EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE: A IMPLEMENTAÇÃO DOS ESTUDOS DE HISTÓRIA E CULTURAS AFRICANAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA Mary Anne Vieira Silva Rodolfo Ferreira Alves Pena Jailson Silva de Sousa Herta Camila Cordeiro Morato Leysa Dayane Barbosa Gonçalves RESUMO O ímpeto dessa comunicação tem como objetivo direto o estudo acerca da aplicação da Lei 10.639, cuja orientação se dá no âmbito do ensino fundamental e do ensino médio em escolas públicas e particulares. Essa lei tornou o ensino de História e Culturas Africanas e Afro-brasileiras obrigatório nas escolas, fruto de um resultado de intensa luta de movimentos sociais, em especial o negro e o indígena, na batalha ardente contra o implacável processo de encobrimento do outro proclamado pela sociedade neoliberal globalizadora. Tendo em vista esse fato, trabalharemos a forma com que a cultura africana possa ser enfatizada na Geografia dentro das salas de aula e como a Cartografia se configura na posição de agente fundamental no método didático desse ensino. Palavras-chave: Ensino de Geografia. Pós-colonialismo. África. Encobrimento. INTRODUÇÃO A exposição aqui apresentada é fruto de pesquisas concluídas e em andamento com financiamentos externos (CNPq, MEC- UNIAFRO e FAPEG), essas são realizadas no Centro Interdisciplinar de Estudos África-Américas (CIEAA). O centro prima pelo desenvolvimento de trabalhos interdisciplinares de pesquisa, ensino e extensão, objetivando a realização de pesquisas acerca das relações diaspóricas entre África, América (com ênfase ao Brasil). Além de promover debates e leituras sobre o processo de encobrimento do Outro que permeia as relações no espaço diaspórico. Desse modo, um dos desdobramentos versa-se sobre a educação, nesse caso representada pela temática da implementação da Lei 10.639, que obriga o ensino da História e das Culturas Africanas e Afro-Brasileiras nos ensinos Fundamental, Médio e Superior. Sabe-se que dentro das ciências sociais – ou no contexto das ciências humanas em si – muito têm se falado em formas de pensamento que visam uma superação das tradições coloniais sobre os povos colonizados, em que o “eurocentrismo” é encarado não só como uma forma de dominação político social, mas como um instrumento potente de encobrimento das culturas não européias. Através de uma forma de pensamento que denuncia como a bipolaridade West/Rest age na “episteme” das ciências sociais, Said (1978), demonstra o encobrimento promovido pelo europeu, revelando que existe um oriente de fato e um outro criado pela cultura européia, no sentido de demonstrar sobre como visões a priori sobre o subalterno ocorre tanto no âmbito político-social quanto no meio acadêmico; trabalhando Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 1 dentro de uma metodologia foucaultiana, desempenha um papel considerado pioneiro naquilo que vem a ser denominado posteriormente como Pós-colonialismo. Nesse mesmo bojo de entendimento, Enrique Dussel destaca como a Europa é responsável pela invenção não tão somente do Oriente, mas de todos os outros continentes que lhe são estranhos, quando fala da África, ele destaca que “embora haja uma espécie de trindade (Europa, Ásia e África), ainda assim a África ficará igualmente descartada” (DUSSEL, 1993, p.19). E continua sua análise, dessa vez se referindo à América Latina: de qualquer forma, Colombo, como dissemos, é o primeiro homem “moderno”, ou melhor, é o início de sua história. É o primeiro que sai oficialmente (com “poderes”, não mais um viajante clandestino, como seus antecessores) da Europa Latina – antimuçulmana – para iniciar a “constituição” da experiência existencial de uma Europa ocidental, atlântica, “centro” da história. Esta “centralidade” será depois projetada para as origens: de certa maneira no “mundo da vida cotidiana (Lebenswelt)” do europeu: a Europa é “centro” da História desde Adão e Eva, os quais também são considerados europeus, ou, pelo menos é considerado como um mito originário da “europeidade”, com exclusão de outras culturas (DUSSEL, 1993, p.32). O processo de encobrimento semântico para com grupos sociais marginalizados na sociedade contemporânea é a maior representação de como os valores sociais e religiosos dominantes funcionam enquanto uma verdadeira máquina de repressão cultural, que é, inúmeras vezes, esquecida em análises intelecto-morais da sociedade dita global. Para que ao menos uma parte desse processo de dominação sobre o colonizado seja superada, a Geografia pode adquirir um importante peso na área do ensino de formação básica, trabalhando com maior ênfase sobre o processo de transformações culturais e como estes se deram no período do Brasil Colônia, sobre como os negros africanos e indígenas se viram enquanto vítimas das imposições dos europeus que ocuparam terras brasileiras, e como o continente africano teve toda a sua rica e extensa heterogeneidade étnica resumida a interesses geopolíticos imperialistas. O intento aqui é discutir essa situação e pensar sobre como o ensino de Geografia pode contribuir a fim de contrabalançar toda essa diferença. Sobre como o ensino pode agir no processo de transformação de identidades, temos que, a ampliação da liberdade, para grupos socialmente excluídos, passa necessariamente pela identificação, por um lado, dos fatores sociais que são geradores e ou causadores da forma de exclusão e, por outro lado, pela identificação dos tipos de ações concretas e quais instituições sociais podem atuar de forma que se impeça sua reprodução. Uma das principais instituições sociais, considerada por muitos a instituição-chave das sociedades democráticas, é a escola, que sempre aparece como a que é capaz de preparar cidadãos e cidadãs para o convívio social. (SILVÉRIO, 2006, p. 7). Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 2 E é nessa prerrogativa que se faz notável a necessidade de se ampliar os horizontes da prática de ensino na Geografia, uma vez que os currículos dessa disciplina nas escolas sofrem uma cara ausência dos estudos referentes à cultura e todos os processos geopolíticos africanos e/ou afro-brasileiros que possibilitem uma reflexão do Eu e do Outro, que atenderiam o intuito de desmascarar justamente essa imposição cultural que se fez ao longo da história nas sociedades e levar alunos e professores a uma reflexão sobre como ela se dá na atualidade. MATERIAIS E MÉTODOS Para trabalhar o ensino de cultura africana na Geografia é imprescindível o uso de mapas, pois eles se configuram em um caminho explicativo de como observar e explicar as mudanças das ações decorrentes do imperialismo político europeu. São com eles que todas as espacializações dos processos políticos, históricos e culturais africanos e afro-brasileiros podem ser mais bem representadas. Fonseca e Oliva (2001, p.63) revelam que o conhecimento geográfico teve a sua consagração dentro do uso da linguagem verbal e também pela linguagem gráfica, o que nos leva a pensar que, ao se praticar o ensino de geografia, é extremamente necessário o uso de ambas as linguagens, já que cartogramas e plantas se enquadram na linguagem gráfica. Entretanto, não pode ser deixado de lado o fato de que o uso de mapas no ensino de Geografia, seja qual for a temática, requer cuidados: Não se pode esquecer o fato de que existem diferentes mapas para diferentes usuários. Aparentemente, isso é simples, embora em termos de ensino é fundamental que se faça a diferenciação, porque muitas vezes o professor utiliza-se dos mapas que tem em mãos, não fazendo a diferenciação ou não fazendo a seleção dos principais elementos que os seus alunos têm condição de ler. (SIMIELLI, 2001, p.92) Em resumo, deve-se sempre considerar a premissa de que há uma pluralidade de mapas e de leitores de mapas, de forma que a representação deve sempre obedecer a recursos didáticos que facilitem a leitura dos alunos na compreensão do tema exposto RESULTADOS E DISCUSSÕES Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 3 A importância dessa compreensão à luz do ensino de geografia aplicado aos contentos de história da África se concentra na ausência de conteúdo e disciplinas específicas nessa área, por se considerar ineficiente os currículos no que tange a aplicação da lei que impõe esses estudos. Fatores podem ser elencados diante dessa afirmativa: o que se sabe sobre a geopolítica, ocorrida na conformação dos territórios africanos durante os séculos XIX e XX? Quais regiões desapareçam ou surgiram nesse período? Quais regiões foram recriadas como território nacional, constituindo mudanças no mapa a partir da segunda guerra mundial nesse continente? Como se configurava a disposição territorial dos inúmeros povos que habitavam a África no período anterior à sua partilha entre os países imperialistas europeus? É, portanto, notório o fato de que inúmeras perguntas surgem no que concerne à configuração e reordenamento territorial antes e depois do século XX, tais questionamentos emergem enquanto lacunas em alguns currículos de Geografia no que se refere à formação do licenciado nessa área. A África fica subsumida a abordagens ligadas a Geografia Cultural, Econômica e, ora, Política, mas jamais como uma disciplina específica que trata tal continente. Diante dessa possível lacuna elabora-se uma cartografia africana no que diz respeito às mudanças desde o período. O ano de 1884 representou um marco em toda a história africana, pois nesse ano realizou-se a Conferência de Berlim e, nela, a realização da partilha da áfrica entre os países europeus. Como pode ser observada no Mapa 01, essa divisão política foi realizada de maneira completamente arbitrária, e permitiu a consolidação do processo de expansão e dominação do poder absoluto de alguns poucos países sobre um continente inteiro. O uso de um mapa que represente essa partilha em sala de aula é imprescindível no âmbito de fazer com que o aluno perceba a espacialidade da dominação sobre os povos africanos. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 4 Mapa 01 – É notável aqui perceber como a África foi retalhada preponderando o processo de subordinação praticado pelos países europeus. O fruto dessa partilha foi a criação de inúmeros estados-nações, cujas fronteiras foram traçadas “usando a régua”, ou seja, em formas puramente geométricas que nada representam as reais delimitações territoriais dos povos nativos africanos (ver Mapa 02). Essa divisão política inseriu, em um mesmo país, tribos rivais que não se podiam imaginar dividindo o mesmo terreno. Não é difícil deduzir que isso gerou inúmeros conflitos internos e guerras civis por todo o continente. Para se ter uma noção – e para que o professor faça com que seus alunos adquiram essa mesma noção – essa partilha foi arbitrária, a divisão política da África negou toda a espacialidade territorial formada por centenas de povos, que configuram um complexo mosaico étnico. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 5 Mapa 02 – Não é difícil notar as linhas retas que separam alguns países, o que representa uma divisão territorial “artificial” que não considera nenhum limite natural ou humano. É importante observar, por conseguinte, que por meio do uso dos mapas, é possível estabelecer um procedimento didático de construção espaço-temporal de como o continente africano foi se transformando politicamente até os dias atual, destacando a forma com que os povos nativos foram quase que completamente ignorados nesse processo. O Mapa 03 representa a configuração desse continente no período da década de 1960. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 6 Mapa 03 – Na década de 60, a maior parte das nações já conquistou as suas independências, porém cabe a pergunta: estão independentes até que ponto? CONCLUSÃO A problemática aqui estabelecida nos remete a pensar em como a educação brasileira pode trabalhar acerca dessas relações. É necessário fazer reflexões sobre inúmeras perguntas que, nesse trabalho, não cabem ser respondidas: como pode ser trabalhado o ensino brasileiro no sentido de resgatar todas as relações diaspóricas engolidas pelo eurocentrismo? Projetos devem ser executados nessa perspectiva, mas como essa execução deve ocorrer? Como questionar didaticamente os motivos que levaram à subordinação dos povos nativos em inúmeros continentes ao longo da história? Como explicitar o fato de que essa subordinação ainda acontece? Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 7 O resultado dessas reflexões pode proclamar a emergência de uma nova forma de pensar, pautada em considerações empáticas acerca da percepção dos indivíduos, em especial àqueles que tiveram suas raízes culturais arrancadas de si, e indagar sobre como o processo de miscigenação proposto pela globalização neoliberal pode acarretar em problemas identitários sem igual nas sociedades subdesenvolvidas e em desenvolvimento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DUSSEL, E. 1492: o encobrimento do outro. A origem do "mito da modernidade", São Paulo, SP: Vozes, 1993. FONSECA, F. P. e OLIVA, J. T. A Geografia e suas linguagens, o caso da cartografia. In. CARLOS, A. F. A. (Org.). A Geografia na Sala de Aula. 3 ed. São Paulo, SP: Contexto, 2001. KATUTA, A. M. A Linguagem Cartográfica No Ensino Superior e Básico. In. PONTUSCHKA, N. N.; OLIVEIRA, A. U. (Org.). Geografia em Perspectiva. São Paulo, SP: Contexto, 2002. SILVÉRIO, V. S. A diferença como realização da liberdade. In. 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