UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ DORALICE RIBEIRO CHINOLI NIETO TESTAMENTO VITAL: DIRETIVAS ANTECIPADAS DA VONTADE CURITIBA 2013 DORALICE RIBEIRO CHINOLI NIETO TESTAMENTO VITAL: DIRETIVAS ANTECIPADAS DA VONTADE Monografia de Conclusão de Curso, apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade Tuiuti do Paraná – UTP Orientador: Profº: Msc. Geraldo Doni Júnior CURITIBA 2013 TERMO DE APROVAÇÃO DORALICE RIBEIRO CHINOLI NIETO TESTAMENTO DE VIDA Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná Curitiba________ de __________________ de 2013 __________________________________________________ Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite Coordenação do Núcleo de Monografia Universidade Tuiuti do Paraná Orientador: ______________________________________________________ Prof. Msc. Geraldo Doni Júnior Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito Supervisor: ______________________________________________________ Prof. Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito Supervisor: ______________________________________________________ Prof. Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito DEDICATÓRIA A todos os pacientes e familiares das pessoas fora das possibilidades terapêuticas atuais. A estes seres humanos sofredores que, pela vulnerabilidade total que os circunda e a realidade que os oprime, almejam alcançar a dignidade, bem como a paz de espírito. Aos médicos e enfermeiros, que muitas vezes, diante da impotência em salvar uma vida, resignam-se e, apesar de consternados, encontram forças para seguir com sua missão. AGRADECIMENTOS Á todos os professores, em especial ao meu orientador e professor Geraldo Doni Junior, profissional que admiro e me espelho, buscando um dia chegar ao patamar de integridade e sabedoria em que ele se encontra. Á Jesus Cristo, meu exemplo maior de acolhimento incondicional, de respeito integral às diferenças e de justiça. A toda falange de amigos, entidades e benfeitores espirituais, pelo amor devotado, inspirações e luzes que clareiam diuturnamente, o meu caminho. Ao meu esposo Sergio Nicolàs, por me fazer acreditar que tudo é possível. Aos meus pais, Joel e Zoraide, que primaram pela minha formação intelectual e, nunca deixaram de estar junto comigo, me apoiando, incentivando e torcendo para que tudo de certo... Sempre !!! “Somos mortais, e isso não podemos ser tratados como uma doença para a qual devemos achar a cura. Nessa perspectiva, os instrumentos de cura podem facilmente se transformar em ferramentas de tortura.” Léo Pessini RESUMO Na presente pesquisa, realizou-se um estudo baseado na constante evolução da Medicina, bem como a necessidade do acompanhamento desta evolução por parte do Direito, com a finalidade de resguardar os direitos das pessoas diretamente envolvidas, seja o paciente ou o médico. O objetivo foi fazer uma análise, com base constitucional acerca da validade e eficácia das Diretivas Antecipadas da Vontade, na modalidade do Testamento Vital. Foi realizada uma revisão bibliográfica, abarcando o principio da Liberdade, a Evolução da Dignidade da Pessoa Humana, o Direito ao Próprio Corpo e a Autonomia Privada. Atualmente a Resolução 1995/2012, regula as Diretivas Antecipadas da Vontade que dispõe sobre os cuidados e tratamentos de pacientes fora das possibilidades terapêuticas atuais, incapazes de comunicar-se e expressar de maneira livre e independente sua vontade. Busca-se demonstrar que o Testamento Vital deve ser considerado válido, uma vez que visa resguardar o direito à dignidade de uma morte digna. PALAVRAS-CHAVE: Autonomia Privada. Declaração da Vontade. Dignidade. Ortotanásia. Testamento Vital. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO................................................................................................ 9 2. A MEDICINA E O DIREITO: UM ENCONTRO NECESSÁRIO...................... 12 3. AUTONOMIA PRIVADA................................................................................. 22 3.1 AUTONOMIA PRIVADA EM CASO DE PACIENTES FORA DAS POSSIBILIDADES TERAPÊUTICAS ATUAIS............................. 24 3.2 AUTONOMIA PARA MORRER....................................................................... 26 3.2.1 A Interface Entre Autonomia do Paciente Terminal e o “Direito de Morrer”........................................................................................... 27 3.2.2 Eutanásia, Ortotanásia, Distanásia e Suicídio Assistido................................. 29 3.3 A EVOLUÇÃO DO EXERCÍCIO DA AUTONOMIA PARA MORRER FACE O DIREITO BRASILEIRO..................................................................... 30 4 TESTAMENTO VITAL: DIRETIVAS ANTECIPADAS DA VONTADE.......... 33 4.1 CONSENTIMENTO INFORMADO.................................................................. 34 4.2 DO DEVER DE ESCLARECIMENTO............................................................. 36 4.4 CONCEITO, VALIDADE E EFICÁCIA............................................................. 36 4.4.1 Forma.............................................................................................................. 39 4.4.2 Prazo de Validade........................................................................................... 39 4.4.3 Eficácia............................................................................................................ 39 5 CONCLUSÃO................................................................................................. 41 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................42 ANEXOS.................................................................................................................... 45 9 1. INTRODUÇÃO Os avanços tecnológicos da biomedicina vêm suscitando as maiores perplexidades a respeito dos limites do corpo humano. Com o avanço das novas tecnologias, na visão de muitos médicos, o homem praticamente passou de ‘ser humano’, para ‘objeto de contrato’; neste sentido, esclarece-se a importância dos valores da pessoa humana que o ordenamento jurídico considera intangíveis, já que representa um valor em si e por si. Alguns princípios devem ser invocados; o da indisponibilidade da vida e da saúde; o da salvaguarda da dignidade humana; o do consentimento do sujeito, o da igualdade e da liberdade. Ressalta-se no presente estudo a importância da liberdade, como direito irrenunciável; que gera o dever de conservar, ou não, a vida do paciente terminal respeitando o direito deste em manifestar sua vontade em relação a situações de incapacidade. Elucida o professor Nelson Rosenvald, no prefácio do livro da Professora Luciana Dadalto que: O ser humano, sujeito de situações existenciais, exercita a sua liberdade para praticar um ato de declaração previa da vontade, no qual manifesta diretivas antecipadas sobre tratamentos a que deseja ser submetido caso seja portador de uma doença terminal e não possua nesse instante a consciência para exercitar um ato de autonomia. (...) Os princípios da dignidade da pessoa humana e a proibição de tratamento desumano são arcabouços suficientes para a legitimação desta modalidade de diretrizes antecipadas (ROSENVALD, 2010, p. xix) O primeiro bem pertencente à pessoa humana é a personalidade, que se resume no conjunto de caracteres do próprio indivíduo, é a parte intrínseca da pessoa humana, sendo um bem no sentido jurídico, cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito. Comumente ouve-se falar em dignidade da pessoa humana em vida, mas e a dignidade no momento da morte? E a liberdade da pessoa em não submeter-se a tratamentos desnecessários, e por que não dizer, desumanos? Na acepção de Orlando Gomes, (1986, p. 131) “Os direitos de personalidade, destinam-se a resguardar a eminente dignidade da pessoa humana, preservando-a dos atentados que pode sofrer por parte de outros indivíduos.” 10 Estes direitos estão resguardados e amparados na Constituição da República Federativa do Brasil. Embora existam diversas formas de testamento no sistema jurídico brasileiro, cujos efeitos se dão após a morte do paciente, pouco se fala sobre o testamento vital, cujos efeitos ocorrem antes do evento morte. Dispõe o artigo 1857 da Lei Civil que toda pessoa pode dispor por testamento da totalidade de seus bens, ou parte deles, desde que este seja capaz. E, acrescenta-se no parágrafo 2º que o testador poderá dispor também de questões não patrimoniais. Em outra via, determina a resolução 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina, que os pacientes com doenças crônico-degenerativas, em casos terminais, devem ter a vontade de morrer respeitada pelos médicos, independentemente da vontade da família. Neste sentido, o testamento vital, entra na relação médico-paciente, como meio para que a autonomia privada do paciente, antes de um possível estado de incapacidade, possa ser exercida, assegurando a sua dignidade e autodeterminação. Este documento direcionará o profissional médico e sua equipe, no sentido de que seja empregado o tratamento e cuidados previamente escolhidos pelo próprio paciente. Salienta-se, que o testamento vital servirá de meio hábil a resguardar o médico de eventual responsabilização ao fazer ou não fazer uso de tratamentos e cuidados dispensados pela escolha prévia do paciente ainda capaz; o novo Código de Ética Médica, em vigor desde 13 de abril de 2010, trouxe significativas inovações, principalmente em alguns artigos, onde se subentende a possibilidade da formalização e validade das diretivas antecipadas entre médico e paciente, conforme se observa a seguir: XXI – No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas. (Grifo meu) Em função da supra citada resolução, o presente estudo visa realizar uma breve análise sobre o testamento vital, em relação aos tratamentos de saúde desnecessários, resguardando a dignidade no momento de sua morte, bem como a 11 liberdade desta pessoa em manifestar sua vontade de maneira expressa, através deste documento, registrado em forma de escritura pública, com a certeza de que esta será respeitada, caso haja esta necessidade. 12 2. A MEDICINA E O DIREITO - UM ENCONTRO NECESSÁRIO Os avanços na medicina causam uma reviravolta, não só no contexto médico, mas também na ciência jurídica, que precisa envolver-se em situações que exigem o seu pronunciamento, uma vez que o poder do homem sobre o homem, inevitavelmente, cria novas ameaças à liberdade do indivíduo, e não há outra forma de enfrentá-lo, senão produzindo normas que acompanhem as transformações sociais em curso com o objetivo de prevenir e solucionar os conflitos delas decorrentes e que não encontrem respaldo nas normas da legislação vigente. O professor José Antonio Peres Gediel ensina que: O Estado de Direito contratualmente constituído expressa uma ordem racional e ética e predetermina o espaço de liberdade do agir lícito, em que o sujeito pode exercitar sua vontade. É apenas o espaço do agir lícito que a vontade autônoma vai ser exercitada sob forma de direito subjetivo. Mas 1 para tanto é necessário o prévio reconhecimento desse direito pelo Estado. (GEDIEL, 2000, p. 24) Logo, ser livre é estar disponível para fazer algo por si mesmo. Nesse sentido, a liberdade surge como a possibilidade de decidir e, ao decidir, autodeterminar-se. Entretanto esta liberdade pressupõe responsabilidades do indivíduo para consigo mesmo e ante a sociedade. De Plácido e Silva (1989, v. III, p. 84) aduz que, os romanos definiam a liberdade como: “A faculdade natural de fazer cada um o que deseja, se a violência ou o direito não lhe proíbe”.2 A atual ideia de liberdade civil mudou muito com o passar do tempo. Em Roma antiga, somente eram livres os cidadãos que tinham poderes para deliberar em assembleia, votando e resolvendo problemas em nome da polis, ou seja, nem todo homem era cidadão. O status libertatis era uma decorrência do status civitatis. Aos poucos, os homens foram se emancipando e integrando-se socialmente, Maria de Fátima Freire de Sá, (2000, p. 35) diz que: Este processo provocou, por sua vez, a ocorrência de dois fenômenos complementares: “a atribuição progressiva de poderes autônomos e iguais 1 A liberdade embora seja um princípio pressuposto na Filosofia do Direito, está demonstrado na ciência da lógica. Mas é um princípio que se determina na medida em que se desdobra nas instituições jurídicas. 2 “Libertas est naturalis facultas ejus quod cuique facere libet, nisi si quid vi aut jure prohibetur” 13 aos indivíduos como tais; e a constituição de uma estrutura jurídica superior capaz de garantir essa autonomia. (SÁ, 2000, p. 35) Luiz Edson Fachin assevera que: O estabelecimento e a previsão legal dos direitos tidos como da personalidade se deram, essencialmente, nas constituições do pós-guerra, que passaram a adotar uma perspectiva de proteção integral da pessoa humana e que, por consequência, abrange a personalidade. (FACHIN, 2007, p. 45) Na Constituição da República de 1988, os fundamentos do Estado brasileiro os direitos fundamentais receberam grande destaque no cenário social. Grande foi a importância atribuída ao fundamento republicano da dignidade da pessoa humana, constante no artigo 1º, III da Constituição Federal da República Federativa do Brasil (CF/88), e no citado artigo, concentrou-se toda uma gama de possibilidade de proteção integral da pessoa humana. O Direito Civil, sob esta égide, foi imediatamente influenciado por esta perspectiva, uma vez que a dignidade da pessoa humana constitucional passou a refletir sobre ele forte influencia normativa. O foco desta influência normativa foi para muitos o estabelecimento dos direitos da personalidade no Código Civil de 2002 (CC/02), entretanto Luiz Edson Fachin, entende que a previsão normativa dos direitos da personalidade no CC/02 seria dispensável, uma vez que a CF/88 já resguardava a integridade da pessoa humana, bem como seus direitos fundamentais, entretanto Fachin aduz que: [...] se o legislador optou pela previsão dos direitos da personalidade no Código Civil, evidentemente, não é possível fazer uma análise de tais direitos desvinculada do exame de proteção da dignidade humana e dos direitos a ela correlatos. Assim, afirma ser impossível uma visão puramente privatística dos direitos da personalidade, desvinculada dos direitos do homem, de modo a ser imprescindível “um exame acurado da fundamentação da dignidade da pessoa humana que subjaz aos direitos da personalidade”. (FACHIN, 2007, p. 46) Importa no presente estudo compreender a relação entre pessoalidade e personalidade como meio de realização integral da pessoa com os outros com os quais se relaciona na efetivação da sua intersubjetividade, seja na autoafirmação da pessoalidade, seja na personalidade jurídica. Bruno Torquato de Oliveira Naves afirma que a personalidade e os direitos de personalidade são institutos jurídicos distintos, apesar de intrínsecos. Conforme observa-se: 14 [...] Num primeiro sentido, tem-se o atributo de constituição do sujeito enquanto partícipe de relações e situações jurídicas – a personalidade. A pessoa é o ente dotado de personalidade e, como tal, apta a possuir direitos e deveres na ordem jurídica. Em outro sentido, veem-se aspectos próprios da pessoa atuando como objeto de relações ou situações jurídicas – os direitos de personalidade. Dito de uma outra forma: o primeiro enfoca a pessoa em seu aspecto subjetivo, permitindo que alguém seja sujeito de relações e situações jurídicas. Já os direitos de personalidade concentram-se no aspecto objetivo, isto é, são objeto de relações e situações jurídicas. (NAVES, 2010, p. 17) Observa-se que a defesa e a proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade alcançaram grande importância nos últimos tempos haja vista os avanços científicos e tecnológicos experimentados pela humanidade que, de um lado trazem benefícios vários, de outro, potencializam riscos e danos a que podem estar sujeitos os indivíduos. Muitas discussões permeiam o tema, tais como o objeto do presente estudo; pode-se reduzir a ‘vida’ como o simples respirar, como a garantia da ‘batida do coração’? A professora Maria de Fátima Freire de Sá,esclarece que: A discussão que permeia a garantia do direito à vida versa, não raro, em relação à qualidade e dignidade, como construção diária. Daí a pergunta: pacientes terminais têm autonomia para morrer com dignidade? Ou devem sobreviver, mesmo que vegetativamente, até a parada respiratória ou a morte científica? (SÁ, 2012, p. 70) Ainda sobre o tema dignidade, ao consultar o significado da palavra no dicionário Houaiss (2001, p. 1040): “É a qualidade moral que infunde respeito, consciência do próprio valor, honra, autoridade, nobreza”; conforme se observa, a palavra em questão não se apresenta de maneira unívoca, haja vista a multiplicidade de valores culturais, religiosos e éticos desenvolvidos nas sociedades plurais e democráticas. Destarte lembrar o emblemático caso do “arremesso de anão3”, citado por Gustavo Tempedino, em que também se discutia o valor da pessoa humana. Ao analisar o caso, o autor afirma que o conceito de ordem pública se expande para os domínios da atividade privada, uma vez que o próprio anão recorreu ao Tribunal 3 Trata-se de decisão do Conselho de Estado da França que confirmou Ato Administrativo baixado pelo prefeito da cidade de Morsang-sur-Orge, que proibiu a realização de um inusitado espetáculo que ocorria em determinada boate da região chamado de ‘arremesso de anão’. Certo é que o indivíduo de pequena estatura era transformado em projétil e arremessado pela plateia, de um ponto a outro da boate. (TEMPEDINO, 1999, p.55-71) 15 Administrativo, obtendo êxito, com o argumento de que a sua atividade não perturbava a “boa ordem, a tranquilidade ou a salubridade” e que dignidade para ele era ter direito ao trabalho. Conforme comentários de Tepedino (1999, p. 59): “a tutela da dignidade humana , só por si, segundo a jurisprudência francesa até então vigente, não integrava o conceito de ordem pública. Lúcio Chamon Júnior, no prefácio do livro da Professora Maria de Fátima Freire de Sá leciona que: [...] para reconhecermos iguais liberdades não podemos estabelecer como limites destes mesmos direitos a nossa compreensão daquilo que é bom. Do contrário, não estaríamos reconhecendo todos como capazes de iguais direitos: afinal teríamos um privilégio, qual seja, o de determinar, da nossa perspectiva parcial por que valorativa, aquilo que seria ‘bom’ ou o ‘bem’ aos outros, vedando a estes esse exato direito de decidirem acerca daquilo que eles entendem como mais valioso, como sua ‘melhor compreensão da vida boa’. (grifo meu) (CHAMON JUNIOR, 2005, xxiv) Conforme se observa acima, não se pode construir um substrato axiológico do que seja dignidade, pois, o que fere a dignidade de um, não fere a de outrem, isto depende dos valores intrínsecos à pessoa. Apontado pela doutrina como a fonte primordial de todo o ordenamento jurídico, e, sobretudo dos direitos e garantias fundamentais do homem, o princípio da dignidade da pessoa humana exige que o indivíduo seja tratado como um fim em si mesmo, que seja encarado como a razão de ser do próprio ordenamento, impondo não só ao Estado, como também aos particulares, que o respeitem integralmente, evitando qualquer conduta que degrade sua condição humana. Paulo Roberto de Figueiredo Dantas A proteção da dignidade da pessoa humana parte do pressuposto de que o homem, em virtude tão somente de sua condição humana e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado. [...] o ser humano jamais poderá ser tratado como ‘coisa’, objeto ou mero instrumento, de forma a negar sua condição humana. (DANTAS, 2012, p. 141) Os primeiros vestígios de preocupação pelo respeito à dignidade do ser humano, por meio da criação de leis destinadas a resguardar direitos e proteger os indivíduos, podem ser encontrados nos Códigos de Hammurabi, de Manu bem como nas Leis das XII Tábuas, apesar de tratar o assunto de forma insuficiente e 16 obviamente não aplicáveis atualmente, tiveram o condão de serem as primeiras expressões de defesa da dignidade humana, e surge daí o entendimento que o homem como sujeito de dignidade é fruto de larga evolução. Diante do exposto, pode-se concluir que o grande desafio do Direito está em entender a dignidade não somente como uma qualidade do ser humano, mas também, que esta se funda no reconhecimento social, por meio da valoração positiva, na busca de respeito social. A dignidade deve ser buscada em meio às relações sociais, compreendida, portanto, como uma categoria do próximo, na comunhão dos indivíduos. Somente assim, encontrar-se-á soluções legítimas para aquelas questões mencionadas na introdução do presente estudo. Em outro passo, no que tange a personalidade da pessoa, Maria de Fátima Freire de Sá aduz que: Raymond Legeais divide o direito da personalidade em dois grupos: o primeiro grupo é o do direito a reserva da vida pessoal (direito à integridade física, durante a vida e ao tempo do falecimento, e direitos concernentes à vida privada), além da defesa de atributos da pessoa (direito ao nome, direito à imagem) defesa dos sentimentos (como a honra), e o direito ao segredo da vida privada. O segundo grupo se refere ao direito da expansão da vida pessoal [...]. (grifo meu) (SÁ, 2012, p. 63). Adriano de Cupis (2004, p. 40) classifica o direito da personalidade como: ”[...] direito à vida e à integridade física: às partes separadas do corpo e ao cadáver; à liberdade: à honra e respeito ao resguardo; ao segredo: à identidade pessoal: ao título, sinal figurativo, ao nome; e o direito moral do autor”. E ainda, Orlando Gomes,agrupa-os em dois fundamentais aspectos: [...] o direito à integridade física, nele estando compreendido o direito à vida, direito sobre o próprio corpo, que se divide, por sua vez, em direito sobre o corpo inteiro e direito sobre as partes separadas do corpo; e o direito ao cadáver. O segundo aspecto trata do direito à integridade moral, ou seja direito à honra, à liberdade, ao recato, à imagem, ao nome e direito moral do autor. (grifo meu) (GOMES, 1957, p. 133) Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda personalidade como: a) b) c) d) O direito à vida; O direito à integridade física; O direito à integridade psíquica; O direito à liberdade; classifica os direitos da 17 e) f) g) h) i) j) O direito à verdade; O direito a igualdade formal (isonomia); O direito à igualdade material, que esteja na Constituição; O direito de ter nome e o direito ao nome, aquele inato e este nato; O direito à honra; O direito autoral de personalidade. (PONTES DE MIRANDA, 1954, p. 8) Conforme se observa, apesar de não existir consenso dos diversos autores acima citados a respeito das classificações dos direitos da personalidade, não há dúvida sobre a inserção da vida como direito da personalidade. A questão, a saber, é se a autonomia para morrer integra o direito à vida como direito da personalidade. Esclarece Maria de Fátima Freire de Sá que: Em se tratando do direito à vida, enquanto direito da personalidade, podemos afirmar ser ele um direito absoluto, tão somente por que é oponível erga omnes. A inviolabilidade do direito à vida, garantido pela Constituição da República, implica na proteção da vida contra arbitrariedades de terceiros, porém, não impede a construção da pessoalidade pelo seu titular. [...] A escolha pela morte é, na verdade, o próprio exercício do direito à vida. Direito de morrer ou autonomia para morrer, na verdade integram o exercício do direito à vida. (sic) (SÁ, 2012, p. 68). Observa-se que é com a morte que termina a vontade do homem e, pois a sua manifestabilidade. Neste ponto do presente estudo, faz-se necessária uma breve abordagem histórica sobre o direito do indivíduo ao próprio corpo. As mais antigas disposições acerca do tratamento dispensado ao ser humano encontram-se na Lei das XII Tábuas, diga-se de passagem, com importância indiscutível haja vista ter sido esta lei que originou o Direito Civil. Naquela época, em meados do ano 462 a.C. o indivíduo era valorado pelos creditos que possuía e também pelo poder que dispunha, neste sentido afirma Maria de Fátima Freire de Sá, (2012, p. 72) que: [...] a comprovação de tal assertiva está em algumas disposições da lei supramencionada que, a par de outros dispositivos, permitia a morte e o acorrentamento de seres humanos, ao claro objetivo de que fosse feita justiça, nas situações em que devedores não cumprissem o compromisso de saldar suas dívidas. (SÁ. 2012, p. 72) 18 Situações como mutilações, prisões, e até mesmo a morte do devedor eram comuns naquele tempo, onde a execução dos créditos devidos era procedida sobre a pessoa do indicatus4 ou confessus5. Afirmam Cruz e Tucci (1996, p. 68) que: ”Após o ato citatório, na presença do magistrado, o credor afirmava: visto não me haveres pago os 10.000 sestércios, a que foste condenado a pagar-me, eu lanço a mão sobre ti, em razão dos 10.000 sestércios”, e colocava a mão sobre qualquer parte do corpo do devedor. E, com o passar do tempo, a evolução do Processo Civil Romano, originou outras leis que foram dificultando o uso da força física sobre a pessoa do devedor. Com o advento da Lex Poetelia Papiria, no ano de 386 aC, proibiu-se a morte e a venda do devedor como escravo, passando a admitir, em substituição à execução pessoal, a execução patrimonial. Candido Rangel de Dinamarco enumera várias normas atenuadoras do sistema que vigia naquela época: a) b) c) d) Proibição da morte e acorrentamento do devedor; Institucionalização do que antes era simples alternativa oferecida ao credor, ou seja, a satisfação do crédito mediante trabalhos forçados; Permissão no sentido de que o executado se livrasse da manus injectio, repelindo a mão que o prendia (manum sibi depellere) mediante o juramento de que tinha bens suficientes para satisfazer o crédito (bonan copiam jurare) e, acima de tudo isso: Extinção do nexum, passando então o devedor a responder por suas obrigações com o patrimônio que tivesse, não mais com o próprio corpo. (DINAMARCO. 1993, p. 43/44) Naquela época, a referida lei pareceu o triunfo da liberdade civil. Atualmente, já não mais ser permitida a disposição da vida das diversas maneiras conforme àquelas demonstradas, no Brasil, somente com o advento da Constituição da República de 1988 (a Constituição cidadã) foi expressa, através do artigo 5º e incisos o sentido de garantir o direito à vida a qualquer pessoa individual, tratando da questão em capítulo próprio (Dos Direitos e Garantias Fundamentais). Importante destacar que a Constituição Federal de 1988 traz, em seu inciso III6, como um dos fundamentos da República, a Cláusula geral de tutela, expressa na dignidade da pessoa humana. 4 Indicatus: Pessoa que tinha como pressuposto o inadimplemento de obrigação originada de sentença. 5 Confessus: Pessoa que tinha confessado o inadimplemento 6 Art. 5º, inc. III.- ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante. 19 Dentre as novas premissas constitucionais tem-se que não se pode privilegiar apenas o viés biológico da vida humana, ensina José Afonso da Silva que: [...] vida, não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão por que é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte. (sic) (SILVA. 2000, p. 200) Entende-se então que não se pode privilegiar apenas a dimensão biológica da vida humana, negligenciando-se a qualidade de vida do indivíduo. A obstinação em prolongar o funcionamento do organismo pelo maior tempo possível nos casos de pacientes fora das possibilidades terapêuticas atuais, não deve mais encontrar guarida no Estado Democrático de Direito simplesmente por que o preço dessa obstinação é uma gama indizível de sofrimentos gratuitos, seja para o enfermo seja para os familiares deste. O ser humano tem outras dimensões, conforme prevê Afonso Graça Rubio: O específico da pessoa aparece bem destacado quando se articulam adequadamente os dois aspectos básicos constitutivos do ser pessoal: a interiorização ou imanência7 e a abertura ou transcendência. [...] A dimensão de interiorização ou imanência: A pessoa deve estar centrada em si própria, orientada para a própria interioridade. Esta dimensão pode ser desdobrada da seguinte maneira: Autopossessão: a pessoa se 8 [...] autopertence, possui autonomia própria no sentido ôntico Consequencia: a pessoa não é propriedade de outro. Qualquer tipo de escravidão é um atentado direto contra a dignidade da pessoa humana. Liberdade e responsabilidade: a pessoa é capaz de escolher determinados valores em si mesma, a partir de si mesma. [...] Consequência: repugna à dignidade da pessoa todo tipo de manipulação. O respeito rel à liberdade e responsabilidade concretas de cada pessoa é indispensável para o crescimento da humanização do homem. [...] Tratar a pessoa como mero instrumento para uma finalidade exterior à própria pessoa é outro grave atentado contra a sua dignidade. (grifo meu) (RUBIO, 1989, p. 249-250) Aceitar o critério da qualidade de vida significa ‘estar a serviço’ não só da vida, mas também da pessoa. O prolongamento da vida somente pode ser 7 O termo "imanência" compõe-se dos termos latinos in e manere, que juntos têm o significado original de "existir ou permanecer no interior". Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imanência. Acesso 19/01/2013. 8 Que se relaciona aos objetos do mundo, que se refere ao ente. Diríamos ainda que, ôntico referente a toda a esquemática iminente ao ser. Fonte HTTP://www.dicionárioinformal.com/ôntico. Acesso em 19/01/2013. 20 justificado se oferecer às pessoas algum benefício, ainda assim, se esse benefício não ferir a dignidade do viver e do morrer. São inúmeros os doentes que se encontram jogados em hospitais, com um sofrimento desnecessário, muitos em terapia intensiva e em emergências. O desdobramento disso é uma parafernália tecnológica que lhes prolonga a vida inutilmente. O desenvolvimento tecnológico é de extrema importância à sociedade, entretanto deve ser posto à disposição da saúde e bem estar do paciente, melhorando a sua qualidade de vida. As inúmeras especializações dos médicos, apesar de necessárias, causou um afastamento lógico entre este e o paciente. Atualmente, o médico deixou de ser aquele profissional de confiança da família para ser o ‘especialista’, indicado por alguém, ou ainda encontrado no guia do plano de saúde do paciente. E o doente, passa a ser identificado pelo nome da doença ou pelo número do apartamento ou enfermaria em que se encontra. A relação médico paciente estabelece entre ambos um vínculo contratual. Mas, muito mais que negócio jurídico, a relação médico-paciente apresenta-se como base da ciência médica e tem com objetivo o comprometimento para com a saúde, o bem-estar e a dignidade do indivíduo. Diante de uma doença grave, o diagnóstico deve ser informado ao paciente, o direito à informação é constitucionalmente assegurado no art. 5º, XIV da CF/88, a verdade é fundamental. Paralelamente ao direito de informação, surge a figura do consentimento informado, termo usado pela primeira vez em 1957 por um juiz americano, conforme explica Maria Celeste Cordeiro Santos: Um médico viola seu dever para com o paciente e é sujeito de responsabilidade se não proporciona qualquer dado que seja necessário para fundamentar um consentimento inteligente ao tratamento proposto (...). Na discussão dos riscos deve-se empregar uma certa dose de discrição consistente na completa revelação dos fatos que é necessária para um consentimento informado.(SANTOS, 1998, p.98) O consentimento livre e esclarecido é elemento central na relação médicopaciente, sendo resultado de um processo de diálogo e colaboração, visando satisfazer a vontade e os valores do paciente, Jan Broekman observa que: 21 Neste contexto, o consentimento informado é a pedra angular da expressão jurídica., E se define como o direito a obter informação em relação com todos os feitos relevantes executados pelo médico, este direito em seu contexto medico foram desenvolvidos pela literatura geral a um nível muito técnico, especificamente em suas implicações jurídicas. Mas normas e valores sociais de nossa cultura, normas jurídicas, a atenção médica e considerações éticas decidem esta questão. (BROEKMAN, 1998, p. 137) O princípio constitucional da liberdade tem como pressuposto o livre desenvolvimento da pessoalidade que, em análise sintética, é atribuído aos indivíduos o direito de tomar decisões em todas as esferas de sua vida privada, desde que não haja proibição legal, inclusive para se recusar a determinados tratamentos médicos. O Código de Ética Médica brasileiro – Resolução 1931/2009 do Conselho Federal de Medicina, estabelece em seu artigo 22 e 24 do Capítulo IV que: Capítulo IV DIREITOS HUMANOS É vedado ao médico: Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte. (...) Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo. Por outro lado, é corrente a informação de que muitos pacientes não desejam saber a verdade sobre a respectiva doença, quando esta se apresenta grave. Para estas situações o médico deve ser cauteloso. O caso lhe dirá como agir, estas também são obrigações do médico, afinal, não é por acaso que essa profissão é comumente chamada de ciência humanitária. 22 3. AUTONOMIA PRIVADA Considera-se autonomia, ou direito à autonomia, a capacidade ou aptidão que tem as pessoas de conduzirem suas vidas como melhor convier ao entendimento de cada uma delas. Neste sentido, revela-se de notável impacto a frase do filósofo Giovanni Pico Della Mirandola em seu Discurso sobre a D ignidade do Homem: Tu, pelo contrário, não constrangido por nenhuma limitação, determiná-la-ás para ti, segundo o teu arbítrio, a cujo poder te entreguei.” Esta assertiva notadamente refere-se ao exercício de uma liberdade que possibilita a escolha de projetos de vida integrantes de uma sociedade complexa.( DOUGHERTY, 2011, p. 23) Não se trata o homem meramente como criatura, mas também como criador de um universo particular, de ações possíveis, de uma sociedade compartilhada, de sujeitos que, no exercício de autonomias privadas fazem suas escolhas e se dirigem a um projeto dominante de vida (ou de morte). A valorização da subjetividade e de todas as suas possibilidades existenciais, busca respostas e apresenta métodos para compatibilizar o exercício de liberdade de pessoas que interagem na construção da realidade social em que vivem desafiando o Direito a efetivar o exercício destas liberdades autônomas e iguais. Jerome B. Schneewind ensina que: O amadurecer da modernidade colocou o homem no centro das problemáticas existenciais e introduziu o conceito de autonomia como foco central das especulações teóricas. Sobretudo a partir da filosofia kantiana a autonomia é destacada e introduzida na reflexão filosófica e consequentemente movida ao discurso jurídico. Este diferencial está no fato de, na filosofia kantiana, o homem não ser determinado pela existência e conteúdo da moralidade exterior a ele. (SCHNEEWIND, 2001. P. 559) E ainda de acordo com Manfredo Araújo de Oliveira (1995, p. 119-120), autonomia na reflexão kantiana significa: “a capacidade e a tarefa que caracteriza o homem como homem, ou seja, de autodeterminar-se e de auto construir-se em acordo com as regras de sua própria razão.” Percebe-se então, que a autonomia tem por fundamento a liberdade do indivíduo, liberdade esta que se respalda, conforme Jurgen Habermas (1995, p. 109) 23 “(...) na garantia de uma formação abrangente da vontade e da opinião, processo no qual cidadãos livres e iguais chegam a um entendimento em que objetivos e normas se baseiam no igual interesse de todos.” A autonomia privada não pode ser analisada em separado do princípio da dignidade da pessoa humana, alçado à condição de princípio fundamental da Constituição da República do Brasil. Posto isso, a presente pesquisa trabalhará com o conceito de autonomia privada como sendo aquela que legitima a ação do indivíduo, conformada à ordem pública e permeada pela dignidade da pessoa humana, ou seja, significa que a autonomia privada garante ao indivíduo o direito de ter seu próprio conceito de “vida boa” e de agir buscando tal objetivo, direito este que encontra barreiras na intersubjetividade, de modo que a autodeterminação do indivíduo deve ser balizada pelas relações interpessoais9 e tal balizamento é feito pelas normas jurídicas. Francisco de Amaral (2006, p. 345) conceitua o princípio da autonomia privada como sendo: “O poder que os particulares têm de regular, pelo exercício de sua própria vontade as relações de que participam, estabelecendo-lhes o conteúdo e a respectiva disciplina jurídica.” Verifica-se que as situações jurídicas existenciais no ordenamento jurídico brasileiro são tuteladas pelo princípio da autonomia privada que, por sua vez está intimamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, princípio este alçado à condição de fundamento do Estado Democrático de Brasileiro,10 pois o reconhecimento da autonomia privada do indivíduo importa por consequência, no reconhecimento da dignidade da pessoa humana. Conforme ensina Diogo Luna Moureira: Consequência imediata do reconhecimento da autonomia privada é o respeito à dignidade humana. Reconhecida a potencialidade da pessoa humana em se autodeterminar como interlocutor numa rede de interlocutores, como merecedores de respeito, é inegável que a adoção de qualquer postura reveladora do exercício de liberdades e não liberdades, 9 Uma pessoa só é autônoma em relação ao outro justamente quando através de formas discursivas, for capaz de justificar suas escolhas e decisões de ação perante o outro. Isso porque os indivíduos não nascem autônomos [...] Ser autônomo é saber que está agindo com um caráter autônomo em relação aos valores e regras do outro. Nesse sentido, entende-se que a autonomia é uma necessidade humana que se desenvolve de forma dialógica (GUSTIN, 1999, p. 31-32) 10 Art. 1º A Republica Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana 24 argumentativamente construídas, possibilitarão que a dignidade seja evidenciada (MOUREIRA, 2009, p. 82). Assim as situações jurídicas que envolvam relações jurídicas existenciais que passaram a ser mais discutidas pela doutrina brasileira após a Constituição de 1988 e após a entrada em vigor do Código Civil de 2002 tutelam a autonomia da pessoa humana em suas mais variadas facetas. 3.1 AUTONOMIA PRIVADA EM CASO DE PACIENTES FORA DAS POSSIBILIDADES TERAPÊUTICAS ATUAIS Nos últimos tempos a ciência médica tem sofrido grandes mudanças, Léo Pessini, afirma que: Os progressos tecnológicos da Medicina instituíram a preocupação com a imortalidade. Se outrora os indivíduos encaravam a morte como inevitável e fruto da vontade divina, atualmente a morte é vista como fato a ser evitado, de modo que o sofrimento deixa de ser aceito como contrapartida de cada êxito do homem em sua adaptação ao meio e cada dor é um sinal de alarme que apela para uma intervenção exterior a fim de interrompê-la. (PESSIN, 2004, p. 68) Desta forma a ciência médica passa a ser vista como a contraposição da vontade divina e, o médico uma espécie de divindade, uma vez que é a ele que pertence o poder de perpetuar a vida. Continua Léo Pessini: Tal atitude conduziu a hiperutilização da UTI. De início essas unidades destinavam-se a tratar traumas e alguns casos pós operatórios; não pacientes terminais. No entanto, hoje as UTI’s estão repletas de idosos com doenças fatais, como câncer, e pacientes que já perderam as funções cerebrais. Tais pessoas não se beneficiarão da concentração de tecnologia médica nestas unidades, e muitas delas não aprovariam procedimentos que limitassem sua liberdade e sua dignidade, se estivessem em condições de escolher. (PESSIN, 2004, p. 77) Por esta razão Maria Julia Kovacs (1998, p. 61) afirma que: “o paciente terminal é produto do século XX, tendo em vista a ‘cronificação das doenças’, fruto do avanço tecnológico da medicina.” [sic] Entretanto, Luciana Dadalto apud Ferreira ensina que: 25 O objetivo último da Medicina já não deve ser percebido como a manutenção da vida a qualquer custo, mas sim a promoção do bem estar e eliminação do sofrimento. Ainda que salvar vidas continue a ser o princípio condutor máximo, este deve dar precedência à compaixão e ao respeito pelo direito à autodeterminação do paciente. [sic] (DADALTO apud FERREIRA, 2010, p. 25) Esta tendência tem sido objeto de reflexão acerca dos direitos do paciente terminal11, ou seja, questiona-se, contemporaneamente, a existência de um direito de morrer, ou de “viver a própria morte” (PESSINI, 2004, p. 75). Sobre o conceito de paciente terminal, Marcos Knobel e Ana Lúcia Silva (2002, p. 133), ensinam que, não há um conceito único do que seja, mas, ensina que “paciente terminal é aquele cuja condição é irreversível, independente de ser tratado ou não, e que apresenta uma alta probabilidade de morrer num período relativamente curto de tempo”. Observa-se que o diagnóstico de terminalidade de vida está diretamente relacionado à impossibilidade de cura ou de recuperação do paciente cumulada com a iminência de morte. Desta forma muito se discute acerca da autonomia privada do paciente terminal, vez que não raras vezes associa-se à terminalidade da vida a situações de incapacidade. Insta salientar que “mesmo que um paciente esteja próximo de morrer, ainda está vivo, e é uma pessoa com desejos” (KÓVACS, 1998, p. 65) e é por este motivo que se deve diferenciar duas situações de terminalidade; o paciente terminal consciente e o paciente terminal inconsciente. O paciente terminal consciente é uma situação mais confortável para os médicos haja vista que o paciente assume a condição de sujeito completamente autônomo. Em contrapartida, quando o paciente terminal estiver inconsciente, sua autonomia estará reduzida, razão pela qual os médicos devem se valer dos desejos anteriormente expressados pelo paciente, por meio da declaração prévia de vontade do paciente terminal, ou, quando este documento não existir da autonomia da família, a fim de decidir em face do melhor interesse do paciente, respaldado pelo princípio da beneficência. 11 Nos mais recentes estudos sobre o tema, o termo “paciente terminal” está sendo substituído pela expressão “pacientes fora das possibilidades terapêuticas atuais”. Isso por que entende-se que rotular o paciente como terminal ocasiona problemas para o próprio paciente, para sua família e para os médicos. (KÓVACZ, 1998, p. 63-64) 26 É claro que não se pode olvidar que em ambas as situações o paciente está vivo, e seus desejos expressados devem ser seguidos. Ou seja, quer o paciente terminal esteja consciente ou inconsciente, sua dignidade e autonomia devem ser preservadas. 3.2 AUTONOMIA PARA MORRER A morte não se encontra à margem da vida, ao contrário, ocupa posição central na vida. A escolha pela morte é, na verdade, o próprio exercício do direito à vida. Maria de Fátima Freire de Sá e Diogo Luna Moureira (2011, p. 68) dizem que: “Direito de morrer ou autonomia para morrer, na verdade integram o exercício do direito à vida”. A vida é um dos valores construídos pela pessoa humana. Neste sentido, ensina Léo Pessini (2010, p. 166), que a morte é um evento inerente à pessoa, algo pertinente à vida que: “Somos mortais e isso não pode ser tratado como uma doença para a qual devemos achar a cura. Nessa perspectiva, os instrumentos de cura podem facilmente se transformar em ferramentas de tortura.” Inicialmente, a morte era entendida como o cessar dos batimentos cardíacos, o que não é mais aceito. Hoje, é vista não mais como um momento ou um evento, mas como um fenômeno progressivo. Logo a revisão do conceito morte definiu-a como morte encefálica. Esta revisão mostrou-se necessária uma vez o desenvolvimento da medicina possibilita o prolongamento indefinido da vida humana, por meios artificiais. Afirma Maria de Fátima Freire de Sá e Diogo Luna Moureira que: A primeira definição de morte encefálica foi divulgada pelo Comitê ad hoc da Harvard Medical School. Seus critérios marcaram época e foram publicados meses após o primeiro transplante cardíaco realizado por Christian Bernard, na África do Sul, que colocou realmente no alvo do conceito de morte, não mais a parada cardíaca, mas sim a morte encefálica. (SÁ E MOUREIRA, 2012, p. 85) Dominando vários conceitos, a Associação Médica Mundial, formulou a Declaração de Sidney, em 1968, e publicou: 27 Uma dificuldade é que a morte é um processo gradual, a nível celular e que a capacidade dos tecidos, para suportar a falta de oxigênio, é variável. Sem embargo disto, o interesse clínico não reside no estado de conservação das células isoladas, mas no destino da pessoa. Em decorrência, o momento da morte de diferentes células e órgãos não tem tanta importância, como a certeza de que o processo tornou-se irreversível, quaisquer que sejam as técnicas de ressuscitação que se possam aplicar. Esta conclusão se deve basear no juízo clínico, complementando, caso necessário, por diversos instrumentos auxiliares de diagnóstico, dos quais o mais útil é atualmente o eletroencefalógrafo. Em qualquer caso, nenhuma prova instrumental isolada é inteiramente satisfatória no estado atual da medicina nem qualquer método pode substituir o ditame global do médico. (WORD MEDICAL JOURNAL, 1968, p. 133) Elucidam os autores Afirma Maria de Fátima Freire de Sá e Diogo Luna Moureira que: Desde a primeira legislação que se referiu a transplantes de órgãos adotada no Brasil, decidiu-se que os critério estabelecidos para o conceito morte fossem fixados por médicos. Desta forma o Conselho Federal de Medicina (CFM) através da resolução 1.480/97, já se manifestou quanto aos parâmetros clínicos a serem observados para a constatação da morte encefálica; coma aperceptivo com ausência de atividade motora supraespinal e apneia. (SÁ E MOUREIRA, 2012, p. 85) Observa-se que o critério para o diagnóstico da morte encefálica é a cessação irreversível de todas as funções do encéfalo, incluindo o tronco encefálico, onde se situam estruturas responsáveis pela manutenção de processos vitais autônomos, como a pressão arterial e a função respiratória. 3.2.1 A Interface Entre Autonomia do Paciente Terminal e o “Direito de Morrer” Conforme anteriormente mencionado, a autonomia privada garante aos indivíduos que persigam seus interesses individuais. Entretanto, estes interesses devem estar conformados ao princípio da dignidade da pessoa humana, princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, e que garante a coexistência entre autonomia pública e autonomia privada, conforme ensina Walsin Edson Rodrigues Junior (2007, p. 151) que:” A dignidade humana reside na possibilidade de autodeterminação: dizer de seus próprios desígnios e poder escolher seus objetivos é que faz da vida humana um bem precioso a ser protegido”. 28 No que tange a autonomia do paciente terminal, é pertinente questionar se esta se confronta com o princípio da dignidade da pessoa humana, ou seja, se o paciente terminal, antes do diagnóstico de terminalidade , em razão do direito à vida digna, pode recusar o tratamento. Verifica-se assim, que há uma estreita relação entre o princípio da dignidade da pessoa humana e a autonomia privada. Ensina Leticia Moller que: O direito de um doente em estágio terminal (cuja morte é inevitável e iminente)12, de recusar receber tratamento médico, bem como, o de interrompê-lo, buscando a limitação terapêutica no período final da sua vida, de modo a morrer de uma forma que lhe pareça mais digna, de acordo com suas convicções e crenças pessoais, no exercício de sua autonomia, encontra-se plenamente amparado e reconhecido pela nossa Constituição (MOLLER, 207, p. 144) No Brasil a discussão da autonomia privada do paciente terminal, conforme ensina Habermas (2004, p. 63); “No contexto democrático todos devem formar uma concepção pessoal do que seja “boa vida”, segundo critérios próprios, que não devem ser submetidos à prescrição da maioria”, assume especial relevância, pois se percebe que grande parte da sociedade brasileira é pautada por valores religiosos, segundo os quais a vida é valor supremo e apenas Deus tem o direitos de cessá-la. Observa-se então, que a autonomia da pessoa em estado de terminalidade deve ser preservada, garantindo ao paciente o direito de manifestar-se, previamente sobre os tratamentos a que não deseja ser submetido, tendo o discernimento da pessoa como requisito essencial, e essa vontade se manifesta com o consentimento informado. Ensina Maria de Fátima Freire de Sá que: A vida deve ser encarada no seu ocaso, para que lhe seja devolvida a dignidade perdida. São inúmeros os doentes que se encontram jogados em hospitais, a um sofrimento em perspectiva, muitos em terapias intensivas e em emergências. O desdobramento disso? Uma parafernália tecnológica que os prolonga e os acrescenta. Inutilmente. (SÁ e MOUREIRA, 2012, p. 77) 12 Por tudo o que foi exposto até o presente momento, não é correto afirmar que a iminência da morte é característica do paciente terminal, já que segundo definição do Dicionário Houaiss, iminente é imediato. Neste caso, a morte é inevitável, mas não iminente, vez que é possível que a situação de terminalidade se perdure no tempo, inclusive quando não há nenhum procedimento artificial que mantém a vida. 29 Este interesse individual soma-se com o Estado Democrático de Direito, na medida em que busca uma existência digna, lastreada no princípio da dignidade da pessoa humana garantindo a coexistência de todos os projetos os projetos de vida, inclusive o do paciente terminal. 3.2.2 Eutanásia, Ortotanásia, Distanásia e Suicídio Assistido Pertinente neste estudo, diferenciar os supracitados institutos. A Doutrina ensina que existem duas espécies de eutanásia, a ativa aquela provocada por uma ação de terceiro (como exemplo tem-se o caso amplamente divulgado na mídia atualmente, da Dra. Virgínia Soares de Souza do Hospital Evangélico, (anexo 2) e a passiva provocada por omissão de terceiro. E a ortotanásia que nos ensinamentos de Pessini (2004, p. 75) “a arte de bem morrer”. Luciana Dadalto apud Oscar Garay (2010, p. 34) ensina que: (...) a ortotanásia se concretiza com a abstenção, supressão ou limitação de toso tratamento fútil, extraordinário ou desproporcional diante da iminência 13 da morte do paciente, “morte que não se busca , nem se provoca, uma vez que resultará da própria enfermidade que o sujeito padece. Conforme se observa a eutanásia passiva não é sinônimo de ortotanásia, pois naquela não se faz o tratamento ordinário mais conhecido pela medicina; e na nesta se abstém de realizar tratamentos extraordinários e fúteis, suspendendo os esforços terapêuticos desnecessários. A distanásia é a obstinação terapêutica, e, se dedica a prolongar o máximo a quantidade de vida humana, combatendo a morte como grande e último Inimigo. (PESSINI, 2004, p. 218) O suicídio assistido é resultado da própria ação do paciente que, com ajuda de terceiros, provoca o resultado morte. O suicídio assistido difere-se da eutanásia, por que a ação que gera a morte é praticada pelo paciente. (DADALTO, 2010, p. 35.) 13 Não se busca, pois o que se pretende é humanizar o processo de morrer, sem prolongá-lo abusivamente 30 Estabelecidas as diferenças entre os institutos, cabe esclarecer que para haver o cumprimento da vontade do paciente terminal, faz-se necessária a prévia manifestação de vontade deste, enquanto capaz; esta manifestação de vontade é comumente chamada de testamento vital, tema a ser estudado no próximo capítulo deste estudo. 3.3 A EVOLUÇÃO DO EXERCÍCIO DA AUTONOMIA PARA MORRER FACE O DIREITO BRASILEIRO Consta no artigo 121 do atual Código Penal: “Matar alguém”, trata-se de uma conduta típica com pena de reclusão de seis a vinte anos. O § 1º do citado artigo, por sua vez, ensina que se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço, uma vez que se trata na hipótese de homicídio privilegiado. (SÁ, 2012, p. 192) Determina ainda o artigo 122 do Código Penal, que induzir alguém a suicidarse ou prestar-lhe auxílio que o faça configura conduta típica, cuja pena de reclusão é de dois a seis anos, caso o suicídio se consuma. E se da tentativa de suicídio resultar lesão corporal de natureza grave a pena é de reclusão de um a três anos. A eutanásia, nas suas diversas formas, vem sendo tratada pelo Direito Penal pátrio como homicídio, ainda que privilegiado. Do conteúdo da regra do artigo 121, § 1º do Código Penal, entende-se que, o ato de tirar a vida de uma pessoa que se encontre em grande sofrimento pode ser considerado motivo de relevante valor moral e, por isso, o agente que praticar o delito terá sua pena reduzida de um sexto a um terço. Observa-se que o referido parágrafo não determina quem seja o agente, permitindo então, concluir-se que qualquer pessoa que realizar o ato (não somente o médico), desde que, compelida por motivo de relevante valor moral, terá se valido da eutanásia. Logo, não há, no Direito brasileiro, a exigência de que a eutanásia seja praticada por médico, como, tecnicamente, é entendida. (SÁ, 2012, p.192) Em novembro de 2006, o Conselho Federal de Medicina, por intermédio da Resolução CFM n. 1.805, regulamentou uma prática que já se fazia corriqueira nas UTTs: a suspensão de procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente terminal. 31 O conteúdo da Resolução resume-se aos seguintes artigos: Art. 1º E permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal. § 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação. § 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário. § 4º E assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica. Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar. (CFM, 2006) A formalização dessa prática causou furiosa indignação por parte de juristas, ao equivocado fundamento de que haveria necessidade de legislação para legitimar a prática médica. Argumentavam que a regulamentação fora produzida por uma “corporação”, sem competência para tanto. Em razão disso, o representante do Ministério Público do Distrito Federal propôs ação civil pública para suspender os efeitos da Resolução. O Juiz da 14ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal deferiu a antecipação de tutela para suspender os efeitos da Resolução CFM n. 1.805/2006, por entender tratar-se tal prática de homicídio por omissão e não exercício regular da medicina. Então, o Ministério Público Federal, posteriormente, por intermédio de seu Procurador Geral, emitiu parecer pela improcedência do pedido, entendendo que não se tratava de eutanásia e sim de ortotanásia, com legitimidade plena do Conselho Federal de Medicina. De fato, a Resolução 1.802/2006 reconheceu a autonomia do paciente perante a possibilidade de suspensão dos tratamentos médicos, conforme elucida Maria de Fátima Freire de Sá: No entanto, é dever do médico diagnosticar e determinar o alcance da enfermidade, bem como sua possibilidade de cura. A partir daí, cabe ao paciente exercer a opção de limitar ou suspender o tratamento, tudo de acordo com a autonomia que lhe é garantida constitucionalmente e em razão de um consentimento livre e esclarecido. Ademais, a possibilidade de 32 ser cuidado em casa também deve ser considerada como escolha do paciente, sob pena de imposições evasivas. (SÁ, 2012, p. 198) O atual Código de Ética Médica, a Resolução 1931/2009, em seu capítulo I, que trata dos Princípios Fundamentais, especificamente no item XXII, determina que: “Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados”. Conforme pode-se observar a Medicina vem levando a sério a construção do tratamento médico-paciente, optando por um tratamento horizontal, e não mais a verticalização da conduta do médico em relação ao seu paciente. O capítulo IV da mencionado resolução proíbe, em vários artigos o desrespeito ao direito do paciente, vedando ao médico, como consta no artigo 24: “Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo”, e ainda em seu artigo 41 Parágrafo único, estabelece que: “Em se tratando de doença incurável ou terminal o médico não deve “empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”. [grifo meu] E, a expressão desta vontade foi regulamentada pela resolução 1995/2012 (Anexo 4), do Conselho Federal de Medicina, que dispõe sobre as Diretivas Antecipadas da Vontade, assunto do presente estudo. 33 4 DIRETIVAS ANTECIPADAS DA VONTADE - TESTAMENTO VITAL Antes de adentrar no tema, importante salientar que o Testamento Vital, nada tem haver com o testamento patrimonial. Esta denominação adveio da tradução literal de “living will” denominação pioneira deste instituto, que surgiu nos EUA, em 1967. Posto isso, torna-se questionável se, originalmente este instituto foi realmente equiparado a um testamento ou se tal confusão foi provocada por um erro de tradução de outro idioma que se perpetrou. O dicionário Oxford, apresenta como tradução de will, três substantivos, quis sejam, vontade, desejo e testamento. Desta forma é possível perquirir se a tradução mais adequada seria “desejos de vida”, ou ainda “vontade de vida”. Feitas as devidas observações vamos ao tema. Atualmente, no Brasil, a manifestação doutrinária, legal e jurisprudencial sobre o tema é embrionária. Defende-se a legitimidade do testamento vital, como manifestação escrita, feita por pessoa capaz que, de maneira livre e consciente, determina suas opções, seus desejos e preferências, que devem ser respeitados quando ocorrerem situações clínicas que impeçam a comunicação da vontade pelo titular. Trata-se de um negócio jurídico unilateral que tem como finalidade cuidados futuros de saúde em caso de incapacidade. Esta manifestação de vontade pode ser revogada a qualquer tempo. O indivíduo humano tem outras dimensões além da biológica, desta forma aceitar o critério da qualidade de vida significa estar a serviço não só da vida, mas também da pessoa. Ensina Maria de Fátima Freire de Sá que: É a morte que coloca um fim no processo dialético de ser pessoa e extingue toda pessoalidade, posto que com ela se cessa a realidade existencial. Se a manifestação da pessoalidade permite que o indivíduo ‘se construa’ pessoa, a morte se integrante do projeto de pessoalidade também exime esta realização, ainda que para seu fim.(SÁ, 2012, p 83) Permitir que a pessoa determine o fim de sua pessoalidade é fazer com que ela realize, no momento de sua finitude, suas configurações enquanto agente da própria vida, garantindo assim a certeza desta exercer a sua dignidade. 34 Pertinente esclarecer o que é, e qual a importância do consentimento informado, bem como salientar os deveres de esclarecimento do médico. 4.1 CONSENTIMENTO INFORMADO Para o Dicionário Houaiss, a palavra consentimento admite quatro acepções 1. Manifestação favorável a que (alguém) faça (algo); permissão licença; 2. Manifestação de que se aprova (algo): anuência, aquiescência, concorrência; 3. Tolerância, condescendência; 4. Uniformidade de opiniões, concordância de declarações, acordo de vontade das partes para se alcançar um objetivo comum (HOUAISS, 2011) Diante do exposto, é possível observar que o consentimento, é a expressão da manifestação de vontade do sujeito. O sujeito, a partir do liberalismo, tomou consciência do direito de autodeterminação do próprio corpo que aliada ao constante avanço da Medicina, gerou a valorização do consentimento nas intervenções médicas. Ensina Luciana Dadalto (2010, p. 43) que: “Com a elevação do consentimento informado à categoria de indispensável à pratica da Medicina, várias decisões jurisprudenciais ao redor do mundo foram consolidando o direito ao consentimento informado”. Segundo André Ruger: A finalidade maior do consentimento informado é a concretização (ou não) de um acordo sobre o escopo, as finalidades e os limites da atuação médica. Além disso consiste no único meio possível de definir, num caso concreto e unicamente aplicável a esse, aquilo que possa ser considerado como ‘bom’ para o interessado (RUGER, 2007, p. 160) Desta forma o consentimento informado é correlato não apenas à faculdade de escolher entre as diversas possibilidades de tratamento médico, mas também de eventualmente refutar a terapia, e de decidir conscientemente interrompê-la, em todas as fases da vida, ainda que naquela terminal. O presente estudo analisará a relação jurídica existente entre o médico e paciente, contudo trata-se, conforme ensina Bruno Torquato de Oliveira Naves (2002, p. 115) de uma: “relação que objetiva um valor existencial e encontra-se 35 submetida e informada pelo princípio da dignidade do indivíduo” e reitera Maria de Fátima Freire de Sá (2005, p. 35) afirma que:, “Muito mais que negócio jurídico, a relação médico-paciente apresenta-se como base da ciência médica e tem como objetivo o comprometimento para com a saúde, o bem estar e a dignidade do indivíduo. Desta forma a natureza contratual da relação médico paciente não significa que esta relação é meramente patrimonial, vez que a relação contratual rege-se também pelo princípio da dignidade da pessoa humana que, por sua vez possui caráter eminentemente existencial. Entre ao médicos há certa resistência em aceitar a relação médico-paciente como contratual, tendo em vista que esta se pauta em valores éticos. Bruno Torquato de Oliveira Naves e Maria de Fátima Freire de Sá afirmam que: No âmbito jurídico não é verdadeiro afirmar que a relação contratual é diferente das demais relações contratuais por que permeada por valores éticos, extraídos do Código de Ética Médica e expostos como metajurídicos. Não é só o contrato de prestação de serviços médicos que é permeado oir valores éticos, todos os contratos são. Entretanto não são quaisquer valores e não são valores metajurídicos. A relação contratual em foco, como qualquer outra, é informada pelos princípios da boa-fé contratual, da justiça contratual e da autonomia da vontade, (NAVES; SÁ, 2002, p. 113) Desta forma, percebe-se aqui, que o consentimento informado na relação médico-paciente tem papel de princípio basilar, pois é informador deste contrato, juntamente com o princípio da dignidade da pessoa humana. Maria de Fátima Freire de Sá (2005, p. 35) diz que: é elemento central na relação médico-paciente, sendo resultado de um processo de diálogo e colaboração visando satisfazer a vontade e os valores do paciente. Importante salientar, que o consentimento informado não tem o condão de restringir a atuação do médico, uma vez que este continuará responsável pelo tratamento, este consentimento diz respeito apenas à autonomia privada do paciente. 36 4.2 DO DEVER DE ESCLARECIMENTO Também denominado como dever de informação, o dever de esclarecimento consiste no dever que possui o médico de informar ao paciente suas reais condições clínicas. O direito à informação está previsto no artigo 5º, XIV da Constituição da República: “É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional”; e trata-se de direito de todo cidadão brasileiro ter acesso à informação resguardando o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional. O citado dispositivo constitucional é de caráter geral e refere-se à qualquer tipo de informação. Neste caso interessa necessariamente a informação médica, especificamente, o dever do médico de esclarecer/informar o paciente. O atual Código de Ética Médica, prevê em seu artigo 34, que é vedado ao médico “Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal”. Desta forma resta claro que o médico tem o dever de informar o paciente acerca do tratamento a que deverá ser submetido. Feitos os esclarecimentos necessários adentremos então, no tema proposto. 4.4 CONCEITO, VALIDADE E EFICÁCIA Recentemente o Conselho Federal de Medicina, publicou a resolução nº 1.995/2012 (Anexo 4) que dispõe sobre as diretivas antecipadas da vontade dos pacientes (Testamento Vital), e visa adequar a conduta dos médicos em face das mesmas. O Testamento Vital é um documento, onde consta o conjunto de desejos do paciente, no que tange a tratamentos médicos extraordinários, desnecessários; desejos estes, manifestados e expressos enquanto o paciente estiver com sua capacidade plena, deve estar ao alcance de todos, onde qualquer pessoa possa indicar seu desejo, de que se deixe de aplicar um determinado tratamento em caso de enfermidade terminal. É a projeção de uma autonomia para o futuro; pressupõe 37 um ato jurídico capaz de antecipar a vontade individual, a fim de que seus efeitos possam ser verificados para o futuro. Consta no artigo 2º da citada resolução que: “Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade”. Esta resolução mudará as decisões dos médicos no exercício de sua profissão. Insta salientar que este instituto nada tem haver com a característica principal do testamento, que possui efeitos mortis causa, pois o conceito apresentado acima deixa claro que os efeitos das Diretivas Antecipadas da Vontade surtirão durante a vida do paciente. Ensina Diaulas Costa Ribeiro que: Estes testamentos são usados para tratar da assistência ao paciente terminal; as diretivas são utilizadas para dispor sobre os tratamentos médicos em geral, os quais podem recuperar o paciente ou não. Há portanto, continência entre os institutos, não se justificando distingui-los. Adotamos diretivas antecipadas, que tem pelo menos quatro alternativas para se materializar: escritura pública em cartório. Declaração escrita em documento particular, de preferência com firma reconhecida: declaração feita a seu médico assistente, registrada em seu prontuário, com sua assinatura. Em qualquer situação, poderá haver a nomeação de um procurador para tomar decisões não incluídas nas diretivas. A quarta alternativa se refere ao paciente que não elaborou diretivas antecipadas, mas declarou, a amigos e/ou familiares, sua rejeição ao esforço terapêutico, em casos de estado vegetativo permanente ou doença terminal. Trata-se portanto, de uma justificação testemunhal dessa vontade. (RIBEIRO, 1999, p. 218) Isso posto, possível identificar dois principais objetivos da declaração prévia de vontade do paciente terminal, de acordo com Cristina Lopes Sanchez: Primeiramente, as instituições prévias objetivam garantir ao paciente que seus desejos serão atendidos no momento de terminalidade da vida; em segundo lugar, esse documento proporciona ao médico um respaldo legal para a tomada de decisões em situações conflitivas. (SANCHEZ, 2003, p. 281) A declaração prévia de vontade do paciente terminal, em regra, produz efeitos erga omnes, vinculando os médicos, parentes do paciente e eventual procurador de saúde vinculado às suas disposições. Ensina Luciana Dadalto apud Rodotà que: 38 O caráter vinculante das diretivas parece ser necessário para evitar uma perigosa ‘jurisdicionalização’ do morrer, que inevitavelmente ocorreria quando o médico se recusasse a executar as diretivas antecipadas, decisão que precluiria uma impugnação da sua decisão pelo fiduciário ou pelos familiares (DADALTO apud RODOTÀ, 2010, P. 74) Importante salientar os limites impostos à declaração prévia da vontade do paciente terminal; a doutrina aponta os seguintes limitadores; a objeção de consciência do médico, a proibição de disposições contrárias ao ordenamento jurídico e disposições que sejam contraindicadas à patologia do paciente ou tratamento que já estejam superados. (DADALTO, 2010, p. 74) Existe uma discussão significativa acerca do direito do médico à objeção de consciência, o Código de Ética Médica Brasileiro prevê no artigo IX do capitulo II, que: “É direito do médico recusar a realização de atos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência”. Conforme se observa acima, é direito do médico, diante da declaração prévia de vontade do paciente terminal, negar-se a realizar a vontade do paciente. Entretanto, essa recusa deve ser guiada por razões éticas, morais, religiosas ou qualquer outra razão de foro íntimo, não é possível, ser a recusa do médico, baseada em recusa imotivada. Conforme elucida Luciana Dadalto, apud Rodotá: No caso em que é esperado objeção de consciência do médico e isso acontece no interior do hospital público ou privado em que o paciente está internado, a instituição deve fornecer de qualquer forma a presença de um médico para executar o disposto nas diretivas. (DADALTO, 2010, p. No que tange a proibição das disposições contrárias ao ordenamento jurídico, a principal preocupação é com disposições que incitem a prática de eutanásia. Conforme já estudado, a eutanásia, seja ativa ou passiva, é proibida no Brasil, e se assemelha muito com a previsão das Diretrizes Antecipadas da Vontade. Entretanto, são situações diferentes, uma vez que a eutanásia passiva, ainda que consentida pressupõe, segundo Oscar Garay (2003, p. 336), “a suspensão de meios terapêuticos proporcionados e úteis; já na declaração previa de vontade do paciente terminal, pretende-se a retirada de tratamentos extraordinários ou fúteis”. Ou seja, na eutanásia se provoca a morte, e nas diretivas permite-se que esta ocorra. 39 4.4.1 Forma As Diretivas Antecipadas da Vontade, não tem uma forma, preestabelecida e poderá seguir as recomendações do Registro Central de Testamentos, do Colégio Notarial do Brasil, seção de São Paulo, dispostas no provimento CG 06/94 (Anexo 5), modelo que tem se estendido para outros Estados do Brasil. Recomenda-se que, a Declaração Previa de vontade do paciente terminal seja anotada e anexada ao prontuário deste, com o escopo de informar à equipe medica da existência, bem como o conteúdo desta declaração. 4.4.2 Prazo de Validade Conforme já mencionado, as declarações prévias de vontade do paciente terminal, são por essência, revogáveis, razão pela qual discorda-se da fixação de prazo de validade nestes documentos, pela total desnecessidade, vez que a qualquer tempo o outorgante pode revogar a manifestação anterior. 4.4.3 Eficácia No Brasil, defende-se que a Declaração Previa da Vontade torna-se eficaz a partir de sua inscrição no prontuário médico, pois ainda que ele seja oponível erga omnes, a partir da lavratura de escritura pública pelo notário, sua eficácia médica apenas se perfaz com a inscrição no prontuário, inscrição esta que deve ser providenciada pelo médico, após ser informado. Ensina Luciana Dadalto que: Insta salientar que o cônjuge, companheiro e demais parentes do paciente, bem como eventual procurados nomeado estão atrelados à declaração previa de vontade do paciente terminal, ou seja, devem respeitar a vontade do paciente. Vinculada ainda as instituições de saúde e os médicos, contudo, estes podem valer-se da objeção de consciência, com fulcro no artigo 5º, VI da CF/88, caso tenham fundado motivo para não realizarem a vontade do paciente. Ressalte-se que, neste caso, o paciente deve ser encaminhado par a outro profissional, a fim de que sua vontade seja respeitada. (DADALTO, 2010, p. 140) Conforme se observa a vontade do paciente é respeitada, pois se o medico não quiser efetuar a vontade deste, muda-se o médico para que outro atenda seu 40 desejo previamente notificado. Demonstrando assim, a importância e validade deste documento. Recentemente o Ministério Público entrou com uma ação Civil Pública em face do Conselho Regional de Medicina alegando a inconstitucionalidade da Resolução 1995/2012 com pedido liminar (anexo 9), e o pedido do Ministério Público foi indefirido 41 5. CONCLUSÃO Não é possível compreender o que a morte significa para as pessoas, uma vez que algumas pessoas preferem morrer a viver permanentemente sedados ou incapazes, e por outro lado outros gostariam de continuar lutando, com muito sacrifício sob grande dor, ou mesmo inconscientes. Cada pessoa é dotada de um padrão moral que lhe é intrínseco. E a garantia de sua vontade em todos os momentos da vida (inclusive na hora da morte) merece ser acolhida pelo atual ordenamento jurídico. Observa-se que o testamento vital relaciona-se com muitos princípios constitucionais assegurados pela nossa Magna Carta, dentre eles o da liberdade, da dignidade da pessoa humana, autonomia privada, dentre outros; logo, o testamento vital é reflexo das garantias previstas na atual Constituição Federal. Conforme buscou-se demonstrar no contexto do presente estudo, os pacientes fora das possibilidades terapêuticas atuais, são sujeitos de direito e portanto merecem ter sua autonomia privada respeitada, Direitos estes elencados na Constituição Federal de 1988. É sob esta égide, que o Testamento Vital faz sentido, ou seja, através da verificação da necessidade de efetivar o respeito à autonomia privada destes pacientes. De onde se conclui que este documento garante a estes pacientes o exercício do direito de conduzir sua própria existência de acordo com sua vontade, e a Resolução 1995/2012 do Conselho Regional de Medicina, é um avanço nas discussões acerca das diretivas antecipadas da vontade no Brasil. Entretanto, salienta-se que a citada Resolução não esgota o tema, apesar de ser bem aceita no meio medico, conforme observa-se em recentes pesquisas feitas entre médicos, pacientes oncológicos e seus acompanhantes, advogados e ainda estudantes (anexos 6, 7 e 8 deste estudo). As citadas pesquisas foram feitas no Estado de Santa Catarina demonstram, por amostragem, que o Brasil, precisa de uma Legislação específica sobre as diretivas antecipadas da vontade, legislação esta que busque regulamentar questões afetas ao discernimento do outorgante, no sentido de determinar quais os tipos de cuidados e tratamentos que podem ou não ser recusados, pela classe médica. 42 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARAL, Francisco de. Direito Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. Atualização. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. BRASIL, Código Civil. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Yussef Said Cahali. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. _______, Constituição da República Federativa do. Brasília: Senado, 2003. BROEKMAN, Jan. Bioética com rasgos Jurídicos. Madrid: Dilex, 1998. CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Prefácio à segunda edição. In: Maria de Fátima Freire de. 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Advogado da médica diz que denúncia foi baseada em premissas falsas. Do G1 PR 62 comentários Médica segue presa em Curitiba (Foto: Reprodução/RPCTV) A médica Virgínia Soares de Souza,presa desde o dia 19 de fevereiro, em Curitiba, foi denunciada pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR), pelos crimes de homicídio duplamente qualificado e formação de quadrilha. Outras sete pessoas suspeitas de envolvimento no caso também foram denunciadas pelo órgão. O anúncio foi feito pelos promotores Paulo Marcowicz de Lima, Fernanda Nagal Garcez, Ana Paula Cesconetto Branco e pelo procurador Marco Antônio Teixeira na tarde desta segunda-feira (11). De acordo com o MP, Virgínia foi denunciada por co-autoria em sete homicídios qualificados, o médico Anderson de Freitas, em dois homicídios qualificados e formação de quadrilha, os médicos Edison Anselmo da Silva Junior e Maria Israela Cortez Boccato, cada qual por um homicídio duplamente qualificado e formação de quadrilha, as enfermeiras Laís da Rosa Groff e Patrícia Cristina de Goveia Ribeiro, por um homicídio duplamente qualificado e formação de quadrilha, e a fisioterapeuta Carmencita Emília Minozzo e o enfermeiro Claudinei Machado Nunes por formação de quadrilha. Denúncia foi anunciada pelo MP-PR nesta segunda-feira (Foto: Reprodução/OTV) Já a médica Krissia Kamile Singer, que prestou depoimento e foi indiciada pela polícia, não foi denunciada pelo MP. O advogado dela, Jorge Timi, afirmou que a exclusão do nome da cliente do processo "tirou um peso das costas dela". Ainda segundo a denúncia do MP, o homicídio 'duplamente qualificado' refere-se a motivo torpe, uma vez que os profissionais se reconheceriam “como possuidores do poder de decretar o momento da morte da vítima, contra a vontade do paciente e de seus familiares e em total desconformidade com a lei”. E também à escolha da vítima ser feita para gerar nova vaga no centro médico, para “girar a UTI”, “desentulhar a UTI”, conforme dizia Virgínia Helena Soares de Souza. "Houve um esforço gigantesco de produção de elementos factíveis, razoáveis e convincentes que pudessem embasar a denúncia que foi formulada", afirmou o procurador Marco Antônio Teixeira. Ele reiterou também que a conclusão que chega ao MP é fruto de investigações policiais que duraram muitos meses e de indícios sérios de autoria das pessoas suspeitas. "É uma página certemente dolorosa para as pessoas que de alguma forma sofreram os efeitos dessas ações delituosas, também é uma página dolorosa para as instituições e para a sociedade em geral. Vamos enfrentar isso da melhor maneira possível", ralata. Elias Mattar Assad, advogado de Virgínia, diz que a denúncia foi baseada em premissas falsas (Foto: Reprodução/OTV) O advogado de defesa de Virgínia, Elias Mattar Assad, disse que a denúncia foi baseada em premissas falsas. "Nós temos uma carta de próprio punho escrita pela denuciante anônima, que nós vamos tornar pública nos próximos dias, quando ela dá a entender que tinha ódio do hospital e ódio da Virginia e isso deflagrou um mecanismo de investigação que se deixou levar por evidencias derivadas de falsas premissas". O advogado de Maria Israela, Leonardo Buchmann, não quis se manifestar sobre a decisão do MP de denunciar a cliente. O advogado Daniel Montoya, que cuida da defesa dos médicos Anderson de Freitas e Edison Anselmo, afirmou que não teve acesso à denúncia e não irá se pronunciar sobre o assunto. O G1 também procurou o advogado da enfermeira Lais Groff, Jefferson Reis, mas o celular dele estava desligado. Os representantes da fisioterapeuta Carmencita Minozzo e dos enfermeiros Claudinei Nunes e Patrícia Goveia não foram localizados para comentar a denúncia do MP. Virgínia é funcionária do hospital desde 1988 e chefiava a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) geral desde 2006. O setor ficou fechado em virtude das denúncias e médicos e funcionários foram afastados. Na sextafeira (8), 13 dias depois, o espaço reabriu com 15 médicos, 41 profissionais de enfermagem e quatro profissionais de apoio. Todos eles atuam sob coordenação do médico Hipólito Carraro Júnior. RESOLUÇÃO CFM nº 1.995/2012 (Publicada no D.O.U. de 31 de agosto de 2012, Seção I, p.269-70) Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, e CONSIDERANDO a necessidade, bem como a inexistência de regulamentação sobre diretivas antecipadas de vontade do paciente no contexto da ética médica brasileira; CONSIDERANDO a necessidade de disciplinar a conduta do médico em face das mesmas; CONSIDERANDO a atual relevância da questão da autonomia do paciente no contexto da relação médico-paciente, bem como sua interface com as diretivas antecipadas de vontade; CONSIDERANDO que, na prática profissional, os médicos podem defrontar-se com esta situação de ordem ética ainda não prevista nos atuais dispositivos éticos nacionais; CONSIDERANDO que os novos recursos tecnológicos permitem a adoção de medidas desproporcionais que prolongam o sofrimento do paciente em estado terminal, sem trazer benefícios, e que essas medidas podem ter sido antecipadamente rejeitadas pelo mesmo; CONSIDERANDO o decidido em reunião plenária de 9 de agosto de 2012, RESOLVE: Art. 1º Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade. Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade. § 1º Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico. SGAS 915 Lote 72 | CEP: 70390-150 | Brasília-DF | FONE: (61) 3445 5900 | FAX: (61) 3346 0231| http://www.portalmedico.org.br § 2º O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica. § 3º As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares. § 4º O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente. § 5º Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente. Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação. Brasília-DF, 9 de agosto de 2012 ROBERTO LUIZ D’AVILA Presidente HENRIQUE BATISTA E SILVA Secretário-geral SGAS 915 Lote 72 | CEP: 70390-150 | Brasília-DF | FONE: (61) 3445 5900 | FAX: (61) 3346 0231| http://www.portalmedico.org.br EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA RESOLUÇÃO CFM nº 1.995/12 A Câmara Técnica de Bioética do Conselho Federal de Medicina, considerando, por um lado, que o tema diretivas antecipadas de vontade situa-se no âmbito da autonomia do paciente e, por outro, que este conceito não foi inserido no Código de Ética Médica brasileiro recentemente aprovado, entendeu por oportuno, neste momento, encaminhar ao Conselho Federal de Medicina as justificativas de elaboração e a sugestão redacional de uma resolução regulamentando o assunto. Esta versão contém as sugestões colhidas durante o I Encontro Nacional dos Conselhos de Medicina de 2012. JUSTIFICATIVAS 1) Dificuldade de comunicação do paciente em fim de vida Um aspecto relevante no contexto do final da vida do paciente, quando são adotadas decisões médicas cruciais a seu respeito, consiste na incapacidade de comunicação que afeta 95% dos pacientes (D’Amico et al, 2009). Neste contexto, as decisões médicas sobre seu atendimento são adotadas com a participação de outras pessoas que podem desconhecer suas vontades e, em consequência, desrespeitá-las. 2) Receptividade dos médicos às diretivas antecipadas de vontade Pesquisas internacionais apontam que aproximadamente 90% dos médicos atenderiam às vontades antecipadas do paciente no momento em que este se encontre incapaz para participar da decisão (Simón-Lorda, 2008; Marco e Shears, 2006). No Brasil, estudo realizado no Estado de Santa Catarina, mostra este índice não difere muito. Uma pesquisa entre médicos, advogados e estudantes apontou que 61% levariam em consideração as vontades antecipadas do paciente, mesmo tendo a ortotanásia como opção (Piccini et al, 2011). Outra pesquisa, também recente (Stolz et al, 2011), apontou que, em uma escala de 0 a 10, o respeito às vontades antecipadas do paciente atingiu média 8,26 (moda 10). Tais resultados, embora bastante limitados do ponto de vista da amostra, sinalizam para a ampla aceitação das vontades antecipadas do paciente por parte dos médicos brasileiros. SGAS 915 Lote 72 | CEP: 70390-150 | Brasília-DF | FONE: (61) 3445 5900 | FAX: (61) 3346 0231| http://www.portalmedico.org.br 3) Receptividade dos pacientes Não foram encontrados trabalhos disponíveis sobre a aceitação dos pacientes quanto às diretivas antecipadas de vontade em nosso país. No entanto, muitos pacientes consideram bem-vinda a oportunidade de discutir antecipadamente suas vontades sobre cuidados e tratamentos a serem adotados, ou não, em fim de vida, bem como a elaboração de documento sobre diretivas antecipadas (in: Marco e Shears, 2006). 4) O que dizem os códigos de ética da Espanha, Itália e Portugal Diz o artigo 34 do Código de Ética Médica italiano: “Il medico, se il paziente non è in grado di esprimere la propria volontà in caso di grave pericolo di vita, non può non tener conto di quanto precedentemente manifestato dallo stesso” (O médico, se o paciente não está em condições de manifestar sua própria vontade em caso de grave risco de vida, não pode deixar de levar em conta aquilo que foi previamente manifestado pelo mesmo – traduzimos). Desta forma, o código italiano introduziu aos médicos o dever ético de respeito às vontades antecipadas de seus pacientes. Diz o artigo 27 do Código de Ética Médica espanhol: “[…] Y cuando su estado no le permita tomar decisiones, el médico tendrá en consideración y valorará las indicaciones anteriores hechas por el paciente y la opinión de las personas vinculadas responsables”. Portanto, da mesma forma que o italiano, o código espanhol introduz, de maneira simples e objetiva, as diretivas antecipadas de vontade no contexto da ética médica. O recente Código de Ética Médica português diz em seu artigo 46: “4. A actuação dos médicos deve ter sempre como finalidade a defesa dos melhores interesses dos doentes, com especial cuidado relativamente aos doentes incapazes de comunicarem a sua opinião, entendendo-se como melhor interesse do doente a decisão que este tomaria de forma livre e esclarecida caso o pudesse fazer”. No parágrafo seguinte diz que o médico poderá investigar estas vontades por meio de representantes e familiares. Deste modo, os três códigos inseriram, de forma simplificada, o dever de o médico respeitar as diretivas antecipadas do paciente, inclusive verbais. 5) Comitês de Bioética Por diversos motivos relacionados a conflitos morais ou pela falta do representante ou de conhecimento sobre as diretivas antecipadas do paciente, o médico pode apelar ao Comitê de Bioética da instituição, segundo previsto por Beauchamps e Childress (2002, p. 275). Os Comitês de Bioética podem ser envolvidos, sem caráter deliberativo, em muitas SGAS 915 Lote 72 | CEP: 70390-150 | Brasília-DF | FONE: (61) 3445 5900 | FAX: (61) 3346 0231| http://www.portalmedico.org.br decisões de fim de vida (Marco e Shears, 2006; Savulescu; 2006; Salomon; 2006; Berlando; 2008; Pantilat e Isaac; 2008; D’Amico; 2009; Dunn, 2009; Luce e White, 2009; Rondeau et al, 2009; Siegel; 2009). No entanto, embora possa constar de maneira genérica esta possibilidade, os Comitês de Bioética são raríssimos em nosso país. Porém, grandes hospitais possuem este órgão e este aspecto precisa ser contemplado na resolução. Carlos Vital Tavares Corrêa Lima Relator SGAS 915 Lote 72 | CEP: 70390-150 | Brasília-DF | FONE: (61) 3445 5900 | FAX: (61) 3346 0231| http://www.portalmedico.org.br !"#$%&'!()*+,!&+-*"'!,%&+!"'%.#/!,!&+,*+/!.#%"'%+ .*0*+$!'*1+#"#2#,*1+,!+,#&'!"3&#! !"#$!%&'($) *+,,#-!%*./$.0 1$-#(%23#)%4(0!"#5( 6!7-.$(% !7$(,%4(7'($3))# 4%&50*%1,'.%.,'38(%9(#%7.!$#)!8(%:(7%".#(%8.%.0'7.;#,'!,%-("%"+8#-(,%8!%7.5#<(%8!%=,,(-#!><(%8(,% 630#-?:#(,%8(%6.#(%@.,'.% !'!7#0.0,.%A=66@ BC%@%(DE.'#;(%9(#%!;!$#!7%,.%!,%;(0'!8.,%!0'.-#:!8!,% 8.% 3"% :!-#.0'.% ,.7<(% 7.,:.#'!8!,% :.$(,% "+8#-(,% 0(% "(".0'(% ."% F3.% .,'#;.7% #0-!:!-#'!8(% 8.% ,.% -("30#-!7%.%,.%.,,!%"!0#9.,'!><(%-(0,'#'3#%3"%#0,'73".0'(%;G$#8(%8.%#0#D#><(%8!%8#,'!0G,#!C%10'7.%(,% 7.,3$'!8(,%.0-(0'7(3H,.%F3.%(,%"+8#-(,%-(0,#8.7!"%-(0;.0#.0'.%(%7.5#,'7(%8(,%8.,.E(,%8(%:!-#.0'.% :(7%".#(%8!%8.-$!7!><(%8.%;(0'!8.%!0'.-#:!8!%.%!,%7.,:.#'!7#!"I%7.,:.-'#;!".0'.I%-("%:(0'3!><(% 8.%JIKL%.%LIMK%."%.,-!$!%8.%N%!%ONC%1%'!"D+"%F3.%(,%"+8#-(,%-(0,#8.7!"%.,,.%#0,'73".0'(%P'#$%:!7!% !%'("!8!%8.%8.-#,Q.,I%-("%!;!$#!><(%8.%JIRJC%1,,.,%8!8(,%:.7"#'."%,3:(7%F3.%!%7.53$!".0'!><(% +'#-!%.%$.5!$%8!,%;(0'!8.,%!0'.-#:!8!,%-(":7..08.%".8#8!%9!;(7G;.$%:!7!%(%7.,:.#'(%S%!3'(0("#!%8(% :!-#.0'.%.%7.$.;!0'.%9!'(7%8.%#0#D#><(%S%8#,'!0G,#!C 6!7!-1!&8.9!-%:% 4#(+'#-!C% T#7.'#;!,% !0'.-#:!8!,C% =3'(0("#!% :.,,(!$C% U!-#.0'.% '.7"#0!$C% 3#8!8(,% :!$#!'#;(,C%V3'#$#8!8.%"+8#-!C ;/1*-!()*+<=6+8+>?@=A<+"B+CDEFCGDG <!0#7!+A'*7H =-!8W"#-!%8(%F3#0'(%!0(% 8(%-37,(%8.%6.8#-#0!%8!% X0#;.7,#8!8.%8(%@.,'.%8.% &!0'!% !'!7#0!%AX0(.,-BI% Y(!>!D!I%&!0'!% !'!7#0!I%47!,#$ !"#$%&'"()*%!&%+!(!,-./(01.-(!$2-./$!,$.,$!%.!"#-+3#,-%.!,(! +$,-&-0(4!5%!.6&'7%!89!(4:4;!%!<-73.%<%!=7(/*%!>!%?.$#@%';!$+! !"#$%&'()*;!A'$!0*%!<(B-(!"(#/$!,%.!$0.-0(+$0/%.!,$! .&76"-%! 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Objetivou-se avaliar a percepção de pacientes oncológicos e acompanhantes sobre o conhecimento e aceitação do Testamento Vital. O estudo foi desenvolvido por meio de um questionário cujas perguntas se apresentavam na escala numérica de 0 a 10, derivada de Likert (onde zero significa total discordância e dez concordância absoluta). Dos 263 (100%) sujeitos da população local estudada, responderam o questionário 252 (95,8%), divididos em dois grupos: pacientes (n=110) e acompanhantes (n=142). O conhecimento do termo “testamento vital” alcançou apenas a média de 0,13 pontos entre os pacientes e 0,41 pontos entre os acompanhantes. Após a explicação de seu significado, a intenção de elaboração do próprio testamento vital obteve média 9,56 pontos entre os pacientes e 9,39 pontos entre os acompanhantes. O teste de Kruskal-Wallis denotou que existe menor tendência de elaboração do testamento vital pelos pacientes (p=0,003) e acompanhantes (p=0,004) de 21 a 30 anos quando comparados a outras faixas etárias. Quanto à implantação do testamento vital no Brasil, a média de aceitação foi 9,56 pontos entre os pacientes e 9,75 pontos entre os acompanhantes. Os resultados revelaram que, embora pouco conhecido, existe um amplo interesse entre os pacientes oncológicos e seus acompanhantes tanto pela elaboração do testamento vital como pela inserção na legislação nacional. PALAVRAS-CHAVE: Bioética. Testamentos Quanto à Vida. Diretivas Antecipadas. Autonomia Pessoal. ABSTRACT: The Living Will, or advance directives, is a written document or a verbal manifestation with which a person determines which treatment or non treatment she wants when unable to express her will. We aimed to analyze the perception of cancer patients and their carers about the knowledge and acceptance of living wills. The study was developed through a questionnaire with questions presented in a 0 – 10 numerical scale derived from Likert (zero means total disagreement and ten absolute concordance). From 263 (100%) subjects of the studied local population, 252 (95.8%), divided into two groups, answered a questionnaire: patients (n=110) and carers (n=142). The knowledge of the term “living will” reached only a 0.13 average among patients and 0.41 among carers. After the explanation of its meaning, the intention of making their document reached an average 9.56 points among patients and 9.39 points among carers. The Kruskal-Wallis test denoted a lower trend to make a living will by patients (p=0,003) and carers (p=0,004) in people from 21 to 30 years old that those of other age groups. Regarding the implementation of living wills in Brazil, the average of acceptance was 9.56 points among patients and 9.75 points among carers. This research showed that although little known there is a widespread interest by oncologic patients and their carers for using this document and also for its inclusion in national legislation. KEYWORDS: Bioethics. Living Wills. Advance Directives. Personal Autonomy. INTRODUÇÃO O recente progresso das ciências e tecnologias biomédicas elevou o paradigma científico-tecnológico da Medicina. Esse avançado aparato, colocado à disposição da saúde do homem, proporcionou novos estilos de se praticar a medicina, ampliando as novas fronteiras da saúde 1. Aparelhos e máquinas da engenharia biomédica permitiram um avanço significativo na qualidade da vida e da saúde humana. O desenvolvimento de novos métodos diagnósticos, tratamentos altamente sofisticados e a introdução de novas drogas * Graduanda do sexto ano do curso de Medicina da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC, Joaçaba-SC, Brasil. Membro do Núcleo Universitário de Bioética – NUBIO. E-mail: [email protected] ** Oftalmologista. Professor do curso de Medicina da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC, Joaçaba-SC, Brasil. Doutor em Bioética. Membro do Núcleo Universitário de Bioética – NUBIO. E-mail: [email protected] *** Fonoaudiólogo. Professor do curso de Medicina da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC, Joaçaba-SC, Brasil. Doutor em Ergonomia. Membro do Núcleo Universitário de Bioética – NUBIO. **** Bacharel em Direito. Graduado em Medicina pela Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC, Joaçaba-SC, Brasil. Membro do Núcleo Universitário de Bioética – NUBIO. ***** Oncologista. Professor do curso de Medicina da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC, Joaçaba-SC, Brasil. Coordenador da Comissão de Residência Médica – COREME do Hospital Universitário Santa Terezinha – HUST, Joaçaba-SC, Brasil. Os autores declaram não haver conflito de interesses. 253 Testamento vital: percepção de pacientes oncológicos e acompanhantes Revista propiciaram aos profissionais de saúde disponibilizar aos pacientes métodos ousados e esquemas terapêuticos de alta complexidade, prolongando-lhes a existência, mas algumas vezes com um alto custo de sofrimento humano2. No entanto, o avanço da autonomia humana das últimas décadas conferiu ao paciente o direito a ser informado, fazer a escolha do tratamento dentre os disponíveis e consentir ou recusar um procedimento ou terapêutica proposta. O consentimento informado e expresso constitui a expressão mais clara do princípio da autonomia humana, que marca a bioética desde seu início. Nesse contexto, a figura do testamento vital, também denominado testamento biológico, vontades antecipadas ou diretivas antecipadas de vontade, emergiu nas últimas décadas como uma das discussões de vanguarda da bioética mundial. O Testamento Vital é um documento elaborado por uma pessoa lúcida e autônoma que manifesta suas vontades para que sejam levadas em conta quando, por causa de uma doença, já não for possível expressá-las. A despeito de estar incluído na legislação de alguns países da Europa, nos EUA e no Uruguai, entre outros, no Brasil ainda é objeto de discussão em diversas áreas, tais como: Medicina, Direito e Bioética 3. No sentido mais restrito, há uma diferença conceitual entre Testamento Vital (Living Wills) e Diretivas Antecipadas (Advance Directives). No primeiro caso, somente está previsto o registro das vontades antecipadas do paciente para ser cumprido no momento em que se encontrar em fim de vida e incapaz de manifestá-las. No segundo, contempla-se também a designação de um representante para tomar as decisões em seu lugar. Em outras palavras, as Diretivas Antecipadas são um Testamento Vital acrescido da designação de representante4. Neste estudo, apesar dessa diferença, os termos diretivas antecipadas, vontades antecipadas e testamento vital serão utilizados como sinônimos. O fundamento do testamento vital é praticamente o mesmo do consentimento informado, pois não deixa de ser senão a encarnação da vontade do paciente quando, nos momentos críticos para sua vida, precisa submeter-se 254 - Centro Universitário São Camilo - 2012;6(3):253-259 a uma intervenção sem estar em gozo de capacidade para se manifestar e outorgar seu consentimento5. O testamento vital nasceu nos Estados Unidos, em 1967, com Luis Kutner, um advogado de Chicago que propôs um modelo de documento no qual o próprio indivíduo determinava que, caso se encontrasse em estado vegetativo, com impossibilidade segura de ser recuperada sua capacidade física e mental, deveriam ser suspensos os tratamentos médicos6. Em sua conceituação, o testamento vital, além de outras finalidades, garantiria ao paciente o direito de morrer por sua vontade, ainda que incapaz de dar o seu consentimento1. Na Califórnia, em 1976, surgiu a primeira lei dos Estados Unidos que concedeu o direito às pessoas de recusarem antecipadamente a manutenção da vida por tecnologia médica7. Em 1991, o conceito de diretivas antecipadas tornou-se lei federal com a publicação do Patient Self-Determination Act (PSDA)8. No Brasil, após dois anos de estudos, o Conselho Federal de Medicina aprovou, em agosto de 2012, a inserção das diretivas antecipadas de vontade no âmbito da Ética Médica. Com base nessa resolução, os médicos levarão em consideração as vontades antecipadas dos pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se. Neste contexto, a presente pesquisa buscou a percepção de pacientes oncológicos que, durante seu tratamento, vivenciam o medo de incurabilidade da doença e a possibilidade de não poder manifestar suas vontades diante do fim da vida, quanto à possibilidade de elaboração do Testamento Vital. Da mesma forma, procurou conhecer a opinião dos acompanhantes, constituídos geralmente por familiares, já que frequentemente respondem pelos pacientes quando esses se encontram impossibilitados de manifestar seus desejos. MÉTODO O estudo descritivo e transversal foi realizado no Serviço de Oncologia do Hospital Universitário Santa Terezinha – HUST, do município de Joaçaba-SC, por meio da aplicação de um questionário aos pacientes oncológicos em tratamento ambulatorial, e seus acompanhantes. Testamento vital: percepção de pacientes oncológicos e acompanhantes Revista - Centro Universitário São Camilo - 2012;6(3):253-259 Durante o período da coleta dos dados, estimou-se haver uma população de aproximadamente 500 (quinhentos) pacientes no serviço. Com base em cálculo de amostragem, objetivou-se um “n” (número) mínimo de 200 indivíduos a serem pesquisados, sendo 100 (cem) pacientes oncológicos e 100 (cem) acompanhantes destes. O critério de inclusão de pacientes foi a permanência em tratamento no serviço de oncologia no período da coleta dos dados, sem distinção entre aqueles submetidos a tratamento clínico ou cirúrgico. No grupo de acompanhantes, incluiu-se o familiar ou outra pessoa que estivesse acompanhando o paciente em seu tratamento. Os indivíduos que não se enquadraram nos critérios de inclusão, ou que optaram por não participar do estudo, por recusa explícita, foram excluídos da amostra. A cada um dos entrevistados foram explicadas as razões e os objetivos do estudo e apresentado o Termo de Consen timento Livre e Esclarecido (TCLE), parte integrante do protocolo de pesquisa submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos – CEP da UNOESC, aprovado sob o parecer n. 048/2011. O instrumento de pesquisa, aplicado entre junho e setembro de 2011, constou de um questionário composto por 6 questões sociodemográficas e 5 questões desenhadas segundo a escala numérica de Likert (010), que mensura atitudes em pesquisas de opinião. A escala Likert foi elaborada por Rensis Likert, em 1932, e é utilizada para mensurar determinados níveis a serem avaliados em pesquisas. Essa escala requer que os entrevistados indiquem seu grau de concordância ou discordância relativa à atitude que está sendo medida. São atribuídos valores numéricos às declarações: as de concordância devem receber valores mais altos, sendo 10 (dez) o valor máximo, significando total concordância; e as declarações de discordância devem receber valores baixos, sendo 0 (zero) o valor mínimo, significando absoluta discordância relativa à atitude que está sendo medida9. Para análise e interpretação dos resultados obtidos, foi utilizado o método estatístico descritivo, com o auxílio do software SPSS 13. Foram calculadas a frequência, média, moda, o desvio padrão e estuda- da a correlação entre variáveis com base nos testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis. RESULTADOS Do universo de 263 sujeitos de pesquisa abordados, 252 (95,8%) convidados responderam o questionário, sendo 110 (43,65%) pacientes e 142 (56,34%) familiares. No grupo dos pacientes não houve predominância significativa de gênero, pois 56 (50,9%) eram do sexo feminino e 54 (49,1%), do sexo masculino. Entre os acompanhantes, 102 (71,8%) eram do sexo feminino e 40 (28,2%), do sexo masculino. A faixa etária predominante entre os pacientes foi a faixa acima dos 61 anos de idade, com 52 (47,3%) entrevistados, e no grupo dos acompanhantes prevaleceram as faixas etárias mais jovens, sendo que 38 (26,7%) tinham entre 31 e 40 anos e 35 (24,65%) entre 41 e 50 anos, conforme ilustrado na Tabela 1. Tabela 1. Faixas etárias dos entrevistados Idade em anos Pacientes Familiares N % N % 21 a 30 3 2,7 14 9,9 31 a 40 4 3,6 38 26,7 41 a 50 23 20,9 35 24,65 51 a 60 28 25,5 28 19,7 >61 52 47,3 27 19,05 Quanto à religião, eram católicos 98 (89,1%) pacientes e 114 (80,3%) acompanhantes. Referente ao grau de escolaridade, 86 (78,2%) pacientes e 60 (42,3%) acompanhantes declararam ter o ensino fundamental incompleto. Com ensino superior completo, havia 16 (11,2%) acompanhantes e 4 (3,6%) pacientes. Com ensino médio completo, foram encontrados 42 (29,6%) acompanhantes e 8 (7,3%) pacientes. Na Tabela 2, são apresentados os resultados das respostas dos pacientes e de seus acompanhantes, de acordo com a escala de Likert, quanto aos seus conhecimentos a respeito do testamento vital e demais termos equivalentes, assim como suas preferências pela realização da eutanásia, distanásia e ortotanásia. 255 Testamento vital: percepção de pacientes oncológicos e acompanhantes - Centro Universitário São Camilo - 2012;6(3):253-259 Revista Tabela 2. Percepção dos Entrevistados Percepção de pacientes oncológicos e acompanhantes sobre o conhecimento e elaboração do Testamento Vital RESULTADOS DE ACORDO COM A ESCALA DE LIKERT Pacientes Acompanhantes Média DP Moda Média DP Moda Conhecimento dos termos “testamento vital”, “testamento biológico” ou “diretivas antecipadas de vontade” 0.13 0.54 0 0,41 1,22 0 Preferência pela realização de eutanásia 6,64 4,05 10 6,93 3,87 10 Preferência pela realização de distanásia 2,07 3,67 0 3,49 4,19 0 Preferência pela realização de ortotanásia 7,62 3,41 10 7,31 3,47 10 A partir da análise dos resultados apresentados na Tabela 2, observa-se que a maioria dos entrevistados, tanto pacientes quanto os seus acompanhantes, não tem conhecimento a respeito dos termos “testamento vital”, “testamento biológico” ou “diretivas antecipadas de vontade”, em que a média das respostas, segundo a escala de Likert, foi de 0,13 e 0,41 pontos, respectivamente, sendo que a resposta de maior frequência foi 0 (zero), que significa total desconhecimento. Em relação à decisão em caso de um paciente se encontrar em fase terminal de vida, há uma preferência por ambas as categorias pela ortotanásia, com média, segundo a escala utilizada entre pacientes e acompanhantes, de 7,62 e 7,31 pontos respectivamente, e inclusive com maior homogeneidade de respostas, cuja opção pela ortotanásia dentre as três ofertadas teve o menor desvio padrão entre as respostas, sendo 3,41 e 3,47 pontos, respectivamente. Com o objetivo de conhecer a opinião dos grupos entrevistados sobre quem deve decidir sobre a saúde do paciente em estado terminal, o instrumento de pesquisa apresentou quatro opções aos entrevistados: o paciente, por meio do testamento vital ou pessoalmente; o médico do paciente; o familiar responsável; ou decisão conjunta entre o médico e o paciente. Na Tabela 3, os dados apresentados evidenciam que para os respondentes de uma ou outra alternativa, de modo geral, tanto para os pacientes quanto para os acompanhantes, há homogeneidade entre as respostas, dado o baixo desvio padrão observado, como também pode-se constatar que para a maioria 256 dos respondentes não há dúvidas quanto à sua opção, pois a moda observada para todas as opções foi de 10 (dez) pontos. Tabela 3. Quem deve decidir sobre a saúde do paciente em estado terminal Quem deve decidir sobre paciente em estado terminal? RESULTADOS DE ACORDO COM A ESCALA DE LIKERT Média DP Moda Média DP Moda O Paciente 9,31 1,66 10 9,25 1,66 10 O Médico 9,15 1,83 10 8,92 2,39 10 Um Familiar 9,42 1,44 10 9,01 2,00 10 O Médico e o Paciente 8,87 1,94 10 8,87 2,01 10 Pacientes Acompanhantes Houve também um questionamento quanto à implantação do testamento vital na legislação brasileira. Dos 110 pacientes entrevistados, 100 (90,9%) atribuíram valor 10 na escala de Likert, sendo essa resposta a moda apresentada, e a média foi 9,56 pontos (com desvio padrão de 1,64). Entre os acompanhantes, a média foi 9,75 pontos (com desvio padrão de 1,17) e a moda foi de 10 pontos na escala (94,4% dos questionários). Por fim, a última questão abordava a vontade do paciente ou do familiar de elaborar seu próprio testamento vital. As respostas dos pacientes geraram valor médio de 9,56 pontos na escala de Likert (com desvio padrão de Testamento vital: percepção de pacientes oncológicos e acompanhantes - Centro Universitário São Camilo - 2012;6(3):253-259 Revista 1,65) e moda de 10 pontos (87,3% dos entrevistados). Os valores obtidos entre os acompanhantes foram semelhantes, obtendo-se a média de 9,39 pontos (desvio padrão de 1,18) e a moda 10 (87,3% dos entrevistados), conforme ilustra a Tabela 4. DISCUSSÃO Tabela 4. Resultados sobre o testamento vital Opinião quanto ao Testamento Vital RESULTADOS DE ACORDO COM A ESCALA DE LIKERT Pacientes Acompanhantes Média DP Moda Média DP Moda Favorável à implantação do TV no Brasil? 9,56 1,64 10 9,75 1,17 10 Faria seu próprio TV? 9,56 1,65 10 9,39 1,18 10 Em relação à elaboração do testamento vital, foram analisadas as seguintes variáveis: idade, gênero, grau de escolaridade e religião. Com base no teste de Kruskal-Wallis, observou-se que existe uma diferença estatisticamente significativa de respostas entre a faixa etária de 21 a 30 anos e as demais faixas de idade dos pacientes entrevistados. Essa diferença denota menor tendência à elaboração do testamento vital nesta faixa etária (p=0,003). Esse resultado se repetiu entre os acompanhantes (p=0,004), conforme ilustrado na Tabela 5. Tabela 5. Relação entre a idade e intenção de elaboração do testamento vital Variáveis seguintes resultados: gênero: p=0,535 e p=0,079; grau de escolaridade: p=0,562 e p=0,104; religião p=0,380 e p=0,082. Esses resultados demonstraram não haver diferença estatisticamente significante das respostas entre os grupos. Idade p-valor 21-30 Média (n) 31-40 Média (n) 41-50 Média (n) 51-60 >61 Média Média (n) (n) Testamento vital e idade do paciente 5 (3) 10 (4) 9,83 (23) 8,93 (28) 9,65 (52) 0,003 Testamento vital e idade do familiar 7,29 (14) 9,72 (38) 9,58 (35) 9,64 (28) 9,54 (27) 0,004 Por meio dos testes estatísticos de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis, foram também analisadas as variáveis para pacientes e acompanhantes em relação à elaboração do próprio testamento vital, obtendo-se, respectivamente, os Embora em todas as especialidades médicas possa haver pacientes em fase terminal de vida, os pacientes oncológicos e seus acompanhantes estão entre aqueles que mais vivenciam a possibilidade de incurabilidade da doença. Nesse sentido, a presente pesquisa buscou avaliar a percepção dos pacientes oncológicos e seus acompanhantes em relação ao cumprimento de suas próprias determinações sobre tratamentos que desejam ou não receber durante o final da vida, quando porventura viessem a estar incapazes de comunicar-se. Com a finalidade de alcançar maior significância estatística em relação ao número de participantes, escolheu-se o setor de oncologia do hospital, visto o grande fluxo de pacientes e familiares que afluem diariamente. Referente ao grau de conhecimento sobre os termos “testamento vital”, “testamento biológico” ou “diretivas antecipadas de vontade”, 94,5% dos pacientes e 88,7% dos acompanhantes assinalaram desconhecer totalmente os termos. Um estudo espanhol10 analisou o conhecimento sobre o testamento vital entre 382 pacientes com média de idade de 77 anos que compareceram a três hospitais por apresentarem exacerbação da falência cardíaca, encontrando que apenas 13,1% (51) conheciam o significado dos termos. Esse resultado, embora realizado em um país com o testamento vital incluído na lei desde o ano 2001, assemelha-se ao encontrado na presente pesquisa. No entanto, uma pesquisa realizada com 75 pacientes dos Estados Unidos encontrou que apenas 15% (11) não sabiam o significado dos termos testamento vital (Living Wills)11. Esse resultado, obtido no país em que o testamento vital está inserido na Lei Federal desde 1990, difere frontalmente daquele obtido no estudo espanhol10 e no presente estudo, em que poucos pacientes conheciam os termos. Contudo, o mesmo pode não estar ocorrendo entre os médicos. Uma pesquisa12 realizada na região do meio-oeste de Santa Catarina entrevistou 100 (52,6%) médicos a partir de questões com variáveis dicotômicas (0-10). Os entrevistados, que eram profissionais da atenção bási- 257 Testamento vital: percepção de pacientes oncológicos e acompanhantes Revista ca, UTI, emergência e especialidades, conferiram um valor médio de 5,88 a respeito do seu conhecimento sobre as vontades antecipadas. Na Andaluzia, sul da Espanha, foi realizado outro estudo13, com 307 médicos da atenção primária utilizando a mesma metodologia. Os médicos apontaram um valor médio de 5,29 para seu próprio grau de conhecimento, aproximando-se do resultado obtido entre os médicos brasileiros e diferindo do obtido entre pacientes e acompanhantes da presente pesquisa. A opção pela eutanásia obteve média bastante alta na presente pesquisa: 6,64 pontos entre os familiares e 6,93 pontos entre pacientes, sendo que a frequência da aceitação plena foi, respectivamente, 56,4% e 50,7%. No entanto, não se descartam problemas de interpretação devido à semelhança dos termos. O estudo realizado nos Estados Unidos11 encontrou que 69% dos participantes consideraram a possibilidade de recusar tratamento em caso de doença terminal, 46%, a retirada de tratamento, 23%, o suicídio assistido e 32%, a eutanásia ativa, um pouco abaixo do encontrado no presente estudo. Porém, 62% dos participantes não distinguiram suicídio assistido de eutanásia, denotando que também esses pacientes tiveram dificuldade de compreensão dos termos. Um estudo brasileiro3 realizado com 127 sujeitos de pesquisa, composto por médicos, advogados e estudantes de Medicina e Direito, encontrou que 1,91% preferiram a distanásia, 1,43%, a eutanásia, 35,89%, a ortotanásia e 60,77%, o testamento vital. Esta pesquisa, realizada com indivíduos com maior tempo de formação, apresentou resultados sobre a preferência pela eutanásia que parecem refletir melhor a realidade, reforçando a possível dificuldade do entendimento da terminologia quando se realiza pesquisas com pessoas portadoras de menor nível de formação. No presente estudo, a preferência pelo familiar ou o próprio paciente ser o responsável por tomar decisões em caso de o paciente encontrar-se em estado terminal de vida obteve ampla aceitação entre os pacientes e acompanhantes. Quanto à participação dos médicos, nota-se que ocorreu uma aceitação alta por parte dos pacientes oncológicos, que nele depositaram um grau de confiança semelhante ao familiar. Esse resultado permite inferir que os médicos do serviço onde a pesquisa foi realizada não somente se preocupam com o aspecto médico-científico, mas também conseguem alcançar a abordagem humanística, conquistando um alto índice de confiança dos seus pacientes. Esse resultado diverge de uma pesquisa norte- 258 - Centro Universitário São Camilo - 2012;6(3):253-259 -americana11 cuja preferência dos pacientes foi pela decisão dos familiares. Selecionaram o médico apenas 5 (7%) entrevistados, e 70 (93%) assinalaram um familiar, sendo que 11 (15%) escolheram o cônjuge e 59 (78%), outro membro da família. Quanto ao tempo da doença e a preferência pela decisão, o paciente com mais tempo de doença apresenta maior vontade de decidir sobre sua saúde (p=0,32 e p=0,205). Entre os acompanhantes, a tendência foi que a decisão seja dos médicos (p=0,000 e p=0,331) ou médicos juntamente com pacientes (p=0,003 e =0,250). O maior tempo de reflexão propiciado pelo período prolongado da doença pode influir no desejo do paciente de resguardar sua autonomia em assuntos relativos à sua saúde. Em relação ao questionamento referente à implantação do testamento vital na legislação brasileira, obteve a concordância plena de 90,9% dos pacientes e 94,4% dos acompanhantes, denotando o elevado valor atribuído por ambos os grupos ao testamento vital. Em um estudo brasileiro12, os médicos do meio-oeste catarinense, quando questionados sobre a utilidade do testamento vital na hora de tomar decisões sobre um paciente, atribuíram nota média de 8,37 pontos, sendo a maior frequência de respostas 10 pontos (moda), em 54% das respostas. Percebe-se, portanto, que é amplo o interesse dos médicos em respeitar as vontades de pacientes em estado terminal quando incapazes de se manifestar, sinalizando para a importância de sua previsão legal. No entanto, um estudo realizado na Espanha avaliou o conhecimento e as atitudes de médicos do departamento de emergência e das unidades de tratamento intensivo sobre o testamento vital. Foram entrevistados 84 médicos, dos quais 61 (72,6%) atendiam frequentemente pacientes em estado terminal, encontrando-se que apenas a metade consultava o registro das vontades antecipadas dos pacientes que as haviam realizado. Os motivos apontados como justificativa para não consultar os dados foram: não dispor de acesso, apontado por 26 (31,6%), e não saber como fazer, apontado por 23 (27,8%)14. Nesse país, o testamento vital já está previsto na legislação desde 1991, porém, as vontades legalmente registradas podem estar indisponíveis ou inviáveis de serem consultadas pelo médico no momento em que o paciente encontra-se incapaz de manifestar-se. No que diz respeito ao desejo de elaborar o seu próprio testamento vital, o presente estudo obteve concordância Testamento vital: percepção de pacientes oncológicos e acompanhantes Revista - Centro Universitário São Camilo - 2012;6(3):253-259 plena de 96 (87,3%) pacientes e de 124 (87,3%) acompanhantes. Esses resultados apontam para a ampla aceitação desse documento por estes entrevistados. No entanto, uma pesquisa realizada na Espanha10 encontrou que somente 2 (4,9%) pacientes informaram ter recebido informação sobre o testamento vital via seu médico, mostrando que esse não é o principal foco da relação médico-paciente. Como proposição, o estudo sugeriu que os médicos sejam os responsáveis por ampliar a informação desse dispositivo, como uma maneira de aprimorar a relação médico-paciente. Nesta pesquisa, mesmo sem ter informação prévia sobre o assunto, a quase totalidade dos pacientes e acompanhantes manifestou o desejo de elaborar seu próprio testamento vital, após serem esclarecidos sobre suas funções. CONCLUSÃO Essa pesquisa buscou identificar a percepção de pacientes oncológicos e de seus acompanhantes em relação ao testamento vital. Os resultados mostraram que ambos os grupos desconhecem tanto os termos “testamento vi- tal” como “testamento biológico” e “diretivas antecipadas de vontade”. A aceitação da elaboração do testamento vital é diretamente proporcional ao tempo de doença. O paciente que se encontra em tratamento há mais tempo apresenta maior desejo de decidir sobre seu processo de morrer. No entanto, as decisões dos familiares, médicos, pacientes e pacientes juntamente com seus médicos são bem aceitas por ambos os grupos pesquisados. A implantação do Testamento Vital no Brasil é bem acolhida, tanto por pacientes oncológicos como pelos acompanhantes, e o gênero, grau de escolaridade e a religião não influenciaram na intenção de elaboração do próprio testamento vital. No entanto, pacientes e acompanhantes da faixa etária mais jovem são menos propensos à sua preparação. A aceitação do testamento vital pelos pacientes e acompanhantes pesquisados enfatiza a necessidade de se ampliar a discussão para toda a sociedade. Estudos mais abrangentes serão necessários para avaliar a percepção dos pacientes e seus acompanhantes em outras regiões do Brasil. REFERÊNCIAS 1. Ribeiro DC. Autonomia e Consentimento Informado. In: Ribeiro DC, organizador. A Relação Médico-Paciente: velhas barreiras, novas fronteiras. São Paulo: Centro Universitário São Camilo; 2010. p. 197-229. 2. Schramm FR, Silva CHD. Bioética da obstinação terapêutica no emprego da hemodiálise em pacientes portadoras de câncer do colo do útero invasor, em fase de insuficiência renal crônica agudizada. Rev Bras Cancerol. 2007;53(1):17-27. 3. Piccini CF, Steffani JA, Bonamigo EL, Bortoluzzi MC, Shlemper BR. Testamento Vital na perspectiva de médicos, advogados e estudantes. Rev Bioethikos. 2011;5(4):384-91. 4. Bonamigo EL. Manual de Bioética Teoria e Prática. 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Aprovado em: 15 de setembro de 2012. 259 ARTIGO ORIGINAL/ RESEARCH REPORT/ ARTÍCULO Revista - Centro Universitário São Camilo - 2011;5(4):384-391 Testamento Vital na perspectiva de médicos, advogados e estudantesa Living Will in the perspective of doctors, lawyers and students El Testamento Vital en la perspectiva de doctores, de abogados y de estudiantes Cleiton Francisco Piccini* Jovani Antônio Steffani** Élcio Luiz Bonamigo*** Marcelo Carlos Bortoluzzi**** Bruno Rodolfo Schlemper Jr.***** RESUMO: O prolongamento artificial da vida há muito vem sendo debatido sob a égide da Bioética, porém o Testamento Vital, documento com diretrizes antecipadas, é considerado um novo instituto jurídico, e que se aplica a essa situação. O objetivo deste estudo foi evidenciar o entendimento dos sujeitos da área médica e do Direito em relação ao tema, e o posicionamento pessoal diante de um paciente com e sem o Testamento Vital. Por meio do desenho de estudo quali-quantitativo descritivo transversal, a população estudada (n=209) foi dividida em 4 grupos: médicos (n=54), advogados (n=28), estudantes de medicina (n=56) e estudantes de Direito (n=71). Para o processamento dos dados quantitativos da pesquisa foi utilizado o software Epi Info 6.04d, enquanto que para a análise dos dados qualitativos foi utilizada a técnica de análise do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Apenas 29,2% dos entrevistados denotaram conhecimento pleno do significado do Testamento Vital. Não considerando a possibilidade de instituição do Testamento Vital, 87,6% dos entrevistados optariam pela ortotanásia diante de um paciente em fase terminal de vida. Considerando a sua instituição, a opção pela ortotanásia caiu para 35,9% e a opção pelo Testamento Vital foi apontada por 60,8% dos entrevistados, diferença estatisticamente significativa (p<0,01). A ampla aceitação do testamento vital por todos os grupos pesquisados permite supor que sua regulamentação poderá ser bem recebida e útil à sociedade brasileira como forma de garantir a autonomia do paciente que se encontre incapaz de manifestar sua vontade. PALAVRAS-CHAVE: Bioética. Testamentos Quanto a Vida. Direitos do Paciente. ABSTRACT: Artificial prolongation of life is ever more debated under the aegis of Bioethics. However the Vital Will, a document with anticipated instructions regarding the will of a patient, is considered a new legal dispositive to be applied to this situation. The aim of this study was to evidence the way professionals of the medical area and law positioned in relation to the subject, and the personal posture of them before patients with and patients without Living Will. By means of a transversal descriptive qualitative-quantitative study, the studied population (n=209) was divided in 4 groups: doctors (n=54), lawyers (n=28), medical students (n=56) and law students (n=71). For the processing of the quantitative data of the research we used the Epi Info 6.04d software, where as for the analysis of qualitative data the technique of analysis named Discourse of the Collective Subject (DCS) was used. Only 29.2% of interviewed subjects had presented full knowledge of the meaning of Living Will. Considering the possibility of instituting Living Will, 87.6% of subjects interviewed would opt for ortotanasia in case of a patient in terminal phases of life. Considering the institution of Living Will, the option for ortotanasia fell to 35.9% and the option for Living Will was said to be the option by 60.8% of interviewed subjects, a statistically significant difference (p<0.01). The broad acceptance of Living Will by all groups allows us to assume that its regulation would be well received and useful for the Brazilian society as a way to guarantee the autonomy of the patient who finds herself incapable of revealing her will. KEYWORDS: Bioethics. Living Wills. Patient Rights. * Bacharel em Direito. Membro do Núcleo Universitário de Bioética e acadêmico da 12ª fase do curso de Medicina da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), Joaçaba, Brasil. ** Professor do curso de Medicina da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), Joaçaba, Brasil. Doutor em Ergonomia. Membro do Núcleo Universitário de Bioética (NUBIO). *** Professor do curso de Medicina da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), Joaçaba, Brasil. Doutor em Bioética. Membro do Núcleo Universitário de Bioética (NUBIO). **** Professor do curso de Odontologia da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), Joaçaba, Brasil. Doutor em Estomatologia. ***** Professor do curso de Medicina da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), Joaçaba, Brasil. Doutor em Medicina. Membro do Núcleo Universitário de Bioética (NUBIO). E-mail: [email protected] a. Este estudo foi financiado pelo Programa de Iniciação Científica PIBIC/CNPq. 384 Testamento Vital na perspectiva de médicos, advogados e estudantes Revista - Centro Universitário São Camilo - 2011;5(4):384-391 RESUMEN: La prolongación artificial de la vida se discute siempre más bajo la égida de la bioética. No obstante, el Testamento Vital, un documento con instrucciones anticipadas respecto a la voluntad de un paciente, se considera un nuevo dispositivo legal que se aplicará a esta situación. La meta de este estudio fue evidenciar como los profesionales del área de la salud y del derecho se posicionan en cuanto al tema, y la postura personal de ellos delante pacientes con y pacientes sin el Testamento Vital. Por medio de un estudio cualitativo-cuantitativo descriptivo transversal, se dividieron a la población estudiada (n=209) en 4 grupos: doctores (n=54), abogados (n=28), estudiantes de medicina (n=56) y estudiantes de Derecho (n=71). Para el proceso de los datos cuantitativos utilizamos el software Epi Info 6.04d, mientras que para el análisis de datos cualitativos se utilizo la técnica llamada Discurso del Sujeto Colectivo (DCS). Solamente 29.2% de los sujetos entrevistados han presentado conocimiento completo del significado del Testamento Vital. En vista de la posibilidad de instituir el Testamento Vital, 87.6% de los sujetos entrevistados optarían por la ortotanasia en caso de un paciente en fases terminales de vida. En vista de la institución del Testamento Vital, la opción por la ortotanasia cayó a 35.9% y la opción por el Testamento Vital fue reputada la opción por 60.8% de los sujetos entrevistados, una diferencia estadísticamente significativa (p<0.01). La aceptación amplia del Testamento Vital por todos los grupos permite que asumamos que su regulación fuera bien recibida y útil para la sociedad brasileña como una manera de garantizar la autonomía del paciente que se encuentra incapaz de revelar su voluntad. PALABRAS-LLAVE: Bioética. Voluntad en Vida. Derechos del Paciente. INTRODUÇÃO É indubitável que as conquistas biotecnológicas têm salvado muitas vidas, mas também é inegável que têm provocado muitas discussões a respeito dos processos de morrer1,2. Temas que envolvem decisões relativas ao final da vida geram muita polêmica, pois, existem de um lado aqueles que são favoráveis às suas práticas, justificando-as, com a aplicação do princípio do direito à liberdade de autodeterminação, e do outro, os que argumentam contra, sustentando sua posição pelo princípio do direito à vida como bem indisponível1. Em função dessas conquistas irreversíveis, surgem novos conflitos éticos e morais que precisam ser analisados criteriosamente, em busca do consenso entre as diversas opiniões e à luz dos princípios da natureza humana, para que se possa balizar e modernizar também o arcabouço jurídico, estabelecendo-se parâmetros ou limites para as diversas práticas. Essas questões têm atormentado profissionais da área médica, cientistas e juristas, que por sua vez, recorrem à Bioética em busca de um norte para orientar suas opiniões. Nos últimos anos houve um expressivo aumento do tempo de vida das pessoas, porém isso só não basta, é preciso que se conquiste uma vida longa com qualidade, e aqui reside um fator fundamental: que qualidade se pode conferir a esse tempo maior de vida? A partir de que ponto esse tempo a mais pode significar apenas um prolongamento do sofrimento humano? De acordo com Sanchez, et al.3, a partir desses questionamentos surgiu a ideia do “Testamento Vital”. O termo “Testamento Vital” também possui expressões sinônimas, porém representa o mesmo instituto jurídico em diferentes países. Assim, na Espanha é chamado de “Vontades antecipadas”4, na Itália, “Testamento Biológico”5, e nos Estados Unidos é chamado de “Living Will”6,7. No Brasil, o Testamento Vital não está regulamentado. No entanto, o Conselho Federal de Medicina está empenhado em sua regulamentação no âmbito da Ética Médica8. De acordo com Cortés9, historicamente o “Testamento Vital” nasceu nos Estados Unidos, em 1967, criado por Luis Kutner, um advogado de Chicago, que redigiu um documento onde registrava expressamente o desejo de um cidadão de recusar tratamento, caso sobreviesse enfermidade terminal. Hoje, nos EUA, esse documento tem valor legal, e o médico que desrespeitar as disposições do testamento pode sofrer sanções disciplinares10. Consoante ao reconhecimento da autonomia, o Testamento Vital também vai ao encontro de outro princípio bioético: a beneficência, que é o dever de agir no interesse do paciente, já que respeita as opções de vida do paciente em questão11. Portanto, se por um lado o Testamento Vital é um documento com diretrizes antecipadas, que uma pessoa realiza em uma situação de lucidez mental e de total autonomia para decidir sobre si – para que seja levado em conta – quando, por causa de uma doença, já não for possível expressar sua vontade, por outro é um novo instituto jurídico discutido pela Bioética e que, a despeito de em alguns países da Europa e nos EUA já têm positivado em texto legal, no Brasil ainda é objeto de discussão em diversas áreas: Medicina, Direito e Bioética, entre outras. Por essa razão, o Conselho Federal de Medicina, em 2010, programou um evento especial para discutir a inserção do Testamento Vital no âmbito da Ética Médica brasileira12. Essa iniciativa é muito auspiciosa para os que desejam que suas vontades sejam cumpridas sobre tratamentos médicos, quando estiverem em situação de incapacidade para comunicar-se. Nesse aspecto, não há orientação éti- 385 Testamento Vital na perspectiva de médicos, advogados e estudantes Revista ca e legal vigente em nosso país. A ética precede a lei e as iniciativas no âmbito ético estimularão as providências posteriores para sua regulamentação legal. Por ser um tema recente no mundo e principalmente no Brasil e, portanto, possivelmente ainda pouco debatido, o objetivo deste estudo é contribuir para o debate, fornecendo dados sobre o entendimento de sujeitos da área médica e do direito, quanto à inviolabilidade do direito à vida quando se contrapõe ao direito à liberdade e ao princípio da dignidade da pessoa humana, previstos em nossa Constituição Federal de 1988, identificando sob o ponto de vista ético e moral, o posicionamento e a opção pessoal dos profissionais e futuros profissionais da área médica e do direito, referentes às condutas diante de pacientes terminais sob a égide dos princípios bioéticos. METODOLOGIA Por meio do desenho de estudo descritivo transversal, a população estudada foi dividida em quatro grupos: médicos, advogados, estudantes de medicina e estudantes de direito. Os critérios de inclusão foram: Advogados: aqueles regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção Joaçaba; Médicos: aqueles regularmente inscritos no Conselho Regional de Medicina, Delegacia de Joaçaba; Acadêmicos: aqueles regularmente matriculados nos cursos de Direito ou Medicina da Universidade do Oeste de Santa Catarina, campus Joaçaba, cursando os dois últimos semestres dos respectivos cursos; excluindo-se da amostra os indivíduos que não se enquadraram nos critérios anteriores, ou que optaram por não participar do estudo, seja por negativa direta ou por não conseguirem ajustar suas agendas para a aplicação do instrumento de pesquisa, após 5 tentativas. A cada um dos entrevistados foram explicadas as razões e objetivos do estudo, apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, parte integrante do protocolo de pesquisa submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos – CEP da UNOESC tendo sido aprovado sob o parecer No. 208/2009. O instrumento de pesquisa constou de um questionário desenhado especificamente para este estudo, composto por oito questões, das quais quatro eram questões que classificavam o entrevistado nos grupos pesquisados (idade, sexo, estado civil, grau de instrução) e, caso fosse profissional, a quantidade de anos em que atuava como advogado ou médico, duas eram questões objetivas, sendo uma a respeito do enten- 386 - Centro Universitário São Camilo - 2011;5(4):384-391 dimento dos entrevistados sobre distanásia, eutanásia e ortotanásia e a outra sobre a opção do entrevistado diante de um paciente em fase terminal de vida. As últimas duas questões eram abertas onde, primeiramente o entrevistado discorria sobre o que entendia por “testamento vital” e, posteriormente, os pesquisadores esclareciam aos sujeitos da pesquisa o conceito a respeito do tema, e então formulavam a última questão que solicitava o posicionamento pessoal do entrevistado diante de um paciente em fase terminal de vida, considerando-se, a partir de então, a possibilidade de se aplicar o Testamento Vital, além das opções de eutanásia, distanásia e ortotanásia. Para a aplicação dos questionários junto aos acadêmicos, os pesquisadores realizaram coletivamente a explicação em sala de aula, explanando os objetivos e a forma de participação dos indivíduos no estudo, momento em que foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e salientado quanto à facultatividade em participar da pesquisa, garantindo que o preenchimento do questionário fosse feito individualmente e sem auxílio de qualquer consulta bibliográfica, qualquer outra pessoa ou fonte. Aos profissionais médicos e advogados, a metodologia consistiu em realizar uma entrevista individual, observada a disponibilidade de tempo destes, obedecendo a mesma forma de procedimento usada com os estudantes. Para o processamento dos dados quantitativos da pesquisa foi utilizado o software Epi Info 6.04d, enquanto que para a análise dos dados qualitativos foi utilizada a técnica de análise do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Análise dos resultados e discussão Do total de 59 médicos convidados, 54 (91,5%) participaram da pesquisa. Quanto aos advogados, de 61 convidados apenas, 28 (45,9%) efetivamente participaram. Dos 127 estudantes, de Direito (N=71) e Medicina (N=56) abordados, todos participaram da pesquisa. No total, foram entrevistados 209 sujeitos. Gráfico 1. Número de participantes de acordo com o grupo Testamento Vital na perspectiva de médicos, advogados e estudantes Revista - Centro Universitário São Camilo - 2011;5(4):384-391 Quanto ao gênero, nos quatro grupos, 47,85% dos entrevistados eram do sexo feminino, e 52,15% eram do sexo masculino. Na Tabela 1 apresentamos a média da idade dos sujeitos da pesquisa de acordo com os grupos estudados, acompanhada do desvio-padrão, da mediana e da moda. Com base na análise do discurso do sujeito coletivo (DSC), apresentada a seguir, se depreende que, em relação ao entendimento prévio do tema, dos 54 médicos entrevistados 20 (37%) têm noção clara a respeito do significado do termo “testamento vital”, 14 (26%) têm noção parcial do significado do termo e 20 (37%) o desconhecem. Quanto aos 56 estudantes de medicina entrevistados, denotou-se que 16 (29%) têm noção clara a respeito do significado do termo “testamento vital”, 28 (50%) têm noção parcial do significado do termo e somente 12 (21%) o desconhecem. Tabela 1. Média, DP, Mediana e Moda para os diferentes grupos IDADE Médicos Advogados Est. Med. Est. Dir. Média 39,83 36,54 23,4 22,86 DP 9,94 11,76 2,28 4,45 Mediana 37 33 23 21 Moda 37 36 23 21 Quadro1. Análise do Discurso do Sujeito Coletivo - Médicos e Estudantes de medicina. Noção clara a respeito do Testamento Vital Ideia Central – Testamento vital é a expressão antecipada do meu desejo e que garante minha autonomia Expressões-chave: [1] Quando o paciente decide em vida no seu estado lúcido se gostaria ou não de ser atendido GHXPDIRUPDPDLVLQYDVLYDHSHUVLVWHQWHQRVHXHVWÌJLRoQDOGHYLGD>@¶DGRFXPHQWD¤ÑRGD vontade própria de uma pessoa, ainda em juízo de sua saúde mental e cognitiva expressando o tipo GHDVVLVWÓQFLDTXHGHVHMDHPFRQGL¤ÑRWHUPLQDO>@¶RGRFXPHQWRRQGHRSDFLHQWHHPFRQGL¤ÑR GHSOHQDDXWRQRPLDHOHJHGLUHWLYDVSDUDVHUHPVHJXLGDVFDVRVREUHYHQKDDVLWXD¤ÑRoQDOGHYLGD onde não possa manifestá-la. DSC: O testamento vital é a manifestação prévia da vontade de uma pessoa por meio de documento escrito (quando em pleno gozo de suas capacidades mentais e cognitivas), onde expressa a sua vontade, em relação às condutas médicas que deseja que sejam adotadas caso sobrevenha uma situação tal, em que VHHQFRQWUHHPHVWÌJLRoQDOGHYLGDHHVWHMDLPSHGLGRGHVHH[SUHVVDUQDTXHOHPRPHQWR Noção parcial a respeito do Testamento Vital ,GHLD&HQWUDOq7HVWDPHQWRYLWDOÒXPDGHFODUD¤ÑRRQGHRSDFLHQWHGHoQHDFRQGXWDPÒGLFDGLDQWHGHGHWHUPLQDGDVGRHQ¤DV Expressões-chave: >@'HFODUD¤ÑRRQGHDSHVVRDGHoQHRVFXLGDGRVGLDQWHGHXPDGRHQ¤DGHJHQHUDWLYDGRVLVWHPD QHUYRVRFHQWUDO>@6HULDXPGRFXPHQWRQRTXDORSDFLHQWHUHODWDVHXVSHGLGRVoQDLVLQFOXVLYH FRPUHOD¤ÑRDFRPRPDQWHUSURORQJDUDYLGDDUWLoFLDORXQÑR>@$XWRQRPLDGRQRVVRSDFLHQWH IUHQWHDVXDSDWRORJLDqFRQGXWDqVHJXLPHQWR>@6ÑRRVGHVHMRVGDSHVVRDHPYLGDVREUHFRPR deve ser mantida na hora terminal, se continuar o tratamento ou desligar as máquinas. DSC: O testamento vital é um documento no qual a pessoa relata a sua vontade diante de um quadro clínico GHoQDOGHYLGDTXDQGRDFRPHWLGDSRUGHWHUPLQDGDVGRHQ¤DVRXTXDQGRHVWLYHUVHQGRPDQWLGDSRU DSDUHOKRVHGHVHMDULDTXHRVPHVPRVIRVVHPGHVOLJDGRV Desconhecem o termo Testamento Vital ,GHLD&HQWUDOq1ÑRWHQKRLQIRUPD¤ßHVVXoFLHQWHVSDUDSRGHUGHoQLURWHUPR Expressões-chave: >@'HVFRQKH¤RRWHUPR>@(QWHQGRVHUXPDVROLFLWD¤ÑRSRUHVFULWRSDUDTXHOKHLQWHUURPSDDYLGD HPFDVRGHGRHQ¤DWHUPLQDO>@DELRÒWLFDDWXDOIDODPXLWRVREUHFRQVHQWLPHQWRHLQIRUPD¤ÑR $LQIRUPD¤ÑRÒYLWDOSDUDDGHFLVÑRGRSDFLHQWHTXHWHPTXHVHUUHVSHLWDGD>@QÑRFRQKH¤RD expressão. É interessante destacar, que, entre os médicos, 63% dos entrevistados têm noção clara ou pelo menos parcial do significado do termo “testamento vital”, enquanto que entre os estudantes de medicina esse número sobe para 79% dos entrevistados, ou seja, a compreensão do termo entre os acadêmicos é 16% maior em relação aos médicos, diferença significante estatisticamente de acordo com o Teste exato de Fisher (p= 0,016). Essa situação pode, talvez, se justificar pelo fato de a matriz curricular do curso DSC: Desconheço o termo testamento vital, a despeito da bioética vir discutindo muito atualmente a necessidade de informar o paciente e obter o seu consentimento, respeitando as suas decisões; porém, entendo que o termo seja uma solicitação por escrito do paciente para que se interrompa a sua vida em caso de HVWDUDFRPHWLGRSRUXPDGRHQ¤DWHUPLQDO de medicina da UNOESC contar com disciplinas obrigatórias e com atividades complementares abertas relacionadas à Bioética, onde as ementas privilegiam discussões relacionadas à ética e à bioética, além de atividades práticas de bioética, como é o caso dos júris simulados e das atividades do Núcleo de Bioética do curso de medicina criado há 2 anos, que fornecem uma base teórica maior para os estudantes em relação aos médicos já formados, em cursos que possuem grades curriculares mais tradicionais. 387 Testamento Vital na perspectiva de médicos, advogados e estudantes Revista Na área do Direito, dentre os 28 advogados entrevistados 12 (43%) têm noção clara a respeito do significado do termo “testamento vital”, 10 (36%) têm noção parcial do significado do termo e 6 (21%) o desconhecem. - Centro Universitário São Camilo - 2011;5(4):384-391 Finalmente, dos 71 estudantes de Direito entrevistados, 13 (18%) têm noção clara a respeito do significado do termo “testamento vital”, 26 (37%) têm noção parcial do significado do termo e 32 (45%) o desconhecem, de acordo com a análise do Discurso do Sujeito Coletivo. Quadro 2. Análise do Discurso do Sujeito Coletivo - Advogados e Estudantes de Direito. Noção clara a respeito do Testamento Vital Ideia Central – Testamento vital é o documento onde expresso minhas vontades prévias, que será utilizado em um momento onde não posso responder conscientemente Expressões-chave: >@¶RGRFXPHQWRRQGHDSHVVRDDQWHFLSDGDPHQWHGHVFUHYHTXDLVRVSURFHGLPHQWRVPHGLGDV TXHJRVWDULDGHUHFHEHUFDVRVHHQFRQWUHFRPXPDGRHQ¤DLQFXUÌYHOTXDQGRHVWLYHULQFRQVFLHQWH VHPFRQGL¤ßHVGHGHFLGLUSRUVL>@8PWHVWDPHQWRYLWDOÒXPGRFXPHQWRFRPGLUHWUL]HVDQWHFLSDGDVTXHXPDSHVVRDUHDOL]DHPXPDVLWXD¤ÑRGHOXFLGH]PHQWDOSDUDTXHVHMDOHYDGRHPFRQWD TXDQGRIRUDFRPHWLGRGHXPDGRHQ¤DWHUPLQDOHPTXHQÑRVHMDSRVVÖYHOH[SUHVVDUVXDYRQWDGH DSC: Testamento vital é um documento com diretrizes antecipadas que o indivíduo realiza em uma situação de lucidez mental e autonomia sobre suas faculdades intelectuais para que seja levado em conta quando HVWLYHUHPIDVHoQDOGHYLGDHQÑRVHMDPDLVSRVVÖYHOH[SUHVVDUVXDYRQWDGH Noção parcial a respeito do Testamento Vital ,GHLD&HQWUDOq7HVWDPHQWRYLWDOÒXPGRFXPHQWRTXHGHoQHRGHVHMRGRLQGLYÖGXRTXDQWRDRVWUDWDPHQWRVTXHDFHLWDHQÑRDFHLWDHPIDVHoQDOGHYLGD Expressões-chave: >@8PGRFXPHQWRDVVLQDGRQRTXDODSHVVRDGHFODUDTXDLVWLSRVGHWUDWDPHQWRPÒGLFRDFHLWDRX UHMHLWDHPQÑRKDYHQGRIXWXUDPHQWHSRVVLELOLGDGHGHPDQLIHVWDUDYRQWDGH>@$SHVVRD GHoQHDLQGDHPYLGDFRPVDáGHFRPRJRVWDULDGHVHUWUDWDGDHPFDVRGHHQFRQWUDUVHHPIDVH oQDOGHYLGDGHYHQGRDIDPÖOLDUHVSHLWDURHVFULWR>@RGLUHLWRGDSHVVRDHPGHoQLURTXHHOD TXHUTXHDFRQWH¤DHPFDVRGHHVWÌJLRWHUPLQDO DSC: 7HVWDPHQWRYLWDOÒXPGRFXPHQWRQRTXDORLQGLYÖGXRGHoQHHQTXDQWRHPERDVFRQGL¤ßHVGHVDáGH FRPRJRVWDULDGHVHUWUDWDGRHPFDVRGHVHHQFRQWUDUQDIDVHoQDOGHYLGDGHYHQGRDIDPÖOLDUHVSHLWDU DVYRQWDGHVSUÒYLDVH[SUHVVDVQRGRFXPHQWR Desconhecem o termo Testamento Vital ,GHLD&HQWUDOq'HVFRQKH¤RRWHPD Expressões-chave: >@2GLUHLWRGHXPIDPLOLDUGHGHFLGLUVREUHDHXWDQÌVLD>@'HWHUPLQDGDSHVVRDGHFODUDH[SUHVVDPHQWHTXHQDKLSÛWHVHGHGRHQ¤DJUDYHHVHPFXUDTXHVHMDDSUHVVDGDDVXDPRUWHHYLWDQGRGRUHV DVLHÏVSHVVRDVTXHOKHVHMDPFDUDV>@'HVFRQKH¤RRWHUPRHPERUDSRVVDID]HUXPDLGHLDGR TXHVHWUDWD>@&RQVLGHURLPSRUWDQWHWDQWRSHORDVSHFWRGRDYDQ¤RWHFQROÛJLFRHGDPHGLFLQD TXDQWRSHODGHGLFD¤ÑRDRWHPDTXHVRIUHLQpXÓQFLDQDHYROX¤ÑRKXPDQD Na área do Direito observam-se resultados inversos em relação à área médica, quando se comparam os resultados obtidos a partir do entendimento dos profissionais do Direito em relação aos estudantes, no que diz respeito ao conhecimento do termo ou do significado de “testamento vital”, onde 43% dos advogados denotaram DSC: Desconheço o termo, porém em uma tentativa de aproximação creio que seja o direito de um familiar em decidir pela eutanásia de um ente querido, e que tenha relação com a abreviação do sofrimento tanto do SDFLHQWHTXDQWRGDIDPÖOLD conhecimento pleno a respeito, contra apenas 18% dos estudantes de Direito. Na Tabela 2 apresentamos o panorama geral, quantitativo, relativo às condições de conhecimento do significado ou do termo “testamento vital” pelas categorias de indivíduos entrevistados. Tabela 2. Condições de conhecimento do significado ou do termo “testamento vital” pelas categorias de indivíduos entrevistados Categoria &RQKHFHPRVLJQLoFDGR de test. Vital Conhecem parcialmente o VLJQLoFDGRGHWHVWYLWDO 'HVFRQKHFHPRVLJQLoFDGRGH test. Vital Total Médicos 20 37% 14 26% 20 37% 54 100% 16 29% 28 50% 12 21% 56 100% 12 43% 10 36% 6 21% 28 100% 13 18% 26 37% 32 45% 71 100% Estudantes de Medicina $GYRJDGRV Estudantes de Direito 388 Testamento Vital na perspectiva de médicos, advogados e estudantes Revista - Centro Universitário São Camilo - 2011;5(4):384-391 Em um estudo semelhante, realizado na Espanha, na província de Santa Cruz de Tenerife, onde o Testamento Vital é legalizado desde o ano de 2002, Sanches et al.3, entrevistaram 113 profissionais de atenção básica (70 médicos e 43 enfermeiros) e verificaram que apenas 68,1% dos participantes conheciam a possibilidade de realizar um Testamento Vital. Os mesmos autores concluíram que esse é um assunto conhecido por mais da metade dos profissionais da atenção básica local. Em outro estudo, realizado em Málaga e Almería, ao sul da Espanha, Simón-Lorda et al.13, entrevistaram 194 médicos da rede de atenção primária e especializada, acerca do conhecimento do Testamento Vital e suas implicações. Esses profissionais autopontuaram seus conhecimentos em relação ao Testamento Vital em uma escala de 0 a 10, onde zero corresponde a conhecimento nenhum e dez total conhecimento a respeito do tema, observando-se no estudo um escore com valor de 5,29, ou seja, o escore denota que esses profissionais autopontuam um conhecimento mediano a respeito. Entre esses profissionais verificou-se ainda que 69,6% sabem que o Testamento Vital está regulado por lei e apenas 37,6% disseram ter lido sobre o Testamento Vital. Na Finlândia, Hilden14 por meio de um estudo onde foi enviado um questionário a 800 médicos das seguintes especialidades: clínica geral (n: 400), medicina interna (n: 207), neurologia (n: 100), e oncologia (n: 93), onde a taxa de resposta foi de 56%, a maioria (92%) dos inquiridos tinha uma atitude positiva, aceitando bem o testamento vital, dos quais 72% relataram situações em que tal instrumento teria sido útil, embora limitado. Em geral, os médicos finlandeses aceitam as disposições de última vontade, mas crêem que são acompanhadas de vários problemas, que, segundo eles, poderiam ser evitados se os médicos e os pacientes realizassem discussões progressivas sobre testamentos em vida. Na Austrália, Ashby15 realizou uma pesquisa com 158 médicos da cidade de Adelaide. A taxa de resposta de 74% (117) foi obtida com um questionário postal enviado a uma amostra aleatória de médicos generalistas. Apenas 74 (63,2%) dos entrevistados tinham conhecimento da provisão para testamentos em vida e 23 (19,6%) dos pesquisados tinham os formulários disponíveis em seus consultórios. No presente estudo, em relação ao posicionamento pessoal diante de um paciente em fase terminal de vida, não considerando a possibilidade do Testamento Vital, por meio da análise dos dados da Tabela 3, fica evidenciado que a grande maioria dos sujeitos (87,56%), independentemente do grupo a que pertencem, se posicionaram a favor da ortotanásia diante de um paciente em fase terminal de vida, que consiste em promover cuidados paliativos, com o propósito de tornar os momentos finais menos sofridos, sem com isso investir em tratamentos que visem a conservação além do tempo natural, ou seja, em uma vida na qual não há mais possibilidade de melhora. O que chama à atenção é que em segundo plano, os sujeitos são mais favoráveis à eutanásia (7,18%), que consiste em apressar o fim da vida por meio de uma conduta ativa ou passiva, em relação à distanásia (5,26%), que consiste em prolongar ao máximo possível a existência terminal do doente, mediante o uso intenso de drogas e aparelhos. Tabela 3. Posicionamento dos diferentes grupos diante de paciente em fase terminal de vida, sem a possibilidade do Testamento Vital Médicos Advogados Est. Medicina Est. Direito Total Distanásia 1 1 2 7 Eutanásia 1 3 2 9 Ortotanásia 52 24 52 55 Considerando-se, agora, a possibilidade do Testamento Vital, verifica-se na Tabela 4, migração dos 3 grupos iniciais para a opção “Testamento Vital”, na seguinte proporção: UÊ distanásia: haviam optado 11 sujeitos (5,26%), reduzindo-se para 4 sujeitos (1,91%) – o que representa um decréscimo de 63,6% para essa opção ao se considerar a possibilidade do Testamento Vital; UÊ eutanásia: haviam optado 15 sujeitos (7,18%), reduzindo-se para 3 sujeitos (1,43%), decréscimo de 80% para essa opção ao se considerar a possibilidade do Testamento Vital; UÊ ortotanásia: 183 sujeitos (87,56%), reduzindo-se para 75 sujeitos (35,89%) – com decréscimo de 59% para essa opção, quando se passa a considerar a possibilidade do Testamento Vital. 389 Testamento Vital na perspectiva de médicos, advogados e estudantes Revista - Centro Universitário São Camilo - 2011;5(4):384-391 39,23% que optariam por uma das outras três possibilidades (1,91% pela distanásia, 1,43% pela eutanásia e 35,89% pela ortotanásia), diferença estatisticamente significativa (p<0.01). Em se considerando a possibilidade de um indivíduo possuir um Testamento Vital, 60,77% dos entrevistados optariam por respeitar a autonomia do paciente, respeitando as suas vontades antecipadas, contra apenas Tabela 4. Posicionamento dos diferentes grupos diante de paciente em fase terminal de vida, com a possibilidade do Testamento Vital Médicos Advogados Est. Medicina Est. Direito Distanásia - 1 - 3 Eutanásia - - - 3 Ortotanásia 25 10 19 21 Testamento Vital 29 17 37 44 Acredita-se que a migração de opiniões e posicionamentos dos entrevistados, reoptando agora pelo Testamento Vital, se deve primeiramente ao perfil humanista e altruísta da maioria dos entrevistados, e em segundo lugar, em função de uma crescente tendência em relação ao princípio do respeito à pessoa, decorrente da formação de conceitos relacionados à Bioética, além de na prática, o Testamento Vital consistir em uma alternativa de evitar ou mesmo dirimir problemas éticos e bioéticos entre médico-paciente-familiares em situações extremas como o final da vida. É indubitável que o Brasil vive um importante momento na materialização do Princípio da Autonomia. A busca da ortotanásia constitui um motivo relevante nessa reflexão. Os primeiros passos já foram dados por estudiosos e pelo próprio Conselho Federal de Medicina no rumo da abordagem, discussão e aplicação do Testamento Vital à luz de nosso ordenamento jurídico. Por um lado, não se deve abreviar a vida. Por outro, muito menos, o prolongamento do processo de morrer. Uma nova sabedoria precisa emergir na aceitação do adeus final16. Nessa nova sabedoria insere-se inquestionavelmente a vontade do paciente por meio de seu Testamento Vital. Total CONCLUSÃO Este trabalho denotou que, em todos os grupos, menos de um terço dos sujeitos possuem conhecimento pleno do Testamento Vital. Com respeito ao posicionamento pessoal diante de um paciente portador de Testamento Vital, em que foram mantidas as opções de eutanásia, distanásia e ortotanásia, verificou-se que a opção pelo Testamento Vital foi escolhida por dois terços dos entrevistados, indistintamente do grupo a que pertencem, concluindo-se que a maioria acata o Testamento Vital como forma de respeito da vontade do paciente e, consequentemente, de sua autonomia. Essa ampla aceitação do Testamento Vital por todos os grupos pesquisados permite inferir que sua regulamentação é uma medida que precisa necessariamente ser discutida e implantada também no Brasil como forma de garantir a autonomia do paciente que se encontre incapaz de manifestar sua vontade, quando em fase terminal da vida. REFERÊNCIAS 1. Cás HCM. As inovações biotecnológicas e o prolongamento artificial da vida humana. Revista de Direito da Unigranrio (periódico online). 2011 [acessado 15 Out 2011]; 4(1):[18p]. 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