QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO E REPERCUSSÕES SOCIAL ISSUE AND SOCIAL SERVICE: BETWEEN CONTEXT AND REPERCUSSIONS Jailma de Sousa Rodrigues1 Maria Mayara Rodrigues2 Jamile Silva de Oliveira Castro3 Mirnna Vasconcelos da Silva4 RESUMO O presente artigo tem por objetivo fazer uma breve discussão acerca do papel do assistente social no enfrentamento às expressões da questão social, sendo esta, matéria prima do exercício profissional, considerando ainda que a profissão do Assistente Social está inserida na divisão social e técnica do trabalho. Para isto, iremos pontuar os aspectos em que emergiu a Questão Social destacando o seu contexto no âmbito internacional e no âmbito brasileiro, bem como algumas particularidades do exercício profissional no enfrentamento às expressões da questão social tão latentes no interior da sociedade e consequentemente no cotidiano profissional. Discutiremos ainda a incidência da lógica do neodesenvolvimentismo na sociedade brasileira, que tem como foco (re)configurar as políticas sociais e, especialmente, as expressões da questão social exigindo do Serviço Social uma leitura crítica da realidade para apreender como estas inflexões emergem no cotidiano profissional, a fim de tecer resistências para seu enfrentamento. Palavras-chave: Questão Social. Serviço Social. Assistente Social. Trabalho. ABSTRACT This article aims to give a brief discussion about the role of social worker in dealing with expressions of social issue, this being the raw material of professional practice, and considering that the profession of social worker is embedded in the social division and in the work technique. For this, we will point out the aspects that emerged the Social Issue highlighting its context in the international arena and in the Brazilian context , as well as some peculiarities of professional practice in dealing with expressions of social issues as latent within society and therefore to professional practice . Also discuss the impact of neodevelopmentalist logic in the Brazilian society , which focuses on (re)configure the social policies and, especially, the expressions of social issue requiring of the Social Bacharel em Serviço Social pela Faculdades Cearenses (FAC) – Fortaleza/ Ceará. Pós-graduanda da Especialização em Serviço Social, Políticas Públicas e Direitos Sociais pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) - Fortaleza/ Ceará 3 Pós-graduanda Residente em Infectologia no Hospital São José de Doenças Infecciosas pela Escola de 1 2 Saúde Pública do Estado do Ceará (ESP) - Fortaleza/ Ceará. 4 Pós-graduanda da Especialização em Serviço Social, Políticas Públicas e Direitos Sociais pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) - Fortaleza/ Ceará. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95 79 QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO E REPERCUSSÕES Jailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro e Mirnna Vasconcelos da Silva Service a critical reading of reality to grasp how these inflections emerge in everyday professional, to weave resistors for coping. Keywords: Social Issue. Social Service. Social Worker. Work. 1. INTRODUÇÃO O texto a seguir, terá como premissa, uma análise crítica da questão social e sua relação com o Serviço Social no sentido de entender como o assistente social enfrenta as expressões da questão social no âmbito do seu exercício profissional. Inicialmente, faremos uma breve contextualização da questão social dando destaque ao Capitalismo em ascensão, à Revolução Industrial e à Igreja Católica, considerando que estes foram instrumentos que deram visibilidade e contribuíram para o crescente aumento da questão social no mundo. Ressaltaremos a migração dos trabalhadores rurais para o espaço urbano e as mudanças no mundo do trabalho na época, configurando o surgimento das organizações dos trabalhadores em lutas e reivindicações por melhores condições de trabalho, de vida. Posteriormente, seguiremos dando enfoque no Brasil, contextualizando a questão social à luz da escravidão brasileira, com ênfase nas desigualdades sociais manifestadas na sociedade da época e que perduram até os dias atuais. Assim, buscaremos trazer para discussão no presente trabalho, a cultura patriarcal em que nosso país se estruturou tendo reflexo significativo nas relações sociais, configurando todo um modo de ser e de pensar de uma sociedade. Abordaremos, brevemente, o surgimento da profissão a partir do viés caritativo, caracterizando o Serviço Social conservador para, em seguida, colocarmos em questão a intervenção do Estado e a requisição de profissionais de Serviço Social com objetivo de amenizar as expressões da questão social manifestadas na sociedade. Desse modo, marcaremos o rompimento do Serviço Social com o tradicionalismo que permeava a profissão, o que dava uma nova face à profissão: o de comprometimento com a liberdade e justiça. Assim, destacaremos a adesão da profissão a um arcabouço teórico consolidado que rompeu com o conservadorismo profissional permitindo ao Serviço Social maior Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95 80 QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO E REPERCUSSÕES Jailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro e Mirnna Vasconcelos da Silva reflexão crítica para compreender as repercussões da questão social e sua importância para o exercício da profissão nesta sociedade. Nesse sentido, por fim, nos muniremos da dialética Marxista para analisarmos o papel do assistente social no enfrentamento às expressões da questão social em consonância com os desafios atuais da profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho. Desafios, dentre os quais podemos destacar a aplicação da lógica neodesenvolvimentista nas políticas sociais. Desse modo, faz-se necessário o diálogo com alguns autores da área, tais como: IAMAMOTO (1989), MAINWARING (1989), MANRIQUE (1993) e SILVA (2008). 2. A QUESTÃO SOCIAL NO CONTEXTO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E A IGREJA CATÓLICA A Igreja Católica registra em toda sua história um lastro de apoio assistencial aos mais pobres. Entretanto, essa mesma Igreja, se utilizou de sua influência através, especialmente, de documentos como as Encíclicas Papais Rerum Novarum5 e Quadragesimo Anno6, para servir como instrumento de dominação ideológica e obscurecer a questão social – tema que passou a ser conhecido como é hoje – no final do século XVIII com a emergência da Revolução Industrial e das lutas sociais em países como Inglaterra, França, Bélgica e Alemanha. 5 Rerum Novarum significa: Das coisas novas. Escrita por Papa Leão XIII em 15 de maio de 1891. Trata de questões levantadas na revolução industrial, apóia a organização dos trabalhadores em sindicatos, nega o socialismo e defende a propriedade privada; é o pilar para a constituição da Doutrina Social da Igreja Católica; foi considerada a Carta Magna do Magistério Social da Igreja; analisa o período em questão como um momento de guerra, enfatizando a necessidade de algo ser feito para que o movimento seja contido – chama para a Igreja essa responsabilidade; fala das formas de exploração e como isso fundamenta a acumulação capitalista, mas nega veementemente o socialismo e defende a propriedade privada. 6 Quadragesimo Anno: comemoração pelos 40 anos da Rerum Novarum. Luta contra o paganismo; 1925: criação da UCISS (União Católica Internacional de Serviço Social) com o papel de enfatizar a importância do Serviço Social no mundo – estímulo à criação de escolas de Serviço Social: retomar a Rerum Novarum devido à sua importância no que se refere a pensar os problemas da sociedade, compreendido estes como “questão social”; marcos do período: Revolução Russa (1917); Primeira Guerra Mundial (14-19); Quebra da Bolsa de Valores (1929); destaque para a importância do trabalho dos intelectuais e profissionais católicos na elaboração, divulgação e reprodução da doutrina social da Igreja; destaque para as atividades da Ação Católica. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95 81 QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO E REPERCUSSÕES Jailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro e Mirnna Vasconcelos da Silva A classe operária que sofria com a escassez no campo, além da perda da posse de terras, não via outra alternativa senão migrar para a cidade em busca de uma colocação no “chão de fábrica”. Esse fenômeno elevou o número da população urbana e mais que isso, o trabalhador agora, alijado de seus meios de produção se via obrigado a vender sua força de trabalho a qualquer preço e viver em condições deploráveis e subumanas. A efervescência do capitalismo que ocasionava o desemprego em alta (a revolução tecnológica substituía o homem pela máquina), longas jornadas de trabalho, péssimas condições de salubridade, baixos salários, exploração da mão-de-obra de mulheres e crianças, fez com que os trabalhadores começassem a se organizar em lutas e movimentos e a reivindicarem melhores condições de trabalho. Os trabalhadores estavam, portanto, dispostos a lutar contra uma burguesia dotada de um espírito capitalista, capaz de explorar como verdadeiras “sanguessugas” a mão-de-obra de homens, mulheres e crianças. Enquanto isso, insatisfeita com a adesão dos trabalhadores aos movimentos sociais, a Igreja Católica começa a expedir documentos com o objetivo de “resolver” o problema, pois, segundo o Papa Leão XIII: “... o problema não é fácil de resolver, nem isento de perigos... a questão de que se trata é de tal natureza que a não se apelar para a religião e para a igreja é impossível encontrar uma solução eficaz.” (Rerum Novarum, 1891, p. 2). Entretanto, o objetivo da igreja com os documentos era coibir os trabalhadores, como vemos: “... seja, portanto, primeiro princípio e base de tudo: não há outra alternativa senão a de acomodar-se a condição humana...” (Rerum Novarum, 1981, p. 15-16). Apesar de reconhecer o problema e “tentar” uma solução, a Igreja não tocava no cerne da questão social, ao contrário, defendia a desigualdade e persuadia os trabalhadores a aceitarem sua condição de pobreza como propósito divino: “O primeiro princípio a pôr em evidência é que o homem deve aceitar com paciência a sua condição: é impossível que na sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível.” (Rerum Novarum, 1891, p. 6). Como vemos, a Encíclica tratava de acalmar os ânimos dos trabalhadores para que estes não participassem dos movimentos reivindicatórios, que ganhavam grandes proporções e um grande número de adeptos. Quarenta anos depois de divulgada a primeira encíclica, o Papa Pio XI retoma o debate, desta vez com a Quadragesimo Anno escrita em 1931 em meio a duas crises, a econômico-financeira de 1929 e a crise no poder de dominação ideológica da Igreja. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95 82 QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO E REPERCUSSÕES Jailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro e Mirnna Vasconcelos da Silva (MANRIQUE, 1993). Ainda segundo o autor citado, o novo documento não trouxe nada de novo que modificasse a condição de explorado da classe trabalhadora. É a partir deste ano 1930 até 1955 que a Igreja Católica adota um modelo denominado de neocristandade onde, aqui no Brasil, o arcebispo de Olinda, Dom Sebastião Leme, inicia um processo de cristianização das principais instituições sociais brasileiras. A estratégia adotada visava formar um quadro de intelectuais católicos que alinhasse as práticas religiosas populares em procedimentos ortodoxos. (MAINWARING, 1989). Com isso a Igreja Católica brasileira respondia as exigências do Vaticano, no que diz respeito às estratégias do período denominado de reação católica7, se desdobrando para recristianizar a sociedade brasileira e retomar o espaço perdido entre os fiéis, ao mesmo tempo em que desenvolvia ações de caráter social e político. Como desdobramentos desse processo surgiram, na década de 1930, instituições como Juventude Operária Católica – JOC; Juventude Estudantil Católica – JEC; Juventude Independente Católica – JIC; Juventude Universitária Católica – JUC e os Círculos Operários que funcionavam sob um rigoroso controle da hierarquia católica. Quanto à relação dessas instituições com o estado, a posição da Igreja foi de fazer acordos, com o objetivo principal de reaver antigos privilégios, especialmente quando começou a se envolver diretamente na política através de seus bispos, padres e lideranças. O destaque deste período foi a criação da Liga Eleitoral Católica cujo objetivo era orientar os católicos quanto as eleições e influenciar na Assembleia Constituinte de 1933. (IAMAMOTO & CARVALHO, 2011). Existia, portanto, forte afinidade política entre Governo e Igreja uma vez que os discursos seguiam na mesma direção: nacionalismo, ordem, patriotismo e anticomunismo. Segundo Iamamoto, havia uma união entre estado e Igreja: [...] Igreja e Estado, unidos pela preocupação comum de resguardar e consolidar a ordem e a disciplina social se mobilizaram para a partir de distintos projetos corporativos, estabelecer mecanismos de influência e controle na sociedade [...]. (IAMAMOTO & CARVALHO, 2011, p. 166). 7 Período que contou com o movimento chamado de Ação Católica que funcionava como braço da Igreja e tinha como objetivo ampliar sua influência na sociedade, através da inclusão de setores específicos do laicato e do fortalecimento da fé religiosa, com base na Doutrina Social da Igreja. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95 83 QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO E REPERCUSSÕES Jailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro e Mirnna Vasconcelos da Silva A partir da década de 1940 e dando prosseguimento na década seguinte, com os Estados Unidos saindo vitoriosos na II Guerra Mundial, inicia-se nos países da América Latina, inclusive no Brasil um processo de desenvolvimentismo: [...] denominação atribuída à estratégia nacional empregada pelos países que começaram a sua industrialização nos anos 1930 ou no final da II Guerra Mundial, já que possuía um viés nacionalista que aspirava a construção do Estado nacional (Bresser-Pereira, 2007: 70). Este modelo, vigente no Brasil de 1930 a 1980 foi caracterizado: (1) pelo ativo papel do Estado na promoção do crescimento por meio da rápida industrialização; (2) pela participação do Estado na produção através da criação de empresas públicas; (3) pela participação do empresariado nacional privado e das empresas transnacionais de modo que juntamente com o Estado constituíram um “tripé” (PINHO, 2012, p.5). Neste período, uma série de acordos foram firmados entre Brasil e Estados Unidos como estratégia de expansão do capitalismo monopolista norte-americano. Cresce, portanto, nessas décadas, as relações sociais capitalistas no Brasil e uma maior dependência internacional. Cresce, também, a modernização do país com seu processo de industrialização e urbanização, entretanto, a camada rural fica esquecida e/ou fazendo crescer o exército industrial de reserva. 3. QUESTÃO SOCIAL NO CONTEXTO BRASILEIRO Até meados do século XIX, a escravidão foi o “modo de produção” brasileiro onde, a questão social, se expressava nas condições de vida e trabalho em que os negros eram submetidos. As longas e exaustivas horas de trabalho, as condições de alojamento dos escravos nas senzalas e os castigos que sofriam denunciavam a desigualdade social existente na sociedade. A Questão Social Brasileira tem suas raízes latentes na escravidão e no patriarcalismo, expressando-se no período colonial pelo trabalho escravo e pelas questões de raça e etnia, sendo um fenômeno presente durante todo o processo de formação da sociedade brasileira. Nesse contexto destacamos dois papéis relevantes desempenhados pela escravidão brasileira: o do trabalho servil, que submetia os negros à longas e exaustivas horas de trabalho, à precárias condições de moradia e sobrevivência, manifestando a Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95 84 QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO E REPERCUSSÕES Jailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro e Mirnna Vasconcelos da Silva desigualdade social existente na sociedade; e o das relações sexuais, materializada no livre exercício da sexualidade masculina, especialmente com as negras que eram tidas por seus senhores como objeto de satisfação sexual. O patriarcalismo exerceu forte influência nas relações sociais, caracterizado como fenômeno político típico do período colonial, porém atualmente percebemos ainda a manifestação de traços deste fenômeno nos processos políticos e sociais. Ressalta-se ainda como expressão da Questão Social, após a abolição da escravatura – através da Lei Áurea, assinada em 13 de julho de 1888 –, o desemprego, sendo este gerado por dois fatores: inicialmente, pelo fato do Estado não ter atentado em oferecer possibilidades de integração no mercado de trabalho para os ex-escravos e, em segundo lugar, pela primazia ao trabalho escravo voltado para a produção da lavoura. Assim, restringiu-se a previsão de oportunidades de trabalho para o conjunto de habitantes da colônia brasileira. A manifestação do desemprego neste período abre espaço para a negação do pensamento conservador e atribuiu ao povo indígena um caráter indolente. Essa característica foi fruto da falta de condições de trabalho próprias do regime econômico mesquinho que a colonização implantou, levando o Brasil a ter um aspecto de estagnação; transformando a Colônia em detentora de um padrão econômico que gerou baixo nível de vida e alto nível de pobreza econômica, social, política e cultural (SILVA, 2008, p. 36). Assim, as classes desfavorecidas encontraram dificuldades em conseguir emprego e prover o sustento de suas vidas, em decorrência do preconceito. Desta forma, as condições de vida e trabalho dos negros continuam precarizadas e, aqui, já observamos o misto de pobreza e exclusão social. “Ao longo da evolução histórica, o caráter degradante da pobreza, do ponto de vista econômico, social e cultural, afigura-se de modo diferenciado, sendo também diversos os contextos em que se manifesta”. (SIQUEIRA, 2009, p. 3). Na transição do império para a república a sociedade brasileira tinha uma população de aproximadamente um milhão de escravos negros e mestiços com alto índice de analfabetismo, sendo considerada, portanto, mão de obra com baixo nível de qualificação técnica para uma economia ainda patriarcal, porém agora voltada para exportação. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95 85 QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO E REPERCUSSÕES Jailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro e Mirnna Vasconcelos da Silva Com o advento da República em 1889, se estabeleceu no Brasil um novo desenho político e administrativo, com traços de uma modernidade capitalista e industrial. A partir de então, a Questão Social surge como produto da acumulação capitalista e passa a ser tratada como uma questão política e não mais como caso de polícia. Nesta perspectiva, o Estado passa a criar estratégias de enfrentamento às expressões da Questão Social, objetivando conter os trabalhadores que são os mais afetados por este fenômeno. O processo de modernização brasileira é marcado por traços patrimonialistas e coloniais, reatualizando traços conservadores transformados com as novas marcas da “soberania financeira”, no contexto de proliferação do capital no mundo moderno. Desse modo, a nova realidade socioeconômica do país é construída por intermédio dos processos arcaicos e conservadores. Segundo Iamamoto (2008), A revolução burguesa no País nasce marcada com o selo do mundo rural, sendo a classe dos proprietários de terra um de seus protagonistas. Foi a agricultura que viabilizou historicamente a acumulação de capital de âmbito do comercio e da indústria. Aos fazendeiros, juntaram-se os imigrantes que vinham cobrir as necessidades de suprimento de mão-de-obra no campo e na cidade. Uma vez desfeitas as ilusões do enriquecimento rápido e do sonho de retorno ás regiões de origem, os imigrantes deslocam-se do meio rural, mas levam consigo as concepções rurais de organização de vida. Assim, as origens e o desenvolvimento da revolução burguesa explicam a persistência e tenacidade de um horizonte que colide com as formas de concepção do mundo e organização de vida inerentes a uma sociedade capitalista [...]. (IAMAMOTO, 2008, p. 136). Destaca-se a seguinte premissa: a modernidade no país surge como desdobramento do “velho”, esta se torna explicativa para as relações conservadoras e submissas que marcam setores avançados da economia brasileira. À medida que juntamente com implantação de máquinas e tecnologias de ponta, acentua-se a precarização das relações de trabalho. A transição do capitalismo concorrencial ao monopolista no Brasil tem características também distintas dos outros países. Esse processo foi marcado pela implantação das filiais de multinacionais na economia brasileira, dividindo a acumulação econômica do país com o exterior, acentuando o desenvolvimento do capitalismo monopolista nos países centrais. Somente por volta dos anos 1950 que o Brasil aparece Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95 86 QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO E REPERCUSSÕES Jailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro e Mirnna Vasconcelos da Silva como região econômica dinamizada da periferia deixando de exercer papel de subalternidade na economia central. Ou seja, o desenvolvimento monopolista brasileiro, deu-se por uma oposição entre soberania do imperialismo e profundas diferenças no desenvolvimento dos países ditos desenvolvidos, em relação aos países periféricos, como o Brasil. Essas diferenças acentuam as desigualdades econômicas, sociais e regionais, contribuindo com a concentração de renda, e reconhecimento e poder de determinadas regiões, em nível. O Estado exerceu papel central nesse processo de “modernização pelo alto” (IAMAMOTO, 2008, p.132), pois, com o objetivo de manter a ordem nas relações sociais e a subordinação do capital nacional ao capital internacional as pressões populares foram evitadas. Nesta perspectiva, a grande propriedade foi transformada em empresa agrária e a inserção do capital estrangeiro no Brasil deu visibilidade ao país, enquanto sociedade moderna, urbanizada, mas com estrutura social embaraçosa. Desse modo a exclusão das classes populares e os acordos realizados “pelo alto” pelos grupos financeiros dominantes são fatos que caracterizam o desenvolvimento da sociedade brasileira. Na cena contemporânea, a volatilidade do desenvolvimento e por consequência a concentração de renda e a multiplicação da pobreza, acentuam a desigualdade regionalmente distribuída, bem como, a distância entre o salário dos trabalhadores e o capital produzido. A tendência inesperada de abertura da economia dos países periféricos, sob orientação das instituições financeiras mundiais, resultou no aumento da taxa de juros, fechamento de empresas nacionais, aprofundamento no déficit da balança comercial e na sólida entrada de capital especulativo. Sendo um dos principais elementos agravantes da questão social o desemprego, tendo a subalternidade da produção em relação aos investimentos de caráter especulativos como a raiz da queda no nível de emprego. Nesse contexto, segundo Iamamoto, a antiga questão social, ganha novas roupagens. Evidenciada no distanciamento entre as relações sociais e o progresso da força de trabalho social, sendo a primeira caracterizada como a mola propulsora da segunda. Esse processo resulta na vulgarização da vida humana, na violência obscurecida pelo fetiche do dinheiro e na penetração do capital em todas as dimensões da vida. Entendemos assim, que todo esse contexto não atinge apenas as esferas políticas e econômicas do país, mas também suas condições de sociabilidade. Como afirma Iamamoto: Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95 87 QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO E REPERCUSSÕES Jailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro e Mirnna Vasconcelos da Silva As configurações assumidas pela questão social integram tanto determinantes históricos objetivos que condicionam a vida dos indivíduos sociais, quanto dimensões subjetivas, fruto da ação dos sujeitos na construção da historia (IAMAMOTO, 2008, p. 156). Atualmente a questão social passa por um processo de criminalização, trazendo de volta discursos conservadores de classes perigosas e não mais, a classe de trabalhadores vulneráveis a repressão e extinção. Criando-se assim, um processo de naturalização da questão social acompanhado da transformação desta em objeto de intervenções estatais. 4. O SERVIÇO SOCIAL NO ENFRENTAMENTO ÀS EXPRESSÕES DA QUESTÃO SOCIAL Historicamente, o Serviço Social institui-se como profissão que atua no enfrentamento das desigualdades sociais. Neste tópico, trataremos de abordar como o Serviço Social tem desenvolvido sua prática profissional no enfrentamento às expressões da questão social enquanto profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho, ao mesmo tempo em que, ganham escopo na sociedade brasileira a lógica neodesenvolvimentista e suas “novas” formas de enfrentamento à questão social. O surgimento do Serviço Social no Brasil: [...] não se baseará, no entanto em medidas coercitivas emanadas do Estado. Surge da iniciativa de grupo e frações de classe, que se manifestam principalmente por intermédio da Igreja Católica. Possui em seu início uma base social bem delimitada e fontes de recrutamento e formação de agentes sociais informados por uma ideologia igualmente determinada. (CARVALHO et al., 1981 apud SPOSATI et al., 2010, p. 43). Neste sentido, entende-se que o Serviço Social iniciou sua prática profissional no enfrentamento a questão social como mecanismo da Igreja pautado sob um cariz filantrópico e caritativo apresentando assim, uma ausência de legitimidade8 e de compreensão acerca das refrações deste fenômeno social. Segundo Iamamoto & Carvalho (2011, p. 83-84), a questão social pode ser 8 No nosso entendimento, esta ausência de legitimidade refere-se ao fato de que o Serviço Social se origina de uma demanda que não fora requisitada pelos trabalhadores, mas, ao contrário, provém de uma demanda do trinômio: Igreja, Estado e Classe Burguesa. Esta legitimidade só se efetiva partir do rompimento com o tradicionalismo e o conservadorismo. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95 88 QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO E REPERCUSSÕES Jailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro e Mirnna Vasconcelos da Silva entendida como: A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão. À medida que a questão social – fruto das contradições do modo capitalista de produção – tornou-se um fenômeno evidente na sociedade brasileira não podendo mais ser enfrentada pela caridade da Igreja, o Estado passa a interferir no modo como a questão social era tratada com políticas de proteção social e a demandar profissionais habilitados para amenizar as sequelas da questão social. O Serviço Social é então requisitado a uma ação profissional mais técnica desvinculando-se da dependência das ações apostolares. “Este traço da busca do rompimento da dependência, marca a trajetória da profissão e lhe confere uma face de compromisso com a justiça e a liberdade” (SPOSATI et al., 2010, p. 44). Ao longo da evolução histórica da sociedade brasileira, o Serviço Social vai adquirindo maior compreensão e reflexão crítica de seu fazer profissional, apreendendo de forma mais consolidada a questão social, a partir do entendimento de Iamamoto & Carvalho (2011), já citado anteriormente. Sua trajetória profissional enveredou por caminhos que plasmaram no rompimento com o conservadorismo profissional9. Os próprios fundamentos sócio-históricos do Serviço Social, atestam que não há como desvincular estes três elementos: a história da profissão, a questão social e a história social, econômica e política brasileira. Dessa forma, a questão social constitui-se como um elemento fundamental para compreensão do papel da profissão nesta sociabilidade burguesa. Nos termos de Iamamoto (2011), estabelece-se como o objeto de trabalho do Serviço Social, pois suas múltiplas expressões são alicerce para o trabalho do assistente social na apreensão dos processos sociais experimentados pelos sujeitos e assim, base de fundação da profissão como especialização do trabalho através da prestação de serviços socioassistenciais. 9 Segundo Netto (2011), o rompimento com o conservadorismo profissional ocorreu no chamado Movimento de Reconceituação do Serviço Social, mais especificamente na fase de intenção de ruptura. Cf. NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2011 Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95 89 QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO E REPERCUSSÕES Jailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro e Mirnna Vasconcelos da Silva Sabemos, no entanto, que a concepção e abrangência conceitual da questão social, diz respeito não somente ao Serviço Social, mas também a outras profissões que possuem suas atuações determinadas por este fenômeno. Neste sentido, ao destacarmos a questão social como objeto de trabalho do Serviço Social, fazemos referência tanto às determinações que as expressões da questão social incidem na profissão, quanto o grau de empoderamento da profissão em sua especificidade de atuação. Vivemos em tempos de flexibilização e precarização do trabalho, onde as expressões da questão social passam por um momento de naturalização que, ora focalizam o seu enfrentamento no “combate à pobreza”, ora focalizam seu enfrentamento no “combate à violência”. Desse modo, Iamamoto (2011, p. 28) aponta que: [...] decifrar as novas mediações por meio das quais se expressa a questão social, hoje, é de fundamental importância para o Serviço Social em uma dupla perspectiva: para que se possa tanto apreender as várias expressões que assumem, na atualidade, as desigualdades sociais – sua produção e reprodução ampliada – quanto projetar e forjar formas de resistência e de defesa da vida. (grifos originais). Para compreendermos estas nuances que envolvem a questão social, foi de fundamental importância para a profissão à apropriação de um arcabouço teórico consolidado, a saber, a Teoria Social Crítica. Teoria, que propiciou ao Serviço Social uma visão mais reflexiva, crítica e totalizante não só das imbricações às quais as expressões da questão social estão imersas, mas, sobremaneira, de sua própria constituição enquanto profissão na divisão social e técnica do trabalho. Possibilitou ainda a profissão, um olhar mais apurado acerca de sua intervenção no campo das políticas sociais desenvolvendo sua prática profissional com habilidade e competência teórica, ética e política. Contudo, outra perspectiva vem sendo disseminada na sociedade. Perspectiva essa, que sorrateiramente vem buscando (re)configurar as formas de enfrentamento a questão social, bem como busca promover uma visão alienante das transformações societárias em curso. Nesta ótica, o Serviço Social deve estar atento a estas implicações conjunturais, a fim de que sua prática profissional não se conforme a este discurso diametralmente e ideologicamente oposto àquele defendido pela categoria profissional. A citada perspectiva faz referência ao chamado neodesenvolvimentismo que, Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95 90 QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO E REPERCUSSÕES Jailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro e Mirnna Vasconcelos da Silva segundo Castelo (2012, p. 624), “surgiu no século XXI, após o neoliberalismo experimentar sinais de esgotamento, e logo se apresentou como uma terceira via, tanto ao projeto liberal quanto do socialismo”. Dessa forma, mediante os sinais de esgotamento sociais do neoliberalismo sentidos na década de 1990, bem como: A crise de estrangulamento cambial e a subsequente tutela da política econômica pelo FMI jogavam por terra qualquer possibilidade de camuflar a absoluta impotência do Estado brasileiro diante dos ditames do capital financeiro. (SAMPAIO JR., 2012, p. 678-679). Castelo (2012) destaca a figura de Luiz Carlos Bresser Pereira10 como um dos primeiros apoiadores do neodesenvolvimentismo, de forma que, em um artigo publicado na Folha de S. Paulo, Bresser defendeu o neodesenvolvimentismo como “uma estratégia de desenvolvimento nacional para romper com a ortodoxia convencional do neoliberalismo” (CASTELO, 2012, p. 624). Para Bresser, o novo desenvolvimento apresenta-se como possibilidade de superação ao neoliberalismo, conforme já citado, mas levando em consideração três características fundamentais que com ele surgem, a saber: abertura ao comércio internacional, investimento privado na infraestrutura e maior atenção à estabilidade econômica. O neodesenvolvimentismo expressou-se de forma mais visível, a partir do segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. As transformações ocorridas em seu governo, como por exemplo, retomada do crescimento econômico, sinais de recuperação do salário e a “aparente” resistência brasileira diante da crise mundial seriam, por assim dizer, a materialização desse novo desenvolvimento (SAMPAIO JR., 2012). Segundo Sampaio Jr. (2012, p. 679), o desafio do neodesenvolvimentismo consiste em: [...] conciliar os aspectos “positivos” do neoliberalismo — compromisso incondicional com a estabilidade da moeda, austeridade fiscal, busca de competitividade internacional, ausência de qualquer tipo de discriminação contra o capital internacional — com os aspectos “positivos” do velho desenvolvimentismo — comprometimento com o crescimento econômico, industrialização, papel regulador do Estado, sensibilidade social. “Ex‑ministro da Reforma do Estado, professor emérito da FGV‑SP e então intelectual orgânico do PSDB” (CASTELO, 2012, p. 624). Cf. CASTELO, Rodrigo. O novo desenvolvimentismo e a decadência ideológica do pensamento econômico brasileiro. Serviço Social & Sociedade. São Paulo: Cortez, n. 112, p. 613-636, out./dez. 2012. 10 Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95 91 QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO E REPERCUSSÕES Jailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro e Mirnna Vasconcelos da Silva Desse modo, apresentam-se como principais correntes do novo desenvolvimento: 1) a primazia do mercado e a atuação reguladora do Estado nas falhas apresentadas pelo mercado na produção da riqueza, tendo foco nas políticas cambiais e de juros; 2) o papel do Estado em auxiliar o setor privado nas tomadas de decisões de investimentos, atuando na diminuição das incertezas do setor econômico; 3) a afirmação do mercado interno via consumo em massa estando às políticas macroeconômicas subordinadas ao desenvolvimento. (CASTELO, 2012). E como a política social, campo de trabalho do assistente social, se configura no neodesenvolvimentismo? A resposta que ousamos aludir é que a política social como mecanismo de enfrentamento das refrações da questão social acabou por “migrar ostensivamente do atendimento as necessidades humanas às necessidades do capital” (GOUGH, 2003 apud PEREIRA, 2012, p. 737). [...] voltou-se prioritariamente para satisfazer as necessidades de lucro do capital, como condição universal e necessária para a completa sobrevivência do capitalismo, que agora, na sua versão financeira/especulativa/rentista, sujeita a constantes endividamentos e bancarrotas, se tornou o alvo preferencial da assistência do Estado (PEREIRA, 2012, p. 737). Nesse sentido, as formulações defensoras do neodesenvolvimentismo partem da falácia de que o crescimento econômico é a chave para o enfrentamento das desigualdades sociais e com isso vem reduzindo as lutas de classe ao controle de “forças externas” 11 ocasionando no lugar do confronto, a conformação a estas forças. Assim, o que se evidencia é a preocupação em discutir a aplicabilidade da política econômica para superar os entraves do crescimento, a fim de conciliar o trinômio: equilíbrio macroeconômico, política industrial e política social. Dessa forma, o “impacto devastador da ordem global sobre o processo de formação da economia brasileira não é considerado [...]. A discussão não ultrapassa o horizonte da conjuntura imediata.” (SAMPAIO JR., 2012, p. 680). Nesse contexto, o Serviço Social acaba sofrendo as inflexões dessas transformações conjunturais sob dois âmbitos: em suas relações contratuais como 11 Referimo-nos, ao direcionamento político das organizações internacionais e suas formas reguladoras de controle. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95 92 QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO E REPERCUSSÕES Jailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro e Mirnna Vasconcelos da Silva trabalhadores que vendem sua força de trabalho e como profissionais que em sua atuação visualizam cotidianamente a materialização do neodesenvolvimentismo nas políticas sociais através do engessamento das possibilidades de ação dessas políticas e/ou mesmo a sua naturalização no enfrentamento as desigualdades sociais. Se, antes, no movimento de intenção de ruptura, a aproximação com a teoria social crítica possibilitou reflexões e posicionamento crítico que plasmaram o rompimento da profissão com o conservadorismo, hoje, torna-se urgente à profissão a constância desta visão crítica para a análise de conjuntura da realidade brasileira, a fim de que as inflexões do neodesenvolvimentismo sejam, antes de tudo, compreendidas e, de modo algum abraçadas, mas ao contrário, questionadas em sua gênese e formação para que se processe o seu real enfrentamento. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo de planetarização em consonância com o sistema capitalista nos remete a consequências extremamente desiguais em relação ao modo de viver da sociedade, no que diz respeito à reprodução de suas relações sociais, tais como: pobreza, desemprego estrutural, violência, exclusão social etc. A sociedade do capital tem como objetivo o lucro e a geração de massa de trabalhadores controlados pelo sistema para servirem e produzirem bens de consumo, sendo estes trabalhadores impedidos de acessarem os bens produzidos por eles próprios. O cenário da sociedade contemporânea, em moldes neoliberal, marcado pelas constantes crises do capital e sua incansável reinvenção, cresce a ponto de configurar indivíduos em busca constante de satisfação pessoal e prazer, na perspectiva da lógica do consumo que seduz através de uma economia que produz não só bens de consumo, mas “felicidade plena”. Desse modo, entendemos que questão social não se caracteriza somente a partir de suas expressões, as quais foram supracitadas neste trabalho, mas, também, enquanto categoria ontológica e reflexiva acerca do que permeia a sociedade problemática e distópica do capital. Nesse sentido, não temos somente um presente gritante em termos de desigualdades sociais e de classes, vivemos em meio a ausência de sujeitos detentores de Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95 93 QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO E REPERCUSSÕES Jailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro e Mirnna Vasconcelos da Silva sua autonomia, sensibilizados para uma sociedade justa e igualitária. Com base no foi exposto, presenciamos as imposições do capitalismo invadindo todas as esferas da vida humana. Em face disto, a temática abordada no presente trabalho teve como objetivo, a possibilidade de discutir, dialeticamente, acerca da questão social e as formas de enfrentamento por parte do profissional de Serviço Social, considerando que enquanto profissionais de Serviço Social e assistentes sociais em formação, nos deparamos com o que os autores denominam de questão social e suas expressões cotidianamente. A partir disto, verifica-se que o papel do assistente social no enfrentamento às expressões da questão social caracteriza-se na promoção e viabilização dos direitos da população, possibilitando que esta se reconheça enquanto sujeitos de sua própria historia. Guerra (2000) afirma que, enquanto profissão, a categoria se apropria de meios que legitimem sua intervenção profissional, como um arsenal de instrumentais que vão para além de técnicas, mas que se referem à capacidade teórica que o profissional adquire ao longo de sua trajetória sócio-histórica e acadêmica. A atividade profissional, portanto, é socialmente determinada e seu norte se estabelece num direcionamento de ordem social, de modo que impulsione a transformação da sociedade. Faz-se necessária a capacidade do profissional de Serviço Social, a partir de sua instrumentalidade, promover a integralidade entre as políticas sociais de modo que drible as estratégias do capital na busca pela igualdade. À vista disto, no cotidiano profissional, é indispensável um trabalho caracterizado enquanto intelectual, um movimento que configura a dimensão investigativa frente às ações interventivas do assistente social à luz de conhecimentos mais amplos, no desvelamento das questões que se configuram no imediato, no aparente. Estas bases permitem ao assistente social a segurança necessária para que sua prática profissional não se resuma ao pragmatismo e imediatismo, ao contrário, concedem uma maior solidez para que o enfrentamento as expressões da questão social proceda na perspectiva da viabilização do direito e emancipação humana, perspectivas essas abraçadas pela profissão no movimento de reconceituação e descritas nos princípios éticos fundamentais da profissão. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95 94 QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO E REPERCUSSÕES Jailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro e Mirnna Vasconcelos da Silva REFERÊNCIAS CARTA ENCÍCLICA Quadragésimo Anno. Papa Pio XI. Sobre a restauração e aperfeiçoamento da ordem social. Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_pxi_enc_19310515 _quadragesimo-anno_po.html>. Acesso em: 02.fev.2012. 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Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95 95 QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ENTRE CONTEXTO E REPERCUSSÕES Jailma de Sousa Rodrigues, Maria Mayara Rodrigues, Jamile Silva de Oliveira Castro e Mirnna Vasconcelos da Silva SAMPAIO JR, Plínio de Arruda. Desenvolvimentismo e neodesenvolvimentismo: tragédia e farsa. Serviço Social & Sociedade. São Paulo: Cortez, n. 112, p. 672-688, out./dez. 2012. SILVA, Maria Ferreira da Silva. Questão Social e Serviço Social no Brasil: Fundamentos Sócio-históricos. Campo Grande, MT: Editora UFMT, 2008. SIQUEIRA, Maria da Penha Smarzaro. Pobreza no Brasil colônia. 2009. Disponível em: <http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao34/materia01/>. Acesso em: 29 jan.2014. SPOSATI, Aldaíza et al. Assistência na Trajetória das Políticas Sociais Brasileiras: uma questão em análise. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2010. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.78-95