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ANAIS DO III CONGRESSO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA
Comitê Memória e Devires em Linguagens de Dança – Setembro/2014
IDENTIDADES E PERMANÊNCIAS:
A DANÇA NA DÉCADA DE 1980 EM NATAL
Marcilio de Souza Vieira (UFRN)i
RESUMO: A dança natalense dos anos de 1980 encontrou ecos na dança
contemporânea brasileira com significativas influências da dança contemporânea
estadunidense e europeia. Registra-se que nesse período de 1980 foram criadas algumas
escolas e grupos de dança no município de Natal ligados a instituições particulares,
federais, estaduais e/ou municipais. O texto objetiva compreender como se configurou a
dança natalense nos anos de 1980 e parte da abordagem fenomenológica como método
de pesquisa. Como técnica de pesquisa utilizou-se a descrição fenomenológica no sentido
atribuído pelo filósofo Merleau-Ponty.
PALAVRAS-CHAVES: DANÇA. MEMÓRIA. GRUPOS/CIA DE DANÇA RN.
IDENTIDADES/PERMANÊNCIAS.
IDENTITIES AND PERMANENCE:
DANCING IN THE 1980 DECADE IN NATAL
ABSTRACT: The dance natalense 1980s found echoes in contemporary Brazilian dance
with significant influences from American and European contemporary dance. It is
recorded that in the period 1980 some schools and dance groups in Natal linked to
individuals, federal, state and / or municipal institutions were created. The text aims to
understand how to set the dance Natal in the 1980s and part of the phenomenological
approach as a research method. As a research technique was used the phenomenological
description in the sense attributed by the philosopher Merleau-Ponty.
KEYWORDS: DANCE. MEMORY. GROUPS / CIA DANCE RN. IDENTITIES / STAYS.
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Uma década de dança
A dança natalense dos anos de 1980 encontrou ecos na dança contemporânea
brasileira com significativas influências da dança contemporânea estadunidense e
europeia. O movimento pós-moderno americano (com origem e sede inicialmente nos
Estados Unidos), a dança expressionista alemã e a nova dança francesa influenciaram a
composição do quadro da dança contemporânea brasileira e natalense da década de1980
do século XX.
Tal dança foi influenciada por acontecimentos que de alguma maneira contribuíram
para que os artistas da dança desse período pudessem coreografar suas criações. Faz-se
necessário uma contextualização histórica dessa época, que julgamos importantes, em
que o país foi marcado por grandes transformações e a dança brasileira também.
No Brasil, na fase que compreende a década citada, ocorreram significativas
mudanças no plano da cultura, fruto destes novos modelos de pensamento e política.
Essas mudanças para a cultura se mostraram especialmente no que diz respeito à
criação e produção artística. Nesse cenário, tentar captar o sentido dessas mudanças
para a arte e para as relações entre arte e sociedade nos permitiria discutir como as artes
e suas produções se ressignificaram, observando certamente o que se conservou e o que
modificou.
O referido artigo objetiva compreender como se configurou a dança natalense nos
anos de 1980. Parte da abordagem fenomenológica de Merleau-Ponty como metodologia;
para a produção de dados de pesquisa foi utilizada a técnica da descrição dos
fenômenos. A descrição busca a "própria coisa", e, embora enraizada, encontra-se repleta
de significados vividos dia a dia, “sem que isso seja conscientizado ou verbalizado”.
Considera-se ainda neste texto uma narrativa contextualizada do panorama das artes no
Brasil, proporcionando a compreensão do desenvolvimento dos fatos relacionados às
atividades artísticas do país e suas interfaces com a cena da dança na cidade de Natal.
Historiando o panorama da cena da dança na capital potiguar, fazemos das
palavras de Durkheim (1985, p. 4-5) nossas palavras: “[...] Para compreender qualquer
fenômeno humano complexo, temos que reconstruir suas formas mais primitivas e
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simples e acompanhar seu desenvolvimento até seu estado atual – em outras palavras,
estudar-lhe a história”.
A década comentada trouxe ao Brasil uma popularização da dança com o Jazz
dance, modalidade de dança importada dos Estados Unidos e que se tornou uma “moda”
encontrando lugar em novelas, festivais, academias. Nessa década o campo profissional
já se configurava mais descentralizado do balé e começava-se a se pensar em políticas
de cultura para o país.
É notório afirmar que no Brasil os três maiores movimentos de dança são
concomitantes, pois tanto a dança clássica, como a moderna e a contemporânea têm
seus primeiros passos ao longo do século XX, com diferença de algumas décadas. Este
fato se deve a velocidade na comunicação e tecnologia e o diálogo com países
estrangeiros possibilitado também por alianças e crescimento econômico.
É patente registrar que nesse período foram criadas algumas escolas e grupos de
dança no município de Natal ligados a instituições particulares, federais, estaduais e/ou
municipais, bem como a Associação de Dança de Natal e o I Ciclo de Dança de Natal.
Esse evento teve a promoção da Fundação José Augusto com patrocínio do Serviço
Brasileiro de Dança – Instituto Nacional de Artes Cênicas da Secretaria da Cultura do
Ministério de Educação e Cultura e apoio da Secretaria do Estado da Educação e Cultura
do RN. Tal evento teve três edições (1984, 1985 e 1986) e foi coordenado por Diana
Fontes.
O fato de as produções em dança em Natal irem aumentando gradativamente a
partir da década de 1980 foi algo muito significante para a dança da cidade. Na medida
em que se podiam ter mais espaços para dançar, mais conhecidas eram as escolas,
grupos, companhias e seus bailarinos. Logo, o fato de surgirem escolas, grupos e
companhias diversas na cidade do Natal deu à dança uma maior visibilidade perante a
sociedade local.
Tal sociedade mostrava-se antenada com a cena artística. Pela terra do sol
passaram os balés Os deserdados da Academia de Ballet Hugo Bianchi de Fortaleza
(CE), sob a direção de Hugo Bianchi e Gente da Cia de Dança Cisne Negro, sob a
direção de Hulda Bittencourt.
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A arte e a produção artística, em si, dialogaram profundamente com todas as
mudanças nas esferas políticas e sociais neste período. A criação das leis de incentivo 1,
as mudanças de paradigmas e os saltos tecnológicos propiciaram rupturas, segmentação
dos campos e um novo panorama artístico.
Nos anos de 1981 a sociedade potiguar ficou sabendo da morte de Glauber
Rocha; os noticiários jornalísticos anunciaram o casamento do príncipe Charles com Lady
Diana e o Corpo de Baile do Municipal de São Paulo passou-se a chamar Balé da Cidade
de São Paulo tendo Luis Arrieta como diretor. Ainda em São Paulo Graziela Rodrigues
montava Graça, bailarina de Jesus e no Recife André Luiz Madureira coreografava
Prosopopeia... Um Auto Guerreiro para o Balé Popular do Recife. Em Salvador, BA, o
Balé do Teatro Castro Alves lançava as coreografias Ilhas, Con-tacto e Maria Quitéria
respectivamente de Victor Navarro, Lia Robato e Antonio Carlos Cardoso (KATZ, 1994).
Em Natal, no Teatro Alberto Maranhão houve a apresentação do Ballet Eliana Cavalcante
de Maceió, o show musical Mi Bueno Aires Querido sob a direção de Neide Duque Silva.
Tal teatro recebeu as apresentações das Companhias de dança do Ballet Teatro Castro
Alves, direção de Carlos Cardoso, do Grupo de Dança Cisne Negro, direção de Hulda
Bittencourt e do Ballet Stagium dirigido por Márika Gidalli e Décio Otero. Em 1982 outros
fatos e acontecimentos foram importantes para se pensar a emergência da dança no
Brasil: morreu Elis Regina, a banda Blitz lançou a música Você não soube me amar,
houve a primeira eleição direta de 22 governadores brasileiros desde 1965; Ivaldo
Bertazzo coreografou o balé O Baile da Ilha Fiscal em São Paulo, Klauss Vianna assumia
o Balé da Cidade de São Paulo e fundava o Grupo Experimental de Repertório. Foi feita a
I Mostra de Novos Coreógrafos do Balé do Teatro Castro Alves e Rodrigo Pederneiras
coreografava para o Grupo Corpo Reflexos (KATZ, 1994). O Ballet Stagium retornava a
Natal, Diana Fontes apresentou o espetáculo Nossa Cara com o Grupo Arte Movimento
do Recife, PE e há ainda a apresentação no TAM do Grupo Experimental de Jazz do
Núcleo artístico de Belo Horizonte, MG.
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Em 1986 foi criada a Lei Sarney: Lei de Incentivos Fiscais para a Cultura (Lei nº 7.505 de 02 de julho de
1986) promulgada pelo ministro da cultura Celso Furtado que dispunha sobre benefícios fiscais na área do
imposto de renda concedidos a operações de caráter cultural ou artístico e que criou o Instituto de
Promoção Cultural (IPC).
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De 1983 a 1985 apresentaram-se por terras natalense os grupos e companhias
com seus espetáculos: Paixão com o corpo de baile do Teatro Municipal de São Paulo,
Estação Maceió, Grupo de Dança Iris de Alagoas. Sob a direção de Hugo Bianchi foi
apresentado o espetáculo Dom Quixote com o grupo de Ballet Hugo Bianchi de Fortaleza,
CE; Ibi Ey Mârã espetáculo de dança com o grupo Paraense, Teatro de Palha com
direção de Paulo Sant’Ana e o Grupo Studium de Danças do Estado de Sergipe
apresentou o espetáculo Anima sob a direção de Lúcia Spinelli. A Cia Joyce Ballet de São
Paulo apresentou o espetáculo Lennie Dale and Joyce ballet in Concert e o Grupo de
Dança Arte e Movimento apresentou Corsário além da apresentação do Ballet Stagium.
Parece curioso afirmar que tal década marcou um começo para a dança e sua
brasilidade. Quando adentramos essa década a dança em Natal já havia se estabelecido
com a criação de escolas de dança, grupos independentes e a dança nos espaços
escolares. Galvão (2004) afirma que a dança na capital do estado do Rio Grande do Norte
começou a se configurar na gestão de Meira Pires frente à administração do Teatro
Alberto Maranhão contando com o apoio imprescindível do então governador do estado
Dinarte Mariz responsável pela grande reforma físico-estrutural que daria condições para
a existência da divisão de balé e de outras artes; e Aluísio Alves, pela implementação de
uma política de desenvolvimento cultural (DANTAS, 2005).
Em 1985 foi criada em caráter experimental para funcionar no ano de 1986 a
Escola de Danças Integrada do Teatro Alberto Maranhão (EDITAM) tendo como objetivo,
segundo folder da I mostra de alunos da EDITAM realizada em dezembro de 1985,
integrar a educação formal à dança como forma de complementação do ensino nas
escolas. A referida escola foi dirigida inicialmente pela bailarina Carmen Borges tendo
como professores Edson Claro, Fátima Sena e Roosevelt Pimenta. Os jornais potiguares
da época noticiaram a criação da EDITAM.
Além das oficinas de mímica, a escola comportaria desde o balé clássico ao afro,
jazz, dança moderna e dança contemporânea em que o aluno com esse currículo teria
uma bagagem de visão da dança. Um dos jornais da época noticiou que “[...] a escola
pretende formar um corpo de baile do TAM atingindo a classe carente onde estão sendo
descobertos talentos” (JORNAL TRIBUNA DO NORTE, 08.05.1986). O jornal referendado
noticiou também que os alunos teriam aulas de improvisação, aula de rítmica e de teatro
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num trabalho elaborado pelos professores Carmen Borges, Edson Claro, Fátima Sena e
Roosevelt Pimenta.
Nesse cenário, coadunavam com a criação de tal escola de dança outras
instituições de dança ligadas ao município e as escolas particulares2 que mantinham seus
grupos de dança com realização anual de espetáculos. Junto a esse cenário da dança
moderno-contemporânea no município de Natal desenvolvia-se espetáculos de balé
clássico. Faz-se necessário informar que nessa década o balé ainda se configurava como
um elemento de diferenciação social, arte de elite.
Dentre as escolas particulares destacaram-se os trabalhos desenvolvidos em
dança das escolas Doméstica de Natal com o Balé da Escola Doméstica de Natal dirigido
por Virgínia Maffioletti e Márcia Monteiro e o Colégio São Luís coordenado pela
professora e bailarina Elma Núbia e fundado em 1973. O Ballet da Sociedade São Luís do
Colégio São Luís apresentava-se com espetáculos anuais de encerramento do curso de
ballet clássico.
Sobre as alunas Elma Núbia, em um programa da escola de 1981 relata:
Nove anos. As vi crianças expressando pelos olhos a pureza da dança. As vi crescer
expressando através do corpo o amor e a paz oferecida pela dança; as vi desenvolver,
tornando belos e sensíveis seus movimentos. As vi sorrindo e chorando, as vis felizes e
tristes. As vejo hoje já crescidas interpretando com dignidade o que o ballet lhes
proporcionou e que transmiti e comuniquei através dos passos desta tradicional arte que
procurei aperfeiçoar na prática do Ballet, ao qual transformei num dos objetivos primordiais
de minha vida.
Cumpre frisar que, além das escolas citadas ainda existiam outras escolas de
dança ligadas a escolas particulares em Natal a exemplo do Ballet D’Yeda do Colégio
Marista de Natal coordenado por Yeda Emereciano. Sobre o Ballet D’Yeda, um dos
importantes jornais da época publicou em 03 de dezembro de 1983:
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É interessante observar que já em 1971 foi registrado o Festival de Ballet promovido pelo Colégio Santo
Antônio Marista de Natal.
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[...] hoje as 20:00 horas no Teatro Alberto Maranhão, nossa melhor e fina casa de
espetáculo tão bem administrada pelo médico Iaperi Araújo será realizada a tradicional
apresentação do Ballet de Yeda Emereciano. É mais um curso que aquela dinâmica e
eficiente professora conclui. “Alice no País das Maravilhas” é o título da programação. É um
espetáculo clássico que a sociedade potiguar deve prestigiar completamente (A
REPÚBLICA, 1983).
No Brasil, nesse período, ocorreram os seguintes fatos que foram significativos
para se pensar a dança no país: o Ballet Stagium (SP) estreava o Uirapuru, coreografia
de Décio Otero e música de Villa Lobos; Regina Miranda lançava o vídeo Por um Triz o
Trapézio com o Grupo Atores Bailarinos no Rio de Janeiro. Em 1983 estreou a TV
Manchete, a música Menina Veneno de Ritchie era o sucesso da parada e a Turma do
Balão mágico começava na TV Globo suas apresentações diárias. Já em 1984
professores universitários faziam greve de 84 dias, nascia o primeiro bebê de proveta do
Brasil e Ruth Rachou promovia um concurso de monografia sobre a dança e um ciclo de
filmes de dança. Clarisse Abujanra fundou o Teatro Brasileiro de Dança com Val Folly que
estreou com Gritei Teu Nome Três Vezes. Em 1985 Tancredo Neves foi eleito e morreu
logo em seguida assumindo o governo seu vice-presidente José Sarney. Antonio Carlos
Cardoso voltou a dirigir o Balé da Cidade de São Paulo e Klauss Vianna foi dirigir o
primeiro curso de pós-graduação em dança em Salvador. Tal curso foi implantado pela
Universidade Federal da Bahia e foi denominado de Curso de Especialização em
Coreografia (KATAZ, 1994).
Dos anos de 1986 a 1987 aportaram por terras natalense para apresentação de
espetáculos de dança as Companhias Silvio Dufrayer que apresentou Relações, Docecor e Carioca – Kê (RJ), o Cisne Negro apresentou Destino, Homenagem e Tempo de
Tango; Grupo de Dança 1º Ato de Belo Horizonte (MG) apresentou Ilusões. Por aqui
passaram ainda neste período o Ballet Stagium, a Anima Ballet de São Paulo, o Grupo de
Dança Camaleão de Minas Gerais. O Ballet de Sergipe, dirigido por Lu Pinelli apresentouse em solenidade da Petrobras; foi apresentado também o espetáculo da Cia de Dança
Norte – Americana Casco Boy Movers que apresentou Pass the Hat, Moonlight, No Such
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Thing e Ruthamance Blues. O Studio Carlota Vieira Souto, do Rio de Janeiro, apresentou
o espetáculo de dança Vamos Rir de Tanto Choro, o Grupo Teatro Brasileiro de Dança
apresentou o espetáculo Uma Caixa de Outras Coisas. A montagem foi dirigida por
Antônio Abujamra, direção geral de Clarice Abujamra; apresentaram-se ainda o Grupo
Chama da Bahia com o espetáculo Origens, coreografia de Augusto Omolu e Armando
Pelsaio e a Fundação Niteroiense de Dança - FUNIDANÇA apresentou Dois momentos,
coreografia de Luis Arrieta e Antônio Vasconcelos com direção de Claudio Araújo.
Dançaram ainda por terras da cidade do sol os grupos/companhias Cia de Ballet 3º
Mundo com o espetáculo Canibais Eróticos, Cia de Dança Câmera Rio com Olga Prestes
e o Cavaleiro da Esperança, direção Mariana Vidal, Cia Silvio Dufrayer apresentou Amas
e o Ballet Stagium com Saudades de Elis e Quadrilhas.
Convém pontuar que no período citado Marcélia Cartaxo recebeu, em Berlim, a
estatueta de melhor atriz por A Hora da Estrela e Fernanda Torres, em Cannes, por Eu
Sei que Vou te Amar. Estreia no Brasil o Beijo da Mulher Aranha de Hector Babenco,
fracassado o Plano Cruzado I, acidente nuclear em Chernobyl. Ruth Rachou promovia o II
Workshop de Jovens Coreógrafos, Renée Gumiel coreografava Uma Lágrima Nasce de
Mim e o Balé da Funarj, sob a direção de Silvio Dufrayer dançava a Ópera O Guarani de
fio dental (1986). Em 1987 foi lançado o Plano Bresser. O vírus do HIV-1 foi isolado, pela
primeira vez, no Brasil; o Balé da Cidade de São Paulo promovia aulas e ensaios
públicos, houve o I Carlton Dance Festival, o Balé do Teatro Castro Alves apresentava
Malê de Suzana Yamauchi. Carlota Portella estreava Gauche com o Grupo Vacilou
Dançou.
Em 1988, 270 artistas negros, gravaram Axé, Brasil para comemorar o centenário
da abolição. Nesse ano iniciava-se o Plano Verão, a criação do PSDB, dissidência do
PMDB. Acabava-se a guerra no Irã-Iraque, Arrieta coreografava para o Balé da Cidade de
São Paulo a peça Mar de Homens, Jânio Quadros proibia esse mesmo balé de viajar e
Klauss Vianna montava Estudo nº 1 para Zélia Monteiro. 1989 foi marcado pelas eleições
diretas desde 1961 e Fernando Collor foi eleito o 26º presidente do Brasil. No Rio de
Janeiro houve o naufrágio do Bateau Mouche, em Pequim o Massacre na Praça da Paz,
Paulo Freire assumia a Secretaria Municipal de Educação em São Paulo e na dança
Rodrigo Pederneiras lançava seu mais novo balé denominado de Missa de Orfanato para
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o Grupo Corpo. Valsa é coreografada para o Balé Ópera Paulista por Ana Maria Mondini,
ocorria o II Carlton Dance Festival, a Shell assumia o patrocínio do Grupo Corpo e
Enquinoxe e Alma em Fogo foram coreografadas para o Cisne Negro (KATZ, 1994).
Faz-se necessário informar que além das apresentações de grupos e escolas
locais passaram pelos palcos natalense (Teatro Alberto Maranhão) de 1980 a 1982
grupos e companhias de outros estados brasileiros. Nos anos de 1983 a 1985 foram
intensa as apresentações, no único palco, com capacidade de receber espetáculos de
outras cidades. Ainda de 1986 a 1987 destacaram-se apresentações de companhias de
danças que em anos anteriores por aqui aportaram como comentou os jornais locais A
República, Tribuna do Norte e Diário de Natal.
Em terras potiguares, de 1988 a 1989 o Teatro Alberto Maranhão fechou suas
portas para obras de restauração e a cidade de Natal ficou órfã da dança.
É preciso ressaltar que este período foi efervescente para a dança natalense, pois
grupos foram criados como o Grupo Sementes com direção de Diana Fontes e Dimas
Carlos e a Corpo Vivo, escola de dança criada e dirigida por Diana Fontes, e outros
mantidos tais como o Studio de Dança Isabelle coordenado por Isa Caldas Pereira, a
Academia de Danças Termas Center sob a direção Roosevelt Pimenta e o Ballet
Municipal de Natal. Cumpre frisar que a escola Ballet Municipal de Natal completava, no
ano de 1984, dez anos de existência.
Repertórios de ballet clássico e de dança moderna foram fazendo parte dos
espetáculos da escola apesar da mesma adotar a técnica do primeiro para as aulas
cotidianas. Desde a sua fundação até o final de 1980 a referida escola apresentou
espetáculos que encerravam suas atividades anuais, bem como outras apresentações na
cidade e em festivais de dança no país.
Convém destacar ainda o espetáculo Reminiscências quase perdidas fechando as
atividades da escola no ano de 1982. Tal espetáculo contava a história de uma festa da
padroeira de uma cidade do interior da década de 1940. Foi dividido em três atos
caracterizados como partes do dia, quais sejam: manha, tarde e noite mostrando o
comportamento de pessoas que vivem em determinada comunidade. O elenco foi
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composto de mais de 200 bailarinos com faixa etária entre 04 a 40 anos de idade. O
espetáculo foi dirigido e coreografado por Roosevelt Pimenta.
É preciso acentuar que o Grupo Sementes foi criado por profissionais da área de
dança da cidade do Natal com o intuito de promover uma dança “dissociada” das escolas
já existentes. Fizeram parte desse grupo Roseane Melo, Virgínia Maffioletti, Wilton Gaio,
Karenine Porpino, Diana Fontes, Dimas Carlos, Willian Joyo, Fátima Sena, Carlos Sérgio.
Sobre esse grupo Diana Fontes comenta que “[...] foi um período desbravador e
bastante significativo, pois dialogávamos com novos aspectos da contemporaneidade ao
mesmo tempo que experimentávamos o prazer de desenvolver um trabalho, de fato,
coletivo”.
Segundo um jornal de grande circulação no estado o Grupo Sementes foi criado
em caráter profissionalizante com a proposta de incentivar a dança e cada vez valorizar
mais essa arte. O jornal noticiava:
Criado não em função de um tema absoluto e sim através da carga/força/suavidade que
cada bailarino transmite ao seu criador. Coreografias no estilo contemporâneo/teatral, soltas
e leves, fortes e pesadas, procuram passar uma gama de emoções humanas ao espectador
além e boa dose de otimismo mostrando que é através da união, de uma maior
conscientização profissional, realizando e levando trabalhos ao público, que se poderá ter
como aliado um apoio sólido por parte do setor governamental. [...] O espetáculo fez sua
estreia no último Festival de Inverno de Campina Grande (PB) onde foi muito bem recebido
e prestigiado pelo público e pela crítica dessa cidade (JORNAL TRIBUNA DO NORTE,
15.08.1985).
A Academia de Danças Termas Center foi outro importante centro de dança
natalense na década de 1980. Sob a direção de Roosevelt Pimenta (1981 a 1984)
apresentou-se nos palcos do TAM trabalhos coreografados por artistas da dança local tais
como os espetáculos Music Hall 81 – primeira apresentação em público que o Termas
Center fez com 150 figurantes, Music Hall 82, 83, 84, Arco-íris com direção de Diana
Fontes e Rubens Militão (1985).
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Music Hall era definido, por seus criadores, como uma mistura de cores, ritmos,
show variado. Sobre a Escola Termas Center um renomado jornal da época divulgava
seus espetáculos anuais. A referida academia trabalhava com o Jazz, a ginástica estética,
o balé clássico e a dança moderna como apresentado no programa do Music Hall de
1981.
Ainda foi criado em Natal a Acauã Cia de Dança pelo professor Edson Claro. Tal
companhia criada em 1988 transformar-se-ia posteriormente na Gaia, companhia de
dança ligada a projeto de extensão da UFRN.
Outra importante escola foi a Corpo Vivo, criada e dirigida por Diana Fontes. A
Corpo Vivo Estúdio de Dança iniciou as suas atividades em Recife atuando de 1979 a
1982. Em Natal, após uma temporada no exterior, foi iniciada em 1986 atuando até o ano
de 1999. No aspecto profissional, manteve por vários anos (1990 a 2002), uma Cia. de
Dança formada por 90% de alunos da própria escola, participando de eventos no
segmento Dança por todo o país e internacionalmente (Portugal e Estados Unidos).
Recebeu 18 prêmios nacionais e 01 internacional como um dos 10 melhores espetáculos
de Atlanta/Geórgia em 1994. Investiu na Corpo Vivo Cia. de Dança, com a contratação
de coreógrafos renomados como Marcelo Moacir, Sônia Mota, entre outros. Foi realmente
um marco na história da dança no Rio Grande do Norte, elevando e dando visibilidade ao
nosso estado nacionalmente.
Também nessa década começa-se a configurar a dança na universidade. No final
de 1970 e início dos anos de 1980 foi criado no Departamento de Artes da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte o Grupo Panã-Panã que, segundo alguns artistas locais,
funcionou no Departamento de Artes da UFRN, vinculado ao Núcleo de Arte e Cultura
desta Universidade, com participação de bailarinos da cidade, sob a orientação do
professor Roosevelt Pimenta.
O que podemos inferir, diante desse panorama sintetizado de uma década de
dança em Natal, é que as ocorrências circunstanciais daquela época iriam determinar a
formação artística da dança na cidade do sol cujo resultado pode ser observado nas
décadas posteriores. Quando nos deparamos com a criação de novos espaços para a
dança, novas coreografias, novos repertórios de dança, observamos ser impossível
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apreendê-los em seus processos conceptivos, se nos abstermos em conhecer sua
história e, desconsiderar a experiência vivida por esses artistas da dança que na
atualidade contribuem, certa maneira, para a evolução da cena da dança na capital
potiguar. A história de uma década de dança em Natal é a história da dança que
experimenta, isto é, é a evolução de seu processo artístico-criativo integrado a sociedade
natalense.
Referências
A REPÚBLICA. Baillet de Yedda. Jornal A República. Natal, 03.12.1983.
DANTAS, Gleydson Rodrigues. A arte de Terpsicore em Natal – 1959 a 1979: por uma
construção histórica da dança teatral. Monografia em História – UFRN, 215 pág. Natal,
2005.
GALVÃO, Cláudio. Teatro Carlos Gomes – Teatro Alberto Maranhão: cem anos de arte e
cultura. Natal: RN Econômico, 2004.
JORNAL TRIBUNA DO NORTE. TAM quer formar seu corpo de baile no próximo ano.
Jornal Tribuna do Norte. Natal, 08.05.1986.
JORNAL TRIBUNA DO NORTE. Sementes, um grupo independente que foi a luta. Jornal
tribuna do Norte. Natal, 15.08.1985.
KATZ, Helena. O Brasil descobre A Dança descobre o Brasil. São Paulo: DBA Artes
Gráficas, 1994.
i
Doutor em Educação, Professor do Curso de Dança da UFRN. Membro pesquisador do Grupo de Pesquisa
em Corpo, Dança e Processos de Criação (CIRANDAR) e do Grupo de Pesquisa Corpo, Fenomenologia e
Movimento (Grupo Estesia/UFRN). [email protected]; [email protected]
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