INTOLERÂNCIA: DESAFIO PEDAGÓGICO À SOCIOLOGIA *Jéssica

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INTOLERÂNCIA: DESAFIO PEDAGÓGICO À SOCIOLOGIA
*Jéssica Thoaldo da Cruz1 – IFPR
Edna Luzia Cavalari Barbosa2 – IFPR
Antônio Marcio Haliski3 – Orientador/IFPR
Eixo Temático: As Práticas Docentes na Diversidade
Resumo
O trabalho mostra como o programa PIBID desenvolvido no Colégio Estadual Professor
Paulo Freire, no município de Pontal do Paraná/PR, foi recebido e se desenvolve. Neste
trabalho, enfatizaremos um tema polêmico e de extrema necessidade, a intolerância religiosa,
como eixo para debates, oficinas e intervenções. As Ciências Sociais tem como propósito
desnaturalizar a realidade, trabalhando por uma visão crítica da mesma. Assim, temos por
objetivo analisar e problematizar os discursos e argumentos em prol ou contrários ao
desenvolvimento do tema, a partir dos relatos dos alunos e professores da instituição. Em
meio a um ambiente hostil, onde a discriminação cresce desenfreadamente, se faz necessário
debatermos no âmbito escolar a gravidade de atos discriminatórios e qual o intuito real que
fomenta sua reprodução em nossa sociedade. Metodologicamente procederemos da seguinte
forma: analise e problematização de dados com o intuito de explicar fatores que contribuem
com a reprodução de determinados discursos/práticas. Dessa forma, os instrumentos
utilizados para a realização do artigo têm como base a coleta de dados através de entrevistas,
levantamento bibliográfico e a utilização das atividades realizadas pelos próprios alunos para
uma compreensão e análise mais apurada. Com o desenvolvimento do projeto ainda em
andamento, possuímos por enquanto apenas um resultado parcial obtido através de aplicações
de questionários, intervenções em sala de aula, oficinas de debate, entre outros meios
utilizados com a finalidade de analisar e problematizar o posicionamento dos discentes. A
experiência contribui para compreender diversos momentos no ensino de Sociologia: a
formação docente e a prática pedagógica na Educação Básica para o desenvolvimento de
1
Discente de Licenciatura em Ciências Sociais do Instituto Federal do Paraná – Paranaguá. E-mail:
[email protected]
2
Discente de Licenciatura em Ciências Sociais do Instituto Federal do Paraná – Paranaguá. E-mail:
[email protected].
3
Doutor em Sociologia pela UFPR, docente da Área de Ciências Humanas no Instituto Federal do Paraná,
Campus Paranaguá. E-mail: [email protected]
enfrentamento ao problema, elaborando planos de trabalho para as aulas, palestras e oficinas
para abordagem do tema Religião.
Palavras-chave: Diversidade. Intolerância. Religião.
Introdução
Através do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID),
desenvolvido pelo Instituto Federal do Paraná – Campus Paranaguá do curso de Licenciatura
em Ciências Sociais, em parceria com o Colégio Estadual Professor Paulo Freire, localizado
no município de Pontal do Paraná/PR, observou-se a existência de ambiente hostil no que
tange questões religiosas entre os estudantes do ensino médio. Isso foi constatado a partir do
relato dos mesmos e da equipe pedagógica do Colégio. Tal fato suscitou a necessidade em
trabalhar o tema: Intolerância Religiosa com os alunos do ensino médio e discentes bolsistas
do PIBID sob a orientação dos docentes e coordenadores das referidas instituições
educacionais, pautada na interdisciplinaridade das áreas do conhecimento entre Sociologia e
Filosofia.
Compete as Ciências Sociais promover a desnaturalização dos fenômenos sociais,
entendendo a religião enquanto instituição social norteadora da sociedade, definidora de
comportamentos, posturas éticas e morais, de caráter coercitivo, intrínseca a história humana 4.
A religião é um grande tema da Sociologia, uma vez que transmite padrões socialmente
aceitos, além de formas para reflexão sobre a morte e o transcendente.
Referenciada na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a religião é um
direito básico de todo cidadão, independentemente de suas origens, bem como no contexto
brasileiro através do inciso VI o artigo 5º da Constituição Brasileira de 1988: “é inviolável a
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos
e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”.5
Metodologia
Primeiramente realizaremos uma breve apresentação do município com dados do
Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em seguida uma breve
abordagem do Colégio.
A opção neste projeto foi pela pesquisa qualitativa através da aplicação de
questionários aos alunos matriculados no segundo ano do ensino médio, como fonte direta de
dados.
Apoiamos-nos também nos referenciais teóricos clássicos de Emile Durkheim (18581917), Karl Marx (1818-1883) e Max Weber (1864-1920), como fonte contextualizadora da
Sociologia além de outras leituras norteadoras ao tema.
Objetivou-se analisar e problematizar os discursos e argumentos da comunidade
escolar, após reuniões com os supervisores e coordenadores, expondo a importância em
debater com os alunos a intolerância religiosa, refletindo a religiosidade como um processo
educativo no desenvolvimento social.
4
5
ARAÚJO, Silvia Maria de. Sociologia. vol. único. Ensino Médio. 1ª ed. Scipione. São Paulo. 2013, p. 150-151.
Id. Ibid.
Local do projeto: Pontal do Paraná e as religiões
O município de Pontal do Paraná/PR, localizado no litoral paranaense, distante 100 km
da capital Curitiba, cidade praiana, onde a principal atividade econômica concentra-se no
turismo de veraneio, caracterizado pela extensa orla marítima, aproximadamente 23 km.
Segundo dados do Censo Demográfico 2010 do IBGE (2015), sua população
configurava aproximadamente 20.920 habitantes, sendo 57,06% católica, religião
predominante na população brasileira. Os seguidores de religiões com denominações
evangélicas representam 28,46% da população residente, tendo para o mesmo Censo, 405
declarantes da vertente espírita e 7,89% das pessoas se declaram sem religião. (Figura 1).
Figura 1
Fonte: IBGE (2015). Org.: CRUZ, BARBOSA (2015).
Considerando a diversidade religiosa brasileira, é importante registrar o percentual de
4,65% em declarações do total das pessoas residentes em Pontal do Paraná/PR, com formas
de participação em outras expressões religiosas, conforme Figura 2.
Figura 2
Fonte: IBGE (2015). Org.: CRUZ, BARBOSA (2015)
Há dentro da minoria, uma minoria (192 pessoas), percentual correspondente à
aproximadamente 1% da população residente adeptos de outros grupos religiosos (Figura 3).
Figura 3
Fonte: IBGE (2015). Org.: CRUZ, BARBOSA (2015)
O Colégio Estadual Professor Paulo Freire tem sua fundação no ano de 2007, a partir
da Resolução 1666/07 de 30/04/2007 e surgiu da necessidade em atender a comunidade
excedente dos demais estabelecimentos de ensino do município de Pontal do Paraná.
Primeiramente sua criação deu-se como extensão do Colégio Estadual Hélio Antônio
de Souza – Ensino Fundamental, Médio, Normal, funcionando provisoriamente, até o final do
ano de 2010 no vestiário do Ginásio de Esportes da Associação Banestado, passando em 2011
a funcionar nas novas instalações no bairro de Praia de Leste.
Atualmente a instituição de ensino oferece o curso de Ensino Fundamental e Ensino
Médio. No Ensino Médio constam matriculados 386 alunos distribuídos em 13 turmas6.
A religião na abordagem sociológica
Na teoria de Emile Durkheim, religião é um fenômeno de origem social, a sociedade
configurando-se enquanto coletividade, distinguindo das demais áreas de conhecimento
humano, sendo o sagrado uma expressão de negação ao profano (EMILE DURKHEIM apud
MONTERO, 2010, p. 123). Religião representa um sistema de coesão social, promotora da
união de membros, garantindo estabilidade da sociedade por meio de relações harmoniosas.
Na abordagem teórica de Karl Marx, “a religião é o ópio do povo”, configura a
percepção religiosa como alienação paralela a alienações políticas e ao capital financeiro,
6
Conforme dados disponibilizados pela Secretaria da Educação do Estado do Paraná. Disponível em:
http://www.educacao.pr.gov.br. Acesso em 16 nov. 2015.
expressando uma concepção falsa do mundo real e ideologias, reforçando a construção
ilusória das classes sociais de si mesmas, assim em sua teoria a religião precisa ser aniquilada.
(KARL MARX apud MONTERO, 2010, p. 124). A religião mantém o indivíduo afastado da
realidade.
Na sociologia weberiana, a preocupação central esta em compreender a dinâmica
interna das religiões em relação com a estrutura da vida econômica e social (MAX WEBER
apud MONTERO, 2010, p. 125). Tem significado cultural, realizando uma interpretação das
condições de vida, construindo identidades e controle do ambiente social.
A religião como forma de cultura, envolve crenças ritualizadas, promovendo sentido à
vida, mas como instituição social hierarquizada construída pela humanidade7.
Problematização, medidas e intervenções
Apesar da diversidade religiosa presente em Pontal do Paraná/PR, a intolerância faz-se
presente no ambiente escolar, local de claro estranhamento e repúdio com as manifestações
religiosas, enquanto reprodução da sociedade8 atual brasileira, intensificado pela falta de
preparo, desconhecimento da diversidade cultural, preconceitos e acomodação frente aos
imediatismos da era informacional acarretam no silenciamento da problemática, produzindo a
invisibilidade das religiões minoritárias.
Segundo MONTERO (2010) existe uma distinção imposta pelo pensamento ocidental
cristão entre religião, feitiçaria e magia. O pensamento ocidental trata a feitiçaria e a magia
como falsas religiões, porém para autora toda prática religiosa consiste ser um sistema de
crenças.
Ter religiosidade é uma condição social identitária, pautada na fidelidade e obediência
a normas e convenções, evitando censura social, esmerando-se para conquista de aplausos
sociais. Uma exigência social permeada de restrições, regente da condição humana, mas a
tolerância é um hábito, princípio de organização política e social, um valor por excelência
ético, próprio das relações e virtuoso, o qual implica em manter uma relação social justa,
contida no respeito, princípio moral balizador de conduta, sendo objeto da tolerância à
manifestação do outro, considerando o pensamento do outro legítimo ainda que em desacordo
com o próprio. A intolerância religiosa pressupõe ignorância a complexa diversidade cultural
e as várias formas diferentes de se viver, própria de uma má orientação, fator em que o
indivíduo é incapaz de transcender a si próprio (BARROS, POMPEU, 2015)
perceber a diferença, a discordância e aceitar o outro tal qual ele é. Significa ser
religioso, fervoroso, crente radical, mas ainda assim aceitar o ateu como ele é,
respeitá-lo, tratá-lo como igual sendo desigual, às vezes se reprimindo, sem
manifestar sua diferença. É, portanto, uma grande indiferença diante da diferença do
outro (BARROS, POMPEU, 2015, p. 291)
Tendo valores como algo complexo, discutir tolerância e intolerância, torna-se
atividade importante na analise do papel da religião pela Sociologia, vivenciada muitas vezes
sem questionamentos.
7
GIDDENS, Anthony. Religião. In: Sociologia. 6ª ed. Penso. Porto Alegre. 2012, p. 481 – 512.
Pelo pensamento bourdieusiano, o sistema educacional reproduz as principais diferenciações e hierarquias
presentes na sociedade, suas estruturas de poder e dominação social. Para exame mais aprofundado, sugerimos
ao leitor o artigo de NOGUEIRA, Maria Alice. Bourideu & a Educação. 3ª ed. Autêntica. Belo Horizonte, 2009.
8
A partir das experiências dos professores e supervisores, verificamos que o tema
discutido enfrenta resistências por parte da maioria dos alunos no desenvolvimento das aulas
e oficinas. Para melhor avaliar a percepção do aluno sobre o assunto realizamos uma pesquisa
qualitativa.
A pesquisa qualitativa foi direcionada as turmas matriculadas no segundo ano do
ensino médio, somando 04 turmas, sendo uma turma de Formação Docente (FD), sem
distinção de gênero. Três turmas são do período matutino e uma do noturno, totalizando 83
resultados, representando 21,50% do total (386) de alunos matriculados no Colégio. O
período letivo selecionado deu-se a própria demanda dos alunos e equipe pedagógica. As
informações foram colhidas em 14 de julho de 2015.
Como forma de questionamento, abordamos os alunos com uma questão: “O que você
considera desrespeitoso em relação ao divino e a sua religião”.
Resultados e discussões
A leitura das redações dos alunos (as) nos fez detectar que a grande maioria se baseia
na projeção de um discurso já preestabelecido e dogmático. Ao responder a indagação
proposta, a maioria defendeu que é desrespeitoso não seguir seu livro sagrado e que não
poderiam aceitar outras religiões ou comportamentos, pois em seu livro e seu líder religioso
determinavam que essa diversidade religiosa é algo negativo e inaceitável. Frases como “eu
não aceito, porque está na bíblia” foi uma das mais reproduzidas.
Foucault em sua obra “Ordem do Discurso” salienta a importância do discurso para a
manutenção da sociedade. O mesmo afirma que há um procedimento onde o discurso é
controlado, selecionado, organizado e redistribuído, desse modo se tem a possibilidade da
exclusão de determinados discursos através da interdição (palavra proibida, tabu do objeto e
direito privilegiado). Grupos doutrinários, segundo o autor, enfatizam o sentimento de
pertencimento, proibindo a associação e aceitação de outros grupos.9
Em alguns discursos, os alunos manifestaram ser desnecessário abordar o tema
religião em sala de aula, conforme as figuras 4.
Figura 4
Fonte: CRUZ (2015)
9
FOUCAULT, Michael. A ordem do discurso. São Paulo. Ed Loyola, 2010.
Percebemos após as analises dos textos ser a religião um fator sociológico básico e
repassar aos alunos a expressão de DaMatta (1986) que pontua ser necessário considerar o
espaço do outro em todos os espaços enquanto sinalizador de limites e no universo religioso, a
pessoa busca por dialogar individualmente com suas respectivas entidades.
Algumas considerações
O ser humano constrói a religião para dar sentimento de comunhão com o todo e com
todos, além de servir como explicação aos infortúnios, mas a religiosidade também é uma
forma de legitimação das desigualdades sociais e originalmente transmite “a idéia de laço,
aliança, pacto, contrato e relação que deve nortear os olhos entre deuses e homens, e por isso
mesmo, dos homens entre si” (DAMATTA, 1986, p. 115).
Ainda, conforme o antropólogo, o brasileiro na prática religiosa celebra o natal (data
cristã) e na virada de ano, a maioria vai a praia festejar os orixás, assim comunga com
diversos mundos, sendo nesta perspectiva a intolerância religiosa antagônica, mas verificamos
no trabalho desenvolvido no colégio a incidência de intolerância religiosa, sendo de extrema
importância dar continuidade ao trabalho proposto.
Uma vez que o projeto está em andamento, através dos resultados parciais obtidos,
desenvolveremos debates e reflexões sobre o tema com os alunos e comunidade escolar,
visando minimizar a reprodução de discursos discriminatórios e a perpetuação da intolerância
religiosa no ambiente escolar.
REFERÊNCIAS
BARROS FILHO, Clóvis de, POMPEU, Júlio. Fidelidade e Tolerância. In: Somos Todos
Canalhas: Filosofia para uma Sociedade em Busca de Valores. 1ª ed. Casa da Palavra. Rio
de Janeiro, 2015, p. 261 – 302.
DAMATTA, Roberto. Os Caminhos para Deus. In: Que faz o Brasil, Brasil? Rocco. Rio de
Janeiro. 1986, p. 109 – 121.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Informações Básicas
Municipais. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 12 nov. 2015.
MONTERO, Paula. Religião: Sistema de Crenças, Feitiçaria e Magia. In: Sociologia: Ensino
Médio. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Brasília, 2010. Coleção
Explorando o Ensino, v. 15, p. 123 – 138.
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