ISOLAMENTO E IDENTIFICAÇÃO POR MICROSCOPIA ÓPTICA E ELETRÔNICA DE TRANSMISSÃO, DE Orthopoxvirus EM GADO BOVINO LEITEIRO E EM HUMANOS NO NORTE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ANDRÉ TAVARES DA SILVA FERNANDES UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ MARÇO – 2004 ISOLAMENTO E IDENTIFICAÇÃO POR MICROSCOPIA ÓPTICA E ELETRÔNICA DE TRANSMISSÃO, DE Orthopoxvirus EM GADO BOVINO LEITEIRO E EM HUMANOS NO NORTE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ANDRÉ TAVARES DA SILVA FERNANDES Tese apresentada ao Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, como parte das exigências para obtenção do título de Mestre em Produção Animal. Orientadora: Profª. Sílvia Regina Ferreira Gonçalves Pereira CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ MARÇO – 2004 FICHA CATALOGRÁFICA Preparada pela Biblioteca do CCTA / UENF 018/2004 Fernandes, André Tavares da Silva Isolamento e identificação por microscopia óptica e eletrônica de transmissão, de orthopoxvirus em gado bovino leiteiro e em humanos no Norte do Estado do Rio de Janeiro / André Tavares da Silva Fernandes. – 2004. 106 f. : il. Orientador: Sílvia Regina Ferreira Gonçalves Pereira Dissertação (Mestrado em Produção Animal) – Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias. Campos dos Goytacazes, RJ, 2004. Bibliografia: f. 86 – 102. 1.Orthopoxvirus 2. Diagnóstico 3. Gado leiteiro 4. Espécie humana 5. Zoonose I. Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias. II. Título. CDD – 636.20896941 ISOLAMENTO E IDENTIFICAÇÃO POR MICROSCOPIA ÓPTICA E ELETRÔNICA DE TRANSMISSÃO, DE Orthopoxvirus EM GADO BOVINO LEITEIRO E EM HUMANOS NO NORTE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ANDRÉ TAVARES DA SILVA FERNANDES Tese apresentada ao Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, como parte das exigências para obtenção do título de Mestre em Produção Animal. Aprovada em 09 de março de 2004 Comissão examinadora: Prof. José Nelson dos Santos Silva Couceiro (Doutor, Microbiologia) - UFRJ Prof. Eulógio Carlos Queiroz de Carvalho (Doutor, Anatomia Patológica) - UENF Prof. Carlos Eurico Pires Ferreira Travassos (Doutor, Microbiologia) - UENF Profª. Sílvia Regina Ferreira Gonçalves Pereira (Doutora, Microbiologia) - UENF (Orientadora) “Pouco conhecimento faz com que as criaturas se sintam orgulhosas. Muito conhecimento, que se sintam humildes. É assim que as espigas sem grãos erguem desdenhosamente a cabeça para o céu, enquanto que as cheias as abaixam para a terra, sua mãe.” Leonardo da Vinci ii Aos meus pais, Manuel Fernando e Maria Madalena, que foram o início de tudo, pelo seu amor e força em toda a minha caminhada. A minha filha Luiza, grande amor desta vida. As minhas irmãs, Patrícia e Ana Paula, pelo amor, carinho e companheirismo em todos os momentos. Aos meus sobrinhos, Gabriel e Julia, pelo grande amor e alegrias que trazem. DEDICO iii AGRADECIMENTOS A Deus, por mais esta oportunidade de trabalho, pela qual me permitiu exercitar e aprimorar a paciência, a tolerância e a autoconfiança. Obrigado, Senhor, por tudo e por todos em minha vida. À minha família por me ensinar o verdadeiro sentido da dignidade, honestidade e responsabilidade de um ser humano e, enviando-me diretamente “o sublime amor” da maneira mais rápida e segura: “o pensamento”. A tia Narly (“in memoriam”), por todo amor, carinho, apoio e torcida. Impossível esquecê-la! Ao meu primo-irmão Pe. Luiz Henrique da Silva Brito, verdadeiro exemplo de obediência, amizade e dignidade. Impossível sem você! À minha orientadora, Profa. Sílvia Regina Ferreira Gonçalves Pereira, grande incentivadora sem medir esforços para as boas idéias se transformarem em bons resultados. Pelo apoio e estímulo científico dados durante estes anos de minha permanência em seu laboratório: experiência gratificante tanto pessoal quanto profissional. Meu carinho e admiração! As minhas mães Aparecida, Elza, Eunice, Joserita e Marta, pelo carinho, orações e amor sempre constantes. Vocês moram em meu coração! iv Aos meus grandes amigos de república, Eugênio, Edno Wallace, Bruno, Alander e Fabiano, verdadeiros irmãos, que “sofreram” junto comigo os desafios deste trabalho e dando-me uma “força” em todos os momentos. Ao Prof. Carlos Eurico Pires Ferreira Travassos, pela co-orientação. Ao Chefe do Laboratório de Sanidade Animal (CCTA/UENF), Prof. Eulógio Carlos Queiroz de Carvalho, pelo apoio, cooperação, ensinamentos e incentivo para o meu aprimoramento profissional. Um grande amigo e verdadeiro exemplo a ser seguido. Ao Prof. José Nelson dos Santos Silva Couceiro, do Laboratório de Virologia Molecular I (IMPPG/UFRJ), que me permitiu a utilização das facilidades do seu laboratório e pelos grandes ensinamentos durante a técnica de purificação viral, que foram fundamentais na realização desta tese. À Profª. Maria Luisa López-Alvarez, do Laboratório de Biologia Celular e Tecidual (CBB/UENF), pelo apoio dado em vários momentos, pelas discussões a respeito dos meus resultados na microscopia eletrônica de transmissão, que tanto me ajudaram na época em que a “aluguei” durante os preparativos da prévia de tese, mas principalmente pela sua amizade. À Profª. Vera Lúcia Antunes Chagas, do Laboratório de Anatomia Patológica (HUCFF/UFRJ), pela grande contribuição na Anatomia Patológica e apoio na prévia de tese. Por ser sempre cordial comigo e pelos empréstimos e a utilização de aparelhos de seu laboratório. Muito obrigado pela dedicação e amizade. À minha amiga Alessa pelos abraços, pelos apertos de mão tão significativos e “terapêuticos”, nos momentos mais difíceis. Com certeza não será esquecida. Aos amigos Luiz Fernando, Giselda, Iliani, Rachel, Dirlei e Cleuber que proporcionaram um excelente ambiente de trabalho em nosso laboratório, fazendo com que o dia-a-dia tornasse algo menos estressante e também muito divertido. A Etiene Ambrósio, grande amiga e exemplo de secretária, que resolve sempre com carinho e bom humor todos os possíveis assuntos relacionados à Pós-Graduação. Aos amigos Francimar, Isabel e Lígia, pelas grandes alegrias desde a graduação. v Às amigas e grandes profissionais Ana Maria e Marta, do Laboratório de Virologia Molecular I (IMPPG/UFRJ), pelos ensinamentos na área de cultura de células e pelo apoio no desenvolvimento deste trabalho. À amiga Sonia Oliveira Souza, técnica do Laboratório de Anatomia Patológica (HUCFF/UFRJ), pelos ensinamentos e auxílio nas análises histopatológicas e, principalmente, pelo carinho e amizade nesses meses. Aos técnicos do LSA, Lério Gama Sales e Luciana Lemos, pelo acompanhamento ao campo e apoio dados durante a pesquisa. A todos os amigos do LSA, pelo convívio e amizade. Aos técnicos do Laboratório de Biologia Celular e Tecidual (CBB/UENF), Arthur, Beatriz, Giovana e Márcia Adriana, pela convivência amiga e por terem permitido o uso irrestrito de aparelhos e materiais de que precisei. O “sinta-se à vontade” foi realmente levado ao pé da letra. A todos os proprietários, que permitiram as colheitas de amostras para o desenvolvimento deste trabalho. Aos funcionários da biblioteca e secretaria do CCTA, pelo profissionalismo. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), pelos auxílios concedidos. À Coordenação do Programa de Pós-graduação em Produção Animal, na pessoa da Profa Célia Raquel Quirino, pelo profissionalismo e dedicação sempre constantes. À Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e ao Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias (CCTA), por disponibilizar este curso. A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a concretização deste trabalho. Muito Obrigado!!! vi BIOGRAFIA André Tavares da Silva Fernandes, filho de Manuel Fernando Tavares Fernandes e Maria Madalena da Silva Fernandes, nasceu em 04 de maio de 1973, na cidade do Rio de Janeiro - RJ. Em agosto de 1993, iniciou o Curso de Graduação em Medicina Veterinária na então Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), em Campos dos Goytacazes - RJ, tendo concluído em dezembro de 1999. Durante o período de 1996 a 1999, foi bolsista no Laboratório de Melhoramento Genético Animal (LMGA) do Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias (CCTA) da UENF. Foi admitido, em março de 2002, no Curso de Pós-graduação em Produção Animal, Mestrado, Sanidade Animal, da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), em Campos dos Goytacazes - RJ, submetendo-se à defesa de tese para conclusão do referido Curso em março de 2004. vii CONTEÚDO LISTA DE TABELAS ................................................................................................ xii LISTA DE FIGURAS ................................................................................................xiii ABREVIATURAS...................................................................................................... xv RESUMO ............................................................................................................... xviii ABSTRACT .............................................................................................................. xx 1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................1 2. REVISÃO DE LITERATURA ..................................................................................5 2.1. Aspectos históricos das poxviroses ................................................................. 5 2.1.1. Orthopoxviroses ........................................................................................ 5 2.1.1.1. Varíola humana (smallpox) ................................................................. 5 2.1.1.2. Varíola bovina (cowpox)...................................................................... 7 2.1.1.3. Vaccínia (vaccinia) .............................................................................. 8 2.1.1.4. Varíola do macaco (monkeypox) ........................................................ 9 2.1.2. Parapoxviroses........................................................................................ 10 2.1.2.1. Orf (orf) ............................................................................................. 10 2.1.2.2. Pseudovaríola bovina (pseudocowpox) ............................................ 11 2.1.2.3. Estomatite papular bovina................................................................. 11 2.2. Taxionomia e nomenclatura dos poxvírus...................................................... 11 2.3. Caracterização dos poxvírus.......................................................................... 14 2.4. Ciclo de replicação viral ................................................................................. 17 2.4.1. Adsorção, penetração e desnudamento da partícula viral....................... 18 viii 2.4.2. Estratégia de replicação do genoma viral................................................ 19 2.4.3. Expressão dos genes (transcrição e tradução) ....................................... 19 2.4.4. Morfogênese e liberação extracelular...................................................... 22 2.4.5. Citopatologia e formação de corpúsculos de inclusão............................. 23 2.5. Aspectos epidemiológicos das poxviroses..................................................... 25 2.5.1. Orthopoxviroses ...................................................................................... 25 2.5.1.1. Varíola humana (smallpox) ............................................................... 25 2.5.1.2. Varíola do macaco (monkeypox) ...................................................... 26 2.5.1.3. Vaccínia (vaccinia) ............................................................................ 27 2.5.1.4. Varíola bovina (cowpox).................................................................... 28 2.5.2. Parapoxviroses........................................................................................ 28 2.5.2.1. Orf (orf) ............................................................................................. 28 2.5.2.2. Pseudovaríola bovina (pseudocowpox) ............................................ 29 2.5.2.3. Estomatite papular bovina................................................................. 29 2.6. Aspectos clínicos e lesões das poxviroses .................................................... 30 2.6.1. Orthopoxviroses ...................................................................................... 30 2.6.1.1. Varíola humana (smallpox) ............................................................... 30 2.6.1.2.Varíola do macaco (monkeypox) ....................................................... 30 2.6.1.3. Vaccínia (vaccinia) ............................................................................ 31 2.6.1.4. Varíola bovina (cowpox).................................................................... 31 2.6.2. Parapoxviroses........................................................................................ 32 2.6.2.1. Orf (orf) ............................................................................................. 32 2.6.2.2. Pseudovaríola bovina (pseudocowpox) ............................................ 32 2.6.2.3. Estomatite papular bovina................................................................. 33 2.7. Patogênese e aspectos imunológicos das infecções por poxvírus ................ 33 2.8. Diagnóstico laboratorial.................................................................................. 36 2.8.1. Isolamento e identificação viral................................................................ 36 2.8.1.1. Propagação viral em membrana corioalantóica de ovos embrionados ....................................................................................................................... 36 2.8.1.2. Propagação viral em culturas de células........................................... 37 2.8.2. Microscopia ............................................................................................. 37 2.8.2.1. Microscopia óptica ............................................................................ 37 2.8.2.2. Microscopia eletrônica de transmissão ............................................. 38 2.8.2.2.1. Contrastação negativa................................................................ 38 ix 2.8.2.2.2. Cortes ultrafinos ......................................................................... 38 2.8.3. Testes sorológicos................................................................................... 39 2.8.3.1. Teste de inibição da hemaglutinação................................................ 39 2.8.3.2. Teste de imunofluorescência ............................................................ 39 2.8.3.3. Teste de soroneutralização viral ....................................................... 40 2.8.3.4. Ensaio imunoenzimático (ELISA)...................................................... 40 2.8.4. Testes moleculares ................................................................................. 41 2.8.4.1. Western blotting ................................................................................ 41 2.8.4.2. Reação em cadeia da polimerase..................................................... 42 2.9. Prevenção e controle das infecções por poxvírus.......................................... 42 2.10. Bioterrorismo................................................................................................ 43 3. MATERIAL E MÉTODOS ..................................................................................... 45 3.1. Colheita das amostras ................................................................................... 45 3.1.1. Líquido vesicular...................................................................................... 45 3.1.2. Tegumento cutâneo................................................................................. 45 3.2. Avaliação clínica ............................................................................................ 46 3.3. Ovos embrionados ......................................................................................... 46 3.4. Células ........................................................................................................... 47 3.5. Vírus............................................................................................................... 47 3.6. Preparo e manutenção de culturas de células ............................................... 47 3.7. Propagação e purificação viral ....................................................................... 48 3.8. Titulação de partículas virais.......................................................................... 48 3.9. Análise da morfologia celular ......................................................................... 49 3.9.1. Método de coloração de Wright............................................................... 49 3.9.2. Método de coloração de hematoxilina e eosina....................................... 49 3.10. Avaliação histopatológica............................................................................. 50 3.11. Microscopia eletrônica de transmissão ........................................................ 51 4. RESULTADOS ..................................................................................................... 53 4.1. Aspectos clínicos ........................................................................................... 53 4.2. Aspectos epidemiológicos, impacto econômico e saúde pública ................... 54 4.3. Análise da produção de partículas virais por titulação ................................... 55 4.4. Alterações morfológicas nas membranas corioalantóicas ............................. 55 4.5. Alterações morfológicas nas culturas de células............................................ 56 4.6. Avaliação histopatológica............................................................................... 58 x 4.6.1. Membranas corioalantóicas..................................................................... 58 4.6.2. Tegumento cutâneo................................................................................. 58 4.7. Avaliação ultra-estrutural ............................................................................... 59 5. DISCUSSÃO ........................................................................................................ 75 6. CONCLUSÕES ....................................................................................................83 7. RECOMENDAÇÕES............................................................................................85 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 86 9. APÊNDICE ......................................................................................................... 103 9.1. Ficha A..........................................................................................................104 9.2. Ficha B..........................................................................................................105 9.3. Ficha C..........................................................................................................106 xi LISTA DE TABELAS Tabela 1. Aspectos taxionômicos importantes da família Poxviridae – subfamília Chordopoxvirinae....................................................................................................12 xii LISTA DE FIGURAS Figura 1. Diagramas com as estruturas de virions de poxvírus que infectam animais e humanos. A, estrutura do virion do vírus da vaccínia (Orthopoxvirus). B, estrutura do virion do vírus da orf (Parapoxvirus)..............................................16 Figura 2. Diagrama mostrando o ciclo replicativo de poxvírus e a biossíntese de suas macromoléculas.............................................................................................17 Figura 3. Aspectos clínicos da infecção por Orthopoxvirus nas tetas/úberes de vacas leiteiras procedentes de propriedades do Norte do Estado do Rio de Janeiro....................................................................................................................61 Figura 4. Aspectos clínicos da infecção por Orthopoxvirus nas mãos/dedos de humanos, retireiros e seus familiares, procedentes de propriedades do Norte do Estado do Rio de Janeiro.......................................................................................62 Figura 5. Isolamento do Orthopoxvirus em membranas corioalantóicas (MCAs) de ovos embrionados de galinha evidenciando “pocks” típicos: focos necróticos grandes, brancos e opacos....................................................................................63 xiii Figura 6. Isolamento do Orthopoxvirus em cultura de células Vero, corada pelo método de Wright (objetiva 10X)................................................................................64 Figura 7. Isolamento do Orthopoxvirus em cultura de células Vero, corada pelo método de Wright (objetiva 20X)................................................................................65 Figura 8. Isolamento do Orthopoxvirus em cultura de células Vero, corada pelo método de Wright (objetiva 40X)................................................................................66 Figura 9. Isolamento do Orthopoxvirus em cultura de células HEp-2, corada pelo método de Wright (objetiva 10X)................................................................................67 Figura 10. Isolamento do Orthopoxvirus em cultura de células HEp-2, corada pelo método de Wright (objetiva 20X)................................................................................68 Figura 11. Isolamento do Orthopoxvirus em cultura de células HEp-2, corada pelo método de Wright (objetiva 40X)................................................................................69 Figura 12. Isolamento do Orthopoxvirus em cultura de células HEp-2, corada pelo método de hematoxilina e eosina (H&E) (objetiva 40X).............................................70 Figura 13. Histopatologia das MCAs infectadas com o Orthopoxvirus, coradas pelo método de H&E..........................................................................................................71 Figura 14. Histopatologia de tegumentos cutâneos, corados pelo método de H&E, de tetas/úberes de vacas leiteiras infectadas com Orthopoxvirus.............................72 Figura 15. Micrografia eletrônica de transmissão de células HEp-2 infectadas com Orthopoxvirus.............................................................................................................73 Figura 16. Micrografia eletrônica de transmissão de células HEp-2 infectadas com Orthopoxvirus.............................................................................................................74 xiv ABREVIATURAS ATI inclusão tipo acidofílica bp pares de bases BPSV Bovine papular stomatitis virus BPXV Buffalopox virus BSC-40 células epitelióides de rim de macaco verde africano C6 células de glioma de rato CEF fibroblastos de embrião de galinha CEV virion envelopado associado à célula CMPV Camelopox virus CPE efeito citopático CPXV Cowpox virus CTGV Cantagalo virus CTLs linfócitos T citotóxicos CD8+ DNA ácido desoxirribonucléico DSA Defesa Sanitária Animal ECTV Ectromelia virus EEV virion envelopado extracelular ELISA “Enzyme – linked immunosorbent assay” FDA Food and Drug Administration FIBV Hare fibroma virus FITC isotiocianato de fluoresceína xv FWPV Fowlpox virus GTPV Goatpox virus HA hemaglutinina HeLa células originárias de carcinoma epitelióide humano HEp-2 células epitelióides derivadas de carcinoma laríngeo humano HI inibição da hemaglutinação IF imunofluorescência IFN interferon IEV virion envelopado intracelular IMV virion maduro intracelular ITRs repetições terminais invertidas IV vírus imaturo IVN vírus imaturo com nucleóide kDa kiloDaltons kpb kilopares de bases LPBP proteína ligadora de promotores tardios LSDV Lumpy skin disease virus MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MCA membrana corioalantóica MDCK células epitelióides tubulares distais de rim canino MHC complexo maior de histocompatibilidade MOCV Molluscum contagiosum virus MOI multiplicidade de infecção (PFU/célula) MPXV Monkeypox virus mRNA RNA mensageiro MYXV Myxoma virus NK Natural Killer nm nanômetro NIH-3T3 fibroblastos de embriões de camundongos NV soroneutralização viral OMS Organização Mundial de Saúde ORF quadro aberto de leitura (“open reding frame”) ORFV Orf virus PCPV Pseudocowpox virus xvi PCR reação em cadeia da polimerase Poli (A) ácido polirriboadenílico RCNV Raccoonpox virus RNA ácido ribonucléico RPXV Rabbitpox virus SFV Shope fibroma virus SKPV Skunkpox virus SPPV Sheeppox virus SWPV Swinepox virus TA temperatura ambiente TANV Tanapox virus UGDV Uasin Gishu disease virus VACV Vaccinia virus VARV Variola virus VETF “vaccinia early transcription factor” Vero células fibroblastóides de rim de macaco verde africano VITF “vaccinia intermediate transcription factor” VLTF “vaccinia late transcription factor” VPXV Volepox virus WR “Western Reserve” YMTV Yaba monkey tumor virus YY1 fator de transcrição nuclear xvii RESUMO FERNANDES, André T.S., M.S., Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro; março de 2004; Isolamento e identificação por microscopia óptica e eletrônica de transmissão, de Orthopoxvirus em gado bovino leiteiro e em humanos no Norte do Estado do Rio de Janeiro; Professora Orientadora: Sílvia Regina Ferreira Gonçalves Pereira. Professores Conselheiros: Carlos Eurico Pires Ferreira Travassos, José Nelson dos Santos Silva Couceiro, Maria Luisa López-Alvarez. As doenças causadas por poxvírus (Poxviridae), particularmente os dos gêneros Orthopoxvirus e Parapoxvirus, têm caráter antropozoonótico importante para bovinos e para humanos. No Brasil, inúmeros casos de doença vesículo-pustular vêm ocorrendo em pequenas fazendas no Norte e Noroeste do Estado do Rio de Janeiro, acometendo o gado bovino leiteiro e os humanos, principalmente retireiros e seus familiares. O presente estudo foi fundamentado no isolamento e identificação viral, através da análise morfológica das alterações celulares em membranas corioalantóicas de ovos embrionados de galinha e culturas de células susceptíveis, a partir de amostras clínicas colhidas de animais e de humanos acometidos pela virose. Nosso alvo foi o gado bovino leiteiro e a população de retireiros e seus familiares em propriedades no Norte do Estado do Rio de Janeiro. Este estudo também buscou a caracterização macro e microscópica do padrão dermatopatológico da poxvirose emergente e a caracterização ultra-estrutural por microscopia eletrônica de transmissão das células infectadas pelo poxvírus. Nossos resultados mostram que as alterações macroscópicas, no tecido epitelial, foram xviii caracterizadas pela formação de pápulas que evoluíam para vesículas e, posteriormente, para pústulas antes de formar crostas e cicatriz. As alterações microscópicas observadas eram os infiltrados inflamatórios, associados à vacuolização e à presença em queratinócitos do corpúsculo de inclusão eosinofílico intracitoplasmático do tipo-B (corpúsculo de Guarnieri), típicos de doenças causadas por Orthopoxvirus. As membranas corioalantóicas apresentavam “pocks” grandes, brancos e opacos que apontavam infecção por cepa de Orthopoxvirus. O isolamento viral nas culturas de células foi caracterizado através do efeito citopático típico, como formação de sincícios, aumento e arredondamento das células. Através da microscopia eletrônica de transmissão observamos estágios típicos da morfogênese de Orthopoxvirus nas células infectadas, as quais continham grande número de partículas virais imaturas e maduras no citoplasma. Nossos resultados mostram ainda que a poxvirose assumiu um caráter epidêmico, com morbidez alta, de grande impacto econômico e de saúde pública para pequenos fazendeiros que são sustentados pela comercialização do leite. Palavras-chave: antropozoonose, diagnóstico, gado bovino leiteiro, humanos, Orthopoxvirus. xix ABSTRACT FERNANDES, André T.S., M.S., Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro; March, 2004; Isolation and identification by transmission electronic and optical microscopy, of Orthopoxvirus in dairy cattle and humans in the North of Rio de Janeiro State; Adviser Prof.: Sílvia Regina Ferreira Gonçalves Pereira. Counselors: Carlos Eurico Pires Ferreira Travassos, José Nelson dos Santos Silva Couceiro, Maria Luisa López-Alvarez. Diseases caused by poxvirus (Poxviridae), particularly the one of the genus Orthopoxvirus and Parapoxvirus, play an important role in the anthropozoonotic chain for bovine and humans. In Brazil, countless cases of pustule-vesicular disease occur in small farms of the Northern and Northwest of Rio de Janeiro State, affecting dairy cattle and humans, specially milkers and their family members. The present study was based on the viral isolation and identification through the morphologic analysis of the cellular alterations in choriallantoic membranes embryonic chicken of eggs and susceptible cell cultures, the experiment used clinical samples of animals and of humans attacked by the viral disease. Our objective was toward dairy cattle and milkers population and family members of properties in the Northern of Rio de Janeiro State. This study also longed for the macro and microscopically characteristic of the dermatopathological pattern of the emerging poxviral disease, and the ultrastructural characterization by transmission electronic microscopy of the cells infected by the poxvirus. Our results show that the macroscopic alterations, in the epithelial tissue were characterized by the papules formation that developed for xx vesicles and, later, for pustules before forming crusts and scar. Furthermore, microscopic alterations were observed with inflammatory infiltrate, associated with vacuolation and the presence of the B-type intracytoplasmatic inclusion body (Guarnieri body) in keratinocytes, typical of diseases caused by Orthopoxvirus. Choriallantoic membranes presented large, white and opaque pocks that suggested infection by Orthopoxvirus strain. The virus isolation in the cell cultures was characterized through the typical cytopathic effect, as syncytia formation, increase and rounding of the cells. By transmission electronic microscopy, typical stages of Orthopoxvirus morphogenesis were observed in the infected cells, which contained numerous immature and mature virus particles in the cytoplasm. Our results also show that the poxviral disease assumed an epidemic profile, with high morbidity and great economical impact and of public health for small farmers that depend on milk commercialization. Key words: anthropozoonosis, diagnosis, dairy cattle, humans, Orthopoxvirus. xxi 1 1. INTRODUÇÃO Os vírus classificados na família Poxviridae são os maiores e mais complexos vírus conhecidos. Possuem genoma constituído por uma fita dupla de DNA, e replicam-se no citoplasma de células de hospedeiros vertebrados e invertebrados. Os membros desta família de vírus (poxvírus) são ainda classificados em duas subfamílias, Chordopoxvirinae e Entomopoxvirinae, respectivamente, em função da sua capacidade de replicação em células de hospedeiros vertebrados e invertebrados. Os poxvírus da subfamília Chordopoxvirinae se encontram classificados em oito gêneros, com os membros de cada gênero genética e antigenicamente relacionados, apresentando morfologia e espectro de hospedeiros similares (MOSS, 2001). Os poxvírus pertencentes aos gêneros Orthopoxvirus e Parapoxvirus incluem vários patógenos de importância médica veterinária e humana. O gênero Orthopoxvirus se destaca por apresentar grande reatividade sorológica cruzada e hibridização cruzada do DNA genômico (ESPOSITO e FENNER, 2001; MOSS, 2001). O vírus da varíola humana, pertencente a este gênero, indubitavelmente, é o membro de maior importância histórica da família Poxviridae. A varíola foi a doença infecto-contagiosa que causou maior número de óbitos na história da humanidade e foi a primeira virose “erradicada” da população mundial, oficialmente certificada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 8 de maio de 1980, através de vacinação em massa usando o vírus da vaccínia (gênero Orthopoxvirus) (FENNER et al., 1988). O vírus da vaccínia, por sua vez, é o poxvírus mais estudado, considerado o 2 membro protótipo da família, apresentando baixa capacidade de disseminação em seres humanos e parece não haver hospedeiros-reservatório naturais, embora tenha sido isolado de búfalos na Índia (FENNER et al., 1988) e do gado bovino leiteiro e de humanos no Brasil (DAMASO et al., 2000; SCHATZMAYR et al., 2000; FERNANDES et al., 2003; TRINDADE et al., 2003). A origem desse vírus é ainda obscura e alvo de discussão (FENNER et al., 1988; BAXBY e BENNETT, 1997; ESPOSITO e FENNER, 2001), mas hipóteses sugerem que seja resultante de um híbrido entre o vírus da varíola bovina e o vírus da varíola humana, emergido durante as várias passagens braço-a-braço e em animais, ao longo dos séculos de vacinação antivariólica (FENNER et al., 1988). As infecções pelos vírus da vaccínia e da varíola bovina causam viroses, geralmente, localizadas e vesículo-pustulares com linfadenopatia, enquanto a infecção pelo vírus da varíola humana causa uma virose sistêmica com erupção cutânea generalizada (ESPOSITO e FENNER, 2001). O vírus da vaccínia, assim como o vírus da varíola bovina, pode infectar diferentes espécies animais, incluindo a humana e, portanto, causar virose de caráter antropozoonótico. No Brasil, recentemente, inúmeros casos de doença vesículo-pustular têm ocorrido em pequenas fazendas no estado do Rio de Janeiro, acometendo o gado bovino leiteiro e os humanos, principalmente, retireiros (ordenhadores) e seus familiares (DAMASO et al., 2000; SCHATZMAYR et al., 2000; FERNANDES et al., 2003). Em vacas leiteiras, a doença tem sido descrita com pápulas que evoluíam para vesículas e, posteriormente, para pústulas no úbere, tetas e focinho. Em humanos, lesões semelhantes têm ocorrido nas mãos, antebraços e, ocasionalmente, nas faces. O curso clínico tem evoluído em aproximadamente três semanas, com febre alta, prostração e linfadenite satélite (DAMASO et al., 2000). A partir de amostra de líquido vesicular retirado de lesões de vaca, o vírus Cantagalo foi isolado e caracterizado molecularmente no Rio de Janeiro em 1999 (DAMASO et al., 2000). Este vírus foi identificado como uma nova cepa do vírus da vaccínia, já descrita na literatura (ESPOSITO e FENNER, 2001). Desde então, novos surtos têm sido constantemente notificados em municípios do Norte e Noroeste do Estado do Rio de Janeiro (DAMASO et al., 2000; SCHATZMAYR et al., 2000; FERNANDES et al., 2003). Em recentes anos, também tem sido notificada a ocorrência de surtos nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul. Em São Paulo, o vírus Araçatuba foi isolado e caracterizado 3 molecularmente, à semelhança do vírus Cantagalo, como uma cepa variante do vírus da vaccínia (TRINDADE et al., 2003). Na ocasião em que estes surtos começaram a emergir no estado do Rio de Janeiro, a suspeita do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), era de infecção por Orthopoxvirus da espécie responsável pela varíola bovina. Os sintomas dessa virose são clinicamente indistinguíveis daqueles provocados pelo vírus Cantagalo (mesmo gênero Orthopoxvirus). Além desses, os sintomas provocados pelo vírus do gênero Parapoxvirus, cuja espécie leva à doença chamada pseudovaríola bovina ou nódulo do ordenhador, também são semelhantes aos da varíola bovina, mas as lesões apresentam aspecto nodular (FENNER et al., 1988). É importante salientar que, em nenhum caso analisado no Brasil, houve a detecção do Orthopoxvirus da varíola bovina, entretanto, em alguns casos, foram encontrados Parapoxvirus (DAMASO et al., 2000; SCHATZMAYR et al., 2000). Este fato, digno de nota, já era esperado, uma vez que o vírus da varíola bovina apresenta distribuição geográfica restrita a certos países da Europa/Ásia e acredita-se que não ocorra nas Américas (TRIPATHY et al., 1981). Já os membros do gênero Parapoxvirus que afetam o gado bovino, como o vírus da pseudovaríola bovina, são relativamente comuns e apresentam-se distribuídos em todos os continentes. Parapoxvirus são facilmente distinguidos de Orthopoxvirus por apresentarem morfologia em forma de “fuso”, quando visualizados à microscopia eletrônica (FENNER et al., 1988; ESPOSITO e FENNER, 2001). Atualmente, mesmo com o diagnóstico confirmado de infecções por cepas do vírus da vaccínia e, excludente de outros Orthopoxvirus e Parapoxvirus, é comum referir-se à doença, no meio rural, como “varíola bovina”. No presente estudo, é predominante, a preocupação com o número crescente de surtos de poxvirose que vêm ocorrendo com maior agressividade do vírus, acometendo o gado bovino leiteiro e a população de retireiros, em propriedades rurais do Norte e Noroeste do Estado do Rio de Janeiro. Tal preocupação fundamenta-se no prejuízo comercial que afeta as fazendas, pois as vacas doentes não são ordenhadas, levando tanto à baixa na produção de leite, assim como ao freqüente desenvolvimento de mastite e conseqüente inoperância das tetas desses animais. Visto que a transmissão do vírus ocorre principalmente durante a ordenha manual dos animais, a doença afeta quase exclusivamente as pequenas propriedades. Por ocasião de um surto, os pequenos produtores rurais, 4 que retiram seu sustento da comercialização do leite, sofrem com o comprometimento da maioria de seu rebanho e de seus retireiros que podem ficar sem trabalhar por algumas semanas, suprimindo, assim, a geração de renda. Ante a atual situação, o objetivo principal no presente trabalho consistiu em isolar e identificar o gênero de poxvírus que vem infectando animais e humanos de fazendas leiteiras no Norte do Estado do Rio de Janeiro. Para tal, foram colhidas amostras clínicas de animais e de humanos provenientes da nossa região, a fim de isolar poxvírus, através da inoculação em ovos embrionados de galinha e em culturas de células. Procedemos à avaliação clínica dos casos da poxvirose emergente e, para a confirmação diagnóstica laboratorial, procedemos ainda à avaliação dermatopatológica por microscopia óptica e ultra-estrutural por eletrônica de transmissão para identificar o poxvírus. Além disso, estabelecemos, com a participação das autoridades da Defesa Sanitária Animal (DSA) do estado do Rio de Janeiro, o início de uma rede de notificação nas comunidades afetadas, a qual será ampliada, por meio de uma série de palestras com distribuição de panfletos informativos sobre prevenção da infecção no rebanho e tratamento adequado dos animais e retireiros acometidos por poxvirose. Dessa maneira, será possível estabelecer medidas apropriadas para contenção de novos surtos e alcançar melhores patamares de qualidade para o leite produzido pelo pequeno pecuarista fluminense. 5 2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1. Aspectos históricos das poxviroses 2.1.1. Orthopoxviroses 2.1.1.1. Varíola humana (smallpox) A varíola é uma doença extremamente infecciosa e virulenta com alta mortalidade, a qual afligiu a humanidade por milhares de anos, até há 25 anos. Esta enfermidade pode somente infectar humanos e é causada pelo vírus da varíola (Variola virus – VARV), um vírus grande e complexo, pertencente ao gênero Orthopoxvirus (TEGNELL et al., 2002). A primeira descrição da varíola ocorreu há 3.000 anos na Ásia Ocidental e na Índia. Por volta de 700 d.C., a varíola propagou-se para a China e Japão no Oriente, Europa e África do Norte no Ocidente (CAMPBELL, 2002). Por volta do século X d.C., já existiam hospitais no Japão para o isolamento de pacientes com varíola. Naquela época, a doença era comum em todo o Oriente. Reintroduções na Europa ocorreram com o retorno das cruzadas e a invasão mongol levou a nova disseminação em massa. Para ressaltar a importância da doença no continente europeu, bastaria citar que, no final do século XVIII, morriam de varíola cerca de 400.000 pessoas por ano e um terço dos casos de cegueira consistia em seqüelas secundárias da doença (HENDERSON e MOSS, 1999). 6 Por volta de 1.000 d.C., sabia-se que a proteção da doença seria alcançada por meio da introdução de material infeccioso da varíola na pele arranhada. Este método foi esquecido mais tarde, porém foi retomado na Europa, no século XVIII, recebendo o nome de variolização, que dava à pessoa inoculada um local de infecção variólica na pele, oferecendo proteção suficiente contra o vírus da varíola inalado. Havia, porém, o risco de que o vírus pudesse difundir-se para outras pessoas, desenvolvendo o quadro clínico da varíola. Em face deste problema, a necessidade de um método mais seguro foi reconhecida e a variolização foi proibida por regulamento em alguns países (TEGNELL et al., 2002). A nova colonização mundial favoreceu a transmissão devastadora da doença entre índios americanos, após a introdução da doença no Caribe pelos escravos africanos em 1518, com a propagação para o México e Peru, em 1524 e através da África para o Brasil em 1555. A partir de 1617, novos casos foram introduzidos na América do Norte provenientes da Europa e África, quando o comércio de escravos propagou a varíola para o sul do Sahara, nos séculos XVI e XVII. Em 1713, viajantes infectados em um navio proveniente da Índia introduziram a varíola na África do Sul e, em 1789, visitantes de Macassan em direção ao norte da Austrália foram provavelmente a origem de uma epidemia entre Aborígenes, na região próxima à primeira colônia européia em Sidney (CAMPBELL, 2002). Em 1798, adeptos da medicina popular reconheceram que ordenhadores que adquiriram a varíola bovina eram resistentes à varíola humana. Edward Jenner demonstrou a proteção a partir da variolização pela inoculação prévia, usando material da lesão da varíola bovina ou, como a chamou, variolae vaccinae (varíola da vaca) (ESPOSITO e FENNER, 2001). O nome varíola foi usado pela primeira vez no século VI d.C. pelo bispo suíço Marius de Avenches, termo derivado do latim varius (manchado) ou varus (espinha). Já no mundo anglo-saxão, em torno do século X, o termo poc ou poccca descrevia doença exantemática, talvez a varíola. Daí em diante, relatos ingleses usam o termo “pocks”. O prefixo small foi adicionado no final do século XV para diferenciar essa doença da sífilis, que era a greatpox. Na França, a varíola foi chamada de petite vérole e, na Alemanha, de pocken (SCHREIBER e MATHYS, 1991). Com uma vacina eficiente disponível, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decidiu em 1959 conduzir uma campanha de erradicação global, a qual 7 iniciou somente em 1967. Após um esforço maciço, o último caso de infecção natural foi registrado em outubro de 1977, em Merka, Somália. Os últimos dois casos notificados após esta data resultaram de acidente em laboratório em Birmingham, Inglaterra, em 1978. Em 08 de maio de 1980, a erradicação da varíola foi reconhecida pela assembléia da OMS. Assim, a primeira doença para a qual a vacina tornou-se disponível foi também a primeira a ser erradicada globalmente (FENNER et al., 1988). 2.1.1.2. Varíola bovina (cowpox) No período anterior às descobertas de Edward Jenner, a varíola bovina era considerada uma doença esporádica de vacas, ocorrendo como úlceras que podiam ser transmitidas das tetas para as mãos dos retireiros. Jenner observou que retireiros recuperados da varíola bovina não contraíam a varíola humana. A partir dessa observação, conduziu para a prática de “cowpoxing” (ESPOSITO e FENNER, 2001), até que foi substituída pela vacinação, utilizando o vírus da vaccínia (Vaccinia virus – VACV). Desde o início da década de 70, observações do vírus da varíola bovina (Cowpox virus – CPXV) em felinos de zoológicos na Rússia e Inglaterra e, em gatos domésticos, na Inglaterra, conduziram para conclusões de que a vaca é um hospedeiro intermediário do vírus e que vacas, gatos, raposas e vários animais de zoológicos são esporadicamente infectados a partir de um roedor-reservatório (CHANTREY et al., 1999). Além disso, humanos são provavelmente infectados pelo contato com hospedeiros intermediários infectados, especialmente, gatos domésticos (BAXBY e BENNETT, 1997). A partir de um levantamento sorológico em roedores nativos da Eurásia, em gado bovino e em humanos, ficou confirmado que o vírus persiste em roedores nativos e que ele nunca apareceu em gado bovino exportado, como ocorreu com a pseudovaríola, a qual é mantida por um bovino-reservatório (ESPOSITO e FENNER, 2001). 8 2.1.1.3. Vaccínia (vaccinia) A doença conhecida como vaccínia é causada pelo VACV, que é o agente utilizado para a vacinação contra a varíola e é uma espécie distinta de Orthopoxvirus. Os mapas do genoma do VACV obtidos por endonuclease de restrição são nitidamente diferentes dos do CPXV, que se acreditava ser seu ancestral (BROOKS et al., 2000). O termo vacinação (vaca, do latim vacca) foi introduzido, em Plymouth, no ano de 1803, por Richard Dunning, para descrever o método de Jenner, no qual ele usava material clínico de animais infectados para a produção da vacina antivariólica. Em 1881, Louis Pasteur reverenciou Jenner, adotando o termo vacinação para referir-se a todo método de imunização (ESPOSITO e FENNER, 2001). Durante campanhas de vacinação em massa, infecções pelo VACV foram ocasionalmente transmitidas através de lesão vesicular nos animais domésticos vacinados, geralmente, no gado bovino, e assim, os animais infectados transmitiam o VACV para as pessoas susceptíveis (MALTSEVA et al., 1966; LUM et al., 1967; TOPCIU et al., 1976). Em 1980, usando o VACV, a varíola humana foi declarada erradicada da população humana (FENNER et al., 1988). A origem do VACV é ainda desconhecida e hipóteses sugerem que seja resultante de um híbrido entre o CPXV e o VARV, surgido durante as diversas passagens braço-a-braço e em animais, ao longo dos séculos de vacinação antivariólica. Outras hipóteses sugerem que seja produto da recombinação genética, uma nova cepa derivada do CPXV ou do VARV, originada da passagem por vários anos em animais e em humanos (FENNER et al., 1988; HENDERSON, 1997; BAXBY, 1999). Uma subespécie do VACV, o vírus da varíola do búfalo (Buffalopox virus – BPXV), causa lesões que são similares às úlceras oriundas do CPXV. Em humanos, essas lesões parecem mais com as pústulas causadas pelo VACV que com as lesões mais severas pelo CPXV. Lesões orofaringeanas também ocorrem em humanos, principalmente, pela ingestão de leite não pasteurizado de animais infectados (LAL e SINGH, 1977). Estudos do DNA sugeriram que o BPXV é bastante relacionado com o VACV, caracterizando-o desta forma como uma subespécie do mesmo (DUMBELL e RICHARDSON, 1993). 9 Outra subespécie de VACV é o vírus da varíola do coelho (Rabbitpox virus – RPXV), que causou surtos de doença generalizada em coelhos de laboratório (ESPOSITO e FENNER, 2001). No Brasil, novas cepas de VACV foram isoladas e caracterizadas molecularmente. O vírus Cantagalo (Cantagalo virus – CTGV) e o vírus Araçatuba (Araçatuba virus) foram identificados nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, respectivamente, em surtos de doença vesículo-pustular em gado bovino leiteiro e humanos (DAMASO et al., 2000; TRINDADE et al., 2003). Recentemente, no estado do Rio de Janeiro, ocorreu uma infecção laboratorial acidental com uma jovem, previamente vacinada contra a varíola na infância, que manipulava células infectadas com o vírus da vaccínia cepa Western Reserve (WR), durante um procedimento de purificação viral. A infecção manifestou-se com febre, lesões vesículo-pustulares nos dedos da mão infectada e uma linfadenopatia axilar (MOUSSATCHÉ et al., 2003). O interesse pelo estudo do VACV tem crescido recentemente, devido ao seu uso eficaz como vetor de expressão de genes exógenos, abrindo perspectivas para sua utilização como vacina viva de DNA recombinante contra diversas doenças, na terapia anticâncer (STEPHENSON, 2001) e também devido ao seu uso como arma biológica (HENDERSON et al., 1999). 2.1.1.4. Varíola do macaco (monkeypox) A varíola do macaco é causada pelo Monkeypox virus – MPXV, um Orthopoxvirus que pode causar uma doença em humanos semelhante à varíola. A doença é endêmica nas florestas tropicais da África Central e Ocidental. Anticorpos animais examinados na República Democrática do Congo sugeriram que esquilos e macacos disputam uma posição no ciclo de vida do vírus (JEZEK e FENNER, 1988). Em 1958, ocorreu o primeiro relato de MPXV em macacos asiáticos, quando primatas de várias partes do mundo foram misturados dentro de jaulas para que fossem feitas pesquisas com a vacina antipoliomielite. Surtos de MPXV em animais com taxa de mortalidade de 3 a 48% continuaram ocorrendo durante a década de 60, porém infecções não foram relatadas entre os manipuladores dos animais, provavelmente porque eles tinham sido vacinados preventivamente contra a varíola humana (JEZEK e FENNER, 1988). 10 A origem africana da doença tornou-se evidente quando, em 1970, reconheceu-se que o MPXV causou uma doença semelhante à varíola humana na República Democrática do Congo, e não ocorrendo na Ásia (ESPOSITO e FENNER, 2001). Entre 1970 e 1980, um total de 59 casos de varíola do macaco foram descobertos em Cameroon, Côte d’Ivoire, Libéria, Nigéria, Sierra Leone e na República Democrática do Congo. Desses casos, 47 foram relatados no final de 1979, todos ocorreram em florestas tropicais da República Democrática do Congo e 4 (9%) deles foram em pacientes com cicatrizes indicativas da vacinação contra a varíola humana (HEYMANN et al., 1998). Em virtude da semelhança entre a varíola humana e a varíola do macaco em humanos, após a declaração da erradicação da varíola humana e recomendação para cessar a vacinação, a OMS administrou uma enorme vigilância na República Democrática do Congo, no período de 1981 a 1986, com o objetivo de determinar se a varíola do macaco em humanos poderia substituir a varíola humana e representar uma ameaça para a erradicação (HEYMANN et al., 1998; ESPOSITO e FENNER, 2001). Entre fevereiro e agosto de 2001, surtos de doença caracterizada por erupções cutâneas pustulares ocorreram em 31 humanos na República Democrática do Congo, levando a um total de 5 óbitos. A análise clínico-laboratorial de espécimes, provenientes desses surtos, confirmou em alguns dos casos a presença de MPXV (MEYER et al., 2002) 2.1.2. Parapoxviroses 2.1.2.1. Orf (orf) A orf ou dermatite pustular contagiosa ou ectima contagioso é uma das doenças mais importantes em ovinos e caprinos e é comum em toda a parte do mundo (MURPHY et al., 1999). A orf foi primeiramente descrita como uma doença de ovelhas, em 1787; de cabras, em 1897; e de humanos, em 1934 (ESPOSITO e FENNER, 2001). Recentemente, foi caracterizado um Orf virus – ORFV, o qual foi isolado a partir de lesões na pele de uma cabra jovem com uma dermatite proliferativa, 11 severa e persistente, designado Orf virus-San Angelo 2000 (OV-SA00) (GUO et al., 2003). 2.1.2.2. Pseudovaríola bovina (pseudocowpox) A pseudovaríola bovina ou paravaccínia, ou ainda nódulo do ordenhador, ocorre como uma infecção endêmica comum no gado na maioria dos países do mundo (MURPHY et al., 1999). As lesões da pseudovaríola nas tetas de vacas constituíram uma das formas não-genuínas de varíola bovina sobre a qual Jenner advertiu que não deveria ser usada para a vacinação contra a varíola (ESPOSITO e FENNER, 2001). A pseudovaríola é, aparentemente, mais freqüente que a vaccínia e a varíola bovina. A enfermidade é introduzida no rebanho pela entrada de animais infectados, e a infecção é transmitida entre os mesmos através do contato ou ordenha. No entanto, casos diagnosticados clinicamente como pseudovaríola nem sempre são posteriormente confirmados por métodos laboratoriais, como sendo causados por Parapoxvirus no Brasil. Assim, a informação de que a pseudovaríola é mais comum nem sempre é verdadeira, particularmente, no Brasil (LEMOS e RIET-CORREA, 2001). 2.1.2.3. Estomatite papular bovina A estomatite papular bovina é uma doença, principalmente, de gado bovino leiteiro e de corte, com distribuição mundial, causada pelo Bovine papular stomatitis virus – BPSV. Em novilhas e bezerros, a doença se manifesta por lesões na boca, lábios, narinas e focinho. Em humanos, a infecção é adquirida pelo contato direto, cujas lesões se localizam nas mãos e nos braços (MURPHY et al., 1999). 2.2. Taxionomia e nomenclatura dos poxvírus A grande família Poxviridae é dividida em duas subfamílias, em função da sua capacidade (Chordopoxvirinae) de replicação e em invertebrados células de hospedeiros (Entomopoxvirinae). A vertebrados subfamília Chordopoxvirinae é constituída por oito gêneros: Orthopoxvirus, Parapoxvirus, 12 Capripoxvirus, Suipoxvirus, Leporipoxvirus, Avipoxvirus, Yatapoxvirus e Molluscipoxvirus (Tabela 1). Os membros de cada gênero são genética e antigênicamente relacionados, com morfologia similar e restrição de hospedeiros (MOSS, 2001). Cada gênero, exceto o Molluscipoxvirus, inclui espécies que causam doenças em animais domésticos e de laboratório. Existem poxvírus que até o momento não foram formalmente classificados. De fato, novos poxvírus estão sendo descobertos constantemente, incluindo vírus isolados de lagartos, rãs, cervos, cangurus, entre outros (MURPHY et al., 1999). Tabela 1. Aspectos taxionômicos importantes da família Poxviridae – subfamília Chordopoxvirinae Gênero Espécie, abreviação e nomes alternativos Hospedeiros Distribuição geográfica Orthopoxvirus Camelopox virus (CMPV) Camelos Cowpox virus (CPXV) Roedores, felinos, Europa, Ásia bovinos, animais Ocidental de zoológico, humanos Ectromelia virus (ECTV), Mousepox virus Camundongos Europa Monkeypox virus (MPXV) Roedores, primatas, humanos África Central e Ocidental Raccoonpox virus (RCNV) Guaxinins Leste dos EUA Skunkpox virus (SKPV) Gambás Oeste dos EUA Taterapox virus Gerbils África Ocidental Uasin Gishu disease virus (UGDV) Eqüinos África Central Buffalopox virus (BPXV) Búfalos, bovinos, humanos Índia Rabbitpox virus (RPXV) Coelhos EUA, Holanda África, Ásia 13 Tabela 1, Cont. Gênero Espécie, abreviação e nomes alternativos Orthopoxvirus (Cont.) Hospedeiros Distribuição geográfica Vaccinia virus (VACV) Humanos, coelhos, bovinos, búfalos, suínos Cantagalo virus (CTGV) Bovinos, humanos Brasil Variola virus (VARV) Humanos Mundial (erradicada) Ratos silvestres Oeste dos EUA Volepox virus (VPXV) Mundial Parapoxvirus Bovine papular stomatitis virus (BPSV) Bovinos, humanos Mundial Orf virus (ORFV), Contagious pustular dermatitis virus, Contagious ecthyma virus Ovinos, caprinos, bovinos, cervos, humanos Pseudocowpox virus (PCPV), Milker’s nodule virus, Paravaccinia virus Bovinos, humanos Mundial Sealpox virus Focas, humanos Mundial Auzduk disease virus, Camel contagious ecthyma virus Camelos África, Ásia Sheeppox virus (SPPV) Ovinos África, Ásia Goatpox virus (GTPV) Caprinos África, Ásia Lumpy skin disease virus (LSDV) Bovinos África Swinepox virus (SWPV) Suínos Mundial Mundial Capripoxvirus Suipoxvirus 14 Tabela 1, Cont. Gênero Espécie, abreviação e nomes alternativos Hospedeiros Distribuição geográfica Avipoxvirus Fowlpox virus (FWPV) Aves, humanos Mundial Myxoma virus (MYXV) Leporinos América do Sul Hare fibroma virus (FIBV) Lebres Europa Shope fibroma virus (SFV), Rabbit fibroma virus Coelhos EUA, Holanda Tanapox virus (TANV) Roedores, humanos África Central e Oriental Yaba monkey tumor virus (YMTV) Primatas, humanos África Ocidental Molluscum contagiosum virus (MOCV) Humanos Mundial Leporipoxvirus Yatapoxvirus Molluscipoxvirus 2.3. Caracterização dos poxvírus Os poxvírus são os maiores vírus de vertebrados e além de possuírem uma morfologia complexa, sem paralelo com outros vírus, destacam-se pela localização citoplasmática de sua replicação (MOSS, 2001). Podem ser observados por microscopia óptica como partículas sem formas características. À microscopia eletrônica, os Orthopoxvirus aparecem como partículas em forma de “tijolo” (quadrangular) e medem cerca de 140 a 230 nm por 210 a 390 nm, enquanto os Parapoxvirus apresentam forma de “fuso” (ovóide) e medem cerca de 140 a 170 nm por 220 a 300 nm (BEHBEHANI, 1995; FENNER, 2000). 15 O virion é constituído por três estruturas distintas: cerne, corpúsculos laterais e membrana externa ou envelope (Figura 1). O cerne é uma estrutura bicôncava, formada pela associação de proteínas com o ácido desoxirribonucléico (DNA) viral. Em suas cavidades, estão inseridos os corpúsculos laterais, de função ainda desconhecida. Este conjunto é envolto por duas ou três membranas lipoprotéicas, gerando diversas formas de partículas infecciosas maduras (MOSS, 2001). A membrana externa consiste de subunidades de lipoproteínas em forma de túbulos, arranjadas irregularmente, exceto nos Parapoxvirus, que formam uma estrutura espiral regular (ESPOSITO e FENNER, 2001). Os virions que são liberados das células por brotamento, ao contrário dos que são liberados por rompimento celular, têm um envelope extra que contém lipídios celulares e muitas proteínas vírus-específicas (MURPHY et al., 1999). O genoma viral consiste em uma molécula de DNA de duplo filamento linear que mede 130 a 375 kbp de comprimento e que codifica 150 a 300 proteínas, dependendo da espécie viral (MOYER et al., 2000). O VACV é o mais estudado dos poxvírus, sendo considerado o membro protótipo da família, e seu genoma consiste em aproximadamente 192.000 bp (GOEBEL et al., 1990; MOSS, 2001). As extremidades da molécula, unidas por alças de DNA de fita simples (“hairpin loops”), contêm regiões de repetições terminais invertidas (ITRs), idênticas e em orientação oposta (MOSS, 2001). O genoma viral apresenta mais de 200 quadros abertos de leituras (ORFs) e a maioria dos genes está presente em cópia única. Apesar da sobreposição de algumas regiões codificadoras, para cada ORF somente uma das fitas de DNA é transcrita. Não existem introns, as seqüências promotoras são pequenas e a transcrição é bidirecional (GOEBEL et al., 1990). Mapas de restrição de endonuclease do genoma estabelecem o critério definitivo para a distribuição de cepas de vírus em uma particular espécie de Orthopoxvirus. Espécies de Parapoxvirus não podem ser tão facilmente agrupadas desse modo. Somente os Orthopoxvirus produzem uma hemaglutinina (HA). O gene HA codifica uma glicoproteína que pode ser detectada na membrana plasmática das células infectadas e no revestimento tegumentar da membrana externa extracelular de virions envelopados. A glicoproteína é sintetizada tardiamente na infecção por Orthopoxvirus, e nenhum outro gênero de poxvírus codifica dessa maneira um gene, que marca a presença de anticorpos contra a proteína HA, sendo um bom indicador de infecções por Orthopoxvirus. As avaliações da filogênese dos Orthopoxvirus, 16 baseadas na seqüência da HA, concordam satisfatoriamente com aquelas baseadas nas diferenças de mapas de restrição e com critérios biológicos (DAMASO et al., 2000; ESPOSITO e FENNER, 2001). As funções de algumas proteínas virais foram relativamente determinadas. A maioria, com funções conhecidas, são enzimas envolvidas na síntese de ácido nucléico e de componentes estruturais do virion, tais como DNA polimerase, DNA ligase, RNA polimerase, enzimas envolvidas no revestimento e poliadenilação dos RNAs mensageiros (mRNAs) e a timidina quinase. Muitos genes de poxvírus codificam proteínas que são secretadas por células infectadas e afetam a resposta imune pela inibição de certas citocinas do hospedeiro (MURPHY et al., 1999). A infecção pelo VACV e outros Orthopoxvirus em culturas de células resulta em uma série de alterações morfológicas, denominadas coletivamente de efeito citopatogênico ou citopático (CPE), além de mudanças na permeabilidade da membrana plasmática e inibição da síntese de DNA, ácido ribonucléico (RNA) e proteínas celulares. A extensão desses efeitos depende do tipo celular, do tempo de análise e da multiplicidade de infecção (MOI) (DAMASO e MOUSSATCHÉ, 1992a; MOSS, 2001). Figura 1. Diagramas com as estruturas de virions de poxvírus que infectam animais e humanos. A, estrutura do virion do vírus da vaccínia (Orthopoxvirus). B, estrutura do virion do vírus da orf (Parapoxvirus) (ESPOSITO e FENNER, 2001). 17 2.4. Ciclo de replicação viral O VACV, membro protótipo da família Poxviridae, replica-se exclusivamente no citoplasma de células infectadas de forma quase independente das funções da célula hospedeira (MOSS, 2001). O VACV contém uma dupla fita de DNA como genoma, a qual codifica muitas enzimas requeridas para o ciclo de replicação viral. A expressão dos genes iniciais virais é mediada por uma maquinaria de transcrição empacotada dentro de virions infecciosos. Este passo cessa com a separação da partícula e a liberação do DNA viral que, depois, é replicado por enzimas codificadas pelos genes virais iniciais. Depois do início da replicação do DNA viral, a transcrição dos genes intermediários e tardios ocorre em cascata, de modo que cada fase da síntese de macromoléculas depende do sucesso do estágio anterior. Simultânea com a expressão tardia dos genes, inicia-se assincronicamente a montagem de novas partículas virais que acontece continuamente durante a fase tardia do ciclo replicativo (Figura 2) (SODEIK et al., 1993; SODEIK et al., 1994; RODRIGUEZ et al., 1997). Envelope DNA Cerne mRNA intermediário Fixação Replicação Desnudamento Penetração Fatores de transcrição tardios mRNA tardio Acondicionamento do DNA mRNA inicial Fator de transcrição Fatores de transcrição intermediários RNA-polimerase Enzima de formação do capsídeo Poli(A)-polimerase Fatores de crescimento Moléculas da defesa imune Liberação “Cauda” de actina Fatores nucleares ? Envoltório de Golgi Enzimas tardias Fatores de transcrição iniciais Proteínas estruturais Organização DNA-polimerase RNA-polimerase Maturação Figura 2. Diagrama mostrando o ciclo replicativo de poxvírus e a biossíntese de suas macromoléculas (MOSS, 2001). 18 2.4.1. Adsorção, penetração e desnudamento da partícula viral O VACV pode penetrar em todas as células das linhagens testadas, tais como, fibroblastos de embrião de galinha (CEF), células epitelióides derivadas de carcinoma laríngeo humano (HEp-2), células de glioma de rato (C6), células epitelióides tubulares distais de rim canino (MDCK), células fibroblastóides de rim de macaco verde africano (Vero), células epitelióides de rim de macaco verde africano (BSC-40) e fibroblastos de embriões de camundongos (NIH-3T3), sendo bastante provável que existam muitos receptores ou um que seja onipresente (DAMASO et al., 2000; MOSS, 2001). Os virions maduros intracelulares (IMVs), geralmente, penetram nas células por fusão com a membrana plasmática ou por vesículas formadas pelas invaginações da superfície da membrana celular (DALES e KAJIOKA, 1964; CHANG e METZ, 1976; JANECZKO et al., 1987; DOMS et al., 1990). Alguns dados sugerem que virions envelopados extracelulares (EEVs) penetram na célula por um mecanismo que envolve endocitose seguida da queda do pH e do rompimento da membrana externa dos EEVs e fusão dos IMVs liberados com as membranas endossomais (ICHIHASHI, 1996; VANDERPLASSCHEN et al., 1998). A fusão de células infectadas, mediada por curta exposição a um pH baixo, pode imitar o processo posterior pela ruptura da membrana externa de partículas virais sobre a superfície celular (DOMS et al., 1990; GONG et al., 1990). A evidência que IMVs e EEVs têm diferentes lugares de ligação inclui a eficiência com que os dois tipos de vírus ligam-se a diferentes linhagens de células, os diferentes efeitos de digestão da superfície da célula com proteases e um efeito específico de um anticorpo monoclonal na ligação dos IMVs (CHANG et al., 1995; VANDERPLASSCHEN e SMITH, 1997). Recentemente, descreveu-se que as glicosaminoglicanas de superfície celular possam servir como receptores de entrada, possivelmente, por meio da ligação às proteínas virais codificadas pelos genes A27L, H3L e D8L (CHUNG et al., 1998; HSIAO et al., 1999; LIN et al., 2000). Os mecanismos de penetração do VACV em células hospedeiras ainda são controversos e diversos estudos têm investigado em maiores detalhes essa etapa da infecção viral (SODEIK e KRIJNSE-LOCKER, 2002). Após a penetração viral, o cerne é transportado para regiões perinucleares, onde sintetiza o mRNA e sofre um segundo passo do desnudamento. Imagens feitas por microscopia eletrônica 19 sugerem que o complexo de nucleoproteínas seja liberado para o citoplasma por meio de brechas na parede do cerne (MOSS, 2001). 2.4.2. Estratégia de replicação do genoma viral O desnudamento do cerne promove a liberação do genoma viral no citoplasma, deixando-o disponível para que seja replicado por enzimas sintetizadas na etapa inicial do ciclo. A replicação do DNA viral ocorre em regiões distintas do citoplasma, denominadas virossomas ou “fábricas virais”, visíveis por microscopia óptica de fluorescência e microscopia eletrônica, mediante marcação do DNA ou proteínas associadas. Todas as etapas do ciclo posteriores à replicação do DNA viral até a morfogênese, também ocorrem nessas regiões (CAIRNS, 1960; JOKLIK e BECKER, 1964; BEAUD e BEAUD, 1997). Em infecções com alta MOI, a replicação do DNA começa a ser detectada em torno de 2 a 3 horas pós-infecção e prossegue até tempos bem tardios, resultando na produção de cerca de 10.000 cópias do genoma por célula (JOKLIK e BECKER, 1964; TRAKTMAN, 1996; MOSS, 2001). Recentemente, análises por microscopia eletrônica de transmissão de células infectadas revelaram que, logo após o início da síntese de DNA, o virossoma é englobado por membranas, provavelmente, oriundas do retículo endoplasmático, formando estruturas semelhantes a “mini-núcleos” citoplasmáticos. Essas membranas, porém, são desfeitas com o progresso da replicação do DNA, após cerca de 6 horas de infecção, quando as primeiras formas virais imaturas são formadas (TOLONEN et al., 2001). A replicação do DNA é dividida em duas etapas: síntese de DNA, na forma de intermediários concateméricos, e resolução dos intermediários, gerando monômeros maduros que se incorporam às partículas virais (TRAKTMAN, 1996). Apesar da expressão dos genes iniciais ser suficiente para a replicação do DNA viral (MERCHLINSKY, 1989), a resolução dos concatêmeros necessita da síntese de proteínas tardias (MERCHLINSKY e MOSS, 1989). 2.4.3. Expressão dos genes (transcrição e tradução) Após a liberação no citoplasma, os cernes virais são transportados para regiões perinucleares, onde sintetizam os mRNAs iniciais, por meio de um completo 20 sistema de transcrição. Para isso, um grande número de enzimas e fatores virais, envolvidos diretamente na transcrição dos genes iniciais, encontra-se presente no cerne das partículas (CONDIT e NILES, 2002). A transcrição se inicia com a ligação do fator transcricional inicial VETF (“vaccinia early transcription factor”) a seqüências específicas dos promotores iniciais (BROYLES et al., 1991). Os promotores iniciais contêm, na região central, uma seqüência-consenso rica em A/T, localizada mais próxima à extremidade 5’ do sítio de início da transcrição, determinado por uma purina (DAVISON e MOSS, 1989). A ligação de VETF ao promotor atua como sinal de recrutamento da RNA polimerase DNA-dependente viral e da proteína de 94 kDa associada à RNA polimerase (RAP94), iniciando-se, assim, a síntese de RNA (CONDIT e NILES, 2002). As cadeias nascentes de RNA são rapidamente modificadas na sua extremidade 5’, pela adição do “cap” catalisada por uma enzima viral heterodimérica (WEI e MOSS, 1975). A transcrição termina cerca de 20-50 nucleotídeos após o ponto de reconhecimento da seqüência específica UUUUUNU no RNA nascente, pela enzima de adição do “cap” que atua também como fator de terminação (SHUMAN et al., 1987). A extremidade 3’ do RNA recebe uma cauda poli (A), sintetizada pela enzima poli (A) polimerase viral (KATES e BEESON, 1970), e os transcritos, associados a proteínas (DAMASO e MOUSSATCHÉ, 1992b) são, então, transportados do cerne para o citoplasma, onde são traduzidos pela maquinaria de síntese de proteínas celulares (MOSS, 2001; CONDIT e NILES, 2002). Os mRNAs iniciais do VACV são detectados dentro de 20 minutos após a infecção e acumulam-se ao máximo em 1 a 2 horas (BALDICK e MOSS, 1993), enquanto o pico de síntese de proteínas iniciais ocorre em torno de 3 horas pós-infecção (PENNINGTON, 1974). Os produtos dos genes iniciais incluem, entre outros, DNA polimerase, RNA polimerase, enzima de adição do “cap”, proteínas envolvidas no desnudamento do cerne, no escape da resposta imune do hospedeiro, e fatores de transcrição que atuarão na fase intermediária e na fase tardia (MOSS, 2001). A estratégia de replicação do genoma promove uma grande mudança na expressão gênica viral. A necessidade da replicação do DNA para a expressão dos genes intermediários e tardios parece resultar da inacessibilidade do genoma, dentro do cerne, aos fatores de transcrição e à RNA polimerase recém-sintetizados na fase inicial (VOS e STUNNENBERG, 1988; KECK et al., 1990). Os mRNAs intermediários são detectados, logo após o início da síntese do DNA viral, acumulando-se por cerca 21 de 30 minutos, declinando-se em seguida (BALDICK e MOSS, 1993). Até o momento, apenas sete genes do VACV foram identificados como pertencentes à classe de genes intermediários. Destes, três codificam fatores de transcrição da fase tardia (VOS e STUNNENBERG, 1988; KECK et al., 1990; BALDICK e MOSS, 1993). Os promotores da fase intermediária são semelhantes aos da fase inicial quanto às regiões centrais-consenso e ricas em A/T, mas diferem na seqüência específica. O sítio inicial de síntese de RNA também é diferente e nos genes intermediários é identificado pela seqüência TAAA (MOSS, 2001). A transcrição dos genes intermediários depende de quatro fatores trans-ativadores: três codificados por genes virais iniciais e um fator celular. As proteínas VITF-1 (“vaccinia intermediate transcription factor-1”), VITF-3 e enzima do “cap” que atua como fator transcricional nesta etapa, são sintetizadas na fase inicial do ciclo (VOS et al., 1991; SANZ e MOSS, 1999). A proteína VITF-2 é um fator de origem celular, localizada no núcleo de células da linhagem HeLa (originária de carcinoma epitelióide humano) não infectada e também no citoplasma de células infectadas com VACV. Acredita-se que a presença de VITF-2 no citoplasma de células infectadas seja resultado da ativação de uma forma oculta residente ou do recrutamento de proteínas recém-sintetizadas antes de chegarem ao núcleo (ROSALES et al., 1994). Os transcritos intermediários também sofrem revestimento (“capping”) na extremidade 5’ e recebem uma cauda poli (A) na extremidade 3’. Porém, diferentemente do que ocorre com os genes iniciais, não há o reconhecimento do sinal de parada de transcrição na extremidade 3’ dos mRNAs intermediários, resultando em um conjunto de transcritos de variados tamanhos a partir do mesmo gene. Outra diferença é a presença de uma seqüência poli (A) líder, de tamanho variado, na extremidade 5’, devido ao deslizamento da RNA polimerase no sítio de iniciação da transcrição (BALDICK e MOSS, 1993). A síntese de proteínas intermediárias ativa a transcrição dos genes da fase tardia. Os mRNAs tardios são detectados, logo após o pico de acúmulo dos transcritos intermediários, e prosseguem por cerca de 48 horas (BALDICK e MOSS, 1993). Os genes tardios codificam principalmente proteínas estruturais, além de fatores transcricionais da fase inicial, RNA polimerase e outras enzimas, que comporão a partícula viral (MOSS, 2001). O promotor dos genes tardios é identificado por uma seqüência central não-conservada, rica em A/T, separada de um elemento iniciador altamente conservado 22 TAAAT, seguido de um G ou A (DAVISON e MOSS, 1989). Três proteínas virais sintetizadas na fase intermediária do ciclo são necessárias para ativar a transcrição dos genes tardios: VLTF-1 (“vaccinia late transcription factor-1”), VLTF-2 e VLTF-3 (VOS e STUNNENBERG, 1988; KECK et al., 1990; BALDICK e MOSS, 1993). O produto do gene inicial H5R, denominado VLTF-4, também é necessário e estimula intensamente a transcrição dos genes tardios (KOVACS e MOSS, 1996). Outros estudos demonstram que o fator de transcrição nuclear YY1 é encontrado no citoplasma de células infectadas e, inicialmente, foi identificado como uma proteína ligadora de promotores tardios (LPBP) (BROYLES et al., 1999), capaz de estimular a atividade transcricional tardia in vitro, e presente em extratos de células HeLa não-infectadas (ZHU et al., 1998). Anticorpos contra YY1 permitiram mostrar que LPBP e YY1 são de fato a mesma proteína e que, durante a infecção, ela é translocada do núcleo para o citoplasma (BROYLES et al., 1999). 2.4.4. Morfogênese e liberação extracelular Os processos de envelopamento, maturação e liberação dos virions de VACV, a partir da célula hospedeira, têm sido objetos de inúmeros estudos e ainda geram controvérsias. A montagem das partículas ocorre nos virossomas e tem início tão logo começa a síntese de proteínas tardias (CAIRNS, 1960; JOKLIK e BECKER, 1964). O processo é assincrônico, de tal forma que partículas virais em vários estágios da maturação podem ser observadas, simultaneamente, ao longo de toda a fase tardia da infecção. A primeira estrutura viral membranar observada apresenta forma de lua crescente. Um modelo de síntese de novo de membranas foi inicialmente proposto, sendo os crescentes formados por uma única bicamada lipídica (DALES e MOSBACH, 1968), embora tal modelo nunca tenha sido descrito para outros vírus envelopados (SODEIK e KRIJNSE-LOCKER, 2002). Uma visão alternativa, mais na linha da biologia celular, é que o envelope viral seria composto de duas membranas justapostas, derivadas de um mecanismo de empacotamento do compartimento intermediário entre o retículo endoplasmático e o complexo de Golgi (SODEIK et al., 1993; SALMONS et al., 1997). Os crescentes se formam na periferia de massas densas de nucleoproteínas, denominadas viroplasma, que são parcialmente englobadas e se desenvolvem em estruturas esféricas, denominadas vírus imaturos (IVs). Os IVs com matriz interna de maior eletrodensidade são 23 posteriormente formados e denominados IVs densos. As membranas de crescentes e IVs acumulam proteínas virais tardias de membrana, enquanto a matriz eletrodensa interna contém proteínas típicas do cerne viral (SODEIK e KRIJNSE-LOCKER, 2002). A matriz eletrodensa dos IVs é condensada, em seguida, forma estruturas conhecidas como IVs com nucleóide (IVNs), que correspondem ao empacotamento do DNA genômico (SODEIK e KRIJNSE-LOCKER, 2002). Os eventos posteriores de maturação da partícula viral parecem se correlacionar com o processamento proteolítico de algumas proteínas formadoras do cerne, resultando na formação de IMVs (VANSLYKE e HRUBY, 1994; SODEIK e KRIJNSE-LOCKER, 2002). Uma pequena parte dos IMVs formados desloca-se, por meio da rede de microtúbulos (SANDERSON et al., 2000), e é envolvida por duas membranas adicionais derivadas da rede trans-Golgi (HILLER e WEBER, 1985; SCHMELZ et al., 1994) ou de endossomas iniciais (TOOZE et al., 1993), nas quais estão inseridas proteínas virais, resultando no virion envelopado intracelular (IEV). Os IEVs direcionam-se à membrana plasmática com o auxílio da rede de microtúbulos, onde se fundem, perdendo a membrana mais externa recém-adquirida, formando os virions envelopados associados à célula (CEVs). Estes são projetados para as células vizinhas, por meio da polimerização de caudas de actina (HOLLINSHEAD et al., 2001; WARD e MOSS, 2001). A liberação do CEV resulta no virion envelopado extracelular (EEV). A forma CEV é a principal responsável pela transmissão do vírus célula-a-célula, enquanto o EEV promove a disseminação em longo alcance, mais importante na infecção in vivo (MOSS, 2001; SODEIK e KRIJNSE-LOCKER, 2002). 2.4.5. Citopatologia e formação de corpúsculos de inclusão A infecção de células em culturas de tecidos com o VACV ou com outros Orthopoxvirus resulta em um extenso CPE, mudanças na permeabilidade da membrana e inibição da síntese de proteínas, DNA e RNA (MOSS, 2001). As Mudanças degenerativas no tecido epitelial são causadas pela replicação viral e induz a formação de lesões vesiculares típicas de infecções causadas por muitos poxvírus (YAGER e SCOTT, 1993). Histologicamente, as lesões causadas por poxvírus começam com as células epidérmicas intumescidas e vacuoladas, geralmente afetando primeiro as 24 células do estrato espinhoso externo. Existem evidências, em função de estudos experimentais, que na pós-infecção, os queratinócitos proliferados são o alvo para a replicação viral. A ruptura dos queratinócitos danificados produz vesículas multiloculadas, caracterizando uma degeneração reticular. As lesões iniciais da derme incluem edema, dilatação vascular, um infiltrado celular mononuclear perivascular e um infiltrado variável de neutrófilos e eosinófilos. As células polimorfonucleares migram na epiderme e agregam-se às vesículas, formando conteúdos pustulares. As pústulas intra-epidermais grandes podem ser formadas e, às vezes, estendem-se na derme superficial. Há normalmente uma marcada hiperplasia epitelial, podendo haver uma hiperplasia pseudocarcinomatosa do epitélio adjacente (ESPOSITO e FENNER, 2001; YAGER e SCOTT, 1993). Na varíola bovina, são observados um maior espessamento epitelial, uma necrose celular mais lenta do que na vaccínia e um maior envolvimento dos tecidos mesodermais (ESPOSITO e FENNER, 2001). Os corpúsculos de inclusão intracitoplasmáticos, efeito da replicação viral de grande valor diagnóstico, constituem uma característica histopatológica de infecções causadas por poxvírus (ESPOSITO e FENNER, 2001). Existem dois tipos de corpúsculos de inclusão, os quais foram distinguidos como inclusões do tipo-A e inclusões do tipo-B. As inclusões do tipo-A são geralmente esféricas e coradas fortemente pela eosina, características de células infectadas com CPXV, RCNV, ECTV, VPXV, SKPV e alguns vírus do gênero Avipoxvirus, particularmente, o FWPV. As inclusões do tipo-B, de forma irregular, coradas fracamente pela maioria dos corantes histológicos, são produzidas por todos os poxvírus e constituem o viroplasma (local de replicação viral). Estas foram primeiramente descritas em células infectadas com o VARV e VACV por Guarnieri, em 1892, sendo identificadas como corpúsculos de Guarnieri (FENNER et al., 1988; ESPOSITO e FENNER, 2001). As células infectadas com o CPXV apresentam uma característica surpreendente que é a presença dos dois tipos de inclusões citoplasmáticas (ESPOSITO e FENNER, 2001). A proteína ATI (“acidophilic type inclusion”), produzida pelo CPXV, foi caracterizada morfologicamente por microscopia eletrônica e, bioquimicamente, pela determinação do seu peso molecular de aproximadamente 160 kDa por western blot (KNIGHT et al., 1992). A presença da proteína ATI em células infectadas pelo CTGV foi excluída morfologicamente pela microscopia eletrônica e, bioquimicamente, pela determinação do peso molecular da proteína ATI 25 do CPXV. O CTGV produz uma proteína truncada com peso molecular de 94 kDa, ao contrário da proteína produzida pelo CPXV (DAMASO et al., 2000). Todos os Orthopoxvirus produzem “pocks” na membrana corioalantóica (MCA). Basicamente, estes “pocks” são focos necróticos, de coloração branco-acinzentada, variando em diâmetro de 0.4 mm a 4.0 mm, conforme a espécie viral. São produzidos por uma combinação de hiperplasia do ectoderma da MCA e infiltração de células no mesoderma, (FENNER et al., 1988). Algumas vezes, apresentando-se como focos hemorrágicos, de acordo com a espécie viral. As variadas cepas de VACV produzem “pocks” grandes, opacos, brancos ou hemorrágicos. O VARV produz “pocks” pequenos, opacos e brancos e o MPXV produz “pocks” pequenos, opacos e hemorrágicos. Em contraste, os “pocks” produzidos pelo CPXV são grandes e hemorrágicos (vermelhos luminosos), porque ocorre uma infiltração muito pequena de leucócitos e hemorragias capilares. Os Parapoxvirus não produzem “pocks” na MCA (FENNER et al., 1988; ESPOSITO e FENNER, 2001). 2.5. Aspectos epidemiológicos das poxviroses 2.5.1. Orthopoxviroses 2.5.1.1. Varíola humana (smallpox) A taxa de mortalidade em surtos de varíola maior no milênio passado foi ocasionalmente próxima de 30%, com variações consideráveis em diferentes regiões geográficas que foram provavelmente influenciadas pela coincidência de fatores, tais como, estado nutricional ou qualidade da vigilância de saúde. Durante o intensificado programa de erradicação da varíola realizado pela OMS, no período de 1967 a 1980, as taxas de mortalidade foram de aproximadamente 10% na África e 20% na Ásia, as quais sugeriram que a cepa viral também disputou uma posição no resultado da infecção. A varíola menor (alastrin), a qual emergiu perto do fim do século XIX, foi associada com uma taxa de mortalidade de 1% ou menos em todos os países afetados (FENNER et al., 1988). As pessoas não vacinadas de todas as idades foram susceptíveis à varíola, porém a mortalidade foi mais elevada nos mais jovens e nos mais idosos. O período 26 de incidência da infecção depende de circunstâncias epidemiológicas. Em grupos de grandes populações de caráter endêmico, a varíola foi uma doença de infância. Nas populações rurais, a doença esteve ausente por muitos anos, porém, no seu reaparecimento, pessoas de idades variadas ficaram susceptíveis e uma epidemia ocorreu. Quando a varíola foi introduzida nas Américas do Sul, Central e do Norte, e na Austrália, epidemias enormes aconteceram com taxas de mortalidade muito altas, em parte devido a problemas sócio-econômicos, por causa de doenças simultâneas em adultos de sociedades subsistentes, sem reservas de comida (ESPOSITO e FENNER, 2001). 2.5.1.2. Varíola do macaco (monkeypox) Os humanos acometidos pela varíola do macaco, uma zoonose rara, são observados em aldeias nas florestas tropicais da África Central e Ocidental, especialmente, na República Democrática do Congo (JEZEK e FENNER, 1988; MURPHY et al.,1999). Entre 1970 e 1995, quase 400 casos foram clinicamente diagnosticados e examinados por testes laboratoriais, a maioria na República Democrática do Congo. Desses, 338 casos, incluindo 33 (9,8%) mortes, foram descobertos em 5 províncias da República Democrática do Congo durante uma intensificada vigilância da OMS, no período de 1981 a 1986. Neste estudo, 67% dos casos foram substanciados pelo isolamento viral, 30% por sorologia e 3%, por dados clínicos fortes. A análise dos dados indicou que 72% dos 338 casos adquiriram a doença de animais selvagens, provavelmente, esquilos infectados capturados para alimentação; e a taxa de ataque secundário em pessoas deficientes de proteção cruzada pela vacinação da varíola foi estimada em 7,5%. Os resultados dos estudos indicaram poucos casos e a dependência de um reservatório-animal para sustentar a infecção humana, principalmente, devido à baixa transmissão (28%) entre humanos do MPXV (HEYMANN et al., 1998; ESPOSITO e FENNER, 2001). Durante maio e junho de 2003, um surto de doença febril com erupções vesículo-pustulares ocorreu entre pessoas nos Estados Unidos que haviam mantido contato com cães doentes de pradaria de estimação. Na ocasião, o MPXV foi identificado pelo isolamento em cultura de células e pela detecção da seqüência específica de DNA das amostras biológicas dos humanos e cães doentes de pradaria. A investigação epidemiológica do surto concluiu que os cães de pradaria 27 haviam estado em contato com uma espécie de roedor recentemente importada da África Ocidental para os Estados Unidos para ser vendido como animal de estimação (REED et al., 2004). Os anticorpos específicos do MPXV foram observados em muitas espécies de macacos e com grande freqüência em 4 espécies de esquilos, as quais provavelmente constituem o hospedeiro reservatório. As infecções em humanos ocorrem durante o manejo ou na ingestão de esquilos e macacos infectados; a infecção de humano para humano provavelmente ocorre por via respiratória (FENNER et al., 1988). 2.5.1.3. Vaccínia (vaccinia) O VACV, ordinariamente, não possui nenhuma distinção de epidemiologia, em virtude da pequena capacidade de propagação entre humanos. No período da erradicação da varíola humana, a vacinação foi praticada em tão grande escala que, ocasionalmente, animais domésticos, incluindo vacas, porcos, coelhos e búfalos, foram, acidentalmente, infectados com o vírus, e humanos foram, na ocasião, infectados a partir das lesões nos animais domésticos (FENNER et al., 1988). No Brasil, o CTGV foi isolado em 1999 do rebanho bovino leiteiro e de retireiros no estado do Rio de Janeiro, o qual foi identificado e caracterizado molecularmente como uma nova cepa do VACV (DAMASO et al., 2000). Em 2003, no estado de São Paulo foi isolada, também a partir do rebanho bovino leiteiro e de retireiros, uma outra cepa do VACV, o vírus Araçatuba, o qual é muito similar ao CTGV (TRINDADE et al., 2003). Surtos de BPXV ocorreram em búfalos de água (Bubalis bubalis) na Índia, Egito e Indonésia, onde búfalos eram usados para produção de leite (MURPHY et al., 1999). A doença tem persistido na Índia, desde a interrupção da vacinação contra a varíola humana (MURALEEDHARAN et al., 1989). O BPXV era considerado uma espécie distinta, porém em conseqüência dos resultados do mapeamento de restrição da endonuclease do DNA de alguns isolados, passou a ser caracterizado como uma subespécie de VACV (DUMBELL e RICHARDSON, 1993), embora seja ligeiramente diferente de cepas laboratoriais de VACV e de cepas que foram usadas para vacinação contra a varíola humana nas regiões de surtos (MURPHY et al., 1999). 28 A varíola do búfalo é caracterizada por lesões pustulares nas tetas e úberes de bubalinos fêmeas e vacas leiteiras e, ocasionalmente, em novilhos, trata-se de uma doença generalizada. As lesões podem ocorrer nas mãos e faces dos retireiros e na boca das pessoas que bebem leite não pasteurizado de animais infectados (ESPOSITO e FENNER, 2001). Várias das cepas, recentemente, isoladas de BPXV parecem ter sido mantidas na natureza pelas infecções consecutivas de búfalos e vacas leiteiras ou, possivelmente, por algum animal selvagem hospedeiro (DUMBELL e RICHARDSON, 1993). 2.5.1.4. Varíola bovina (cowpox) A vaca é um hospedeiro acidental e ocasional do CPXV, porém vacas, gatos e animais selvagens podem ser infectados por um reservatório-roedor. Os humanos podem ser infectados pelo contato com fontes de vida selvagem ou com animais de várias espécies infectados de forma acidental, especialmente, gatos domésticos (FENNER et al., 1988). A varíola bovina está restrita a certos países da Europa/Ásia e acredita-se que não ocorra nas Américas, sendo mantida por certos animais nativos. Logo, casos referidos como “varíola bovina”, no Brasil, não puderam assim ser confirmados (DAMASO et al., 2000). 2.5.2. Parapoxviroses 2.5.2.1. Orf (orf) A orf é uma doença de ovinos e caprinos com prevalência mundial, com infecções incidentais, ocorrendo em humanos, bovinos, ruminantes selvagens e, muito raramente, em cães (YAGER e SCOTT, 1993; ESPOSITO e FENNER, 2001). A orf em humanos é uma doença ocupacional, não fatal, de pessoas que trabalham com animais, incluindo veterinários, tosquiadores e fazendeiros. A morbidade em uma população susceptível pode alcançar 90%, mas a mortalidade raramente excede a 1%, a menos que ocorram infecções secundárias (YAGER e SCOTT, 1993). As lesões primárias em animais e humanos causam 29 maior morbidade que as lesões adquiridas pela reinfecção (ESPOSITO e FENNER, 2001). Os ovinos são susceptíveis à reinfecção e a infecções crônicas. Estas características, somadas à resistência viral, explicam como o ORFV, uma vez introduzido no rebanho, torna-se difícil de ser erradicado. A propagação da infecção pode ocorrer pelo contato direto ou por exposição a cochos com forragem contaminada e também fômites (MURPHY et al., 1999). A persistência do vírus em rebanhos é própria, em grande parte, devido à infecciosidade persistente de virions em crostas de ferida que caem sobre a pastagem ou solo (FENNER et al., 1988). 2.5.2.2. Pseudovaríola bovina (pseudocowpox) A pseudovaríola bovina ocorre em toda a parte do mundo. A epizootiologia da doença em vacas indica que a infecção pode ser enzoótica no gado e persistir em pequenos rebanhos, em contraste com a varíola bovina que é esporádica (ROBINSON e LYTTLE, 1992). Os nódulos dos ordenhadores são contraídos pelo contato com animais infectados e, por sua vez, os animais podem ser contaminados a partir das lesões dos retireiros por meio de pequenas abrasões nas tetas ou por transmissão via ordenhadeira mecânica (ESPOSITO e FENNER, 2001). A morbidade em um rebanho é de aproximadamente 100% (YAGER e SCOTT, 1993). Os ciclos de reinfecção podem ocorrer nos rebanhos, especialmente, no outono e primavera (ESPOSITO e FENNER, 2001). 2.5.2.3. Estomatite papular bovina A estomatite papular bovina, normalmente, é de pouca importância clínica, porém ocorre no mundo inteiro, afetando o gado de todas as idades, entretanto a incidência é mais alta em animais com menos de 2 anos de idade. A imunidade é de curta duração e o gado pode vir a ser reinfectado (MURPHY et al., 1999). Os bezerros de gado de corte podem transmitir a enfermidade, a partir de lesões nos focinhos para as tetas de suas mães durante o aleitamento (ESPOSITO e FENNER, 2001). 30 2.6. Aspectos clínicos e lesões das poxviroses 2.6.1. Orthopoxviroses 2.6.1.1. Varíola humana (smallpox) Duas variedades de varíola humana são distinguidas em relação à severidade da doença e à taxa de mortalidade: a varíola maior, uma doença convencional de épocas primitivas; e a varíola menor (chamada alastrin na América do Sul), a qual foi endêmica juntamente com a varíola maior nas Américas e África (FENNER et al., 1988). O período de incubação da varíola humana é de 10 a 14 dias. O início dos sintomas, ou período prodrômico, é agudo, com febre, mal-estar, mialgia e dor lombar. Esta fase toxêmica dura aproximadamente 5 dias. Em pessoas de pele clara, o início dos sintomas pode ser acompanhado por uma erupção eritematosa da pele ou, raramente, por uma erupção petequial, ambas distintas da erupção vesículo-pustular. No terceiro dia após o início dos sintomas, as erupções da pele começam a formar-se primeiro na face, antebraço, mãos e membros inferiores e, por volta de um dia, alastra-se no tronco. Em contraste com outras enfermidades causadas por poxvírus, as lesões causadas pelo VARV aparecem simultaneamente assim que a febre começa baixar. Tais lesões, muitas vezes, surgem nas solas dos pés e palmas das mãos. As lesões da varíola humana começam como máculas, mas, logo, tornam-se pápulas firmes e, depois vesículas, tornando-se rapidamente pústulas opacas que se apresentam elevadas na pele e firmes ao toque. Aproximadamente 8 a 9 dias após o início das erupções, as pústulas tornam-se umbilicadas e iniciam o processo de secagem, tornando-se crostas entre os dias 14 e 16. Dentro de 4 dias, a maioria das crostas soltam-se, exceto aquelas nas palmas e solas, que são as últimas a cairem (FENNER et al., 1988; ESPOSITO e FENNER., 2001). 2.6.1.2.Varíola do macaco (monkeypox) Os sinais clínicos da varíola do macaco em humanos são geralmente indistinguíveis daqueles da varíola humana, sendo que os linfonodos inguinal e 31 cervical estão mais enfartados na varíola do macaco que na varíola humana (JEZEK e FENNER,1988). 2.6.1.3. Vaccínia (vaccinia) O VACV introduzido deliberadamente na pele, pela vacinação, produz uma pápula no local em 3 a 4 dias que, após 2 a 3 dias, progride para uma vesícula pústulo-umbilicada. O conteúdo da lesão causada pela vacinação, rapidamente, torna-se turvo com infiltrado de células inflamatórias e o centro fica endurecido, rodeado por um eritema, atingindo o diâmetro máximo, aproximadamente, em 11 dias. Neste período, os linfonodos axilares se apresentam aumentados e muitos pacientes desenvolvem uma febre branda. Forma-se uma pústula, que seca do centro para fora, originando uma crosta, que cai em aproximadamente 3 semanas, deixando uma cicatriz, identificada como a marca epidemiológica da vacinação, sendo reconhecida por muitos anos (FENNER et al., 1988; ESPOSITO e FENNER., 2001). O quadro clínico das infecções pelo CTGV e vírus Araçatuba, em vacas leiteiras, ocorre como pápulas que evoluem para vesículas e, posteriormente, para pústulas nas tetas e úberes. Em humanos, lesões semelhantes ocorrem nas mãos, antebraços e, ocasionalmente, nas faces. O curso da doença evolui em aproximadamente 3 semanas, com febre alta, prostração e linfadenite satélite. Raramente, ocorrem lesões em grande número e em várias partes do corpo, com um quadro clínico mais grave (DAMASO et al., 2000; FERNANDES et al., 2003; TRINDADE et al., 2003). 2.6.1.4. Varíola bovina (cowpox) O CPXV produz lesões similares em animais e humanos infectados (BAXBY e BENNETT, 1997). Atualmente, infecções pelo CPXV são mais comumente observadas entre gatos domésticos e transmitidas ocasionalmente a humanos. Em humanos, as lesões, normalmente, aparecem como pápulas que evoluem para vesículas e, posteriormente, para pústulas antes de formarem uma crosta nas mãos ou na face, acompanhada de sinais sistêmicos, como, náusea, febre e linfadenopatia. Em gado bovino leiteiro, lesões semelhantes estão localizadas nas 32 tetas e úberes, transmitidas durante a ordenha (YAGER e SCOTT, 1993; MURPHY et al., 1999; ESPOSITO e FENNER, 2001). 2.6.2. Parapoxviroses 2.6.2.1. Orf (orf) O ORFV produz lesões, comumente, localizadas no focinho e na boca, entretanto, lesões no interior da boca afetando a gengiva e a língua podem ocorrer, especialmente em cordeiros. As lesões podem afetar também as pálpebras, pés e as tetas. A doença ocorre como pápulas que evoluem para vesículas e, depois, para pústulas e, a seguir, formam uma crosta. A infecção em humanos pode ocorrer entre pessoas expostas ocupacionalmente (MURPHY et al., 1999). Em humanos, as lesões são de 1 a 3 cm de diâmetro e, ocasionalmente, múltiplas. As lesões têm um período de incubação de 2 a 4 dias, progredindo de máculas para pápulas e, depois, para nódulos bastante grandes. O quadro clínico dura 4 a 9 semanas, e a cura das lesões ocorre sem a formação de cicatriz, porém as infecções secundárias podem retardar o restabelecimento. Complicações severas, como febre, adenite regional, linfangite ou cegueira, quando o olho é afetado, são raramente observadas (MURPHY et al., 1999; ESPOSITO e FENNER, 2001). 2.6.2.2. Pseudovaríola bovina (pseudocowpox) As lesões da pseudovaríola bovina são localizadas nas tetas, úberes e períneo, começando como uma mácula eritematosa, mas não formam uma pústula umbilicada como observada em infecções pelo CPXV e VACV. As lesões são caracterizadas por cicatrizes em forma de “anel” ou “ferradura”, a última sendo patognomônica para a doença (YAGER e SCOTT, 1993; MURPHY et al., 1999). Lesões semelhantes podem ocorrer no focinho e dentro da boca de bezerros em aleitamento (MURPHY et al., 1999). Os nódulos dos ordenhadores aparecem entre 5 a 7 dias após exposição, como uma pápula vermelha hemisférica que, gradualmente, estende-se para um nódulo hemisférico, plano, firme, elástico e púrpuro que pode atingir 2 cm de diâmetro e pode ser umbilicado, quando completamente desenvolvido. As lesões 33 são relativamente menos doloridas, mas podem coçar. São altamente vascularizadas, o que explica a cor púrpura, porém não ulceram. O tecido de granulação compõe a massa do nódulo e, gradualmente, torna-se absorvido. As lesões desaparecem em torno de 5 semanas. A única evidência de um efeito sistêmico é ocasionalmente o leve aumento dos linfonodos (ESPOSITO e FENNER, 2001). 2.6.2.3. Estomatite papular bovina As lesões da estomatite papular bovina estão localizadas sobre o focinho, margens da boca e mucosa bucal e são semelhantes àquelas produzidas na pseudovaríola bovina (MURPHY et al., 1999). As lesões em humanos, geralmente, estão localizadas sobre as mãos, e são menos comuns que na orf ou nódulos dos ordenhadores, provavelmente, devido ao contato físico entre os vaqueiros e o gado de corte ser menor que entre os tosquiadores e ovelhas, e do que entre retireiros e o gado leiteiro (CARSON et al., 1968). 2.7. Patogênese e aspectos imunológicos das infecções por poxvírus O VARV e MPXV induzem doenças sistêmicas com febre e erupções na pele, em infecções experimentais em macacos, geralmente, assemelhando-se àquelas em humanos, embora as cepas virulentas do VARV, freqüentemente, produzam uma infecção atenuada com transmissão reduzida (FENNER et al., 1988). A patogênese do MPXV em humanos, provavelmente, é similar àquela do VARV, exceto pela entrada do vírus em infecções primárias a partir de uma fonte de vida selvagem. Provavelmente, ocorre por meio de pequenas lesões na pele ou na membrana mucosa oral e em casos de infecção de pessoa para pessoa por via respiratória (JEZEK e FENNER, 1988). Durante a fase de erupções na pele, no quadro clínico da varíola humana, pessoas com a doença ativa podem transmitir virions por dissipação pela boca ao falar ou tossir. A inalação de gotículas de aerossóis provenientes de um enantema orofaringeano pode carrear o vírus à mucosa respiratória e orofaringeana de um indivíduo susceptível. Quaisquer células, inicialmente, infectadas carreiam vírus aos macrófagos do trato respiratório, os quais por volta de 3 dias atingem a corrente 34 sangüínea e linfática, alcançando os linfonodos regionais, entre 4 e 10 dias. A infecção não é contagiosa durante 1 a 2 semanas da inoculação, antes do desenvolvimento do enantema orofaringeano e da erupção de exantema na pele (ESPOSITO e FENNER, 2001). O vírus percorre diversos locais para sua replicação, como os órgãos linfóides (baço, medula óssea e linfonodos). Um conjunto de sintomas prodrômicos, tais como febre de aproximadamente 40ºC, mialgia por todo o corpo são observados. Com a queda da temperatura, desenvolve-se um enantema orofaringeano que atinge a faringe, úvula, laringe e língua e, menos freqüentemente, a traquéia e os brônquios, de onde o vírus é secretado por, aproximadamente, 1 semana. Os vírus associados a células, na provável forma de monócitos infectados, migram de vasos da derme para a epiderme, onde transmitem a infecção para as células da camada basal. Como parte da resposta inflamatória, polimorfonucleares migram para o lúmen de vesículas desenvolvidas, conferindo-lhe um conteúdo pustular. As erupções na pele evoluem para pústulas, em um período de 3 dias, e estas tornam-se umbilicadas, podendo se unir. As pústulas então progridem para crostas ou cicatrizes dentro de 2 semanas (ESPOSITO e FENNER, 2001). Após a infecção pela maioria dos agentes virais, macrófagos e linfócitos infectados induzem a produção de interferons (IFNs) do tipo I, os quais estimulam as células matadoras naturais (Natural Killer – NK) a lisar as células infectadas por vírus, independentemente da especificidade imunológica convencional. As células NK reconhecem preferencialmente as células infectadas nas quais os vírus inibem a expressão do complexo maior de histocompatibilidade (MHC) da classe I (ESPOSITO e FENNER, 2001; ABBAS et al., 2003). A ativação da cascata do complemento também serve como uma primeira linha de defesa do hospedeiro. Macrófagos e células dendríticas processam antígenos em peptídeos que complexa com produtos do MHC para apresentar antígenos aos linfócitos derivados do timo. Os linfócitos T citotóxicos CD8+ (CTLs) respondem prontamente com a expansão clonal específica, a fim de “limpar” as células infectadas rapidamente. Os linfócitos T auxiliares CD4+ tipo 1 disputam uma função na indução duradoura da atividade do CTL, e os linfócitos T auxiliares CD4+ tipo 2 interagem com células B para produzir a neutralização viral e a agregação de imunoglobulinas que previnem a infecção subseqüente. Os CTLs reconhecem os antígenos apresentados em conjunção com 35 a classe I do MHC, considerando que as células auxiliares CD4+ reconhecem os antígenos apresentados em conjunção com a classe II do MHC. Os CTLs reconhecem predominantemente as proteínas originadas no citosol, processadas por antígenos presentes nas células, tais como células dendríticas, macrófagos e células B, considerando que as células T auxiliares reconhecem os antígenos exógenos processados e apresentados por estas mesmas células (ESPOSITO e FENNER, 2001). Os efeitos antivirais dos CTLs são principalmente devido à lise das células infectadas, porém outros mecanismos incluem a ativação de nucleases dentro das células nucleadas, que degradam os genomas virais e a secreção de citocinas com atividade de IFN. A produção de citocinas e concomitantes interações com receptores são responsáveis pelos processos de tradução de sinais que regulam a cadeia imune. (ESPOSITO e FENNER, 2001; ABBAS et al., 2003). Os experimentos clássicos, demonstrando a imunidade mediada por célula na cura de poxviroses, confirmam a função vital da resposta mediada por célula como crucial para a liberação viral e a resposta humoral como importante para a resistência às infecções subseqüentes com o mesmo vírus ou vírus afins (COLE e BLANDEN, 1982). O VACV e o CPXV, geralmente, produzem lesões localizadas no lugar de sua introdução, como por exemplo, por inoculação em uma vacina deliberada ou por pequenas abrasões na pele. As complicações sistêmicas são raras após a infecção (ESPOSITO e FENNER, 2001). Macrófagos e células de Langerhans na pele transportam o VACV e o CPXV para os linfonodos de drenagem, apresentando antígenos virais para os linfócitos imunocompetentes (BECKER e SPRECHER, 1989; HERNANDO et al., 1994). Os anticorpos específicos, formados pelos linfócitos B após a interação com linfócitos T auxiliares CD4+ tipo 2, podem prevenir a infecção pelo vírus de células susceptíveis. Em contraste, os CTLs fornecem um maior mecanismo para controle e impedimento de algumas infecções iniciadas pelo vírus que escapou à neutralização por anticorpos pré-existentes como exemplo, pode-se citar a vacinação. Os linfócitos T auxiliares CD4+ tipo 1 disputam uma função maior na indução de uma resposta CTL duradoura. No caso de um hospedeiro sensível, a resposta CTL ocorre primeiro e é responsável pelo afastamento da infecção, embora os anticorpos formados logo após possam ser importantes para prevenir a liberação de partículas virais de lugares de difícil alcance para os CTLs, tais como, a pele (ADA e BLANDEN, 1994). 36 Todos os poxvírus de vertebrados compartilham um antígeno nucleoprotéico no interior do cerne. Ocorre a reatividade sorológica cruzada entre os vírus de determinado gênero, porém a reatividade é muito limitada entre gêneros diferentes. Conseqüentemente, a imunização com VACV (Orthopoxvirus) não fornece nenhuma proteção contra as doenças causadas por Parapoxvirus ou por poxvírus não classificados (BROOKS et al., 2000). 2.8. Diagnóstico laboratorial Vários métodos laboratoriais estão disponíveis para a confirmação de infecções por poxvírus. O diagnóstico laboratorial de uma infecção ativa é feito pela detecção de virions característicos no material da lesão, por microscopia eletrônica, e pela verificação de gêneros e espécies por testes biológicos e moleculares (FENNER e NAKANO, 1988; ROPP et al., 1999). 2.8.1. Isolamento e identificação viral 2.8.1.1. Propagação viral em membrana corioalantóica de ovos embrionados A identificação de poxvírus em MCA de galinha baseia-se no efeito da propagação viral nesse sistema biológico. Tal via é freqüentemente usada para o isolamento e propagação de vírus que produzam placas ou “pocks” na MCA (LENNETTE, 1995). A incubação artificial dos ovos embrionados deve ser feita em uma temperatura entre 33 a 35ºC, com umidade em torno de 62% e circulação de ar. A umidade e circulação de ar são importantes para evitar a dessecação da membrana da casca que serve como sistema de troca de ar para o desenvolvimento do embrião (COUCEIRO et al., 1997). O isolamento viral é obtido por inoculação de líquido vesicular das lesões, na MCA de ovos embrionados de galinha com 9 a 11 dias. Os Orthopoxvirus produzem lesões necróticas (“pocks”) nas MCAs que diferem entre si (DAMASO et al., 2000). Ao passo que os Parapoxvirus não produzem “pocks” nas MCAs (BROYLES e MOSS, 1987; EARL et al., 1990). 37 2.8.1.2. Propagação viral em culturas de células A propagação viral em culturas de células humanas e de animais tem sido essencial para o desenvolvimento da Virologia. As culturas de células permitem o isolamento de vírus, a execução de ensaios de infecciosidade, os estudos bioquímicos e a produção de vacinas (COUCEIRO et al., 1997). Uma variedade de culturas de células pode ser usada para o isolamento de muitos poxvírus (BEHBEHANI, 1995), tais como, CEF, HEp-2, C6, MDCK, Vero, BSC-40 e NIH-3T3 (DAMASO et al., 2000). Em culturas de células, os vírus são replicados e podem produzir modificações estruturais conhecidas como CPE. O CPE é característico para cada grupo de vírus (COUCEIRO et al., 1997). Os VACV, CPXV e MPXV levam à aglomeração das células e a seu desligamento, formando placas de 2 a 6 mm e pontes de redes citoplasmáticas dentro de 3 dias. O VARV, contudo, causa focos multinucleados na monocamada de células aglomeradas e, geralmente, um agrupamento hiperplásico das células infectadas dentro de 3 dias, porém as placas são menores, 1 a 3 mm (BEHBEHANI, 1995). Os Parapoxvirus podem ser cultivados a partir de homogeneizados de lesões de humanos ou animais, em culturas de células primárias de rim fetal de bovinos e ovinos, e amnióticas de humanos. Uma vez em cultura, o isolado, geralmente, pode ser passado dentro de determinadas linhagens de células, tais como, fibroblasto de embrião humano ou em células de rim de macaco (BROYLES e MOSS, 1987). 2.8.2. Microscopia 2.8.2.1. Microscopia óptica As características morfológicas, a citopatologia típica e os corpúsculos de inclusão eosinofílicos intracitoplasmáticos (corpúsculos de Guarnieri) das lesões causadas por poxvírus são usadas para o diagnóstico de poxviroses por meio da técnica de coloração pela hematoxilina e eosina (H&E) para microscopia óptica (YAGER e SCOTT, 1993; BEHBEHANI, 1995; MARTINEZ et al., 2000; ESPOSITO e FENNER, 2001). 38 2.8.2.2. Microscopia eletrônica de transmissão 2.8.2.2.1. Contrastação negativa O exame direto do espécime clínico ao microscópio eletrônico de transmissão é realizado para a rápida identificação de partículas virais, tornando assim possível diferenciar uma infecção por poxvírus de outras infecções (BROOKS et al., 2000). O líquido vesicular, espécime clínico proveniente de lesões causadas por poxvírus, atualmente é utilizado em microscopia eletrônica de transmissão de contraste negativo, por conter um número substancial de partículas virais, sendo dessa forma um procedimento seguro e confiável (BEHBEHANI, 1995). Por serem semelhantes em tamanho e morfologia, os Orthopoxvirus não podem ser diferenciados uns dos outros. Similarmente, os Parapoxvirus têm o mesmo tamanho e morfologia e, desse modo, também não podem ser diferenciados uns dos outros. Entretanto, devido às diferenças de tamanho e de morfologia existentes entre os 2 gêneros, estes são distinguidos um do outro (BEHBEHANI, 1995). 2.8.2.2.2. Cortes ultrafinos O melhor método para detecção viral em culturas de células são os cortes ultrafinos, entretanto o contraste negativo tem sido bastante usado (MILLER, 1995). O tamanho e a morfologia viral, bem como as etapas do ciclo replicativo, podem ser observadas por meio da microscopia eletrônica de transmissão de cortes ultrafinos em células infectadas (MILLER, 1995; MARTINEZ et al., 2000; BROOKS et al., 2000; DAMASO et al., 2000). Os Orthopoxvirus não podem ser diferenciados entre si por possuírem tamanho e morfologia semelhantes, da mesma forma que os Parapoxvirus. Entretanto, os dois gêneros podem ser diferenciados entre si, quanto ao tamanho e morfologia, pela microscopia eletrônica de cortes ultrafinos (BEHBEHANI, 1995; MILLER, 1995; BROOKS et al., 2000). 39 2.8.3. Testes sorológicos 2.8.3.1. Teste de inibição da hemaglutinação O teste de inibição da hemaglutinação (HI) é específico e de boa sensibilidade, o qual se baseia na ligação do anticorpo à hemaglutinina viral, de que resulta a inibição da capacidade hemaglutinante do vírus (CANDEIAS, 1996; BROOKS et al., 2000). O teste é executado em 2 etapas. Na primeira etapa, o vírus hemaglutinante infeccioso é misturado com o anticorpo. Se o anticorpo é específico para o vírus, vai ligar-se àquele e inibir sua capacidade de produzir a hemaglutinação. Na segunda etapa, são adicionados eritrócitos à mistura da primeira etapa; o vírus complexado ao anticorpo não possui capacidade de produzir a hemaglutinação. Quando os anticorpos na primeira etapa não são específicos para o vírus, não há formação do complexo antígeno-anticorpo, e o vírus mantém sua capacidade de induzir a hemaglutinação (COUCEIRO et al., 1997). Uma hemaglutinação comum é produzida somente por Orthopoxvirus. Assim, esse teste não diferencia membros do gênero e não pode ser usado para outros poxvírus (BEHBEHANI, 1995). 2.8.3.2. Teste de imunofluorescência A técnica de imunofluorescência (IF) usa anticorpos marcados com corantes fluorescentes (fluorocromos), podendo ser direta ou indireta. Os anticorpos marcados são chamados de conjugados. O fluorocromo mais freqüentemente usado em Virologia é o isotiocianato de fluoresceína (FITC), o qual produz uma fluorescência verde-amarelada (COUCEIRO et al., 1997). Pelo princípio da imunofluorescência, a imunoglobulina separada do soro e concentrada é conjugada com um fluorocromo, obtendo-se, deste modo, um anticorpo marcado, usado na identificação do vírus correspondente (CANDEIAS, 1996). A imunofluorescência direta é usada para a identificação de muitos antígenos virais. Na imunofluorescência direta, é o próprio anticorpo específico para o vírus a identificar que é conjugado com o fluorocromo. Se o anticorpo é específico para o antígeno, ocorre a formação do complexo antígeno-anticorpo e, após a lavagem da lâmina para remoção do conjugado não ligado, a fluorescência é 40 observada ao microscópio de fluorescência. A imunofluorescência indireta é usada para a identificação de antígeno ou anticorpo. O teste é realizado em 2 etapas. Na primeira, os anticorpos não-marcados são misturados com células infectadas fixadas a uma lâmina de microscópio. Após incubação, as lâminas são lavadas para a remoção dos anticorpos não-ligados. Na segunda etapa, um anticorpo antiimunoglobulina conjugado com fluoresceína é adicionado. O tipo do conjugado é determinado pela espécie do anticorpo usado na primeira etapa (CANDEIAS, 1996; COUCEIRO et al., 1997). Ambos os métodos, direto e indireto, têm sido bastante usados, entretanto, essa técnica identifica o vírus somente quanto ao seu gênero (BEHBEHANI, 1995). 2.8.3.3. Teste de soroneutralização viral O teste de soroneutralização viral (NV) baseia-se no princípio de que os vírus infecciosos, quando interagem com o anticorpo específico, são neutralizados e, por conseguinte, perdem a capacidade de infectar as células susceptíveis (COUCEIRO et al., 1997). Os anticorpos neutralizantes de vírus são determinados pela adição de soro contendo tais anticorpos a uma suspensão de vírus. A seguir, a mistura é inoculada em culturas de células susceptíveis. A presença de anticorpos neutralizantes é demonstrada quando as culturas de células não exibem CPEs, enquanto as culturas de células-controle recebem o vírus com soro isento de anticorpos, apresentando o CPE (BROOKS et al., 2000). O teste pode ser realizado em culturas de células ou em MCA para os orthopoxvírus, e somente em culturas de células para os Parapoxvirus. O NV não diferencia as espécies dentro dos gêneros (BEHBEHANI, 1995). 2.8.3.4. Ensaio imunoenzimático (ELISA) O ELISA (“Enzyme-linked immunosorbent assay”) baseia-se no princípio de que determinado antígeno é especificamente detectado por seu anticorpo marcado. O sistema de detecção envolve anticorpos conjugados com enzimas ativas (CANDEIAS, 1996). O resultado do teste é determinado pela observação (avaliação qualitativa) ou medida espectrofotométrica (avaliação quantitativa) da coloração produzida pela reação da enzima sobre o substrato (COUCEIRO et al., 1997). 41 No ensaio para detecção de anticorpos, os antígenos virais recobrem poços em placas de microdiluição (microplacas de poliestireno). Após a reação dos anticorpos presentes no soro com os antígenos nos poços e a lavagem do sistema, para a remoção do material que não reagiu, o conjugado é adicionado. A enzima atua sobre o substrato produzindo a mudança de cor. A coloração pode ser medida visualmente ou espectrofotometricamente (COUCEIRO et al., 1997; BROOKS et al., 2000). O teste ELISA tem sido usado para o diagnóstico e levantamento sorológico de casos de varíola do macaco em humanos na África, e para testes de anticorpos em indivíduos vacinados contra a varíola humana. O antígeno viral utilizado nestes estudos tem sido o MPXV (BEHBEHANI, 1995). O ELISA, utilizado em infecções por certos Parapoxvirus (PCPV, ORFV), parece ser sensível, entretanto, necessita ainda de evoluções (BEHBEHANI, 1995). 2.8.4. Testes moleculares 2.8.4.1. Western blotting O western blotting é um teste que permite o estudo das proteínas virais (CANDEIAS, 1996; COUCEIRO et al., 1997; DAMASO et al., 2000). Esta técnica envolve a separação das proteínas virais, usando a eletroforese em gel de poliacrilamida contendo duodecil sulfato de sódio (SDS-PAGE), conforme seu tamanho. As bandas resultantes são transferidas horizontalmente para uma membrana de nitrocelulose que é, subseqüentemente, cortada em fitas, cada fita serve como antígeno para um teste de western blotting. Cada banda do antígeno presente na fita relaciona-se com uma estrutura do vírus intacto. Posteriormente, uma fita do papel de nitrocelulose é incubada com o soro-teste, o qual reage com as proteínas presentes na membrana, formando o complexo antígeno-anticorpo. Os antígenos ligados são detectados usando-se anticorpos antiimunoglobulina marcados com uma enzima (conjugado) (CANDEIAS, 1996; COUCEIRO et al., 1997; BROOKS et al., 2000). 42 2.8.4.2. Reação em cadeia da polimerase A reação em cadeia da polimerase (PCR) é uma técnica rápida e simples de copiar e amplificar seqüências específicas de DNA (ABBAS et al., 2003). Inicialmente, um ácido nucléico-alvo (DNA ou RNA) é isolado de tecidos, fluidos do paciente ou de culturas de células infectadas. Caso o ácido nucléico-alvo seja um RNA, este deve ser convertido em DNA antes de começar o processo de amplificação. A partir daí, o DNA é amplificado enzimaticamente por PCR (COUCEIRO et al., 1997). O PCR é, diretamente, aplicável em diagnóstico virológico devido à presença de seqüências únicas encontradas em todos os genomas virais (FORGHANI e ERDMAN, 1995). O método consiste em ciclos repetidos de desnaturação, anelamento e síntese do DNA, e requer um molde de DNA, um tampão, os 4 desoxinucleotídeos trifosfatos (A, T, G e C), “primers” ou iniciadores e a DNA polimerase. Os “primers” determinam a especificidade e o tamanho do produto amplificado. Quando os “primers” se ligam ao DNA-alvo (anelamento), a DNA polimerase, usando os desoxinucleotídeos trifosfatos como substrato, permite que seja sintetizado um novo DNA. O tampão fornece as condições adequadas para a atividade da DNA polimerase (FORGHANI e ERDMAN, 1995; COUCEIRO et al., 1997; ABBAS et al., 2003). Este processo cíclico é repetido várias vezes para amplificar o DNA original. Essas reações são rotineiramente automatizadas pelo uso de termociclador, o qual aumenta ou diminui a temperatura de acordo com as necessidades do processo, para permitir a reação em cadeia da polimerase. O produto amplificado é denominado “amplicon” (COUCEIRO et al., 1997; ABBAS et al., 2003). Por meio do PCR, podem-se identificar e diferenciar as espécies dos gêneros de poxvírus (DAMASO et al., 2000; ESPOSITO e FENNER,2001; GUO et al., 2003). 2.9. Prevenção e controle das infecções por poxvírus As infecções causadas por poxvírus ocorrem de forma esporádica e se transmitem rapidamente no rebanho. Os humanos em contato com animais doentes também podem ser infectados (LEMOS e RIET-CORREA, 2001). Dessa forma, 43 torna-se extremamente pertinente promover medidas de prevenção e controle para a contenção de novos surtos. As complicações clínicas podem ser evitadas pela adoção de medidas para restringir o contato dos animais com agentes irritantes e a ocorrência de soluções de continuidade, reduzindo desta forma o número de lesões de tetas e úbere (KAHRS, 2001), que servem de porta de entrada para o agente viral Devem-se adotar medidas do manejo correto na ordenha, tais como, a lavagem das tetas com água e sabão, a desinfecção correta das ordenhadeiras e das instalações. Os animais com lesões devem ser ordenhados sempre no final. O exame das tetas e da glândula mamária é recomendado, antes da aquisição de animais de reposição (FERNANDES et al., 2003). Após a ordenha, as lesões devem ser tratadas com soluções desinfetantes, como glicerina iodada (FERNANDES et al., 2003). Antes da próxima ordenha, deve-se fazer uma limpeza completa nas lesões para que não ocorra a contaminação do leite com os produtos utilizados no tratamento anterior (KAHRS, 2001). Os retireiros devem usar luvas e fazer a assepsia das mãos e antebraços, cuidadosamente, antes e após o manejo dos animais. O uso de antibióticos deve ser estudado para evitar a ocorrência de infecções secundárias. 2.10. Bioterrorismo O vírus da varíola está classificado na categoria A, compreendendo os microorganismos que representam risco à segurança nacional, porque podem disseminar-se facilmente ou serem transmitidos de pessoa para pessoa. Causam taxas de mortalidade elevadas e têm o potencial para grande repercussão de saúde pública. O vírus pode causar pânico coletivo e perturbação da ordem social, e requer ação especial para estado de alerta de saúde pública (OMS, 2003). Pesquisadores do Food and Drug Administration (FDA), Estados Unidos da América (EUA), analisam o desenvolvimento de novas vacinas antivariólicas em resposta à ameaça de uso do vírus da varíola como arma terrorista (ROSENTHAL et al., 2001). Embora se falasse no passado que havia um risco teórico dessa ocorrência, surgiram evidências de que algumas nações ou grupos pudessem ter estoques clandestinos do agente, apesar do vírus estar armazenado em somente dois locais no mundo todo, sob condições de segurança máxima. A ameaça de seu 44 uso como arma biológica é extremamente preocupante: pode ser fatal, é facilmente transmitido, pode ser produzido em grandes quantidades e pode ser armazenado por um longo período (HENDERSON, 1999a; HENDERSON, 1999b). Caso venha a se concretizar o uso do vírus da varíola com finalidade terrorista, poderia causar um impacto de proporções difíceis de calcular. Após a erradicação da doença e subseqüente interrupção do emprego da vacina, boa parte da população mundial está desprovida de imunidade, facultando epidemias com alta letalidade (BREMAN e HENDERSON, 1998). A utilização da varíola como arma biológica representa um sério perigo para a humanidade, devido à sua taxa de mortalidade de 30% ou mais entre os não-vacinados e a ausência de terapia específica. Embora a varíola tenha sido temida por muito tempo como a mais devastadora de todas as doenças infecciosas, seu potencial para devastação hoje é muito maior que em qualquer momento anterior. A vacinação antivariólica cessou há mais de 25 anos. Em uma população agora altamente susceptível, a varíola pode espalhar-se ampla e rapidamente pelo mundo (HENDERSON et al., 1999). Em junho de 1999, o comitê da OMS para infecções causadas por Orthopoxvirus decidiu que as cepas de virus restantes deveriam ser destruídas. Entretanto, esta medida não foi realizada, uma vez que os EUA, Rússia e outros países consideravam importante manter um estoque de vírus vivo. O vírus é considerado necessário para pesquisa de tratamento antiviral, o desenvolvimento de uma vacina moderna eficiente e para pesquisa da interação deste vírus com os mecanismos de defesa do sistema imune. Em janeiro de 2002, OMS decidiu que o vírus da varíola poderia ser mantido nos EUA e na Rússia, porém esta decisão será reconsiderada depois de 3 anos (TEGNELL et al., 2002). 45 3. MATERIAL E MÉTODOS 3.1. Colheita das amostras 3.1.1. Líquido vesicular As amostras de líquido vesicular foram obtidas a partir de lesões vesículo-pustulares do gado bovino leiteiro, assim como dos retireiros e seus familiares, em propriedades com suspeita de poxvirose no Norte do Estado do Rio de Janeiro. Tais amostras foram colhidas por punção do líquido das lesões vesiculares, utilizando-se agulha e seringa de insulina, devidamente identificadas, acondicionadas em isopor com gelo e transportadas ao nosso laboratório no Setor de Virologia Veterinária – Laboratório de Sanidade Animal (LSA) – Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias (CCTA) – UENF. As amostras foram estocadas em freezer a –20ºC, até a realização dos métodos para isolamento, purificação e identificação viral. 3.1.2. Tegumento cutâneo As amostras de tegumento cutâneo com lesões vesículo-pustulares foram obtidas a partir do gado bovino leiteiro, em propriedades com suspeita de poxvirose no Norte do Estado do Rio de Janeiro. Para a colheita do espécime clínico, era realizada uma anestesia local com 50 mL de lidocaína (“Pearson”), via subcutânea, 46 seguida da biópsia em cunha elíptica, contendo a margem de transição entre a lesão e os tecidos adjacentes e subjacentes. Essas amostras foram devidamente identificadas, acondicionadas em frascos com formalina neutra tamponada a 10% e transportadas ao laboratório do Setor de Morfologia e Anatomia Patológica – LSA/CCTA/UENF. Todas as amostras clínicas foram também identificadas em fichas individuais quanto à procedência: data da colheita, origem animal ou humana, idade, sexo, sintomas e sinais clínicos, localização das lesões, material colhido, etc. (Apêndice). 3.2. Avaliação clínica As características clínicas da doença e seus aspectos epidemiológicos foram analisados de acordo com o histórico clínico da infecção. Nas visitas às propriedades, realizávamos a anamnese a fim de averiguar o aparecimento da doença, a duração do curso clínico e as características das lesões, entre outras questões. Averiguávamos também as práticas de manejo realizadas e as medidas adotadas após o aparecimento da enfermidade. Por fim, analisávamos as proporções de disseminação do agente infeccioso entre os animais e os humanos, bem como os prejuízos econômicos que ocorriam nas fazendas produtoras de leite. 3.3. Ovos embrionados As amostras de líquido vesicular eram homogeneizadas em MEM–Eagle (“Eagle–Minimum Essential Medium”, Gibco BRL), suplementado com 50 µg/mL de garamicina e 2,5 µg/mL de anfotericina B. Os homogeneizados eram inoculados em Membranas corioalantóicas (MCAs) de ovos embrionados de galinha, com 9 dias de idade e incubados em estufa à temperatura de 35ºC durante 96 horas para o isolamento viral (DAMASO et al., 2000 modificado). As MCAs inoculadas eram então maceradas e homogeneizadas em MEM–Eagle, clarificadas por centrifugação a 600 g por 10 minutos em centrífuga refrigerada (“Sorvall – modelo RC5-B”) a 4ºC. O sobrenadante obtido foi inoculado em culturas de células, a fim de obter um estoque viral para o presente estudo. 47 3.4. Células As células HEp-2 (células epitelióides derivadas de carcinoma laríngeo humano em cultura de linhagem contínua) e Vero (células fibroblastóides derivadas de rim de macaco verde africano em cultura de linhagem contínua), utilizadas como substrato biológico para o isolamento de vírus, pertencem à coleção do Laboratório de Virologia Molecular I – Departamento de Virologia (DV) – Instituto de Microbiologia Professor Paulo de Góes (IMPPG) – UFRJ e foram gentilmente fornecidas pelo Prof. Dr. José Nelson dos Santos Silva Couceiro. 3.5. Vírus A cepa de Orthopoxvirus isolada em MCAs, a partir de espécimes clínicos (líquidos vesiculares) obtidos de lesões de vacas leiteiras, de retireiros e seus familiares, em propriedades do Norte do Estado do Rio de Janeiro, onde ocorreram surtos, foi propagada em culturas de células (HEp-2 e Vero) e purificada para o estudo da infecção celular e identificação viral. 3.6. Preparo e manutenção de culturas de células As células HEp-2 e Vero eram cultivadas em monocamadas, em estufa (”Napco Model 302 CO2 Incubator”) à temperatura de 37ºC e atmosfera com 5% de CO2, em meio de cultura MEM–Eagle, suplementado com 10% de soro fetal bovino, 50 µg/mL de garamicina, e 2,5 µg/mL de anfotericina B (DAMASO et al., 2002 modificado). A passagem (repique) de monocamadas de células confluentes em cultura (2,6 x 106 células/mL) era feita a cada 2 dias, obedecendo ao seguinte procedimento: o meio de cultura era descartado e a monocamada de células lavada 2 vezes com tampão salina-fosfato (PBS) pH 7,2. As células eram tratadas com tripsina verseno 0,25%, a 37ºC por 1 minuto, dispersas por agitação suave em meio de cultura e divididas em novas garrafas na proporção de 1:3. 48 3.7. Propagação e purificação viral As suspensões virais (sobrenadantes, livres de bactérias e fungos) obtidas das MCAs eram propagadas nas células HEp-2 e Vero, como descrito por DAMASO e MOUSSATCHÉ, (1992a). As culturas de células em monocamadas confluentes, em garrafas de cultivo, eram infectadas com 200 ì L de uma s us pens ão de vírus-estoque. Após um período de adsorção de 30 minutos, o inóculo era removido e as células lavadas e incubadas com meio de cultura completo à temperatura de 37ºC e em atmosfera contendo 5% de CO2. A infecção prosseguia até as células apresentarem 90 a 95% de CPE. O meio de cultura era então removido e as células lavadas 2 vezes em PBS pH 7,2. As células eram ressuspensas em PBS e submetidas a 2 ciclos de congelamento e descongelamento (promovendo lisados celulares) e, depois, centrifugadas a 6.000 g por 30 minutos em centrífuga refrigerada (“Sorvall – modelo RC5-B”) a 4ºC. O sobrenadante era adicionado ao topo de um colchão de sacarose a 36% em tampão Tris-HCL 10 mM pH 7,5 e centrifugado a 50.000 g por 90 minutos em ultracentrífuga refrigerada (“Sorvall – modelo OTD-50B”) a 4ºC. O precipitado foi ressuspenso no mesmo tampão TrisHCL. O estoque de amostras virais produzidas era aliquotado e conservado em freezer (“Nuaire ultra-low temperature freezer NU-6382G”) a –85ºC. 3.8. Titulação de partículas virais Para a titulação do vírus, eram utilizadas as culturas de células HEp-2 e Vero, cultivadas em garrafas de 15 mL, e inoculadas com 200 ì L de uma s us pens ão de vírus-estoque. As culturas eram inoculadas a 37ºC, fazendo-se leituras diárias até que o CPE fosse total, obtido em 72 horas. O sobrenadante era então recolhido, centrifugado sob refrigeração a 4ºC e, em seguida, aliquotado em pequenas quantidades (1 mL) e estocado no freezer a -85ºC. A titulação de partículas virais infecciosas, a partir do sobrenadante de 72 horas pós-infecção (p.i.), foi determinada por microtécnica, em microplacas de poliestireno com 96 orifícios (“microtiter plates”, Corning, NY) com culturas de células HEp-2 ou Vero em MEM-Eagle. Para a titulação, diluições logarítmicas de vírus de 10-1 a 10-8 preparadas em meio de cultura sem soro fetal bovino, foram inoculadas em 10 orifícios da microplaca para cada diluição, em monocamadas de células 49 confluentes. Como controle negativo da titulação, foram utilizadas culturas de células não-inoculadas. As microplacas com culturas de células infectadas e não-infectadas foram incubadas a 37ºC em atmosfera contendo 5% de CO2 e observadas ao microscópio óptico invertido diariamente, sendo a leitura do CPE computada no 5º dia. Posteriormente, a estimativa da dose de vírus que infecta 50% da cultura de células por unidade de volume (TCID50/0,1 mL) foi obtida pelo método de Reed & Müench (1938), sendo esta suspensão viral utilizada em todo o experimento. O preparo e a manutenção de células, assim como a propagação, purificação e titulação viral, foram realizados no Laboratório de Virologia Molecular I – DV/IMPPG/UFRJ. 3.9. Análise da morfologia celular 3.9.1. Método de coloração de Wright Para a observação da morfologia das células não infectadas (controles) e infectadas pelo Orthopoxvirus em diferentes tempos, empregamos o método de coloração de Wright nas monocamadas fixadas com acetona a 70% em lamínulas. Após fixação por 10 minutos na acetona, as monocamadas eram coradas pela solução de Wright, durante 1 minuto. Após este tempo, as células eram submetidas à mistura de corante de Wright em PBS pH 7,4 na proporção de 1:1, durante 5 minutos. As monocamadas eram então lavadas em água corrente e montadas em lâminas com bálsamo de Canadá, sendo então observadas em microscópio óptico (“Axioplan 2 Zeiss”) com câmera de vídeo (“TK – 1270”). 3.9.2. Método de coloração de hematoxilina e eosina Para a observação da morfologia das células não infectadas e infectadas pelo vírus em diferentes tempos, empregamos também o método de coloração de hematoxilina e eosina (H&E) nas monocamadas fixadas em formalina tamponada a 10% por 2 horas, em lamínulas. Após fixação, as monocamadas eram coradas pela rotina de H&E. As monocamadas eram então montadas em lâminas com bálsamo de 50 Canadá, sendo então observadas em microscópio óptico (“Axioplan 2 Zeiss”) com câmera de vídeo (“TK – 1270”). Os métodos de coloração e a análise da morfologia celular foram realizados no Setor de Anatomia Patológica – Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/UFRJ e no Laboratório de Virologia Molecular I – DV/IMPPG/UFRJ. 3.10. Avaliação histopatológica Para o preparo das MCAs e de tecidos epiteliais do úbere e tetas de vacas leiteiras, foram usados a rotina de fixação em formalina e o emblocamento em parafina. As amostras de tegumento cutâneo eram fixadas imediatamente em formalina neutra tamponada a 10% (na proporção de 10:1 de fixador para o tecido) por 24 horas em temperatura ambiente. Após a fixação, as amostras eram lavadas, rigorosamente, em água destilada por 5 minutos. A lavagem é recomendada porque o excesso de formol não permite boas colorações (PROPHET, 1994a modificado). Para a completa inclusão das amostras em parafina, foi utilizado o processador automático de tecidos (“Leica – TP1020”), no qual realizavam-se as etapas de desidratação com álcool etílico, diafanização com xilol e infiltração com parafina a uma temperatura próxima do seu ponto de fusão (60ºC). O tratamento com álcool etílico foi realizado com uma bateria de álcool a 70% (1 hora), 90% (1 hora) e 100% (5 etapas de 1 hora), com o objetivo de retirar toda a água dos tecidos, facilitando a infiltração da parafina, uma vez que água e parafina não se misturam; a diafanização pelo xilol (2 etapas de 1hora) promoveu a total remoção da água e do álcool. A infiltração das amostras com parafina (2 etapas de 30 minutos) eliminou completamente o xilol contido nas amostras e permitiu a total penetração da parafina nos espaços vazios deixados pela água e gordura, além de propiciar uma consistência adequada para a realização dos cortes histológicos. Em seguida, foi realizado o emblocamento manual das amostras em parafina (PROPHET, 1994b modificado). Os cortes histológicos de 5 µm de espessura foram obtidos em micrótomo semi-automático (“Leica – RM2145”). Os cortes eram aderidos a lâminas de vidro e corados pelo método de H&E para microscopia óptica (ALLEN, 1994 modificado). Pela rotina de coloração pela H&E, empregava-se um corante básico (hematoxilina) 51 e um corante ácido (eosina), visto que pretendíamos observar, além das estruturas histológicas, a presença de corpúsculos de inclusão intracitoplasmáticos, a resposta inflamatória e as lesões teciduais típicas da infecção por poxvírus (FENNER et al., 1988). Posteriormente, os cortes histológicos corados em lâminas, montados em bálsamo e cobertos com lamínulas, eram observados em microscópio óptico (“Nikon Eclipse E400”) com câmara digital (“Nikon Coolpix 995”). O processamento do material e a análise histopatológica foram realizados no Setor de Morfologia e Anatomia Patológica – LSA /CCTA /UENF e no Setor de Anatomia Patológica – HUCFF/UFRJ. 3.11. Microscopia eletrônica de transmissão As células HEp-2 foram infectadas com a cepa de Orthopoxvirus isolada em MCAs. Em 24 horas pós-infecção (p.i.), as monocamadas de células eram lavadas 3 vezes em PBS pH 7,2 à temperatura ambiente (TA) e, então, centrifugadas a 500 g por 10 minutos a 4ºC em centrífuga refrigerada (“Sorvall – modelo RC5-B”). O “pellet” formado era fixado em uma solução contendo glutaraldeído a 2,5% em tampão cacodilato 0,1 M, pH 7,2 por 60 minutos em geladeira a 4ºC. Em seguida, as células fixadas eram lavadas 3 vezes em PBS pH 7,2 a TA e pós-fixadas por 60 minutos a 4ºC em uma solução contendo tetróxido de ósmio a 1% e ferricianeto de potássio em tampão cacodilato 0,1 M, pH 7,2. Posteriormente, as células eram lavadas 3 vezes em tampão cacodilato 0,1 M, pH 7,2 e desidratadas em acetona, em diferentes concentrações (50%, 70%, 90%, 100%). Cada etapa da desidratação tinha a duração de 30 minutos, sendo a desidratação em acetona absoluta realizada em 3 etapas com duração de 30 minutos cada uma. Após a desidratação, foi feita a infiltração do material em Epon II com acetona a 100% na proporção de 1:1 “overnight” e após, a infiltração em Epon II puro por 7 horas. O material foi então colhido e depositado em moldes flexíveis com Epon II, e polimerizados por 48 horas a 60ºC em estufa (“Fanem”). Os cortes ultrafinos de 75 nm eram obtidos em ultramicrótomo (“Reichert UltracutS – Leica”) e depositados em grades de cobre (300 malhas) e contrastados com acetato de uranila a 5% em água destilada por 20 minutos, e depois, com citrato de chumbo 52 por 5 minutos. Os cortes foram observados em microscópio eletrônico de transmissão (“Zeiss – 900”) (LANFREDI-RANGEL et al., 1999 modificado). O processamento do material e a microscopia eletrônica de transmissão foram realizados no Laboratório de Biologia Celular e Tecidual (LBCT) – Centro de Biociências e Biotecnologia (CBB) – UENF. 53 4. RESULTADOS 4.1. Aspectos clínicos A partir do segundo semestre de 2002, constantes surtos de uma doença exantemática, caracterizada por lesões vesículo-pustulares típicas de infecções por poxvírus, foram por nós observados no gado bovino leiteiro e em humanos, principalmente, retireiros e seus familiares, em pequenas fazendas produtoras de leite no Norte do Estado do Rio de Janeiro. O quadro clínico da doença emergente assemelha-se ao da varíola bovina, geralmente um exantema localizado, incluindo máculas que progrediam para pápulas nas tetas e úberes, formando vesículas e, posteriormente, pústulas que secavam do centro para fora, originando crostas, que caíam em aproximadamente 3 semanas deixando uma cicatriz (Figura 3) Alguns bezerros em aleitamento apresentavam lesões no focinho e no interior da boca. Em humanos, lesões semelhantes (Figura 4) ocorreram nas mãos, antebraços e, ocasionalmente, nas faces. Verificamos que a doença vesículo-pustular, de acordo com o histórico clínico, era evidentemente transmitida entre animais infectados e retireiros por contato direto e de ordenha. Suspeitamos que a fonte de infecção primária seja um roedor-reservatório silvestre devido ao aparecimento súbito da doença, que, geralmente, se apresentava de forma aguda, sem evidência forte para infecções latentes, persistentes ou crônicas. 54 O curso clínico da doença evoluía aproximadamente em 3 semanas, com febre alta, mialgia, prostração e linfadenopatia. Infecções secundárias eram comuns tanto nos animais quanto nos humanos acometidos. Nos animais, ainda observamos o freqüente desenvolvimento de mastite e conseqüente inoperância de tetas. Durante os surtos, verificamos uma maior agressividade do agente infeccioso, capaz de provocar lesões graves, tanto no gado bovino quanto nos humanos. A fim de controlar e prevenir as infecções secundárias, recomendamos o tratamento sintomático, incluindo a antibioticoterapia e uma solução de glicerina iodada a 5%, ministrada localmente no úbere e tetas dos animais e nas mãos e antebraços dos retireiros para a desinfecção pré e pós-ordenha. Com a adoção das medidas terapêuticas e profiláticas, observamos uma redução na transmissibilidade da enfermidade no meio rural, bem como uma diminuição nas complicações clínicas devido às infecções oportunistas. 4.2. Aspectos epidemiológicos, impacto econômico e saúde pública As lesões causadas pelos poxvírus são geralmente esporádicas, mas podem ocorrer na forma de epidemias e ocasionar prejuízos econômicos importantes, devido a complicações como mastites e redução na produção de leite. As infecções por poxvírus têm caráter antropozoonótico, sendo transmitidas ao homem, no qual produzem lesões muito doloridas, febre e, muitas vezes, infecções secundárias com um quadro clínico mais grave, exigindo hospitalizações. Números crescentes de surtos de poxvirose têm sido observados no gado bovino leiteiro e na população de retireiros em pequenas fazendas do Norte do Estado do Rio de Janeiro, constatando-se uma maior agressividade do vírus que, neste estudo, pudemos isolar e identificar como um membro do gênero Orthopoxvirus. Ao analisarmos a incidência clínica da poxvirose emergente em bovinos e humanos nessas fazendas leiteiras da nossa região, verificamos que as perdas econômicas foram importantes. Detectamos uma diminuição na produção leiteira, uma vez que as vacas doentes não puderam ser ordenhadas por cerca de um mês. A ocorrência de mastites e, ocasionalmente, infecções secundárias nas lesões de pele, como miíases, provavelmente, devido a manejo incorreto na linha de ordenha, aumentaram a importância econômica da enfermidade. 55 Durante esses surtos emergentes, observados entre os meses de agosto e novembro no Norte do Estado do Rio de Janeiro, verificamos que alguns animais afetados apresentavam lesões na língua além daquelas no úbere e tetas. Alguns bezerros tinham também lesões ao redor do focinho e no interior da boca. Em algumas fazendas, os animais desses rebanhos foram descartados, acarretando sérios prejuízos aos produtores. Observamos que a enfermidade em algumas propriedades teve inicio aos 7 dias após as vacas terem sido ordenhadas por pessoas que haviam estado em contato com rebanhos bovinos afetados e que também apresentavam lesões típicas nas mãos e antebraços. Verificamos que a enfermidade entre os humanos, com o desenvolvimento de lesões semelhantes às descritas nos bovinos, extremamente dolorosas estavam restritas às mãos, antebraços e, em alguns casos, eram generalizadas. As pessoas afetadas ficaram alguns dias sem trabalhar, devido ao período febril e às lesões dolorosas que duraram de 4 a 7 dias. Em alguns casos, foi necessária a hospitalização. Constatamos que a cura ocorria dentro de 10 a 30 dias. 4.3. Análise da produção de partículas virais por titulação A infecção do Orthopoxvirus em células HEp-2 e Vero foi analisada a partir da estimativa da dose de vírus que infecta 50% da cultura de células por unidade de volume (TCID50/0,1mL) pelo cálculo utilizando o método de Reed & Müench (1938). O título infeccioso da cepa de Orthopoxvirus em células HEp-2 foi igual a 105,1 TCID50/0,1 mL e em células Vero foi igual a 105,5 TCID50/0,1 mL, sendo estes os títulos de infecciosidade da cepa viral utilizados em nossos estudos. 4.4. Alterações morfológicas nas membranas corioalantóicas As MCAs de ovos embrionados de galinha, com a idade de 9 dias, eram infectadas com 100 ì L da amos tra viral proveniente de líquido vesicular de lesões de origens bovina e humana, diluída em MEM-Eagle na proporção de 1:1. Então, os ovos embrionados eram incubados por 96 horas à temperatura de 35ºC para o isolamento viral e a caracterização das lesões produzidas. 56 Assim, quando observamos as alterações morfológicas produzidas pelo vírus nas MCAs, verificamos que estas apresentavam focos necróticos, os “pocks”, distribuídos por sua superfície. Em 96 horas p.i., as MCAs, ao serem observadas macroscopicamente, apresentavam alterações morfológicas significativas. Estas eram caracterizadas por focos necróticos grandes, de coloração branca, opacos e com tamanho em diâmetro variando de 2 a 4 mm (Figura 5), indicando uma infecção por Orthopoxvirus. Os “pocks” eram produzidos por uma combinação de hiperplasia do ectoderma da MCA com a infiltração de células no mesoderma. 4.5. Alterações morfológicas nas culturas de células As culturas de células HEp-2 e Vero infectadas receberam, previamente es tabelecida, uma dos e de 100 ì L de inóculo viral, contendo 105,1 e 105,5 partículas infecciosas (TCID50/0,1 mL), respectivamente. As culturas de células mantidas como controle-não-infectadas , receberam 100 ì L de meio de cultura sem soro fetal bovino, sendo preparadas da mesma forma das que receberam o inóculo viral. As culturas de células eram estudadas em relação ao perfil dos componentes da matriz extracelular com enfoque principal sobre a biossíntese. As monocamadas de células Vero confluentes em cultura (2,6 x 106 células/mL) eram infectadas 48 horas após tripsinização. Assim, quando observamos as monocamadas infectadas pelo vírus ao microscópio óptico, verificamos que estas apresentavam um CPE gradativo. Em 24 horas p.i., as células em monocamadas, ao serem observadas em microscópio óptico pelo método de coloração de Wright, apresentavam um início discreto de alguns focos de alteração, caracterizados por pequenas aglomerações que envolviam poucas células da monocamada celular (Figuras 6 B, 7 B e 8 B), quando comparadas com as monocamadas normais (controle-não-infectadas) (Figuras 6 A, 7 A e 8 A). Neste tempo, o início das alterações observadas foi representado por células arredondadas, aumentadas de tamanho e refringentes (Figura 6 B e 7 B). Em 48 horas p.i., foi possível evidenciar um claro CPE caracterizado pela presença de células aglomeradas, formando sincícios que apresentavam, nessa etapa, um número maior de núcleos, além da presença de células agrupadas, dando 57 um aspecto estrelado (Figuras 6 C, 7 C e 8 C). Essas alterações foram correlacionadas com o aumento da produção de partículas virais. Tanto a presença de sincícios como a formação dos aspectos estrelados se tornaram mais evidentes em vários campos, com quase toda a monocamada celular apresentando células de morfologia totalmente alterada. A maioria dessas alterações era representada, pela presença de sincícios com núcleos localizados na periferia, sendo ainda observadas células arredondadas, aumentadas de tamanho e células pequenas individualizadas, porém ligadas por longos filamentos (Figuras 6 C, 7 C e 8 C). Neste estágio da infecção, observamos também, uma grande quantidade de vacúolos, presentes em toda a extensão da massa citoplasmática. Nessa ocasião, a monocamada apresentava um número menor de células aderidas, pois já tinha sido atacada pelo efeito gradativo da replicação viral (Figuras 6 C, 7 C e 8 C). As monocamadas de células HEp-2 confluentes em cultura eram infectadas seguindo a mesma metodologia utilizada com as células Vero. Desse modo, observamos que as monocamadas infectadas apresentavam um CPE gradativo, porém moderado. Em 24 horas p.i., as células em monocamadas, ao serem observadas ao microscópio óptico, pelos métodos de coloração de Wright e H&E, apresentavam alterações discretas em alguns campos, quando comparadas com as células-controle (Figuras 9 A, 10 A, 11 A e 12 A). Como era esperado, o início das manifestações observadas foi representado pela fusão, aumento e arredondamento das células, caracterizando a presença de sincícios e uma grande quantidade de vacúolos (Figuras 9 B, 10 B, 11 B e 12 B). Em 48 horas p.i., observamos um CPE mais intenso caracterizado pela presença de células aglomeradas, formando sincícios com um número maior de núcleos. Nesta ocasião, observamos células agrupadas com um aspecto alongado (Figura 9 C). A formação de sincícios e de células com aspecto alongado eram observadas em vários campos da monocamada celular. A maioria das degenerações era representada pela presença de sincícios com núcleos na periferia, de células com tamanho maior e arredondadas e de uma grande quantidade de vacúolos caracterizando o desprendimento celular (Figuras 10 C e 11 C). Para fazermos uma comparação com cada tempo p.i., fizemos também um controle de células, ou seja, células não infectadas para cada tempo. Assim, 58 avaliamos as características e o número de células na monocamada em 24 e 48 horas, tendo o cuidado de proceder da mesma forma que com as células infectadas. Trocamos o meio de cultura apenas no tempo de 48 horas após tripsinização, não adicionando soro fetal bovino, para que estas culturas tivessem as mesmas condições das células infectadas. Verificamos que, após 24 horas da troca do meio, o número de células sofria progressivo aumento em relação ao tempo anterior. No tapete celular era observada uma duplicação no número de células. Após o período até 48 horas, era observada uma estabilização no número de células, ocorrendo progressivamente uma diminuição desse número, o que pode ser explicado pelo processo de envelhecimento celular. Isto era observado tanto nas culturas de células HEp-2 quanto nas de Vero. 4.6. Avaliação histopatológica 4.6.1. Membranas corioalantóicas A avaliação histopatológica das MCAs infectadas foi realizada em cortes histológicos corados pela H&E. O padrão histopatológico das lesões, observado microscopicamente, foi indicativo de infecção por Orthopoxvirus. Analisando as alterações morfológicas das MCAs por microscopia óptica, observamos graus avançados de lesões dos tecidos em resposta à agressão pelo vírus. Assim, constatamos uma hiperplasia das células do ectoderma associada à presença de corpúsculo de inclusão eosinofílico intracitoplasmático do tipo-B (corpúsculo de Guarnieri). A presença de lesões vesicantes (degeneração vacuolar típica) e um infiltrado difuso de células inflamatórias (heterófilos) no ectoderma e mesoderma, como também a necrose, se estabeleceu em quase todo o tecido membranar (Figura 13). 4.6.2. Tegumento cutâneo A avaliação histopatológica foi realizada em cortes de tecido, obtidos a partir da biópsia dos animais doentes, corados pela H&E. Os cortes histológicos obtidos, a 59 partir dos tecidos epiteliais do úbere e tetas dos animais infectados, revelaram aspectos compatíveis com a infecção epitelial por Orthopoxvirus. Nas amostras provenientes dos animais infectados, a resposta inflamatória, as lesões teciduais e o corpúsculo de inclusão eosinofílico intracitoplasmático do tipo-B (corpúsculo de Guarnieri) da infecção por Orthopoxvirus puderam ser evidenciadas pela rotina de H&E. Os sinais de necrólise, cujos restos celulares permeados por infiltrado inflamatório de polimorfonucleares e serosidade, davam origem a crostas. Havia ainda lesão distrófica representada por formação vesicante intracorneal suprajacente à crosta. Em alguns campos, impressionavam os sinais de descamação suprajacente a vesículas em formação, permeadas por infiltrado inflamatório misto, mas rico em polimorfonucleares (neutrófilos/eosinófilos). A presença de corpúsculo de inclusão eosinofílico intracitoplasmático do tipo-B, circundado por halo claro, era evidente no citoplasma vesicante (degenerado) de um queratinócito (Figura 14). 4.7. Avaliação ultra-estrutural O sobrenadante proveniente do macerado das MCAs clarificadas pela centrifugação, infectadas com a amostra de Orthopoxvirus, foi usado para infectar as culturas de células HEp-2. Após 24 horas de infecção, as células eram processadas pela técnica de cortes ultrafinos para microscopia eletrônica de transmissão e analisadas ultra-estruturalmente. Nas 24 horas p.i., todas as etapas típicas da morfogênese dos Orthopoxvirus eram aparentes nas células infectadas, que continham numerosas partículas de vírus maduros no citoplasma. As partículas virais imaturas eram localizadas nas proximidades do viroplasma com vários estágios morfogênicos, incluindo estruturas com forma de lua crescente, partículas esféricas e partículas com nucleóides (Figura 15). O exame ultra-estrutural das alterações, nas culturas de células, confirmou que estas sustentam a infecção viral produtiva, que resultou na lesão celular. A replicação viral foi evidente nas culturas de células testadas. A injúria celular observada foi típica daquelas vistas em outras linhagens de células. Uma tumefação intracelular, dilatação das estruturas membranosas, tais como, retículo endoplasmático, membrana nuclear e mitocôndrias. Observamos ainda estruturas de 60 mielina, distorção e perda microvilosidades. O núcleo estava freqüentemente pleomórfico nas células infectadas. Uma tumefação celular progressiva resultou em citólise e liberação de virions. Os cortes ultrafinos das culturas de células HEp-2 demonstraram o desenvolvimento e estágios de maturação do Orthopoxvirus nas células infectadas. As fábricas virais foram caracterizadas por um viroplasma granular e crescentes virais compostos de duas membranas justapostas, muitos dos quais contidos no viroplasma. A morfologia dos crescentes membranares variou de estruturas, indo da forma de lua crescente para estruturas quase completamente circulares, contidas na periferia de massas densas de nucleoproteínas, denominadas viroplasmas. Os estágios subseqüentes da maturação dos virions foram caracterizados pela presença de estruturas esféricas, denominadas vírus imaturos (IVs), formados a partir do englobamento de massas densas de nucleoproteínas (viroplasma). Observamos também vírus imaturos com nucleóide (IVNs), caracterizados pela condensação da matriz eletrodensa dos IVs, correspondendo ao empacotamento do DNA genômico (Figura 15). Os eventos posteriores da maturação resultavam na formação da partícula viral intracelular madura (IMV) que, por sua vez, era envolvida por duas membranas adicionais derivadas da rede trans-Golgi ou de endossomas iniciais, resultando no vírus envelopado intracelular (IEV). O vírus envelopado associado à célula (CEV), resultado da fusão do IEV com a membrana plasmática e conseqüente perda da membrana mais externa recém adquirida, e o vírus envelopado extracelular (EEV), resultado da liberação do CEV foram observados (Figura 16). 61 A B C D E F Figura 3. Aspectos clínicos da infecção por Orthopoxvirus nas tetas/úberes de vacas leiteiras procedentes de propriedades do Norte do Estado do Rio de Janeiro. A, B e C, lesões ulcerativas. D, E e F, lesões úlcero-crostosas. 62 A B C D Figura 4. Aspectos clínicos da infecção por Orthopoxvirus nas mãos/dedos de humanos, retireiros e seus familiares, procedentes de propriedades do Norte do Estado do Rio de Janeiro. A, lesões úlcero-crostosas. B e C, lesões pústulo-umbilicadas. D, lesões vesiculares. 63 A B Figura 5. Isolamento do Orthopoxvirus em membranas corioalantóicas (MCAs) de ovos embrionados de galinha evidenciando “pocks” típicos: focos necróticos grandes, brancos e opacos. A, MCA inoculada com amostra de líquido vesicular de origem humana. B, MCA inoculada com amostra de líquido vesicular de origem bovina. 64 A B C Figura 6. Isolamento do Orthopoxvirus em cultura de células Vero, corada pelo método de Wright. A, monocamada de células normal (controle não infectada). B, refringência, arredondamento e aumento do tamanho das células, efeito citopático (CPE) em 24 horas. C, formação de sincícios e vacúolos, CPE em 48 horas. 10X. 65 A B C Figura 7. Isolamento do Orthopoxvirus em cultura de células Vero, corada pelo método de Wright. A, monocamada de células normal (não infectada). B, refringência, aumento do tamanho das células, vacuolização e sincícios, CPE em 24 horas. C, sincícios e destruição da monocamada, CPE em 48 horas. 20X. 66 A B C Figura 8. Isolamento do Orthopoxvirus em cultura de células Vero, corada pelo método de Wright. A, monocamada de células normal (não infectada). B, sincício e células com aspecto alongado, CPE em 24 horas. C, sincícios com aspecto estrelado e vacuolização, CPE em 48 horas. 40X 67 A B C Figura 9. Isolamento do Orthopoxvirus em cultura de células HEp-2, corada pelo método de Wright. A, monocamada de células normal (controle não infectada). B, fusão e arredondamento das células, C, CPE em 24 horas. vacuolização, arredondadamento e aglomeração de células, CPE em 48 horas. 10X 68 A B C Figura 10. Isolamento do Orthopoxvirus em cultura de células HEp-2, corada pelo método de Wright. A, monocamada de células normal (não infectada). B, fusão e arredondamento das células, CPE em 24 horas. C, sincício, vacúolos e fusão de células arredondadas, CPE em 48 horas. 20X 69 A B C Figura 11. Isolamento do Orthopoxvirus em cultura de células HEp-2, corada pelo método de Wright. A, monocamada de células normal (não infectada). B, sincícios com aspecto alongado, fusão e arredondamento das células, CPE em 24 horas. C, formação de sincício, CPE em 48 horas. 40X. 70 A B Figura 12. Isolamento do Orthopoxvirus em cultura de células HEp-2, corada pelo método de hematoxilina e eosina (H&E). A, monocamada de células normal (controle não infectada). B, formação de sincícios e vacúolos, CPE em 24 horas. 40X. 71 A B C Figura13. Histopatologia das MCAs infectadas com o Orthopoxvirus, coradas pelo método de H&E. A, corpúsculo de Guarnieri ( ), em ectoderma hiperplásico. B, infiltrado de células inflamatórias (heterófilos) no mesoderma. degeneração C, vacuolar típica. 40X. 72 ⇒ A B C D Figura 14. Histopatologia de tegumentos cutâneos, corados pelo método de H&E, de tetas/úberes de vacas leiteiras infectadas com Orthopoxvirus. A, queratinócitos com degeneração hidrópica e corpúsculo de inclusão intracitoplasmático eosinofílico ( ), 100X. B, vesícula intracorneal (⇒), suprajacente a crosta, representada por debris e serosidade dessecada, 40X. C, necrólise (epiderme) com crostas ( ), 10X. D, infiltrado de polimorfonucleares (neutrófilos/eosinófilos), notadamente, no derma superior ( ), 100X. 73 ⇑ % n m A IM V IMV B Figura 15. Micrografia eletrônica de transmissão de células HEp-2 infectadas com Orthopoxvirus. A, vírus imaturos (⇑ ), vírus imaturos com nucleóide (%), núcleo ( n ) e mitocôndria ( m ), 18.000X. B, partícula viral intracelular madura em diversas áreas do citoplasma dentro de virossomas (IMV), 6.600X. 74 IE V IVN m IVs Cr EEV A CEV IM V B Figura16. Micrografia eletrônica de transmissão de células HEp-2 infectadas com Orthopoxvirus. A, vírus imaturos (IVs), vírus imaturo com nucleóide (IVN), vírus envelopado intracelular (IEV), mitocôndria (m), crescentes virais (Cr) e vírus envelopado extracelular (EEV), 18.000X. B, vírus envelopado associado à célula (CEV) e vírus maduro intracelular (IMV), 30.000X. 75 5. DISCUSSÃO Os poxvírus formam um grupo bastante distinto da maior parte dos vírus que possuem genoma constituído por DNA em função de seu sítio citoplasmático de replicação. Esta característica peculiar é proporcionada por um alto grau de complexidade destes vírus, que possuem um sistema de controle da transcrição praticamente autônomo em relação à célula hospedeira (MOSS, 2001; CONDIT e NILES, 2002). Poucos fatores celulares foram descritos até o momento como tendo uma função na regulação da expressão gênica viral. A proteína VITF-2 atua como fator transcricional da fase intermediária (ROSALES et al.,1994) e os fatores VLTF-X e YY1 participam na transcrição dos genes tardios (GUNASINGHE et al., 1998; ZHU et al., 1998; BROYLES et al., 1999; WRIGHT et al., 2001). É interessante notar que, para exercer seu papel no ciclo viral, YY1 tem sua distribuição intracelular totalmente rearranjada, sendo translocado do núcleo para os virossomas durante a infecção (BROYLES et al., 1999). Várias evidências mostram que outras etapas do ciclo replicativo também envolvem a participação de algumas proteínas celulares. Bem caracterizada está, por exemplo, a participação dos microfilamentos de actina e microtúbulos na perfeita progressão do ciclo, atuando no direcionamento das diversas formas maduras do vírus para a saída da célula hospedeira (CUDMORE et al., 1997; PLOUBIDOU et al., 2000; HOLLINSHEAD et al., 2001; WARD e MOSS, 2001). Vários estudos têm sido realizados para investigar a influência do hospedeiro no processo de replicação dos poxvírus desde que tal participação foi 76 sugerida por JOKLIK (1964). As tentativas iniciais se baseavam principalmente na prevenção da expressão gênica do hospedeiro por inativação do seu genoma antes da infecção ou inibindo a transcrição celular após a infecção (HRUBY et al., 1979). Embora os poxvírus possuam uma certa autonomia, o hospedeiro está envolvido na sua replicação. Ainda não foram determinados, contudo, todos os eventos particulares do ciclo replicativo viral que requerem os fatores celulares (MOSS, 2001). A célula, tanto fazendo parte do tecido ou órgão, in vivo, quanto de culturas, in vitro, pode ser infectada por vírus, resultando a produção de novas partículas virais. Sabemos que determinados vírus, ao serem sintetizados pelas células, fazem com que haja a parada da síntese das macromoléculas celulares, ficando então todo o processo de síntese protéica dirigido para essa função, ou seja, a produção de novas progênies virais. Assim, dependendo da espécie viral, seu ácido nucléico, sua estratégia de replicação e sua composição protéica, a célula modifica-se para atender ao novo comando. Portanto, na utilização da célula como ferramenta para estudo da interação vírus-célula e conseqüente produção de novas partículas virais, faz-se necessário entender a síntese de proteínas celulares. Isso porque os mesmos mecanismos de síntese protéica celular são utilizados para a produção de proteínas virais, já que a composição dos vírus inclui tanto proteínas sintetizadas em nível de ribossomas livres no citosol, como proteínas sintetizadas em nível de ribossomas ligados à membrana do retículo endoplasmático (MOSS, 2001). A infecção de culturas de células com Orthopoxvirus resulta em extenso CPE, mudanças na permeabilidade da membrana e inibição na síntese do DNA, RNA e de proteínas. Os efeitos sobre a síntese de proteína são drásticos (CARRASCO e ESTEBAN, 1982). Parece provável que vários fatores possam conduzir para a mudança da síntese de proteínas do hospedeiro para a produção de proteínas virais. A contribuição relativa de cada fator pode depender do processo de replicação viral, do tipo celular, do tempo da análise e do uso de inibidores metabólicos. Algumas experiências sugerem que a inibição da síntese de proteínas do hospedeiro de acontecer na ausência da expressão do gene viral, implicando, assim, uma proteína na partícula dos Orthopoxvirus. Alguns possíveis candidatos a inibidores são as lipoproteínas em forma de túbulos da membrana externa viral 77 (MBUY et al., 1982), a fosfoproteína F17R (PERSON-FERNANDEZ E BEAUD, 1986) e a proteína quinase B1R (BEAUD et al., 1994). O presente estudo descreve as características da infecção por Orthopoxvirus, que isolamos recentemente, em 2002, a partir de amostras de líquido vesicular obtidas do gado bovino leiteiro e de humanos, principalmente retireiros e seus familiares, durante surtos de doença exantemática em pequenas propriedades produtoras de leite no Norte do Estado do Rio de Janeiro. Todos os Orthopoxvirus produzem “pocks’ na MCA, sem, no entanto, necessitar de passagens adaptativas. Dentro do gênero Orthopoxvirus, existe uma correlação entre o caráter dos ”pocks” produzidos na MCA (FENNER et al., 1988). Contudo, a morfologia dos “pocks” nas MCAs infectadas sugeriu fortemente que a cepa viral isolada não se tratava do vírus da varíola bovina, em adição ao fato de que a distribuição geográfica desta espécie viral está restrita a certos países da Europa/Ásia (CHANTREY et al., 1999). As alterações morfológicas que encontramos nas MCAs, caracterizadas por “pocks” grandes, brancos e opacos (Figura 5), foram idênticas àquelas produzidas pelas cepas do vírus da vaccínia – Western Reserve, vírus Cantagalo e vírus Araçatuba (DAMASO et al., 2000; TRINDADE et al., 2003), sendo facilmente distinguíveis dos “pocks” produzidos pelo vírus da varíola bovina, que são grandes e hemorrágicos, e excludentes para as espécies virais pertencentes ao gênero Parapoxvirus que não produzem “pocks” na MCA (FENNER et al., 1988; ESPOSITO e FENNER, 2001). A partir destes dados, decidimos caracterizar histopatológicamente as alterações morfológicas nas MCAs (Figura 13). Quando analisamos os achados microscópicos e comparamos com os de outros Orthopoxvirus, observamos que havia uma grande similaridade com as alterações provocadas pelo vírus da vaccínia, caracterizadas pela presença do corpúsculo de inclusão eosinofílico intracitoplasmático do tipo-B (corpúsculo de Guarnieri), degeneração vacuolar e infiltrado inflamatório (ESPOSITO e FENNER, 2001). No presente trabalho, estudamos ainda a biossíntese da cepa viral do gênero Orthopoxvirus em culturas de células Vero e HEp-2, as quais têm sido amplamente utilizadas, por serem susceptíveis às espécies virais do gênero em questão. Estas culturas de células em linhagens contínuas têm sido freqüentemente utilizadas no estudo das estratégias de replicação viral, na pesquisa da biologia celular e na produção de grandes massas de antígenos virais. 78 Nessas culturas celulares, a cepa viral isolada em MCAs ocasionou efeito citopático característico de infecção viral, como a gradual formação de grande quantidade de sincícios e células gigantes multinucleadas, relacionado com a cinética de infecção e com a quantidade de partículas virais presentes no inóculo, em relação ao número de células em cultura. Este aparecimento gradativo do CPE característico é decorrente da síntese e acúmulo de proteínas virais, tanto as que irão fazer parte da estrutura viral, como as que participam de algumas etapas da biossíntese viral. Verificamos, que, durante a cinética de infecção viral, inicialmente, as células com morfologia alterada estavam presentes em determinados locais da monocamada celular. Esta alteração morfológica explicada, principalmente, pela síntese da proteína de fusão (F), ocasionou a formação de sincícios, através da fusão das membranas citoplasmáticas das células das culturas infectadas (VERARDI et al., 2002). Tais alterações, restritas a algumas áreas, foram se espalhando por toda a monocamada celular, de acordo com o tempo pós-infecção. A síntese da proteína F e o acúmulo desta proteína fizeram com que, na monocamada, aparecesse um número gradativo de sincícios e estes com números diferentes de núcleos, como pode ser observado em 24 e 48 horas pós-infecção (Figuras 6 a 12). Além da formação de sincícios, o desenvolvimento da infecção nessas células resultou na vacuolização da monocamada, formando grumos de células aumentadas de tamanho, com aspecto arredondado, estrelado e outros com células alongadas, com refringência à luz. Verificamos, em nosso estudo, que as alterações celulares caracterizadas pelos aspectos estrelados, comuns em tempos tardios da infecção, podem ser decorrentes do consumo ou utilização dos nutrientes do meio de cultura, durante a biossíntese viral, como já descrito, anteriormente, em infecções virais de células Vero. Isto porque verificamos que nas células Vero não-infectadas, com longo tempo sem tripsinização, os nutrientes são totalmente consumidos, apresentando também um aspecto estrelado semelhante ao encontrado nas células Vero infectadas. Contudo, pôde ser observado que, nas culturas de células infectadas, essas formações são compostas de sincícios, enquanto que, nas culturas não-infectadas, as formações são compostas de aglomerados de células, bem caracterizados pelos métodos de coloração (RÁCZ, 2000). Em nosso estudo, no desenvolvimento da infecção em células HEp-2, não foi evidenciada a formação de células com aspecto estrelado. As células HEp-2 79 não-infectadas não eram tripsinizadas por longo tempo e não recebiam meio de cultura novo, sistematicamente, e também não apresentaram o aspecto estrelado, observado nas culturas de células Vero. Nossos resultados mostram com isso que a utilização de nutrientes não resultava obrigatoriamente no aspecto observado em células Vero. Além disso, o aparecimento de sincícios não foi tão abrangente como o observado em células Vero. Esta característica pode ser atribuída ao fato de que as células Vero não produzem interferon quando infectadas, havendo, assim, a propagação da infecção em toda a camada celular (DESMYTER et al, 1968). Por outro lado, a produção de interferon pelas células HEp-2, quando estimuladas pela replicação viral, faz com que o CPE fique mais delimitado na monocamada celular. A avaliação histopatológica das infecções virais tem contribuído muito na elucidação de tais infecções, visto que, por serem causadas por muitos poxvírus, levam a alterações degenerativas no tecido epitelial, resultantes do processo de replicação viral e acarretando em lesões vesiculares típicas. Estudos têm sido realizados no intuito de se entenderem os fundamentos e aspectos típicos dessas infecções. Em nossa pesquisa, caracterizamos o padrão dermatopatológico das lesões, as quais apresentavam o corpúsculo de inclusão eosinofílico intracitoplasmático do tipo-B (corpúsculo de Guarnieri), um infiltrado inflamatório rico em polimorfonucleares e a formação de lesões vesiculares, caracterizando uma degeneração hidrópica (Figura 14). Para melhor caracterizarmos o agente infeccioso, realizamos a análise morfológica ultra-estrutural da cultura de células HEp-2 infectada com a cepa viral. Nossos resultados evidenciaram várias estruturas com morfologia quadrangular, incluindo um cerne bicôncavo envolto por uma membrana externa (Figura 16). Ultra-estruturalmente, nosso estudo fundamenta descrições anteriores de infecções por Orthopoxvirus, nas quais observamos todas as etapas típicas da morfogênese viral, apresentando numerosas partículas de vírus imaturos e maduros (Figuras 15 e 16). A microscopia eletrônica de transmissão também nos permitiu excluir ultra-estruturalmente a possibilidade da presença de proteínas ATIs, produzidas pelos Orthopoxvirus da varíola bovina, da varíola do camundongo e da varíola do raccoon (guaxinim) (DUBOCHET et al., 1994; DAMASO et al., 2000; MARTINEZ et al., 2000; GARCIA e MOSS, 2001). 80 No Brasil, como em outras partes da América do Sul, pouco sabemos sobre a ocorrência e circulação de poxvírus em animais silvestres. Após a eliminação mundial do vírus da varíola humana na década de 70, alguns relatos de isolamento de poxvírus na América do Sul têm sido publicados, incluindo relatos de surtos de Orthopoxvirus no rebanho bovino leiteiro e em humanos, bem como de Parapoxvirus em rebanhos de ovelhas e cabras e o isolamento de cepas virais em animais selvagens ou de cativeiro (UEDA et al., 1978; ESPOSITO et al., 1980; MAZUR e MACHADO, 1989; FONSECA et al., 1998; DAMASO et al., 2000; MAZUR et al., 2000; TRINDADE et al., 2003). A existência da ocorrência de surtos de varíola do macaco em animais de estimação e em humanos, em contato com estes animais, tem sido constantemente relatada nos EUA. Estes casos foram confirmados pelo isolamento em cultura de células e pelo seqüenciamento do DNA das amostras de material biológico provenientes dos animais e de humanos acometidos pela doença. A provável origem dos surtos estava em roedores silvestres infectados, importados da África Ocidental para os EUA (REED et al., 2004). Em anos recentes, porém, muitos casos de doenças não identificadas em gado bovino leiteiro, com patologia semelhante, foram relatadas em áreas rurais do Brasil. Algumas infecções humanas foram associadas com essas doenças nos rebanhos. Tais doenças, caracterizadas pelo aparecimento de lesões vesículo-pustulares e/ou nodulares nas tetas de vacas leiteiras, freqüentemente, são relacionadas a infecções virais como as causadas pelos VACV, CPXV, PCPV e vírus da mamilite herpética bovina (SCHATZMAYR et al., 2000; FERNANDES et al., 2003). No Brasil, surtos de doença vesículo-pustular têm ocorrido constantemente em pequenas propriedades produtoras de leite, acarretando sérios prejuízos econômicos e casos cada vez mais graves em humanos. A doença vesículo-pustular típica de poxvírus tem sido clinicamente descrita com o aparecimento de lesões difusas na pele e mucosas, que progridem de máculas para pápulas, vesículas e pústulas antes de formarem crostas e cicatriz (DAMASO et al., 2000; FERNANDES et al., 2003; TRINDADE et al., 2003). A maioria das lesões contém células com múltiplas inclusões intracitoplasmáticas eosinofílicas, que representam o local de replicação viral nas células infectadas (TRIPATHY et al., 1981; MOSS, 2001). A suspeita inicial era que o provável agente etiológico da infecção no gado bovino leiteiro e humanos fosse o CPXV. Porém, em todos os casos analisados no Brasil 81 até o momento, não foi detectada a presença do CPXV, comprovando, assim, o fato de que este vírus persiste somente, em hospedeiros-reservatório silvestres (mamíferos, pássaros e roedores), gado, animais de zoológico, e animais domésticos, incluindo gatos, em partes da Europa e Ásia (TRYLAND et al., 1998; DAMASO et al., 2000). A ocorrência desses surtos torna-se preocupante, uma vez que a origem da doença ainda não foi esclarecida. Torna-se extremamente importante o presente estudo, para elucidar como este Orthopoxvirus foi introduzido na natureza. Suspeita-se que, durante as campanhas de vacinação contra a varíola humana, utilizando-se o vírus da vaccínia, essa cepa viral tenha permanecido na natureza em algum hospedeiro-reservatório. A ocorrência de animais infectados com VACV (espécies domésticas e silvestres) pode ser resultado do contato com pessoas recentemente vacinadas contra a varíola humana. Na realidade, durante campanhas de vacinação em massa contra o VARV, infecções pelo VACV foram ocasionalmente transmitidas de lesões vesiculares nos vacinados para os animais domésticos, geralmente, o gado bovino. Esses animais infectados então transmitiam o VACV para pessoas susceptíveis (LUM et al., 1967; TOPCIU et al., 1976; DAMASO et al., 2000). No Brasil, poucos estudos foram conduzidos para a existência e circulação de poxviroses em animais silvestres. Recentemente, entretanto, um número crescente de isolamentos de poxvírus foi obtido a partir de amostras biológicas (líquido vesicular e crostas), provenientes de animais domésticos e silvestres, bem como de humanos. Todos esses relatos mostraram que tais vírus foram relacionados com o VACV e ainda suscitam a questão de o VACV estar ampla e ativamente circulando no país entre animais domésticos e silvestres. Nesse caso, tal acontecimento é semelhante aos relatos de surtos causados por BPXV na Índia e no Sudeste da Ásia (DUMBELL e RICHARDSON, 1993). No presente estudo, isolamos uma cepa de Orthopoxvirus, a partir de líquido vesicular, obtido de lesões no gado bovino leiteiro e humanos. A doença acometia principalmente vacas leiteiras e retireiros, em áreas rurais no Norte do Estado do Rio de Janeiro. Nossos resultados sugerem que a cepa viral de Orthopoxvirus, isolada em nossa região, é uma nova variante do VACV ou o próprio CTGV. A morfologia dos “pocks” produzidos nas MCAs, o CPE produzido em culturas de células Vero e HEp-2 caracterizado pela formação de sincícios, o aumento e o arredondamento das 82 células, a avaliação histopatológica das lesões e a identificação ultra-estrutural da partícula viral fornecem evidências de que a cepa viral é uma variante do VACV ou o próprio CTGV. Nos surtos pelo Orthopoxvirus, observamos uma maior agressividade do agente infeccioso, capaz de provocar lesões mais graves tanto no gado bovino quanto nos humanos. Torna-se extremamente importante a adoção de medidas de controle e prevenção da doença, com o intuito de se evitar proporções graves de disseminação da mesma tanto no âmbito econômico como de saúde pública Nessas propriedades de pequeno porte e com rebanho pequeno, geralmente, há o envolvimento de todos os membros da família nas diversas atividades com o gado, como na ordenha, lavagem das vasilhas e utensílios, condução, apartação e contenção dos animais. A precária higienização local das tetas, antes e após a ordenha, além dos insuficientes cuidados pessoais com a limpeza das mãos e antebraços entre as ordenhas, contribuem para a disseminação acelerada da doença. Além disso, é prática comum nessas pequenas propriedades, a contratação de retireiros por serviço de ordenha, propiciando a circulação desses trabalhadores em várias propriedades diferentes, nas quais prestam serviço ou auxiliam colegas na ordenha, carreando, assim, o agente patogênico. O tema tornase então extremamente pertinente, considerando o grande número de pequenas propriedades no Estado do Rio de Janeiro, que desenvolvem essa atividade de pecuária familiar e, por conseguinte, utilizam a ordenha manual. Assim, medidas simples de higiene básica, certamente, podem ajudar a conter a propagação dos referidos surtos. É importante também que, para a comercialização dos animais, haja uma inspeção adequada dos primeiros sinais da doença no úbere e tetas, de tal forma a não gerar dispersão do vírus entre propriedades, muitas vezes de municípios distantes. 83 6. CONCLUSÕES Os resultados obtidos pelo isolamento e identificação viral, nos permitiram concluir que os surtos de doença exantemática, em nossa região, relacionam-se a uma antropozoonose viral emergente causada por Orthopoxvirus. Este estudo nos permitiu ainda concluir um novo exemplo da possível persistência em longo prazo de Orthopoxvirus na natureza no Brasil, sem, no entanto, excluirmos outras possibilidades de transmissão. No presente estudo, podemos afirmar que o homem também participou como um hospedeiro intermediário na transmissão da infecção entre os animais, uma vez que a contaminação ocorria sobretudo durante a ordenha manual. A vacinação voluntária contra Orthopoxvirus se faz necessária para pessoas de alto risco, tais como, médicos veterinários, pesquisadores e trabalhadores rurais. Nossos estudos mostram que a doença assumiu um caráter epidêmico com morbidade alta, baixa produção leiteira e grande impacto econômico para os pequenos fazendeiros, sustentados pela comercialização do leite, e ainda uma grande importância em saúde pública devido aos casos humanos, por vezes, graves. Outrossim, a divulgação de técnicas básicas de higiene para a assepsia das tetas, do úbere das vacas, das mãos e antebraços dos retireiros, como também a salubridade do local de colheita do leite, irá contribuir para a saúde do animal e do trabalhador, além de melhorar as condições de trabalho e a qualidade do produto comercializado. Acreditamos que, com esse empenho, podemos gerar suporte científico e tecnológico para superar os prejuízos causados pelos surtos de 84 Orthopoxvirus e, assim, permitir a valorização do trabalho familiar e o sustento adequado do pequeno produtor de leite, gerando, em última análise, o desenvolvimento local integrado entre pecuaristas, retireiros, técnicos da DSA e profissionais de saúde. 85 7. RECOMENDAÇÕES Os métodos moleculares tornam-se necessários para a caracterização e diagnóstico diferencial de Orthopoxvirus e Parapoxvirus, a partir de espécimes clínicos (crostas e líquidos vesículo-pustulares) obtidos de animais e de humanos infectados, em municípios do nosso estado e de estados adjacentes. A caracterização de proteínas virais e celulares, que atuam em diferentes fases do ciclo replicativo, faz-se necessária para o esclarecimento do processo de biossíntese viral. O estudo soroepidemiológico, em animais e humanos desses municípios, torna-se necessário para realizar uma análise comparativa da prevalência de anticorpos contra poxvírus em regiões endêmicas e para comparar com regiões não-endêmicas. 86 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAS, A.K., LICHTMAN, A.H., POBER, J.S. (2003) Imunologia celular e molecular. 4. ed. Rio de Janeiro: Revinter, 544p. ADA, G.L., BLANDEN, R.V. (1994) CTL immunity and cytokine regulation in viral infection. Res. Immunol., 145:625-628. 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Ficha A CCTA UENF Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro CCTA LSA Dados da propriedade Data:............................................Cód. da Propriedade:................................................. Propriedade:................................................................................................................... Localidade:..................................................................................................................... Gado de corte ( ) Gado de leite ( ) Quantidade de leite/dia:................................................................................................. Houve queda na produção de leite: Sim ( ) Não ( ) Criação extensiva ( ) Criação semi-extensiva ( ) Alimentação: Ração ( ) Pasto ( ) Outros ( ) Água:.............................................................................................................................. Vacinação: Raiva ( ) Manqueira ( ) Brucelose ( ) Tuberculose ( ) Febre aftosa ( ) Tratamento: Endoparasitas: Sim ( ) Não ( ) Ectoparasitas: Sim ( ) Não ( ) Compra de animais: Adultos ( ) Jovens ( ) Procedência dos animais:.............................................................................................. Quarentena: Sim ( ) Não ( ) Nº de animais na propriedade:........................Nº de animais doentes:....................... Outras espécies: Bubalinos ( ) Ovinos ( ) Caprinos ( ) Aves ( ) Suínos ( ) Eqüinos ( ) Caninos ( ) Felinos ( ) Roedores ( ) Outros ........................................................................................................................... Comercialização: Matadouro ( ) Venda para outros proprietários ( ) Início da doença:............................................................................................................ Evolução da doença:...................................................................................................... ........................................................................................................................................ ........................................................................................................................................ ........................................................................................................................................ Observações:................................................................................................................. ........................................................................................................................................ ........................................................................................................................................ ........................................................................................................................................ Resultados:..................................................................................................................... ........................................................................................................................................ ........................................................................................................................................ ........................................................................................................................................ 105 9.2. Ficha B CCTA UENF Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro CCTA LSA Dados dos animais Data:............................................Cód. do Animal:......................................................... Identificação do animal:.................................................................................................. Raça: Mestiça ( ) Holandesa ( ) Jersey ( ) Outras:............................................................................................................................ Cor:..............................................................Idade:......................................................... Sexo: Macho ( ) Fêmea ( ) Gado de corte ( ) Gado de leite ( ) Estado geral do animal: Doente ( ) Sadio ( ) Sintomas e sinais clínicos: Febre ( ) Perda de peso ( ) Sialorréia ( ) Outros:............................................................................................................................ Localização das lesões: Úbere ( ) Tetas ( ) Focinho ( ) Outros:............................................................................................................................ Material colhido: Líquido vesicular ( ) Crostas ( ) Sangue ( ) Biópsia ( ) Outros:..................................................................................... Observações:................................................................................................................. ........................................................................................................................................ ........................................................................................................................................ ........................................................................................................................................ 106 9.3. Ficha C CCTA UENF Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro CCTA LSA Dados dos humanos Data:..............................................Cód:......................................................................... Nome:............................................................................................................................. Idade:.............................................Sexo: H ( ) M( ) Vacinado contra varíola: Sim ( ) Não ( ) Estado geral: Doente ( ) Sadio ( ) Sintomas e sinais clínicos: Febre ( ) Dores no corpo ( ) Vesículas nas mãos/antebraços ( ) Outros:............................................................ Como começou a doença:.............................................................................................. Duração dos sintomas:................................................................................................... É retireiro em outra propriedade: Sim ( ) Não ( ) Material colhido: Sangue ( ) Líquido vesicular ( ) Crostas ( ) Observações:................................................................................................................. ........................................................................................................................................ ........................................................................................................................................ ........................................................................................................................................