processos interativos numa sala de aula da

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CAMPANHA NACIONAL DE ESCOLAS DA COMUNIDADE
FACULDADE CENECISTA DE CAPIVARI – FACECAP
– CURSO DE PEDAGOGIA –
PROCESSOS INTERATIVOS NUMA SALA DE AULA DA EDUCAÇÃO INFANTIL
LARISSA BORGES BENEDITO
Capivari, SP
2011
CAMPANHA NACIONAL DE ESCOLAS DA COMUNIDADE
FACULDADE CENECISTA DE CAPIVARI – FACECAP
– CURSO DE PEDAGOGIA –
PROCESSOS INTERATIVOS NUMA SALA DE AULA DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Monografia apresentada ao Curso Pedagogia
da FACECAP/CNEC Capivari, para obtenção
do título de pedagoga, sob a orientação da
Profª. Ms. Ivanete Menegon Waldmann
LARISSA BORGES BENEDITO
Capivari, SP
2011
FICHA CATALOGRÁFICA
Benedito, Larissa Borges
Processos interativos numa sala de aula da educação infantil/
Larissa Borges Benedito. Capivari-SP: CNEC, 2011
38p.
Orientadora: Profª Ms. Ivanete Menegon Waldmann
Monografia apresentada ao curso de Pedagogia.
1. Infância. 2. Educação Infantil. 3. Processos Interativos.
I. Título
CDD 370
Dedico esse trabalho a todas as crianças com as quais pude conviver, aprender e amar
nesses três anos de caminhada durante minha formação inicial como professora.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus pela minha vida e por todas as boas experiências que
tive. Sou muito grata também aos meus pais Valquíria e César, que sempre se sacrificaram e
fizeram tudo que tinham ao alcance para que eu pudesse ter as oportunidades que eles não
tiveram. Agradeço também aos meus familiares e ao meu namorado Paulo pela paciência,
compreensão e incentivo durante todo esse percurso até aqui.
Não posso deixar de agradecer minha professora orientadora, Profª Ms. Ivanete
Menegon Waldmann, que esteve sempre pronta e disposta a me ajudar, tirando dúvidas,
sugerindo e intervindo sempre que preciso para que este trabalho fosse de qualidade.
Também quero agradecer a todos os professores que contribuíram com a minha
formação e a todos os colegas com os quais compartilhei angústias e alegrias.
BENEDITO, Larissa Borges. Processos interativos numa sala de aula da educação infantil.
Monografia de Conclusão de Curso. Curso de Pedagogia. Faculdade Cenecista de Capivari –
CNEC. 38 p., 2011.
RESUMO
A presente pesquisa teve por objetivo investigar como ocorrem os processos interativos numa
classe de educação infantil, e suas contribuições para o desenvolvimento e aprendizado das
crianças. Para isso, procuramos abordar brevemente a história da educação, desde o início de
sua historicização, buscando compreender como era a educação das crianças pequenas nos
diversos períodos históricos e como se deu o surgimento da educação infantil no Brasil.
Embasadas na teoria histórico-cultural, investigamos como ocorrem os processos de interação
a fim de contribuir para a aprendizagem e desenvolvimento dos sujeitos envolvidos. Para essa
investigação realizamos pesquisas bibliográficas, análises e transcrição de situações gravadas
em vídeo de uma sala de Pré-escola. Portanto, embasadas na pesquisa bibliográfica e na
empírica, compreendemos que sendo a escola “lócus” de educação sistematizada, os
professores devem cuidar para que as interações contribuam qualitativamente para a formação
das crianças.
Palavras-chave: 1. Infância. 2. Educação Infantil. 3. Processos interativos.
SUMÁRIO
Introdução.................................................................................................................................. 8
1 – Infância e Educação Infantil nos períodos históricos......................................................... 10
1.1 – A histórica da Educação Infantil no Brasil.......................................................... 17
2 – Um olhar para algumas concepções Vigotskianas............................................................. 20
2.1 – Contribuições de Vigotski................................................................................... 21
3 – Pesquisa de Campo............................................................................................................ 26
3.1 – Análises da Pesquisa........................................................................................... 27
Considerações Finais............................................................................................................... 34
Referências............................................................................................................................... 37
INTRODUÇÃO
A Educação Infantil, nem sempre foi vista como uma passagem importante para o
desenvolvimento das crianças pequenas. As pessoas também não tinham um olhar voltado
para a criança e suas peculiaridades. Somente no século XIX muda-se a visão que se tinha da
infância e com essa ressignificação, os adultos passam a dar maior importância aos cuidados e
instrução a elas destinada.
A convivência e interação entre as crianças e crianças e professores que ocorrem
dentro das salas de aula de Educação Infantil, são fundamentais para a formação do sujeito,
pois é nessa fase da vida que ocorrem os processos mais eficazes de desenvolvimento. É
também nessa fase escolar que a fala egocêntrica transforma-se, dando espaço à fala interior
se desenvolver. A fala egocêntrica consiste em um estágio de mudança para a fala interior
desempenhando um papel essencial na atividade mental da criança e na organização de seu
pensamento. De acordo com Vigotski (2008, p.166), “[...] a fala egocêntrica é um fenômeno
de transição das funções interpsíquicas para as intrapsíquicas, isto é, da atividade social e
coletiva da criança para a sua atividade mais individualizada”.
Ou seja, de acordo com a abordagem histórico-cultural, tudo que a criança aprende
através das interações com demais membros da sociedade são fundamentais para seu
desenvolvimento, sendo a escola grande colaboradora para que isso aconteça.
Com este trabalho pretendemos investigar como ocorrem os processos interativos
numa sala de aula, e suas contribuições para o desenvolvimento e aprendizado das crianças de
uma classe de pré-escola localizada na cidade de Capivari. Para isso pesquisamos como era a
relação entre professor e alunos e alunos-alunos ao longo da História da Educação; como a
criança se apropria dos conhecimentos através dos processos interativos e a análise das
interações entre os sujeitos durante um período de aulas.
Como procedimento metodológico, utilizamos pesquisas bibliográficas e de campo,
realizamos gravações em vídeo de interações numa sala da Pré-escola, as quais foram
analisadas, transcritas e interpretadas.
No primeiro capítulo abordaremos como a criança pequena era educada nos períodos
históricos. É possível observar a diferença que houve entre esses períodos, nos quais a
educação infantil não tinha um olhar específico e como foi sendo modificada essa visão até
chegar aos dias atuais, momento em que a infância é cercada de atenção (cuidados) e
preocupações com o seu cuidar, mas também com sua aprendizagem e desenvolvimento.
8
O segundo capítulo aborda a visão histórico-cultural de Vigotski1, que trouxe grandes
contribuições para a compreensão de como se dá os processos de aprendizagem e
desenvolvimento dos indivíduos através das interações sociais.
Finalizando, no terceiro capítulo, serão apresentadas análises a partir de filmagens de
uma sala de Educação Infantil, podendo assim observar quais as contribuições que frequentar
essa modalidade de ensino traz para o desenvolvimento infantil.
Nas considerações finais buscamos, evidenciar como ocorreram os processos
interativos numa sala de aula específica e indiretamente ressaltamos o papel do professor e
dos vários outros sujeitos em interações cotidianas, analisadas à luz do referencial históricocultural de Vigotski e seus interlocutores. Nestas considerações mostramos como as
interações cotidianas podem influenciar (positiva ou negativamente) na formação do sujeito.
1
Neste trabalho optou-se pela grafia Vigotski (letra “i”). Porém, em casos de citação e referência dos autores
lidos a grafia estará de acordo com as obras consultadas.
9
CAPÍTULO 1
INFÂNCIA E EDUCAÇÃO INFANTIL NOS PERÍODOS HISTÓRICOS:
“O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de
outra pessoa” (VIGOTSKI, apud FONTANA, 2000, p.11).
Pensando nos ecos que a história nos traz, pesquisamos como ao longo do tempo a
pré-escola que hoje se apresenta foi sendo constituída.
Nas sociedades tribais a educação era de responsabilidade de todos os integrantes da
tribo, portanto, a criança tinha a possibilidade de observar muitos modelos, passando assim a
imitá-los inconscientemente em situações do cotidiano.
A criança nas tribos selvagens e bárbaras, brinca com imitações, em miniatura, dos
instrumentos usados pelos adultos. Seus passatempos e jogos são, igualmente, tão-só
imitações das atividades da vida adulta [...] O segundo estádio fase dessa educação,
realizada é consciente. Ambos, então, menino e menina, participam das atividades
dos adultos e aprendem por imitação, porque se passa a exigir deles o trabalho. Esta
exigência por parte do adulto não tem o objetivo de educar a criança, mas, sim, o de
obter resultados do trabalho. (MONROE, 1970, p.1-2).
Na antiguidade oriental, após a segregação por classes sociais, a classe dominante
tinha acesso ao saber, a população constituída por artesãos, lavradores e comerciantes não
tinham o mesmo acesso e não possuíam os mesmos direitos políticos. Já a grande massa era
excluída da escola e tinha apenas a educação familiar.
Nos primórdios da educação na Grécia antiga, nos primeiros sete anos de vida da
criança, a educação ficava ao encargo de suas famílias, dentro de suas tradições religiosas.
Segundo Manacorda (1999, p.52), “Logo que a criança começa a entender, nutriz, mãe,
pedagogo e o próprio pai fazem de tudo para que ela se torne o quanto mais possível ótima”.
Em Atenas as crianças eram entregues aos cuidados das amas e escravos, e em Esparta era a
própria mãe quem se encarregava da educação de seus filhos pequenos. Segundo Monroe
(1970, p.41):
Uma fase mais interessante da vida da criança, antes de iniciar-se a série de
exercícios físicos na vida da escola, é ilustrada pela literatura grega, que menciona
ou descreve uma lista muito extensa de jogos para crianças, incluindo praticamente
todos os que temos hoje. No lar, na rua, no campo, a primeira educação da criança,
naquela época como agora, era proporcionada inconscientemente. (MONROE, 1970,
p.41).
10
A criança e sua educação eram vistas de modo diferente da visão que temos hoje, a
educação escolar começava a partir dos sete anos, e nos livros, geralmente não se enfatiza a
educação infantil. A educação grega esteve sempre centrada em uma formação integral, do
corpo e do espírito.
As primeiras escolas começaram a aparecer após o surgimento das póleis, com o
objetivo de atender a grande demanda de “estudantes”.
Na educação romana, o lar era o centro da educação, ou seja, quem se encarregava da
educação dos filhos eram os pais, dessa maneira não houve por muito tempo nenhuma forma
de educação sistematizada para as crianças pequenas. As próprias mães eram incumbidas de
cuidar de seus filhos e lhes ensinavam a falar e escrever, utilizando se de métodos conhecidos
e praticados até hoje, como as letras móveis.
A atenção com a educação da criança pequena também teve um olhar diferente,
específico e contando com brinquedos e jogos que auxiliavam no seu desenvolvimento.
Segundo Manacorda (1999, p.75-56):
[...] a criança crescia em casa e com os colegas, entre brinquedos e as primeiras
aprendizagens, dos quais ficaram muitos escritos e iconográficos. [...] Entre os
jogos, por exemplo, Horácio enumera a brincadeira de construir casinhas, de amarrar
ratos a um carrinho, de tirar par ou ímpar, de andar a cavalo em uma cana; Pérsio
lembra o jogo das nozes e, até, o parar de brincar como sinal do fim da infância;
sabemos que se brincava de mora, de pião, e de aro empurrado por um bastãozinho.
Existiam também jogos de reflexão como a dama, o xadrez, os astrágalos e os dados;
outros jogos, como a altilena, a cabra-cega, a raia, talvez tenham sido importados da
Grécia. (MANACORDA, 1999, p.75-76).
Após os sete anos de idade, era o pai quem se encarregava de forma mais direta de
seus filhos, onde posteriormente a educação passa a ser entregue aos especialistas. A
educação romana teve como método a imitação, já que as crianças aprendiam ao imitar seus
pais, demais antepassados e heróis dos quais tinham conhecimento através de histórias e
lendas.
Durante a Idade Média no Ocidente, houve o predomínio de uma visão teocêntrica
(Deus como centro do universo), tendo como finalidade a formação cristã. Durante esse
período a Igreja católica estava no topo da pirâmide social, detendo assim o poder. Suas
técnicas de ensinar determinavam os passos do trabalho escolar de maneira de pensar rigorosa
e formal. Das instituições de educação existentes na Idade Média eram as universidades que
desempenhavam o papel mais importante, onde ensinavam somente latim, lógica e retórica.
Os que frequentavam as universidades eram apenas a minoria da população.
11
As universidades não tinham locais próprios e fixos para funcionar. Segundo Dussel e
Caruso (2003, p.49), “Inicialmente, as universidades eram itinerantes, e funcionavam „por
empréstimo‟ em instituições eclesiásticas ou casas particulares”.
A partir da necessidade dos estudantes da época, (principalmente os oriundos da zona
rural) de um lugar para dormir, surgem aproximadamente no século XV, os internatos. As
salas de aula eram o que chamamos hoje de multisseriada, pois seu objetivo não era a
educação infantil, podendo ser considerada como uma educação para formação de sacerdotes.
Não havia um método voltado para o ensino das crianças, já que a infância como concebemos
hoje não existia na Idade Média.
A igreja católica, por muito tempo, foi detentora de poder e dos saberes. Os
intelectuais eram os clérigos e a população não tinha acesso ao conhecimento, mantendo-se
assim ignorantes e sendo facilmente manipuladas pelo que a igreja impunha. Martinho Lutero,
que foi Clérigo católico e ensinou teologia, não concordava com muitos dos preceitos da
Igreja Católica e formulou então 95 teses contra algumas práticas da mesma. Muitas pessoas
se posicionaram a favor de Lutero, e foram denominados protestantes (porque protestaram
contra a Igreja Católica) e havia as pessoas que se mantinham fiéis a Igreja Católica, passando
assim a haver uma divisão de crenças. Foram anos de disputas, pois a Igreja Católica não
queria perder seus fiéis que lhes legitimavam o poder, até que se chegou a um momento em
que religião passou a ser uma escolha “pessoal”.
Lutero não queria que os fiéis seguissem a religião sem questionar, somente por medo
do pecado, mas que eles compreendessem e fossem conscientes do motivo pelo qual não
deveriam tomar certas decisões.
Com o intuito de que os fiéis conseguissem ler e interpretar a Bíblia, ela foi traduzida.
Lutero então escreveu um documento pedindo auxílio a todas as cidades solicitando que
fossem fundadas escolas cristãs, nas quais ensinariam aos alunos a fé em Cristo e a ler,
deixando a escrita como encargo dos ensinos superiores. Dessa maneira o protestantismo deu
impulso à Pedagogia.
Em 1534 é fundada dentro da igreja católica, a Companhia de Jesus, que se encarregou
da educação, tentando recuperar os fiéis que foram perdidos com a Reforma Protestante.
Fundaram inúmeras escolas e universidades por toda Europa, difundindo-se também em suas
colônias, através da catequização dos seus nativos, como ocorreu com os índios que se
encontravam no Brasil na época do “descobrimento”.
12
No final da Idade Média começa a surgir o “espaço” sala de aula e com ela as dúvidas
de como se deve proceder. O pastorado é o primeiro modelo que surge, onde se pensavam nos
alunos como um rebanho, e os professores, os pastores que os lideravam. Segundo Dussel e
Caruso (2003, p.64):
Na visão de um grupo de crianças como um “rebanho”, estabelece-se um tipo de
conduta, uma forma de liderar a situação que denominamos “sala de aula”, que tenta
articular-se e vincular-se com essa conduta de si mesmo baseada na boa ou má
consciência: o poder pastoral. (DUSSEL e CARUSO, 2003, p.64).
Um fato de grande importância durante o Renascimento é o aparecimento dos
colégios, onde a educação visava à formação moral de seus alunos, não se restringindo apenas
a transmissão de conhecimentos. Como nos períodos anteriores, a grande massa popular
continua excluída da escola.
A educação na Idade Moderna passa por uma contradição, as escolas continuam
fornecendo uma educação conservadora que, em sua grande maioria, estava nas mãos dos
jesuítas e por outro lado há a aspiração por uma educação universal. Em 1599 os jesuítas
elaboram o Ratio Studiorum2, após décadas de preparação, baseada em suas experiências na
área escolar, já que a escolarização foi uma de suas tarefas preferidas. Na sala de aula jesuíta,
os conteúdos ensinados eram clássicos literários, falava-se apenas o latim e o docente
trabalhava com conteúdos de memorização. Eles foram os primeiros a utilizar as notas
escolares incentivado assim a competição. No Brasil a atuação da Igreja Católica na educação
foi mais forte e duradoura do que na Europa.
Surge então outro reformador religioso, Jan Amos Comenio, que escreveu diversas
obras das quais, a mais importante foi a Didactica Magna que estruturou a sala de aula
moderna. Comenio se baseava em uma ordem natural e acreditava que imitando a natureza
seria possível chegar à perfeição. Ele também sugeriu que as salas de aula fossem locais
iluminados, limpos e agradáveis, diferentemente de como eram na época, mas suas propostas
pedagógicas não se concretizaram por completo.
No século XVII surge a fundação de escolas para pobres, incentivado por Juan
Bautista La Salle, que escreveu um manual para professores, transformado em um texto de
orientação pedagógica e introduziu também a língua materna como a primeira língua de
ensino, pois até então o ensino era ministrado em latim. Segundo Dussel e Caruso (2003,
2
Ratio Studiorum é uma regulamentação da pedagogia jesuítica, que foi elaborada ao longo de décadas a partir
de experiências acumuladas na área escolar. (DUSSEL e CARUSO, 2003).
13
p.87), “A partir desse momento, a maior parte das experiências escolares elementares foi
realizada nas línguas maternas [...] e o latim passou a ser um conteúdo da educação de nível
superior”.
La Salle utilizou várias formas individualizadoras de disciplina como a dos jesuítas,
mas percebeu também a importância do momento coletivo.
Com a Idade Contemporânea, no século XIX, Robert Owen, capitão de indústria abre
juntamente à sua fábrica, o “Instituto para Formação do Caráter Juvenil”, para os filhos de
seus funcionários, no qual havia classes infantis. Esse atendimento diferentemente dos
precedentes que visavam o caráter assistencialista, se preocupava com a efetivação de uma
verdadeira ação de educar. Esse “modelo” foi também instituído em Londres e em diversas
localidades da Europa. No ano de 1828 foi fundado o primeiro asilo infantil, por Ferrante
Aporti, após ter conhecimento sobre as escolas infantis.
Os asilos infantis, primeiramente atendiam as crianças das camadas sociais superiores,
mas Aporti ressaltava a necessidade de se criar escolas para crianças economicamente
desfavorecidas. Ele não elaborou teorias sobre a educação infantil, mas trabalhava com
crianças pequenas não somente visando sua proteção como também sua instrução e educação.
A difusão de escolas na Itália, graças ao “impulso” dado por Aporti, serviu para conscientizar
o poder público da necessidade dessa modalidade de ensino, apoiado por católicos iluminados
e “condenada” por clericais conservadores, que publicaram uma sentença de condenação aos
asilos infantis.
Em 1837, com a organização do “Instituto para a Educação do Instinto de Atividade
nas Crianças e nos Adolescentes”, é fundado por Froebel, o primeiro kindergarten. Este
apreendeu a idéia da necessidade da educação se iniciar na primeira infância, após conhecer
Pestalozzi, um dos pioneiros da pedagogia moderna, que abriu escolas das quais a educação
abrangia não somente as classes sociais privilegiadas, mas também o povo.
Os kindergartens, jardins de infância em português, tiveram grande repercussão, seu
sucesso foi mundial, sendo esse termo traduzido para diversas línguas. Sua estrutura didática
se dá com a utilização de materiais denominados “presentes” ou “dons”, que, são o cubo e a
esfera subdivididos de várias formas, mosaicos e até pauzinhos. Nesta época já fica explícito a
necessidade da utilização de materiais e meios que auxiliem no desenvolvimento das crianças
pequenas. De acordo com Manacorda (1999, p.284), “[...] o trabalho, a atividade autônoma,
na criança, é o jogo; e é necessário apresentar materiais para ajudá-la e favorecê-la”.
14
No século dezoito, houve mudanças de grande importância para a sociedade da época,
como a Revolução Industrial3 e Francesa4. Devido a tais transformações, começou a ficar
evidente o interesse dos Estados na questão da educação primária, sendo que a educação
popular, até aquele momento, era de caráter totalmente caridoso por parte de instituições
privadas.
Após a escolaridade tornar-se obrigatória para a educação Primária, a sala de aula
passou a fazer parte das experiências de vida pela qual toda criança passaria.
Os primeiros Estados a introduzir a obrigatoriedade escolar fora, a Prússia, Áustria,
Saxônia e Baviera, entre 1763 e 1803. A escola não era gratuita, mas obrigatória. Sendo
assim, afastava as crianças, filhos de camponeses, que extraiam do trabalho parte da renda que
poderia ser, em alguns casos, de extrema importância para a sobrevivência da família. Devido
a isso a escola teve, por algum tempo, fama duvidosa.
Em 1779 na Alemanha, a pedagogia assumiu-se como uma disciplina universitária.
Coincidente ao seu surgimento notou-se mudanças nas práticas de ensinar, visando à
aprendizagem das crianças e exigindo também que fossem levados a pensar, diferentemente
dos objetivos anteriores que consistiam em mantê-las em silêncio e obedientes. De acordo
com Dussel e Caruso (2003, p.115), “Até então, a escola elementar tinha muito da creche
disciplinar, onde as pessoas soletravam, cantavam e às vezes, liam e contavam”.
Aproximadamente em 1800 começa a ser utilizado o método de monitoramento mútuo
ou lancasteriano, devido o nome de um de seus iniciadores Joseph Lancaster. Esse método se
baseava na utilização de alunos mais adiantados como auxiliares, possibilitando que um só
professor pudesse administrar uma sala com muitos alunos. Um dos materiais utilizados nessa
época eram as caixas de areia, onde escreviam o que era pedido (operações aritméticas ou as
letras). O método lancasteriano foi comparado com estruturas militares e com o
funcionamento de uma indústria.
Na Alemanha o método lancasteriano foi pouco difundido, lá os seguidores de
Comenio tinham mais força, entre eles Johann Heinrich Pestalozzi, que fundou várias escolas
e formulou processamentos sobre os conteúdos a ensinar, como o método experimental,
destacando a importância da observação e um método de questionamento. Defendia o método
experimental, destacando a importância da observação, desenvolveu também um método de
3
Trata-se de um conjunto de mudanças tecnológicas que causaram impacto no processo produtivo em nível
econômico e social. (DUSSEL e CARUSO, 2003).
4
Revolução Francesa foi um conjunto de acontecimentos que alteraram o quadro político e social da França.
(DUSSEL e CARUSO, 2003).
15
questionamento para a educação da percepção. De acordo Dussel e Caruso (2008, p.137),
“[...] Pestalozzi criava situações nas quais as crianças partiam de suas representações e idéias
„caóticas‟ ou „desordenadas‟ para iniciar-se na observação sistemática e em uma linguagem
cada vez mais complexa”.
Apesar de Pestalozzi ter se convertido em um mito da pedagogia, foi Johann Friedrich
Herbart que teve influência decisiva na composição da necessidade de um processamento
didático. Ele formulou uma “didática”, na qual indicava como estabelecer a educação de
acordo com a idade dos alunos e disciplinas.
Até metade do século XIX, houve diversas propostas educacionais ocorrendo
simultaneamente, no final do século e início do XX, ocorreu nas maneiras de se ensinar, uma
homogeneização. O Estado tomou para si a função de dirigir e controlar a educação,
estabelecendo regras para garantir que seria ensinado o que ele pré-estabeleceu.
De acordo com Dussel e Caruso (2003, p. 150-160):
[...] a pedagogia adquiriu uma força inusitada: transformada em “ciência e arte de
ensinar”, tornou-se a base dos dispositivos de controle e também a fonte de muitas
posturas de oposição. Com o objetivo de dominar demais participantes, diversas
pessoas e instituições juntavam-se para organizar e debater estratégias. Dessa
maneira nasce então, um campo pedagógico. (DUSSEL e CARUSO, 2003, p159160).
No final do século XIX e primeira década do século XX proliferaram as escolas
particulares que no mundo moderno, o aprender era visto como algo natural do
desenvolvimento da criança, como se ocorresse espontaneamente, sem o auxílio de nenhum
indivíduo. Surgiram, então, discussões dentro da pedagogia, uma delas, se a comunicação em
sala de aula deveria ser embasada de acordo com as características do pensamento infantil ou
de acordo com o que a sociedade pré-determinava. Para os reformadores da “escola nova”, a
organização da sala de aula deveria ser baseada na “natureza” infantil, afirmavam também
que se deve instigar o indivíduo (criança) a ser livre, autônomo, e criativo, não somente
ensiná-la e estimular suas funções intelectuais. Para outro grupo de pedagogos, denominados
“normalizadores” (destacavam a estruturação de normas), a sala de aula deveria dar-se de
acordo com as necessidades da sociedade.
A pedagogia normalizadora, inseriu importantes mudanças nos materiais da sala de
aula, primeiramente transformou-a em um espaço ao qual se reunia crianças com níveis
semelhantes de conhecimento, estabeleceu-se também que as carteiras dos alunos deveriam
ser feitas de acordo a elas, considerando sua estrutura física, e não para adultos, como ocorria
16
até então. De acordo com Caruso e Dussel (2008, p.186), “Compara-se esta carteira com a que
era utilizada nas escolas lancasterianas e será possível comprovar que se iniciava uma nova
era de configuração do espaço”.
As primeiras escolas novas surgiram no fim do século XIX, e em sua maioria eram
internatos para ricos. Como um movimento, a Escola Nova envolveu inumeráveis propostas,
correntes e expressões. Nomes como John Dewey, Maria Montessori, Ovídio Decroly, Jean
Piaget, entre outros, fizeram parte desse movimento. De acordo com Di Giorgi (1992, p.36),
“O ideal educacional de Dewey era que a educação se desse, o máximo possível, junto com a
própria vida: quanto mais se integrassem atividade escolar e demais atividades cotidianas,
melhor”. A Escola Nova, via na natureza infantil algo bom, flexível e variado e queriam que o
ensino fosse adaptado à natureza da criança. Segundo Dussel e Caruso (2003, p.224), “Os
reformadores da escola nova viam-se como advogados da criança, como responsáveis por sua
libertação”.
No Brasil a Escola Nova teve grande força, sendo sua pedagogia mais uma
psicopedagogia, onde o professor valoriza os interesses de cada indivíduo e nunca reprimia,
mas criava uma concordância entre as divergências que surgiam.
1.1-
A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL
Com o decorrer da era industrial no Brasil, houve maior necessidade de mão-de-obra,
apenas os homens não davam conta da necessidade crescente de trabalhadores nas indústrias,
foi desta forma que as mulheres começaram a ser inseridas no trabalho fora de casa. Em
decorrência disso, não havia com quem deixar seus filhos pequenos que precisavam de
cuidados e atenção. Uma das soluções que encontravam era pagar para que outras mulheres
tomassem conta dos seus filhos. Concomitantemente houve a abolição da escravatura (século
XIX) e acentuada migração da zona rural para a urbana, surgindo uma maior demanda de
soluções para os problemas relacionados com a infância. Os movimentos sociais passaram a
pressionar, exigindo meios para a solução dessa problemática. Foi nesse cenário que começou
a surgir a Educação Infantil (creches e pré-escolas), primeiramente apenas ligada aos cuidados
básicos das crianças, como a alimentação e higiene, sem nenhuma preocupação com o
intelecto. Nas palavras de Oliveira (2007, p.100-101):
O trabalho com as crianças nas creches tinha assim um caráter assistencialprotetoral. A preocupação era alimentar, cuidar da higiene e da segurança física,
17
sendo pouco valorizado um trabalho orientado à educação e ao desenvolvimento
intelectual e afetivo das crianças. (OLIVEIRA, 2007, p.100 - 101).
Na metade do século XX, as creches e pré-escolas passaram a ser mais procuradas,
pois a mulher estava atuando mais no mercado de trabalho, devido às necessidades criadas
pelo Capitalismo5.
A partir dessa crescente e intensa procura pela Educação Infantil no Brasil, surge uma
importante mudança para essa modalidade de ensino.
Segundo Oliveira (2007, p.102):
Uma mudança importante havia ocorrido, no entanto, no início desse período: a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional aprovada em 1961 (Lei 4024/61)
aprofundou a perspectiva apontada desde a criação dos jardins-de-infância: sua
inclusão no sistema de ensino. (OLIVEIRA, 2007, p.102).
Com o início do regime militar no Brasil, houve algumas alterações que refletiram na
educação, principalmente das crianças pequenas. Como afirma Oliveira (2007), durante o
governo militar, continuaram a divulgar a idéia de creche e pré-escola como meios sociais de
assistência às crianças carentes. Ou seja, a Educação Infantil voltou a ter caráter
assistencialista.
Ao término do regime militar, houve questionamentos por parte dos educadores
quanto à função e o trabalho realizado com a Educação Infantil, a fim de acabar com as
concepções assistencialistas, dessa maneira foi proposto um trabalho pedagógico enfocando o
desenvolvimento linguístico e cognitivo das crianças.
Em 1988, na elaboração da Constituição Federal, a educação das crianças de 0 a 6
anos passou a ser direito do cidadão e dever do Estado. Segundo MEC (2006, p.9), “Nesse
contexto, a proteção integral às crianças deve ser assegurada, com absoluta prioridade, pela
família, pela sociedade e pelo poder público”.
Marcando mais uma conquista para a Educação Infantil, em 1998 foi elaborado o
Referencial Curricular Nacional, formulado pelo MEC para definir os Parâmetros
Curriculares Nacionais, para uniformizar nacionalmente o que deve ser abordado nesse
segmento de ensino em todo o país.
A Educação Infantil, apesar de contar com mais de cem anos de história como
educação extradomiciliar e cuidados, somente nos últimos anos foi reconhecida como direito
5
Capitalismo é um sistema econômico em que os meios de produção e distribuição são de propriedade privada e
com fins lucrativos. (DUSSEL e CARUSO, 2003).
18
das crianças e dever do Estado. De acordo com o Ministério da Educação (2006, p.5), “Em
razão de sua importância no processo de construção do sujeito, a Educação Infantil [...] tem
adquirido, atualmente, reconhecida importância na Educação Básica”.
Apesar de todas as conquistas até agora, a Educação Infantil no Brasil ainda está se
“desenvolvendo”, e precisa de aperfeiçoamento. Por ser a “base”, ou seja, por ser onde se
inicia a educação escolar das crianças, deve se pautar pela qualidade e contar com
profissionais extremamente capacitados a fim de auxiliar no pleno desenvolvimento das
crianças pequenas. Como assegura o Ministério da Educação (2006, p.18), “As professoras e
professores e outros profissionais que atuam na Educação Infantil exercem um papel
socioeducativo, devendo ser qualificados especialmente para o desempenho de suas funções
com as crianças [...]”.
19
CAPÍTULO 2
UM OLHAR PARA ALGUMAS CONCEPÇÕES VIGOTSKIANAS
A escola que hoje se apresenta e o tratamento dado as crianças pequenas, é fruto do
desenvolvimento histórico e cultural, contudo esta pesquisa procurou focar as interações e
assim, algumas questões se tornaram preementes: como se dá a aprendizagem na criança?
Como a criança se desenvolve? Buscamos, então, fundamentar tais questionamentos na
abordagem histórico-cultural.
Sabendo que cada indivíduo se constitui dentro de sua cultura, é preciso garantir que
nela se promovam experiências de qualidade que possam efetivamente contribuir para o pleno
desenvolvimento da criança pequena, inclusive dentro da escola de Educação Infantil, através
de seu cotidiano, no convívio com as demais crianças e adultos, das quais elas aprendem e
compartilham seus conhecimentos.
A criança pequena desempenha vários papéis distintos, de acordo com a sociedade na
qual ela está inclusa, com diferentes culturas, religiões e políticas. Para os educadores é
preciso entender o contexto que seus alunos estão incluídos, bem como seus valores sociais,
experiências cotidianas, para poderem traçar os objetivos, atividades e estratégias adequadas
para atenderem essas crianças da melhor maneira possível.
Nas palavras de Oliveira (2007):
[...] o educador deve conhecer não só teorias sobre como cada criança reage e
modifica sua forma de sentir, pensar, falar e construir coisas, mas também o
potencial de aprendizagem presente em cada atividade realizada na instituição de
educação infantil. (OLIVEIRA, 2007, p124).
A fim de responder dúvidas referentes ao desenvolvimento humano, a psicologia
traçou diversas concepções, uma delas era o ensino tradicional, do qual o professor era o
centro do processo educativo e o detentor dos saberes, os alunos (crianças) eram um grupo de
indivíduos análogos, receptores passivos de conhecimentos e influências externas. A escola
tradicional via a criança como uma tabula rasa, como se fosse uma folha em branco, da qual
seria preenchida apenas pelos conhecimentos transmitidos por seus professores. Há também, a
concepção voltada ao inatismo, que valoriza os fatores hereditários, a maturação orgânica, e a
transformação espontânea das capacidades psicológicas do indivíduo à partir de
características que lhe foram transmitidas pelos pais. Em outra concepção acerca do
desenvolvimento humano, defendida por Vigotski, o ambiente é um elemento pelo qual o ser
20
humano se constitui, interagindo, modificando e também sendo modificado por ele. Essas
concepções geraram, dentro da Educação Infantil, alguns métodos e orientações nos quais há
a intervenção sobre a aprendizagem, ou seja, promovendo dessa maneira atividades de acordo
com a opção por um dos embasamentos teóricos.
2.1 - CONTRIBUIÇÕES DE VIGOTSKI
Vigotski, ao formular sua teoria histórico-cultural, apresenta afirmações que nos levam
a compreender de uma nova maneira a relação individual e social, quando admite que o
sujeito se constitui nas relações sociais, superando a divisão existente até então ele nos faz
compreender também, que o desenvolvimento psicológico se dá como uma “tomada de posse”
de formas culturais mais experientes.
Nessa concepção de Vigotski, o processo cultural é responsável pela construção do
pensamento e da individualidade, que se realiza através do uso de instrumentos e signos. O ser
humano, diferentemente dos animais utiliza-se de instrumentos que são construídos através
das relações sociais e do trabalho.
O instrumento é um elemento interposto entre o trabalhador e o objeto de seu
trabalho, ampliando as possibilidades de transformação da natureza. O machado, por
exemplo, corta mais e melhor na mão humana; a vasilha permite o armazenamento
de água. O instrumento é feito ou buscado especialmente para um certo objetivo. Ele
carrega consigo, portanto, a função para a qual foi criado e o modo de utilização
desenvolvido durante a história do trabalho coletivo. É, pois, um objeto social e
mediador da relação entre o indivíduo e o mundo. (OLIVEIRA, 2004, p.29).
O homem utiliza também os signos para auxiliar no desempenho de atividades
psicológicas mais complexas.
Signos podem ser definidos como elementos que representam ou expressam outros
objetos, eventos e situações. A palavra mesa, por exemplo, é um signo que
representa o objeto mesa; o símbolo 3 é um signo para a quantidade três; o desenho
de uma cartola na porta de um sanitário é um signo que indica “aqui é o sanitário
masculino”. (OLIVEIRA, 2004, p.30).
Os signos são apropriados pelo ser humano desde o nascimento, de acordo com a
cultura que está inserida e nas relações com sujeitos mais experientes. Nas palavras de Zilma
Ramos de Oliveira (2007, p.128), “As interações adulto-criança em tarefas culturalmente
21
estruturadas, com seus complexos significados, criam „sistemas partilhados de consciência‟,
culturalmente elaborados e em contínua transformação”.
Os instrumentos têm como função influenciar os objetos pelos quais os seres humanos
querem modificar, sendo assim ele opera externamente ao indivíduo, auxiliando-o. Já os
signos atuam nas atividades internas, auxiliando o indivíduo em seu próprio controle, atuando
assim internamente. De acordo com Vigotski (2007):
Na fase inicial o esforço da criança depende, de forma crucial, dos signos externos.
Através do desenvolvimento, porém, essas operações sofrem mudanças radicais: a
operação da atividade mediada (por exemplo, a memorização) como um todo
começa a ocorrer como um processo puramente interno. (VIGOTSKI, 2007, p.56).
A partir das interpretações que demais indivíduos atribuem às ações de um sujeito, é
que ele compreende o significado de sua própria ação, compartilhando-a com a cultura na
qual está inserido.
Inicialmente diante de um objeto inacessível, a criança apresenta movimentos de
alcançar e agarrar. Esses movimentos são naturalmente interpretados pelo adulto e,
por meio da ação deste, o objeto é “alcançado” pela criança. Com isso, os
movimentos da criança afetam a ação do outro e não o objeto diretamente. A
atribuição de significado que o adulto dá à ação da criança permite que este passe a
transformar o movimento de agarrarem gesto de apontar. O gesto forma-se pela
mudança de função e de estrutura dos movimentos, que deixam de conter os
componentes de agarrar. Uma ação dirigida ao objeto transforma-se num sinal para o
outro agir em relação ao objeto. E o gesto, com seu caráter comunicativo, é criado
na interação. Desse modo, a criança passa a ter controle de uma forma de sinal
(ainda rudimentar) a partir das relações sociais. (GÓES, 2001, p.21-22).
Através do uso dos signos, operações que aconteciam com sua mediação, passam a
suceder como um processo interno ao indivíduo, ocorrendo então, o processo de
internalização, que é a “reconstrução” de uma intervenção externa, que passa a ser apropriada
pelo indivíduo, ocorrendo internamente. Ou seja, os processos que ocorrem entre sujeitos
passam agora a ocorrer dentro deles.
Para explicar melhor o processo de internalização, Vigotski através de uma critica,
aborda a fala egocêntrica de Piaget, e a partir desta constata que a criança passa a falar para si
mesma, através de um processo interno, que tem como função organizar e guiar as ações do
indivíduo.
De acordo com Oliveira (2007, p.129), “A aquisição de um sistema linguístico dá
forma ao pensamento e reorganiza as funções psicológicas da criança, sua atenção, memória e
imaginação”. Dessa maneira a criança consegue “esquematizar” suas ações, expressar suas
vontades e sentimentos para os demais indivíduos.
22
Vigotski buscou compreender a relação entre o pensamento e a fala nos estágio
iniciais de desenvolvimento, não encontrando nenhuma interdependência em suas origens
genética, sendo assim, para ele ficou claro que tal relação é fruto do desenvolvimento
histórico e da consciência humana.
Pensamento e palavra não estão conectados por um elo primário, mas ao longo do
desenvolvimento do pensamento e da fala há uma conexão, que posteriormente se desenvolve
e modifica.
O significado das palavras é um fenômeno do pensamento que se estrutura por meio
da fala, nas palavras de Vigotski (2008), “O significado de uma palavra apresenta um
amálgama tão estreito do pensamento e da linguagem, que fica difícil dizer se se trata de um
fenômeno da fala ou de um fenômeno do pensamento.”
Ao analisar a interação entre pensamento e palavra, há de se fazer uma diferenciação
entre os níveis da fala, ou seja, seus aspectos, interiores e exteriores. A fala interior é para si
mesmo, já a fala exterior é dirigida para os outros.
Conclui-se que o pensamento está atrelado às palavras, e a relação entre ambas é um
processo vivo que surge no desenrolar do desenvolvimento. As palavras desempenham um
papel central tanto no desenvolvimento do pensamento como na evolução histórica da
consciência como um todo.
Como professora com experiência em educação infantil (maternal) foi possível
observar dentro de uma sala com alunos de 1 e 2 anos o “desabrochar” da fala a partir das
interações.
No início do ano, há alunos que já a apresentam desenvolvida, há outros que estão
começando a desenvolvê-la e há também aqueles que não falam. Para essa investigação o
campo empírico se deu em uma Pré-escola e procuramos evidenciar como as interações se
processaram entre aluno-aluno e aluno-professor.
A imitação também é outro meio pelo qual as crianças se apropriam, internalizando as
“ações” do meio onde vive. Elas imitam os pais, os amigos e a professores, aprendendo a
desempenhar vários papéis. Como assegura Vigotski (2007, p.7-8):
a experiência social exerce seu papel através do processo de imitação; quando uma
criança imita a forma pela qual o adulto usa instrumentos e manipula objetos, ela
está dominando o verdadeiro princípio envolvido numa atividade
particular.(VIGOTSKI,1984, p.7-8).
23
Dessa maneira, imitando, a criança não copia um exemplo, mas reconstrói as ações
realizadas por demais sujeitos. Ao imitar, elas passam por uma importante etapa para o seu
desenvolvimento.
As crianças podem imitar uma variedade de ações que vão muito além dos limites de
suas próprias capacidades. Numa atividade coletiva ou sob orientação de adultos,
usando a imitação, as crianças são capazes de fazer muito mais coisas. Esse fato, que
parece ter pouco significado em si mesmo, é de fundamental importância na medida
em que demanda uma alteração radical de toda uma doutrina que trata da relação
entre aprendizado e desenvolvimento em crianças. (VIGOTSKI, 2007, p.101).
Sendo assim, as funções psicológicas superiores acontecem primeiramente em
situações interpessoais (relações), para posteriormente serem intrapessoais (individual). O
desenvolvimento psicológico do indivíduo é alcançado graças às transformações que ocorrem
na “matéria prima” fornecida graças às interações sociais, sendo assim uma apropriação ativa
e não passiva.
Quando se trata de desenvolvimento infantil, primeiramente o que se busca verificar é
“o que a criança já consegue fazer”, observando assim seu desempenho em diversas tarefas e
se consegue realizar tarefas sozinha, sem nenhum tipo de ajuda. Essa capacidade de realizar
atividades independentemente é o que Vigotski denomina de “nível de desenvolvimento real”,
ou seja, são as etapas de desenvolvimento já alcançadas e firmadas pela criança.
Para compreender adequadamente o nível de desenvolvimento, não se deve considerar
apenas o nível de desenvolvimento real da criança, mas também suas capacidades de realizar
tarefas com ajuda de outros indivíduos mais experientes, que é denominado como “zona de
desenvolvimento potencial”.
Definindo a distancia ente as zonas de desenvolvimento real e potencial, Vigotski se
utiliza do conceito “zona de desenvolvimento proximal”. Nas palavras de Góes (2000, p.24),
“O que caracteriza o desenvolvimento proximal é a capacidade que emerge e cresce de modo
partilhado”.
A escola tem um papel de extrema importância, pois as interferências de outros
indivíduos, como professor e demais crianças, são essenciais para gerarem o desenvolvimento
do indivíduo. A aprendizagem é uma consequência desejada, dessa maneira o professor deve
intervir na zona de desenvolvimento proximal de seus alunos, promovendo avanços que se
não fossem por essa intervenção, não ocorreriam espontaneamente. Vigotski afirma que o
único bom ensino, é aquele que se adianta ao desenvolvimento.
24
A “boa” aprendizagem é aquela que consolida e, sobretudo cria zonas de
desenvolvimento proximal sucessivas. (GÓES, 2000, p.24).
Ao serem inseridas na escola, as crianças se deparam e convivem com diversos modos
de vida diferentes do seu, sendo assim de grande valia para seu desenvolvimento, pois
aprendem com seus amigos e demais adultos e contribui, também com a aprendizagem e
desenvolvimento deles.
Atos cooperativos, imitações, diálogos, disputas de objetos e mesmo brigas, entre
tantos outros, são grandes momentos de desenvolvimento [...] essas situações são
frequentes nas creches e pré-escolas, devendo os professores criar condições para
lidar positivamente com elas. (OLIVEIRA, 2007, p.141).
Através de tais relações, as crianças aprendem a fazer parte de um grupo, aprendem a
solucionar conflitos, a auxiliar o outro na resolução de algum problema, sendo de grande
importância para seu crescimento pessoal e do outro envolvido nesse processo de interação.
25
CAPÍTULO 3
PESQUISA DE CAMPO
Para investigarmos como ocorrem os processos interativos numa sala de aula, e suas
contribuições para o desenvolvimento e aprendizado das crianças, realizamos a gravação em
vídeo, de uma aula em uma pré-escola localizada na cidade de Capivari.
A turma do Pré I foi escolhida para a realização da pesquisa por serem as crianças
mais novas da instituição, excluindo-se as crianças da creche. Para a maioria dos alunos do
Pré I, excetuando-se os que frequentaram outras instituição nas salas de Maternal, e na creche,
é a primeira experiência na escola, tendo contato com indivíduos diferentes, que não
pertencem as suas famílias.
Para iniciar a pesquisa de campo, conversei com a diretora e a professora do Pré I,
explicando sobre a pesquisa e pedindo a elas autorização para executá-la, posteriormente foi
necessária a elaboração de autorizações para a realização das filmagens para ambas, que
deferiram.
A diretora informou ao supervisor de ensino da instituição sobre as filmagens, e o
mesmo solicitou a elaboração de um projeto, o qual foi enviado à Secretaria Municipal da
Educação, para que a secretária da educação ficasse ciente do propósito da pesquisa que seria
realizada a partir das filmagens. Inicialmente a secretária não autorizou, alegando que haviam
tido problemas anteriores com a divulgação de imagens de alunos. Somente após alguns
esclarecimentos junto à Secretária da Educação, ela autorizou que fossem realizadas as
filmagens.
Estando de posse das autorizações da diretora e da professora passamos a etapa
posterior: foi entregue aos alunos um folheto informativo, explicando o motivo pelo qual
seriam realizadas as filmagens. Após, seguiram as autorizações para serem preenchidas pelos
seus pais e ou responsáveis.
No dia agendado, foram realizadas as filmagens. Antes de iniciar a mesma, fui até a
frente da sala e expliquei aos alunos meus objetivos e o que iria acontecer, disse para que
fizessem suas atividades normalmente.
O vídeo, de aproximadamente 1 h 30 foi assistido diversas vezes, sendo necessário
voltar às imagens para que pudesse ser registrado exatamente a fala dos alunos e da
professora, cujos nomes, para este registro, foram alterados.
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Após a transcrição da aula filmada, foi necessário selecionar alguns trechos mais
interessantes para uma análise, relacionando as situações com as teorias e seus autores.
3.1 - ANÁLISES DA PESQUISA
1ª SITUAÇÃO:
A cada dia da semana, de acordo com a ordem alfabética, é designado um aluno para
ser o “ajudante do dia”, que tem como função entregar e recolher as atividades, apostilas e
cadernos aos demais alunos e ajudar a professora em diversas situações.
Na sala de aula, a professora questionou os alunos, sobre quais eram as letras do nome
do ajudante – OLAVO – que ela havia escrito na lousa.
Apontando para a letra V, a professora pergunta:
− (...) e agora essa letrinha aqui?
− V de vaca. Responde João.
− V de vaca, o que mais começa com V? Questiona a professora.
− Vaca! Respondem alguns alunos em coro.
− Já falaram vaca, o que mais? Indaga a professora.
− Boi! Diz Iara.
A professora aparentemente não ouve a fala da criança e continua a indagar,
indicando para responder outra aluna.
− Valentine! E essa letrinha aqui? Apontando para a letra O.
− Vagabunda! Diz Lívia.
−Ah, essa palavra é feia e não começa com O. Responde a professora e continua o
questionamento.
A atividade descrita acima era de rotina, portanto os alunos estavam familiarizados
com a situação. É interessante, pois a aluna Iara parece que não associa a letra V com seu
significado convencional de escrita, mas ao significado concreto do animal mencionado, pois
ela ainda não está alfabetizada, mas em processo de alfabetização, estando em contato mais
efetivamente com o mundo letrado, após sua inserção na escola, que é recente.
Segundo Luria (1998), “[...] a escrita pode ser definida como uma função que se
realiza, culturalmente, por mediação [...]”.
27
Dessa maneira, em tal situação a intervenção da professora se faz imprescindível para
o desenvolvimento e a aprendizagem da aluna.
Vigotski questionou por qual razão a escrita era tão difícil para as crianças, e concluiu
que: A falta de sonoridade e entonação, a necessidade de substituir palavras por imagens, a
necessidade de recriação e representação da situação, o interlocutor ausente, imaginário,
constituem circunstancias que tornam a escrita mais difícil. (VYGOTSKY, 1975 apud
SMOLKA, 1999, p.57).
Portanto os professores precisam fazer intervenções que contribuam para que as
crianças compreendam a escrita como um signo importante para a comunicação com os
demais, tornando a escrita mais fácil de ser compreendida.
Quando a aluna Lívia diz a palavra vagabunda, a professora a associa ao seu sentido
pejorativo, sendo assim, ela não explica a aluna que essa palavra apresenta outro sentido,
podendo ser entendida de diversas maneiras, apresentando polissemia. Outro ponto
importante é que a professora explica que a palavra não inicia com O, e silencia quanto ao
nome da letra. Durante as interações a professora pode optar por intervir na situação de várias
maneiras, e ela opta por uma de acordo com a situação imediata na interação. Nesse momento
fugaz nem sempre há tempo para distanciamento e reflexão sobre a melhor opção de
intervenção. Geralmente ela ocorre “quase” que de maneira automática.
2ª SITUAÇÃO:
Num determinado momento da aula, a professora pediu que o ajudante recolhesse dos
demais alunos os calendários que haviam pintado.
− Olavo, pode recolher.
− (...) vamo (vamos) logo! Diz o ajudante apressado.
− Ela não termino (terminou) de pinta (pintar) ainda. Responde uma amiga.
− Então pinta logo! Diz o ajudante bravo.
− (...) chato! Diz outra amiga.
O ajudante leva a sério sua função, e parece que do seu ponto de vista “assume a
autoridade que lhe é atribuída”. Seu modelo de seriedade com o trabalho é a professora, e ela
é exigente e cobra por parte deles responsabilidade. Dessa maneira o ajudante fica bravo com
a amiga que não havia terminado, pois do seu ponto de vista, já que os demais terminaram
suas “responsabilidades” que são as atividades ela também deveria ter terminado.
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A partir de um modelo observado, o aluno reproduz sua ação, imitando a postura em
situações semelhantes. Para Vigotski, é a partir da imitação que a criança aprende, e no
contexto escolar essa imitação adquire papel de suma relevância.
Nas palavras de Oliveira:
Ao imitar o outro, as crianças necessitam captar o modelo em suas características
básicas, percebendo-o em sua plasticidade perceptivo-postural, conforme se ajustam
a ele. Com isso decodificam o conjunto de impressões que captam do outro,
experimentando diversas possibilidades de ações no meio em que estão inseridas e
diferenciando os elementos originais trazidos para a situação presente. (OLIVEIRA,
2007, p.161).
Sendo assim, a criança se desenvolve e aprende ao observar e imitar as ações dos
adultos, ou demais crianças que fazem parte de seu cotidiano. Dessa maneira, o professor, em
seu cotidiano precisa estar ciente de suas ações, pois ele é um modelo no qual os alunos se
referenciam.
3ª SITUAÇÃO:
Todas as segundas-feiras, a professora pede aos alunos que relatem para ela e para os
demais colegas o que fizeram no final de semana. E pergunta:
− E a Lívia?
− Eu brinquei (...). Responde Lívia.
− Sente aqui Ana, nessa mesinha aí oh! Diz a professora.
− Lívia, o que a Lívia fez no final de semana? Perguntou a professora.
− Eu brinquei com meu pai (...). Responde a aluna.
− Oh, espera só um minutinho Lívia! Tem gente falando junto com o amiguinho, e tem
criança que fala baixo, então tem que ficar bem quietinho para ouvir. Não é uma vez de cada
um?! Então por que tem criança falando junto? Agora é a vez de quem? Da Lívia! Aí tem
criança falando junto! Tem que respeitar o amiguinho, não tem a regrinha aqui oh?! Respeite
o amigo?! Diz a professora.
Nesse episódio, podemos observar como a professora se comporta,
interrompendo diversas vezes a fala da aluna, no momento em que os demais se excedem na
conversa, chamando a atenção e orientando-os, pois dentre as suas funções está a de organizálos em sala e ensiná-los como se comportar.
A professora intervém apontando a necessidade de respeitar regras, mas ao fazêlo adota uma maneira específica de chamar a atenção dos alunos e essa maneira de agir do
29
professor pode ser considerada como currículo oculto, pois são situações que não estão
explícitas no currículo, mas que acontecem em sala de aula.
De acordo com Silva (2010):
O currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que,
sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita para
aprendizagens sociais relevantes [...] o que se aprende no currículo oculto são
fundamentalmente atitudes, comportamentos, valores e orientações [...]. (SILVA,
2010, p.78).
Apesar de o currículo oculto não ser considerado “formal”, tem grande
importância, pois é através dele que os alunos aprendem conceitos atitudinais importantes
para a vida em sociedade.
No relato transcrito há uma situação corriqueira nas salas de aula, pois a
professora (única representante adulta) interage com um grupo de alunos e eles têm
necessidade de externar suas ansiedades, de compartilhar experiências e acabam
transgredindo as regras. A professora tem que ao mesmo tempo encaminhar a pergunta, ouvir,
realizar as intervenções adequadas, incluindo-se as questões relativas às atitudes de cada
aluno.
Ainda nessa situação, a professora demonstra sua seriedade ao repreender os
alunos por estarem atrapalhando a fala da colega, contudo ao fazê-lo interrompia a fala da
aluna e isso é também uma atitude que pode ser imitada, se a consideramos como parte do
currículo oculto.
4ª SITUAÇÃO:
Seguindo os questionamentos sobre o que fizeram nos finais de semana, a
professora pergunta:
− E o André? O que o André fez nesse final de semana?
− Eu fui, fui lá na festa perto da minha casa, e daí,a ti, daí a tia deu um saco de brinquedo pra
mim de doce, e aquele negocinho lá, e um negócio de brinca, só que é de matá. Diz André.
− O que era? Perguntou a professora.
− Aquele lá malelo (amarelo) e lalanja (laranja), brinca de cololido (colorido). Respondeu o
aluno.
− Balão? Não é balão não?! Questiona a professora.
− É um negócio de matá! Afirma André.
− De matar, mas o que é? Como que chama? Pergunta a professora.
30
− É negócio de matá! Insiste André.
− É?! Você não sabe o nome? Quer saber a professora.
− É uma arma, uma arma! Dizem os demais alunos.
− Mas... colorido? Pergunta a professora.
− Uma arma! É uma arma! Reafirmam os demais alunos.
Nessa situação o aluno tenta contar para a professora e colegas qual era o
brinquedo que viera na sacola surpresa da festa. O aluno descrevia-o, pois tinha uma imagem
mental do mesmo, mas não conseguia expressá-lo através da fala, e articulava como se os
demais também pudessem ver o objeto. Esse aluno apresenta alguns problemas em sua fala,
com relação aos demais alunos, como por exemplo, quando ele cita as cores do brinquedo
(malelo, lalanja e cololido). Supondo que não haja nenhum problema físico, esse aluno
através das interações com os demais, possivelmente perceberá que está falando errado e
passará a falar corretamente. Dessa maneira, com a colaboração dos colegas e professora, será
possível que ele desenvolva a fala e aprenda. Neste caso as interações entre os próprios
colegas poderia atuar na zona de desenvolvimento proximal, que consiste na distancia entre o
que a criança já consegue fazer sozinha, e o que ela faz com a ajuda de um companheiro.
Segundo Carvalho (1996), “via interação com parceiros mais experientes, o
aprendizado estimula e desperta vários processos de desenvolvimento que, uma vez
realizados, criam novos patamares para o aprendizado.”
Ou seja, o ambiente em que a criança está inserida, e as interações que lhe são
proporcionadas com os demais indivíduos da sociedade, em diversas situações é que
contribuem para seu desenvolvimento e aprendizagem.
5ª SITUAÇÃO:
No final de semana anterior à gravação, houve dois eventos importantes para os
alunos, a festa junina da escola e a vacinação. A partir disso, a professora questionou os
alunos sobre quais foram os eventos ocorridos no final de semana.
− Oh, no sábado, o que teve no sábado além da festinha? Pergunta ela.
− Teve cuscuz, teve pastel! Responde Daniela.
− Doce! Diz Iara.
− Não! Além da festinha o que teve durante o dia? Onde vocês tiveram que ir durante o dia?
Pergunta a professora.
− Vacina! Responde Olavo.
31
− Pra tomar vacina! Todos aqui foram tomar vacina? Pergunta a professora.
− Então durante o dia, foi dia de vacinação no sábado, né?! E a noite? O que teve à noite?
− Festa junina!Diz Daniela.
− O que tinha aqui na festa junina?
− Doce! Responde uma aluna.
− O que mais que tinha? Quis saber a professora.
− Pizza! Diz Lívia.
− E além de todas essas coisas de comer, o que mais tinha? E as danças?
− Ficou linda né?! E além da dança teve exposição dos trabalhinhos, vocês viram o nosso
cartaz aqui fora? Aquele que fizemos do riozinho sujo! Então, tudo que estava lá, estava
falando sobre o que? Sobre o meio ... ambi... Diz a professora.
− ente! Respondem todos os alunos.
Num primeiro momento desse trecho, alguns alunos ficam um pouco confusos,
apesar de a professora ter dito que era algo além da festa junina, pois aparentemente para a
maioria deles esse foi o fato importante do final de semana. Logo em seguida, a professora
muda o que estava falando e aí sim se refere à festa, não deixando claro para os alunos seu
objetivo.
Quando a professora muda de assunto, questionando os alunos sobre o tema do
projeto no qual realizaram suas atividades, somente com sua intervenção, dando indícios e
iniciando a palavra é que os alunos conseguiram deduzir qual era a resposta esperada.
A intervenção dos professores, indivíduos mais experientes da sociedade e da
cultura, se torna fundamental para o desenvolvimento e aprendizagem dos alunos, e é na
escola que tais situações se dão.
De acordo com Fontana e Cruz (1997):
Na escola [...] as relações de conhecimento são intencionais e planejadas [...]. A
professora acompanha a criança: orienta sua atenção, destacando elementos das
situações em estudo considerados relevantes à compreensão dos conhecimentos nela
implicados [...]. (FONTANA e CRUZ, 1997, p.66).
Sendo as atividades escolares planejadas pelas professoras, elas devem
proporcionar aos alunos situações atrativas para os alunos e que contribuam qualitativamente
em seu desenvolvimento.
32
6ª SITUAÇÃO:
Os alunos começam as atividades da apostila com o auxílio da professora. Essas
atividades estavam entrelaçadas com a leitura de um livro, no qual (assim como a apostila)
havia diversos animais. Num certo momento da atividade, havia a necessidade de realizar
recortes e colagens na apostila, então a professora os alerta:
− Agora eu vou passar na mesinha de vocês, eu vou arrancar o anexo doze. Vocês vão lá no
final da apostila, vão procurar esse anexo para mim, daí eu já passo arrancando, oh!? Depois
eu vou passando cola.
− Prestem atenção, eu vou passar cola, mas não pode colar antes, e aquela turma lá vai esperar
que eu vou passar, por turma.
Nessa situação a professora alerta os alunos diversas vezes sobre o que ela fará
(tirar a página da apostila e passar a cola na atividade), e em seguida, passa em todas as mesas
executando tal ação. Podemos supor que a professora, em sua interpretação, acredita que os
alunos ainda não conseguiriam realizar essa tarefa sozinhos, e precisariam ainda de sua ajuda.
As intervenções da professora são de grande valia, pois dessa maneira ela auxilia
no desenvolvimento do trabalho, para que os alunos aprendam como devem fazer e que
possam assim executar posteriormente de maneira correta.
De acordo com Fontana e Cruz (1997), Vigotski destaca:
[...] a educação escolarizada e o professor têm papel singular no desenvolvimento
dos indivíduos. Fazendo junto, demonstrando, fornecendo pistas, instruindo, dando
assistência, o professor interfere no desenvolvimento proximal de seus alunos,
contribuindo para a emergência de processos de elaboração e desenvolvimento [...].
(FONTANA e CRUZ, 1997, p.66).
Por ser na escola, onde as crianças convivem com maior número de indivíduos, e
por ser sua função ensinar as crianças, é lá que ocorrem as situações nas quais mais
influenciam no efetivo desenvolvimento das crianças, e, por conseguinte em sua
aprendizagem.
33
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em todo esse trabalho buscamos compreender como ocorrem os processos interativos
na educação infantil e suas contribuições para a aprendizagem e desenvolvimento das
crianças.
Iniciamos, através da pesquisa bibliográfica, uma revisão sobre como a educação das
crianças pequenas era mostrada, desde as civilizações tribais até o período mais recente. Foi
possível observar que desde os tempos antigos, as crianças, através das interações,
observavam e imitavam ações dos demais membros da sociedade em que estavam inseridas,
reproduzindo - as.
A Imitação dos indivíduos de suas tribos, ou dos grandes heróis que os precederam,
evidencia, que as interações sociais estiveram sempre presentes, desempenhando um
importante papel desde os primórdios das civilizações, pois as interações sociais podem ser
conceituadas como a maneira pelo qual os sujeitos aprendem no simples fato de conviver com
demais indivíduos que se encontram a sua volta.
De acordo com Giddens (2005, p.84):
A interação social depende de uma sutil relação entre o que expressamos em
palavras e o que transmitimos por meio de numerosas formas de comunicação nãoverbal – a troca de informação e de sentido através de expressões faciais, gestos e
movimentos corporais. Às vezes, a comunicação não-verbal é apontada como
“linguagem corporal”, mas isso é ilusório, pois usamos essas pistas para eliminar ou
expandir o que é dito por meio de palavras. (GIDDENS, 2005, p.84).
Buscamos compreender através da abordagem histórico-cultural, cujo principal
expoente foi Vigotski, como ocorrem os processos de aprendizagem e desenvolvimento nos
indivíduos através da imitação e das interações sociais.
Nas palavras de Góes (2000, p.25):
Não se trata, pois, de um sujeito passivamente moldado pelo meio. Por outro lado,
posto que há uma necessária interdependência nos planos inter- e intra – subjetivo, a
gênese de seu conhecimento não está assentada em recursos só individuais,
independentes de mediação social ou dos significados partilhados. O sujeito não é
passivo nem apenas ativo: é interativo. (GÓES, 2000, p.25).
Através da pesquisa de campo foi possível observar como se dão as interações em uma
sala de aula e o quanto elas influenciam e contribuem para a aprendizagem. Através dela
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ressaltamos a importância do professor e especialmente das suas intervenções e
silenciamentos nas diversas situações.
Por ser a base do ensino escolar, a educação infantil deve propiciar aos alunos um
ambiente estimulante, interferindo sempre na zona de desenvolvimento proximal das crianças,
pois é nessa fase da vida que ocorrem os processos mais significativos para a aprendizagem e
desenvolvimento das mesmas.
Nas palavras de Vigotski (2007, p.103):
[...] um aspecto essencial do aprendizado é o fato de ele criar a zona de
desenvolvimento proximal; ou seja, o aprendizado desperta vários processos
internos de desenvolvimento que são capazes de operar somente quando a criança
interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus
companheiros. (VIGOTSKI, 2007, p.103).
O professor tem que planejar suas aulas, bem como suas atividades, não se esquecendo
de estar atento às suas ações e falas, pois ele é uma referência importante, um modelo que as
crianças tem e que imitam nas diversas situações do dia-a-dia, podendo internalizá-las e
apropriar-se delas.
De acordo com Oliveira (2004), “É como se o indivíduo [...] “tomasse posse” das
formas de comportamento fornecidas pela cultura, num processo em que as atividades
externas [...] transformam-se em atividades internas, intrapsicológicas.”
Dessa maneira a criança absorve as informações e ações aprendidas através do contato
com o outro, o que antes ocorria externamente, passa a acontecer internamente.
Segundo Vigotski (2007), “Uma operação que inicialmente ocorria externamente é
reconstruída e passa a ocorrer internamente. É de particular importância para o
desenvolvimento dos processos mentais superiores”.
Concluindo, o ambiente em que a criança está inserida, bem como as intervenções
realizadas nas diversas situações cotidianas são fundamentais para sua formação como sujeito
social. Como o papel da escola é o de ensinar e promover a aprendizagem dos alunos, a
mesma, bem como a sala de aula deve ser estimulante e repleta de situações nas quais as
interações sejam significativas. A interação pode ocorrer de diversas formas, através da fala,
do silêncio, de um gesto, um olhar, ou uma expressão facial/corporal.
É importante destacar que Vigostki afirma que o pensamento e a palavra não são
ligados por um elo primário e que também seria um erro considerá-los como dois processos
independentes, que se cruzam em determinados momentos. Para ele, ao analisar essa relação
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seria necessário pensar através de unidades que contemplassem as propriedades do todo e essa
unidade do pensamento verbal seria o significado das palavras.
Nas palavras de Vigotski (2008, p.151):
O significado das palavras é um fenômeno de pensamento apenas na medida em que
esta é ligada ao pensamento ganha corpo por meio da fala, e só é um fenômeno da
fala na medida em que esta é ligada ao pensamento, sendo iluminada por ele. É um
fenômeno do pensamento verbal, ou da fala significativa – uma união da palavra e
do pensamento. (VIGOTSKI, 2008, p.151).
Estudos demonstraram que o significado das palavras se modifica, de acordo com o
desenvolvimento da criança, se tais alterações ocorrem, a relação entre pensamento e palavra
também mudam.
De acordo com Vigotski (2008, p.156, 155):
[...] a relação entre pensamento e a palavra não é uma coisa mas um processo, um
movimento contínuo de vaivém do pensamento para a palavra, e vice-versa. Nesse
processo, a relação entre o pensamento e a palavra passa por transformações que, em
si mesmas, podem ser consideradas um desenvolvimento no sentido funcional. O
pensamento não é simplesmente expresso em palavras; é por meio delas que ele
passa a existir. (VIGOTSKI, 2008, p.156, 155).
Destaca-se então, a importância de a criança estar inserida num ambiente com demais
sujeitos, interagindo com eles, podendo auxiliá-los em diversas situações e estimulando, dessa
maneira, o processo de aprendizagem.
Neste trabalho, cuja pesquisa empírica foi embasada nas análises das gravações de
uma sala de educação infantil e ter priorizado a interação a partir da fala, não poderia deixar
de abordar a visão de Vigotski sobre a aquisição da fala, e sua relação com o pensamento e a
palavra. De acordo com seus estudos a fala e o pensamento também são produtos culturais e
que apresentam extrema importância no ato de se comunicar e interagir com os demais
indivíduos.
A sala de aula, por ser um ambiente de educação sistematizada, deve privilegiar as
interações para que estas contribuam qualitativamente para a formação das crianças, portanto,
professor deve estar atento às interações (suas e dos outros), pois suas intervenções e até
silenciamentos afetam na constituição dos sujeitos, seus alunos.
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