ABREU, Mauricio de Almeida. Geografia Histórica do Rio de Janeiro

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DEPOIMENTO E RESENHA
ABREU, Mauricio de Almeida. Geografia Histórica do Rio de Janeiro (1502-1700). Rio de
Janeiro, Andrea Jakobsson Estúdio e Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, 2010, 2 vol.,
904 p.
Antes de iniciar a resenha propriamente dita, gostaria de comentar a enorme proximidade
que tenho com o autor e que resultou numa sólida amizade, apesar dos 1.500 km que nos
separam. Essa proximidade temática ajudou a elaborar uma resenha de um livro cuja
enorme riqueza dificulta a apresentação do mesmo. O leitor pode optar por passar
diretamente para a leitura da resenha propriamente dita.
DEPOIMENTO
Conheci Mauricio durante o 3º Encontro Nacional de Pós-Graduação, realizado em 1987
em Rio Claro1. Mauricio me deu, nesse evento, um exemplar do seu livro Evolução Urbana
do Rio de Janeiro, que acabava de ser publicado2, embora seu levantamento estivesse
concluído desde 1978. Escrevi então uma resenha sobre o seu livro que foi publicada no
ano seguinte, no número 1 da revista RUA, do Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura da Universidade Federal da Bahia3. Eu já estava oferecendo nesse programa
uma disciplina em conjunto com a colega Ana Fernandes que tratava das teorias sobre as
cidades.
Para participar do 1º Simpósio de Geografia Urbana de 1989, na Universidade de São
Paulo, preparei um pequeno texto “A Cidade da Geografia no Brasil”, que comentava
também a contribuição de autores de outras escolas geográficas 4. Nesse evento, comecei a
perceber a capacidade de trabalho do Mauricio, que apresentou sua excelente análise “O
Estudo Geográfico da Cidade no Brasil: Evolução e Avaliação”, a partir de longa
pesquisa realizada, sobretudo, no Rio de Janeiro e São Paulo, incluindo o levantamento da
produção da pós-graduação do período. Mais importante ainda que sua apresentação, foi
a publicação posterior do seu capítulo com 124 páginas, que corresponde a mais de um
terço do livro Os Caminhos da Reflexão sobre a Cidade e o Urbano, editado por Ana Fani
Alessandri Carlos com os textos do simpósio, mas que só foi publicado em 19945.
A partir desse 1º Simpurb, participamos de todos os eventos seguintes, em boa parte
partilhando as mesmas mesas redondas. Em Rio Claro (1991) participamos da mesa
redonda “Cidade: Espaço e Tempo”6; no Rio de Janeiro (1993) estávamos dessa vez em
uma mesma sessão de comunicações7; em Fortaleza (1995) voltamos a partilhar da mesa
redonda sobre “Epistemologias das cidades” 8; no de Salvador (1997) participamos da
mesa redonda intitulada “Espaço e tempo no urbano” 9. O sexto simpósio foi realizado em
Presidente Prudente (1999), e estávamos na primeira mesa “A Cidade no Brasil:
transformações e permanências”10; no sétimo, novamente em São Paulo (2001), ficamos
na mesa redonda “Espacialidades e temporalidades urbanas” 11. No evento em Recife
(2003), participamos da mesa redonda “Tempo, cultura e espaço: Entre a rigidez e a
flexibilidade”.12 No simpósio de 2005, em Manaus, participamos da mesa redonda
“Cidade, Espaço, Tempo”, cujo livro foi publicado apenas em 200913. No décimo evento,
realizado em Florianópolis (2007), enquanto Mauricio coordenou uma sessão temática, eu
participei de uma mesa redonda14. Finalmente, no simpósio de 2009, realizado em
Brasília, o Mauricio não compareceu por questões de saúde15.
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Participamos também, em paralelo, de outros eventos aqui no Brasil, como o 1º Seminário
da História Urbana em Salvador (1990)16; do importante O Mundo do Cidadão. Um
Cidadão do Mundo (1996), com livro publicado no mesmo ano e que conta com capítulos
nossos17. Na Bienal do Livro em São Paulo (2000) participamos da mesa redonda “A
construção do espaço urbano – da vila a cidade mundial”; assim como do 6º Seminário de
História Urbana em Natal (2000). Na reunião da ANPEGE em Florianópolis (2003),
participamos da mesa redonda “A Geografia nos órgãos de fomento: a pesquisa e pósgraduação no Brasil” com discussões sobre o CNPq e a CAPES; Estivemos também no
Encontro da União Geográfica Internacional no Rio de Janeiro (2003); e na Jornada da
Pós-Graduação da UFRJ (2006). Coordenamos um grupo de trabalho sobre Geografia
Histórica em duas reuniões da ANPEGE, o VI Encontro realizado em Fortaleza em 2005 e
o VII Encontro em Niterói em 2007. No segundo evento Mauricio não pode participar por
problemas de saúde. Em 2008 participamos do I Seminário do Urbanismo Colonial no
Espírito Santo, em Vitória.
Mauricio também organizou dois workshops com a Fania Fridmann no domínio da
história urbana. No primeiro eu fui convidado para participar (2006), quando Mauricio
apresentou um texto, e no segundo (2009) eu fui convidado para apresentar um texto,
ambos publicados no recente livro Cidades Latino-Americanas (2010)18.
Dos eventos internacionais, destaco o Congresso Internacional de Geografia em Lisboa
(1998). Tinham tantos brasileiros inscritos que os portugueses organizaram uma mesa só
para nós, mas, para nossa decepção, apenas compareceram três apresentadores: uma
orientanda de Mauricio, Inês, Mauricio e eu, e o mais surrealista, a orientanda e eu
apresentamos em francês e o Mauricio em inglês, pois havia no público interessados que
não compreendiam o português, embora no mesmo evento, o Prof. Milton Santos tenha
preferido fazer sua conferência em português, pois não achava sentido falar outra língua
em Portugal. Em 2005 participamos de outro evento internacional, desta vez em La
Rochelle, França, e temos capítulos publicados no livro editado por Laurent Vidal 19. No
ano seguinte, participamos do VIII Colóquio Internacional de Geocrítica, organizado por
Horacio Capel, na Cidade do México. Nessa viagem, Mauricio foi roubado no metrô,
apesar dos meus avisos de esconder a carteira, que continha seus documentos e cartões de
crédito ...
Além dos eventos, em algumas publicações nossos textos aparecem em conjunto: como por
exemplo, no livro Geografia e Meio Ambiente no Brasil (1995) eu tenho um capítulo sobre
Salvador que é seguido por um capítulo de Mauricio sobre a habitação popular no Rio de
Janeiro20. No livro Explorações Geográficas, de 1997, basicamente composto com autores
da UFRJ, o texto do Mauricio antecede ao meu 21.
Em 1994 fui realizar meu pós-doutorado na França, onde dei continuidade ao
levantamento da literatura que resultaria no livro Dois Séculos do Pensamento sobre a
Cidade. Por coincidência Mauricio também veio completar seu pós-doutoramento na
França depois de um estágio pós-doutoral na Alemanha. Essa oportunidade possibilitou
ampliar nossa colaboração. Lembro que logo no início passei o conselho que já tinha
recebido de Milton Santos: na França nós deveríamos nos vestir com paletó e gravata, pois
os franceses eram muito formais. Mauricio, como bom carioca, não considerou meu
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conselho e foi a uma reunião com colegas franceses vestindo um casaco de couro.
Resultado: viajou logo em seguida para a Inglaterra para comprar roupas adequadas para
sua estadia na França... Outro incidente interessante foi quando Claval nos convidou para
um seminário no Instituto de Geografia em que ambos apresentaram seus trabalhos, e nós
estávamos com roupas praticamente idênticas ... Os trabalhos foram publicados na revista
da Associação dos Geógrafos franceses22.
Voltando ao Brasil, terminei o meu livro Dois Séculos, e o enviei para o Mauricio, que fez
uma minuciosa leitura crítica do mesmo, que só foi publicado em 199923. Em seguida, dei
continuidade ao meu livro sobre Salvador, que contou desta vez com o Prefácio elaborado
por Mauricio, e que foi publicado em 2002 24.
Mauricio foi escolhido para ser o coordenador da equipe de avaliação da CAPES e me
convidou para fazer parte da referida equipe (2001-2002). Ele também foi representante
da Geografia Humana no CNPq. Com o final do mandato dele, eu saí da equipe da CAPES
e fui substituir Mauricio como representante no CNPq (2002-2005).
O Mauricio também me convidou, inicialmente, para duas bancas de mestrado de
orientandos dele, Isabele e Marcelo (2001), e em seguida para uma de doutorado, de
Rafael (2008). Como não tínhamos ainda doutorado em Salvador, eu só tinha orientandos
nesse nível em Arquitetura, e convidei o Mauricio para participar de uma banca, de
Luciene (2005), desta vez eu é que estava doente. A convite de Marcelo Lopes de Souza
participamos, Mauricio e eu, da banca de doutorado de Andrelino (2003). Também
participamos conjuntamente de bancas de concurso para Professor, como o de Livre
Docência na Universidade de São Paulo de Ana Fani Alessandri Carlos em 2000.
A partir dos Simpósios de Geografia Urbana começamos a formar um grupo de colegas
que foram se transformando em amigos, na medida em que discutíamos calorosamente
nossas ideias durante os eventos, mas essas discussões não abalavam a nossa amizade que
se ampliava em cada encontro. Desses eventos resultou a formação do Grupo de Estudos
Urbanos - GEU, composto por Ana Fani Alessandri Carlos, Jan Bitoun, Maria
Encarnação (Carminha) Sposito, Mauricio Abreu, Roberto Lobato Corrêa, Silvana
Pintaudi, eu e posteriormente Marcelo Lopes de Souza. Das reuniões do Grupo de Estudos
Urbanos nasceu a revista Cidades, cujo primeiro número data de 2004 e já está no 11º
número, mantida por nosso grupo, sem apoio institucional e editada desde seu início por
Maria Encarnação Beltrão Sposito25. A partir de uma série de workshops realizados em
diferentes cidades pelo Grupo de Estudos Urbanos, em que discutíamos textos elaborados
por cada um de nós e de alguns colegas convidados, resultou um primeiro livro, A
Produção do Espaço Urbano, lançado neste ano, e que conta também de texto meu e de
Mauricio26.
Finalmente, logo após Mauricio concluir o manuscrito da sua magnífica Geografia
Histórica do Rio de Janeiro 1502-1700, ele ficou seriamente doente. Nesse momento, eu
pensei que poderia ajudar, de longe, se fizesse a leitura crítica dos seus manuscritos, o que
ele concordou. Ele me enviou, por sedex, os quatro volumes originais digitados em espaço
um, ainda com observações e correções escritas a mão, e eu fiquei muito preocupado com
a possibilidade de haver algum extravio, o que felizmente não aconteceu.
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A leitura dos manuscritos facilitou a tentativa de resenhar o monumental livro lançado em
dezembro passado, resultado de uma pesquisa que levou pelo menos 15 anos para ser
concluída, embora não seja tarefa fácil. Em resenha anterior, para outra revista,
aproveitei texto do Mauricio, da própria introdução, pois considerei que não poderia
resumir melhor que o autor o conteúdo do próprio livro. Desta vez tentei fazer uma
resenha a partir da minha visão, em que procurei sintetizar o riquíssimo trabalho, e ao
mesmo tempo divulgar e incentivar a leitura completa deste livro, que marca uma nova
fase na Geografia Histórica e mesmo na Geografia brasileira, livro que já começou a
receber prêmios nacionais e resenhas internacionais.
RESENHA
O Mauricio Abreu tem Master e Ph.D em Geografia pela Ohio University, com pósdoutoramento em universidades na Alemanha e na França. É Professor Titular em
Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Pesquisador CNPq 1-A.
O livro, Geografia Histórica do Rio de Janeiro (1502-1700), publicado em dois volumes
com luxuosa apresentação e rico conteúdo, trata da cidade do Rio de Janeiro e de sua
região de influência na perspectiva dessa sub-disciplina. É o resultado do longo trabalho
de pesquisa, efetuado por Mauricio Abreu, e é voltado para os dois séculos iniciais da
cidade e região, justamente os de documentação de mais difícil acesso. O autor dedicou-se
a exaustiva pesquisa de documentos primários em arquivos, tanto no Brasil, como em
Portugal e no Vaticano. O autor montou um riquíssimo banco de dados no Núcleo de
Pesquisa de Geografia Histórica que o mesmo tinha implantado na UFRJ, o que permitiu
estabelecer novas relações e encontrar respostas a questões importantes, sobretudo a
partir do exame dos livros de escrituras dos cartórios do Rio de Janeiro (mais de 500
livros) e nas mais de 244 caixas e documentos avulsos no Arquivo Histórico Ultramarino,
em Portugal. Deve ser destacado, que, em paralelo as suas pesquisas, Mauricio formou
uma extensa equipe no domínio da Geografia Histórica.
O primeiro volume é dividido em uma Introdução e duas partes.
Na Introdução o autor inicia sua narração numa bela forma literária: “Este trabalho
pretende estudar um lugar. Não se trata, entretanto, de um lugar qualquer: o que
objetivamos aqui é discutir um lugar que não existe mais, um lugar do passado, no caso, o
Rio de Janeiro dos séculos XVI e XVII” (I, p. 15). As dificuldades já estão, portanto,
anunciadas, sobretudo pela opção de estudar os dois primeiros séculos de documentação
mais escassa. Como o livro é de Geografia Histórica o autor começa pela discussão
teórica do conceito “lugar”. Comenta, a seguir, as “Geografias do Passado”, com a
afirmação da tradição dos estudos de geografia histórica apesar do debate de que os
geógrafos só deveriam examinar o presente. Daí passa a comparar a Geografia com a
História e a discutir as questões de método, com o exame das noções de tempo, espaço,
período, região e lugar. Em seguida define os objetivos, o lugar e a periodização: “O
principal objetivo deste trabalho é discutir o processo de produção do território que esteve
sob a jurisdição da cidade e da capitania do Rio de Janeiro nos séculos XVI e XVII” (p.
20). O território examinado restringe-se a área de seis léguas em quadra, instituída por
Mem de Sá em 1567. A periodização é definida com o início em 1502, quando aparecem as
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primeiras informações sobre a baía da Guanabara e vai até o final do século XVII e o
início do século XVIII, com o desenvolvimento das minas gerais. Em seguida, o autor conta
a história do próprio livro, dos 15 anos para sua produção, de suas pesquisas em arquivos
nacionais e internacionais. A Introdução é concluída com uma apresentação das partes do
livro e com os agradecimentos. Deve ser destacado que já na Introdução várias referências
teóricas são citadas em notas de pé-de-página.
A primeira parte se denomina “O processo de conquista”, e é composta por quatro
capítulos.
O primeiro capítulo, “Contatos e aproximações”, começa pela polêmica do nome “rio de
Janeiro”. Em seguida o autor comenta a feitoria do “cabo Frio”. O capítulo é concluído
com as disputas com os franceses e os antecedentes da fundação da cidade.
O segundo capítulo tem o interessante título de “A França Antártica: um território que não
foi”, quando o autor comenta a presença francesa nessa parte do litoral da América do
Sul. Destaca as fontes utilizadas; a expedição de Villegagnon; as lutas pela posse da ilha e
do forte de Coligny; a questão religiosa (na medida em que os franceses eram, em sua
maioria, protestantes); e a dependência dos franceses aos indígenas. O autor também
comenta as imagens divulgadas da França Antártica, no período; assim como do envio de
outra esquadra francesa em 1582, derrotada pelos portugueses nos Açores. O capítulo é
concluído com a afirmação de que a “França Antártica” teria se resumido a uma figura de
retórica, a uma “metonímia espacial”.
O terceiro capítulo, “A conquista da Guanabara” é dos mais importantes. Começa pela
discussão do papel do indígena; do desafio do território ocupado pelos franceses; do fim
da “França Antártica” em 1560 e os pontos nebulosos sobre os eventos do período. Em
seguir trata da fundação da cidade do Rio de Janeiro, em 1º de março de 1565 (p. 121).
Trata dos aspectos estratégicos e as vantagens do sítio escolhido. A povoação primitiva é
comentada a seguir, apesar das poucos documentos existentes. O autor destaca que o Rio
de Janeiro já teria sido fundado como cidade real. Sobre os primeiros povoadores, o autor
monta um precioso quadro com 116 nomes, com informações parciais, obtidas em diversas
fontes, dos títulos, ocupação, dados pessoais e proveniência (p. 137-140). Em seguida
comenta os últimos combates, quando trata da “conquista final” e o capítulo é concluído
com comentários sobre a transferência da cidade em 1567 da antiga “cidade velha” para
o morro do Castelo, sítio em acrópole, típico das cidades portuguesas.
O quarto capítulo tem o título de “A submissão do indígena e a consolidação da
conquista”. Ou seja, após os franceses, o combate se volta contra os índios considerados
inimigos. Comenta o significado dos aldeamentos; a guerra justa e os “descimentos” dos
indígenas para os aldeamentos; a guerra do governador Salema na qual resultou no
extermínio dos tamoios. Segue pelas entradas no sertão para resgate de mais índios; da
concessão de terras para os aliados índios termiminós na área da atual Niterói; a
implantação dos primeiros aldeamentos, o de São Lourenço (Niterói) e de São Barnabé
(Itaboraí); a fundação de Cabo Frio; os outros aldeamentos: o de São Pedro, em território
goitacá; e oda baía da Ilha Grande. Destaca os conflitos com os colonos de São Vicente
devido aos descimentos dos indígenas. Quando trata do papel dos indígenas na defesa da
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cidade, levanta um total de seis aldeamentos, com 403 indígenas mobilizados no período
1628-1633 (p. 193). O capítulo é concluído com comentários sobre o declínio dos
aldeamentos, com dados da população aldeada desde 1587 até 1701 (p. 195).
A segunda parte é intitulada “A apropriação do território e a formação da sociedade
colonial: agentes, ritmos e conflitos”, com seis capítulos.
O quinto capítulo é sobre a concessão de sesmarias e expansão do povoamento. Este é um
capítulo eminentemente geográfico, que começa comentando as sesmarias, a transposição
do sistema para o Brasil e do método utilizado para o levantamento das fontes. Quando o
autor comenta as primeiras sesmarias concedidas, pode ser destacado um primeiro mapa
que localiza as sesmarias concedidas no período 1565-1566, com suas áreas representadas
em círculos em torno da baía da Guanabara. Outro mapa é sobre as toponímias antigas,
com sua localização. Em seguida retoma a questão do início do povoamento europeu, no
período 1567-1575, quando é apresentado um segundo mapa das sesmarias concedidas
entre 1567-1575, mostrando a interiorização das mesmas. Essa interiorização é comentada
a seguir, no período 1576-1600, quando dispomos de um terceiro mapa com as concessões
de 1576-1600, já com extrapolação do termo da cidade, e de um quarto mapa do período
1601-1650, que registra um importante avanço em direção ao nordeste. Na parte referente
ao preenchimento dos vazios e a subida das serras no período 1651-1700, temos um quinto
mapa do mesmo período. O capítulo é concluído com a volta das lembranças da ocupação
indígena, sobretudo na toponímia, quando o autor lista um total de 50 aldeias indígenas do
recôncavo da Guanabara, identificadas pelo autor a partir dos dados de 1564 até 1638.
O capítulo sexto trata das terras da Câmara e sua ocupação. Começa pela discussão dos
patrimônios municipais e do patrimônio territorial concedido a Câmara do Rio de Janeiro
à cidade em três doações. Detalha a ocupação das terras da Câmara a seguir, comenta os
barreiros (para a produção de telhas, louças e tijolos) e palames (curtição do couro).
Passa a seguir a examinar os primeiros engenhos de açúcar, com mapa indicando os
engenhos e pastos em torno da lagoa Camambucaba (atual Rodrigo de Freitas), seguindo
pelo comentário da ocupação do vale do Carioca pelas atividades agrícolas. Destaca
ainda o Engenho Pequeno, de difícil localização. O capítulo é terminado com uma
conclusão provisória sobre a administração das terras da Câmara.
O capítulo sétimo é sobre o patrimônio das ordens religiosas. Começa pelas terras da
poderosa Companhia de Jesus e suas dificuldades iniciais; a primeira concessão de terras
(Iguaçu) e o aproveitamento das terras pelos jesuítas. As terras do vale do Macacu são
comentadas, com a apresentação de quadro com as alienações realizadas pelos jesuítas
desde 1580 até 1659. Conclui com as terras da fazenda de Santa Cruz. Passa a comentar o
patrimônio fundiário dos beneditinos, com apresentação de quadro das sesmarias
concedidas ao Mosteiro de São Bento entre 1590 a 1651 e da evolução do patrimônio
fundiário da ordem no vales do Guaguaçu e Inhomirim, desde 1591 a 1681. O patrimônio
dos carmelitas também é tratado, com apresentação de quadros sobre suas sesmarias no
período 1594 a 1669 e das suas principais propriedades, entre 1594 e 1707. O capítulo é
concluído com uma discussão sobre os controles das terras das ordens religiosas.
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O oitavo capítulo trata da importante questão dos conflitos da apropriação territorial. O
autor começa pela discussão da retomada pela Coroa de terras que não estavam sob sua
jurisdição. Segue pelos conflitos com a capitania de São Vicente e capitania de Cabo Frio,
quando apresenta quadro com a listagem das sesmarias concedidas nessa última capitania
no período de 1576 a 1682 e de quadro das doações feitas pelos Loco-Tenentes das
capitanias paulistas no sul da capitania do Rio de Janeiro, no período de 1566 a 1698.
Comenta a seguir, as intrusões da Câmara do Rio na área alodial a cidade (ou seja, que
não pagava forros municipais), quando apresenta quadro com as sesmarias concedidas
pelos governadores nas terras da Câmara, entre 1565 a 1679, seguida de quadro das
sesmarias de chão concedidas no período 1688 a 1739. Uma parte importante do capítulo
trata do conflito entre a Câmara e a Companhia de Jesus, que vão desde a demarcação das
terras jesuíticas de Iguaçu, das tentativas de medição das terras da Câmara (com a
demarcação definitiva realizada em 1753) e com a identificação do ribeiro posteriormente
chamado Catumbi. O capítulo é concluído com comentários sobre outros conflitos de
propriedade e sobre a disputa sobre os terrenos de manguezais, na qual estavam também
envolvidos os jesuítas.
No capítulo nono o autor passa a discutir “As malhas de controle territorial”, quando
examina a difusão das capelas e patrimônios religiosos como formas de apropriação do
território. Em seguida comenta a multiplicação de freguesias, quando apresenta quadro
com os senhores de engenho relacionados na fundação de três freguesias em torno de 1645
e de 24 freguesias curadas ou coladas estabelecidas no período de 1569 a 1699, assim
como da sua localização em um mapa, juntamente com os caminhos reais. Outros
elementos de controle são destacados: as tropas de linha e os distritos de ordenança, com
quadro apresentando 17 distritos no final do século XVII; dos juízes de vintena, nas aldeias
de vizinhos; dos capitães do mato, no controle da população escrava e dos quadrilheiros
urbanos, antecessores dos guardas urbanos. O capítulo é concluído com o comentário
sobre os controles crescentes no final do século XVII, devido à descoberta de ouro nas
minas, incluindo a relação dos novos fortes construídos pela Coroa.
O último capítulo da segunda parte e do primeiro volume, o 10º, é sobre a formação da
sociedade colonial fluminense. Para mim, um dos mais interessantes. Começa pelo
crescimento da população, com apresentação de quadro comparativo entre as diferentes
capitanias, vilas e cidades, citando autores do século XVI. Segue discutindo os degredados
e homiziados, componentes da população inicial. Passa para a “nobreza da terra”,
sobretudo os senhores de engenho, com seus privilégios. Uma parte maior é dedicada aos
oficiais mecânicos, com a discussão do sistema corporativo em Portugal, dos ofícios
mecânicos no século XVII, incluindo um quadro com os grupos artesanais que elegeram
juízes e escrivães de ofício entre 1636 e 1649. Outro quadro importante é o que lista de 39
ofícios mecânicos identificados no período de 1601 a 1700. Outro grupo que requereu um
longo relato foi o dos cristãos-novos, com comentários desde o contexto da Península
Ibérica, seguida pela situação no Rio de Janeiro no século XVII, com comentário das
primeiras animosidades e das perseguições dos marranos fluminenses, quando é
apresentado um quadro com informações dos familiares da Inquisição que atuaram no Rio
de janeiro nos séculos XVII e início do XVIII. O capítulo é concluído com o exame dos
mercadores e homens de negócio, com quadro destacando as escrituras subscritas por um
negociante no período de 1674 a 1710.
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O segundo volume é composto pela terceira e quarta partes, pela Conclusão, Referências
Iconográficas e Bibliografia.
A terceira parte, intitulada “O Rio de Janeiro e o sistema atlântico” é composto por três
capítulos.
No capítulo 11º o autor muda de escala: vai tratar da inserção do Rio de Janeiro na
economia-mundo. Começa com a discussão do comércio legal e ilegal com a região do
Prata. Passa em seguida a discutir a reconquista de Angola que tinha sido tomada pelos
holandeses em 1648. Continua com a discussão do tráfico africano de escravos e da
importância da cachaça como artigo de troca. Essas questões vão desembocar na
“guinada atlântica” do Rio de Janeiro, segundo o autor, quando são informadas as fontes
documentais consultadas sobre escravos, e os resultados obtidos no período de 1626-1700,
num total de 6.401 escravos, dos quais apenas 342 eram indígenas (II, p. 40). O capítulo é
continuado com a análise das conjunturas econômicas no século XVII, quando destaca a
importância das fontes primárias, e o autor passa a análise da produção açucareira do Rio
de Janeiro no século XVII, com comentários sobre os contratos dos dízimos reais, com
quadro que levanta as arrematações de 1608 a 1713, incluindo os nomes dos arrematantes.
Analisa os preços do açúcar no período de um século (1602 a 1702) e suas oscilações,
assim como os quantitativos da produção, com um quadro que informa as quantidades de
caixas de açúcar produzidas de 1643 a 1710. No final do capítulo, importantes anexos são
apresentados. No Anexo 1 são listados os 94 contribuintes da preparação da armada para
Angola em 1648 (p. 66-68). O Anexo 2 traz a lista de 105 escravos africanos com etnias
declaradas no período 1652 a 1700, em sua maioria originários da região Congo-Angola
(p. 69-70). No Anexo 3 são listados os 134 escravos identificados como do “gentio de
Guiné”, (embora alguns crioulos estejam na lista), pertencentes a Salvador Correia de Sá
e Benevides, que retomou Angola dos holandeses; além de outros escravos de seus sócios
do Engenho Cabeça, em 1662, totalizando 179 escravos; assim, como são levantados os
escravos de Merência de Barcelos, proprietária do Engenho de São Mateus, em 1700.
O capítulo 12 traz uma das maiores contribuições do autor: o detalhado estudo dos
engenhos fluminenses. Com 101 páginas, o capítulo equivale a um livro. O autor começa
pelo comentário das inovações tecnológicas, quando apresenta mapa da localização dos
engenhos do período 1601-1610. Comenta a construção da base de dados sobre os
engenhos e dá como exemplo as informações levantadas sobre quatro engenhos, nos
períodos de 1638 a 1715 (em Inhaúma); 1645-1726 (em Mutuá); 1606-1643 (Lagoa) e
1645-1715 (Maruí). Informa, a seguir, da divisão temporal concebida para a análise dos
engenhos, assim como da definição de zonas produtoras. Segue pelo comentário dos
resultados do levantamento dos 162 engenhos identificados, um dos resultados mais
importantes da pesquisa. São apresentados mapas dos engenhos fluminenses nos períodos
1621-1630; 1661-1670; e 1691-1700. O tamanho dos engenhos é também registrado,
considerando o número de caldeiras, de bois e de escravos pertencentes aos engenhos. Em
seguida trata dos lavradores e partidistas, com quadros com números de partidos de cana
e plantéis de escravos e número médio de escravos dos partidos. Retoma em seguida as
propriedades de Salvador Correia de Sá e Benevides, que chegou a possuir cinco engenhos
e 40 currais de gado (p. 111). Passa a comentar a complexidade dos negócios no campo e
na cidade, e dos 20 engenhos de cristãos-novos denunciados pela Inquisição entre 1708 a
9
1712. Destacou um negociante com levantamento dos seus empréstimos realizados entre
1689 a 1719, assim como a circulação de engenhos, com as mudanças de propriedade. O
capítulo é concluído com uma tentativa de aproximação da paisagem do açúcar. O Anexo
4 traz os 162 engenhos, com suas denominações e período de funcionamento, por década,
entre 1571 a 1700, por zona produtora (p. 139-144). O Anexo 5 traz o minucioso
levantamento das transações dos engenhos, no período 1610-1700, com os nomes dos
engenhos, dos proprietários, localização, número de caldeiras, bois e escravos, valor e
fontes (p. 145-152). O longo Anexo 6 traz informações sobre os partidos de cana dos
engenhos fluminenses no mesmo período do anexo 5 (p. 153-169). O Anexo 7 informa os
empréstimos concedidos pelo Juizado dos Órfãos aos particulares, no período de 1662 a
1700 (p. 170-177).
O capítulo 13 é voltado para discutir as “Turbulências seiscentistas”, que vão desde a
utilização da força de trabalho indígena; a crise de 1640 entre os moradores e os jesuítas;
seguindo pela discussão do comércio livre e das frotas, com a criação da Companhia
Geral do Comércio em 1649; a opressão resultante da carga fiscal elevada, que resultou
na revolta de 1660. Um quadro informa os participantes da revolta, suas atividades e
localização dos engenhos ou fazendas. O capítulo é concluído com uma análise dos novos
tributos e contribuições, como a do dote da infanta de da paz com a Holanda (1661),
cabendo a Bahia a contribuição de 80.000 cruzados, o Rio a 26.000 e Pernambuco a
25.000 (p. 205), o que confirma a importância secundária do Rio de Janeiro em relação à
Bahia no século XVII.
A última parte, a quarta, tem o título de “A cidade de São Sebastião” e é formada por
cinco capítulos.
O capítulo 14 denomina-se “Reencontrando a antiga cidade de São Sebastião”, passando
a análise para o nível urbano, o que considero de maior interesse. O autor começa pelo
comentário da documentação utilizada, com destaque para os livros de registros de cartas
sesmarias. Comenta a seguir a dificuldade do sítio; a implantação do modelo urbano
básico (cidade alta / cidade baixa) e primeiros caminhos. Volta a comentar a importante
sesmaria dos jesuítas e comenta o difícil caminho para a descoberta do significado da
palavra “trasto”, ou seja da “área livre situada imediatamente à frente de uma muralha”
(p. 223). Passa, a seguir, a comentar a Cidade Alta, quando apresenta quadro com
informações sobre sesmarias de chãos concedidas na nessa parte da cidade no período
1507 a 1568. Comenta então os baluartes, muro e portas da cidade, quando apresenta três
mapas conjecturais, a partir de três hipóteses da existência de muro no Rio de Janeiro em
1568. Segue pelos comentários da “descida” do povoamento para a várzea da cidade, com
apresentação de mapa dos principais elementos estruturadores no século XVI. Uma
discussão é realizada se a materialização da cidade resultou de um “plano mental”.
Destaca, a seguir, a tendência a regularidade do plano original. Discute ainda a
apropriação da “retroterra embrejada”, ou seja, dos terrenos alagadiços, com o
rastreamento de algumas sesmarias originais, e com a inferição de sesmarias a partir de
documentos cartoriais. Um plano urbano de 1680 é desenhado, com destaque para as ruas
de traseiras. Segue pelo comentário da conquista da várzea com os trabalhos de drenagem
e conclui o capítulo com o despovoamento do “berço da cidade”, ou seja da Cidade Alta,
com a transferência da Casa de Câmara e Cadeia para a várzea, ficando a parte alta da
10
cidade “decadente e ruralizada” (p. 271). O Anexo 8 trata da polêmica sobre a
localização da Sé original.
No pequeno capítulo 15 são examinados os rossios da cidade, ou seja dos baldios ou terrar
comunais (p. 277). Começa por comentar o “campo da cidade” para pastagem; segue pelo
rossio da Prainha, na atual praça Mauá, que era o rossio da Câmara (p. 286); comenta
também o campo de N. Sra. da Ajuda, para pastos; o campo do Catete, que também
continha um pasto livre; de um rossio que surgiu no mar, a partir de assoreamentos ou
“acrescidos” conquistados ao mar. Um quadro dos aforamentos dos chãos da Praia da
Cidade em 1647 é apresentado. O capítulo é concluído com a questão de que fim teria
levado a “praça”, quando é apresentado um interessante mapa localizando os diferentes
rossios do Rio de Janeiro nos séculos XVI e XVII.
Capítulo de maior fôlego é o 16º, que trata da “construção do espaço urbano no século
XVII”, um dos mais importantes do livro em análise. O autor começa pela comentário
sobre a base dos dados urbanos no século XVII e com a questão das toponímias urbanas,
quando informa o total dos 1.289 fontes documentais examinadas, das quais 1.094 são
escrituras, o que confirma a seriedade e a enormidade do trabalho realizado. Comenta
ainda as localizações aproximadas e a proposta de dois setores urbanos, norte e sul, com
apresentação de mapa para localização dos setores em torno de 1680. Passa a comentar a
crescente solidez do espaço urbano, com o registro da utilização da taipa e do aumento do
uso da pedra e cal em 386 construções do período 1650 a 1700 (p. 308). Comenta, a
seguir, a presença tímida da Coroa portuguesa, com papel quase exclusivo nas
fortificações, construídas com a ajuda dos moradores. Por outro lado, o papel das ordens
religiosas na cidade é destacado, começando pela Companhia de Jesus, com a informação
do número de religiosos, e das rendas do Colégio do Rio de Janeiro (originárias,
sobretudo, da venda do açúcar e do gado). Os beneditinos e seus chãos são analisados a
seguir, assim como os carmelitas e franciscanos. Essa parte é concluída com a luta pela
implantação de convento de freiras, como o ocorrido em Salvador, só autorizado pela
Coroa em 1705 (p. 324). Continua pelo exame das ermidas e igrejas na paisagem carioca,
com apresentação de mapa de localização de ermidas, igrejas e conventos nos séculos XVI
e XVII. Interessante também é a discussão sobre as irmandades e confrarias, com
apresentação de quadro com o levantamento de 44 irmandades, desde 1566 até 1700, com
suas respectivas localizações. Podem ser destacadas as irmandades do Rosário dos
Homens Pretos, anterior a 1639 e a de N. Sra. do Amparo dos Homens Pardos de 1654 (p.
330-333). Passa a comentar o “congelamento jurídico” dos imóveis, ou seja, os imóveis
encapelados; os logradouros públicos a partir do calçamento, cordeamento e da limpeza
das ruas. Comenta as ruas e cantos como marcos de referência, diante da ausência de
numeração e nomes oficiais. Um quadro apresenta os logradouros formadores dos cantos,
com suas denominações e é seguido por mapa com a localização dos principais cantos
(intersecções de ruas) do Rio no século XVII. As moradias também são comentadas, com
elaboração de uma planta baixa conjectural de residência nos meados do século XVII. O
início da “verticalização urbana” é comentada, com quadro com o registro dos sobrados
no período 1601 a 1700 por setores e logradouros da cidade, assim como o de moradas de
casas de dois sobrados entre 1652 a 1707. O capítulo é concluído com os “paços” da
cidade, ou seja as residências nobres. O Anexo 9 trás a listagem de 625 imóveis, por
material de construção, segundo setores e logradouros no período 1601-1700 (p. 353-356).
11
O Anexo 10 é sobre o efetivo dos religiosos desde 1575 até 1707 (p. 357-360). O
importante Anexo 11 apresenta a informação dos logradouros do século XVII com sua
equivalência atual (p. 361-371).
O capítulo 17 é também muito importante, e tem o título de “O Rio de Janeiro do século
XVII: economia urbana e organização interna”. O capítulo é iniciado pela discussão dos
monopólios: do contrato do sal; do contrato das baleias; da pesagem do açúcar; do
comércio da carne verde e da especulação com as mercadorias. Segue comentando a
estrutura interna das cidades pré-industriais, quando cita a literatura internacional sobre
o assunto. Em seguida passa a comentar o espaço artesanal, com quadro que lista a
localização das tendas de artesãos segundo os ofícios mecânicos. Segue pela construção
naval, com destaque para a construção do galeão Padre Eterno, “um dos maiores navios
construídos no século XVII” (p. 395), que deu o nome a ilha do Galeão. Comenta ainda os
espaços mercantis, com quadro com os endereços de 130 homens de negócios e
mercadores por logradouro no período 1681-1711 (p. 397), assim como da residência
urbana dos senhores de engenho, 136 dos quais tiveram seus endereços registrados em
quadro, em três períodos do século XVII (P. 400). A seguir, o autor levanta a questão da
formação de um “bairro marrano” no Rio de Janeiro, com apresentação de quadro com
58 moradias dos cristãos-novos por setor e logradouro no período 1676 a 1711. Levanta
ainda a preciosa informação da planta de valores do Rio seiscentista, com quadro que
registra o valor médio dos imóveis transacionados entre 1651e 1700, por setor e
logradouro. O capítulo é concluído com o esboço da estrutura urbana da cidade no final
do século XVII, e com mapa que destaca as áreas de predomínio de atividades artesanais;
do predomínio dos senhores de engenho; do núcleo comercial; e das ruas de concentração
de marranos. O Anexo 12 trás a lista dos responsáveis pelo baixo assinado solicitando a
implantação de pesos e balanças no trapiche, em 1691 (p. 409-412). O longo Anexo 13 é
sobre a relação dos homens de negócios e assemelhados, com suas qualificações e
endereços (p. 413-428). No Anexo 14 são localizadas as residências urbanas dos senhores
de engenho no Rio de Janeiro (p. 429-437). O Anexo 15 traz a lista dos cristãos-novos
moradores no Rio, denunciados ao Santo Ofício, segundo suas atividades e com seus
endereços (p. 438-443).
O último capítulo, o 18º, é sobre “a vida urbana nos espaços coletivos: comércio, controle
e festa”. O capítulo é começado com o exame dos mercados públicos, seguido pelo
controle realizado sobre os negros de ganho e da vigilância constante o período. O
pelourinho e a forca são comentados, como símbolos do poder do Estado. Mais importante
é o tratamento dado aos espaços de festa e de representação de poder. O capítulo é
concluído com comentários sobre as procissões de El Rei no Rio seiscentista, sobretudo a
do Corpus Christi.
A conclusão do livro não é longa. Inicia pelo comentário do seu desejo de relacionar o
conhecimento histórico com o geográfico, a partir do exame dos pares dialéticos:
“relacionar o conhecimento histórico com o geográfico; a narração com a descrição; a
grande escala com a pequena; a sincronia com a diacronia; a indução com a dedução; a
análise com a síntese; o processo social com a forma social” (p. 462), ou seja,
preocupações que identificam o seu trabalho como sendo de Geografia Histórica, o que o
diferencia, portanto, dos estudos históricos tradicionais. O autor comenta, para concluir, o
12
envio do procurador da Câmara a Lisboa, no final da década de 1660, que relata os
principais problemas da época: período de baixa dos preços do açúcar; as transformações
ocorridas com as chegadas das frotas e conclui com as mudanças devidas à descoberta do
ouro nas minas gerais, que ocorre juntamente com o final do Rio de Janeiro canavieiro.
Finalmente, o livro termina com a referência a mudança da sede do vice-reinado de
Salvador para o Rio em 1763, o que levaria a uma nova conjuntura de transformações (p.
466).
As referências iconográficas são apresentadas nas páginas 467 a 471.
Finalmente, a Bibliografia geral é dividida em quatro partes: (1) as fontes manuscritas,
quando são informados os arquivos pesquisados: o Arquivo da Cúria Metropolitana do
Rio; o Arquivo do Estado de São Paulo; o Arquivo do Mosteiro de São Bento do Rio; o
Arquivo Geral da Cidade do Rio; o Arquivo Nacional; o Arquivo Histórico Ultramarino e
o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa e o Archivum Romanum Societatis Iesu,
no Vaticano; (2) as fontes impressas, num total de 124 referências; (3) as obras de
referência, num total de 21 referências; e (4) os livros, teses, dissertações e artigos,
totalizando 303 referências.
Deve ser destacada ainda a parte gráfica do livro, a qualidade das imagens pesquisadas,
assim como a importância da cartografia histórica em que o autor procurou localizar
fenômenos, como no caso das sesmarias, das terras da Câmara e das ordens religiosas,
que por si só, já seria suficiente para qualificar o trabalho. Outro destaque a ser dado foi o
trabalho inédito de levantamento e localização da quase totalidade dos engenhos de
açúcar fluminenses, um verdadeiro quebra-cabeça que ele conseguiu juntar e recuperar,
um feito que os historiadores não tinham conseguido.
Além do mais, o livro também traz toda uma dimensão teórica, com a citação de uma rica
bibliografia internacional, mantendo sempre uma coerência interna de não se afastar da
sua preocupação principal de “trabalhar a relação entre processo social e forma espacial
num lugar do passado” (p.27). Sua qualidade principal, entretanto, é a de recuperar parte
importante do passado da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro nos seus dois séculos
iniciais, uma contribuição com dimensões braudelianas e que vem consolidar a Geografia
Histórica brasileira.
Pedro de Almeida Vasconcelos, Ph.D.
Professor Titular em Geografia, UFBA; Professor da Pós-Graduação em Geografia da
UFBa e do Mestrado em Planejamento Territorial da Ucsal; Pesquisador CNPq.
1
Os Anais do III Encontro Nacional de Pós-Graduação em Geografia foram publicados na Revista de
Geografia, São Paulo, v. 8/9, 1989-1990.
2
ABREU, Mauricio de Almeida. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, IPLANRIO / Jorge
Zahar Editor, 1987. Sua dedicatória já foi generosa: “Para Pedro, um pouco desta evolução urbana e a
admiração do Mauricio. Nov 87”.
13
3
VASCONCELOS, Pedro de Almeida. “ABREU, Maurício de. A Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro, IPLANRIO/Zahar, 1987, 147 pgs. Resenha”. RUA. Salvador, 1 (1) : p. 161-163, 1988.
4
VASCONCELOS, Pedro de Almeida. “A cidade da Geografia no Brasil”, in CARLOS, Ana Fani Alessandri
(org.) Os Caminhos da Reflexão sobre a Cidade e o Urbano. São Paulo, Edusp, 1994, p. 63-78.
5
ABREU, Maurício de Almeida. “O Estudo Geográfico da Cidade no Brasil: Evolução e Avaliação”, in
CARLOS, Ana Fani Alessandri (org.) Os Caminhos da Reflexão sobre a Cidade e o Urbano. São Paulo,
Edusp, 1994, p. 199-322.
6
Anais do II Simpósio Nacional de Geografia Urbana publicado no Boletim de Geografia Teorética, 21, 42,
AGETEO, Rio Claro-SP, 1991.
7
Anais do 3º Simpósio Nacional de Geografia Urbana. Rio de Janeiro, AGB; UFRJ; IBGE, 1991.
8
Ver SILVA, José Borzacchiello da; COSTA, Maria Clélia Lustosa; DANTAS, Eustógio Wanderley Correia
(org.) A Cidade e o Urbano: temas para debates. Fortaleza, EUFC, 1997.
9
Ver VASCONCELOS, Pedro de Almeida; SILVA, Sylvio Bandeira de Mello e (org.) Novos Estudos de
Geografia Urbana Brasileira. Salvador, Mestrado em Geografia/Edufba, 1999. Infelizmente Mauricio não
quis publicar o excelente texto apresentado sobre os “10 Mandamentos da Geografia Histórica”.
10
Ver SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão (org.) Urbanização e cidades: perspectivas geográficas.
Presidente Prudente, Unesp, 2001.
11
Ver CARLOS, Ana Fani Alessandri; LEMOS, Amália Inês Geraiges. Dilemas urbanos: novas abordagens
sobre a cidade. São Paulo, Contexto, 2003.
12
Anais / VIII Simpósio Nacional de Geografia Urbana. Recife, Ed. Univ. da UFPE, 2004. Os anais
publicados foram parciais.
13
Ver OLIVEIRA, José Aldemir (org.) Cidades Brasileiras: territorialidades, sustentabilidade e demanda
sociais. Manaus, EDUA, 2009.
14
X SIMPURB Florianópolis. Caderno de Programação, 2007.
15
Ver revista Cidades, v. 6; N. 10 (2009) e v. 7; N. 11 (2010).
16
Ver FERNANDES, Ana ; GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras (org.) Cidade & História. Salvador,
UFBA; ANPUR, 1992.
17
SOUZA, Maria Adélia Aparecida de (org.) O Mundo do Cidadão. Um Cidadão do Mundo. São Paulo,
Hucitec, 1996.
18
FRIDMAN, Fania; ABREU, Mauricio (org.) Cidades latino-americanas: um debate sobre a formação de
núcleos urbanos. Rio de Janeiro, Casas da Palavra, 2010.
19
VIDAL, Laurent (dir.) La Ville au Brésil (XVIIIe-XX siècles). Naissances, renaissances. Paris, Les Indes
Savantes / Rivages des Xantos, 2008.
20
BECKER, Berta K.; CHRISTOFOLETTI, Antonio; DAVIDOVICH, Fany R.; GEIGER, Pedro P. (org.)
Geografia e Meio Ambiente no Brasil. São Paulo, Hucitec, 1995.
21
CASTRO, Iná Elias de.; GOMES, Paulo César da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato (org.) Explorações
Geográficas. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1997.
22
Bulletin de l´Association de Geographes Français, 1996-1
23
VASCONCELOS, Pedro de Almeida. Dois Séculos do Pensamento sobre a Cidade. Ilhéus, Editus, 1999.
24
VASCONCELOS, Pedro de Almeida. Salvador: transformações e permanências (1549-1999). Ilhéus,
Editus, 2002.
25
Revista Cidades / Grupo de Estudos Urbanos. Presidente Prudente. Endereço: [email protected].
26
CARLOS, Ana Fani Alessandri; SOUZA, Marcelo Lopes de; SPOSITO, Maria Encarnação (org.) A
Produção do espaço urbano : agentes e processos, escalas e desafios. São Paulo, Contexto, 2011.
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