ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA POPULAR Abordagens interdisciplinares na pesquisa em música popular: arte, mercado e sociedade. 26 a 28 de maio de 2010 – Campus do Bancanga – São Luis-MA 1 CAMINHOS PARA O NOVO CHORO1 Grazielle M. Louzada de Souza2 Universidade Federa de Mato Grosso Resumo: Esta comunicação tem como objetivo apresentar dados de estudos sobre como acontece o Choro na contemporaneidade. Para isso, procurou-se compreender a histórica do Choro, os conceitos de ensino formal, não-formal e informal da música, a transmissão de conhecimento na roda de Choro, a aproximação com a teoria de Vygotsky, como acontece o ensino nas escolas de Choro, as transformações e as novas tendências “Neo-Choro” e “Choro de Concerto”. Através de pesquisa bibliográfica buscou-se responder as seguintes questões: Como acontece o ensino do Choro? O que muda na nova tendência do Choro? Quais os fatores que contribuíram para essa mudança? Serão apresentadas a contextualização do Choro, sua estrutura musical tradicional e o Choro hoje. Palavras-chave: Choro; Novo Choro, Ensino do Choro, Novas vertentes. O Choro Na metade do século XIX, se desenvolve no Brasil a prática de canções (modinhas e lundus), ao mesmo tempo em que danças de salão européias são executadas em bailes da burguesia brasileira. Essas danças (quadrilha, polca, valsa, schottisch e a mazurca) começam a sofrer influências, e se misturam aos gêneros já existentes no Brasil (lundu e maxixe), gerando assim a música urbana brasileira. (CASTAGNA, 2003. p.1.) O nascimento do Choro se deve ao processo de misturas de estilos e sotaques; as danças européias (principalmente a polca, pois desta vinham os desenhos melódicos e o esquema de modulações) combinadas com o sotaque do colonizador, mais os ritmos e práticas das culturas afro-brasileiras são as bases do Choro (CAZES, 1999, p.17). Embora seja possível verificar na história do Choro os fundamentos apontados, o mesmo autor indica para várias correntes de discussão sobre sua origem: 1 Trabalho apresentado ao GT (nº6): Metodologias de análise em mídia e música, do II Musicom – Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular, realizado no período de 26 a 28 de maio de 2010, no Campus da UFMA, em São Luis – MA. 2 Grazielle Mariana Louzada de Souza, graduada em Licenciatura em Música pela Universidade Federal de Mato Grosso, cursando Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea em nível de Mestrado, na Universidade Federal de Mato Grosso. Integra o Núcleo de Estudos do Contemporâneo- NEC (UFMT/CNPq) na linha de pesquisa Música Contemporânea. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Música. http://lattes.cnpq.br/2993668650520788. [email protected]. ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA POPULAR Abordagens interdisciplinares na pesquisa em música popular: arte, mercado e sociedade. 26 a 28 de maio de 2010 – Campus do Bancanga – São Luis-MA 2 O folclorista Luís da Câmara acreditava que Choro vinha de xolo, um baile que os escravos faziam nas fazendas, e que teria a palavra gradativamente mudada para xoro e, finalmente Choro. Ary Vasconselhos crê que o termo teria origem nos choromeleiros, corporação de músicos de importância no período colonial (...), o povo teria passado a chamar qualquer tipo de agrupamento instrumental de choromeleiros, passando em seguida a encurtar o termo para choro. Já José Ramos Tinhorão acredita que Choro viria da impressão de melancolia gerada pelas baixarias do violão e que a palavra chorão seria uma decorrência. (CAZES, 1999, p.18). Verifico-se que o Choro não era considerado gênero musical, mas sim uma maneira de se interpretar, caracterizado pela forma com que os chorões tocavam polcas, maxixes, tangos, mazurca, valsa, schottisch. Ainda de acordo com Cazes, “o Choro é uma decorrência da maneira chorosa de frasear as polcas”. Além dessa definição, a palavra Choro designava grupo de chorões (flauta, cavaco e violão), bem como a festa onde se tocava tal gênero. Somente na década de 20 é que o Choro passa a ser considerado gênero musical através de Pixinguinha3 (CAZES, 1999, p.19). Um conjunto de Choro daquela época era formado por cavaco, violão e flauta. Os músicos tocavam geralmente de ouvido; os que liam partituras e faziam arranjos se destacavam (CASTAGNA, 2003, p.1). Segundo Cazes, as características sempre presentes no Choro são os improvisos e a competição entre os músicos. Certa vez, voltando de uma lição, Callado4 chegou a uma casa de música, trazendo sua flauta de ébano de cinco chaves. Alguém o convidou para subir, pois Reichert5 ia tocar para um pequeno auditório. Reichert começa a audição. (...)a música de sua autoria ainda estava em manuscrito. Era dificílima (...) A execução impecável foi muito aplaudida, Reichert, que já ouvira referência sobre Callado, manifestou o desejo de ouvi-lo. Callado não se fez de rogado. Pediu o manuscrito, leu-o ligeiramente e tocou-o de primeira vista de um modo arrebatador. (...).Callado não quis, porém parar por aí a competição e propôs a Reichert que tocassem juntos. O belga ficaria com a música e ele faria a variação. Houve um verdadeiro assombro ante a audácia do mestiço. Mas como se tratasse de um prélio de honra, os dois iniciaram a execução. (...). (CAZES, 1999, p.23.). O Choro é normalmente estruturado em três partes. Ele se caracteriza por ser modulante, ter compasso binário (na maioria das vezes), com andamento rápido e melodias sincopadas (CAZES,1999.p.21). Os elementos da sua escrita não têm tanta relevância, pois o que predomina no Choro é a recriação no processo de interpretação. “O que se escreve nem sempre é o que se toca, pois a notação muitas vezes corresponde apenas a um esboço ou uma proposta” (SÈVE,1999.p.5). 3 Alfredo da Rocha Viana Filho (Rio de Janeiro, 1897-1973). - Joaquim Callado (RJ, 1848-1880) flautista virtuose, o primeiro a formar um conjunto de choro no Brasil. 5 -Reichert, flautista belga que veio para a corte do Rio de Janeiro na final do século XIX, famoso por seu virtuosismo e criador de repertório próprio. 4 ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA POPULAR Abordagens interdisciplinares na pesquisa em música popular: arte, mercado e sociedade. 26 a 28 de maio de 2010 – Campus do Bancanga – São Luis-MA 3 Em sua estrutura, o Choro possui a forma de rondó e geralmente há, em cada parte, uma exploração dos modos maior/menor da tônica, ou das tonalidades relativas, ou uma tonalidade mediante, não necessariamente nessa ordem. Na dimensão melódica, consolidaram-se padrões de repetições, de contracanto. O Choro hoje O Choro é hoje um dos principais gêneros da Música Brasileira que se difunde cada vez mais no Brasil e no exterior. No início da década de 80, o Choro, que passava por um período de esquecimento, foi revitalizado por uma nova geração de instrumentistas como Raphael Rabello, Armandinho, Paulo Moura, Joel Nascimento, Mauricio Carrilho, Luiz Otávio Braga, Henrique Cazes, Carlos Carrasqueira. Surgiram grupos de Choro com novas propostas de arranjos e interpretação de clássicos do gênero, com substituições harmônicas e novos caminhos contrapontísticos menos lineares e tonais, e com a instrumentação diferente dos tradicionais regionais (RÉA, 29,2006) O Choro se divide hoje em: tradicional, este ligado às rodas de Choro com interpretações de clássicos do gênero, executado por um regional; e Choro atual, que sofreu ressonância da instrumentação característica de um conjunto de fusion6 da década de 70, utilizando baixo elétrico, guitarra e bateria. Os novos chorões estão mais abertos às influências externas da música, aceitando algumas mudanças em suas interpretações, os improvisos ganham destaque, eles acontecem sobre os contracantos, e estão mais ligados ao Jazz e à Bossa Nova, trazendo ao Choro novos elementos como: “chorus de improvisação” 7, e, na harmonia, tensões passam a existir com freqüência. Os regionais, grupo instrumental composto por um instrumento solista (flauta, clarinete, entre outros), cavaquinho, violão e violão de sete cordas, hoje têm uma nova formação. Esta inclui instrumentos como: baixo elétrico, guitarra elétrica, bateria, bambolim e cavaquinho elétrico. Tocam não só os clássicos, mas composições atuais, com novas tendências e maneiras que não são a referência da geração anterior. (PIEDADE, 2007, p.4). Em relação à estrutura do Choro, estabelecida em três partes mais fortemente a partir de Pixinguinha, pode-se notar que atualmente tem sofrido fortes influências do Jazz, 6 - Movimento do Jazz norte americano de diálogo com sonoridade pop, funk, caribenha entre outras; período de abertura do Jazz. 7 Improvisação solista baseada em um tema de 12 (blues) ou 32 compassos. ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA POPULAR Abordagens interdisciplinares na pesquisa em música popular: arte, mercado e sociedade. 26 a 28 de maio de 2010 – Campus do Bancanga – São Luis-MA 4 mostrando novas formas, diferentes instrumentações, aliada à busca de novas estruturas harmônicas, rítmicas e melódicas, saindo dos esquemas tradicionais de Choro. Este passa a ser composto por apenas duas partes. A principal diferença na execução é a maneira pela qual é feita a improvisação, que apresenta uma característica mais jazzística, enquanto o Choro tradicional opta pela variação rítmica e melódica do tema (GEUS, 2006, p.6). Tal mudança, que consiste na quebra de tradição e estrutura do gênero, tem seu marco no I Festival Nacional do Choro (1977) – Brasileirinho, em que uma das músicas premiadas tinha ressonância direta do Rock. O Choro “Espírito Infantil”de Maurício M. de Carvalho, o Mú do grupo de rock “A Cor do Som”, foi tocado com formação de uma banda de rock: baixo elétrico, guitarra elétrica, bandolim elétrico e acústico, piano, órgão, clavinete e bateria. Segundo relatos de Mú8, as músicas desse Festival, em sua maioria, pareciam compostas há um século atrás. Apenas o Espírito Infantil tinha nova proposta. No meu caso, como compositor, sempre foi assim. Sempre me interessou misturar culturas e influências que tive no mundo da música. Tiramos o quinto lugar no festival, mas o mais importante para mim foi a vinda do Waldir Azevedo no backstage, que olhou para gente e falou: “muito obrigado pelo que vocês estão fazendo com o Choro. Vocês, com essa proposta, estão dando um sangue novo ao Choro, e isso é muito importante para que ele não vire coisa do passado, uma música folclórica”. Para Mú, o trabalho de Hermeto Pascoal e Egberto Gismonti contribuiu para a nova maneira de fazer o Choro. Hoje existem duas propostas diferentes de inovação do gênero, uma é a proposta moderna realizada na composição ou no arranjo e outra na interpretação (maneira de tocar). “A Cor do Som”, por exemplo, fez as duas coisas, mas o mais interessante é a composição ter nascido com essa proposta. A melodia em si já tem características modernas. Caso se interprete o “Espírito Infantil” com um grupo de formação regional de choro (bandolim, pandeiro, violão, flauta, ou clarinete), ela soará moderna da mesma forma, pois a mesma possui elementos de Jazz e até de Rock na própria melodia e harmonia. Nos anos 90, esse movimento se manteve através dos músicos universitários no Rio de Janeiro. Estes começam a fazer releituras de clássicos do gênero, surgindo vários grupos como: Rabo de Largatixa, Tira a Poeira, Abraçando o Jacaré, Trio Madeira Brasil e trabalhos 8 - Maurício M. de Carvalho, o Mú do grupo de rock “A Cor do Som”, em entrevista concedida para elaboração de nossa pesquisa em 4 de Novembro de 2008, por correio eletrônico. ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA POPULAR Abordagens interdisciplinares na pesquisa em música popular: arte, mercado e sociedade. 26 a 28 de maio de 2010 – Campus do Bancanga – São Luis-MA 5 como “Mulheres em Pixinguinha” e “Bach e Pixinguinha”. Nessas releituras estão fortemente presentes características e conexões com outros gêneros musicais como Rock, Jazz e Música de Concerto Brasileira (ZAGURY, 2005, p. 35-36). Para essa mudança e à nova maneira de fazer o Choro, atualmente se dá o nome de “Neo-choro, Novo Choro, Choro atual” e “Choro de Concerto”. Os primeiros têm como características ressonâncias de outros gêneros ligados à música popular, surgindo vários intérpretes e compositores que não se enquadravam somente no Choro como Nailor Proveta, Cristóvão Bastos, Paulinho da Viola, Guinga, Hermeto Paschoal, Marco Pereira, Heraldo do Monte, César Camargo Mariano, Hélio Delmiro, Egberto Gismonti. Já o segundo, é conhecido como “Choro de Concerto”, atrela-se à música de concerto brasileira, e seus compositores são Sérgio Vasconcelos Corrêa, Edmundo Villani-Côrtes, Paulo Porto Alegre e o de Radamés Gnattali. Ensino do Choro Para melhor compreender como acontece o ensino-aprendizado do Choro faz-se necessário demonstrar as definições de ensino informal e formal pela análise de autores que já trabalharam o tema. Objetivou-se utilizar tais conceitos visando à compreensão acerca da aprendizagem na chamada “roda de choro”, e sua extensão para o meio acadêmico. A educação “não-formal” é aquela atividade que possui uma finalidade, uma intenção, mas ocorre em ambientes não formalizados, tem pouca estrutura e sistematização (SANTIAGO, 2006). Já o ensino informal é uma modalidade da educação que resulta do “clima” em que os indivíduos vivem, sem que tenham finalidade de aprender, esse envolve uma série de práticas que decorrem da socialização; interação com colegas; familiares; ou outros músicos que não atuam como professores (SANTIAGO, 2006). Educação Formal é aquela oferecida em uma instituição regular que envolve nível, grau, programas, currículos e diplomas. Essa educação é formada por um conjunto de atividades e estratégias de estudo. O ensino formal da música enfoca o desenvolvimento das habilidades técnicas de repertório. Segundo Santiago (2006) a prática formal é formada por um conjunto de atividades e estágios de estudo, que tem como objetivo a melhora da performance do instrumentista, na maioria das vezes essa atividade requer esforço não sendo assim prazerosa. ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA POPULAR Abordagens interdisciplinares na pesquisa em música popular: arte, mercado e sociedade. 26 a 28 de maio de 2010 – Campus do Bancanga – São Luis-MA 6 As práticas desse estudo são: o uso de metrônomo no estudo rítmico, analise prévia das obras que será estudada, o estudo repetido de pequenas seções da peça, o estudo silencioso, o estudo mental da obra, o estudo lento e o aumento gradual do andamento, a identificação e correção de erros, principalmente através de estudo lento e o planejamento de estudo que é um dos fatores essenciais, o que estudar, quanto tempo e a avaliação do desenvolvimento do estudo. Na aprendizagem do Choro são enfatizadas as práticas informais, a improvisação, tocar de ouvido, imitação, transmissão oral do conhecimento, mas sem deixar de lado a técnica do instrumento, surgindo assim a necessidade de pesquisa sobre como é realizada essa prática e no que elas contribuem para formação de intérpretes e compositores. Em 1994, em entrevistas com violonistas de Samba e Choro, entre os quais alguns alunos do violonista Jaime Florence (1909-1982) conhecido como Meira, foi destacado que nas aulas do mestre era desenvolvida a experiência vivida na roda de Samba e Choro, as aulas eram “rodas de choro concentradas”, nas quais enfatizavam alguns tipos de habilidades para um bom desempenho em uma roda: capacidade de transpor em tempo real; de acompanhar músicas que não conheciam e de improvisar nos contracantos. (SANDRONI, 2000 p.7) Em Cuiabá, Antonio Marinho de Souza Fortaleza, conhecido como Marinho, trabalha nas rodas de Choro com o que denominamos na academia de “aprendizagem não-formal”. Ele abre espaço para todos praticarem, tanto músicos leigos quanto os que já possuem algum conhecimento teórico. Podemos afirmar que Marinho é um músico que através de sua casa - o Bar Choros e Serestas - prática o ensino não-formal nas rodas de Choro e Samba e vem cada vez mais transformando o cenário do choro em Cuiabá; por meio de suas práticas está formando uma nova geração de chorões. A roda de Choro é ainda um espaço de formação e de transmissão oral. Hoje essa prática acontece também em espaços profissionais, palcos, bares e restaurantes. Nas rodas o contato visual é muito importante, pois contribui para o diálogo musical entre os instrumentistas, a competência de ler os sinais gestuais no desempenho do outro instrumento conduz a ausência do domínio de outros processos de representações gráficas do som, como a partitura. (WEFFORT, 2002,p.46). Considerando a roda de Choro como espaço de interação e as contribuições da convivência para o ensino e aprendizagem musical, serão levantados aspectos da Teoria de Lev Vygotsky a fim de compreender as práticas de ensino nas rodas de Choro. Levando em conta o que ocorre no processo de formação do Choro, pode-se dizer que ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA POPULAR Abordagens interdisciplinares na pesquisa em música popular: arte, mercado e sociedade. 26 a 28 de maio de 2010 – Campus do Bancanga – São Luis-MA 7 a aprendizagem na roda acontece mediante a interação entre os participantes. Segundo Vygotsky, o desenvolvimento psicológico-mental é promovido pela convivência. Não basta que o indivíduo disponha de elementos biológicos para realizar uma tarefa, é preciso que este participe de ambientes e práticas específicas que propiciem a aprendizagem. (SUZIGAN, 2006). A partir das proposições de Vygotsky, o processo de ensino-aprendizagem se faz através da interação entre os sujeitos. O conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), criado por Vygotsky, é caracterizado pela distância entre o nível de desenvolvimento real (a capacidade de resolver problemas, independente de ajuda de alguém) e o nível de desenvolvimento proximal que é a capacidade de solucionar problemas com a ajuda de uma pessoa mais experiente. (SUZIGAN, 2006). A partir da noção de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) entende-se que a função do educador (geralmente a pessoa mais experiente) é favorecer a aprendizagem, servindo de mediador entre o aprendiz e o mundo. É no coletivo e na relação com o outro que o aprendiz terá condições de construir suas próprias estruturas. Assim, quando o aprendiz já possui algumas habilidades, ele as desenvolve com a ajuda de alguém mais experiente (SUZIGAN, 2006). Paralelamente à roda, o Choro está passando por um processo de mudanças que são relacionadas à aproximação do gênero à escola. Vê-se essa mudança no tipo da preparação formal que a nova geração de executantes apresenta; no surgimento de escolas para estudar esse gênero de música através de uma metodologia acadêmica; e no papel que o Choro desempenha no circuito acadêmico por representar um gênero genuinamente brasileiro. Mudanças vieram a partir de incentivo e apoio de instituições governamentais para o ressurgimento do Choro. Acontecendo vários eventos relacionados ao gênero: 1° Concurso de Conjunto de Choro, Projeto Música 84, em que aconteceram Oficinas de Choro, Seminário Brasileiro de Música. Em 1993 foi inaugurado o Conservatório de Música Popular Brasileira de Curitiba e o Choro ingressou em redutos eruditos como no Festival de Inverno de Londrina e Curso de Verão de Brasília. Atualmente, no Brasil, existem algumas escolas de Choro de reconhecimento nacional, como O Clube do Choro de Brasília e a Escola Portátil de Música no Rio de Janeiro. Essas são grandes divulgadoras do Choro e estão contribuindo para a formação e renovação desse gênero. ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA POPULAR Abordagens interdisciplinares na pesquisa em música popular: arte, mercado e sociedade. 26 a 28 de maio de 2010 – Campus do Bancanga – São Luis-MA 8 Em relação ao ensino formal, foi averiguado que houve uma sensível mudança no perfil do músico chorão, ligada principalmente à educação musical. O músico passou a ter necessidade de deter o conhecimento teórico-musical, e isso exigiu uma transformação no tipo da preparação formal que a nova geração de executantes apresenta, o que contribuiu para o surgimento de escolas para o estudo do Choro. Tais escolas utilizam metodologias pseudo-academicas, trabalham com o uso de partitura, mas não deixam de lado as práticas adquiridas no processo de ensino utilizado nas rodas. Os dois ensinos, o prático e o teórico, contribuem para a formação de novas representações estéticas do gênero, trazendo para o Choro novas maneiras de apreciação e valorização. Isso proporcionou o surgimento de grupos com renovação na instrumentação e composições. Inovando a tradição Atualmente vários grupos estão participando de um novo movimento do Choro, tais apresentam tanto um conhecimento da tradição como das novas tendências. Uma das principais mudanças que acontece no Novo Choro está ligada à improvisação e harmonia que têm grande familiaridade com a linguagem do jazz americano. Existem fatores que contribuíram para essa mudança, segundo Kormam (2004) os primeiros praticantes do Choro vinham principalmente de uma classe média-baixa emergente do funcionalismo público, eram amadores, os quais tocavam nas festas de quintais e salões sem muita compensação financeira. Na época das gravadoras e do rádio, e da adaptação da música brasileira para o estilo de danceband americano, músicos eram pagos como profissionais e a “velha guarda” deixou de ser tão importante. O chorão atual, que faz parte do movimento chamado “Choro Novo”, entre outros nomes dados a este, vem da classe média. Os espaços de execução do Choro são principalmente clubes, salas de concertos e gravações. Questiona-se então: há oposição entre amadorismo e profissionalismo, e isso tange a execução do Choro? (KORMAN, 2004, p.5). A transformação no Choro se deve a vários fatores e um deles é a alteração na educação musical dos executantes do gênero, deixando clara essa oposição questionada entre o amadorismo e o profissionalismo. Os Chorões “amadores” eram, geralmente, pessoas com mais idade, praticavam o Choro em suas casas, de familiares ou amigos e cultivavam a ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA POPULAR Abordagens interdisciplinares na pesquisa em música popular: arte, mercado e sociedade. 26 a 28 de maio de 2010 – Campus do Bancanga – São Luis-MA 9 tradição das rodas de Choro. Tais músicos trabalhavam na divulgação desse gênero, apresentavam uma postura de conservação, fechando-se a influências de outros gêneros musicais. Os músicos da nova geração, “profissionais” do Choro, têm acesso a uma formação mais ampla, através do contato e estudo de outros gêneros musicais. Piedade (2007) cita o exemplo de Raphael Rabello que estudou e gravou música erudita e teve intensos contatos com o violonista Paco de Lucia e a música flamenca. No universo do Choro, Raphael Rabello (1962-1995), compositor e instrumentista, foi grande nome na história do violão brasileiro, é refências para futuras gerações de violonistas, além de deixar obras significativas para várias formações. Paulo Moura (1933) é outro exemplo: “um exímio clarinetista que estudou no mundo das bandas e depois foi aprender Choro e Jazz, acabando por desenvolver uma sonoridade muito pessoal e um estilo reconhecido”. (RÉA, PIEDADE, 2007.p.7). K-Ximbinho (1917-1980), da mesma forma, iniciou seus estudos musicais de clarineta na banda musical de sua cidade, foi músico de diversas orquestras, fez um curso de harmonia e contraponto com Hans-Joachim Koellreutter (1915-2005) que durou três anos. Trabalhou como arranjador pela Gravadora Odeon, foi orquestrador da TV Globo e integrante da Orquestra Sinfônica Nacional e da Rádio MEC. Em 1978 classificou-se em primeiro lugar no 2º Festival Nacional de Choro Carinhoso. Contribuiu para a modificação na composição de Choros, devido a sua grande habilidade como instrumentista e compositor, pois K-Ximbinho tinha a capacidade de transitar livremente pelos dois gêneros, fundindo o Choro com elementos harmônicos do Jazz (GEUS, 2006.p.2). Outro fator que colaborou para a modificação do Choro foi a participação de compositores da música erudita, através da qual o gênero se fez presente, destacando-se as obras de Villa-Lobos e Radamés Gnattali. Heitor Villa-Lobos (1887-1959), um dos grandes nomes do Nacionalismo no Brasil, tem sua obra marcada por elementos da música popular urbana de então (mais especificamente, o Choro), mostrando a riqueza musical do gênero e fazendo-o presente na música erudita. Villa-Lobos marca a história da música com suas obras: Suíte Popular Brasileira e Os Choros. Em Suíte, os títulos dados às peças são Mazurca-Choro, SchottischChoro, Valsa-Choro, Gavota-Choro e Chorinho. Segundo o que o próprio Villa-Lobos afirma, os Choros são “construídos e baseados nas manifestações sonoras dos habitantes e costumes dos nativos brasileiros, nas impressões ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA POPULAR Abordagens interdisciplinares na pesquisa em música popular: arte, mercado e sociedade. 26 a 28 de maio de 2010 – Campus do Bancanga – São Luis-MA 10 psicológicas que trazem certos tipos populares, extremamente marcantes e originais, além de influências indígenas” (NÓBREGA, 1973, p.10). A denominada série de Choros que Villa-Lobos compôs nos anos 30 é uma seqüência constituída por 16 obras, sendo 14 do ciclo, mais os Choros Bis e o Quinteto em forma de Choro. Tais obras não foram organizadas de acordo com a cronologia da sua composição, segundo Adhemar Nóbrega, “o motivo do anacronismo foi o desejo do autor de fazer prevalecer um escalamento por ordem instrumental e por complexidade crescente de estrutura” (NÓBREGA, 1973, p.9-10). Os Choros de Villa-Lobos estão entre suas mais significativas obras, contribuindo assim para a divulgação do Choro. Radamés Gnattali (1906-1998) teve importância maior ainda, pois este começou uma nova perspectiva para o universo do Choro, rompendo a barreira entre a música popular e a música erudita, e atrelando o Choro à música de Concerto Brasileira. Radamés decide compor uma suíte para bandolim, conjunto de regional e orquestra de cordas, que se transformou em uma de suas obras mais conhecidas, a partir desta, foi feita, pela primeira vez no Brasil, uma composição que integra a linguagem e instrumentação do Choro à música de concerto, esta suíte marca a história da música brasileira (CAZES, 1999). Na Suíte Retratos ele homenageia quatro compositores do Choro, Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros, Chiquinha Gonzaga. Na década de 70, Radamés incentiva e se torna uma espécie de mentor de jovens instrumentistas, como Raphael Rabello, Joel Nascimento e Maurício Carrilho, formando com eles o grupo de Choro Camerata Carioca. (CAZES, 1999,p.124.) O que ilustra tal fato é a carta de Jacob do Bandolim a Radamés Gnattali, enviada em 1964, que representa a importância de Radamés para uma geração do Choro que já incorporava a importância do estudo disciplinado para os instrumentistas, conforme se nota com este depoimento: Meu caro Radamés: Antes de Retratos eu vivia reclamando: “É preciso ensaiar” e a coisa ficava por aí ensaios e mais ensaios. Hoje minha cantilena é outra: “Mais do que ensaiar, é necessário estudar!” E estou estudando. Meus rapazes também. O pandeirista já não fala mais em paradas: “Seu Jacob! O senhor quer aí uma fermata? Avise-me, também, se quer adágio, moderato ou vivace!...” Veja Radamés, o que você me arrumou!... (CAZES, 1999, p.124). Todo esse processo de mudanças que se encontra relacionado à aproximação do gênero à escola contribuiu para: a transformação no tipo da preparação formal que a nova geração de executantes apresenta. ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA POPULAR Abordagens interdisciplinares na pesquisa em música popular: arte, mercado e sociedade. 26 a 28 de maio de 2010 – Campus do Bancanga – São Luis-MA 11 Considerações Finais A partir do referencial teórico adotado, foi possível perceber que o “Novo Choro” surgiu por vários fatores, como apontado no decorrer do texto. Importantes instrumentistas se reuniam para discutir e ensinar o gênero às novas gerações através de patrocínio governamentais, proporcionando o surgimento de grupos com renovação na instrumentação e composições. O samba, gênero passível de comparação, por possuir alguns aspectos semelhantes ao Choro, com as origens apresentando influências do maxixe, lundu, e modinha, tem vertentes bem definidas, ao contrário do Choro que, embora apresente as mesmas ressonâncias do Jazz e possui raízes semelhantes ainda não tem consolidado como subgêneros as novas maneiras de se fazer o Choro. A partir da pesquisa bibliográfica pode-se perceber que não há ainda subsídios que possibilitem afirmar que a nova maneira de composição e execução do Choro configure uma nova vertente do gênero, podemos observar que existe um processo de mudança que tem se revelado através do ensino do Choro formalmente. A educação formal adquirida pelos músicos de Choro hoje, através da academia, que trabalha com emprego de partitura, introduz mudanças na prática performática desses músicos. Com isso, o Choro começa a apresentar novas representações estéticas proporcionadas pelos recursos escolares. Trazendo para o Choro novas maneiras de apreciação e valorização (WEFFORT, 2002). Hoje, alguns trabalhos levam o Choro ao âmbito das universidades, são dissertações de mestrados abordando temas relacionados à cultura do Choro (CAZES, 1998). Isso tem contribuído para a divulgação e, também para compreensão das mudanças presentes no âmbito musical. ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA POPULAR Abordagens interdisciplinares na pesquisa em música popular: arte, mercado e sociedade. 26 a 28 de maio de 2010 – Campus do Bancanga – São Luis-MA 12 Referências Bibliográficas CASTAGNA, Paulo. A música Urbana de Salão no Século XIX. Apostila do curso História da Música Brasileira, Instituto de Artes da UNESP. CAZES, Henrique. Choro do Quintal ao Municipal. São Paulo: Ed. 34, 1998. GEUS, José Reis de. A performance do Choro - Jazzístico de K-Ximbinho. Trabalho de Pesquisa de Pós Graduação em Música. (ANPPOM), Brasília. 2006. NÓBREGA, Adhemar. Os choros de Villa-Lobos. 1° Premio no Concurso Nacional Sobre o estudo Técnico, Estético e Analítico dos Choros de Villa-Lobos. 2° Edição. 1973 KORMAN, Clifford. A importância da improvisação no Choro. Anais do V Congresso Latino americano da Associação Internacional para o Estudo da Música Popular.2004 http://www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html PIEDADE, Acácio Tadeu de Camargo, RÉA, Adriano Maraucci. Comentário Sobre o Choro Atual. Simpósio de pesquisa em Música (SIMPEMUS), Curitiba, PR, 2006. PIEDADE, Acácio Tadeu de Camargo, RÉA, Adriano Maraucci.Atualizando a Tradição.In Da pesquisa: Revista de investigação em arte.Vol. 2.Agosto 2006/Julho 2007. SANDRONI, Carlos. Uma roda de choro concentrada: Reflexões sobre o ensino de músicas populares nas escolas. IX Encontro Anual de Associação Brasileira de Educação Musical 2000. Belém, setembro, 2000. SANTIAGO, Patrícia Furst. A integração da prática deliberada e da prática informal no aprendizado da música instrumental. Revista Acadêmica de Música. Belo Horizonte, n13, 2006, p.52-62. SÉVE, Mário. Vocabulário do Choro. São Paulo. Ed. Lumiar. 1999. SUZIGAN, Maria Lucia Cruz. Educação Musical: uma nova abordagem (Centro Livre de Aprendizado Musical - São Paulo -1973-2001). Dissertação de Mestrado. Universidade Manchenzei. 2006. WEFFORT, Alexandre Branco. Choro: Expressão Musical Brasileira. Caminhos de aproximação ao universo do choro parte 2.2002. ZAGURY, Sheila. Neochoro: Os novos grupos de choro e suas re-leituras dos grandes clássicos do estilo. Anais do XV o Congresso Nacional da ANPPOM. Rio de Janeiro: 2005.