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III Congresso de Pesquisa e Extensão da FSG
I Salão de Extensão & I Mostra Científica
http://ojs.fsg.br/index.php/pesquisaextensao
ISSN 2318-8014
MANIPULAÇÃO DAS MASSAS: O HOMOSSEXUAL COMO INIMIGO
Márcia Bastian Falkenbachª
a
Bacharelado em Direito da Faculdade da Serra Gaúcha.
Professor Supervisor da APS
Prof. Leonel Severo Rocha.
Palavras-chave:
Homofobia. Religião.
Homossexualidade. Criminalização.
Resumo
A homossexualidade não é algo novo em nossa sociedade,
entretanto, ainda é tratada com estranhamento e desprezo perante
outros grupos sociais. Através da história da homossexualidade, a
origem da homofobia e da ideia de formação de grupos sociais
segundo a psicologia das massas, o presente artigo busca
compreender os motivos da discriminação por orientação sexual,
explorando mais profundamente o discurso religioso e a influência
dos grupos evangélicos no tratamento para com homossexuais e na
aprovação de leis à população LGBT, bem como debater, em âmbito
jurídico, social e psicológico, a necessidade e eficácia de uma lei
específica no combate à prática da homofobia.
1 INTRODUÇÃO
O mundo sempre esteve em guerra. Sempre existiu um povo que lutou contra outro.
Da mais remota antiguidade à história contemporânea, nosso planeta sempre foi explicável
através dos mais diversos conflitos – sejam por território, honra ou crença.
Embora ligados por questões sociais, todos os seres humanos pertencentes a um
determinado grupo – seja étnico, territorial e tantas outras características – são seres
heterogêneos, ou seja, pessoas com capacidade de destoar do grupo em questão por suas
características próprias. Para a manutenção da unidade do grupo, em todas as civilizações
foram criadas técnicas de manipulação da vontade coletiva segundo um único interesse. Essas
técnicas incluem como elemento fundamental a criação de um inimigo comum.
Poucas coisas são capazes de unir tanto grupos heterogêneos quanto algo para se lutar
contra, e, ao longo das civilizações, grupos específicos ganharam papel de destaque nessa
rotulação. Entre os grupos mais comumente rotulados como inimigos estão os homossexuais.
Glorificada por alguns povos, criminalizada por outros, a homossexualidade tornou-se
alvo de perseguições principalmente em um tempo em que as relações capazes de procriar
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tornaram-se importantes para o repovoamento das nações após guerras e epidemias.
Entretanto, mesmo com uma superpopulação que pode levar o planeta ao colapso, a
perseguições contra as relações homoafetivas não teve tréguas e vem aumentando com índices
altíssimos de homicídios e outras violências contra essa população.
O motivo da perseguição contra homossexuais em pleno século XXI é facilmente
explicado através das técnicas de manipulação das massas, como veremos ao longo do
presente artigo, usando como base as reações religiosas contra pessoas que se relacionam
sexualmente com outras do mesmo sexo/gênero.
O simples amor a uma entidade religiosa é incapaz, por si só, de manter uma unidade
em um grupo de fiéis. Por isso da criação das figuras diabólicas – seres a serem combatidos.
Entretanto, a imagem do diabo é subjetiva demais para uma luta real – da qual todos os
membros do grupo são convidados a fazer parte. Por isso que a imagem do diabo, do mal, da
perdição, é transportada para grupos reais, palpáveis, para que os membros do grupo a ser
mantido unido saibam exatamente contra o que estão lutando.
Como todo inimigo criado para fins de união do grupo, os critérios para tal são
imensamente subjetivos e os próprios integrantes da massa homogeneizada são incapazes de
justificar logicamente o motivo concreto das perseguições propostas por seu líder. Entretanto,
não nos cabe, neste trabalho, investigar a fundo os mecanismos exatos de manipulação e a
perversidade dos mesmos.
Tem-se como foco a relação social da homossexualidade nos contextos histórico e
atual, sua atribuição enquanto inimigo comum especialmente por grupos religiosos e o efeito
causado pela perseguição na realidade das pessoas homossexuais, para que tenhamos um
quadro propício ao debate da criminalização da homofobia enquanto motivo para a
interrupção de inúmeras vidas, especialmente no Brasil.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
Até a idade média, não havia uma separação, uma classificação das pessoas conforme
seu interesse sexual. Segundo Dias (2009), a pederastia – como era chamada a prática sexual
entre dois homens – acontecia inclusive entre homens casados, na antiguidade, sem que isso
fosse socialmente condenável. Com a chegada da Idade Média, entretanto, a figura mudou
com o receio do “desperdício de sêmen” que tinham os líderes, levando as relações
homoeróticas da normalidade ao crime (Foucault, 2006).
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Com a adoção de um modelo heteronormativo imposto principalmente pela igreja,
passou-se a separar mais claramente o “homem de bem” do “pecador”, trazendo aí a primeira
noção de segregação dos seres humanos segundo sua sexualidade.
2.1. “HOMOSSEXUALISMO” E DISCRIMINAÇÃO
Cabe destacar algumas diferenciações importantes para a total compreensão do tema.
O termo “homossexualismo”, após a separação dos homens segundo o alvo do seu afeto,
passou a designar todo aquele acometido por uma, até então, parafilia. A partir de 1993,
quando a atração sexual pelo mesmo sexo foi considerada como uma orientação sexual tal
qual a heterossexualidade – deixando de ser considerada um transtorno de ordem sexual – o
termo foi formalmente substituído por “homossexualidade”, trocando o sufixo “ismo”
(doença) por “dade” (expressão da sexualidade). (Lima, 2015).
Da mesma forma, é necessário que se separe o objeto a ser atendido pelo judiciário
daquele de direito de cada um – a opinião. Preconceito parte da noção do direito individual de
repelir este ou aquele indivíduo por razões que só dizem respeito ao sujeito do preconceito. Já
a discriminação segrega, priva de direitos e pode inclusive gerar violência. Conforme
esclarece Rios (2007, p. 113):
“Por preconceito, designam-se as percepções mentais negativas em
face de indivíduos e de grupos socialmente inferiorizados, bem
como as representações sociais conectadas a tais percepções. Já o
termo discriminação designa a materialização, no plano concreto
das relações sociais, de atitudes arbitrárias, comissivas ou
omissivas, relacionadas ao preconceito, que produzem violação de
direitos dos indivíduos e dos grupos.”
Esclarecidos estes tópicos, é de fundamental importância que se reconheça o histórico
da homossexualidade enquanto alvo da curiosidade, do estudo e da discriminação, para que se
possa traçar um paralelo da mesma com a rotulação de “inimigo” atribuída a essa população
até os dias de hoje.
2.2 A HOMOSSEXUALIDADE ATRAVÉS DA HISTÓRIA
De prática nobre a crime passível de morte. De comportamento normal a pecado
abominável, a história da homossexualidade é tão antiga quanto a história do homem, e tão
controversa também.
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A separação entre pessoas com atração pelo mesmo sexo e pessoas com atração pelo
sexo oposto só ocorreu em 1869, com a designação “homossexualismo” criada por Karoly
Benkert (Lima, 2015), até então, embora o comportamento homossexual já tivesse enfrentado
repúdio social, ainda não se conhecia a separação e a sexualidade humana era algo único.
Muitas culturas da antiguidade, inclusive, sequer consideravam o comportamento
homossexual como uma expressão da sexualidade e do afeto; a relação sexual entre homens –
uma vez que na antiguidade a sexualidade feminina era restrita à procriação – conforme
relatam Lacerda, Pereira e Camino (2002) era vista de forma completamente natural,
repudiada somente se ferisse a hierarquia social da época, ou seja, se um jovem garoto nobre
fosse “iniciado” por um homem fora do círculo da nobreza ou um homem se relacionasse com
um garoto de família socialmente irrelevante.
Excetuando esses casos, conforme atesta Lima (2015), a relação sexual entre homens e
rapazes, mais comumente relatadas entre gregos e romanos, era considerado um ato de trocas
através dos fluidos corporais – o mais velho transmitia sabedoria e o mais jovem beleza e
juventude através da penetração anal.
Segundo Ceccarelli (2008), entre os povos que mantinham o homoerotismo como uma
prática comum estão gregos, romanos, persas, chineses, bem como algumas comunidades
africanas e até mesmo algumas tribos indígenas brasileiras.
As relações homoeróticas eram envoltas em uma esfera muito mais didática e
filosófica do que social, conforme atesta Dias (2009), um homem nobre casado que se
relacionasse sexualmente com um rapaz de boa família – não ferindo, portanto, as normas de
hierarquia social – não tinha seu ato considerado traição ao matrimônio.
Em muitos dos povos da antiguidade, a própria heterossexualidade, a fins práticos, era
pouco valorizada e inferiorizada, uma vez que mulheres não tinham um valor real na
sociedade, a relação dos homens com elas tinha como único objetivo a procriação; encerrado
o período fértil da mulher, a relação heterossexual deste homem tornava-se inútil, enquanto a
aura educacional da relação homossexual era possível de se perpetuar de forma considerada
útil ao homem até o final de sua vida (Dias, 2009). Cabe destacar que tratamos aqui de
práticas sexuais, e não de orientação sexual, uma vez que homo ou heterossexualidade eram
conceitos desconhecidos entre os povos antigos.
O revés histórico que transformou a relação homoerótica em uma prática condenável
aconteceu de forma mais expressiva durante a idade média. Não se pode afirmar que em
outros povos e nações que não os gregos e romanos as relações entre pessoas do mesmo sexo
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fosse não somente aceitas como incentivadas, dessa forma, afirmar que a perseguição contra
homopraticantes começou com a idade média seria irresponsável.
Porém, esse foi o período em que a igreja católica obteve mais força como ferramenta
política de imposição das próprias vontades e passou a punir com fogueira todos aqueles que,
de formas bastante peculiares, fossem considerados inimigos da nação. Neste período diversos
grupos sofreram severa perseguição, em especial as mulheres e os praticantes do
homoerotismo – ainda não considerados “homossexuais” pela inexistente classificação do
termo.
A idade média foi um período sombrio marcado por conflitos e epidemias; diversos
países tiveram sua população drasticamente reduzida, e foi nesse período, conforme relata
Foucault (2006), que as relações reprodutivas se tornaram uma questão de emergência. A
igreja passou a defender que não poderia haver desperdício de sêmen, uma vez que era
necessária reprodução em larga escala, e, nesse ímpeto de garantir relações reprodutivas,
passou a defender a tese da homossexualidade como um grave pecado, uma ameaça a ser
combatida de todas as formas possíveis.
A própria heteronormatividade – a expectativa da heterossexualidade como conduta
comum a todos – tem origem nesse período, reforçada pela cultura judaico-cristã que
considerava válida somente a prática com fins reprodutivos, ou seja, heterossexual, conforme
Ceccarelli (2008), prova disso é que, segundo Morici (1998), a sodomia – prática de
penetração anal - era perseguida mesmo quando realizada entre um homem e sua esposa, por
ser considerada uma prática antinatural e, portanto, um crime contra Deus.
Com a facilidade com que se tinha de eliminar pessoas consideradas ameaças, e
considerando a informação levantada por Foucault (2006), é possível se perceber que
homossexuais eram vistos como seres inúteis socialmente por suas relações afetivas não
gerarem descendentes, mas mais do que isso, é provável que tenha vindo desse período
histórico uma noção de influência sobre os demais que permeia o imaginário popular até os
dias de hoje; ou seja, temia-se – e ainda se teme – que o homossexual tenha o poder de alterar
a orientação sexual de outras pessoas como influenciados do comportamento destas, tese
igualmente defendida por Lima (2015).
Com a aproximação da idade moderna e um certo declínio do poder exercido pela
igreja católica ao longo da idade média, a sexualidade pode voltar a ser um tema estudado,
trabalhado e vivenciado sem o peso do estigma do pecado, embora até hoje o sexo seja tabu
de forma mais generalista. Porém, o início do estudo sobre a homossexualidade não foi um
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alívio à perseguição contra homossexuais, uma vez que a própria classificação que identificou
o comportamento homossexual já o trouxe em formato de doença, perversão, desvio de
conduta, conforme relata Dias (2009).
Segundo Lima (2015), entretanto, a aproximação do século XX e os constantes
estudos das mais diversas ciências ao comportamento homossexual revelou não haver indícios
capazes de sustentar a rotulação de doença – seja física ou psicológica – a tal conduta,
elevando a homossexualidade a meramente uma demonstração da sexualidade humana tal
qual a heterossexualidade, fato que, segundo Lacerda, Pereira e Camino (2002) só começou a
receber tal tratamento pela psicologia nos Estados Unidos a partir da década de 60 e no Brasil
somente no ano de 1999. Já Lima (2015) reforça que em 1974, a homossexualidade foi
retirada da lista de doenças mentais.
Ainda hoje vivemos em uma sociedade regida pelos preceitos judaico-cristãos que
pouco evoluíram da idade média para os dias de hoje, a própria ciência andou devagar nos
estudos sobre a homossexualidade, causando uma previsível desinformação acerca dos
comportamentos sexuais naturais, mas que por fatores culturais, são rotulados desviantes. A
partir desses aspectos é possível que se compreenda o fenômeno da homofobia, que é nosso
presente objeto de estudo.
2.2.1 HOMOFOBIA
Em termos gerais, “homofobia” é o termo utilizado para designar o preconceito e/ou a
discriminação contra pessoas homossexuais. Segundo Rios (2007), o termo foi usado pela
primeira vez no final da década de 1960, através do trabalho do psicólogo americano George
Weinberg. Atualmente, dentro do movimento LGBT, designa-se a discriminação contra
lésbica como “lesbofobia”, mas no presente artigo, usaremos o termo “homofobia” como
designação geral para discriminação contra pessoas homossexuais, sejam homens ou
mulheres.
Cabe destacar, conforme explicado por Rios, que homofobia, ao contrário do que
muitos acreditam, não se destina somente a um “medo” pela figura do homossexual, mas
também ao ódio, à aversão e ao desprezo não apenas pelo homossexual mas também por
aqueles que desafiam o heterossexismo vigente, ou seja, aqueles cujas atitudes, vestimentas
ou gestual não combinam integralmente com o estereótipo do seu gênero. Comumente
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homens e mulheres heterossexuais que não combinam com as imagens de virilidade e
feminilidade esperadas pela sociedade são igualmente vítimas de violência homofóbica.
Conforme Lima (2015), a homofobia é uma consequência direta de uma noção de
hierarquia das sexualidades; a heteronormatividade oferece a noção de que a
heterossexualidade é superior às outras expressões da sexualidade, classificando as demais
não apenas como inferiores, mas como indignas de respeito.
Uma das possíveis origens da homofobia pode ser encontrada no real significado da
palavra “sodomia” – ainda usada na designação na relação homossexual masculina com
penetração. Segundo Gregersen (1983), sodomia originalmente representava toda e qualquer
prática considerada perversa, pecaminosa, criminosa ou socialmente condenável, como sexo
com animais e, no contexto da época, penetração anal mesmo que entre homem e mulher.
Quando se fala em sodomia, é natural que se associe a coisas extremamente negativas, e,
como esta é associada ao homoerotismo, incute no imaginário popular a noção de
perversidade às práticas homossexuais.
Analisando a questão epistemológica da palavra “sodomia”, é possível que se conclua
que a associação entre homossexualidade e zoofilia ou pedofilia provenha da alcunha, mesmo
que não haja qualquer ligação entre homossexuais e praticantes das parafilias citadas.
Já Rios (2001) traz em sua obra “A homossexualidade no direito” quatro concepções
da homossexualidade que servem de alicerce à homofobia. Entre as causas levantadas por
Rios, estão as crenças religiosas e o estigma da doença.
A bíblia, o guia fundamental das religiões de origem cristã, condena a
homossexualidade em mais de um momento. Não a homossexualidade enquanto orientação
sexual porque o conceito era inexistente quando da redação do livro sagrado, mas essa e
diversas outras práticas sexuais que não fossem exclusivamente motivadas pela procriação.
Rios (2001) destaca que, conforme já contextualizamos na idade média, a atividade sexual
que não gerasse descendentes era fruto de condenação divina.
Na época, a estratégia da igreja da condenação absoluta à prática sexual tinha uma
razão de ser – repovoamento de nações devastadas – entretanto, a pregação contra práticas
“pecaminosas” não se encerrou com a superpopulação e com o declínio da igreja católica.
O sexo como um todo sempre foi alvo de tabu e condenação entre as mais diversas
religiões, entretanto, ações fora do casamento – convencionado entre pessoas de gêneros
distintos, recebe atenção especial das cúpulas religiosas, e as práticas consideradas
“antinaturais” designam-se como grave crime ante Deus (Rios, 2001).
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Cabe destacar que entre as práticas ainda condenadas estão a masturbação e os
métodos contraceptivos, porém, com a separação das orientações e designações entre hétero e
homossexual, a condenação religiosa à atividade homoerótica ganhou “rosto” e a população
homossexual tornou-se alvo do repúdio, do julgamento e condenação daqueles que tem na fé
cristã sua base moral1.
A base moral norteada pela religião também foi o alicerce da ciência ao início da
investigação da homossexualidade. Relata Rios (2001, p. 40) que somente ao final do século
XIX “as pesquisas médicas formalmente se desinteressaram pela valoração moral das
condutas e se centram no sexo enquanto objeto de estudo”. A influência que a noção religiosa
de “prática condenável” é visível no instante em que a ciência, no início da investigação sobre
as condutas homossexuais, já parte do pressuposto da “antinaturalidade” popularizada pela
igreja católica. É possível – e aí faz-se uma suposição – que sem a prévia visão religiosa do
homoerotismo, a homossexualidade jamais teria sido considerada doença pela ciência.
Na vida cotidiana, a homofobia se mostra um problema de segurança pública, uma vez
que a população homossexual é constantemente ameaçada pela intolerância provocada pelas
noções de pecado, doença, perversão e “contra a moral”. Conforme destacam com precisão
Rondon e Gumieri (2014, p. 87):
“Viver fora da heteronorma não é seguro. Segundo o Grupo Gay
da Bahia (GGB, 2014), 312 lésbicas, gays, bissexuais e
transgêneros foram vítimas de crimes homofóbicos no Brasil em
2013. Ou seja, 312 pessoas morreram por transgredirem a ordem
heterocentrada e binária de corpos e performances. Esses números
indicam uma morte a cada 28 horas no país.”
Cabe frisar que quando consideramos vítimas da homofobia, não estamos falando tão
somente de homossexuais que sofreram algum tipo de violência – inclusive homicídio –
estamos falando precisamente de pessoas cuja orientação sexual foi o fator motivador da
violência sofrida. Centenas de homossexuais vítimas de violências genéricas, como acidentes
de trânsito, assaltos, brigas, etc, não estão inclusos nesses dados, cujas 312 vítimas perderam a
vida exclusivamente por pertencerem à sigla LGBT2.
1
Diversas religiões condenam a homossexualidade, entretanto, o foco deste artigo é o cristianismo. Segundo o
IBGE no censo de 2010, a religião católica abrange 64,6% da população brasileira enquanto a evangélica, em
suas mais diversas manifestações, abrange 22,2%. Acredita-se, pelo avanço das igrejas evangélicas no campo
político, que de 2010 a 2015 o número de evangélicos tenha crescido, entretanto, não se pode afirmar se o
acréscimo de evangélicos dever-se-á pela redução entre católicos ou se os novos evangélicos são provenientes do
ateísmo e/ou outras religiões.
2
A sigla LGBT designa ainda bissexuais e população do universo transgênero, com termos próprios para a
discriminação sofrida, não sendo a transfobia, por exemplo, alvo do presente estudo, entretanto, é importante
frisar que a violência contra pessoas transgêneros é motivada pelos mesmos aspectos que movem a homofobia:
“antinatural”, “doença”, “aberração”, “contra Deus”.
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Rondon e Gumieri ainda destacam que, como a homofobia por si só não é crime no
Brasil, é provável que os números sejam ainda maiores, porém, não devidamente qualificados
nos registros públicos e ainda menos na imprensa, que, conforme as autoras e demais
colaboradores da obra “Notícias de Homofobia no Brasil” (2014), parece fazer um esforço
notável na desqualificação das motivações homofóbicas que vitimam homossexuais
diariamente.
Porém, diante de tão alarmantes dados, e cientes de que a homossexualidade é tão
somente uma manifestação da sexualidade humana, o que leva tamanho ódio a este grupo? E
sendo uma questão que vem interrompendo praticamente uma vida por dia no Brasil, por que
a homofobia ainda não é objeto de legislação específica?
A resposta nos é brilhantemente concedida por Túlio Vianna (2011):
“O Congresso Nacional brasileiro não costuma convidar
traficantes de drogas para audiências públicas destinadas a debater
se o tráfico de drogas deve ou não ser crime. Também não convida
homicidas, ladrões ou estupradores para dialogarem sobre a
necessidade da existência de leis que punam seus crimes. Já os
homofóbicos têm cadeiras cativas em todo e qualquer debate no
Congresso que vise a criar uma lei para punir suas discriminações.
Estão sempre lá, por toda parte; e é justamente por isso que a lei
ainda não foi aprovada.
(...)
No Brasil, em função da forte presença religiosa que tem
dominado o Congresso Nacional, o mais provável é que o “direito
de discriminar em nome de Deus” acabe mesmo sendo
incorporado à lei.”
Conforme levantado por Vianna, temos hoje no Brasil um Congresso Nacional
transformado em uma extensão da igreja evangélica, com direito à bancada parlamentar
específica que defende seus interesses de forma constante. Nesse cenário, a aprovação de uma
lei que torna crime a discriminação contra um grupo que constitui seu alvo de desprezo
preferencial é bastante improvável. Até por esse motivo é necessário se desconstruir a força
dos grupos religiosos diante das leis e das decisões de bem comum, e compreender a
manutenção desse “alvo” mesmo com a mudança radical da realidade social desde a adoção
dos homossexuais como inimigos de Deus.
2.3 PSICOLOGIA DAS MASSAS – O GRUPO E O INIMIGO COMUM
Na primorosa obra “1984” de George Orwell, somos apresentados a uma sociedade
dominada pelo totalitarismo, onde todos os cidadãos não apenas são “treinados” para
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apresentarem comportamentos semelhantes como acreditam genuinamente que as ideias
defendidas são efetivamente suas.
Embora tomada de alegorias, a ideia explorada por Orwell está longe de ser somente
uma ficção; ela demonstra, além do funcionamento de um regime totalitário, a
homogeneização dos membros do grupo. A obra orwelliana, entretanto, pode ser comparada
aos mais diversos grupos – e são milhares deles – cujas estratégias de união e envolvimento
dos membros em muito se assemelham.
Na referida obra, os cidadãos da Oceania – país fictício onde se passa o enredo – se
unem sob dois propósitos: amor ao partido e ódio ao inimigo do partido, Emmanuel
Goldstein. Goldstein, entretanto, é uma ameaça criada pelo partido seguindo uma ferramenta
comum na manipulação dos membros do grupo: a definição de um inimigo a ser combatido.
Conforme explicam Lacerda, Pereira e Camino (2002), a inserção do sujeito em uma
categoria social já o coloca em uma posição de atribuição de defeitos a um grupo considerado
opositor ao seu, teoria conhecida como “Identidade Social”, onde, em nome de sua própria
autoestima, o sujeito tente a desprezar sujeitos externos ao grupo ao qual pertence, atribuindo
a si mesmo e seus semelhantes características que os definem como “superiores” aos demais.
Essa situação é extremamente comum e possível de ser vista em diversas ocasiões do
cotidiano; torcidas de futebol, por exemplo: o grupo se une por amor ao clube e ódio ao rival.
Fãs-clubes dos mais diversos tipos também apresentam esse comportamento, sendo o amor ao
ídolo e ódio aos fãs de outra celebridade concorrente (e à própria).
A formação de grupos sociais não apenas é comum como inevitável, visto que somos
seres sociais que nos assemelhamos a outros indivíduos por características em comum. O que
cabe destacar nesse objeto de estudo é que, dentro do grupo, o sujeito passa a integrar uma
espécie de “consciência coletiva”, abrindo mão de sua individualidade em nome dos ideais
comuns do grupo, conforme defende Freud (1996), que destaca ainda que os comportamentos
adotados pelos membros do grupo podem inclusive ser bem diferentes daqueles que o sujeito
teria se ali não estivesse.
No seu estudo sobre psicologia das massas, Freud analisa o comportamento religioso,
considerando-o um grupo artificial, ou seja, unido por algo criado culturalmente – Freud
inclui a religião na mesma classificação do exército – e tendo como objetos de união o amor a
Cristo e o ódio ao diabo.
Entretanto, nas manifestações do mal, que tornariam o diabo uma figura combatível no
âmbito material, Freud (1996, p. 110) salienta que:
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“Desse modo, uma religião, mesmo que se chame a si mesma de
religião do amor, tem de ser dura e inclemente para com aqueles
que a ela não pertencem. Fundamentalmente, na verdade, toda
religião é, dessa mesma maneira, uma religião de amor para todos
aqueles a quem abrange, ao passo que a crueldade e a intolerância
para com os que não lhes pertencem, são naturais a todas as
religiões.”
É natural, portanto, que qualquer pessoa que destoe do sentimento coletivo promovido
por uma religião sofra um processo de exclusão. Entretanto, como já mencionado, parte da
força do grupo está na união contra algo ou alguém. No caso, temos no Brasil uma influência
cristã determinante, até por abranger a gigante maioria da população. Mesmo que entre os
próprios cristãos certos fundamentos pregados na igreja não sejam unanimidade, percebe-se
um sentimento coletivo de desprezo aos grupos sociais que estão na “contramão” das crenças
bíblicas.
A homossexualidade é certamente um dos alvos preferenciais da hostilidade
promovida em especial pelas igrejas evangélicas – com mais força entre aquelas que contam
com representantes no Congresso Nacional. A razão da escolha do “movimento gay” como
antagonista da causa cristã é facilmente determinada pelo histórico já apresentado neste
estudo, rotulando a homossexualidade um risco para a manutenção da espécie humana.
Entretanto, Moscovici (2009), em seu estudo sobre comportamento grupal, nos
apresenta outra hipótese que certamente influencia fortemente a aversão religiosa à
homossexualidade: a familiaridade. Tudo o que não integra nosso universo social e nosso
acervo de experiências nos causa estranhamento, em alguns casos fascinação, em outros
repulsa. Vivemos sob o domínio da heteronormatividade, ou seja, o padrão social esperado é
de relações afetivas heterossexuais. A “família tradicional” é composta por um homem, uma
mulher e seus filhos. Todo sujeito, ao se deparar com uma quebra desse padrão, sente o
estranhamento; se este vive em uma realidade que o ensina que essa quebra de padrão é
errada, ele possivelmente desenvolverá a repulsa.
É possível, através das redes sociais ou portais de notícias, verificar uma padronização
do discurso homofóbico dentro de uma ideia de ofensa a Deus, o que, partindo da noção nos
apresentada por Moscovici (2009), demonstra que, ao não compreender o diferente, e
motivado pelo sentimento coletivo do grupo, o sujeito pertencente a uma religião tende a
repetir os argumentos dos seus líderes mesmo que estes apresentem pouca lógica ou pouco
compromisso com a realidade. Nesse ponto, Freud é incisivo (1996, p. 89):
“Ele [o grupo] vai diretamente a extremos, se uma suspeita é
expressa, ela instantaneamente se modifica numa certeza
incontrovertível; um traço de antipatia se transforma em ódio
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furioso. (...) Quem quer que deseje produzir efeito sobre ele, não
necessita nenhuma ordem lógica em seus argumentos; deve pintar
nas cores mais fortes, deve exagerar e repetir a mesma coisa diversas
vezes. (...) Fundamentalmente, é inteiramente conservador e tem
profunda aversão por todas as inovações e progressos, e um respeito
ilimitado pela tradição.”
A formação de grupos é, portanto, não apenas uma atividade natural como inevitável,
e o comportamento dos membros do grupo não pode ser tomado individualmente, uma vez
que, como deixou claro Freud (1996), os membros passam a ser parte de uma consciência
única, onde a análise profunda dos fatos não é relevante desde que todos estejam em comum
acordo com o líder. Podem, sob influência da consciência coletiva, partir de um estado de
comunhão entre si para atos até mesmo cruéis contra grupos atribuídos como inimigos
(rivais). A própria existência de rivais é uma fonte de validação do grupo, uma forma de
manter sua união e propósitos intactos.
3 METODOLOGIA
Após vasta pesquisa nos campos do direito, da psicologia e sociologia, amadurecemos
os conceitos necessários para a ampla compreensão do tema. Antes de falar sobre homofobia
é necessário o conhecimento da homossexualidade e dos significados atribuídos à sua
discriminação, bem como se fez necessário um exame além do superficial nas teorias de
comportamento grupal para a compreensão do fenômeno da homofobia dos grupos religiosos.
A pesquisa documental trouxe como finalidade todo o caminho a ser percorrido para
um debate mais maduro sobre projetos de criminalização da homofobia há muito barrados
pelos congressistas assumidamente cristãos. Conhecer o comportamento de grupo e as origens
da homofobia, portanto, se fez fundamental para alcançar os objetivos do presente artigo.
Para a obtenção das conclusões necessárias para o tema, exploraremos além da
pesquisa bibliográfica apresentada, ainda a análise de situações reais e a visão de renomados
juristas acerca da eficácia de leis que criminalizem a homofobia no Brasil.
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
“É estranho pensar que se eu ofender a crença deles, posso ser processado e se eles me
ofenderem pessoalmente, é um direito deles”. Essa frase foi proferida por um jovem
homossexual em uma conversa informal sobre criminalização da homofobia, referindo-se à
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liberdade religiosa, protegida por força da lei. Questionado sobre a ineficácia de leis que
criminalizam determinados comportamentos, como o racismo, por exemplo, o jovem foi
enfático: “Não é essa a questão, se a lei vai „pegar‟ ou não, a questão é saber que você não é
invisível para o Estado, que ele está vendo o que está acontecendo com a gente e não está
concordando com isso.”3.
É importante frisar que o jovem citado terá sido vítima de injúria mesmo que o motivo
“homofobia” não esteja incluso no motivo penal, entretanto, o destaque dado ao diálogo é o
fator psicológico da ação, ou seja, a sensação de impunidade e injustiça que permeia a
situação descrita por ele.
Atualmente, todo projeto que vise direitos aos homossexuais enfrenta forte oposição
dos congressistas que integram a chamada “bancada evangélica”. Estes não apenas buscam
impedir os avanços nos direitos civis para homossexuais como defendem projetos que podem
trazer à tona estigmas já superados. Exemplo disso, como relatado por Carvalho (2012) foi o
projeto intitulado “Cura Gay” de autoria do Deputado João Campos, líder da Frente
Parlamentar Evangélica. O objetivo do projeto era derrubar a portaria do Conselho Federal de
Psicologia que proíbe a oferta de “cura” da homossexualidade.
Um dos principais argumentos utilizados na defesa do projeto foi o atendimento aos
homossexuais incomodados com sua condição sexual. A desinformação foi a “arma” utilizada
pelos defensores do projeto, uma vez que o Conselho Federal de Psicologia em momento
algum proíbe o tratamento a pessoas homossexuais em sofrimento psíquico, o que proíbe é
oferecer uma solução para “reversão” da sexualidade do paciente. O projeto da “Cura Gay”
anda diretamente na contramão da abolição da homossexualidade como doença.
Se o objetivo da bancada evangélica era de fato auxiliar no apoio psicológico a
homossexuais em sofrimento, jamais se poderá ter certeza, mas a aprovação do projeto traria
mais um peso ao preconceito contra gays e lésbicas: “só continua gay quem quer”, uma frase
que, embora simples, pode causar muita violência, visto que muitas das agressões – sejam
físicas ou verbais – refletem a crença dos agressores de que a homossexualidade é fruto de
uma escolha consciente desta população – “resolveu ser bicha, agora aguenta!”4
Entre as principais ferramentas de fomentação da discriminação contra homossexuais
está o uso de argumentos bíblicos e do medo, comum entre líderes evangélicos abertamente
3
A conversa aqui citada ocorreu de modo informal, dessa forma, não configura uma pesquisa de campo,
entretanto, o anonimato do sujeito será mantido.
4
As frases citadas foram proferidas por pessoas em situações de agressão homofóbica contra terceiros na
presença da autora do presente trabalho, em ocasiões diversas, em vias públicas.
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contrários a qualquer direito à população homossexual e, especificamente no caso da
criminalização da homofobia, defensores da liberdade de crença, uma vez que, segundo os
próprios, a pregação contra a prática homossexual é fundamental à sua fé.
4.1. HOMOFOBIA DO MEDO
Em uma rápida passagem pelas vias virtuais, é possível perceber que a maior parte das
manifestações homofóbicas tem não apenas cunho religioso, mas uma grande dose de medo
envolvido. Conforme destacam Natividade e Oliveira (2009), projetos que visem cidadania
aos homossexuais são imediatamente rotulados como “perigosos” aos valores cristãos e à
família, bem como associados à pedofilia, propagação de doenças e promiscuidade; uma
estratégia de destruição da família em nome da perversão sexual sem limites.
Natividade e Oliveira, em um completo levantamento das reações evangélicas
principalmente ao projeto de criminalização da homofobia, apresentam campanhas realizadas
por meio de diversos veículos e através de nomes influentes como Silas Malafaia tendo como
argumentação uma suposta intenção de destruição da família e “extermínio do heterossexual”
(2009, p. 141). Malafaia, em seu programa de televisão chamado Programa Vitória em Cristo,
ainda propôs uma reação evangélica contra o que ele chamou da transformação do pecado em
direito humano e alertando para a possível ira divina contra o Brasil como descrito na bíblia
contra a cidade de Sodoma.
Entre os argumentos apresentados por Natividade e Oliveira (2009) ainda figuram
frases bastante usadas em comentários virtuais, como “ditadura gay”, “homossexualização da
sociedade”5, “Deus fez o homem e a mulher” e ainda previsões apocalípticas para “toda essa
pouca-vergonha”, além de afirmações convictas sem absolutamente nenhum embasamento
com a realidade de que não existem relações afetivas entre homossexuais, apenas uma busca
desenfreada por sexo.
Em uma passagem deveras fascinante do artigo de Natividade e Oliveira, um texto de
Júlio Severo, notório escritor evangélico, é transcrito em sua integralidade, trazendo sua
recusa ao título de homofóbico uma vez que a homofobia é irracional e sua aversão à
homossexualidade é racional. De fato, parece um argumento lógico, entretanto, Severo
justifica sua aversão alegando que homossexuais dedicam a vida à busca por sexo. Segundo o
5
Tornou-se comum, pelas redes sociais e portais de notícias, encontrar pessoas assustadas com uma possível
“obrigação” de se tornar homossexual.
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texto transcrito (2009, p. 144) “enfiam quase metade do braço no ânus, lambem o ânus uns
dos outros, bebem urina uns dos outros, se sujam de fezes uns com outros, etc”. O texto de
Severo ainda encerra com “Aceitar e favorecer amplamente o homossexualismo (sic) nas leis
é aceitar, irremediavelmente, a loucura social e, fatalmente, o aumento das doenças e abuso de
meninos”. Não há, como foi possível constatar, um único argumento racional que sustente sua
alegação inicial; as descrições “abomináveis” feitas por ele certamente acontecem, mas não
são práticas exclusivas de homossexuais ou sequer comuns a todos homossexuais, sendo
irresponsável associa-las à homossexualidade como sinônimos.
É natural que as pessoas sintam-se enojadas ao ler o que Severo descreve como
práticas homossexuais, induzindo os membros do grupo influenciado por ele à discriminação
contra gays e lésbicas. Mesmo que estes não venham a praticar qualquer tipo de violência
física contra essa população, em nome da sua defesa aos valores cristãos, não permitirão que
praticantes de “abominações” convivam pacificamente com eles, impedindo-os ou tentando
impedi-los de frequentar os mesmos espaços públicos, promovendo segregação e exclusão e
possivelmente agressões verbais, que também configuram violência inclusive bastante
danosas à psique dos sujeitos excluídos. É natural que se espere que sujeitos influenciados por
estes pensamentos não visualizem no homossexual um sujeito digno de direitos tanto quanto
eles.
Natividade e Oliveira (2009) trazem ainda diversas manifestações de Severo, Malafaia
e veículos evangélicos de conteúdo semelhante ao já exposto. Em todas as manifestações
sobram alegações de que a criminalização da homofobia é uma tentativa diabólica de “calar a
palavra de Deus”, uma vez que textos repletos de desinformação, agressões verbais e
incitações à violência como os comumente publicados por Severo ultrapassariam sua
liberdade de expressão e liberdade religiosa para o campo da homofobia, já que por si só não
pregam propriamente o evangelho, mas o ódio extremo à população homossexual.
Estes formadores de opinião dentro de grupos religiosos e mesmo os parlamentares
que lutam contra projetos que beneficiem a comunidade LGBT, se auto-denominam guardiões
da família, da moral, dos bons costumes e protetores da fé, dos valores cristãos e das crianças,
sendo vistos como verdadeiros heróis nas comunidades que comandam.
Embora estes não promovam por si só a violência física e o elevado número de
homicídios em razão da orientação sexual, é impossível calcular a extensão dos danos à
população LGBT que tamanhos discursos de ódio possam causar; talvez não respondam por
nenhum dos crimes contra a vida, talvez respondam por todos, essa conclusão necessitaria de
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uma pesquisa mais profunda entre vítimas (vivas) e agressores, o que fugiria do foco do
presente trabalho, entretanto, são diretamente responsáveis por não haver no Brasil uma lei
que efetivamente proteja a comunidade gay.
Neste ponto adentramos em outra questão: a criminalização da homofobia traria algum
benefício real às vítimas de crimes homofóbicos?
4.2 CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA E EFICÁCIA
Ao pensar na criminalização da homofobia, esbarramos em diversas indagações, como
os defensores do direito penal mínimo – a criação de mais um tipo penal iria na contramão da
luta por um direito penal menos punitivo, ou a ineficácia na diminuição dos crimes frutos de
leis especiais ou ainda os dois lados que pode tomar o princípio da igualdade.
Quanto à igualdade, é válido questionar a existência de leis especiais para
determinados grupos uma vez que, em teoria, somos todos iguais perante a lei. Entretanto,
quando o direito à igualdade de um determinado grupo está ameaçado por práticas
discriminatórias de outro, o princípio da igualdade já foi ferido.
Conforme destaca Rios (2001), determinadas situações exigem o tratamento desigual
perante o direito, desde que muito bem justificado. Certamente a garantia de direitos
fundamentais a um grupo estigmatizado, incluindo o direito à vida, é uma excelente
justificativa para uma lei específica, portanto, desigual diante da população. Em verdade, o
projeto de criminalização da homofobia tinha como finalidade incluir “orientação sexual” ao
artigo da constituição que já protege de forma especial outros grupos – e é exatamente neste
artigo que consta a proteção à liberdade de crença; ou seja, leis especiais para proteção de
grupos específicos já existem, impedir que um grupo alvo de forte discriminação tenha uma
lei própria em sua proteção é por si só uma forma de discriminação.
Rios (2001), entretanto, levanta uma hipótese que merece consideração: a
criminalização da homofobia poderia estar diretamente ligada à proibição de discriminação
por sexo. A justificativa é simples; a própria noção de homo ou heterossexualidade é
dependente da determinação do sexo do parceiro do sujeito. Uma vez que não se sabe o sexo
alvo de sua atração, é impossível determinar sua orientação sexual, e, portanto, discrimina-la,
adaptando a discriminação da sua orientação sexual para o sexo alvo de sua atração, portanto,
discriminação por sexo. Obviamente tal possibilidade estaria totalmente dependente de
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interpretações e não configuraria nenhuma segurança à vítima quanto a punição da agressão
sofrida por homofobia.
Quanto à questão da criação de mais um tipo penal, vivemos em um período em que
muitos penalistas buscam descriminalizações visando menos condutas punitivas, e
concordamos ser esta uma luta válida, uma vez que herdamos uma lei penal de outras épocas
e muitas condutas criminalizadas carecem de sentido nos tempos atuais. Entretanto, Carvalho
(2012) responde à questão com sabedoria ímpar: não é necessário que se crie um novo tipo
penal para que se criminalize a homofobia. Como? Simples: todos os crimes cometidos contra
homossexuais já existem, não necessitam ser “criados”, basta que se inclua como possível
agravante a motivação homofóbica. Em sua definição (2012, p 198), “qualquer conduta
prevista em lei como delito poderia ser adequada ao conceito de crime homofóbico desde que
resultado da expressão (motivação) de um preconceito ou discriminação de orientação sexual
– por exemplo, homicídios, lesões corporais, injúrias, constrangimentos, estupros.”
Dessa forma, torna-se perfeitamente cabível atender aos anseios da não criação de
novas condutas criminosas sem, no entanto, ignorar a violência sofrida pela população
homossexual.
Na questão da eficácia de leis especiais no combate às violências contra minorias, nos
deparamos com um quadro um tanto mais pessimista. Mesmo com a vigência da Lei Maria da
Penha, que regula a questão da violência doméstica, os crimes contra mulheres ocorridos
dentro de casa, segundo Carvalho (2012), aumentaram. Temos a prova de que criminalização
não funciona? Não, Carvalho esclarece que o que tivemos foi um aumento da conscientização
sobre o tema, que gerou um aumento das denúncias e, por consequência, um aumento nos
números de casos registrados.
O principal aspecto defendido por Carvalho quanto à eficácia da Lei Maria da Penha é
que esta amadureceu o debate sobre violência doméstica e vem gerando mudanças culturais
significativas, de vital importância para a redução desde tipo de crime. Com a criminalização
não se tem somente penas mais duras ou tipos penais, mas nesses casos específicos que
abrangem violências contra grupos minoritários, tem-se também o aumento dos debates, da
visibilidade das ONG‟s, da circulação de informação sobre o tema. Como vimos no tópico
anterior, muito da violência homofóbica é motivada por uma política do medo e da
desinformação promovida pelos líderes religiosos, a quem, pela psicologia das massas,
interessa a manutenção do homossexual como inimigo; logo, a promoção de políticas públicas
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destinadas ao esclarecimento e ao debate maduro podem vir a prevenir muito da violência,
principalmente a simbólica (não física), cometida contra homossexuais.
Outro dado importante de ser examinado é levantado por Lacerda, Pereira e Camino
(2002), quando, em seu estudo de comportamentos de grupos, indicam que na Europa e
Estado Unidos, embora os grupos brancos ainda atribuam mais características positivas a si
mesmos, o desprezo por outros grupos com diferenças raciais diminuiu drasticamente. Não
vamos aqui afirmar que o racismo foi resolvido até porque estaríamos longe da realidade, mas
gradativamente a criminalização do racismo está mudando a mentalidade social e reduzindo
as impressões negativas relacionadas aos negros. Este é, sem dúvida, um fator a ser
observado.
Através dos aspectos apresentados, percebemos que no campo jurídico há pouco a se
justificar contra a criminalização da homofobia, bem como argumentações sobre a possível
ineficácia da lei encontram contra-argumentação sólida nos benefícios promovidos por leis de
intenção semelhante.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A temática da criminalização da homofobia é hoje tão polêmica quanto cercada de
desinformação. Longe de ser um consenso, reflete até mesmo um despreparo das autoridades
brasileiras para lidar com uma violência crescente que vem interrompendo vidas diariamente.
Alvo de intenso preconceito da sociedade, a dignidade homossexual transformou-se
em um jogo de poderes; de um lado, os defensores dos direitos humanos, do outro, os
defensores de uma moral supostamente prejudicada pelas práticas homossexuais, mesmo que
estas sejam de foro íntimo de seus praticantes.
Entretanto, o presente estudo demonstrou a necessidade de uma atenção aos temas
aqui relacionados; não somente as questões envolvendo especificamente as violências de
ordem homofóbica, mas o uso da manipulação das massas em prol de objetivos específicos e
não necessariamente claros. Intenções reais nos são desconhecidas e o questionamento sobre a
quem REALMENTE beneficia a discriminação contra homossexuais permanece em aberto.
Reconhecemos que parte da discriminação sofrida por essa população é fruto de
grupos de influência, medo e desinformação, o que gera a esperança de que essas questões
possam ser trabalhadas e, eventualmente, modificadas, entretanto, é ingênuo pensar que todo
o ódio disseminado publicamente contra homossexuais possua a mesma origem, até porque
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muitos dos que proferem discurso de ódio podem ter motivações próprias aqui não
trabalhadas.
O campo da sociologia e principalmente da psicologia, muito mais do que o campo
jurídico, podem contribuir de forma expressiva para a obtenção dessas respostas; certamente
um estudo longo, detalhado e exaustivo sem a certeza da obtenção de um resultado
satisfatório, porém, deveras necessário, porque enquanto a discriminação não é abominada,
pessoas inocentes perdem a vida.
Do ponto de vista jurídico, as respostas parecem mais simples, embora não o sejam.
Temos um elevado índice de violência contra um determinado grupo por uma determinada
característica, torna-se por óbvio que algo, no âmbito legal, precisa ser feito, mas o debate não
pode de forma alguma ser superficial e nem deve carregar a expectativa da solução imediata
de todos os problemas. A ciência das dificuldades a serem enfrentadas, entretanto, não altera a
conclusão de que algo precisa ser feito, de que algo já deveria ter sido feito, porque nesse
exato momento em que você, nobre leitor, conclui essas linhas, uma pessoa pode estar
morrendo por nutrir afeto por outra que compartilhe do mesmo gênero. Parece justo?
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