O ferro-gusa é a forma intermediária pela qual passa

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SIDERURGIA BRASILEIRA DEPREDA FLORESTAS
Sônia Hess (professora da UFMS)
O ferro-gusa é a forma intermediária pela qual passa praticamente todo o ferro
utilizado na produção do aço, obtido a partir da fusão de minério de ferro em altos-fornos, onde
carvão mineral (coque) ou vegetal são utilizados como agentes redutores e fontes de energia. De
acordo com pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental, em 2005, a produção brasileira de
ferro-gusa, em 69 empresas, com 137 altos-fornos instalados, ocorreu tanto em usinas
siderúrgicas integradas (71,2% do total produzido), que também produzem aço; quanto em
indústrias independentes (28,8% da produção), conhecidas como guseiras, que fornecem o
ferro-gusa para outras indústrias de aço e ferro-fundido. A produção das guseiras distribui-se
entre Minas Gerais (63%), Pólo Carajás (31%), Espírito Santo (5%) e outros estados, incluindo
Mato Grosso do Sul. 88% da produção de Carajás é exportada para os Estados Unidos,
enquanto que 90% do ferro-gusa comercializado no Brasil é oriundo de Minas Gerais.
Segundo a MMX, no período de 1995 a 2005, o aparente crescimento no consumo
mundial de aço foi de aproximadamente 2,3% ao ano, com exceção da China, que no mesmo
período apresentou um crescimento anual de 13,2%. Em 2005, a Ásia foi responsável por 52,6%
do consumo mundial de aço, e a China respondeu por 30,7% deste consumo. A Europa e os
Estados Unidos também foram mercados importantes, com 23,2% e 12,0%, respectivamente, do
consumo aparente de aço daquele ano. Outros países com altos índices de crescimento e infraestrutura em desenvolvimento, como a Índia, também têm impulsionado o crescimento do
consumo de aço e, conseqüentemente, do minério de ferro. Com a crescente demanda mundial
por aço, a produção de ferro-gusa passou de 726 Mt, em 2004, para 785, em 2005. Destaca-se
que, apesar da abundante distribuição geográfica do minério de ferro, recursos de alta
qualidade estão concentrados principalmente em grandes depósitos no Brasil, Austrália, Índia e
África Ocidental. No Brasil, as maiores jazidas de ferro encontram-se em Minas Gerais, Mato
Grosso do Sul, Pará, Amapá e Bahia, onde o minério mais abundante é a hematita,
correspondendo a 8% das reservas mundiais, e considerado de boa qualidade devido aos baixos
teores de fósforo e enxofre. Portanto, a maior parte dos projetos de expansão a ser
implementada nos próximos anos deverá enfocar essas regiões.
No Brasil, 33,2% do total de ferro-gusa é produzido pelo uso do carvão vegetal como
agente redutor, o que lhe confere maior qualidade, por conter quantidades reduzidas de
enxofre, comparativamente ao ferro produzido com carvão mineral. De acordo com a
Associação Mineira de Silvicultura, o setor siderúrgico consome mais de 90% do carvão vegetal
produzido no Brasil, sendo que, em 2006, dos mais de 35 milhões de metros cúbicos
consumidos no país, 49% (mais de 17 milhões de metros cúbicos) foram obtidos a partir de
matas nativas.
Em Mato Grosso do Sul, estado que abriga os biomas do Pantanal e do Cerrado, há 05
indústrias siderúrgicas em funcionamento: MMX Metálicos (Corumbá/MS, Pantanal),
inaugurada em 21/09/2007; Sideruna (Campo Grande, Cerrado), inaugurada em 26/04/2007;
Simasul (Aquidauana, Pantanal), re-inaugurada em 25/03/2006; Vetorial (Ribas do Rio Pardo,
Cerrado) e Urucum (Corumbá, Pantanal). A produção anual de ferro-gusa destas indústrias, é
de, respectivamente: 375.000; 120.000; 60.000; 288.450 e 41.926 toneladas. Tomando como base
que, para produzir 01 tonelada de ferro-gusa são consumidos, em média, 2,5 metros cúbicos de
carvão vegetal de eucalipto, e considerando que cada hectare de eucalipto cultivado produz em
torno de 25 metros cúbicos de carvão após 7 anos, em ciclos de três cortes, tem-se que, para
atender à demanda das siderúrgicas atualmente em funcionamento no MS seria necessário
derrubar, pelo menos, 30.988 hectares de eucalipto ao ano, sendo 13.125 hectares para atender
ao consumo da MMX, 4.200 hectares para a Sideruna, 2.100 hectares para a Simasul, 10.096
hectares para a Vetorial e 1.467 hectares para a Urucum. As áreas de matas naturais do Pantanal
e do Cerrado necessárias para suprir a mesma demanda de carvão seriam muito maiores, já que
estas rendem muito menos madeira do que o eucalipto cultivado. É importante destacar que,
devido ao aquecimento do mercado mundial de aço, todas as empresas instaladas no MS já
anunciaram que pretendem ampliar a sua produção de ferro-gusa aumentando, assim, a
demanda por carvão vegetal neste estado que, tradicionalmente, fornece carvão para as
siderúrgicas de MG.
Segundo a Associação Mineira de Silvicultura, o preço médio praticado para o carvão
vegetal de florestas plantadas, em 2006, foi de US$ 43,65 o metro cúbico. Tomando por base o
preço de venda do ferro-gusa no primeiro trimestre de 2006, de US$ 247,0 a tonelada, e
gastando-se 2,5 metros cúbicos de carvão vegetal na sua produção, tem-se que o custo
envolvido na compra do carvão vegetal de eucalipto corresponderia a 44,2 % do lucro obtido
com a venda do produto. A margem de lucro das siderúrgicas aumenta muito quando usam
carvão de matas nativas, uma vez que, de acordo com um fornecedor, em Campo Grande/MS,
o preço máximo praticado para este insumo, em novembro de 2007, foi de R$ 75,00 o metro
cúbico, ou aproximadamente US$ 25,00, correspondendo a 25,3 % do valor do ferro-gusa
comercializado pelas empresas em 2006, e 43% mais barato do que o carvão de eucalipto.
Portanto, considerando-se a diferença de preços entre o carvão de matas nativas e o de
eucalipto, a insuficiência da oferta de eucalipto para atender ao atual e crescente mercado
siderúrgico, aliados ao tempo demandado para que a plantação de eucalipto comece a produzir,
são fatores que deixam claro que as indústrias siderúrgicas representam severa ameaça às matas
nativas brasileiras. Por exemplo, tem-se verificado que na região Amazônica, Bahia, Minas
Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul, a produção de carvão vegetal direcionado à siderurgia tem
causado intensa degradação ambiental, exploração ilegal de recursos naturais e graves
problemas sociais, envolvendo precárias condições de trabalho, má remuneração e
insalubridade sendo que, somente no ano de 2005, uma área de floresta natural amazônica
equivalente a 105.000 hectares de eucaliptos foi derrubada para atender à demanda de carvão
do pólo de Carajás. Naquela região, devido ao uso de carvão ilegal, sonegação da origem e nãocumprimento da reposição florestal, as siderúrgicas foram multadas pelo IBAMA em 500
milhões de reais, em janeiro de 2006.
Um levantamento da situação da cobertura vegetal natural da Bacia do Alto Paraguai
(BAP) e do Pantanal brasileiro, realizado pela organização Conservation International,
demonstrou que, até 2004, cerca de 44% dessa área teve sua vegetação original completamente
descaracterizada. Dos 87 municípios incluídos na BAP, 59 apresentaram mais da metade de
seus respectivos territórios com a cobertura vegetal suprimida; destes, 22 desmataram áreas
maiores que 80% e 19 tiveram áreas suprimidas da vegetação original superiores a 90% de seus
respectivos territórios. No Pantanal, a supressão da vegetação nativa, até 2004, representou
cerca de 17% de sua área original, totalizando aproximadamente 25.750 km². O Mato Grosso do
Sul é responsável por 11% deste valor, enquanto no Mato Grosso esse índice foi de 6%. Estudos
anteriormente realizados na planície pantaneira revelaram uma taxa de 0,46% de desmate por
ano no período compreendido entre 1990-2000, passando a 2,3%, no período de 2000 a 2004.
Destacou-se no trabalho, que o desmatamento no Pantanal é resultado de parcerias entre
fazendeiros, interessados em aumentar a área de pastos, e donos de carvoarias, que buscam a
madeira para fabricar carvão. Corroborando estes dados, o promotor Alexandre Raslan, do
Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, divulgou que, no MS, entre 2003 e 2005,
foram autorizados desmatamentos em 329.554 hectares em áreas da bacia do Rio Paraguai e
228.086 hectares da bacia do Rio Paraná. Segundo um estudo realizado por pesquisadores da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, na região dos municípios de Água Clara e Ribas
do Rio Pardo, onde funciona a siderúrgica Vetorial, entre 1989 e 2004, as áreas naturais foram
reduzidas de 53,27 para 23,61%. Também é importante destacar que, entre janeiro e agosto de
2007, 97 carvoarias de MS foram autuadas pela Polícia Militar Ambiental e que, em
novembro/2007, uma operação conjunta do IBAMA com outros órgãos federais flagrou a
produção ilegal de carvão em terras indígenas do Pantanal do MS, cuja produção era vendida à
siderúrgica MMX.
O código florestal brasileiro, lei 4.771, de 1965, no artigo 21 estabelece que “as empresas
siderúrgicas, de transporte e outras, à base de carvão vegetal, lenha ou outra matéria-prima
vegetal, são obrigadas a manter florestas próprias para exploração racional ou formar,
diretamente ou por intermédio de empreendimentos dos quais participem, florestas destinadas
ao seu suprimento. Parágrafo Único. A autoridade competente fixará para cada empresa o
prazo que lhe é facultado para atender ao disposto neste artigo, dentro dos limites de 5 a 10
anos”. Ou seja, pela legislação ainda vigente no Brasil, somente depois de 10 anos de
funcionamento, a indústria poderá ser punida por consumir carvão de matas nativas.
Diante do contexto apresentado, a única saída que se visualiza para esta grave ameaça
aos ecossistemas naturais brasileiros parece ser a proibição do uso de carvão originário de
matas nativas em fornos de usinas siderúrgicas. Tal medida resultará na necessidade de
importação de carvão vegetal ou na sua substituição por carvão mineral, enquanto as florestas
cultivadas instaladas no Brasil não forem suficientes para o atendimento da demanda. Por outro
lado, também é urgente o estabelecimento de regras para a implantação de florestas industriais,
para impedir que as mesmas avancem sobre ecossistemas inadequados para tal fim. Por
exemplo, a MMX implantou uma plantação de eucalipto em Anastácio, no Pantanal de MS,
onde utiliza herbicidas e outros insumos químicos industriais, colocando em risco o frágil
ecossistema da região.
Para compensar o aumento das emissões de carbono proveniente do emprego do carvão
mineral, sugere-se que seja cobrada uma taxa das empresas consumidoras deste insumo, por
tonelada utilizada, e que os recursos arrecadados sejam aplicados na recuperação de matas
nativas e áreas degradadas. Também deverá ser exigido que as siderúrgicas empreguem as
melhores tecnologias existentes, minimizando o quanto possível a poluição causada pelo uso do
carvão mineral.
É importante lembrar que 75% do carbono emitido no Brasil, o quinto emissor do
mundo, provém da destruição de florestas. É absolutamente inaceitável, portanto, que tentemos
vender a idéia de que poderemos ajudar a combater o aquecimento global graças á produção de
biocombustíveis, ao mesmo tempo em que não tomamos medidas efetivas para combater a
destruição de matas nativas consumidas em fornos de siderúrgicas!!!
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