidade local, os media, especialmente a TV, constituem fontes importantes para o conhecimento histórico dos jovens, que a escola não deve ignorar nem menosprezar. É a partir da detecção destas ideias – que se manifestam ao nível do senso comum, e de forma muitas vezes fragmentada e desorganizada – que o professor poderá contribuir para as modificar e tornar mais elaboradas. (BARCA, 200, p.15) Desse modo, a construção da atividade didática procurou obedecer a alguns critérios apontados pela autora citada. É possível aprender “com gosto” a História, respeitada a natureza da disciplina e também o contexto de vida dos alunos. A aprendizagem resulta de contextos concretos. Os conceitos precisam fazer sentido para os alunos que os aprenderão. E com certeza esse fazer sentido opera-se em registro múltiplo, relacionando-se diretamente às vivências prévias dos alunos, aos temas e objetos abordados, à própria abordagem e ainda às especificidades da cognição histórica situada, nos termos elaborados por Schmitd, “Para que isto ocorra, a aprendizagem da História demanda um processo de internalização de conteúdos e categorias históricas viabilizadores de processos de subjetivação, isto é, de interiorização com intervenção dos sujeitos, com vistas às ações transformadoras e de mudança da realidade.”(SCHMIDT, 2009, p. 34). Pensando a atividade também com o auxílio de Rüsen (2010), entende-se que para o professor, em sua dinâmica de trabalho, o que está em jogo é superar uma suposta neutralidade das disciplinas: o ensino de História nas escolas deve ser compreendido em função do aprendizado histórico (construção de identidade histórica, elaboração da consciência e possibilidades de ação no tempo presente) que não se esgota na questão técnico-pedagógica, ou seja, na formação técnica (didática em sentido estrito) do professor. Essa formação técnica é entendida como uma competência didática no sentido de operacionalização de conteúdos e temas, uma mediação entre as formas de produção do saber histórico e as dinâmicas de ensino-aprendizagem, para a construção da Página 126 consciência histórica. Desse modo, essa competência, entendida em sentido estrito, não se confunde com a especialização em história (a teoria da história desenvolve EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015 Experiências didáticas na encruzilhada entre História, Sociologia e Filosofia... p.125-136 possibilidades racionais do conhecimento histórico; a didática elabora possibilidades de aprendizado da consciência histórica). E para isso, a didática deve ser compreendida como o aprendizado do conhecimento histórico, sistematizado a partir das múltiplas fontes de conhecimento, para muito além da escola, e acessíveis para todos os sujeitos. Isso porque o saber histórico, chancelado pela academia, e tradicionalmente abordado na educação formal escolar, compete com o cinema, a TV, a literatura, os games e os quadrinhos pela atenção dos jovens, como referenciado em Barca, citada acima. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, em sintonia com a LDB, a partir dos quais as Orientações acima indicadas são elaboradas, a Filosofia e a Sociologia devem ser tratadas como disciplinas obrigatórias no Ensino Médio. A Filosofia, por permitir, no contexto da necessária formação para a cidadania, reflexões sobre o lugar e o ser do jovem, a partir da elaboração de temáticas que possam fomentar a discussão pública e a mobilização da sociedade. Cabe ainda à Filosofia, no aspecto essencialmente escolar de suas elaborações, desenvolver-se como “espaço do erro”, permitindo aos alunos a construção da reflexão que não mira apenas o resultado e a nota. Do mesmo modo podemos pensar a Sociologia, enquanto ciência social aplicada, entendida a partir do exercício de um duplo papel didático, pois ela permite o desenvolvimento de recortes temáticos que, simultaneamente, levam ao estranhamento e à desnaturalização – conceitos desenvolvidos a seguir – dos fenômenos sociais comezinhos. Dessa maneira, a atividade realizada com os alunos objetivou a possibilidade de construção de um aprendizado em duplo sentido: a percepção da produção e veiculação de conteúdos pela indústria cultural como uma construção arbitrária fruto de escolhas dos agentes que operam as tecnologias, contribuindo assim para a elaboração da consciência histórica dos alunos; e também as possibilidades múltiplas de leitura dos produtos da indústria cultural, referenciados na capacidade de elaboração teórica de uma prática cotidiana naturalizada, que é a navegação pelas páginas da rede mundial de EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015 Página 127 computadores. RELATO DE PRÁTICA ABRAHÃO JR. W. Desenvolvimento Esta é uma experiência didática fronteiriça por pelo menos dois motivos: A vivência de quase três décadas em sala de aula com alunos do ensino médio, na construção de saberes históricos que têm se modificado em estrutura, níveis de aproximação e perspectivas de abordagem; e, a experiência acumulada que permite certo trânsito entre/pelos conteúdos específicos e também pelas abordagens distintas das três disciplinas escolares, em dimensão de diálogo. Desse modo, ao abordar o tema da Estética, como apresentado no programa da disciplina Filosofia e também no roteiro pré-definido em material didático apostilado (COC, s/d), apontei algumas questões prévias à apresentação dos conteúdos aos alunos: seria possível fazer um levantamento a respeito do que eles entendem pelo conceito? A abordagem poderia contemplar um histórico do conceito, transformado em tema didático pelo programa da disciplina? Como utilizar o estranhamento como técnica de abordagem do tema? Seria possível, a partir daí, buscar referenciais na música, como elemento instigador do debate? E, finalmente, o uso da internet poderia ser motivador para uma abordagem interdisciplinar do tema? Estabelecidos esses parâmetros, investigamos inicialmente os múltiplos sentidos oferecidos pelo conceito. Importante ressaltar que o relato de experiência como aqui definido, procura enfocar a dinâmica da atividade realizada, e não provocar ou aprofundar uma discussão teórico-conceitual sobre o tema. De toda forma, partiu-se de um referencial elementar de estética, desde suas origens gregas, com o conceito de Página 128 aisthésis. Umberto Eco, em sua introdução à História da Beleza, pontua: ‘Belo’ – junto com ‘gracioso’, ‘bonito’ ou ‘sublime’, ‘maravilhoso’, ‘soberbo’ e expressões similares – é um adjetivo que usamos frequentemente para indicar algo que nos agrada. Parece que, nesse sentido, aquilo que é belo é igual àquilo que é bom e, de fato, em diversas épocas históricas criou-se um laço estreito entre o Belo e o Bom. (ECO, 2013, p.8) EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015 Experiências didáticas na encruzilhada entre História, Sociologia e Filosofia... p.125-136 Mas em seu sentido original, aisthésis pode ser compreendida como percepção enquanto um processo ou atividade humana. O sentido contemporâneo da palavra é devido ao filósofo alemão Baumgarten, conforme Marcos Vinicius Corrêa Carvalho (2010), que no século XVIII registrou o termo como o campo de estudos da filosofia ocupado com o belo, natural ou artístico, como fundamento da arte. Por extensão, a estética se ocuparia ainda do estudo dos sentimentos provocados pelo belo, como despertar de sentido para os seres humanos. Desse modo, pudemos estabelecer parâmetros de análise em três dimensões complementares, demonstrados aos alunos: a) O aspecto conceitual propriamente filosófico do tema, situando-o em suas origens gregas, e em diálogo com os clássicos, e as transformações e adaptações conceituais promovidas pela filosofia a partir do século XVIII; b) A dimensão sociológica do conceito, como produto de representações socialmente situadas do que se considera belo ou feio; c) A perspectiva histórica do conceito, exercitando a percepção dos alunos em relação às mudanças de sentido e utilização dos conceitos na medida em que são historicamente situados, ou seja, definidos pelas representações e práticas sociais em mutação, nos termos de Barros (2011) Na preparação do tema com os alunos, os alunos ouviram a música Beleza, de Raimundo Fagner e Brandão, com acompanhamento da letra. Gravada e lançada em 1979, representa um período criativo da chamada MPB, e foi referência musical para minha geração. A escolha de uma música como contraponto à apresentação da atividade está associada ao desenvolvimento de possíveis sentidos para o conceito de beleza, e também por oferecer um contraponto às referências musicais – e, portanto, culturais, dos alunos. Como produto da indústria cultural, a música, entendida aqui como interação letra/melodia, indissociáveis, presta-se a uma primeira aproximação do tema. Isso porque ela sintetiza representações sociais em referências de linguagem textual e instrumental capazes de produzir o desejado efeito do estranhamento, ou seja, adotar um método de distanciamento das regras e da visão de mundo de uma determinada EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015 Página (HASSEN) 129 sociedade, legitimadas em atos e instituições, retirando o véu cultural que as oculta. RELATO DE PRÁTICA ABRAHÃO JR. W. O conceito de estranhamento está vinculado ao campo de investigação da sociologia e também da antropologia. Ressalte-se que os conteúdos programáticos da disciplina escolar denominada Sociologia, incluem temas e conceitos da Ciência Política e da Antropologia. Historicamente, em suas origens, a antropologia e a sociologia desenvolvem-se como ciências da sociedade. A construção de seus objetos de pesquisa se dá por proximidade/distanciamento geográfico e cultural. Os esforços de compreensão do europeu, por ele mesmo, são o cerne do desenvolvimento da sociologia, no século dezenove, no contexto de expansão urbanoindustrial. Mas, esse entendimento de si encontra seu espelho nas reflexões da antropologia, em contraponto com a identificação da alteridade na própria Europa: o homem do campo, o europeu do Leste, mas também e principalmente o africano, o latino, o asiático. O outro é o diferente, o que não é igual a mim mesmo. Esse outro, é estranho, é estrangeiro. Ocupa lugares geográficos e culturais diversos. Para compreendê-lo é necessária uma aproximação que é ao mesmo tempo distanciamento. Aproximação porque, para investigar o objeto de pesquisa, é preciso dar olhares, ouvidos e vozes a ele. Distanciamento porque, para sua compreensão em caráter sistemático, científico, é necessário filtrar impressões e demarcar registros. Esse é o processo de estranhamento. Portanto, o estranhamento pôde ser trabalhado como recurso didático, em nossa atividade, para aproximar os alunos de uma produção cultural dos anos 1970, a música de Raimundo Fagner e Brandão, desconhecida por eles, isto é, fora de seu universo de referência. O movimento complementar, o distanciamento, pode ser resultado das reflexões produzidas através da atividade. O estranhamento pode produzir dois efeitos didáticos importantes, não necessariamente simultâneos, mas que permitem reflexão – o voltar-se para dentro de si e experienciar os resultados. De um lado, provoca um distanciamento do interlocutor, o que permite uma visão em perspectiva (observação de conjunto) do que se experiencia; por outro lado, leva a um movimento oposto, de aproximação por curiosidade. É possível assim a produção de diversas camadas de sentido em torno do objeto Página 130 experienciado, ampliando duplamente a experiência, porque “treina” o interlocutor na EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015 Experiências didáticas na encruzilhada entre História, Sociologia e Filosofia... p.125-136 criação de técnicas de percepção da diversidade, e também porque permite agregar significados diferentes ao que se experiencia. A letra de Beleza convida a uma reflexão sobre os diversos olhares ou modos de olhar: “Beleza só se tem quando se acende a lamparina/Iluminando a alma se entende a própria sina”. A lamparina ilumina o quê? A palavra remete à vida no campo e sugere as origens nordestinas do cantor. Lamparinas iluminam em vislumbres as madrugadas do sertanejo? O verso em sequência produz outra dúvida: a iluminação da alma é feita pela lamparina ou é produto de uma luz interior1? E ainda: “Beleza só depois de uma sangria desatada/Aberta na ferida dos perigos do amor”. A letra da canção aqui produz um confronto semântico, ao sugerir que a beleza surge de uma ferida aberta e que sangra. “Sangria desatada”, além de possuir uma sonoridade interessante, levou os alunos a debater os limites entre o belo e o feio. A estrofe final é emblemática das mudanças de sentido que são operadas ao longo da canção, retomando seu início: “Beleza é o temporal que suja e corta uma visão/E esmaga qualquer sonho com um grito de pavor”. Se no princípio a lamparina conduz uma visão de beleza, um vislumbre que só se efetiva na contemplação da alma, ao final um temporal suja e corta a visão. Se é possível perceber a beleza de um temporal, simbólica e materialmente ele esmaga qualquer sonho, ou seja, todo sonho. O que resta é um grito de pavor. Após a preparação realizada com a análise de trechos da canção, foi apresentada aos alunos a atividade principal. Foi feita uma pesquisa, durante a aula e em tempo real, no sítio de pesquisas Google, na opção imagens, com a digitação de uma única palavra: “estética”. É importante esclarecer que, antes da aula com a primeira das duas turmas do segundo ano do ensino médio onde a atividade foi realizada, fiz a pesquisa. Portanto, já tinha de antemão um vislumbre do resultado. Desse modo, após digitar na caixa a palavra “estética” e clicar em busca, surgiram dezenas e dezenas de imagens de rostos de mulheres brancas, em close, sorridentes, fotografadas em alta definição e recortadas em um fundo branco infinito, como são feitas as fotografias profissionais de estúdio. Todas as imagens, sem exceção, eram – e continuam sendo, mesmo se a pesquisa for Não é possível afirmar com segurança se a letra da canção faz uma referência à doutrina da Iluminação Divina Agostiniana, mas é uma possibilidade de interpretação, infelizmente não abordada na atividade, porque só foi suscitada no momento da redação desse relato de experiência! Página EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015 131 1 RELATO DE PRÁTICA ABRAHÃO JR. W. feita agora, enquanto esse texto é lido – de mulheres brancas como delineado no parágrafo abaixo. O procedimento técnico de rolagem das páginas exibidas gerou ansiedade nos alunos. Isso porque, deliberadamente, a rolagem foi feita de forma lenta, para que fosse possível identificar as imagens, compará-las e produzir os efeitos esperados de estranhamento e naturalização. Desse modo, foram sendo roladas páginas e mais páginas de fotografias de mulheres brancas, maquiadas, deitadas em macas, enroladas em toalhas, submetidas a tratamentos de beleza, e sempre sob aquele fundo branco e infinito. As perguntas e os gracejos começaram então, pois alguns queriam saber se estética era (só) isso mesmo, se não existiriam outras “cores de beleza”, se “só tem gente bonita na internet”. Foram roladas cerca de dez páginas, e contabilizadas cerca de trezentas imagens de mulheres brancas nas condições como descritas acima, quando foi disponibilizada a primeira imagem de uma mulher negra. Mas submetida aos mesmos parâmetros: um close do rosto, maquiada e fotografada sob o já proverbial fundo branco infinito. Após novas rolagens de páginas, surgiu a fotografia de um homem. Branco, sob fundo branco, modelo. Cento e dezoito imagens depois, um gif com uma fotografia de um busto representando Platão, e a reprodução, em espanhol, de um texto atribuído a ele: “También decimos que hay algo Bello en sí, y Bueno en si, análogamente, respecto a todas aquellas cosas que postulábamos como múltiples, las postulamos como siendo una unidad, de acuerdo con una Idea única, y llamamos a cada una lo que es.”. Deparamo-nos aqui com uma referência ao conceito de mimese em Platão, que identifica o Belo e o Bom, sem a contaminação da carne humana, de cores e de tantas outras frivolidades mortais remetendo-nos à citação de Eco, vista anteriormente. Depois de mais cento e vinte e uma fotografias de mulheres como anteriormente descrito, uma nova imagem de homem, no mesmo registro indicado para as imagens femininas. Mais duzentas e dezesseis fotografias no padrão encontrado inicialmente, e surge no meio desse “mar de musas”, um gif com um registro do jogador Dadá Maravilha, com uma frase a ele atribuída: “não existe gol feio. Feio é não fazer gol”. Novas rolagens de páginas e, duzentas e cinquenta imagens depois, uma mulher Página 132 oriental (devidamente ocidentalizada), ao lado dos dizeres Dia da Noiva. EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015 Experiências didáticas na encruzilhada entre História, Sociologia e Filosofia... p.125-136 Os alunos perceberam imediatamente e de maneira reforçada, que a “ferramenta de busca” do Google, operacionalizada por seres humanos com vivências, gostos, valores, conceitos e submetidos a práticas e representações sociais, não é, de modo algum, isenta, objetiva ou neutra! O “filtro humano” conduziu a busca para um campo específico de imagens, e isso pode ser explicado, ao menos em parte, porque a escolha de pesquisa foi, deliberadamente, a mais ampla possível. Ou seja, partir de um único termo, “estética”, para realizar uma pesquisa vinculada à preparação de conteúdos didáticos, possibilita uma abertura conceitual que revela uma dimensão ideológica dos atores sociais que operam a rede mundial de computadores. Por outro lado, a angústia que moveu a elaboração da atividade didática está ainda e também em outra fronteira. As imagens tratadas por programas computacionais – no jargão, “photoshopadas”, permite a percepção da elaboração de uma “ditadura do discurso imagético único”, forjado em um ideal de beleza ao mesmo tempo tangível e inacessível. Tangível porque ao alcance de bolsos e bolsas que podem pagar em parcelas de cartão de crédito por tratamentos de beleza, simulando ou emulando as modelos das fotos. Inacessível porque a vida dos sentidos não acede ao “efeito photoshop”. Pontue-se ainda com Baitello (2007, p. 6), que “em uma cultura da imagem visual operará igualmente a construção de ambientes voltados para a hegemonia da visão, com todas as consequências que dela decorrem”. Nenhuma ilusão, portanto. O uso midiático das imagens contemporâneas – e também contemporaneamente, não possui “intenções prioritariamente artísticas.” Mas como o termo estética, aborda diferentes conceitos de beleza, incluindo aquelas vinculadas aos padrões socialmente determinados contemporaneamente, acabou sendo utilizado como indicador aleatório, na pesquisa, de clínicas de tratamento de pele, serviços de maquiagem e manicure, em suma, clínicas de estética. Conclusões Ao final da atividade, do ponto de vista da utilização de fontes audiovisuais para EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015 Página de dificuldades, a partir das reflexões propiciadas por Napolitano (2006). Uma, de 133 a aprendizagem temática em registro interdisciplinar, foi possível observar duas ordens RELATO DE PRÁTICA ABRAHÃO JR. W. natureza metodológica ligada ao uso das fontes. Isso porque tanto para o professor quanto para os alunos, é necessário decodificar, simultaneamente, as dimensões técnico-estética (mecanismos formais mobilizados pela internet e pela música) e representacional (eventos, personagens e processos históricos representados). É necessário articular a crítica externa à interna, a análise à síntese: as fontes audiovisuais deixam de ser “ilustração” de um contexto ou mesmo de um texto ou ainda um mero “complemento soft” da aprendizagem, pois devem ser compreendidas como fontes primárias reais. A outra é de ordem prática. Tratar imagens disponibilizadas na internet como fontes históricas em mediação a seus possíveis significados fronteiriços ao campo de investigação da Filosofia e da Sociologia como disciplinas escolares é tarefa complexa e sujeita a uma enormidade de equívocos. Inclusive porque sempre existe uma permanente tensão entre o que é evidente – a objetividade possível da investigação histórica, e as variáveis subjetivas de representação. Pois se as fontes são evidências de processos, eventos, práticas e representações sociais no tempo, recortar os dados brutos apenas inicia o procedimento didático, que impõe muitas e por vezes incontroláveis variáveis de interpretação. Desse modo, as avaliações feitas com os alunos ao final das atividades permitem algumas conclusões. A intenção do estranhamento almejada com a apresentação da música não surtiu exatamente o efeito esperado. No momento da audição, a grande maioria dos alunos literalmente estranhou a sonoridade e a letra foi considerada enigmática. No exercício escrito, quando lhes foi perguntado o que seria mais “diferente” na comparação entre as músicas que eles ouvem e a que foi apresentada, a resposta majoritária vincula-se a duas observações: o ritmo é muito lento, e o “jeito de tocar” soa estridente; a letra não se compreende com facilidade, é muito complicada, chega a ser irritante. Em relação às imagens avaliadas, foi elaborado um questionário no qual se buscava relacionar a música, o conceito de beleza como visto no fragmento atribuído a Platão, e o padrão estético da beleza feminina branca e simétrica, apresentado pelo “filtro humano” da ferramenta de busca, oculto pela pretensa neutralidade técnica. Página 134 Uma questão proposta: “Nos dias de hoje, é possível identificar o Belo ao Bom?” As respostas foram variadas, mas oscilaram entre dois campos. De um lado, EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015 Experiências didáticas na encruzilhada entre História, Sociologia e Filosofia... p.125-136 respostas afirmativas, identificando beleza com bondade, em um sentido de senso comum, bom como bonzinho, submisso à sociedade e seus valores e parâmetros. Por outro lado, muitos alunos entenderam que não é possível identificar beleza e bondade em um mundo que discrimina os “feios e mal vestidos”, indicando o preconceito. Outra questão referia-se à possibilidade de existência de “outras cores de beleza”. Aqui as respostas foram unânimes na afirmativa. Mas, embora os alunos tenham sido capazes de identificar na questão o tema do direito à diversidade e sua inexistência ou ocultação pela ferramenta de busca, não conseguiram ir além da mera constatação. Ou seja, não foram capazes de elaborar uma resposta que incluísse ou EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015 Página 135 indicasse possíveis soluções para o problema. 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