DOMINGO DE RAMOS NA PAIXÃO DO SENHOR Que os ramos de hoje se mantenham vivos em corações que não dormem! Celebrarmos os Ramos na Paixão do Senhor tem significado sempre, mas grandíssimo agora. Significado sempre, porque a humanidade ficou profundamente marcada por quanto aconteceu naqueles dias únicos. Não foi apenas um jovem que entrou em Jerusalém, aclamado por outros jovens, com ramos e palmas e aos clamores de "Hossana!". Não foi apenas o contraste, poucos dias passados, com as aclamações mudadas em insultos e gritos de "Crucifica-o!", junto ao governador romano. Nem foi apenas mais uma cruz levantada no Gólgota, entre mais duas mencionadas e tantas outras que se erguiam então... Não foi apenas, porque foi tudo isso, certamente, mas vivido agora no próprio coração de Deus e no nosso, que em Jesus já era seu. Caríssimos jovens, caríssimos irmãos e irmãs, é exatamente por isso que não lembramos apenas, antes celebramos, num misto de alegria pressentida e mágoa aberta em esperança, tudo o que Jesus passou por nós e tudo o que podemos ultrapassar com ele. Pela sua paixão salvou a paixão do mundo, de todo o espaço e tempo que a recebam. Como a nossa também, e precisamente agora. Bem precisamos e disto mesmo precisamos. - Pois não tendes vós, caríssimos jovens, muita esperança a escoar? E isto mesmo em certezas consistentes, que nenhuma dificuldade esmoreça e nenhum desaire invalide?! Tendes sim. Tendes vós e mantemos todos, apesar de tudo. E é neste ponto que Jesus interessa tanto e nunca deixa de atrair. Ouvimo-lo no Horto das Oliveiras, quando todas as rejeições do que propunha e todas as negações ao que afirmava se abatiam sobre ele e o ameaçavam de morte certa e atroz. Mas ali estava e se mantinha, prostrado diante de Deus Pai, que sempre o conduzia, para que no coração de Cristo a vontade de Deus fosse finalmente a vontade do homem e tudo pudesse recomeçar no mundo. Ouvimo-lo: «Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice. Todavia, não se faça a minha vontade, mas a tua». É deste consentimento de Cristo que vivemos, e da sua compaixão também, pois «por nós homens e para nossa salvação desceu dos céus»; para abrir o céu na terra, na comunhão com Deus, nosso princípio sem princípio e nosso fim sem fim. E não o celebrando só por fora, mas bem no íntimo dos nossos corações convertidos pela graça e o amor de Cristo. Quantas vezes, caros irmãos, quantas vezes, perante a estreiteza do caminho, perante as impossibilidades previstas, diante de portas que se fecham aos projetos que nos movem, sentimos o receio e o recuo?! Mas é nessa altura que a fé pode tudo quanto vale e nos leva a responder como Jesus, ao Pai das vitórias garantidas: «Não se faça a minha vontade - muito menos a de desistir - mas a tua!». E isto mesmo e sobretudo, quando nos disserem que não vale a pena cumprir uma lei tão alta como a do próprio Deus e seguir um caminho tão estreito como o de Jesus; que ser verdadeiro, honesto, puro, fiel e bondoso são ideais ultrapassados, de pouco gozo e menos lucro; que salvaguardar a vida de todos e de cada um, da conceção à morte natural, é nadar contra a corrente e persistência inglória; que promover ativamente a família, assente na complementaridade homem - mulher e na sucessão geracional, é apenas uma hipótese entre outras equivalentes; que empenhar-se na construção duma sociedade justa e solidária, onde não falte a ninguém o que a dignidade humana sempre requer, não passa dum belo ideal, à espera de melhor dias... Mesmo que outros - ou a nossa consciência adormecida - nos sussurrassem estas e outras sem-razões, a vossa presença aqui, quais verdejantes Ramos na Paixão do Senhor, afirma-vos com Cristo na vontade do Pai. E é precisamente aí que a vida recomeça e os bons projetos se garantem. A partir de Deus, inesgotável Fonte da vida do mundo. Prosseguia o trecho evangélico, dizendo que veio um anjo do céu, a confortar Jesus. Isto mesmo o sabeis, vós também, pois nada importa tanto como a consolação duma consciência em paz. Quando somos fiéis a Deus, que nos fala no íntimo do coração, quando seguimos Cristo na prática das bem-aventuranças, não nos faltam "anjos", ou seja, sinais de que é esse o caminho, de que vamos bem e não estamos sós. Reforçam-se nessa altura as verdadeiras amizades, confirmam-se os bons propósitos, abrem-se portas onde só apareciam muros... Deixai-me insistir em que, se estamos aqui, é precisamente porque já experimentámos algo disso mesmo, ou seja, a necessidade de prosseguir no caminho de Cristo, ainda que tal signifique «entrar pela porta estreita», e os apoios que sempre acabamos por encontrar, da parte de um Deus que nos ressuscita e de verdadeiros irmãos que nos estimulam. Ouvimos também que, sempre no Horto e depois de ter orado, Jesus procurou os discípulos mas os encontrou a dormir... Disse-lhes então: «Porque estais a dormir? Levantai-vos e orai, para não entrardes em tentação». É grande advertência a todos nós. Abre-se hoje uma semana maior, chamada "santa" por nos falar intensamente de Deus, como também Ele nos falou claramente em Cristo. Vivamo-la em reforçada atenção à liturgia da Igreja, que, sobretudo no Tríduo pascal nos fará participar da paixão e da ressurreição de Cristo. - Que os ramos de hoje se mantenham vivos em corações que não dormem! + Manuel Clemente Sé do Porto, 24 de março de 2013