CAMPANHA NACIONAL DE ESCOLAS DA COMUNIDADE FACULDADE CENECISTA DE CAPIVARI – FACECAP – CURSO DE PEDAGOGIA – PROCESSOS INTERATIVOS NUMA SALA DE AULA DA EDUCAÇÃO INFANTIL LARISSA BORGES BENEDITO Capivari, SP 2011 CAMPANHA NACIONAL DE ESCOLAS DA COMUNIDADE FACULDADE CENECISTA DE CAPIVARI – FACECAP – CURSO DE PEDAGOGIA – PROCESSOS INTERATIVOS NUMA SALA DE AULA DA EDUCAÇÃO INFANTIL Monografia apresentada ao Curso Pedagogia da FACECAP/CNEC Capivari, para obtenção do título de pedagoga, sob a orientação da Profª. Ms. Ivanete Menegon Waldmann LARISSA BORGES BENEDITO Capivari, SP 2011 FICHA CATALOGRÁFICA Benedito, Larissa Borges Processos interativos numa sala de aula da educação infantil/ Larissa Borges Benedito. Capivari-SP: CNEC, 2011 38p. Orientadora: Profª Ms. Ivanete Menegon Waldmann Monografia apresentada ao curso de Pedagogia. 1. Infância. 2. Educação Infantil. 3. Processos Interativos. I. Título CDD 370 Dedico esse trabalho a todas as crianças com as quais pude conviver, aprender e amar nesses três anos de caminhada durante minha formação inicial como professora. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus pela minha vida e por todas as boas experiências que tive. Sou muito grata também aos meus pais Valquíria e César, que sempre se sacrificaram e fizeram tudo que tinham ao alcance para que eu pudesse ter as oportunidades que eles não tiveram. Agradeço também aos meus familiares e ao meu namorado Paulo pela paciência, compreensão e incentivo durante todo esse percurso até aqui. Não posso deixar de agradecer minha professora orientadora, Profª Ms. Ivanete Menegon Waldmann, que esteve sempre pronta e disposta a me ajudar, tirando dúvidas, sugerindo e intervindo sempre que preciso para que este trabalho fosse de qualidade. Também quero agradecer a todos os professores que contribuíram com a minha formação e a todos os colegas com os quais compartilhei angústias e alegrias. BENEDITO, Larissa Borges. Processos interativos numa sala de aula da educação infantil. Monografia de Conclusão de Curso. Curso de Pedagogia. Faculdade Cenecista de Capivari – CNEC. 38 p., 2011. RESUMO A presente pesquisa teve por objetivo investigar como ocorrem os processos interativos numa classe de educação infantil, e suas contribuições para o desenvolvimento e aprendizado das crianças. Para isso, procuramos abordar brevemente a história da educação, desde o início de sua historicização, buscando compreender como era a educação das crianças pequenas nos diversos períodos históricos e como se deu o surgimento da educação infantil no Brasil. Embasadas na teoria histórico-cultural, investigamos como ocorrem os processos de interação a fim de contribuir para a aprendizagem e desenvolvimento dos sujeitos envolvidos. Para essa investigação realizamos pesquisas bibliográficas, análises e transcrição de situações gravadas em vídeo de uma sala de Pré-escola. Portanto, embasadas na pesquisa bibliográfica e na empírica, compreendemos que sendo a escola “lócus” de educação sistematizada, os professores devem cuidar para que as interações contribuam qualitativamente para a formação das crianças. Palavras-chave: 1. Infância. 2. Educação Infantil. 3. Processos interativos. SUMÁRIO Introdução.................................................................................................................................. 8 1 – Infância e Educação Infantil nos períodos históricos......................................................... 10 1.1 – A histórica da Educação Infantil no Brasil.......................................................... 17 2 – Um olhar para algumas concepções Vigotskianas............................................................. 20 2.1 – Contribuições de Vigotski................................................................................... 21 3 – Pesquisa de Campo............................................................................................................ 26 3.1 – Análises da Pesquisa........................................................................................... 27 Considerações Finais............................................................................................................... 34 Referências............................................................................................................................... 37 INTRODUÇÃO A Educação Infantil, nem sempre foi vista como uma passagem importante para o desenvolvimento das crianças pequenas. As pessoas também não tinham um olhar voltado para a criança e suas peculiaridades. Somente no século XIX muda-se a visão que se tinha da infância e com essa ressignificação, os adultos passam a dar maior importância aos cuidados e instrução a elas destinada. A convivência e interação entre as crianças e crianças e professores que ocorrem dentro das salas de aula de Educação Infantil, são fundamentais para a formação do sujeito, pois é nessa fase da vida que ocorrem os processos mais eficazes de desenvolvimento. É também nessa fase escolar que a fala egocêntrica transforma-se, dando espaço à fala interior se desenvolver. A fala egocêntrica consiste em um estágio de mudança para a fala interior desempenhando um papel essencial na atividade mental da criança e na organização de seu pensamento. De acordo com Vigotski (2008, p.166), “[...] a fala egocêntrica é um fenômeno de transição das funções interpsíquicas para as intrapsíquicas, isto é, da atividade social e coletiva da criança para a sua atividade mais individualizada”. Ou seja, de acordo com a abordagem histórico-cultural, tudo que a criança aprende através das interações com demais membros da sociedade são fundamentais para seu desenvolvimento, sendo a escola grande colaboradora para que isso aconteça. Com este trabalho pretendemos investigar como ocorrem os processos interativos numa sala de aula, e suas contribuições para o desenvolvimento e aprendizado das crianças de uma classe de pré-escola localizada na cidade de Capivari. Para isso pesquisamos como era a relação entre professor e alunos e alunos-alunos ao longo da História da Educação; como a criança se apropria dos conhecimentos através dos processos interativos e a análise das interações entre os sujeitos durante um período de aulas. Como procedimento metodológico, utilizamos pesquisas bibliográficas e de campo, realizamos gravações em vídeo de interações numa sala da Pré-escola, as quais foram analisadas, transcritas e interpretadas. No primeiro capítulo abordaremos como a criança pequena era educada nos períodos históricos. É possível observar a diferença que houve entre esses períodos, nos quais a educação infantil não tinha um olhar específico e como foi sendo modificada essa visão até chegar aos dias atuais, momento em que a infância é cercada de atenção (cuidados) e preocupações com o seu cuidar, mas também com sua aprendizagem e desenvolvimento. 8 O segundo capítulo aborda a visão histórico-cultural de Vigotski1, que trouxe grandes contribuições para a compreensão de como se dá os processos de aprendizagem e desenvolvimento dos indivíduos através das interações sociais. Finalizando, no terceiro capítulo, serão apresentadas análises a partir de filmagens de uma sala de Educação Infantil, podendo assim observar quais as contribuições que frequentar essa modalidade de ensino traz para o desenvolvimento infantil. Nas considerações finais buscamos, evidenciar como ocorreram os processos interativos numa sala de aula específica e indiretamente ressaltamos o papel do professor e dos vários outros sujeitos em interações cotidianas, analisadas à luz do referencial históricocultural de Vigotski e seus interlocutores. Nestas considerações mostramos como as interações cotidianas podem influenciar (positiva ou negativamente) na formação do sujeito. 1 Neste trabalho optou-se pela grafia Vigotski (letra “i”). Porém, em casos de citação e referência dos autores lidos a grafia estará de acordo com as obras consultadas. 9 CAPÍTULO 1 INFÂNCIA E EDUCAÇÃO INFANTIL NOS PERÍODOS HISTÓRICOS: “O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa” (VIGOTSKI, apud FONTANA, 2000, p.11). Pensando nos ecos que a história nos traz, pesquisamos como ao longo do tempo a pré-escola que hoje se apresenta foi sendo constituída. Nas sociedades tribais a educação era de responsabilidade de todos os integrantes da tribo, portanto, a criança tinha a possibilidade de observar muitos modelos, passando assim a imitá-los inconscientemente em situações do cotidiano. A criança nas tribos selvagens e bárbaras, brinca com imitações, em miniatura, dos instrumentos usados pelos adultos. Seus passatempos e jogos são, igualmente, tão-só imitações das atividades da vida adulta [...] O segundo estádio fase dessa educação, realizada é consciente. Ambos, então, menino e menina, participam das atividades dos adultos e aprendem por imitação, porque se passa a exigir deles o trabalho. Esta exigência por parte do adulto não tem o objetivo de educar a criança, mas, sim, o de obter resultados do trabalho. (MONROE, 1970, p.1-2). Na antiguidade oriental, após a segregação por classes sociais, a classe dominante tinha acesso ao saber, a população constituída por artesãos, lavradores e comerciantes não tinham o mesmo acesso e não possuíam os mesmos direitos políticos. Já a grande massa era excluída da escola e tinha apenas a educação familiar. Nos primórdios da educação na Grécia antiga, nos primeiros sete anos de vida da criança, a educação ficava ao encargo de suas famílias, dentro de suas tradições religiosas. Segundo Manacorda (1999, p.52), “Logo que a criança começa a entender, nutriz, mãe, pedagogo e o próprio pai fazem de tudo para que ela se torne o quanto mais possível ótima”. Em Atenas as crianças eram entregues aos cuidados das amas e escravos, e em Esparta era a própria mãe quem se encarregava da educação de seus filhos pequenos. Segundo Monroe (1970, p.41): Uma fase mais interessante da vida da criança, antes de iniciar-se a série de exercícios físicos na vida da escola, é ilustrada pela literatura grega, que menciona ou descreve uma lista muito extensa de jogos para crianças, incluindo praticamente todos os que temos hoje. No lar, na rua, no campo, a primeira educação da criança, naquela época como agora, era proporcionada inconscientemente. (MONROE, 1970, p.41). 10 A criança e sua educação eram vistas de modo diferente da visão que temos hoje, a educação escolar começava a partir dos sete anos, e nos livros, geralmente não se enfatiza a educação infantil. A educação grega esteve sempre centrada em uma formação integral, do corpo e do espírito. As primeiras escolas começaram a aparecer após o surgimento das póleis, com o objetivo de atender a grande demanda de “estudantes”. Na educação romana, o lar era o centro da educação, ou seja, quem se encarregava da educação dos filhos eram os pais, dessa maneira não houve por muito tempo nenhuma forma de educação sistematizada para as crianças pequenas. As próprias mães eram incumbidas de cuidar de seus filhos e lhes ensinavam a falar e escrever, utilizando se de métodos conhecidos e praticados até hoje, como as letras móveis. A atenção com a educação da criança pequena também teve um olhar diferente, específico e contando com brinquedos e jogos que auxiliavam no seu desenvolvimento. Segundo Manacorda (1999, p.75-56): [...] a criança crescia em casa e com os colegas, entre brinquedos e as primeiras aprendizagens, dos quais ficaram muitos escritos e iconográficos. [...] Entre os jogos, por exemplo, Horácio enumera a brincadeira de construir casinhas, de amarrar ratos a um carrinho, de tirar par ou ímpar, de andar a cavalo em uma cana; Pérsio lembra o jogo das nozes e, até, o parar de brincar como sinal do fim da infância; sabemos que se brincava de mora, de pião, e de aro empurrado por um bastãozinho. Existiam também jogos de reflexão como a dama, o xadrez, os astrágalos e os dados; outros jogos, como a altilena, a cabra-cega, a raia, talvez tenham sido importados da Grécia. (MANACORDA, 1999, p.75-76). Após os sete anos de idade, era o pai quem se encarregava de forma mais direta de seus filhos, onde posteriormente a educação passa a ser entregue aos especialistas. A educação romana teve como método a imitação, já que as crianças aprendiam ao imitar seus pais, demais antepassados e heróis dos quais tinham conhecimento através de histórias e lendas. Durante a Idade Média no Ocidente, houve o predomínio de uma visão teocêntrica (Deus como centro do universo), tendo como finalidade a formação cristã. Durante esse período a Igreja católica estava no topo da pirâmide social, detendo assim o poder. Suas técnicas de ensinar determinavam os passos do trabalho escolar de maneira de pensar rigorosa e formal. Das instituições de educação existentes na Idade Média eram as universidades que desempenhavam o papel mais importante, onde ensinavam somente latim, lógica e retórica. Os que frequentavam as universidades eram apenas a minoria da população. 11 As universidades não tinham locais próprios e fixos para funcionar. Segundo Dussel e Caruso (2003, p.49), “Inicialmente, as universidades eram itinerantes, e funcionavam „por empréstimo‟ em instituições eclesiásticas ou casas particulares”. A partir da necessidade dos estudantes da época, (principalmente os oriundos da zona rural) de um lugar para dormir, surgem aproximadamente no século XV, os internatos. As salas de aula eram o que chamamos hoje de multisseriada, pois seu objetivo não era a educação infantil, podendo ser considerada como uma educação para formação de sacerdotes. Não havia um método voltado para o ensino das crianças, já que a infância como concebemos hoje não existia na Idade Média. A igreja católica, por muito tempo, foi detentora de poder e dos saberes. Os intelectuais eram os clérigos e a população não tinha acesso ao conhecimento, mantendo-se assim ignorantes e sendo facilmente manipuladas pelo que a igreja impunha. Martinho Lutero, que foi Clérigo católico e ensinou teologia, não concordava com muitos dos preceitos da Igreja Católica e formulou então 95 teses contra algumas práticas da mesma. Muitas pessoas se posicionaram a favor de Lutero, e foram denominados protestantes (porque protestaram contra a Igreja Católica) e havia as pessoas que se mantinham fiéis a Igreja Católica, passando assim a haver uma divisão de crenças. Foram anos de disputas, pois a Igreja Católica não queria perder seus fiéis que lhes legitimavam o poder, até que se chegou a um momento em que religião passou a ser uma escolha “pessoal”. Lutero não queria que os fiéis seguissem a religião sem questionar, somente por medo do pecado, mas que eles compreendessem e fossem conscientes do motivo pelo qual não deveriam tomar certas decisões. Com o intuito de que os fiéis conseguissem ler e interpretar a Bíblia, ela foi traduzida. Lutero então escreveu um documento pedindo auxílio a todas as cidades solicitando que fossem fundadas escolas cristãs, nas quais ensinariam aos alunos a fé em Cristo e a ler, deixando a escrita como encargo dos ensinos superiores. Dessa maneira o protestantismo deu impulso à Pedagogia. Em 1534 é fundada dentro da igreja católica, a Companhia de Jesus, que se encarregou da educação, tentando recuperar os fiéis que foram perdidos com a Reforma Protestante. Fundaram inúmeras escolas e universidades por toda Europa, difundindo-se também em suas colônias, através da catequização dos seus nativos, como ocorreu com os índios que se encontravam no Brasil na época do “descobrimento”. 12 No final da Idade Média começa a surgir o “espaço” sala de aula e com ela as dúvidas de como se deve proceder. O pastorado é o primeiro modelo que surge, onde se pensavam nos alunos como um rebanho, e os professores, os pastores que os lideravam. Segundo Dussel e Caruso (2003, p.64): Na visão de um grupo de crianças como um “rebanho”, estabelece-se um tipo de conduta, uma forma de liderar a situação que denominamos “sala de aula”, que tenta articular-se e vincular-se com essa conduta de si mesmo baseada na boa ou má consciência: o poder pastoral. (DUSSEL e CARUSO, 2003, p.64). Um fato de grande importância durante o Renascimento é o aparecimento dos colégios, onde a educação visava à formação moral de seus alunos, não se restringindo apenas a transmissão de conhecimentos. Como nos períodos anteriores, a grande massa popular continua excluída da escola. A educação na Idade Moderna passa por uma contradição, as escolas continuam fornecendo uma educação conservadora que, em sua grande maioria, estava nas mãos dos jesuítas e por outro lado há a aspiração por uma educação universal. Em 1599 os jesuítas elaboram o Ratio Studiorum2, após décadas de preparação, baseada em suas experiências na área escolar, já que a escolarização foi uma de suas tarefas preferidas. Na sala de aula jesuíta, os conteúdos ensinados eram clássicos literários, falava-se apenas o latim e o docente trabalhava com conteúdos de memorização. Eles foram os primeiros a utilizar as notas escolares incentivado assim a competição. No Brasil a atuação da Igreja Católica na educação foi mais forte e duradoura do que na Europa. Surge então outro reformador religioso, Jan Amos Comenio, que escreveu diversas obras das quais, a mais importante foi a Didactica Magna que estruturou a sala de aula moderna. Comenio se baseava em uma ordem natural e acreditava que imitando a natureza seria possível chegar à perfeição. Ele também sugeriu que as salas de aula fossem locais iluminados, limpos e agradáveis, diferentemente de como eram na época, mas suas propostas pedagógicas não se concretizaram por completo. No século XVII surge a fundação de escolas para pobres, incentivado por Juan Bautista La Salle, que escreveu um manual para professores, transformado em um texto de orientação pedagógica e introduziu também a língua materna como a primeira língua de ensino, pois até então o ensino era ministrado em latim. Segundo Dussel e Caruso (2003, 2 Ratio Studiorum é uma regulamentação da pedagogia jesuítica, que foi elaborada ao longo de décadas a partir de experiências acumuladas na área escolar. (DUSSEL e CARUSO, 2003). 13 p.87), “A partir desse momento, a maior parte das experiências escolares elementares foi realizada nas línguas maternas [...] e o latim passou a ser um conteúdo da educação de nível superior”. La Salle utilizou várias formas individualizadoras de disciplina como a dos jesuítas, mas percebeu também a importância do momento coletivo. Com a Idade Contemporânea, no século XIX, Robert Owen, capitão de indústria abre juntamente à sua fábrica, o “Instituto para Formação do Caráter Juvenil”, para os filhos de seus funcionários, no qual havia classes infantis. Esse atendimento diferentemente dos precedentes que visavam o caráter assistencialista, se preocupava com a efetivação de uma verdadeira ação de educar. Esse “modelo” foi também instituído em Londres e em diversas localidades da Europa. No ano de 1828 foi fundado o primeiro asilo infantil, por Ferrante Aporti, após ter conhecimento sobre as escolas infantis. Os asilos infantis, primeiramente atendiam as crianças das camadas sociais superiores, mas Aporti ressaltava a necessidade de se criar escolas para crianças economicamente desfavorecidas. Ele não elaborou teorias sobre a educação infantil, mas trabalhava com crianças pequenas não somente visando sua proteção como também sua instrução e educação. A difusão de escolas na Itália, graças ao “impulso” dado por Aporti, serviu para conscientizar o poder público da necessidade dessa modalidade de ensino, apoiado por católicos iluminados e “condenada” por clericais conservadores, que publicaram uma sentença de condenação aos asilos infantis. Em 1837, com a organização do “Instituto para a Educação do Instinto de Atividade nas Crianças e nos Adolescentes”, é fundado por Froebel, o primeiro kindergarten. Este apreendeu a idéia da necessidade da educação se iniciar na primeira infância, após conhecer Pestalozzi, um dos pioneiros da pedagogia moderna, que abriu escolas das quais a educação abrangia não somente as classes sociais privilegiadas, mas também o povo. Os kindergartens, jardins de infância em português, tiveram grande repercussão, seu sucesso foi mundial, sendo esse termo traduzido para diversas línguas. Sua estrutura didática se dá com a utilização de materiais denominados “presentes” ou “dons”, que, são o cubo e a esfera subdivididos de várias formas, mosaicos e até pauzinhos. Nesta época já fica explícito a necessidade da utilização de materiais e meios que auxiliem no desenvolvimento das crianças pequenas. De acordo com Manacorda (1999, p.284), “[...] o trabalho, a atividade autônoma, na criança, é o jogo; e é necessário apresentar materiais para ajudá-la e favorecê-la”. 14 No século dezoito, houve mudanças de grande importância para a sociedade da época, como a Revolução Industrial3 e Francesa4. Devido a tais transformações, começou a ficar evidente o interesse dos Estados na questão da educação primária, sendo que a educação popular, até aquele momento, era de caráter totalmente caridoso por parte de instituições privadas. Após a escolaridade tornar-se obrigatória para a educação Primária, a sala de aula passou a fazer parte das experiências de vida pela qual toda criança passaria. Os primeiros Estados a introduzir a obrigatoriedade escolar fora, a Prússia, Áustria, Saxônia e Baviera, entre 1763 e 1803. A escola não era gratuita, mas obrigatória. Sendo assim, afastava as crianças, filhos de camponeses, que extraiam do trabalho parte da renda que poderia ser, em alguns casos, de extrema importância para a sobrevivência da família. Devido a isso a escola teve, por algum tempo, fama duvidosa. Em 1779 na Alemanha, a pedagogia assumiu-se como uma disciplina universitária. Coincidente ao seu surgimento notou-se mudanças nas práticas de ensinar, visando à aprendizagem das crianças e exigindo também que fossem levados a pensar, diferentemente dos objetivos anteriores que consistiam em mantê-las em silêncio e obedientes. De acordo com Dussel e Caruso (2003, p.115), “Até então, a escola elementar tinha muito da creche disciplinar, onde as pessoas soletravam, cantavam e às vezes, liam e contavam”. Aproximadamente em 1800 começa a ser utilizado o método de monitoramento mútuo ou lancasteriano, devido o nome de um de seus iniciadores Joseph Lancaster. Esse método se baseava na utilização de alunos mais adiantados como auxiliares, possibilitando que um só professor pudesse administrar uma sala com muitos alunos. Um dos materiais utilizados nessa época eram as caixas de areia, onde escreviam o que era pedido (operações aritméticas ou as letras). O método lancasteriano foi comparado com estruturas militares e com o funcionamento de uma indústria. Na Alemanha o método lancasteriano foi pouco difundido, lá os seguidores de Comenio tinham mais força, entre eles Johann Heinrich Pestalozzi, que fundou várias escolas e formulou processamentos sobre os conteúdos a ensinar, como o método experimental, destacando a importância da observação e um método de questionamento. Defendia o método experimental, destacando a importância da observação, desenvolveu também um método de 3 Trata-se de um conjunto de mudanças tecnológicas que causaram impacto no processo produtivo em nível econômico e social. (DUSSEL e CARUSO, 2003). 4 Revolução Francesa foi um conjunto de acontecimentos que alteraram o quadro político e social da França. (DUSSEL e CARUSO, 2003). 15 questionamento para a educação da percepção. De acordo Dussel e Caruso (2008, p.137), “[...] Pestalozzi criava situações nas quais as crianças partiam de suas representações e idéias „caóticas‟ ou „desordenadas‟ para iniciar-se na observação sistemática e em uma linguagem cada vez mais complexa”. Apesar de Pestalozzi ter se convertido em um mito da pedagogia, foi Johann Friedrich Herbart que teve influência decisiva na composição da necessidade de um processamento didático. Ele formulou uma “didática”, na qual indicava como estabelecer a educação de acordo com a idade dos alunos e disciplinas. Até metade do século XIX, houve diversas propostas educacionais ocorrendo simultaneamente, no final do século e início do XX, ocorreu nas maneiras de se ensinar, uma homogeneização. O Estado tomou para si a função de dirigir e controlar a educação, estabelecendo regras para garantir que seria ensinado o que ele pré-estabeleceu. De acordo com Dussel e Caruso (2003, p. 150-160): [...] a pedagogia adquiriu uma força inusitada: transformada em “ciência e arte de ensinar”, tornou-se a base dos dispositivos de controle e também a fonte de muitas posturas de oposição. Com o objetivo de dominar demais participantes, diversas pessoas e instituições juntavam-se para organizar e debater estratégias. Dessa maneira nasce então, um campo pedagógico. (DUSSEL e CARUSO, 2003, p159160). No final do século XIX e primeira década do século XX proliferaram as escolas particulares que no mundo moderno, o aprender era visto como algo natural do desenvolvimento da criança, como se ocorresse espontaneamente, sem o auxílio de nenhum indivíduo. Surgiram, então, discussões dentro da pedagogia, uma delas, se a comunicação em sala de aula deveria ser embasada de acordo com as características do pensamento infantil ou de acordo com o que a sociedade pré-determinava. Para os reformadores da “escola nova”, a organização da sala de aula deveria ser baseada na “natureza” infantil, afirmavam também que se deve instigar o indivíduo (criança) a ser livre, autônomo, e criativo, não somente ensiná-la e estimular suas funções intelectuais. Para outro grupo de pedagogos, denominados “normalizadores” (destacavam a estruturação de normas), a sala de aula deveria dar-se de acordo com as necessidades da sociedade. A pedagogia normalizadora, inseriu importantes mudanças nos materiais da sala de aula, primeiramente transformou-a em um espaço ao qual se reunia crianças com níveis semelhantes de conhecimento, estabeleceu-se também que as carteiras dos alunos deveriam ser feitas de acordo a elas, considerando sua estrutura física, e não para adultos, como ocorria 16 até então. De acordo com Caruso e Dussel (2008, p.186), “Compara-se esta carteira com a que era utilizada nas escolas lancasterianas e será possível comprovar que se iniciava uma nova era de configuração do espaço”. As primeiras escolas novas surgiram no fim do século XIX, e em sua maioria eram internatos para ricos. Como um movimento, a Escola Nova envolveu inumeráveis propostas, correntes e expressões. Nomes como John Dewey, Maria Montessori, Ovídio Decroly, Jean Piaget, entre outros, fizeram parte desse movimento. De acordo com Di Giorgi (1992, p.36), “O ideal educacional de Dewey era que a educação se desse, o máximo possível, junto com a própria vida: quanto mais se integrassem atividade escolar e demais atividades cotidianas, melhor”. A Escola Nova, via na natureza infantil algo bom, flexível e variado e queriam que o ensino fosse adaptado à natureza da criança. Segundo Dussel e Caruso (2003, p.224), “Os reformadores da escola nova viam-se como advogados da criança, como responsáveis por sua libertação”. No Brasil a Escola Nova teve grande força, sendo sua pedagogia mais uma psicopedagogia, onde o professor valoriza os interesses de cada indivíduo e nunca reprimia, mas criava uma concordância entre as divergências que surgiam. 1.1- A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL Com o decorrer da era industrial no Brasil, houve maior necessidade de mão-de-obra, apenas os homens não davam conta da necessidade crescente de trabalhadores nas indústrias, foi desta forma que as mulheres começaram a ser inseridas no trabalho fora de casa. Em decorrência disso, não havia com quem deixar seus filhos pequenos que precisavam de cuidados e atenção. Uma das soluções que encontravam era pagar para que outras mulheres tomassem conta dos seus filhos. Concomitantemente houve a abolição da escravatura (século XIX) e acentuada migração da zona rural para a urbana, surgindo uma maior demanda de soluções para os problemas relacionados com a infância. Os movimentos sociais passaram a pressionar, exigindo meios para a solução dessa problemática. Foi nesse cenário que começou a surgir a Educação Infantil (creches e pré-escolas), primeiramente apenas ligada aos cuidados básicos das crianças, como a alimentação e higiene, sem nenhuma preocupação com o intelecto. Nas palavras de Oliveira (2007, p.100-101): O trabalho com as crianças nas creches tinha assim um caráter assistencialprotetoral. A preocupação era alimentar, cuidar da higiene e da segurança física, 17 sendo pouco valorizado um trabalho orientado à educação e ao desenvolvimento intelectual e afetivo das crianças. (OLIVEIRA, 2007, p.100 - 101). Na metade do século XX, as creches e pré-escolas passaram a ser mais procuradas, pois a mulher estava atuando mais no mercado de trabalho, devido às necessidades criadas pelo Capitalismo5. A partir dessa crescente e intensa procura pela Educação Infantil no Brasil, surge uma importante mudança para essa modalidade de ensino. Segundo Oliveira (2007, p.102): Uma mudança importante havia ocorrido, no entanto, no início desse período: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional aprovada em 1961 (Lei 4024/61) aprofundou a perspectiva apontada desde a criação dos jardins-de-infância: sua inclusão no sistema de ensino. (OLIVEIRA, 2007, p.102). Com o início do regime militar no Brasil, houve algumas alterações que refletiram na educação, principalmente das crianças pequenas. Como afirma Oliveira (2007), durante o governo militar, continuaram a divulgar a idéia de creche e pré-escola como meios sociais de assistência às crianças carentes. Ou seja, a Educação Infantil voltou a ter caráter assistencialista. Ao término do regime militar, houve questionamentos por parte dos educadores quanto à função e o trabalho realizado com a Educação Infantil, a fim de acabar com as concepções assistencialistas, dessa maneira foi proposto um trabalho pedagógico enfocando o desenvolvimento linguístico e cognitivo das crianças. Em 1988, na elaboração da Constituição Federal, a educação das crianças de 0 a 6 anos passou a ser direito do cidadão e dever do Estado. Segundo MEC (2006, p.9), “Nesse contexto, a proteção integral às crianças deve ser assegurada, com absoluta prioridade, pela família, pela sociedade e pelo poder público”. Marcando mais uma conquista para a Educação Infantil, em 1998 foi elaborado o Referencial Curricular Nacional, formulado pelo MEC para definir os Parâmetros Curriculares Nacionais, para uniformizar nacionalmente o que deve ser abordado nesse segmento de ensino em todo o país. A Educação Infantil, apesar de contar com mais de cem anos de história como educação extradomiciliar e cuidados, somente nos últimos anos foi reconhecida como direito 5 Capitalismo é um sistema econômico em que os meios de produção e distribuição são de propriedade privada e com fins lucrativos. (DUSSEL e CARUSO, 2003). 18 das crianças e dever do Estado. De acordo com o Ministério da Educação (2006, p.5), “Em razão de sua importância no processo de construção do sujeito, a Educação Infantil [...] tem adquirido, atualmente, reconhecida importância na Educação Básica”. Apesar de todas as conquistas até agora, a Educação Infantil no Brasil ainda está se “desenvolvendo”, e precisa de aperfeiçoamento. Por ser a “base”, ou seja, por ser onde se inicia a educação escolar das crianças, deve se pautar pela qualidade e contar com profissionais extremamente capacitados a fim de auxiliar no pleno desenvolvimento das crianças pequenas. Como assegura o Ministério da Educação (2006, p.18), “As professoras e professores e outros profissionais que atuam na Educação Infantil exercem um papel socioeducativo, devendo ser qualificados especialmente para o desempenho de suas funções com as crianças [...]”. 19 CAPÍTULO 2 UM OLHAR PARA ALGUMAS CONCEPÇÕES VIGOTSKIANAS A escola que hoje se apresenta e o tratamento dado as crianças pequenas, é fruto do desenvolvimento histórico e cultural, contudo esta pesquisa procurou focar as interações e assim, algumas questões se tornaram preementes: como se dá a aprendizagem na criança? Como a criança se desenvolve? Buscamos, então, fundamentar tais questionamentos na abordagem histórico-cultural. Sabendo que cada indivíduo se constitui dentro de sua cultura, é preciso garantir que nela se promovam experiências de qualidade que possam efetivamente contribuir para o pleno desenvolvimento da criança pequena, inclusive dentro da escola de Educação Infantil, através de seu cotidiano, no convívio com as demais crianças e adultos, das quais elas aprendem e compartilham seus conhecimentos. A criança pequena desempenha vários papéis distintos, de acordo com a sociedade na qual ela está inclusa, com diferentes culturas, religiões e políticas. Para os educadores é preciso entender o contexto que seus alunos estão incluídos, bem como seus valores sociais, experiências cotidianas, para poderem traçar os objetivos, atividades e estratégias adequadas para atenderem essas crianças da melhor maneira possível. Nas palavras de Oliveira (2007): [...] o educador deve conhecer não só teorias sobre como cada criança reage e modifica sua forma de sentir, pensar, falar e construir coisas, mas também o potencial de aprendizagem presente em cada atividade realizada na instituição de educação infantil. (OLIVEIRA, 2007, p124). A fim de responder dúvidas referentes ao desenvolvimento humano, a psicologia traçou diversas concepções, uma delas era o ensino tradicional, do qual o professor era o centro do processo educativo e o detentor dos saberes, os alunos (crianças) eram um grupo de indivíduos análogos, receptores passivos de conhecimentos e influências externas. A escola tradicional via a criança como uma tabula rasa, como se fosse uma folha em branco, da qual seria preenchida apenas pelos conhecimentos transmitidos por seus professores. Há também, a concepção voltada ao inatismo, que valoriza os fatores hereditários, a maturação orgânica, e a transformação espontânea das capacidades psicológicas do indivíduo à partir de características que lhe foram transmitidas pelos pais. Em outra concepção acerca do desenvolvimento humano, defendida por Vigotski, o ambiente é um elemento pelo qual o ser 20 humano se constitui, interagindo, modificando e também sendo modificado por ele. Essas concepções geraram, dentro da Educação Infantil, alguns métodos e orientações nos quais há a intervenção sobre a aprendizagem, ou seja, promovendo dessa maneira atividades de acordo com a opção por um dos embasamentos teóricos. 2.1 - CONTRIBUIÇÕES DE VIGOTSKI Vigotski, ao formular sua teoria histórico-cultural, apresenta afirmações que nos levam a compreender de uma nova maneira a relação individual e social, quando admite que o sujeito se constitui nas relações sociais, superando a divisão existente até então ele nos faz compreender também, que o desenvolvimento psicológico se dá como uma “tomada de posse” de formas culturais mais experientes. Nessa concepção de Vigotski, o processo cultural é responsável pela construção do pensamento e da individualidade, que se realiza através do uso de instrumentos e signos. O ser humano, diferentemente dos animais utiliza-se de instrumentos que são construídos através das relações sociais e do trabalho. O instrumento é um elemento interposto entre o trabalhador e o objeto de seu trabalho, ampliando as possibilidades de transformação da natureza. O machado, por exemplo, corta mais e melhor na mão humana; a vasilha permite o armazenamento de água. O instrumento é feito ou buscado especialmente para um certo objetivo. Ele carrega consigo, portanto, a função para a qual foi criado e o modo de utilização desenvolvido durante a história do trabalho coletivo. É, pois, um objeto social e mediador da relação entre o indivíduo e o mundo. (OLIVEIRA, 2004, p.29). O homem utiliza também os signos para auxiliar no desempenho de atividades psicológicas mais complexas. Signos podem ser definidos como elementos que representam ou expressam outros objetos, eventos e situações. A palavra mesa, por exemplo, é um signo que representa o objeto mesa; o símbolo 3 é um signo para a quantidade três; o desenho de uma cartola na porta de um sanitário é um signo que indica “aqui é o sanitário masculino”. (OLIVEIRA, 2004, p.30). Os signos são apropriados pelo ser humano desde o nascimento, de acordo com a cultura que está inserida e nas relações com sujeitos mais experientes. Nas palavras de Zilma Ramos de Oliveira (2007, p.128), “As interações adulto-criança em tarefas culturalmente 21 estruturadas, com seus complexos significados, criam „sistemas partilhados de consciência‟, culturalmente elaborados e em contínua transformação”. Os instrumentos têm como função influenciar os objetos pelos quais os seres humanos querem modificar, sendo assim ele opera externamente ao indivíduo, auxiliando-o. Já os signos atuam nas atividades internas, auxiliando o indivíduo em seu próprio controle, atuando assim internamente. De acordo com Vigotski (2007): Na fase inicial o esforço da criança depende, de forma crucial, dos signos externos. Através do desenvolvimento, porém, essas operações sofrem mudanças radicais: a operação da atividade mediada (por exemplo, a memorização) como um todo começa a ocorrer como um processo puramente interno. (VIGOTSKI, 2007, p.56). A partir das interpretações que demais indivíduos atribuem às ações de um sujeito, é que ele compreende o significado de sua própria ação, compartilhando-a com a cultura na qual está inserido. Inicialmente diante de um objeto inacessível, a criança apresenta movimentos de alcançar e agarrar. Esses movimentos são naturalmente interpretados pelo adulto e, por meio da ação deste, o objeto é “alcançado” pela criança. Com isso, os movimentos da criança afetam a ação do outro e não o objeto diretamente. A atribuição de significado que o adulto dá à ação da criança permite que este passe a transformar o movimento de agarrarem gesto de apontar. O gesto forma-se pela mudança de função e de estrutura dos movimentos, que deixam de conter os componentes de agarrar. Uma ação dirigida ao objeto transforma-se num sinal para o outro agir em relação ao objeto. E o gesto, com seu caráter comunicativo, é criado na interação. Desse modo, a criança passa a ter controle de uma forma de sinal (ainda rudimentar) a partir das relações sociais. (GÓES, 2001, p.21-22). Através do uso dos signos, operações que aconteciam com sua mediação, passam a suceder como um processo interno ao indivíduo, ocorrendo então, o processo de internalização, que é a “reconstrução” de uma intervenção externa, que passa a ser apropriada pelo indivíduo, ocorrendo internamente. Ou seja, os processos que ocorrem entre sujeitos passam agora a ocorrer dentro deles. Para explicar melhor o processo de internalização, Vigotski através de uma critica, aborda a fala egocêntrica de Piaget, e a partir desta constata que a criança passa a falar para si mesma, através de um processo interno, que tem como função organizar e guiar as ações do indivíduo. De acordo com Oliveira (2007, p.129), “A aquisição de um sistema linguístico dá forma ao pensamento e reorganiza as funções psicológicas da criança, sua atenção, memória e imaginação”. Dessa maneira a criança consegue “esquematizar” suas ações, expressar suas vontades e sentimentos para os demais indivíduos. 22 Vigotski buscou compreender a relação entre o pensamento e a fala nos estágio iniciais de desenvolvimento, não encontrando nenhuma interdependência em suas origens genética, sendo assim, para ele ficou claro que tal relação é fruto do desenvolvimento histórico e da consciência humana. Pensamento e palavra não estão conectados por um elo primário, mas ao longo do desenvolvimento do pensamento e da fala há uma conexão, que posteriormente se desenvolve e modifica. O significado das palavras é um fenômeno do pensamento que se estrutura por meio da fala, nas palavras de Vigotski (2008), “O significado de uma palavra apresenta um amálgama tão estreito do pensamento e da linguagem, que fica difícil dizer se se trata de um fenômeno da fala ou de um fenômeno do pensamento.” Ao analisar a interação entre pensamento e palavra, há de se fazer uma diferenciação entre os níveis da fala, ou seja, seus aspectos, interiores e exteriores. A fala interior é para si mesmo, já a fala exterior é dirigida para os outros. Conclui-se que o pensamento está atrelado às palavras, e a relação entre ambas é um processo vivo que surge no desenrolar do desenvolvimento. As palavras desempenham um papel central tanto no desenvolvimento do pensamento como na evolução histórica da consciência como um todo. Como professora com experiência em educação infantil (maternal) foi possível observar dentro de uma sala com alunos de 1 e 2 anos o “desabrochar” da fala a partir das interações. No início do ano, há alunos que já a apresentam desenvolvida, há outros que estão começando a desenvolvê-la e há também aqueles que não falam. Para essa investigação o campo empírico se deu em uma Pré-escola e procuramos evidenciar como as interações se processaram entre aluno-aluno e aluno-professor. A imitação também é outro meio pelo qual as crianças se apropriam, internalizando as “ações” do meio onde vive. Elas imitam os pais, os amigos e a professores, aprendendo a desempenhar vários papéis. Como assegura Vigotski (2007, p.7-8): a experiência social exerce seu papel através do processo de imitação; quando uma criança imita a forma pela qual o adulto usa instrumentos e manipula objetos, ela está dominando o verdadeiro princípio envolvido numa atividade particular.(VIGOTSKI,1984, p.7-8). 23 Dessa maneira, imitando, a criança não copia um exemplo, mas reconstrói as ações realizadas por demais sujeitos. Ao imitar, elas passam por uma importante etapa para o seu desenvolvimento. As crianças podem imitar uma variedade de ações que vão muito além dos limites de suas próprias capacidades. Numa atividade coletiva ou sob orientação de adultos, usando a imitação, as crianças são capazes de fazer muito mais coisas. Esse fato, que parece ter pouco significado em si mesmo, é de fundamental importância na medida em que demanda uma alteração radical de toda uma doutrina que trata da relação entre aprendizado e desenvolvimento em crianças. (VIGOTSKI, 2007, p.101). Sendo assim, as funções psicológicas superiores acontecem primeiramente em situações interpessoais (relações), para posteriormente serem intrapessoais (individual). O desenvolvimento psicológico do indivíduo é alcançado graças às transformações que ocorrem na “matéria prima” fornecida graças às interações sociais, sendo assim uma apropriação ativa e não passiva. Quando se trata de desenvolvimento infantil, primeiramente o que se busca verificar é “o que a criança já consegue fazer”, observando assim seu desempenho em diversas tarefas e se consegue realizar tarefas sozinha, sem nenhum tipo de ajuda. Essa capacidade de realizar atividades independentemente é o que Vigotski denomina de “nível de desenvolvimento real”, ou seja, são as etapas de desenvolvimento já alcançadas e firmadas pela criança. Para compreender adequadamente o nível de desenvolvimento, não se deve considerar apenas o nível de desenvolvimento real da criança, mas também suas capacidades de realizar tarefas com ajuda de outros indivíduos mais experientes, que é denominado como “zona de desenvolvimento potencial”. Definindo a distancia ente as zonas de desenvolvimento real e potencial, Vigotski se utiliza do conceito “zona de desenvolvimento proximal”. Nas palavras de Góes (2000, p.24), “O que caracteriza o desenvolvimento proximal é a capacidade que emerge e cresce de modo partilhado”. A escola tem um papel de extrema importância, pois as interferências de outros indivíduos, como professor e demais crianças, são essenciais para gerarem o desenvolvimento do indivíduo. A aprendizagem é uma consequência desejada, dessa maneira o professor deve intervir na zona de desenvolvimento proximal de seus alunos, promovendo avanços que se não fossem por essa intervenção, não ocorreriam espontaneamente. Vigotski afirma que o único bom ensino, é aquele que se adianta ao desenvolvimento. 24 A “boa” aprendizagem é aquela que consolida e, sobretudo cria zonas de desenvolvimento proximal sucessivas. (GÓES, 2000, p.24). Ao serem inseridas na escola, as crianças se deparam e convivem com diversos modos de vida diferentes do seu, sendo assim de grande valia para seu desenvolvimento, pois aprendem com seus amigos e demais adultos e contribui, também com a aprendizagem e desenvolvimento deles. Atos cooperativos, imitações, diálogos, disputas de objetos e mesmo brigas, entre tantos outros, são grandes momentos de desenvolvimento [...] essas situações são frequentes nas creches e pré-escolas, devendo os professores criar condições para lidar positivamente com elas. (OLIVEIRA, 2007, p.141). Através de tais relações, as crianças aprendem a fazer parte de um grupo, aprendem a solucionar conflitos, a auxiliar o outro na resolução de algum problema, sendo de grande importância para seu crescimento pessoal e do outro envolvido nesse processo de interação. 25 CAPÍTULO 3 PESQUISA DE CAMPO Para investigarmos como ocorrem os processos interativos numa sala de aula, e suas contribuições para o desenvolvimento e aprendizado das crianças, realizamos a gravação em vídeo, de uma aula em uma pré-escola localizada na cidade de Capivari. A turma do Pré I foi escolhida para a realização da pesquisa por serem as crianças mais novas da instituição, excluindo-se as crianças da creche. Para a maioria dos alunos do Pré I, excetuando-se os que frequentaram outras instituição nas salas de Maternal, e na creche, é a primeira experiência na escola, tendo contato com indivíduos diferentes, que não pertencem as suas famílias. Para iniciar a pesquisa de campo, conversei com a diretora e a professora do Pré I, explicando sobre a pesquisa e pedindo a elas autorização para executá-la, posteriormente foi necessária a elaboração de autorizações para a realização das filmagens para ambas, que deferiram. A diretora informou ao supervisor de ensino da instituição sobre as filmagens, e o mesmo solicitou a elaboração de um projeto, o qual foi enviado à Secretaria Municipal da Educação, para que a secretária da educação ficasse ciente do propósito da pesquisa que seria realizada a partir das filmagens. Inicialmente a secretária não autorizou, alegando que haviam tido problemas anteriores com a divulgação de imagens de alunos. Somente após alguns esclarecimentos junto à Secretária da Educação, ela autorizou que fossem realizadas as filmagens. Estando de posse das autorizações da diretora e da professora passamos a etapa posterior: foi entregue aos alunos um folheto informativo, explicando o motivo pelo qual seriam realizadas as filmagens. Após, seguiram as autorizações para serem preenchidas pelos seus pais e ou responsáveis. No dia agendado, foram realizadas as filmagens. Antes de iniciar a mesma, fui até a frente da sala e expliquei aos alunos meus objetivos e o que iria acontecer, disse para que fizessem suas atividades normalmente. O vídeo, de aproximadamente 1 h 30 foi assistido diversas vezes, sendo necessário voltar às imagens para que pudesse ser registrado exatamente a fala dos alunos e da professora, cujos nomes, para este registro, foram alterados. 26 Após a transcrição da aula filmada, foi necessário selecionar alguns trechos mais interessantes para uma análise, relacionando as situações com as teorias e seus autores. 3.1 - ANÁLISES DA PESQUISA 1ª SITUAÇÃO: A cada dia da semana, de acordo com a ordem alfabética, é designado um aluno para ser o “ajudante do dia”, que tem como função entregar e recolher as atividades, apostilas e cadernos aos demais alunos e ajudar a professora em diversas situações. Na sala de aula, a professora questionou os alunos, sobre quais eram as letras do nome do ajudante – OLAVO – que ela havia escrito na lousa. Apontando para a letra V, a professora pergunta: − (...) e agora essa letrinha aqui? − V de vaca. Responde João. − V de vaca, o que mais começa com V? Questiona a professora. − Vaca! Respondem alguns alunos em coro. − Já falaram vaca, o que mais? Indaga a professora. − Boi! Diz Iara. A professora aparentemente não ouve a fala da criança e continua a indagar, indicando para responder outra aluna. − Valentine! E essa letrinha aqui? Apontando para a letra O. − Vagabunda! Diz Lívia. −Ah, essa palavra é feia e não começa com O. Responde a professora e continua o questionamento. A atividade descrita acima era de rotina, portanto os alunos estavam familiarizados com a situação. É interessante, pois a aluna Iara parece que não associa a letra V com seu significado convencional de escrita, mas ao significado concreto do animal mencionado, pois ela ainda não está alfabetizada, mas em processo de alfabetização, estando em contato mais efetivamente com o mundo letrado, após sua inserção na escola, que é recente. Segundo Luria (1998), “[...] a escrita pode ser definida como uma função que se realiza, culturalmente, por mediação [...]”. 27 Dessa maneira, em tal situação a intervenção da professora se faz imprescindível para o desenvolvimento e a aprendizagem da aluna. Vigotski questionou por qual razão a escrita era tão difícil para as crianças, e concluiu que: A falta de sonoridade e entonação, a necessidade de substituir palavras por imagens, a necessidade de recriação e representação da situação, o interlocutor ausente, imaginário, constituem circunstancias que tornam a escrita mais difícil. (VYGOTSKY, 1975 apud SMOLKA, 1999, p.57). Portanto os professores precisam fazer intervenções que contribuam para que as crianças compreendam a escrita como um signo importante para a comunicação com os demais, tornando a escrita mais fácil de ser compreendida. Quando a aluna Lívia diz a palavra vagabunda, a professora a associa ao seu sentido pejorativo, sendo assim, ela não explica a aluna que essa palavra apresenta outro sentido, podendo ser entendida de diversas maneiras, apresentando polissemia. Outro ponto importante é que a professora explica que a palavra não inicia com O, e silencia quanto ao nome da letra. Durante as interações a professora pode optar por intervir na situação de várias maneiras, e ela opta por uma de acordo com a situação imediata na interação. Nesse momento fugaz nem sempre há tempo para distanciamento e reflexão sobre a melhor opção de intervenção. Geralmente ela ocorre “quase” que de maneira automática. 2ª SITUAÇÃO: Num determinado momento da aula, a professora pediu que o ajudante recolhesse dos demais alunos os calendários que haviam pintado. − Olavo, pode recolher. − (...) vamo (vamos) logo! Diz o ajudante apressado. − Ela não termino (terminou) de pinta (pintar) ainda. Responde uma amiga. − Então pinta logo! Diz o ajudante bravo. − (...) chato! Diz outra amiga. O ajudante leva a sério sua função, e parece que do seu ponto de vista “assume a autoridade que lhe é atribuída”. Seu modelo de seriedade com o trabalho é a professora, e ela é exigente e cobra por parte deles responsabilidade. Dessa maneira o ajudante fica bravo com a amiga que não havia terminado, pois do seu ponto de vista, já que os demais terminaram suas “responsabilidades” que são as atividades ela também deveria ter terminado. 28 A partir de um modelo observado, o aluno reproduz sua ação, imitando a postura em situações semelhantes. Para Vigotski, é a partir da imitação que a criança aprende, e no contexto escolar essa imitação adquire papel de suma relevância. Nas palavras de Oliveira: Ao imitar o outro, as crianças necessitam captar o modelo em suas características básicas, percebendo-o em sua plasticidade perceptivo-postural, conforme se ajustam a ele. Com isso decodificam o conjunto de impressões que captam do outro, experimentando diversas possibilidades de ações no meio em que estão inseridas e diferenciando os elementos originais trazidos para a situação presente. (OLIVEIRA, 2007, p.161). Sendo assim, a criança se desenvolve e aprende ao observar e imitar as ações dos adultos, ou demais crianças que fazem parte de seu cotidiano. Dessa maneira, o professor, em seu cotidiano precisa estar ciente de suas ações, pois ele é um modelo no qual os alunos se referenciam. 3ª SITUAÇÃO: Todas as segundas-feiras, a professora pede aos alunos que relatem para ela e para os demais colegas o que fizeram no final de semana. E pergunta: − E a Lívia? − Eu brinquei (...). Responde Lívia. − Sente aqui Ana, nessa mesinha aí oh! Diz a professora. − Lívia, o que a Lívia fez no final de semana? Perguntou a professora. − Eu brinquei com meu pai (...). Responde a aluna. − Oh, espera só um minutinho Lívia! Tem gente falando junto com o amiguinho, e tem criança que fala baixo, então tem que ficar bem quietinho para ouvir. Não é uma vez de cada um?! Então por que tem criança falando junto? Agora é a vez de quem? Da Lívia! Aí tem criança falando junto! Tem que respeitar o amiguinho, não tem a regrinha aqui oh?! Respeite o amigo?! Diz a professora. Nesse episódio, podemos observar como a professora se comporta, interrompendo diversas vezes a fala da aluna, no momento em que os demais se excedem na conversa, chamando a atenção e orientando-os, pois dentre as suas funções está a de organizálos em sala e ensiná-los como se comportar. A professora intervém apontando a necessidade de respeitar regras, mas ao fazêlo adota uma maneira específica de chamar a atenção dos alunos e essa maneira de agir do 29 professor pode ser considerada como currículo oculto, pois são situações que não estão explícitas no currículo, mas que acontecem em sala de aula. De acordo com Silva (2010): O currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita para aprendizagens sociais relevantes [...] o que se aprende no currículo oculto são fundamentalmente atitudes, comportamentos, valores e orientações [...]. (SILVA, 2010, p.78). Apesar de o currículo oculto não ser considerado “formal”, tem grande importância, pois é através dele que os alunos aprendem conceitos atitudinais importantes para a vida em sociedade. No relato transcrito há uma situação corriqueira nas salas de aula, pois a professora (única representante adulta) interage com um grupo de alunos e eles têm necessidade de externar suas ansiedades, de compartilhar experiências e acabam transgredindo as regras. A professora tem que ao mesmo tempo encaminhar a pergunta, ouvir, realizar as intervenções adequadas, incluindo-se as questões relativas às atitudes de cada aluno. Ainda nessa situação, a professora demonstra sua seriedade ao repreender os alunos por estarem atrapalhando a fala da colega, contudo ao fazê-lo interrompia a fala da aluna e isso é também uma atitude que pode ser imitada, se a consideramos como parte do currículo oculto. 4ª SITUAÇÃO: Seguindo os questionamentos sobre o que fizeram nos finais de semana, a professora pergunta: − E o André? O que o André fez nesse final de semana? − Eu fui, fui lá na festa perto da minha casa, e daí,a ti, daí a tia deu um saco de brinquedo pra mim de doce, e aquele negocinho lá, e um negócio de brinca, só que é de matá. Diz André. − O que era? Perguntou a professora. − Aquele lá malelo (amarelo) e lalanja (laranja), brinca de cololido (colorido). Respondeu o aluno. − Balão? Não é balão não?! Questiona a professora. − É um negócio de matá! Afirma André. − De matar, mas o que é? Como que chama? Pergunta a professora. 30 − É negócio de matá! Insiste André. − É?! Você não sabe o nome? Quer saber a professora. − É uma arma, uma arma! Dizem os demais alunos. − Mas... colorido? Pergunta a professora. − Uma arma! É uma arma! Reafirmam os demais alunos. Nessa situação o aluno tenta contar para a professora e colegas qual era o brinquedo que viera na sacola surpresa da festa. O aluno descrevia-o, pois tinha uma imagem mental do mesmo, mas não conseguia expressá-lo através da fala, e articulava como se os demais também pudessem ver o objeto. Esse aluno apresenta alguns problemas em sua fala, com relação aos demais alunos, como por exemplo, quando ele cita as cores do brinquedo (malelo, lalanja e cololido). Supondo que não haja nenhum problema físico, esse aluno através das interações com os demais, possivelmente perceberá que está falando errado e passará a falar corretamente. Dessa maneira, com a colaboração dos colegas e professora, será possível que ele desenvolva a fala e aprenda. Neste caso as interações entre os próprios colegas poderia atuar na zona de desenvolvimento proximal, que consiste na distancia entre o que a criança já consegue fazer sozinha, e o que ela faz com a ajuda de um companheiro. Segundo Carvalho (1996), “via interação com parceiros mais experientes, o aprendizado estimula e desperta vários processos de desenvolvimento que, uma vez realizados, criam novos patamares para o aprendizado.” Ou seja, o ambiente em que a criança está inserida, e as interações que lhe são proporcionadas com os demais indivíduos da sociedade, em diversas situações é que contribuem para seu desenvolvimento e aprendizagem. 5ª SITUAÇÃO: No final de semana anterior à gravação, houve dois eventos importantes para os alunos, a festa junina da escola e a vacinação. A partir disso, a professora questionou os alunos sobre quais foram os eventos ocorridos no final de semana. − Oh, no sábado, o que teve no sábado além da festinha? Pergunta ela. − Teve cuscuz, teve pastel! Responde Daniela. − Doce! Diz Iara. − Não! Além da festinha o que teve durante o dia? Onde vocês tiveram que ir durante o dia? Pergunta a professora. − Vacina! Responde Olavo. 31 − Pra tomar vacina! Todos aqui foram tomar vacina? Pergunta a professora. − Então durante o dia, foi dia de vacinação no sábado, né?! E a noite? O que teve à noite? − Festa junina!Diz Daniela. − O que tinha aqui na festa junina? − Doce! Responde uma aluna. − O que mais que tinha? Quis saber a professora. − Pizza! Diz Lívia. − E além de todas essas coisas de comer, o que mais tinha? E as danças? − Ficou linda né?! E além da dança teve exposição dos trabalhinhos, vocês viram o nosso cartaz aqui fora? Aquele que fizemos do riozinho sujo! Então, tudo que estava lá, estava falando sobre o que? Sobre o meio ... ambi... Diz a professora. − ente! Respondem todos os alunos. Num primeiro momento desse trecho, alguns alunos ficam um pouco confusos, apesar de a professora ter dito que era algo além da festa junina, pois aparentemente para a maioria deles esse foi o fato importante do final de semana. Logo em seguida, a professora muda o que estava falando e aí sim se refere à festa, não deixando claro para os alunos seu objetivo. Quando a professora muda de assunto, questionando os alunos sobre o tema do projeto no qual realizaram suas atividades, somente com sua intervenção, dando indícios e iniciando a palavra é que os alunos conseguiram deduzir qual era a resposta esperada. A intervenção dos professores, indivíduos mais experientes da sociedade e da cultura, se torna fundamental para o desenvolvimento e aprendizagem dos alunos, e é na escola que tais situações se dão. De acordo com Fontana e Cruz (1997): Na escola [...] as relações de conhecimento são intencionais e planejadas [...]. A professora acompanha a criança: orienta sua atenção, destacando elementos das situações em estudo considerados relevantes à compreensão dos conhecimentos nela implicados [...]. (FONTANA e CRUZ, 1997, p.66). Sendo as atividades escolares planejadas pelas professoras, elas devem proporcionar aos alunos situações atrativas para os alunos e que contribuam qualitativamente em seu desenvolvimento. 32 6ª SITUAÇÃO: Os alunos começam as atividades da apostila com o auxílio da professora. Essas atividades estavam entrelaçadas com a leitura de um livro, no qual (assim como a apostila) havia diversos animais. Num certo momento da atividade, havia a necessidade de realizar recortes e colagens na apostila, então a professora os alerta: − Agora eu vou passar na mesinha de vocês, eu vou arrancar o anexo doze. Vocês vão lá no final da apostila, vão procurar esse anexo para mim, daí eu já passo arrancando, oh!? Depois eu vou passando cola. − Prestem atenção, eu vou passar cola, mas não pode colar antes, e aquela turma lá vai esperar que eu vou passar, por turma. Nessa situação a professora alerta os alunos diversas vezes sobre o que ela fará (tirar a página da apostila e passar a cola na atividade), e em seguida, passa em todas as mesas executando tal ação. Podemos supor que a professora, em sua interpretação, acredita que os alunos ainda não conseguiriam realizar essa tarefa sozinhos, e precisariam ainda de sua ajuda. As intervenções da professora são de grande valia, pois dessa maneira ela auxilia no desenvolvimento do trabalho, para que os alunos aprendam como devem fazer e que possam assim executar posteriormente de maneira correta. De acordo com Fontana e Cruz (1997), Vigotski destaca: [...] a educação escolarizada e o professor têm papel singular no desenvolvimento dos indivíduos. Fazendo junto, demonstrando, fornecendo pistas, instruindo, dando assistência, o professor interfere no desenvolvimento proximal de seus alunos, contribuindo para a emergência de processos de elaboração e desenvolvimento [...]. (FONTANA e CRUZ, 1997, p.66). Por ser na escola, onde as crianças convivem com maior número de indivíduos, e por ser sua função ensinar as crianças, é lá que ocorrem as situações nas quais mais influenciam no efetivo desenvolvimento das crianças, e, por conseguinte em sua aprendizagem. 33 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em todo esse trabalho buscamos compreender como ocorrem os processos interativos na educação infantil e suas contribuições para a aprendizagem e desenvolvimento das crianças. Iniciamos, através da pesquisa bibliográfica, uma revisão sobre como a educação das crianças pequenas era mostrada, desde as civilizações tribais até o período mais recente. Foi possível observar que desde os tempos antigos, as crianças, através das interações, observavam e imitavam ações dos demais membros da sociedade em que estavam inseridas, reproduzindo - as. A Imitação dos indivíduos de suas tribos, ou dos grandes heróis que os precederam, evidencia, que as interações sociais estiveram sempre presentes, desempenhando um importante papel desde os primórdios das civilizações, pois as interações sociais podem ser conceituadas como a maneira pelo qual os sujeitos aprendem no simples fato de conviver com demais indivíduos que se encontram a sua volta. De acordo com Giddens (2005, p.84): A interação social depende de uma sutil relação entre o que expressamos em palavras e o que transmitimos por meio de numerosas formas de comunicação nãoverbal – a troca de informação e de sentido através de expressões faciais, gestos e movimentos corporais. Às vezes, a comunicação não-verbal é apontada como “linguagem corporal”, mas isso é ilusório, pois usamos essas pistas para eliminar ou expandir o que é dito por meio de palavras. (GIDDENS, 2005, p.84). Buscamos compreender através da abordagem histórico-cultural, cujo principal expoente foi Vigotski, como ocorrem os processos de aprendizagem e desenvolvimento nos indivíduos através da imitação e das interações sociais. Nas palavras de Góes (2000, p.25): Não se trata, pois, de um sujeito passivamente moldado pelo meio. Por outro lado, posto que há uma necessária interdependência nos planos inter- e intra – subjetivo, a gênese de seu conhecimento não está assentada em recursos só individuais, independentes de mediação social ou dos significados partilhados. O sujeito não é passivo nem apenas ativo: é interativo. (GÓES, 2000, p.25). Através da pesquisa de campo foi possível observar como se dão as interações em uma sala de aula e o quanto elas influenciam e contribuem para a aprendizagem. Através dela 34 ressaltamos a importância do professor e especialmente das suas intervenções e silenciamentos nas diversas situações. Por ser a base do ensino escolar, a educação infantil deve propiciar aos alunos um ambiente estimulante, interferindo sempre na zona de desenvolvimento proximal das crianças, pois é nessa fase da vida que ocorrem os processos mais significativos para a aprendizagem e desenvolvimento das mesmas. Nas palavras de Vigotski (2007, p.103): [...] um aspecto essencial do aprendizado é o fato de ele criar a zona de desenvolvimento proximal; ou seja, o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros. (VIGOTSKI, 2007, p.103). O professor tem que planejar suas aulas, bem como suas atividades, não se esquecendo de estar atento às suas ações e falas, pois ele é uma referência importante, um modelo que as crianças tem e que imitam nas diversas situações do dia-a-dia, podendo internalizá-las e apropriar-se delas. De acordo com Oliveira (2004), “É como se o indivíduo [...] “tomasse posse” das formas de comportamento fornecidas pela cultura, num processo em que as atividades externas [...] transformam-se em atividades internas, intrapsicológicas.” Dessa maneira a criança absorve as informações e ações aprendidas através do contato com o outro, o que antes ocorria externamente, passa a acontecer internamente. Segundo Vigotski (2007), “Uma operação que inicialmente ocorria externamente é reconstruída e passa a ocorrer internamente. É de particular importância para o desenvolvimento dos processos mentais superiores”. Concluindo, o ambiente em que a criança está inserida, bem como as intervenções realizadas nas diversas situações cotidianas são fundamentais para sua formação como sujeito social. Como o papel da escola é o de ensinar e promover a aprendizagem dos alunos, a mesma, bem como a sala de aula deve ser estimulante e repleta de situações nas quais as interações sejam significativas. A interação pode ocorrer de diversas formas, através da fala, do silêncio, de um gesto, um olhar, ou uma expressão facial/corporal. É importante destacar que Vigostki afirma que o pensamento e a palavra não são ligados por um elo primário e que também seria um erro considerá-los como dois processos independentes, que se cruzam em determinados momentos. Para ele, ao analisar essa relação 35 seria necessário pensar através de unidades que contemplassem as propriedades do todo e essa unidade do pensamento verbal seria o significado das palavras. Nas palavras de Vigotski (2008, p.151): O significado das palavras é um fenômeno de pensamento apenas na medida em que esta é ligada ao pensamento ganha corpo por meio da fala, e só é um fenômeno da fala na medida em que esta é ligada ao pensamento, sendo iluminada por ele. É um fenômeno do pensamento verbal, ou da fala significativa – uma união da palavra e do pensamento. (VIGOTSKI, 2008, p.151). Estudos demonstraram que o significado das palavras se modifica, de acordo com o desenvolvimento da criança, se tais alterações ocorrem, a relação entre pensamento e palavra também mudam. De acordo com Vigotski (2008, p.156, 155): [...] a relação entre pensamento e a palavra não é uma coisa mas um processo, um movimento contínuo de vaivém do pensamento para a palavra, e vice-versa. Nesse processo, a relação entre o pensamento e a palavra passa por transformações que, em si mesmas, podem ser consideradas um desenvolvimento no sentido funcional. O pensamento não é simplesmente expresso em palavras; é por meio delas que ele passa a existir. (VIGOTSKI, 2008, p.156, 155). Destaca-se então, a importância de a criança estar inserida num ambiente com demais sujeitos, interagindo com eles, podendo auxiliá-los em diversas situações e estimulando, dessa maneira, o processo de aprendizagem. Neste trabalho, cuja pesquisa empírica foi embasada nas análises das gravações de uma sala de educação infantil e ter priorizado a interação a partir da fala, não poderia deixar de abordar a visão de Vigotski sobre a aquisição da fala, e sua relação com o pensamento e a palavra. De acordo com seus estudos a fala e o pensamento também são produtos culturais e que apresentam extrema importância no ato de se comunicar e interagir com os demais indivíduos. A sala de aula, por ser um ambiente de educação sistematizada, deve privilegiar as interações para que estas contribuam qualitativamente para a formação das crianças, portanto, professor deve estar atento às interações (suas e dos outros), pois suas intervenções e até silenciamentos afetam na constituição dos sujeitos, seus alunos. 36 REFERÊNCIAS ARANHA, Maria Lúcia Arruda. História da educação. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1996. ______. Filosofia da educação. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1996. BRASIL. Ministério da Educação. Política Nacional da Educação Infantil: pelos direitos das crianças de zero a seis anos à Educação. Brasília, 2006. Disponível em <http://www.oei.es/quipu/brasil/pol_educ_infantil.pdf>. Acesso em 04 abr. 2011. CARVALHO, Marilda Gioelli Torres de. O Processo Interativo na Formação de Professores: Problema ou Solução? São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1996. DI GIORGI, Cristiano. Escola Nova. 3. ed. São Paulo: Ática, 1992. 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