Questões Contemporâneas: as consequências da

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 Questões Contemporâneas: as consequências da ocupação urbana irregular de áreas
ao redor do Aeroporto Internacional de São Paulo para a macrometrópole paulista
Gerson Moura Duarte
INTRODUÇÃO
As grandes cidades brasileiras tiveram um intenso crescimento populacional a partir
da década de 1970 e a falta de políticas habitacionais eficientes, somadas à morosidade por
parte do poder público na fiscalização dos loteamentos irregulares, incentivou uma vasta
ocupação urbana irregular de áreas impróprias para esse uso nas metrópoles de nosso
país, no decorrer das três últimas décadas do século XX.
Hoje, é muito comum vermos noticiado pela imprensa questões que envolvem as
ocupações urbanas indesejadas em áreas frágeis do ponto de vista ambiental, como as
margens de córregos, represas e rios, e as florestas e encostas de serras desmatadas.
Porém, pouco se fala das ocupações urbanas irregulares em áreas limítrofes dos sítios
aeroportuários brasileiros, e suas consequências para as populações residentes nessas
áreas, para as operações aeroportuárias e para as economias locais.
Este artigo tem como objetivo discutir o caso específico das ocupações urbanas
irregulares situadas no entorno do Aeroporto Internacional de São Paulo, localizado na
Cidade de Guarulhos, a problemática decorrente dessa ocupação indesejada em relação à
expansão prevista para esse aeroporto e os seus impactos na economia da
“macrometrópole paulista”.
Algumas Reflexões Teóricas
Antes de avançarmos em nossa discussão acerca da problemática apontada,
devemos entender algumas características que definem a metrópole contemporânea, fruto
de um processo contínuo de modernização da sociedade ocidental que foi acentuado pelo
fenômeno da “globalização econômica” a partir das últimas três décadas do século XX, e
que atravessou a primeira década do século XXI.
A “globalização econômica” é baseada na “nova economia”, também denominada
por Ascher (2001) “economia cognitiva”, ou simplesmente “economia do conhecimento”, na
qual a hipermobilidade formada pelas redes de transportes rápidos (aéreos e terrestres) e
de telecomunicações tem um papel vital no seu desenvolvimento. E ao mesmo tempo essas
redes de transportes (aéreos e terrestres) contribuem para reestruturar cidades e territórios,
por meio da reconfiguração de suas centralidades e espacializações comerciais. E ainda,
segundo Ascher (2001, p.53), “os aeroportos passam a ser rodeados de inúmeras e
variadas empresas atraídas pela acessibilidade aérea e terrestre”, fenômeno resultante da
“nova economia”, que também foi estudado por Güller (2002), e o qual o conceituou como
“cidade aeroporto”.
A atual fase de modernização, também denominada “baixa modernidade”, é
caracterizada, segundo Ascher (2001, p.32), por uma sociedade mais racional, mais
individualista, e mais diferenciada. Essa transformação nas relações da sociedade
contemporânea tirou partido dos resultados obtidos com os avanços tecnológicos dos meios
de comunicação e de transportes, que por sua vez permitiu “uma autonomia crescente ante
os limites espaciais e temporais”.
O fenômeno de compressão do espaço-tempo na sociedade contemporânea
fomentado pelo processo de “globalização econômica”, e as suas consequências na
reconfiguração e ocupação do território urbano da cidade contemporânea, que o torna
desigual na medida em que a “diferenciação social”, é crescente e cada vez mais complexa
nesse cenário. Também foi igualmente objeto de reflexão por parte de autores como Sassen
(2010), Lencioni (2004 e 2008), e Koolhaas (1997).
Sobre a “cidade global”, Sassen (2010, p.107) afirma que “esse é um espaço
centrado no lugar, no sentido de que está enraizado em locais específicos e estratégicos, e
transterritorial, no sentido de que conecta locais que não são geograficamente próximos,
mas que são intensamente conectados entre si”. E por meio do entendimento dessa autora
podemos rebatê-lo sobre as transformações correntes na metrópole de São Paulo,
observando a grande importância que determinadas regiões, como as do entorno das
Avenidas Paulista, Brigadeiro Faria Lima, Engenheiro Luis Carlos Berrini e das Nações
Unidas, exercem na capital paulista por concentrar um elevado número de empresas dos
setores administrativos, financeiros e de outros tipos de serviços altamente especializados,
que representam o poder econômico do capital. Essas regiões estão conectadas
virtualmente a outras “cidades globais” ao redor do mundo, sejam a Cidade do México, Nova
York e Chicago, na América do Norte; Frankfurt, Londres e Paris, na Europa; ou Seul,
Tóquio e Xangai, na Ásia. Essas conexões permitem uma rápida e constante transferência
de informações e do próprio capital entre essas regiões, bem como a de trabalhadores
especializados ou não, no caso dos imigrantes em busca de melhores oportunidades de
trabalho.
As principais características que diferem a metrópole moderna do passado da
metrópole contemporânea do presente são que, hoje, ocorre um processo de
“metropolização”, com uma aglomeração dispersa, de extensão territorial difusa, de forma
fragmentada, e com desenvolvimento espacial linear com baixa densidade populacional.
Entendidas as principais características da “metrópole contemporânea”, ainda
precisamos compreender as principais diferenças entre os conceitos de “macrometrópole” e
“megalópole”. Seria a metrópole de São Paulo o principal centro de uma “macrometrópole”
ou de uma “megalópole” já constituída no Estado de São Paulo?
E considerando a
dimensão territorial da “macrometrópole de São Paulo”, poderíamos falar na constituição de
uma megalópole? Devemos evitar esse equívoco, pois, segundo Lencioni (2004, p.162) “a
Cidade de São Paulo se constitui numa metrópole e é importante se insistir nisso. São Paulo
não é uma megalópole, como é comum se ver mencionado. Não é megalópole porque
megalópole não quer dizer grande cidade e nem é sinônimo de macrometrópole.”
Enquanto conceito geográfico, Lencioni (1960 apud GOTTMAN, 2004, p.162)
também afirma que:
“Em sua formulação, megalópole é uma forma de desenvolvimento
urbano cujas características são, em primeiro lugar, de ter forma
linear; portanto, diferente da metrópole que tem forma mais
arredondada. Em segundo, de ter anéis ou cinturões longitudinais,
diferente da metrópole, cujos anéis se apresentam concêntricos. Em
terceiro, de ter densidade menor que a da metrópole e dessa variar
em forma de ondas e não no sentido do centro – periferia. Por último,
a megalópole se caracteriza por possuir dezenas de milhões de
habitantes e não somente milhões e, além disso, tem de ter uma
superfície territorial de mais de 100.000 km². São Paulo é, portanto,
uma metrópole”.
É importante ressaltar que, hoje, o conceito de “macrometrópole de São Paulo” não
se restringe apenas ao campo teórico acadêmico, é já é aceito por diversos órgãos de
planejamento do Estado. Entre 2009 e 2010, foi desenvolvido um estudo sobre a
“macrometrópole de São Paulo” pela Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano
(EMPLASA) e pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE), o qual
identificou um conjunto de 153 cidades que constituem essa macrometrópole e estão
situados num raio de aproximadamente até 200 km de distância da capital paulista.
Outros dados apontados pelo estudo da EMPLASA e SEADE que também
impressionam mostram que “macrometrópole de São Paulo” ocupa apenas 16% do território
do Estado de São Paulo, porém, concentra 72% da sua população e detém 82% do seu
Produto Interno Bruto (PIB).
O estudo da EMPLASA e SEADE define que o território da “macrometrópole de São
Paulo” é formado pelas Aglomerações Urbanas de Jundiaí, Piracicaba, Sorocaba, e São
José dos Campos, pelas Microregiões Bragantina e de São Roque, e pelas Regiões
Metropolitanas da Baixada Santista, de Campinas e São Paulo, totalizando 153 cidades.
Em relação à infraestrutura de transporte instalada na “macrometrópole de São
Paulo”, o estudo destaca as boas rodovias que possibilitam conexões rodoviárias eficientes
entre suas cidades; os grandes Aeroportos Internacionais de Congonhas, Guarulhos e
Viracopos, que promovem o embarque e desembarque de dezenas de milhões de
passageiros, bem como a movimentação de carga aérea de importação e exportação (no
caso de Guarulhos e Viracopos); e finalmente o Porto de Santos, por onde escoa a maior
parte da produção do Estado de São Paulo.
As Ocupações Urbanas Irregulares No Caminho do Desenvolvimento do Aeroporto
Internacional de São Paulo
O local onde hoje se encontra o Aeroporto Internacional de São Paulo anteriormente
era ocupado apenas pela Base Aérea de São Paulo, a qual foi construída pelo Governo
Federal durante a década de 1940, período da Segunda Guerra Mundial. Esta base aérea
foi implantada na antiga Fazenda Cumbica, localizada no Município de Guarulhos, e para
esse mesmo local, aproximadamente quarenta anos depois, a Comissão Coordenadora do
Projeto Sistema Aeroportuário da Área Terminal de São Paulo (COPASP) desenvolveu o
planejamento e implantação do Aeroporto Internacional de São Paulo.
Conforme consta no Plano Diretor Aeroportuário original, a escolha da Cidade de
Guarulhos para abrigar o Aeroporto Internacional de São Paulo se deu em razão da sua
relativa proximidade do centro da Cidade de São Paulo, apenas 28 km pela Rodovia
Presidente Dutra (BR-116), por sua topografia regular, e constância da direção dos ventos
no local, apesar de reconhecer que a região não apresentava condições meteorológicas
favoráveis. A existência da Base Aérea de São Paulo, com aproximadamente 10 km²,
também foi outro fator determinante para a escolha desse local para a implantação do novo
aeroporto internacional, pois os custos com as desapropriações, realizadas por meio de um
Decreto Estadual, seriam concentrados nas indenizações para a incorporação de apenas 4
km² de área ao sítio da base aérea.
O projeto do Aeroporto Internacional de São Paulo, desenvolvido pela COPASP,
entre 1980 e 1981, atendia uma demanda prevista de 30 milhões de passageiros/ano, até o
horizonte de 1998, e abragia tanto o tráfego doméstico (exceto ponte aérea) quanto o
internacional relacionado com o Cone Sul, que naquela época eram operados no Aeroporto
Internacional de Congonhas.
Em razão do aumento significativo da demanda por transporte aéreo registrada no
Brasil a partir de 2000, a Infraero desenvolveu a revisão do planejamento do Aeroporto
Interncional de São Paulo, através do Plano de Desenvolvimento Aeroportuário, concluído
em 2004, que estabeleceu um aumento na capacidade final desse aeroporto de 30 milhões
de passageiros/ano, para 40 milhões de passageiros/ano.
O Plano de Desenvolvimento do Aeroporto Internacional de São Paulo previu a
ampliação do sítio patrimonial para a viabilização da construção da 3ª pista de pouso e
decolagem. Assim, algumas áreas densamente povoadas foram declaradas de utilidade
publica pelo Governo do Estado através do Decreto nº 46.499 de 16 de janeiro de 2002 e
totalizavam aproximadamente 1,43 km², implicando na realocação de aproximadamente
5.330 famílias. Essas famílias, ainda hoje, encontram-se em áreas de segurança de
cabeceiras ou em áreas dentro da curva de ruído, na qual não é recomendado o uso
residencial.
Porém, em 2008, o Governo Federal em razão de constatar a alta densidade
demográfica dessa região e devido a pressão política de alguns setores da sociedade civil
contrários a ampliação do aeroporto, declarou a sua desistência em construir a terceira pista
de pouso e decolagem em Guarulhos. Esse fato levou o governo paulista a revogar o
decreto que possibilitava a desapropriação da área urbanizada necessária à ampliação do
Aeroporto Internacional de São Paulo.
Conclusão
Em meio a um crescente aumento da demanda por transporte aéreo no Brasil, e às
vesperas de grandes eventos esportivos internacionais como a Copa do Mundo da FIFA no
Brasil e as Olimpíadas do Rio de Janeiro, a implementação da ampliação do Aeroporto
Internacional de São Paulo não será executada como foi planejada pelo Plano Diretor
Aeroportuário de 1981, e nem como prevista pelo Plano de Desenvolvimento Aeroportuário
de 2004. E, consequentemente, sua capacidade anual máxima para o processamento de
aeronaves, passageiros e carga aérea deverá ser limitada a um patamar inferior ao que foi
previsto, gerando prejuízo ao desenvolvimento econômico da Região Metropolitana de São
Paulo, que está cada vez mais basedo na economia cognitiva, e a qual depende da boa
hipermobilidade formada pelas redes de transportes rápidos (aéreos e terrestres) e de
telecomunicações.
Essa nova readequação do planejamento aeroportuário do Aeroporto Internacional
de São Paulo poderá causar impacto considerável na “macrometrópole paulista”, uma vez
que grandes investimentos financeiros e novos postos de trabalhos previstos para a
consolidação dessa infraestrutura aeroportuária deverão ser remanejados para a região do
Aeroporto Internacional de Viracopos/Campinas ou para uma nova alternativa de aeroporto,
ainda estudada pelo Governo Federal.
Referências Bibliográficas
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104 p.
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Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/08/estudo-aponta-macrometropole-emsp-com-29-milhoes-de-habitantes.html#. Acesso em 20 set. 2011.
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SCHIFFER, Sueli Ramos et al. Globalização e estrutura urbana. São Paulo: Hucitec,
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Gerson Moura. Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Guarulhos (1997) e mestre em Arquitetura
e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2005), onde cursa o doutorado nessa mesma área. Atualmente é
professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Nove de Julho. Conta, ainda, com doze anos de experiência
profissional na área de planejamento de aeroportos, com trabalhos desenvolvidos junto à Empresa Brasileira de Infraestrutura
Aeroportuária - INFRAERO.
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