O BEN e a Eficiência Energética Acaba de ser publicado o BEN – Balanço Energético Nacional de 2009 com as estatísticas de produção e uso de todas as formas de energia, atualizadas até 2008. Publicada, anualmente, há dezenas de anos, essa estatística muito rica e completa é um exemplo raro de continuidade neste país em que é comum boas iniciativas das administrações anteriores serem interrompidas. Preparada e editada pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE nos últimos anos, o BEN tem melhorado a qualidade e a abrangência das informações sendo agora editado com um belo padrão gráfico e um formato mais cômodo para manuseio. O documento, concebido antes da crise do petróleo, ainda apresenta alguns vieses de origem quando se considerava que a riqueza de um país era proporcional ao seu consumo de energia, particularmente o petróleo, refletido na unidade de energia “toneladas equivalentes de petróleo”. Assim, trata a questão energética unicamente na perspectiva da oferta quando o mundo moderno enfatiza crescentemente a necessidade de aumentar a eficiência no uso de todas as formas, notadamente as de origem fóssil. O tratamento da eficiência é dificultado porque não se inaugura uma unidade de eficiência, tal como se inaugura uma unidade de refino de petróleo ou uma hidrelétrica. É preciso buscar meios para expressar como certas ações reduzem o uso de energia sem afetar a produção da economia ou conforto das pessoas. O Brasil, no entanto, teve uma experiência única nos tempos modernos de uma ação de governo coordenada que teve um efeito mensurável. Referimos-nos aos eventos de 2001, ano em que, depois de diversos anos de esvaziamento dos reservatórios, um verão muito seco colocou o governo com a missão de reduzir, em curto prazo o consumo de energia em 20% para evitar um colapso do sistema interligado, que então atendia 80% do mercado nacional. As soluções clássicas se dividiam entre um choque de preços e um racionamento administrado como o que foi praticado em 1967 no Rio de Janeiro. Como Deus é brasileiro, o Presidente deve ter ouvido um de seus principais auxiliares, na época presidente da ANP, e grande especialista no tema de eficiência energética e que tinha uma noção clara sobre os desperdícios de energia elétrica praticados no país. Nasceu daí um programa de incentivo ao uso eficiente da energia elétrica, muito ousado pois não havia precedente em outros lugares do mundo. Em menos de um mês houve uma queda de consumo dentro do esperado. Como a campanha terminou antes do verão, não chegou a reduzir as cargas de ar condicionado, o que, certamente, teria produzido maiores resultados. E assim o país atravessou o período de estiagem. Na região Sul, não atingida pela seca e à margem do programa, a população também tomou medidas de eficiência recomendadas para as demais regiões através da mídia. Os efeitos negativos do programa, econômicos e sociais, foram bem menores do que teriam sido caso ocorressem interrupções diárias de fornecimento com duração de várias horas. O ano seguinte foi de eleições com a expectativa de mudanças fortes na economia e, no plano internacional, a crise econômica da Argentina acabou afetando o Brasil, com efeitos claros na economia como a disparada da taxa de câmbio. Analistas na época atribuíram a redução de consumo, a estes fatores. Esperavam o retorno do consumo aos níveis históricos e, para tanto, prepararam as empresas do setor elétrico. Foi, inclusive, aprovada a contratação improvisada de uma caríssima – e inútil –capacidade de geração emergencial de 2,4 GW para servir de reserva. Embora o salto de eficiência tivesse raiz no entendimento e ação da população, poucos estudos analisaram as questões psico-sociais que levaram uma população a esta ação coordenada de redução do consumo. Foram as ameaças? Vontade de colaborar? Esclarecimento da imprensa que na época bombardeou as pessoas com informações? Consumo de Energia Elétrica - BEN 2009 Consumo de energia Elétrica – BEN 2009 Passados quase dez anos, o BEN nos permite fazer uma avaliação objetiva, clara e simples mostrando que apostar na eficiência foi efetivo. Para tanto basta comparar a evolução do consumo de energia observado com uma projeção do mercado caso ele tivesse tido uma evolução seguindo sua tendência histórica de crescimento. O gráfico é eloqüente quanto ao efeito permanente da intervenção realizada em 2001. Mostra, também, que o mercado volta a seu ritmo de expansão, sem retornar à trajetória original. Sugiro à EPE que, na próxima edição, inclua este gráfico. Talvez da sua análise surjam respostas para dúvidas simples como, por exemplo: quem foi mais beneficiado pela redução da necessidade de investimentos no setor elétrico no período pós 2001? Autor: Jayme Buarque de Hollanda, Diretor geral do INEE 11/03/2010