A IMPORTANCIA DO TRABALHO DE CAMPO NA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DA GEOGRAFIA: UMA EXPERIÊNCIA A PARTIR DA DISCIPLINA CARTOGRAFIA TEMÁTICA Maria de Fátima Albuquerque Rangel Moreira1 Diego de Oliveira Silvestre2 Ina Maria Correia Ferro de Lima3 Resumo: O presente trabalho se propõe a analisar criticamente a importância do trabalho de campo no ensino de Geografia. Neste trabalho tomamos como exemplo a aula de campo da disciplina de Cartografia Temática realizada no município de Lucena com alunos do quinto período. O objetivo principal da prática do trabalho de campo é de fornecer aos alunos a oportunidade de aprender Geografia mediante a observação direta e fazê-los apreender a relação entre os aspectos físicos - naturais e as atividades humanas. O trabalho de campo da disciplina Cartografia Temática, teve como finalidade levar o aluno a compreensão do que é uma pesquisa exploratória e assimilar de forma clara a representação do relevo observando o princípio da construção das curvas de nível como elemento fundamental da carta topográfica primando pela qualidade das informações obtidas. O objeto estudado foi o espaço geográfico representado pela carta topográfica Rio Soé. Os resultados mostraram que os métodos da pesquisa de campo são importantes na formação do professor/pesquisador e acadêmico, como um meio de unir prática e teoria. Palavras-chaves: Trabalho de Campo, Geografia, Espaço Geográfico Résumé: Ce document vise à examiner de façon critique l'importance du travail de terrain dans l'enseignement de la géographie. Dans ce travail, nous prenons comme exemple le domaine de la catégorie de discipline de la Cartographie thématique tenu dans la ville de Lucena avec des étudiants de la cinquième période. L'objectif principal de la pratique du travail de terrain est d'offrir aux étudiants la possibilité d'apprendre la géographie par l'observation directe et les faire étudier la relation entre le physique naturel et les activités humaines. Le travail de terrain pour la discipline Cartographie thématique, a été conçu pour permettre à l'étudiant de comprendre ce qu'est la recherche exploratoire et d'intégrer une représentation claire du relief sur le principe que la construction de lignes de contour comme un élément clé de la proéminence topographique pour la qualité informations obtenues. L'objet étudié est la zone géographique représentée par le Soe topographiques de Rio. Les résultats ont montré que les méthodes de recherche sur le terrain jouent un rôle important dans la formation de l'enseignant / chercheur et universitaire, comme un moyen d'unir la théorie et la pratique. Mots-clés: travail sur le terrain, Géographie, Travail de Champ, Zone Géographique 1 Professora Doutora em Geografia do Departamento de Geociências, [email protected] 2 Graduando de Geografia (Bacharelado e Licenciatura), UFPB – [email protected] 3 Graduanda de Geografia (Bacharelado e Licenciatura), UFPB – [email protected] UFPB, 2 A IMPORTANCIA DO TRABALHO DE CAMPO NA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DA GEOGRAFIA: UMA EXPERIÊNCIA A PARTIR DA DISCIPLINA CARTOGRAFIA TEMÁTICA 1. INTRODUÇÃO Este trabalho se propõe a analisar criticamente a importância do trabalho de campo no ensino de Geografia, tendo como exemplo a prática do trabalho de campo da disciplina Cartografia Temática do curso de Geografia da Universidade Federal da Paraíba. As áreas referentes à pesquisa exploratória no campo compreendem a carta de Rio Sóe elaborada pelo Exército brasileiro na década de 1970. A justificativa para tal estudo de campo partiu do fato de se querer saber mais sobre o espaço paraibano. O trabalho de campo surge como um recurso importante no processo de ensino-aprendizagem para se compreender a relação existente entre as informações obtidas em sala de aula e a prática de campo para melhor aproveitamento do conteúdo apreendido, tendo como objetivo principal familiarizá-lo com os aspectos físicos e naturais e com as atividades humanas relacionadas ao uso da terra, percebendo assim a identidade do lugar ou da comunidade. 2. IMPORTÂNCIA DO TRABALHO DE CAMPO NA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DA GEOGRAFIA O trabalho de campo para não ser somente um empirismo, deve articular-se a formação teórica que é, ela também, indispensável (LACOSTE, 1985). A maioria dos profissionais da geografia considera que o momento fundamental e, talvez, o principal do fazer geográfico, seja o trabalho de campo, tanto no desenvolvimento de uma pesquisa, como na transmissão de conhecimento para outras ciências. Tal fazer geográfico é reconhecido como instrumento de suma relevância para verificação e registro das transformações das paisagens. Esta abordagem também é conduzida para o ensino da cartografia temática na geografia, levando–se em consideração a representação cartográfica como um meio lógico de abordar criticamente e de forma clara a realidade. Para (Oliveira, 1977), A Geografia tem por tarefa descrever, analisar e predizer os acontecimentos terrestres. A descrição, análise ou predição geográfica dos fenômenos é sempre realizada tendo em vista suas coordenadas espaciais e mediante a 3 observação de campo. Como o conceito geográfico de espaço coincide com o de toda a Terra, o geógrafo teve necessidade de recorrer à representação da superfície terrestre para realizar seus estudos (OLIVEIRA, 1977). Segundo Souza et al. (2008), por meio do trabalho de campo é possível desenvolver as habilidades de observar, descrever, interpretar fenômenos naturais e sócios espaciais nos alunos, e inferir na boa formação de profissionais na área das geociências. A Geografia surge enquanto ciência no século XIX, cujo objeto de estudo é o espaço geográfico; portanto o objeto de interesse da Geografia é este espaço, um espaço social, resultante da produção humana ao longo do tempo (Martinelli, 1990), porém a prática do trabalho de campo já era realizado atráves das viagens exploratórias do então naturalista Alexander Von Humboldt (1769–1859), um dos sistematizadores da disciplina, em século antes. Na chamada Geografia Tradicional, o trabalho de campo norteava-se na observação e na descrição dos elementos contidos nas paisagens, o que resultava numa prática de ensino puramente descritiva e numa leitura acrítica do espaço geográfico. Sobre essa analise acrítica ALVES et.all explana o seguinte, Durante muito tempo as viagens se constituíram como o principal processo para o desenvolvimento do conhecimento dos espaços geográficos. Assim, esses conhecimentos serviam de instrumento de poder sobre os demais, visto que os viajantes e expedicionistas detinham informações que serviriam aos interesses de cunho político e econômico, como projetos de conquista e colonização de novos territórios. (ALVES et.alli, 2008). Na chamada Geografia Crítica o trabalho de campo se destaca pela importância da preparação e da contextualização do mesmo, para que se possa propiciar ao aluno o interesse pelo estudo do lugar vivido e a compreensão das contradições espaciais existentes. O trabalho de campo ao ser realizado, especialmente por pesquisador e estudante da Ciência Geográfica, têm como objetivo proporcionar ao cientista/estudante a análise das relações existentes no espaço geográfico, bem como realizar observações de aspectos fisiológicos, urbanos, sociais, econômicos e culturais na paisagem de forma empírica, buscando sempre a interrelação entre fenômenos, chegando a conclusões diversas. Sobre a importância da prática do trabalho de campo na Geografia, Valéria di Marcos (2006) explana seu pensamento, 4 Penso que a maior parte dos geógrafos concorde com o fato de que a ida a campo seja um instrumento didático e de pesquisa de fundamental importância para o ensino e pesquisa da/na Geografia. Enquanto recurso didático, o trabalho de campo é o momento em que podemos visualizar tudo o que foi discutido em sala de aula, em que teoria se torna realidade, se ‘materializa’ diante dos olhos estarrecidos dos estudantes, daí a importância de planejá-lo o máximo possível, de modo a que ele não se transforme numa ‘excursão recreativa’ sobre o território, e possa ser um momento a mais no processo ensino/aprendizagem/produção do conhecimento (MARCOS, 2006). Na atualidade o trabalho de campo é um recurso metodológico de ensino– aprendizagem que vem se apossando do seu espaço oficial nas práticas curriculares da Geografia como um dos instrumentos de maior interesse e produtividade no ensino da Geografia e na formação do profissional da Geografia. Cabe ressaltar que o trabalho de campo não deve ser visto como um fim mais sim com um meio, para elucidar a teoria vista em sala de aula e elencar novas indagações ao retornar a sala de aula. Ademais, outros valores de grande relevância são acrescidos, como cooperação na realização de trabalhos em equipe, gosto pelo estudo e pela investigação, desenvolvimento da sensibilidade e da percepção. Estreitamento das relações professor–aluno e aluno–aluno e das relações entre comunidade acadêmica e meio ambiente. Desse modo, lembramos que durante o desenvolvimento do trabalho de campo, todo o processo (planejamento, execução, análises e relatórios), o professor tem a preocupação constante de situar a atividade dentro do contexto dos objetivos pelos quais estão sendo desenvolvidas as tarefas, isto se faz necessário para evitar o “fazer pelo fazer”, apenas. O trabalho de campo como prática pedagógica no ensino da geografia é eficaz em sua proposta quando precedido de uma discussão além de um levantamento bibliográfico, cartográfico, estatístico e contatos com possíveis interlocutores. Tal discussão leva professor e aluno a tematizarem a proposta a ser problematizada em campo. Este estudo teórico prévio tem a finalidade de construir um embasamento conceitual e metodológico que fluirá em uma maior aprendizagem. Fazer trabalho de campo representa, portanto, um momento do processo de produção do conhecimento que não pode prescindir da teoria, sob pena de tornar-se vazio de conteúdo, incapaz de contribuir para revelar a essência dos fenômenos geográficos. Em favor disso Pierre Monbeig (1936) afirmava que, “[...] as excursões 5 constituem um valioso auxílio e devem ser aproveitadas e aplicadas com o objetivo definido, geográfico, afim de que não redundem em simples passeio ou viagem de turismo”. Nesse sentido, Alentejano & Rocha-Leão (2006) diz que o trabalho de campo não pode ser mero exercício de observação da paisagem, mas, parte desta paisagem para compreender a dinâmica do espaço geográfico, num processo mediado pelos conceitos geográficos. Mediante esse fato percebe-se a importância do trabalho de campo como fortalecimento do discurso contemporâneo dentro do conhecimento geográfico de desconstruir a dicotomia entre geografia física/geografia humana ainda muito presente em nosso meio. Ainda para Alentejano & Rocha-Leão (2006) cabe destacar que tanto na realidade do campo quanto na teoria os aspectos sociais e naturais da realidade são indissociáveis. Vale ressaltar que o trabalho de campo é relevante para a Ciência Geográfica, todavia não se deve utilizá-lo como a única ferramenta para o ensino da geografia, e sim, como um instrumento que comunga prática e teoria. Nesse sentido, Tomita (1999) destaca que, Não se deve encarar essa atividade como um fim, mas como um meio que tenha o seu prosseguimento ao retornar à sala de aula. Se o objetivo é a melhoria do ensino em Geografia, só há um caminho a seguir pelo professor: não ficar ancorado apenas na acumulação de um saber geográfico do livro didático, sair dos exaustivos discursos, dos questionários sem fundamento, intensificar a comunicação com os alunos, ter a preocupação em atualizar e aperfeiçoar o conhecimento e ter satisfação em experimentar as novas técnicas. (TOMITA, 1999). 3. RELATO DE UM TRABALHO DE CAMPO A disciplina Cartografia Temática realizou no período 2009.1 um trabalho de campo que teve como finalidade levar o aluno a compreensão do que é uma pesquisa exploratória e de assimilar de forma clara a representação do relevo observando o princípio da construção das curvas de nível como elemento fundamental da carta topográfica primando pela qualidade das informações obtidas. Como objeto de estudo foi abordado o espaço físico paraibano mediante a observação direta. Para realização da pesquisa in loco, se utilizou como auxílio didático o atlas geográfico da Paraíba, como uma ferramenta para se ter uma noção geral do espaço; aparelhos de GPS, com a 6 finalidade de localizar a área de estudo e o caminho percorrido; e, carta da SUDENE, Rio Soé, na escala 1:25 000, editadas em 1975, para avaliação da paisagem e comparação desses elementos conforme as modificações ocorridas num determinado espaço de tempo. Como primeiro ponto de observação temos a paisagem do Rio Paraíba nas coordenadas geográficas 7º 06’ 21” de latitude Sul e 34º57’49” de longitude Oeste. (figura 1). Figura 1 – Vista parcial Rio Paraíba Foto: Diego Silvestre – Data: 04/08/2009 A bacia do rio Paraíba corresponde a 18.000km² e representa 32% da área territorial do estado, que tem mais de 60% de suas fronteiras constituídas de divisores de águas, sendo que o contorno sul quase reproduz em escala maior a bacia do rio Paraíba, que deu o nome ao estado. O rio nasce numa das regiões mais secas, o Cariri, e de água numa região de grande riqueza, a região canavieira, na planície litorânea. A maior parte de seu percurso se dá no alto da Serra da Borborema. De lá, desce passando pelo Agreste, atingindo o litoral (SILVA, 2005). Um ponto a se atentar para o rio Paraiba é o seu alto nível de assoreamento que nada mais é do que acumulação de particulas sólidas em meio aquoso, que se deveu sobretudo a retirada de sua mata ciliar para a expansão do cultivo de cana de açucar. Em 1985 no município de Santa Rita as matas de Cravuçu e Aldeia que constituiam o maior testemunho da Mata Atlântica existente no Estado, foram, em sua maior parte, substituídas pela cana e por estradas de acesso as destilarias de Jacuípe e Japungu no processo de degradação dessa mata nem mesmo as áreas de cabeceiras de cursos d’água foram preservados (MOREIRA, 1997 apud CARVALHO & MADRUGA, 1985). 7 Esse assoreamneto causa a redução do talvegue do rio que no período de cheia transborda rapidamente causando prejuizo, tanto aos poucos ribeirinhos que moram as margens dos rio quanto a cidades inteiras como Cruz do Espiríto Santo, que já foi totalmente devastada pela enchentes do Rio. Das chuvas irregulares que caem violentamente em determinadas épocas do ano, resultam as súbitas enchentes, cujas correntes avançam em forma de cabeças d’água barrentas, levando de roldão tudo o que encontram pela frente, inchando seu volume e causando enormes prejuízos. A ausência da mata ciliar nas margens se faz tão ausente que é possivel observar faixas arenosas que lembram praias que na verdade são os fornecedores de particulas sólidas ao leito do rio. (figura 2). Figura 2 - Assoreamento do Rio Paraíba – Foto: Diego Silvestre – Data: 04/08/2009 É possível também observar dentro do leito rio uma pequena ilha formada pelo imensa quantidade de particulas sólidas que já foi lançada dentro do rio. Em direção ao segundo ponto de parada podemos observar a homogeneização que a cana de açucar causou na paisagem rural do trecho oriental de nosso Estado. Segundo MOREIRA & TARGINO (1997) a paisagem tranformada pela cana reproduziu em menor ou maior escala a dinâmica de organização do espaço a sua submissão as novas leis do processo. Como segundo ponto de observação temos a paisagem do Rio Jacuípe na Rodovia Estadual - PB 025, mais precisamente nas coordenadas 07º00’00” de latitude S e 34º59’11” de longitude O. Mediante leitura da carta topográfica do Rio Soé de 1973, esta área era dominada por vegetação de mata, florestas e bosques. Todavia o que se observa in loco são pequenos fragmentos dessa vegetação onde podemos afirmar que há três décadas atrás se fazia abundante (figura 3). 8 Os estímulos fornecidos pelo governo federal através do Proalcool a expansão da cana não só sobre os tabuleiros costeiros e encostas do Brejo, como sobre municípios do Agreste Baixo, do Agreste Ocidental e do Piemonte da Borborema. Em outras palavras, o rompimento da barreira ecológica constiuída pelos tabuleiros e encostas íngremes do Brejo tornou-se possível a partir do momento em que: [...] os preços do açucar, e posteriomente do álcool, compesaram os investimentos necessários para a aquisição de novas terras, a modernização dos equipamentos, a ampliação do emprego de fertilizantes, herbicidas e de outras variedades de cana mais adaptadas ás novas condições ecológicas (EGLER & TAVARES, 1984). Essa expansão fez com milhares de hectares de mata que se desenvolviam sobre os tabuleiros fossem devastadas para dar lugar a cultura de cana de açucar. Figura 3 - Áreas devastadas e Fragmentos de mata em Santa Rita Fonte: Google Earth. Edição de imagem: Diego Silvestre O Rio Jacuípe embora cercado pela devastação conserva ainda que pequena sua vegetação ciliar e suas águas ainda se conservam limpidas a olho nú, todavia não confiavéis sem uma análise mais apurada de sua qualidade química. Já que a dentre os pesticidas orgânicos (naturais ou sintéticos) e os inorgânicos, os mais utilizados na região canavieira paraibana estão os compostos clorados e derivados de compostos organofosforados (Moreira, 1997, apud Mitsunaga, 1990). Devido ao alto poder de filtração dos tabuleiros têm-se alto grau de contaminação ambiental de nascentes e lençois freáticos. Como terceiro ponto de observação tivemos a paisagem das áreas de manguezais localizadas às margens do Rio Soé, ponto onde o rio recebe influência marinha cujas 9 coordenadas 6º57’18” latitude Sul e 34º54’50” longitude Oeste, em uma area de vegetação predominantemente típica de manguezal que possui raízes externas (aéreas), com o solo pobre em oxigênio. As plantas possuem sementes compridas, finas e pontudas, isto ocorre para facilitar a reprodução, pois quando caem no solo úmido, podem se fixar com mais facilidade (figura 4). Atualmente, através de imagens obtidas de satélites podemos observar uma redução bem significativa desta vegetação no entorno do rio.(figura 5) Figuras 4 e 5 - Vegetação típica de Mangue e Degradação da vegetação margens Rio Soé Foto e Edição de imagem: Diego Silvestre. Fonte: Google Earth – Data: 04/08/2009 Segundo NOVELLI (1995), essa ocupação desordenada deve-se principalmente ao fato desses locais apresentarem condições favoráveis à instalação de empreendimentos os quais normalmente visam atender interesses particulares. Entre as condições favoráveis, destaca-se, segundo Schaeffer-Novelli (1995): 1 - Oferta quase ilimitada de água, insumo importante para indústria, como a siderúrgica, a petroquímica e as centrais nucleares; 2 - Possibilidade de fácil despejo de rejeitos sanitários, industriais, agrícolas e/ou de mineração; 3 - Proximidade de portos, que facilitam a importação de matéria prima para a transformação e a exportação de produtos, diminuindo custos de carga e transporte; 4 - Pressão do mercado imobiliário; e, 5 – A construção de marinas. No caso do Rio Soé, além dos exemplos acima citados, grande parte de sua vegetação foi extraída para dar lugar a estradas de acesso a destilarias como a Jacuípe e Japungu, e a extensas plantações de cana de açucar que desde seus primórdios deu-se nas áreas úmidas do Brejo e nas várzeas dos rios do Litoral, só a posteriori com o avanço e inserção de novas tecnologias na agricultura na década de 1970 que a cana irá 10 subir o tabuleiro costeiro. A flora, ou seja, as árvores do manguezal foram também utilizadas para obtenção de madeira para construção de barcos, casas, cercados, armadilhas de pesca, além de servirem para produção de combustível na forma de carvão, para alimentarem as usinas canavieiras. Outro relevante fato observado no Rio Soé é que neste ponto no momento em que recebe a influência marinha e onde ocorrem os manguezais, o rio começa a meandrar. O quarto ponto de observação do trabalho de campo, ocorreu às margens do Rio da Guia nas coordenadas 06º57’23” de latitude Sul e 34º52’55” de longitude Oeste. O Rio da Guia tem sua formação a partir de confluência de três rios que são eles: Sóe, Apira (ou Preto) e Tapira. Na margem direita do Rio da Guia foi possivel observar a vegetação de mangue com um certo grau de preservação, em contra partida à margem esquerda, se observou o avanço das residências sobre a vegetação (figura 6). Figura 6- Rio da Guia – Preservação x Devastação Fonte: Google Earth. Edição de imagem: Diego Silvestre. Segundo SHAEFFER-NOVELLI (1995) essa ocupação desordenada deve-se principalmente ao fato desses locais apresentarem condições favoráveis à instalação de empreendimentos os quais normalmente visam atender interesses particulares. Nesse ponto de observação podemos explicar o avanço sobre o mangue a partir de quatro condições a saber: 1 - Oferta quase ilimitada de água, embora a mesma corra risco de poluição com a carcinicultura; 2 - Possibilidade de fácil despejo de rejeitos sanitários e agrícolas; 3 - Pressão do mercado imobiliário, que vendem tais locais como áreas de tranquilidade e beleza singular; e, 4 - Construção de marinas, para atracação de iates de luxos, barcos e jet sky. O último ponto de observação da aula de campo se deu em frente ao santuário de Nossa Senhora da Guia nas coordenadas 06º57’14” de latitude Sul e 34º52’39” de 11 longitude Oeste. Quanto as modificações existentes em relação a carta topográfica Rio Soé de 1973 a área que ocupava um grande alagado natural foi substituida pela carcinicultura (representada por doze imensos reservatórios) (figura 7 e 8). A produção de camarão em viveiro, atividade que foi iniciada no Brasil na década de setenta, já se desenvolvia em outros países da Ásia e das Américas Central, do Sul e do Norte, a exemplo de Bangladesh, Vietnã e México. É um mercado seletivo e exigente quanto à qualidade do produto. Figura 7 e 8 - Reservatórios de Carcinicultura Edição de imagem e Foto: Diego Silvestre. Fonte: Google Earth – Data: 04/08/2009 A espécie criada nesses tanques são da espécie L. Vannamei, da costa do Pacífico, região de clima semelhante área litorânea brasileira foi a que melhor adaptouse, especialmente ao Nordeste. Essa espécie apresentou maior rentabilidade em cultivos semi-intensivos. Sendo técnica e economicamente viável, esta produção se consolidou no Brasil, embora o país também produza as espécies nativas, Litopenaeus schmitti, Fartantepenaeus brasiliensis, Fartantepenaeus.paulensis, bem como algumas exóticas: L. vannamei, L. stylirostris e Panaeus monodon (IGARASHI, 2005). Embora a produção do camarão L.Vannamei se adapte bem às áreas estuarina, tem causado muitos conflitos econômicos e impactos ambientais no Brasil. Dentre os impactos causados pela carcinicultura no Estado da Paraíba podemos destacar a disseminação da espécie exótica do camarão; aumento da erosão; mudança na paisagem (impacto visual); salinização do solo e , principalmente, do lençol freático, já que os viveiros de camarões foram instalados em terrenos arenosos e outro impacto que podemos destacar é a eutrofização que é fenômeno responsável pelo aumento de matéria orgânica no manguezal pode causar um impacto ambiental negativo quando a eutrofização é sistematicamente repetida e excessiva. Segundo LIMA et alli., (2004) a 12 questão da sustentabilidade ambiental da atividade impõe risco aos ecossistemas, especialmente em áreas estuarinas em muitos paises a criação em cativeiros culminou com o desaparecimento dos mangues devido aos impactos causados. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A importância do trabalho de campo deve ser enfatizada como recurso didático e implantada como dsciplina obrigatória na grade curricular do Curso de Geografia da UFPB, porque tal recurso oferece potencialidades formativas que devem ser levadas em consideração no processo ensino-aprendizagem como uma das técnicas pedagógicas mais acessíveis e eficazes ao pesquisador da ciência geográfica. A partir de diversos estudos de campo, realizados no Curso de Geografia, foram observadas mudanças no desempenho do aluno referente ao aprendizado, tanto da disciplina que ora realiza o trabalho, como na transformação do aluno e sua definição como estudante da geografia. No exemplo de estudo de campo explicitado neste trabalho, considerou-se o estudo da carta do rio Soé datada de 1975, feito uma primeira leitura em sala de aula e uma segunda leitura no campo, ou seja, no recorte espacial elegido como área de estudo. No decorrer do trabalho, podemos observar que ocorreram mudanças significativas na paisagem em relação a primeira leitura da carta, de forma a se distinguir o processo de expansão da cana-de-açúcar iniciado na década de 1970 como o grande vilão da substituição da vegetação nativa (de várzea e de Mata Atlântica) em quase sua totalidade. Observou-se também, nessa área, que a cana-de-açúcar adentrou às áreas alagadas, violando os limites naturais da preservação permanente e proteção dos rios. Em suma, o exercício de campo trouxe à formação do profissional da geografia a capacidade de integrar a teoria vista em sala de aula com a realidade da prática de campo e também de aprofundar os conhecimentos acerca das temáticas propostas para confecção do relatório. Através da prática do trabalho de campo percebemos e tomamos consciência de que a realidade tratada no âmbito da sala de aula pode e deve ser observada fora dela, não apenas pela descrição e beleza da paisagem, mas também pelo conhecimento científico do conteúdo natural, histórico e social que o espaço transmite e faz compreender e fazer juízo da sociedade contemporânea e de saber que esse conhecimento vai ser devolvido à própria sociedade. Desse modo, podemos Constatar que os objetivos traçados para essa prática de campo, atingiram o domínio cognitivo, 13 como também a aquisição e consolidação dos conhecimentos específicos; despertar consciências do espaço vivido e construído; despertar o espírito crítico e investigativo. REFERÊNCIAS ALENTEJANO, P. R. R. e ROCHA-LEÃO, O. M. Trabalho de Campo: uma ferramenta essencial para os geógrafos ou um instrumento banalizado. Boletim Paulista de Geografia, São Paulo, nº 84, p. 51-57. 2006 ALVES, L.A.; LOPES, M.; SILVA, K. 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