- Faculdade de Letras

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE LETRAS
SIMONE FLAESCHEN
ORAÇÕES COORDENADAS E SUBORDINADAS DO ITALIANO E DO
PORTUGUÊS DO BRASIL: UM ESTUDO DE ANÁLISE CONTRASTIVA
RIO DE JANEIRO
2012
SIMONE FLAESCHEN
ORAÇÕES COORDENADAS E SUBORDINADAS DO ITALIANO E DO
PORTUGUÊS DO BRASIL: UM ESTUDO DE ANÁLISE CONTRASTIVA
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Letras Neolatinas da Universidade
Federal do Rio de Janeiro — UFRJ,
como parte dos requisitos necessários
para a obtenção do Título de Doutor
em Letras Neolatinas (Estudos
Linguísticos Neolatinos — Opção:
Língua Italiana).
Orientadora:
Annita Gullo.
RIO DE JANEIRO
2012
Professora
Doutora
Flaeschen, Simone.
Orações coordenadas e subordinadas do italiano e do
português do Brasil: um estudo de Análise Contrastiva /
Simone Flaeschen. -- 2012.
xii, 315 f.: il.
Tese (Doutorado em Letras Neolatinas) – Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa
de Letras Neolatinas, Rio de Janeiro, 2012.
Orientadora: Annita Gullo
1. Linguística Contrastiva. 2. Língua Italiana e Língua
Portuguesa. 3. Língua Italiana – Tese. I. Gullo, Annita
(Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Faculdade de Letras, Programa de Letras Neolatinas.
III. Título.
SIMONE FLAESCHEN
ORAÇÕES COORDENADAS E SUBORDINADAS DO ITALIANO E DO PORTUGUÊS
DO BRASIL: UM ESTUDO DE ANÁLISE CONTRASTIVA
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade
de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro
– UFRJ, como parte dos requisitos necessários
para a obtenção do título de Doutor em Letras
Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos,
opção: Língua Italiana).
Aprovada em: __________
_________________________________________________________
Annita Gullo, Professora Doutora, UFRJ
__________________________________________________________
Flora Simonetti Coelho, Professora Doutora, UERJ
__________________________________________________________
Jaci Correia Fernandes, Professora Doutora, UFRJ
___________________________________________________________
Maria Lizete dos Santos, Professora Doutora, UFRJ
___________________________________________________________
Carlos da Silva Sobral, Professor Doutor, UFRJ
____________________________________________________________
Opázia Chain Feres, Professora Doutora, UFF (Suplente)
____________________________________________________________
Cláudia Fátima Morais Martins, Professora Doutora, UFRJ (Suplente)
Rio de Janeiro
Março de 2012
SINOPSE
Nesta tese, apresentamos uma proposta de
correspondência entre as orações coordenadas e
subordinadas do italiano e do português do Brasil.
Para desenvolvermos o nosso estudo, utilizamos
como
metodologia
um
dos
modelos
da
Linguística Contrastiva, a Análise Contrastiva.
No percurso investigativo, tratamos do fenômeno
de interferência da língua materna sobre a língua
estrangeira e enfrentamos desafios, como as
limitações da Nomenclatura Gramatical Brasileira
(NGB) na descrição do período composto do
português. O fazer tradutório se mostrou muito
importante na referida Análise.
Ao meu marido, Anderson do Carmo Rocha, e
à nossa filha, Cecília Flaeschen Rocha
AGRADECIMENTOS
A Deus, “inteligência suprema, causa primária de todas as coisas” (KARDEC, 1998).
À Professora Doutora Annita Gullo, minha admiração e gratidão infinitas. Em sua prática
docente, sempre se fez presente a afetuosidade, tornando o relacionamento professora-alunos o
melhor possível. Ter sido sua orientanda, tanto no Curso de Mestrado quanto no de Doutorado,
foi uma honra.
Agradeço a todos do maravilhoso grupo docente do Setor de Italiano da Faculdade de Letras da
UFRJ. É um grupo acolhedor e amoroso.
Aos Professores Doutores, membros da banca examinadora: à Maria Lizete dos Santos, a Carlos
Sobral e Jaci Correia Fernandes, agradeço a compreensão e o apoio, e também o carinho com o
qual sempre me trataram; agradeço à Professora Doutora Flora Simonetti Coelho, da UERJ, por
aceitar fazer parte da banca examinadora. Sinto-me honrada.
À Laysinevre Linhares pelo apoio psicológico e emocional, pelo incentivo e carinho.
Ao amigo Luiz Roberto Conegundes Salvador, pelo incentivo constante, que me ajudou a
enfrentar mais esse desafio.
Às amigas Eliane Gomes da Silva e Sheila Cardoso Marchesano, que me ajudaram em momentos
difíceis da minha vida e sempre torceram pela minha felicidade.
Agradeço especialmente a meu amado marido, Anderson do Carmo Rocha, que, sempre
compreensivo, amoroso e trabalhador, apoiou-me e suportou heroicamente, junto comigo, o peso
dos sacrifícios que tivemos de fazer para que o presente trabalho fosse elaborado.
Agradeço o amor, a compreensão e o apoio de toda a minha querida família, em especial à minha
mãe, Marcélia Garavello Flaeschen, e a meus irmãos, André Flaeschen e Luciana Flaeschen.
A meu pai, Geraldo Flaeschen, in memoriam.
A todos, enfim, que contribuíram para que este trabalho se realizasse.
"…in the comparison between native and foreign language lies the
key to ease or difficulty in foreign language learning."
Robert Lado
RESUMO
FLAESCHEN, Simone. Orações coordenadas e subordinadas do italiano e do português do
Brasil: um estudo de Análise Contrastiva. Rio de Janeiro, 2012. Tese (Doutorado em Letras
Neolatinas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
A partir de um estudo de análise contrastiva, apresentamos, nesta tese, uma proposta de
correspondência entre as classificações das orações coordenadas e subordinadas do italiano e as
do português do Brasil. O referido estudo foi realizado com base na análise oracional de dois
conjuntos de sentenças: o primeiro, constituído por frases italianas, apresentadas por gramáticos
italianos para exemplificar os tipos de orações coordenadas e subordinadas; o segundo conjunto,
formado pelas mesmas frases, traduzidas para o português. Cinco gramáticas italianas foram
utilizadas como fontes das sentenças italianas. Com base nos resultados do estudo de análise
contrastiva e na proposta de correspondência, aos quais nos referimos acima, apontamos os tipos
de orações coordenadas e subordinadas italianas que ofereceriam maior dificuldade de
aprendizagem por parte de estudantes brasileiros de italiano como língua estrangeira.
Palavras-chave: Linguística Contrastiva; Análise Contrastiva; Sintaxe; orações coordenadas e
subordinadas; língua italiana; língua portuguesa.
ABSTRACT
FLAESCHEN, Simone. Orações coordenadas e subordinadas do italiano e do português do
Brasil: um estudo de Análise Contrastiva. Rio de Janeiro, 2012. Tese (Doutorado em Letras
Neolatinas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
From a study of contrastive analysis on, we present in this thesis a proposal of correspondence
between the classifications of coordinate and subordinate clauses of Italian language and
Brazilian Portuguese language. It was done analysing two groups of sentences: the first with
Italian sentences, presented by Italian grammarians to illustrate the types of coordinate and
subordinate clauses; the second group, formed by the same sentences, translated into Portuguese.
Five Italian grammars were used as sources of Italian sentences. Based on the results of the study
of the contrastive analysis and on the proposal of correspondence, which we referred above, we
indicate the types of Italian coordinate and subordinate clauses would offer a bigger difficulty
learning by Brazilian students who learn Italian as a foreign language.
Keywords: Contrastive Linguistics; Contrastive Analysis; Syntax; coordinate and subordinate
clauses; Italian language; Portuguese language.
RIASSUNTO
FLAESCHEN, Simone. Orações coordenadas e subordinadas do italiano e do português do
Brasil: um estudo de Análise Contrastiva. Rio de Janeiro, 2012. Tese (Doutorado em Letras
Neolatinas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
A partire da uno studio di analisi contrastivo, presentiamo in questa tesi una proposta di
corrispondenza tra le classificazioni delle proposizioni coordinate e subordinate dell’italiano e
quelle del portoghese del Brasile. Lo studio a cui ci riferiamo è stato realizzato in base all’analisi
proposizionali di due gruppi di frasi: il primo gruppo è stato formato da frasi italiane presentate
da gramatici italiani per esemplificare i tipi di proposizioni coordinate e subordinate; il secondo
gruppo è stato formato dalle stesse frasi, solo che tradotte in portoghese. Cinque gramatiche sono
state utilizzate come fonti delle frasi italiane. In base ai risultati dello studio di analisi contrastivo
e alla proposta di corrispondenza, ai quali ci siamo riferiti sopra, indichiamo i tipi di proposizioni
coordinate e subordinate italiane che offrirebbero una maggior difficoltà al suo apprendimento da
parte degli studenti brasiliani di italiano come lingua straniera.
Parole chiave: Linguistica Contrastiva; Analisi Contrastiva; Sintassi; proposizioni coordinate e
subordinate; lingua italiana; lingua portoghese.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 15
2. A LINGUÍSTICA CONTRASTIVA ..................................................................................... 19
2.1. Introdução .............................................................................................................................. 19
2.2. Linguística Contrastiva e Linguística Aplicada ..................................................................... 24
2.3. Linguística Contrastiva e Linguística Comparada ................................................................. 31
2.4. Os três modelos da Linguística Contrastiva .......................................................................... 34
2.4.1. Análise Contrastiva ............................................................................................................. 34
2.4.1.1. A Análise Contrastiva e o fenômeno da interferência linguística ................................... 37
2.4.2. Análise de Erros .................................................................................................................. 39
2.4.3. Interlíngua ........................................................................................................................... 43
2.5. Breve comparação entre os três modelos da Linguística Contrastiva ................................... 46
2.6. A importância da Linguística Contrastiva nos dias de hoje .................................................. 48
2.7. A orientação desta pesquisa: Linguística Contrastiva teórica ou aplicada? .......................... 51
3. LINGUÍSTICA CONTRASTIVA E TEORIAS GRAMATICAIS .................................... 55
3.1. Conceitos e tipos de gramática .............................................................................................. 55
3.2. Gramáticas ligadas à Linguística Contrastiva ........................................................................ 59
3.2.1. A Linguística Contrastiva e a gramática internalizada ou implícita ................................... 62
3.2.2. A Análise Contrastiva e a gramática descritiva contrastiva ............................................... 66
3.2.3. A Análise Contrastiva e a gramática normativa ................................................................. 69
3.2.4. A Análise de Erros e a Interlíngua e a gramática funcional ............................................... 71
3.3. Nomenclaturas gramaticais .................................................................................................... 80
3.3.1. A origem da gramática no Ocidente ................................................................................... 81
3.3.2. A Nomenclatura Gramatical Brasileira .............................................................................. 84
3.3.3. A Nomenclatura Gramatical Italiana .................................................................................. 90
4. SINTAXE E SEMÂNTICA ................................................................................................... 99
4.1. Sintaxe ................................................................................................................................... 99
4.2. Semântica ............................................................................................................................. 101
4.3. Relação entre sintaxe do período composto e Semântica .................................................... 106
5. METODOLOGIA DE PESQUISA: A ANÁLISE CONTRASTIVA ............................... 111
5.1. A Análise Contrastiva .......................................................................................................... 111
5.2. As gramáticas italianas utilizadas ........................................................................................ 111
5.3. Principais obras da língua portuguesa utilizadas para a análise dos dados ......................... 116
5.4. O corpus da tese e a sua constituição ................................................................................... 119
5.5. A análise dos dados ............................................................................................................. 123
5.5.1. A tradução das frases-exemplo ......................................................................................... 126
6. ANÁLISE CONTRASTIVA DOS DADOS: ORAÇÕES COORDENADAS
E SUBORDINADAS DA LÍNGUA ITALIANA E DO PORTUGUÊS DO
BRASIL ..................................................................................................................................... 128
6.1. A sintaxe do período composto do italiano e a do português do Brasil .............................. 128
6.2. Frase multipla composta (periodo composto per coordinazione) ....................................... 138
6.2.1. Proposizioni coordinate .................................................................................................... 139
6.2.1.1. Proposizione copulativa ................................................................................................ 142
6.2.1.2. Proposizione disgiuntiva ............................................................................................... 144
6.2.1.3. Proposizione avversativa ............................................................................................... 145
6.2.1.4. Proposizione sostitutiva ................................................................................................. 147
6.2.1.5. Proposizione conclusiva o consecutiva ......................................................................... 149
6.2.1.6. Proposizione esplicativa o dimostrativa ....................................................................... 151
6.2.2. Correlazione e giustapposizione ...................................................................................... 155
6.2.3. Quadro resumitivo da proposta de correspondência entre as orações coordenadas
do italiano e as do português do Brasil ...................................................................................... 162
6.3. Frase multipla complessa (periodo composto per subordinazione e periodo misto) .......... 162
6.3.1. Proposizioni subordinate sostantive ................................................................................. 165
6.3.1.1. Proposizione soggettiva ................................................................................................. 167
6.3.1.2. Proposizione oggettiva diretta ....................................................................................... 175
6.3.1.3. Proposizione oggettiva indiretta .................................................................................... 188
6.3.1.4. Proposizione interrogativa indiretta ............................................................................. 192
6.3.1.5. Proposizione dichiarativa .............................................................................................. 200
6.3.2. Quadro resumitivo da proposta de correspondência entre as orações subordinadas
substantivas do italiano e as do português do Brasil .................................................................. 206
6.3.3. Proposizioni subordinate relative ..................................................................................... 207
6.3.3.1. Proposizione relativa determinativa .............................................................................. 210
6.3.3.2. Proposizione relativa appositiva ................................................................................... 225
6.3.4. Quadro resumitivo da proposta de correspondência entre as orações subordinadas
adjetivas do italiano e as do português do Brasil ........................................................................ 227
6.3.5. Proposizioni subordinate avverbiali ................................................................................. 228
6.3.5.1. Proposizione causale ..................................................................................................... 231
6.3.5.2. Proposizione temporale ................................................................................................. 239
6.3.5.3. Proposizione finale ........................................................................................................ 241
6.3.5.4. Proposizione consecutiva .............................................................................................. 245
6.3.5.5. Proposizione concessiva ................................................................................................ 248
6.3.5.6. Proposizione comparativa ............................................................................................. 252
6.3.5.7. Proposizione condizionale ............................................................................................. 258
6.3.5.8. Proposizione aggiuntiva ................................................................................................ 263
6.3.5.9. Proposizione eccettuativa .............................................................................................. 266
6.3.5.10. Proposizione avversativa ............................................................................................. 271
6.3.5.11. Proposizione esclusiva ................................................................................................. 275
6.3.5.12. Proposizione limitativa ................................................................................................ 279
6.3.5.13. Proposizione modale ................................................................................................... 284
6.3.5.14. Proposizione strumentale ............................................................................................ 287
6.3.6. Quadro resumitivo da proposta de correspondência entre as orações subordinadas
adverbiais do italiano e as do português do Brasil ..................................................................... 289
7. ORAÇÕES COORDENADAS E SUBORDINADAS DO ITALIANO QUE
APRESENTAM MAIOR DIFICULDADE PARA ESTUDANTES BRASILEIROS
DE ITALIANO COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA ............................................................ 292
7.1. Proposizioni coordinate ....................................................................................................... 292
7.2. Proposizioni subordinate ..................................................................................................... 293
7.2.1. Proposizioni subordinate sostantive ................................................................................. 293
7.2.2. Proposizioni subordinate relative ..................................................................................... 296
7.2.3. Proposizioni subordinate avverbiali ................................................................................. 296
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 300
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................... 304
15
1. INTRODUÇÃO
Esta é uma pesquisa de Análise Contrastiva dos tipos de orações coordenadas e
subordinadas das línguas italiana e portuguesa. Está vinculada à linha de pesquisa Processos
Interculturais, Linguísticos e Identitários. Foram várias as motivações que nos levaram a
desenvolver uma investigação sobre o referido tema. Formada professora pelos Cursos de
Bacharelado e Licenciatura em Português-Italiano da Faculdade de Letras da Universidade
Federal do Rio de Janeiro em 1996, há anos lecionamos língua portuguesa e língua italiana, e
consideramos apaixonante o estudo da Sintaxe das línguas. Uma oportunidade, em especial, foi a
motivação maior para este trabalho. Durante um ano e meio (2005 e 2006), ministramos aulas
sobre a sintaxe do período composto da língua italiana para estudantes brasileiros do oitavo
período — o último — do Curso Superior de Letras em Português-Italiano da Faculdade de
Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foram consecutivamente três turmas. Na
ocasião, verificamos questões interessantes em relação ao ponto de contato entre as línguas
italiana e portuguesa e em relação ao processo de aprendizagem da referida matéria por parte dos
alunos. A maioria deles sentia grande dificuldade de acompanhar o estudo, porque há muitas
diferenças entre as duas línguas, e ocorria o fenômeno da interferência ou transferência negativa
da língua materna sobre a língua estrangeira, que dificultava ainda mais a aprendizagem.
Para resolver o problema, consideramos como melhor estratégia o desenvolvimento de um
trabalho de Análise Contrastiva, um dos modelos da Linguística Contrastiva. Desde então, os
alunos puderam acompanhar o estudo com mais facilidade.
Essa nossa experiência de sala de aula — o contato com o desafio pedagógico, a busca e a
aplicação de uma solução estratégica —, levou-nos, durante o seu processo, a questionamentos e
à realização de investigações que pudessem esclarecê-los. O presente trabalho de pesquisa é,
portanto, fruto da referida experiência. É resultado do nosso desejo de nos aprimorar como
professora-pesquisadora.
Segundo Pedro Demo (1991), a investigação científica é indispensável à boa docência. O
professor tem que ser também pesquisador. A experiência leva à pesquisa, e esta leva à
experiência, formando um ciclo que se renova, buscando incessantemente o aperfeiçoamento.
Paulo Freire (1992) também defendeu firmemente a ideia de que de nada vale a teoria se esta não
16
se orienta pela prática. É nesta relação dialética — prática-teoria-prática — que este trabalho se
fundamenta.
No Curso de Mestrado, realizamos uma pesquisa de base etnográfica, ligada às áreas de
ensino-aprendizagem de italiano para estrangeiros e de Linguística Aplicada. A dissertação, cujo
título foi A relação professor-aluno em um curso de italiano para fins acadêmicos
(FLAESCHEN, 2006), também foi fruto da nossa experiência como professora junto a
instituições de Ensino Superior: a UFRJ — em que ministramos um Curso de Extensão de
italiano para fins acadêmicos — e a UFF / Universidade Federal Fluminense — em que
lecionamos disciplinas como Língua Italiana e Didática da Língua Italiana.
A presente pesquisa foi desenvolvida a partir dos seguintes principais questionamentos:
1) As orações coordenadas e subordinadas da língua italiana correspondem a quais orações
coordenadas e subordinadas do português?
2) Quais são os tipos de orações do italiano que apresentam maior dificuldade e os que
apresentam maior facilidade para estudantes brasileiros?
3) Como a referida dificuldade poderia ser superada?
A pesquisa apresentará uma proposta de correspondência entre os tipos de orações
coordenadas e subordinadas do italiano e do português, a partir de um trabalho de Análise
Contrastiva. Os principais objetivos específicos da investigação são:
 Através da realização de um estudo de Análise Contrastiva, identificar qual (ou quais) oração
(orações) do português corresponde(m) a cada oração coordenada e subordinada do italiano;
 Identificar quais são as orações coordenadas e subordinadas do italiano que apresentam maior
dificuldade para estudantes brasileiros de italiano como língua estrangeira;
 Apontar estratégia(s) para a superação das dificuldades.
Após este primeiro capítulo introdutório, discorremos, no capítulo 2, sobre a Linguística
Contrastiva. Apresentamos um breve histórico desta Ciência, sua relação com a Linguística
Teórica, com a Linguística Aplicada e com a Linguística Comparada. Em seguida, apresentamos
e explicamos os três modelos da Linguística Contrastiva. No tópico em que apresentamos o
17
primeiro modelo, o de Análise Contrastiva, inserimos um subtópico para explicar o fenômeno da
interferência linguística, pois esse tipo de análise se fundamenta nesse fenômeno. Depois de
tratarmos individualmente os três modelos da Linguística Contrastiva, apresentamos uma breve
comparação entre eles, com as informações que consideramos mais relevantes sobre os mesmos.
No tópico seguinte, procuramos ressaltar a importância da Linguística Contrastiva nos dias de
hoje e, no último tópico, identificamos e justificamos a orientação da presente pesquisa, isto é,
definimos se é uma investigação teórica ou aplicada e explicamos por quê.
O capítulo 3 é dedicado à relação entre a Linguística Contrastiva e determinadas teorias
gramaticais. Apresentamos conceitos de gramática e algumas das particularidades desta.
Explicamos ainda por que esta pesquisa está mais ligada à gramática descritiva.
No capítulo 4, tratamos da Sintaxe — foco gramatical desta pesquisa — e da Semântica.
Primeiro analisamos seus conceitos, depois nos atemos a considerações a respeito da relação
entre estas duas partes da gramática.
No capítulo 5, apresentamos a metodologia de pesquisa: a Análise Contrastiva.
Retomamos o que apresentamos no capítulo 2, em que tratamos da Linguística Contrastiva, e
apresentamos maiores detalhes sobre esse modelo de análise, explicando como o aplicamos neste
trabalho. Citamos as gramáticas italianas e portuguesas que utilizamos para desenvolver a
Análise Contrastiva, justificando nossas escolhas. Em seguida, explicamos o passo-a-passo da
coleta e da análise dos dados da pesquisa.
O capítulo 6 é o do desenvolvimento da Análise Contrastiva propriamente dita.
Apresentamos exemplos frasais para cada tipo de oração coordenada e subordinada do italiano e,
a partir das traduções dos referidos exemplos para o português, estabelecemos a análise em
questão. Examinamos as exposições dos gramáticos italianos e brasileiros, visando a identificar
semelhanças e diferenças entre as classificações das referidas orações e as correspondências entre
elas, considerando as particularidades das duas línguas analisadas. A partir disso, apresentamos
uma proposta de correspondência entre os tipos de orações coordenadas e subordinadas do
italiano e do português brasileiro.
Os resultados da Análise Contrastiva realizada nos possibilitaram destacar, no capítulo 7,
as orações coordenadas e subordinadas do italiano que consideramos mais difíceis para
estudantes brasileiros.
18
O capítulo 8 é o das considerações finais do trabalho. Nele, apresentamos pontos
interessantes observados durante a pesquisa. Por último, apresentamos as referências
bibliográficas.
Acreditamos que este trabalho irá contribuir sobretudo para facilitar o estudo da sintaxe
do período composto da língua italiana para estudantes brasileiros. Desde já, pedimos desculpas
por eventuais falhas que tenhamos cometido nesta tese.
19
2. A LINGUÍSTICA CONTRASTIVA
2.1. Introdução
Para entendermos o que é a Linguística Contrastiva, propomos que, em primeiro lugar,
analisemos separadamente os dois termos que constituem a expressão em foco.
Linguística é a ciência que estuda a linguagem verbal humana. Busca verificar como as
línguas naturais funcionam, dando prioridade ao estudo sincrônico — isto é, não-histórico — e à
língua falada. Procura desenvolver uma teoria geral que explique a natureza da linguagem.
Ao longo dos séculos, desde à época de Platão — século V antes de Cristo —,
desenvolveram-se várias hipóteses sobre a natureza, a formação, o funcionamento e a evolução
da linguagem, estabelecendo as bases para as pesquisas linguísticas. Segundo David Crystal1
(1981), a Linguística “passou a ser estudada dentro de um contexto acadêmico somente depois do
início do século XX e só se desenvolveu de fato nas universidades britânicas depois de 1960
aproximadamente”. A partir de então, à medida que os estudos nessa área se intensificaram, a
Linguística foi se fragmentando, e de acordo com o tipo de investigação, com seus objetivos
específicos e com outros fatores, poderá ser identificada como Linguística Descritiva (ou
Sincrônica), Histórica (ou Diacrônica), Geral, Teórica, etc.. Ao longo deste capítulo,
apresentamos mais detalhes sobre esta ciência.
Analisemos agora o termo contrastivo. Este é definido, de um modo geral, por dicionários
da língua portuguesa como aquilo que revela contraste. Segundo o Dicionário Escolar da Língua
Portuguesa, publicado pela Academia Brasileira de Letras (2008), o vocábulo contraste significa
“oposição ou diferença marcante entre coisas análogas ou da mesma natureza” e a palavra
contrastar significa: “1. comparar salientando as diferenças; confrontar: O vermelho vivo das
papoulas contrastava com o ouro do trigal. 2. Apresentar disparidade; mostrar-se diferente: O
mutismo do marido contrastava com a tagarelice da mulher”.
No exemplo do primeiro verbete, os elementos comparados, papoulas e trigal, fazem
parte do mesmo campo semântico: planta. Destacou-se, portanto, uma “diferença marcante entre
coisas da mesma natureza”. O elemento contrastivo foi a cor. Da mesma forma, no exemplo do
1
David Crystal (1941) é um linguista, palestrante, escritor e acadêmico britânico.
20
segundo verbete, uma das capacidades humanas, a fala, apresenta-se de maneira contrastante
através da antítese mutismo/tagarelice.
O dicionário Priberam da Língua Portuguesa (2011) apresenta como um dos verbetes do
vocábulo contrastivo o seguinte: “Que analisa ou descreve as diferenças entre línguas ou
variedades de uma língua (ex.: gramática contrastiva)”. O dicionário Zingarelli (1995) define o
termo contrastivo, relacionando-o à análise contrastiva, definindo-a como sendo “ramo da
Linguística Aplicada que analisa, de modo comparativo, duas línguas em vários níveis
(fonológico, morfológico, sintático e semântico), para colocar em evidência as diferenças e os
contrastes” (tradução nossa).
Partindo dos conceitos e dos exemplos apresentados — sobretudo das definições do
parágrafo anterior —, podemos entender qual é, pelo menos em parte, a proposta da Linguística
Contrastiva. Dissemos em parte, porque os dicionários gerais da Língua Portuguesa, apesar de
serem geralmente excelentes fontes de pesquisa, são meios não-especializados de se obter
conceitos detalhados de determinados saberes. As definições, por vezes, são incompletas —
como é o caso do dicionário Priberam —, ou até mesmo equivocadas — caso, como veremos
abaixo, do dicionário Zingarelli. Apesar disso, achamos interessante verificarmos os conceitos
apresentados por estes meios não-especializados, para contrastarmos, posteriormente, com meios
especializados.
A Linguística Contrastiva, na verdade, estuda e compara duas ou mais línguas (ou
variantes linguísticas), sob um ponto de vista sincrônico, para destacar não só as diferenças, os
contrastes, mas também as semelhanças entre essas línguas. Tem três modelo de investigação: a
Análise Contrastiva, a Análise de Erros e a Interlíngua. Estes serão explicados com detalhes em
outro tópico deste capítulo. Mas, por hora, já podemos entender por que o conceito de Análise
Contrastiva, apresentado pelo dicionário Zingarelli, está errado. O referido conceito deveria ter
sido atribuído à Linguística Contrastiva, pois a Análise Contrastiva é apenas um de seus modelos.
Quanto a ser ramo de uma ciência, na investigação que realizamos sobre a Linguística
Contrastiva, verificamos que há estudiosos — como Paulino Vandressen2 (1988) — que a
consideram um ramo da Linguística, e outros — como Adja Balbino de Amorim Barbieri Durão3
2
Professor-Pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina, vinculado ao CNPq.
Professora da Universidade Federal de Santa Catarina, especialista em Linguística Contrastiva. É Bolsista de
Produtividade em Pesquisa do CNPq. Concluiu cursos de Pós-Doutorado e Doutorado em Universidades da Espanha,
e de Mestrado e Graduação na Faculdade de Letras da UFRJ (SISTEMA DE CURRÍCULOS LATTES).
3
21
(2004) — que a definem como um ramo da Linguística Aplicada (LA). Atualmente sabemos que
estas são ciências da linguagem independentes e autônomas, não obstante estejam profundamente
inter-relacionadas. Sendo assim, a Linguística Contrastiva seria uma subárea de qual destas duas
ciências?
Segundo Antônio Franco ([1989?]), professor da Universidade do Porto, há dois tipos de
estudos contrastivos, um teórico e outro aplicado. A Linguística Contrastiva seria então
considerada tanto uma subdisciplina teórica da Linguística, quanto um ramo de investigação da
Linguística Aplicada. O autor afirma o seguinte a esse respeito:
É inegável que lhe é atribuído um valor heurístico na obtenção de
conhecimentos sobre como funcionam as línguas naturais, e isso situa-se na área
da linguística teórica. Mas por outro lado se se argumentar que não lhe está
cometida a tarefa de desenvolver modelos descritivos próprios e de
continuamente testar as suas hipóteses sobre os sistemas linguísticos, mas que
aplica modelos já disponíveis para, por via da comparação das línguas, fornecer
informações sobre as dificuldades de aprendizagem das mesmas, teremos de nos
inclinar para que se trate também de uma ciência aplicada. Nesta perspectiva, a
gramática contrastiva4 encontra-se entre dois polos de um continuum que vai do
puramente teórico ao aplicado, na confluência de duas correntes, e ocupa um
lugar privilegiado de contato com problemas teóricos e práticos, relacionados
com o ensino de segundas línguas.
De acordo com o autor, as raízes do primeiro tipo de estudo, o teórico, remontam ao final
do século XIX e início do século XX. De fato, neste período, o desenvolvimento da Linguística
enquanto ciência foi marcado por importantes estudos teóricos, sobretudo de Linguística
Histórica e de Gramática Comparada, e pela publicação, em 1916, do célebre Cours de
linguistique générale (Curso de Linguística Geral), obra póstuma de Ferdinand de Sausure
(1857-19135), que abriu novos caminhos para os estudos linguísticos, inaugurando a fase
estruturalista6. Com Saussure, a Linguística passou a ser considerada uma ciência a posteriori7,
de investigação de dados. É importante destacar o que dizem Mário Martelotta e Eduardo Areas
4
Aqui o autor considera gramática contrastiva o mesmo que Linguística Contrastiva.
Com o símbolo (), indicamos a data de nascimento e, com o símbolo (), indicamos a data da morte.
6
O Estruturalismo propunha-se a estudar o conjunto de relações que formam uma estrutura linguística, concebendo a
língua como um sistema composto por elementos cuja definição depende das relações de oposição ou de
equivalência que esses elementos têm entre si. O precursor do estruturalismo linguístico de Ferdinand de Saussure
foi Wilhelm Von Humboldt (1767-1835), que no início do século XIX, definia a língua como organismo vivo,
dotado de forma externa (sons), provida de sentido, e forma interna.
7
Que exige experimentação.
5
22
(CUNHA; OLIVEIRA; MARTELOTTA, 2003, p.17): “três noções básicas passaram a
caracterizar a evolução da Linguística no século XX: sistema, estrutura e função”.
A Linguística Contrastiva teórica foca os chamados universais linguísticos8, buscando
verificar como cada categoria universal funciona em cada língua em questão (DURÃO, 2004,
p.03). Ocupa-se da identificação e análise das diferenças e semelhanças entre duas ou mais
línguas, com o intuito de prever dois tipos de estruturas: as que oferecem dificuldades e as que
oferecem facilidades de aprendizagem. Os métodos mais utilizados nesse tipo de investigação são
o dedutivo — em que se parte de uma situação geral para uma particular — e o indutivo —
quando o pesquisador analisa primeiramente dados particulares, específicos, para chegar a
conclusões gerais.
A segunda orientação de estudo da Linguística Contrastiva, a aplicada, tem raízes nos
trabalhos de Análise Contrastiva realizados pelos pesquisadores norte-americanos Charles
Carpenter Fries (1887-1967) e Robert Lado (1915-1995). Fries publicou, em 1945, a obra
Teaching and learning English as a foreign language (Ensino e aprendizagem de inglês como
língua estrangeira), e Lado publicou, em 1957, a obra Linguistics across cultures: Applied
Linguistics for language teachers (Linguística em todas as culturas: Linguística Aplicada para
professores de línguas).
Neste tipo de estudo, o aplicado, buscam-se identificar diferenças e semelhanças entre
duas ou mais línguas com o objetivo de otimizar o processo de ensino-aprendizagem das línguas
estrangeiras ou segundas línguas9. É, portanto, um estudo com fins didáticos. Isabel Santos
Gargallo (1993, tradução nossa), pesquisadora e autora de livros didáticos de espanhol LE/L2,
nos apresenta o seguinte exemplo:
(...) a Linguística Contrastiva prática se ocupa em estudar como uma categoria
universal X se realiza na língua A como Y e na língua B como algo diferente.
Esta diferença é a base das dificuldades na aprendizagem de uma segunda
8
Segundo o dicionário Zingarelli (1995), universais linguísticos são “conceitos, elementos estruturais ou traços
comuns a todas as línguas naturais do mundo” (tradução nossa). São exemplos o substantivo e o verbo; as vogais e as
consoantes.
9
Entre estudiosos das áreas ligadas ao ensino-aprendizagem de línguas, ainda não há concenso sobre os significados
dos termos língua estrangeira e segunda língua. Consideramos aqui que o termo língua estrangeira (LE) refere-se à
língua não-nativa aprendida por um falante sem que este saia de seu país natal, e que o termo segunda língua (L2 ou
LS) refere-se à língua aprendida por um estrangeiro no país onde ela é falada.
23
língua 10. Por isso, a análise das divergências pode iluminar o processo de
aprendizagem do estudante e o de ensino do professor.
A maioria dos estudos em Linguística Contrastiva é de tipo prática e está ligada ao ensinoaprendizagem de línguas estrangeiras ou segundas línguas, por isso a LC é considerada um dos
principais ramos da Linguística Aplicada, estando mais ligada a esta ciência do que à Linguística
teórica. Luiz Paulo da Moita Lopes (2002), linguista aplicado brasileiro, afirma o seguinte a esse
respeito:
A área de ensino/aprendizagem de línguas é sem dúvidas a mais avançada em
Linguística Aplicada (LA). Provavelmente, devido à importância da linguagem
na educação formal, a maior parte da pesquisa que se faz em LA no Brasil e no
mundo enfoca questões relativas ao uso da linguagem em sala de aula,
englobando, portanto, aspectos de ensino/aprendizagem de línguas.
A Linguística Aplicada é a ciência da linguagem centrada na identificação, análise e
solução de problemas de uso e de ensino-aprendizagem de línguas (maternas e estrangeiras), em
contextos institucionalizados ou não. Para tanto, interage com várias outras disciplinas, por isso é
considerada interdisciplinar e mediadora. Algumas dessas disciplinas são as seguintes:
Linguística, Psicologia, Antropologia, Sociologia, História, Ciência da Computação, Filosofia,
Tradução, Análise do Discurso, Etnografia, Pedagogia.
Maria Antonieta Alba Celani (in SIGNORINI; CAVALCANTI, 1998, p.131) atribui à
Linguística
Aplicada,
não
somente
o
que
a
cientista
chama
de
“caráter
multi/pluri/interdisciplinar”, mas também transdisciplinar, ou seja, a capacidade de interação
dinâmica com outras disciplinas. Segundo a autora (ibid., p.133), “não se buscam contribuições
de outras áreas, mas sim, a participação ativa de pesquisadores das áreas envolvidas, a fim de se
dar conta da problematização que a abordagem do objeto de estudo proposto provoca em cada
área”.
Focada na linguagem de natureza processual, a Linguística Aplicada colabora com o
avanço do conhecimento teórico e utiliza métodos de investigação de base positivista ou
10
Aqui a autora não faz distinção entre segunda língua e língua estrangeira.
24
interpretativista11 (MOITA LOPES, 2002).
Trataremos com mais detalhes da Linguística Aplicada no próximo tópico, tendo em vista
a ligação estreita que a Linguística Contrastiva tem com esta ciência. Segue abaixo um esquema
que elaboramos para destacar algumas das informações mais importantes a respeito da
Linguística Contrastiva até o momento:
LEGENDA:
Ciências da linguagem
Subárea
ESQUEMA:
LINGUÍSTICA
LINGUÍSTICA APLICADA
LINGUÍSTICA CONTRASTIVA
Modelos da subárea, seus
idealizadores e datas de origem
ANÁLISE CONTRASTIVA
Fries (1945) e Lado (1957)
ANÁLISE DE ERROS
Corder (1967)
INTERLÍNGUA
Selinker (1969)
2.2. Linguística Contrastiva e Linguística Aplicada
Conforme afirmamos no tópico anterior, a Linguística Contrastiva de orientação prática é
um dos principais ramos da Linguística Aplicada, cuja origem tem pontos em comum com a da
Linguística Contrastiva. Charles Fries e Robert Lado foram os principais responsáveis pelo
surgimento de ambas as disciplinas, o qual ocorre praticamente na mesma época: na década de 40
do século XX.
Durante a Segunda Guerra Mundial — ocorrida entre 1939 e 1945 —, as forças armadas e
o governo dos Estados Unidos consideraram imprescindível, como estratégia bélica, que os
11
O Positivismo foi criado por Auguste Comte (1798-1857) na primeira metade do século XIX. Uma investigação
de base positivista consiste na observação dos fenômenos, desprezando a metafísica e o sobrenatural, considerando
apenas o mundo físico ou material. Tanto o pesquisador quanto o objeto pesquisado são neutros no processo
investigativo. A ciência positivista não investiga as causas dos fenômenos naturais e sociais, pois considera tal
investigação inútil e inacessível. Busca descobrir e estudar as leis que regem os fenômenos observáveis e suas
relações. É um tipo de pesquisa cuja base é quantitativa, ou seja, utiliza dados que exigem, por exemplo, cálculos e
estatísticas, visando a produzir generalizações (TRINDADE, 2007).
A investigação de base interpretativista busca a compreensão e a interpretação da realidade a partir do ponto de vista
dos sujeitos envolvidos nela, o que inclui a visão do pesquisador. É uma investigação de tipo qualitativa, ou seja,
trabalha com dados que não podem ser medidos, como crenças, valores, atitudes e situações. Em relação à
metodologia, segundo Moita Lopes (2002), quando a investigação é interpretativista, a Linguística Aplicada usa a
etnografia ou a pesquisa introspectiva. A etnografia é o método de investigação tradicionalmente usado pela
antropologia, baseado no estudo de um objeto a partir da vivência in loco, ou seja, vivendo diretamente a realidade
em que esteja inserido o objeto investigado. Também é conhecida como pesquisa social, interpretativa ou observação
participante. A pesquisa introspectiva estuda os estados de consciência de indivíduos submetidos a certas
experiências.
25
soldados americanos aprendessem de modo rápido e eficiente a falar as línguas dos lugares para
onde seriam enviados. Investiram grandes somas em pesquisas e em cursos para treinamento
desses soldados. Em nossa Dissertação de Mestrado (FLAESCHEN, 2006), informamos o
seguinte a esse respeito:
Em 1943, o exército implantou o Army Specialized Training Program – ASTP
(Programa de Treinamento Especializado do Exército), que previa cursos de 24
línguas para, em princípio, 15 mil soldados, que seriam enviados às nações
ocupadas pelos aliados na Segunda Guerra. Esses cursos deveriam ser intensivos
e basear-se sobretudo no estudo quase exclusivo da língua falada e no
redimencionamento do papel da gramática.
Charles Fries, Robert Lado e outros conceituados linguistas — como Leonard Bloomfield
(1887-1949), considerado o fundador da Linguística Estrutural norte-americana —, estiveram à
frente destas pesquisas. Foram contratados também, além dos linguistas, informantes nativos.
Para desenvolverem um método de ensino de idiomas para o referido projeto militar, os
pesquisadores realizaram estudos que chamaram de Análise Contrastiva — como afirmamos
anteriormente. Esses estudos consistiam em comparar dois sistemas linguísticos, o da língua
materna — no caso, o inglês — e o da língua estrangeira, para, a partir da identificação das
diferenças e semelhanças entre eles, verificar as estruturas da língua estrangeira que
apresentariam mais dificuldade para os aprendizes.
Fries e Lado buscavam construir gramáticas contrastivas — uma para cada par de línguas
— que hierarquizassem as correspondências dos diferentes níveis gramaticais, para terem o
“controle” das dificuldades e das interferências12 no processo de ensino-aprendizagem da língua
estrangeira (GARGALLO, 1993).
Esses linguistas também experimentaram combinar certos princípios de algumas
disciplinas, tais como a Linguística Antropológica13 e a Psicologia Comportamental14, praticando
a interdisciplinaridade que caracteriza a Linguística Aplicada. O trabalho deles levou à criação do
método audiolingual para ensino de idiomas, que prioriza a língua oral e utiliza exercícios de
12
Fenômeno linguístico caracterizado pela utilização inadequada de estruturas e elementos linguísticos da língua de
partida na língua de chegada. (DURÃO, 2008)
13
Ramo da Linguística que se apoia na Antropologia para estudar a linguagem.
14
Ramo da Psicologia que estuda as relações entre as emoções, os pensamentos, os comportamentos e os estados
fisiológicos. Sua base teórica é o Beheviorismo e apoia-se na premissa de que a aprendizagem ocorre a partir do
condicionamento comportamental dos indivíduos.
26
condicionamento através da repetição e imitação sistemáticas de estruturas linguísticas, sem
reflexão sobre gramática. A aprendizagem das estruturas deveria ser feita gradualmente. Estas
deveriam ser praticadas continuamente até que estivessem automatizadas.
O Behaviorismo de Skinner15, que concebe a língua como um conjunto de hábitos, foi o
suporte do método audiolingual. A aprendizagem acontecia através do processo de estímuloresposta-reforço. Devia-se evitar que os alunos cometessem erros. Por isso o trabalho de Análise
Contrastiva era tão importante. Através dele podia-se prever as estruturas que apresentariam
maior dificuldade para os estudantes, e buscar estratégias para neutralizá-las, evitando os erros,
que seriam causados pela interferência da língua materna. A principal vantagem atribuída ao
método audiolingual é a seguinte:
A vantagem normalmente associada com o uso desse método é a aprendizagem
acelerada, comprovada com o uso nas forças armadas americanas na Segunda
Guerra Mundial, para o ensino das línguas européias aos soldados que partiram
para as frentes de batalha. (WIKIPÉDIA, Método Audiolingual)
Acreditamos que a estratégia adotada pelos Estados Unidos de treinar os soldados
americanos em línguas estrangeiras — combinada obviamente com muitos outros fatores —
tenha contribuído para que este e os outros países aliados saíssem vitoriosos da referida Guerra.
Tanto que, em 1958, o Congresso Americano aprovou o National Defence Education Act
(INDEA)16 —, decreto que reconhece a importância do conhecimento prático de determinadas
línguas estrangeiras para a segurança e o desenvolvimento nacional. A respeito do sucesso da
adoção do método audiolingual pelo exército, Vilson J. Leffa (1988), no texto Metodologia do
ensino de línguas, afirma o seguinte:
Embora nada houvesse de novo no método usado pelo exército ‒ uma
reedição da Abordagem Direta17, anteriormente rejeitada pela Comissão dos
15
O americano Burrhus Frederic Skinner (1904-1990) realizou trabalhos inovadores em Psicologia Experimental
e é o fundador do Behaviorismo Radical. Skinner buscava compreender o comportamento humano através do
comportamento operante (GOODWIN, 2010).
16
Ato de Defesa e Educação Nacional; também chamado de Title VI.
17
A abordagem direta propõe a aprendizagem da língua estrangeira através da mesma. A língua materna não deve
ser usada nas aulas, pois o aluno deve aprender a pensar, usando a língua-alvo. No lugar da tradução das palavras e
sentenças, podem ser utilizados recursos como mímica, gestos e gravuras. Diálogos situacionais (como por exemplo
"no banco", "no mercado", etc.) e pequenos trechos de leitura devem introduzir as aulas, porque a oralidade deve
preceder a escrita. Exercícios de compreensão auditiva, conversação livre, pronúncia e escrita baseada em respostas a
questionários devem ser trabalhados nas aulas. Com a abordagem direta, pela primeira vez houve a integração das
27
Doze18 ‒ seu sucesso foi tão grande que as universidades se interessaram pela
experiência. Depois, as escolas secundárias seguiram na adoção do método,
provocando um aumento significativo no número de matrículas. Devido à
existência de linguistas no projeto, o ensino de línguas adquiria agora o status de
ciência.
Segundo Leffa, “o audiolingualismo dominou o ensino de línguas até o início da década
de 1970. Bloomfield, no campo da Linguística, Skinner, no da Psicologia, Eugene Nida19, Fries e
Lado, no da Metodologia, são alguns dos grandes nomes do movimento”. A partir do início da
década de 70, o ensino de línguas estrangeiras entra em forte crise. As críticas de ordem teórica e
prática ao método audiolingual, que vinham acontecendo desde a década de 60, intensificam-se.
Nessa época, em Psicologia, predominavam o Humanismo 20 e o Cognitivismo 21. Uma
teoria de aprendizagem humana baseada em automatismos, vista como verdadeiro
“adestramento” de seres humanos — como o utilizado com animais irracionais, como ratos de
laboratório, por exemplo — passou a ser absurda e inaceitável.
A crise metodológica a que nos referimos ocorreu, porque após a rejeição do
audilingualismo, não houve a tradicional adoção imediata de uma nova e melhor proposta
metodológica para o ensino de idiomas. Leffa (1988) fala sobre esse momento, que na verdade
foi apenas um período de transição:
quatro habilidades (na sequência de ouvir, falar, ler e escrever) no ensino de línguas. Gramática e aspectos culturais
da língua estrangeiras deveriam ser ensinados indutivamente.
A técnica da repetição é usada para o aprendizado automático da língua. 0 uso de diálogos sobre assuntos da vida
diária tem por objetivo tornar viva a língua usada na sala de aula. 0 ditado é abolido como exercício” (LEFFA,
1988).
18
A chamada Comissão Extraordinária dos Doze, ou Comissão dos Doze, foi criada durante a Revolução Francesa
(1789-1799) para procurar e perseguir conspiradores. A instauração desta Comissão ‒ composta por doze membros,
em sua maioria girondinos ‒ levou à Insurreição de 2 de Junho de 1793, à queda dos Girondinos e ao começo do
Terror.
19
Eugene Nida (1914-2011): Ph.D. em Linguística pela Universidade de Michigan. Destacou-se no campo da
Tradução.
20
Influenciada pelo Existencialismo ‒ que valorizava o aspecto individual do ser humano ‒ e pela Fenomenologia ‒
que se ocupava dos fenômenos da consciência ‒, a Psicologia Humanista surgiu na década de 50 e teve seu auge nos
anos 60 e 70. Foi uma reação ao Behaviorismo e à teoria psicanalista. Sua proposta era “humanizar” o lado psíquico
do ser humano, valorizando o seu consciente, o seu livre-arbítrio, a sua criatividade e o seu potencial para ser
autorrealizador. Os principais representantes foram os americanos Abraham Maslow (1908-1970) ‒ considerado o
pai espiritual desse movimento ‒ e Carl Rogers (1902-1987), que defendia que cada pessoa tem uma tendência
inata de atualizar suas capacidades e seus potenciais (MACHADO, 2010).
21
Estuda a cognição, os processos mentais ligados a cada comportamento. Está ligado à ciência cognitiva, que estuda
questões sobre memória, atenção, percepção, representação de conhecimento, raciocínio e criatividade.
28
Obviamente o ensino de línguas não morreu com o audiolingualismo; ao lado de
um ecleticismo generalizado que seguiu seu desaparecimento, floresceram
vários métodos, geralmente ligados a um nome, às vezes envoltos numa aura de
misticismo, e com propostas pouco convencionais para o ensino de línguas.
O enorme vazio provocado pelo declínio do audiolingualismo foi preenchido
posteriormente pela chamada Abordagem Comunicativa, que defendia a aprendizagem centrada
no aluno e que analisava a língua não como um conjunto de frases, mas sim como um conjunto
de eventos comunicativos. Segundo Leffa (1988), “o entusiasmo dos metodólogos pela
Abordagem Comunicativa foi avassalador na teoria e na prática do ensino de línguas, produzindo
uma safra fecunda de manuais nocionais-funcionais para professores e de material comunicativo
para alunos”.
É importante ressaltar que não cabe aqui apresentarmos um histórico dos métodos e
abordagens de ensino de idiomas. Tratamos especificamente o audiolingualismo, devido à sua
origem estar ligada tanto à Linguística Contrastiva, quanto à Linguística Aplicada. Estas
disciplinas, sim, são o foco deste tópico.
Sobre o desenvolvimento da Linguística Aplicada, muitos eventos contribuíram para isso.
Em 1946, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, foi fundado o English Language
Institute (Instituto de Língua Inglesa), na Universidade de Michigan, onde Charles Fries e Robert
Lado lecionavam. Neste mesmo ano, neste Instituto, foi ministrado o primeiro curso
independente de Linguística Aplicada (TUCKER, s.d.). Em janeiro de 1948, Fries publicou o
primeiro periódico dedicado a esta disciplina: Language Learning: a quarterly Journal of
Applied Linguistics (Ensino de Língua: um jornal trimestral de Linguística Aplicada). Em 1957,
em Washington, é fundado o Center for Applied Linguistics (Centro de Linguística Aplicada),
voltado principalmente para pesquisas sobre ensino-aprendizagem de línguas. Muitos outros
centros da disciplina foram fundados pelo mundo, tais como o Department of Applied Linguistics
(Departamento de Linguística Aplicada), na Universidade de Edimburgo, na Grã-Bretanha,
fundado no final dos anos 50; a Association Internationale de Linguistique Appliqueé — AILA
(Associação Internacional de Linguística Aplicada), fundada na França em 1963; o Centro
Italiano di Linguistica Applicata (Centro Italiano de Linguística Aplicada), fundado em 1965; a
Gesellshaft für Angewandte Linguistik — GAL (Associação de Linguística Aplicada Alemã),
fundada em 1969 (FLAESCHEN, 2006). No Brasil, em 1970, surge o primeiro Programa de
29
Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas (LAEL), da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, e em 1990, foi fundada a Associação de Linguística
Aplicada do Brasil (ALAB), na Universidade de Pernambuco (COSTA, 2009).
No início de seu desenvolvimento, entre as décadas de 40 e 50 do século XX, a
Linguística Aplicada era vista como uma subárea da Linguística. De fato, seus pilares foram
formados a partir de contribuições desta importante ciência da linguagem. Os próprios
idealizadores da LA, Charles Fries e Robert Lado a concebiam dessa forma, ou seja, como
aplicação prática da Linguística científica moderna. Havia, porém, um esforço em tornar a LA
uma ciência autônoma dentro das Ciências Humanas (SOARES, 2008).
No período que abrange as décadas de 40 e 70 do século XX, a Linguística Aplicada
esteve voltada sobretudo para aspectos práticos de ensino-aprendizagem de línguas. A produção
intelectual deste período foi registrada em uma coleção de quatro volumes, publicada na década
de 70, intitulada The Edinburgh Course in Applied Linguistics (Curso de Edimburgo em
Linguística Aplicada), Tratava-se de uma coletânea de artigos da área. Sob a responsabilidade
editorial de John Patrick Brierley Allen e Stephen Pit Corder, estes volumes pretendiam formar
linguistas aplicados. O primeiro volume, intitulado Readings for Applied Linguistics (Leituras da
Linguística Aplicada), de 1973, trazia textos de importantes linguistas, como Saussure, Firth,
Lyons, Holliday e Worf. O segundo volume, intitulado Papers for Applied Linguistics (Trabalhos
em Linguística Aplicada), de 1975, relacionava áreas como gramática, sociolinguística e
psicologia ao ensino de idiomas. O terceiro volume, Techniques in Applied Linguistics (Técnicas
em Linguística Aplicada), publicado em 1974 (antes do segundo volume), tratava de Linguística
Contrastiva, desenho de curso, gramática pedagógica e materiais audiovisuais para laboratórios
de idiomas. O último volume, Testing and experimental methods (Testes e métodos
experimentais), foi publicado em 1977 e trazia procedimentos estatísticos que todo linguista
aplicado devia conhecer (SOARES, 2008).
A partir da década de 80, a LA começou um processo efetivo de emancipação em relação
à Linguística Teórica. Os métodos positivistas que lhe serviam de base passam a ser questionados
por professores de línguas, aos quais não agradava o fato de a LA ter como prioridade a aplicação
de teorias linguísticas ao ensino de idiomas, desconsiderando questões do contexto pedagógico
(SOARES, 2008). De acordo com Holmes (in: PASCHOAL; CELANI, 1992), os linguistas
aplicados desenvolviam propostas metodológicas, desenhavam cursos e materiais didáticos
30
apenas com base em experiências de laboratório, sem nunca terem feito pesquisas empíricas ou
nem terem atuado como professores de línguas estrangeiras. Isso era um fator muito negativo.
Além disso, desde a década de 70 vinham surgindo novas abordagens de ensino-aprendizagem de
línguas — como a Abordagem Comunicativa —, inspiradas no pensamento de Noam Chomsky,
crítico do Beheviorismo.
A Linguística Aplicada enfrentava um período de crise no seu alicerce, o ensinoaprendizagem de línguas. Ora, se a Linguística Contrastiva era o principal ramo da LA, e ramo
cuja maioria dos trabalhos era sobre ensino-aprendizagem de idiomas, conclui-se, então, que a
Linguística Contrastiva também enfrentava a mesma crise.
Conscientes dessa situação crítica, os linguistas aplicados deixaram de buscar suporte
teórico exclusivamente na Linguística e passaram, então, a buscar ferramentas e subsídios em
outras áreas, como na Pedagogia, na Psicologia Cognitiva, na Semântica, na Análise do Discurso.
Passaram a ver a linguagem como fenômeno social. Doris de Almeida Soares (s.d.) esclarece:
Partindo da visão sócio-construtivista, retomada no final da década de 80, de que
todo conhecimento é culturalmente tecido em contextos sociais específicos, e da
dimensão social da linguagem, que ganhou força nos anos 90, a Linguística
Aplicada pôde centrar-se na investigação dos problemas do uso da língua sem,
no entanto, limitar os seus estudos nem à linguagem, nem a Linguística.
A partir desse momento, o método de investigação interpretativista passou a ser adotado.
A Linguística Aplicada passou, portanto a ter duas correntes de pesquisa: uma positivista e outra
interpretativista.
Nos dias de hoje, os campos de investigação da LA são muitos. A Linguística Contrastiva,
como já afirmamos, é ainda um dos principais. Mas há outros ramos como bilinguismo,
multilinguismo, comunicação mediada por computador, análise da conversação, linguística de
sinais, avaliação de linguagem, alfabetização, lexicografia, planificação linguística, estilística,
pragmática, linguística forense. Neste último campo, realizam-se, por exemplo, investigações
sobre interação entre advogados e clientes e comunicação em tribunal. No campo da Medicina,
fazem-se análises das interações entre médicos, enfermeiros e pacientes, e investigação sobre
aprendizagem de línguas para fins específicos, focando a área médica.
Quanto à situação da Linguística Contrastiva, Isabel Gretel María Eres Fernández, em
sinopse sobre seu texto intitulado Linguística contrastiva e ensino/aprendizagem de línguas
31
estrangeiras na atualidade: algumas relações (2003), resume a história desta ciência da seguinte
forma: “[...] a Linguística Contrastiva surge em 1945, consolida-se na década de 50, entra em
crise nos anos 80, mas recupera sua força, voltando a ser empregada com vistas a potencializar o
processo de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras”.
2.3. Linguística Contrastiva e Linguística Comparada
Como vimos no tópico 1 deste capítulo, a Linguística Contrastiva surgiu na década de 40
do século XX, através do seu primeiro modelo, a Análise Contrastiva. Apareceu em uma época
em que já havia termos como “comparada”, “comparativa”, “comparatista”. Isso gerou, durante
algum tempo, um debate terminológico.
Segundo o Dicionário de Linguística (DUBOIS, 1993), o termo “comparada” é sinônimo
de “comparativa”. Já a expressão “comparatista” designa o linguista especializado em Linguística
Comparada ou Comparativa, que é um ramo da Linguística Histórica ou Diacrônica.
Como a proposta tanto da Linguística Contrastiva quanto da Linguística Comparada é
“comparar” dois ou mais sistemas linguísticos, é natural que leigos no assunto pensem que estas
disciplinas são a mesma coisa. No entanto, são bem diferentes.
A Linguística Comparada — também chamada de Gramática Comparada —, como consta
no segundo parágrafo, é um ramo da Linguística Histórica ou Diacrônica. Baseia-se na técnica de
pesquisa chamada método comparativo ou comparatismo, que consiste em comparar vocábulos e
elementos gramaticais das línguas, estabelecendo uma correspondência, para verificar seus graus
de parentesco. Define quais línguas têm uma origem comum, separando-as em famílias
linguísticas. Propõe-se também a reconstruir as propriedades das línguas não-documentadas
(protolínguas) e a identificar as mudanças que promoveram a fragmentação das línguas antigas.
A Linguística Histórica ou Diacrônica é o ramo da Linguística que estuda o
desenvolvimento histórico das línguas, ou seja, como surgiram, quais línguas influenciaram sua
estrutura e uso, quais mudanças sofreram ao longo do tempo e o porquê dessas mudanças.
Convencionou-se como data de fundação desta disciplina o ano de 1786, quando o linguista
inglês William Jones (1746-1794), apresentou em público seu trabalho sobre as “afinidades
genealógicas” entre o latim, o grego, o persa e o sânscrito, quatro das línguas consideradas mais
32
antigas, por terem conservado textos de milhares de anos atrás. Esse tipo de estudo, porém, já
vinha sendo desenvolvido timidamente por outros linguistas pelo menos desde o século XVII.
Depois disso, em 1813, Thomas Young ( 1773-1829), físico, médico, egiptólogo e
linguista britânico, usa pela primeira vez o termo “indo-europeu” em um artigo para referir-se ao
que seria a língua-mãe das línguas europeias e do sânscrito.
Em 1816, o linguista alemão Franz Bopp (1791-1867) publicou a obra Über das
Conjugationssystem der Sanskritsprache...22 (Sobre o sistema das conjugações do sânscrito...), na
qual compara as conjugações do sânscrito, do latim, do grego, do persa e do alemão e aponta
afinidades fonéticas e morfológicas que comprovariam a existência do indo-europeu.
Entre 1833 e 1852, Franz Bopp escreve a chamada Vergleichende Grammatik des
Sanskrit...23 (Gramática Comparada das línguas indo-europeias), que dá início aos estudos das
línguas indo-europeias em universidades. De grande relevância científica também foram os
trabalhos dos linguistas Rasmus Rask (1787-1832), dinamarquês, e Jacob Grimm (17851863),
alemão. Realizaram pesquisas sobretudo de correspondência fonética. A chamada “Lei de
Grimm” ou “Primeira mutação consonântica do germânico”, ligada à área de fonética histórica, é
resultado de importante descoberta feita por Jacob Grimm em 1822 a respeito de variações de
consoantes indo-europeias.
O século XIX, portanto, foi marcado por muitas pesquisas de Linguística Histórica, que
destacou a comparação como método básico de investigação. O texto abaixo chama a atenção
para o tipo de estudo que predominou nesta área na segunda metade do referido século:
A classificação das línguas, a evolução histórica de seus aspectos fonológicos,
morfológicos e léxicos, os estudos sobre distribuição geográfica dos idiomas
indo-europeus e a reconstrução da língua comum de que provinham definiram o
contorno geral dos estudos linguísticos que dominaram a segunda metade do
século XIX. Na década de 1870, o movimento dos neogramáticos, cujos
principais representantes foram os alemães August Leskien e Hermann Paul,
marcou um dos períodos mais significativos da linguística histórica por conferir
à disciplina um caráter mais científico e preciso. (LINGUÍSTICA)
22
O título completo é Über das Conjugationssystem der Sanskritsprache in Vergleichung mit jenem der
griechischen, lateinischen, persischen und germanischen Sprache: nebst Episoden des Ramajan und Mahabharat
und einigen Abschnitten aus den Vedas (Sobre o sistema das conjugações do sânscrito comparado aos das línguas
grega, latina, persa e germânica).
23
O título original é Vergleichende Grammatik des Sanskrit, Zend, Griechischen, Lateinischen, Litthauischen,
Altslawischen, Gotischen und Deutschen (Gramática Comparada do sânscrito, zend (avestan), grego, latim, lituano,
eslavo, gótico e alemão).
33
Charles Fries e Robert Lado, em meados do século XX, certamente se inspiraram no
método comparativo ou comparatismo para desenvolverem o modelo de Análise Contrastiva.
Compararam
vocábulos
e
elementos
gramaticais
das
línguas,
estabelecendo
uma
correspondência, mas não para verificar seus graus de parentesco, e sim, como já vimos, para
identificar semelhanças e diferenças entre essas línguas, visando a otimizar o processo de ensinoaprendizagem das línguas estrangeiras.
Enquanto a Linguística Histórica faz pesquisa diacrônica, a Linguística Contrastiva faz
pesquisa sincrônica. Segundo Saussure (2002), “é sincrônico tudo quanto se relacione com o
aspecto estático da nossa ciência; é diacrônico tudo que diz respeito às evoluções”.
De acordo com o romanista e lexicólogo alemão Schweickard (apud Aschenberg; Lamas,
s.d.), a Linguística do século XX importou o método comparativo para realizar investigação
sincrônica.
No início deste tópico, afirmamos que ocorreu uma fase de debate terminológico
envolvendo a Linguística Contrastiva. Este debate foi motivado por não se saber se esta disciplina
investigaria somente as diferenças entre as línguas ou se incluiria em sua investigação também as
semelhanças entre elas. Como são duas situações diferentes, queriam distingui-las através de duas
denominações.
Na época de surgimento da Linguística Contrastiva, a comparação entre as línguas tinha
por finalidade destacar apenas os seus contrastes, por acreditar-se que estes — e não as
semelhanças — dificultavam o processo de ensino-aprendizagem das línguas. É preciso lembrar
que Fries e Lado, criadores da disciplina, estavam envolvidos, na época da Segunda Guerra
Mundial, no projeto do exército dos EUA de desenvolverem, com certa urgência, um método
didático eficiente para que soldados norte-americanos aprendessem línguas estrangeiras.
Na obra Linguistics across culture, publicada em 1957 — muito depois do término da
Guerra —, Robert Lado ainda defendia a ideia de que as diferenças entre as línguas causariam
dificuldades para os estudantes da língua estrangeira:
Assumimos que o aluno que entra em contato com a língua estrangeira vai
encontrar algumas características da mesma muito fáceis e outras extremamente
difíceis. Os elementos que são semelhantes à sua língua nativa serão simples
para ele, e os elementos que são diferentes serão difíceis.
34
O linguista polonês Ludwik Zabrocki (1907-1977), no texto Grundfragen der
konfrontativen Grammatik (Questões básicas da gramática de confronto), de 1970, propõe o
termo “Gramática Confrontativa” ou “Gramática de Confronto”, desejando que se considerassem
divergências e semelhanças na comparação entre as línguas (FRANCO, [1989?]). O termo
“Gramática Contrastiva” (ou Linguística Contrastiva) seria usado para designar um setor da
Gramática Confrontativa, quando se considerassem somente os contrastes entre as línguas em
estudo.
Outros linguistas propuseram termos híbridos como “gramática contrastiva-teórica”,
“gramática aplicada-contrastiva”. Segundo Franco ([1989?]), “a designação de Linguística
Contrastiva acabou por se impor e tornou-se a mais frequente” à medida que esta disciplina foi se
desenvolvendo ao longo dos anos. Atualmente esta disciplina não só investiga diferenças e
semelhanças entre as línguas, como compara também variantes linguísticas.
2.4. Os três modelos da Linguística Contrastiva
2.4.1. Análise Contrastiva
A Análise Contrastiva foi o primeiro modelo de investigação da Linguística Contrastiva a
ser desenvolvido. Como vimos no tópico 1 deste capítulo, Charles Fries e Robert Lado foram os
responsáveis pelo seu surgimento em meados do século XX. Baseia-se em estabelecer-se um
contraste entre dois sistemas linguísticos — o da língua materna (LM) e o da língua estrangeira
(LE) — para se identificarem semelhanças e diferenças entre elas, mas sobretudo as diferenças. A
partir desta identificação, busca-se elaborar uma gramática contrastiva que apresente uma
hierarquia das correspondências entre as estruturas fonológicas, morfológicas e sintáticas, para se
identificar os pontos que irão gerar dificuldades no aprendizado da LE, e controlar as possíveis
interferências24 (GARGALLO, 1993). Tem, portanto, uma finalidade claramente didática. Adja
Balbino Durão (1999) esclarece:
[A Análise Contrastiva] se interessa pelos efeitos que as diferenças e
semelhanças existentes entre a estrutura da língua materna e da língua meta
24
Ver nota 12.
35
produzem na aprendizagem da LE, estabelecendo uma relação de causalidade
entre o grau de dificuldade de aprendizagem desta LE e o grau de divergência
contrastiva com a LM.
Chamado também de Versão Forte, este modelo tem sua base teórica na Linguística
Estrutural25 e no Comportamentalismo 26. Concebe o processo de aprendizagem de uma língua
estrangeira como a aquisição de uma série de hábitos, baseados no binômio estímulo-resposta.
Segundo Fernandez Gonzalez (1995), as línguas são consideradas “conjuntos de hábitos
adquiridos que respondiam a estímulos externos”. O erro é visto como fator negativo, pois
representa um desvio da norma da língua que se está aprendendo. De acordo com esse modelo, a
principal causa do erro é a interferência da língua materna sobre a aprendizagem da língua
estrangeira.
O objetivo principal dos estudos contrastivos era melhorar o processo de ensinoaprendizagem de idiomas, por isso seu foco de investigação eram as divergências linguísticas.
Segundo este modelo de análise, são as diferenças entre as línguas que causam as difculdades da
aprendizagem da LE. A estratégia para se superar as dificuldades é realizar um trabalho de
graduação dessas diferenças. De acordo com Weinreich (1953), quanto maior for a diferença
entre dois sistemas, isto é, à medida que sejam mais numerosas as formas e padrões de cada um,
maior será a dificuldade de aprendizagem e onde mais interferências acontecerão.
A Análise Contrastiva serviu de base para a criação do método audiolingual — como
explicamos no tópico 2 deste capítulo —, para a produção de materiais didáticos e para o
planejamento de cursos de idiomas.
Ronald Wardhaugh (apud DURÃO, 2004), em 1970, criticou o modelo sobretudo por este
desprezar a produção escrita e oral dos alunos. Esse autor apoia a denominada Versão Fraca,
centrada na produção linguística dos aprendizes. Porém, essa proposta tinha a mesma base teórica
que a Versão Forte, pois se apoiava no fator transferência: positiva, quando a LM e a LE eram
semelhantes, e negativa, quando eram diferentes. Analisaremos a versão fraca no próximo tópico.
O modelo de Análise Contrastiva foi muito criticado durante a década de 70 do século
XX. Adja Balbino Durão (2004) aponta três críticas como as mais relevantes. A primeira é a
respeito da base behaviorista, combatida por Chomsky. Este linguista recebeu pleno apoio dos
25
26
Ver nota 6.
Ver nota14.
36
teóricos da área ao defender a ideia de que a língua é uma faculdade vinculada ao sistema
cognitivo do ser humano, e não um conjunto de hábitos adquiridos.
A segunda crítica refere-se à ideia de que todas as diferenças entre LM e LE
necessariamente representariam dificuldades e provocariam erros durante o processo de
aprendizagem da LE. Pesquisas indicaram que nem sempre isso acontecia, ou quando acontecia,
muitos erros eram rapidamente superados.
A terceira crítica é direcionada ao pressuposto de que a interferência seria a única causa
de dificuldades e erros. Pesquisas — sobretudo as de Dulay, Burt e Krashen — também
derrubaram esse pressuposto. Muitos outros fatores influenciavam a ocorrência de erros por parte
dos alunos de LE, tais como falta de motivação, idade, falta de aptidão para o estudo de línguas
etc.. Segundo Vandresen (1988), muitos erros aconteciam devido à estrutura intralinguística da
LE. Os verbos irregulares são exemplo disso: em inglês, *goed27, em lugar da forma correta went;
em português, *fazi, em vez do correto fiz.
Vandresen (1988) chama a atenção para uma das questões mais criticadas nesse modelo
de análise: o fato de estar centrado em evitar a ocorrência de erros, e não em desenvolver a
comunicação. O professor devia corrigir o aluno no ato em que esse cometia algum erro ao se
manifestar através da LE. Com isso, a espontaneidade e a interação em sala de aula, por exemplo,
ficavam comprometidas.
Essas e outras críticas fizeram com que linguistas aplicados, já na década de 60, se
desinteressassem pelo modelo de Análise Contrastiva, o que levou a formulação do próximo
modelo, o de Análise de Erros.
Adja Balbino Durão (2004), porém, afirma o seguinte em defesa do modelo de Análise
Contrastiva:
Apesar de o modelo de Análise Contrastiva ter sido criticado, ele contribuiu de
forma inegável para o desenvolvimento das pesquisas sobre os universais da
linguagem, para o estudo das variações diacrônicas e dialetais, para o estudo da
aquisição da linguagem, bem como para o campo da tradução, além de propiciar
uma base para o desenvolvimento de materiais eficazes para o ensino de línguas,
motivo pelo qual reaparece, mesmo que modificado, no modelo de Análise de
Erros e, posteriormente, no modelo de Interlíngua.
27
O asterisco representa agramaticalidade, ou seja, forma inexistente na língua.
37
Vandresen (1988) também aponta contribuições da Análise contrastiva para o ensinoaprendizagem de línguas estrangeiras, dentre as quais destacamos: o auxílio no planejamento de
cursos; e suporte para que docentes avaliem materiais didáticos, para que preparem seus próprios
materiais.
2.4.1.1. A Análise Contrastiva e o fenômeno da interferência linguística
O fenômeno da interferência da língua materna sobre a língua estrangeira é considerado
natural e corriqueiro e já foi amplamente tratado por vários estudiosos das ciências da linguagem.
Segundo Adja Balbino Durão (2008), foi identificado “como influência translinguística nas
pesquisas desenvolvidas a partir de finais do século XIX no campo das línguas em contato”. O
linguista Uriel Weinreich (1926-1967) deu importante contribuição aos estudos sobre o tema,
sobretudo através da obra Languages in contact: findings and problems (Línguas em contato:
aspectos e problemas), publicada em 1953. Neste trabalho, o autor defende que o fenômeno da
interferência é um desvio da norma de uma língua por influência de outra língua, ocorrendo, esse
fenômeno, na produção oral de indivíduos bilíngues. Este é sistemático e previsível, pois ocorre
devido a fatores estruturais (linguísticos) e socioculturais. Estes últimos são, por exemplo, raça,
sexo, idade, religião, status social, ocupação e religião. O referido fenômeno pode ocorrer em
qualquer nível da língua, ou seja, fonológico, morfológico, sintático ou semântico. Analisemos
abaixo dois exemplos de interferência do português língua materna no italiano como língua
estrangeira:
EXEMPLO 1:
O número 16, em italiano, se diz sedici; é muito comum os estudantes brasileiros dizerem
diciasei (forma agramatical), por interfrência da forma dezesseis, da língua portuguesa.
EXEMPLO 2:
Também é muito comum a confusão que os brasileiros fazem entre os verbos ter, do português, e
avere (ter) e esserci (haver, estar presente), do italiano. Consideremos a seguinte frase: Tem uma
pessoa na praça. Os brasileiros, ao tentarem dizer essa frase em italiano, costumam dizer
38
erradamente: Ha una persona nella piazza. A frase correta em italiano é: C’è una persona nella
piazza.
Segundo Maria Youssef Abreu (2008), as pesquisas de Weinreich influenciaram os
estudos de Robert Lado centrados no ensino-aprendizagem de línguas. Como já vimos, a obra
Linguistics across cultures (1957), deste linguista, foi a grande responsável pela fundação da
Linguística Contrastiva.
Em relação ao fenômeno da interferência linguística, Robert Lado (1957) afirma que “os
indivíduos tendem a transferir as formas, os significados e a distribuição das formas e dos
significados da língua/cultura deles para a língua/cultura estrangeira”. Paolo Balboni (1996)
também afirma o seguinte sobre essa questão: “As noções gramaticais, semânticas e
comunicativas adquiridas na L1 (língua materna), e delineadas cognitivamente através de um
processo de alfabetização, são automaticamente transferidas à aprendizagem da L2 (língua
segunda e estrangeira)”. Anna Ciliberti, na obra Manuale di Glottodidatica (1997), também
dedica atenção ao fenômeno em questão:
Os erros são cometidos por causa do fenômeno da interferência, ou transfer
negativo, segundo o qual aquilo que está sendo aprendido é influenciado por
aquilo que já foi aprendido. No caso da aprendizagem linguística, nos pontos em
que as duas línguas são símiles, ocorrerá uma facilitação da aprendizagem
devido à interferência positiva; naquilo em que as duas línguas são diferentes, o
aluno encontrará dificuldade. (tradução nossa)
Dependendo do autor, o fenômeno da interferência recebe nomes diferentes. Referindo-se
à qualidade da interferência, a que Ciliberti faz alusão acima, Enrico Borello (1991) esclarece:
Geralmente o termo interferência é aplicado para indicar o reflexo negativo de
uma língua na aprendizagem de uma outra. A interferência positiva, isto é,
aquela que ajuda na aquisição de uma nova competência linguística é
frequentemente identificada através do termo transfert.
Na verdade, a Psicologia Behaviorista — uma das bases teóricas da Análise Contrastiva
— propôs dois tipos de transferência: uma positiva e outra negativa. A positiva auxilia o
processo de aprendizagem da LE; a negativa dificulta-o. Segundo Adja Balbino Durão (2008),
39
Van Oberbecke afirmou que o conceito de interferência procedeu da Física, significando “o
encontro de dois movimentos ondulatórios com o resultado de um esforço da onda ou, ao
contrário, da anulação da onda”. Esse conceito passou para outros ramos científicos, como
Eletrônica, Pedagogia, Psicologia, até chegar à Linguística e à Linguística Aplicada. Em todas
essas áreas, o termo reflete um sentido negativo, equivalente à “perturbação”.
Como já afirmamos, o modelo de Análise Contrastiva da Linguística Contrastiva está
fundado nesse conceito de interferência linguística. Segundo este modelo, aprender uma
determinada língua estrangeira pode ser fácil ou difícil dependendo das semelhanças e das
diferenças que se estabeleçam entre língua materna do aprendiz e essa língua estrangeira. Quanto
mais diferenças existam, mais difícil será o processo de aprendizagem.
Esse princípio está ligado ao conceito de distância interlinguística 28. Segundo Santos
Gargallo (1993), quanto maior for essa distância, maiores serão as dificuldades de aprendizagem
e maiores serão as possibilidades de ocorrerem interferências. Por distância interlinguística devese entender grau de parentesco entre duas ou mais línguas, considerando a origem das mesmas. A
distância entre as línguas românicas ou neolatinas, por exemplo, é pequena, porque elas têm o
mesmo ancestral, ou seja, originaram-se do latim vulgar, por isso, são parecidas nos seus aspectos
fonéticos, morfológicos, sintáticos e semânticos. A família das línguas românicas é composta por
línguas como o português, o espanhol, o italiano, o francês e o romeno.
2.4.2. Análise de Erros
O segundo modelo da Linguística Contrastiva a ser desenvolvido foi o chamado Análise
de Erros, que representou uma resposta às críticas ao modelo de Análise Contrastiva. Segundo
Adja Balbino Durão (2004), esse modelo foi desenvolvido nos EUA entre 1915 e 1933 para ser
aplicado ao ensino da língua materna. Foi adaptado para o campo do ensino de línguas
estrangeiras pelo linguista Stephen Pit Corder (1918-1990). O marco dessa adaptação é 1967,
quando este linguista publica o seu texto The significance of learners errors (O significado dos
erros dos aprendizes), no periódico International Review of Applied Linguistics in Language
Teaching (Revista Internacional de Linguística Aplicada ao Ensino de Língua). Corder realizou
28
É o mesmo que distância linguística.
40
estudos dos erros sistemáticos na produção oral e escrita dos alunos de LE. No resumo do
referido artigo, o linguista (1967) afirma:
Erro (não deslizes)29, cometido não só na aprendizagem de segunda língua como
na aquisição da linguagem pela criança, evidencia que um aprendiz usa um
sistema definido de linguagem em cada ponto do seu desenvolvimento. Esse
sistema, ou “programa-imbutido”30, deve produzir uma sequência mais eficiente
do que a sequência gerada para instruir, porque aquela é mais significativa para
o aprendiz. Ao permitir que as estratégias inatas do aprendiz definam o
programa linguístico, mais do que impor a ele noções pré-concebidas sobre o
que ele deve aprender, meios mais eficazes de ensino de língua podem ser
alcançados. (tradução nossa)
No texto acima, fica claro que Corder se apoia prioritariamente na Teoria de Aquisição
Linguística de Noam Chomsky, segundo a qual a aprendizagem linguística é resultado do
desenvolvimento de uma série de estratégias cognitivas por parte do aluno. Essas estratégias são
inatas, bem como é inata a capacidade do ser humano de desenvolver a linguagem verbal. Tratase da ideia de competência linguística proposta por Chomsky.
Na Análise de Erros, como dissemos anteriormente, trabalha-se com um corpus composto
por produções dos alunos, devidamente registradas através sobretudo de gravações de áudio,
filmagens e textos escritos por esses aprendizes. O trabalho com o corpus inclui pelo menos as
seguintes tarefas:
 Listagem dos erros;
 Classificação dos erros de acordo com a sua tipologia (sistemáticos, não-sistemáticos, etc.);
 Verificação da frequência com que esses erros ocorrem;
 Investigação das causas desses erros;
 Identificação do grau de distúrbio que os erros causam na comunicação em LE;
 Desenvolvimento e aplicação de estratégias pedagógicas para superação dos erros.
29
No original: “Error (not mistakes)”. Segundo dicionários de inglês-português, tanto error quanto mistake podem
ser traduzidos para o português como erro, engano. A diferença entre esses termos seria que error é mais formal.
Porém, preferimos traduzir error como erro, e mistakes como deslizes, esta última expressão suaviando a ideia de
erro.
30
No original: “built-in syllabus”; as aspas foram usadas pelo próprio autor.
41
Corder estabeleceu distinção entre dois tipos de erros, identificados através de duas
palavras em inglês: error e mistake. O termo error — que vamos traduzir como erro — refere-se
a um desvio da norma culta, da língua padrão. É classificado como sistemático e tem a ver com o
nível de domínio da LE por parte do aluno. Esses erros podem ser causados por fatores como
interferência 31 e falta de conhecimento de certas estruturas ou de vocabulário. Esses são os erros
que interessam ao modelo de Análise Contrastiva.
Por sua vez, a expressão mistake — que preferimos traduzir como deslize — é o erro nãosistemático, que é o que não se repete sistematicamente. Esses deslizes são causados, por
exemplo, por esquecimento.
A interpretação e classificação dos erros deve respeitar “variáveis como a idade do aluno,
a tensão nervosa, a metodologia de ensino, a motivação e o interesse” (FIALHO, 2005). Segundo
Corder (in DURÃO, 2004, p. 17):
[...] a probabilidade de cometer deslizes [...] aumenta quando estamos cansados,
nervosos, em situação de estresse ou incerteza, quando nossa atenção está
dividida, ou, ainda, quando estamos absortos em alguma atividade nãolinguística. Deve-se, portanto, esperar que alguém que tente se comunicar em
uma língua estrangeira ou esteja sob tensão, na sala de aula ou fora dela, seja
especialmente passível de tais fracassos de desempenho.
O professor tem de ter, então, a capacidade de diferenciar os dois tipos de erros que os
alunos venham a cometer durante as aulas e, segundo este modelo de análise, deve dar atenção
apenas aos erros que forem sistemáticos.
O modelo de Análise de Erros se apoia também em outras concepções teóricas, além da
Teoria de Aquisição Linguística, e a de competência linguística. Segue também o conceito de
competência comunicativa, proposto pelo linguista, sociolinguista, antropólogo e folclorista Dell
Hymes (1927-2009). Este conceito defende a influência dos aspectos culturais e contextuais
durante o processo comunicativo. O falante tem de adequar a língua a esses aspectos, logo, eles
devem ser levados em conta no processo de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras.
Marcelo Clemente (2008) esclarece:
31
Ver tópico 2.4.1.1 desta tese.
42
[...] posso ter um bom domínio da gramática, do vocabulário e da pronúncia de
uma língua, mas isso, por si só, não garante que saberei usar a língua com
propriedade em diferentes contextos sociais. Do ponto de vista do ensino, tudo
depende da necessidade do aprendiz. Se ele pretende viajar, morar no exterior,
trabalhar, então é importante conhecer também o registro mais coloquial, talvez
não para usar, mas principalmente para compreender o que e como os nativos
falam. Se o aluno pretende estudar fora, então o registro mais formal, usado nos
textos didáticos e acadêmicos se torna prioridade.
O modelo de Análise de Erros está centrado no aluno e, para melhor acompanhar o
desenvolvimento deste na LE, combina as teorias já citadas às teorias sócio-cognitiva, mentalista
e sócio-interacional.
Santos Gargallo (1993) destaca algumas vantagens do modelo de Análise de Erros:
• Representa uma contribuição significativa para a Linguística Aplicada; eleva o
status do erro e amplia o âmbito de suas fontes (os erros são vistos como sinais
positivos de que o processo de aprendizagem está acontecendo);
• Mostra aos professores e aos investigadores em que ponto da aprendizagem
está o aluno e quais são as estratégias que está colocando em prática;
• Constrói uma hierarquia de dificuldades, apontando as prioridades no ensino;
• A partir de todo este processo, produz-se material de ensino que resulta mais
útil e adequado que o anteriormente usado;
• Oferece testes que se mostram imprescindíveis para determinados objetivos e
níveis. (tradução nossa)
A nosso ver, o principal avanço que este modelo conseguiu foi que se admitisse que a
ocorrência de erros é inevitável no processo de aprendizagem tanto da língua materna quanto das
línguas estrangeiras. Antes, com o modelo de Análise Contrastiva, os erros eram sinônimos de
fracasso. Com a Análise de Erros, estes passam a ser vistos como estratégia cognitiva, refletem a
tentativa do aluno de usar a língua que ele está aprendendo.
Alguns linguistas consideram o modelo de Análise de Erros uma evolução em relação ao
modelo de Análise Contrastiva. Concordamos com os que consideram esses modelos
complementares, como José Manuel Vez Jeremías (2004):
Enquanto a Análise Contrastiva trata de prever as possíveis dificuldades ou
facilidades que vão se apresentar, sobre a base da comparação e da descrição da
língua base (L1) e a língua de referência (L2), o procedimento de analisar os
43
erros segue, por sua parte, uma metodologia ‘a posteriori’ com a qual pretende
descobrir a causa de um tipo ou outro de erro. (tradução nossa)
O modelo de Análise de Erros pode confirmar ou negar as conclusões do modelo de
Análise Contrastiva a respeito das possíveis dificuldades dos alunos com a língua estrangeira.
A principal crítica feita a esse segundo modelo foi justamente por ele se voltar unicamente
para o estudo dos erros dos aprendizes.
2.4.3. Interlíngua
Em 1972, é publicado, na International Review of Applied Linguistics (Revista
Internacional de Linguística Aplicada), o artigo Interlanguage (Interlíngua), do linguista Larry
Selinker. Importante marco dos estudos sobre Interlíngua, o terceiro modelo da Linguística
Contrastiva. Este modelo vinha sendo desenvolvido por esse linguista pelo menos desde 1969, foi
batizado por ele em 1972 e foi definido como um sistema linguístico temporário em língua
estrangeira, construído e usado pelo estudante dessa língua, na tentativa de produzir um discurso
espontâneo nela. A interlíngua, também chamada de dialeto idiossincrático ou dialeto de
transição, preserva características da língua materna e evolui, acompanhando o processo de
domínio crescente da língua alvo pelo aluno. Em 1992, é publicada a obra Rediscovering
Interlanguage (Redescobrindo Interlíngua), em que Selinker revê sua teoria.
Analisemos a seguir um exemplo de manifestação de interlíngua. Imaginemos que um
indivíduo, cuja língua materna é o português, estivesse aprendendo a língua italiana e, ao tentar
se expressar neste idioma, falasse o seguinte:
Noi
Noi siomos
siomos brasiliani.
brasiliani.
A expressão siomos torna o enunciado agramatical, porque ela não existe; porém, é
possível verificarmos que o termo tem características morfológicas de um verbo. Entendemos que
o estudante tentou dizer em italiano Noi siamo brasiliani, que em português significa Nós somos
brasileiros. O termo agramatical siomos se assemelha tanto a siamo, do italiano, quanto a somos,
do português. Fica claro que o indivíduo que produz sistematicamente o enunciado acima ainda
44
não aprendeu ainda a forma correta do verbo essere flexionado na 1ª pessoa do plural do presente
do indicativo.
Outros linguistas vinham estudando a interlíngua, atribuindo-lhe outros nomes. William
Nemser destacou a natureza transitória e dinâmica desse sistema linguístico e o denominou
"sistema aproximativo". Jack Richards o chamou de “competência transitória”. Dulay e Burt o
identificaram pela expressão “hipótese de construção criativa”.
Stephen Pit Corder, que desenvolveu o modelo de Análise de Erros, também tratou desse
terceiro modelo da Linguística Contrastiva, porque esses dois modelos estão mais interligados em
termos teóricos, do que a Análise de Erros e a Análise Contrastiva. Corder escreveu artigos e
livros sobre o sistema. Inicialmente chamava-o de “dialeto idiossincrático”.
É importante esclarecer que o termo “interlíngua” também foi usado anos antes com outro
significado. Referia-se a uma língua auxiliar internacional elaborada em 1951 por Alexander
Gode32, da International Auxiliary Language Association (Associação Internacional de língua
Auxiliar). Essa língua foi construída, durante mais de duas décadas de estudos linguísticos, a
partir de vasto vocabulário considerado comum a línguas de grande difusão mundial: inglês,
francês, italiano e espanhol/português33. Muitas dessas palavras também eram de origem grecoromana. As obras básicas sobre essa interlíngua são Interlingua: English Dictionary (Interlíngua:
Dicionário de Inglês), com 27.000 palavras, e Interlingua Grammar (Gramática de Interlíngua),
ambas publicadas em 1951. Essa interlíngua nada tem a ver com a interlíngua proposta por Larry
Selinker.
Ligado à Linguística Contrastiva, Selinker procurou elaborar uma teoria psicolinguística
da aprendizagem de línguas estrangeiras. Ele afirmou que a mente do ser humano tem dois
importantes tipos de estruturas: a estrutura latente da linguagem e a estrutura psicológica
latente. A primeira está relacionada à capacidade genética de aquisição da língua materna. Adja
Balbino Durão (2004) diz que, segundo Selinker, esta “é a contrapartida biológica da gramática
universal que a criança transforma na gramática de uma língua particular”. A estrutura
psicológica latente é a que permite o desenvolvimento da interlíngua. Durante o processo de
aprendizagem da LE, esta estrutura mental promove “identificações entre-línguas” (interlingual
32
33
Alexander Gottfried Friedrich Gode-von-Aesch, ou simplesmente Alexander Gode (1906-1970).
Espanhol e português foram consideradas juntas.
45
identifications) de modo dinâmico. Isso ajuda o aprendiz a entender a língua estrangeira e tentar
se comunicar através dela. Adja Balbino Durão (2004) apresenta mais detalhes:
A estrutura psicológica latente, de acordo com esse autor [Selinker], contém
cinco processos psicológicos centrais e quatro secundários que interferem na
produção linguística desses estudantes. Entre os processos centrais, estão: a) a
transferência de elementos da LM para a LE; b) a transferência de instrução; c) o
uso de estratégias de aprendizagem; d) o uso de estratégias de comunicação e e)
a generalização de regras. E entre os secundários, estão: f) a pronúncia
ortográfica; g) a pronúncia cognata (ou afim); h) a aprendizagem de holofrases e
i) a hipercorreção.
A interlíngua possui algumas características que merecem destaque: tendência à evolução
constante; é permeável, ou seja, recebe elementos da LE; é sistemática; fossiliza algumas
estruturas; pode ser afetada pelo chamado fenômeno plateau (DURÃO, 2004).
Os fenômenos de fossilização e plateau estão interligados. O termo “fossilização” foi
tomado por empréstimo do campo da Paleontologia e significa a cessação de progresso do
processo de aprendizagem em LE. Refere-se também ao uso de formas linguísticas dessa língua
as quais já foram erradicadas por falantes nativos. Há ainda a fossilização de erros, que ocorre,
por exemplo, quando o aprendiz fica muito tempo sem contato com a LE. É, na verdade, uma
ameaça constante ao domínio da LE por parte do estudante. Acredita-se ainda que, quanto mais
próximas forem a LE e a língua materna, maior será a probabilidade de a interlíngua se fixar, pois
os erros tendem a passar despercebidos. A fossilização é matéria de investigação de muitos
pesquisadores.
É importante destacar que Selinker considera a fossilização irreversível. Outros linguistas,
como Adja Durão, Hylenstam, Johnson, Martin Peris e Prada Creo, porém, acreditam que para
“desfossilizar” erros é preciso motivação por parte do aluno e estudo das formas adequadas da
LE, de modo que substituam as formas que indicavam fossilização (DURÃO, 2004).
O fenômeno plateau ocorre quando o aprendiz julga já ter alcançado um bom nível de
domínio da LE por conseguir satisfazer suas necessidades comunicativas; ele deixa de investir no
aperfeiçoamento desse domínio, porque acha que atingiu um nível suficiente de competência
linguística em relação à LE.
Em relação ao valor da interlíngua, para Adja Balbino Durão (2004), a contribuição desse
modelo no campo da didática é a da maior relevância:
46
[...] ao introduzir elementos como o tratamento dos erros, a tentativa de
identificação das operações cognitivas subjacentes às produções linguísticas e
das estratégias de aprendizagem e de comunicação, assim como a noção de
fossilização e do fenômeno ‘plateau’ como componentes do processo de
ensino/aprendizagem, modificou a própria postura dos docentes em relação à
produção, à expressão e à recepção linguística de seus aprendizes.
A interlíngua é considerada de ocorrência inevitável no processo de aprendizagem de
qualquer língua estrangeira. Pode se manifestar durante todas as fases do estudo da LE, embora
seja mais comum no seu início, e tende a desaparecer quando o aprendiz alcança um nível alto de
domínio do idioma estrangeiro. Vale destacar ainda que quanto mais próxima for a LE da língua
materna, mais chance de a interlíngua se manifestar.
2.5. Breve comparação entre os três modelos da Linguística Contrastiva
Desde o seu surgimento com o modelo de Análise Contrastiva, em 1945, a Linguística
Contrastiva — assim como a Linguística Aplicada — vem se desenvolvendo e se adaptando para
responder cada vez melhor às necessidades humanas em relação a questões ligadas à linguagem,
sobretudo ao ensino-aprendizagem de línguas. É fácil notarmos isso ao compararmos os seus três
modelos de análise.
É importante destacar que os três modelos da Linguística Contrastiva têm o mesmo
objetivo geral: compreender e facilitar o processo de ensino-aprendizagem de línguas, levando
em conta o papel da língua materna nesse processo (ANDRADE, 2006). Por isso Santos Gargallo
(1993, p. 30) os define metaforicamente como “elos de uma mesma corrente”:
É importante ver a sucessão destes modelos como uma concatenação natural na
qual os novos conceitos vão sendo encadeados como uma consequência lógica
das descobertas prévias. A passagem de um modelo a outro não supõe o rechaço
do anterior, mas sim a superação do mesmo num esforço científico comum.
47
Vejamos a seguir um quadro resumitivo que elaboramos sobre esses três modelos da
Linguística Contrastiva, visando a estabelecer uma comparação entre eles. Nesse quadro,
destacamos alguns tópicos que consideramos mais importantes34:
TÓPICOS
MODELOS
DE LC
PRINCIPAIS
FUNDAMENTOS
TEÓRICOS
MODELO DE
ANÁLISE
CONTRASTIVA
Linguística Estrutural e
Comportamentalismo
MODELO DE
ANÁLISE DE
ERROS
Teoria de Aquisição
Linguística,
Funcionalismo, Teoria
Sócio-cognitiva e
Sócio-interacional
MODELO DE
INTERLÍNGUA
Teoria de Aquisição
Linguística,
Funcionalismo, Teoria
Socio-cognitiva e sóciointeracional
PRODUÇÃO DO
APRENDIZ
FOCO
INVESTIGATIVO
Desconsiderada
Interferêcia da LM
na LE
Precisam ser evitados,
pois prejudicam o
processo de
aprendizagem da LE.
Principal fonte
de investigação
Erros do aprendiz
São inevitáveis e são
valorizados como
fontes de informação.
Indicam as áreas de
dificuldade na LE.
Principal fonte
de investigação
Interlíngua e
estrutura
psicológica latente
COMO VÊ OS ERROS
Possibilitam a
identificação das
estratégias
psicolinguísticas que
os causam.
TIPO DE
CONTRASTE
QUE REALIZA
LM do
aprendiz com a
LE
Erros do
aprendiz com
LE
Erros da
interlíngua com
LM e LE
As diferenças que esses modelos aprensentam entre si permitem que eles sejam
complementares. A Análise de Erros surge como uma resposta às críticas sofridas pela Análise
Contrastiva. Uma das mais relevantes foi sobre o fato de este modelo não considerar a produção
dos alunos. Os dois modelos subsequentes “corrigem” isso.
As mudanças ocorridas entre Análise Contrastiva e Análise de Erros são bastante radicais.
Os fundamentos teóricos dos dois modelos e a visão sobre “erro”, por exemplo, são claramente
antagônicos. Em relação a esse último tópico, enquanto para a Análise Contrastiva o erro em LE
é visto como fator negativo, como fracasso, para a Análise de Erros, o erro é natural e inevitável,
tornando-se inclusive o foco da investigação desse modelo.
As mudanças ocorridas entre o modelo de Análise de Erros e o de Interlíngua são mais
suaves. Ambos seguem praticamente os mesmos fundamentos teóricos e compartilham também
do mesmo tipo de corpus investigativo: a produção oral e escrita dos aprendizes de LE.
34
Para elaborar o quadro, baseamo-nos no texto O modelo de AC, o modelo de AE e o modelo de IL frente a frente,
de Adja Balbino de Amorim Barbieri Durão (DURÃO, 2004, p. 21-22).
48
Os três modelos de análise também são chamados de hipóteses. Uma hipótese, em
Linguística, “é uma proposição aceitável que, apesar de pender de comprovação, serve para
responder, sob a forma de tentativa, a um problema com base científica” (HIPÓTESE). Neste
sentido, a hipótese surge com uma suposição, e os dados ligadas a ela devem ser comprovados
através de uma investigação.
A nosso ver, o modelo de Análise Contrastiva é o modelo hipotético por excelência,
sobretudo porque parte da teoria para a prática. Produz “em laboratório” uma gramática
contrastiva de duas línguas, apontando semelhanças e diferenças entre elas, para prever as
dificuldades que os aprendizes terão com a LE. Tem um caráter taxativo e determinista. Como já
dissemos, muitas das suas previsões de dificuldades não se confirmaram na prática.
Os outros dois modelos também são hipotéticos, mas as hipóteses estão ligadas às
explicações sobre problemas reais ligados à aprendizagem da LE. Beseiam-se na produção oral e
escrita dos aprendizes de LE, e isso é algo concreto. Partem da prática para a teoria.
É imprescindível uma integração entre os três modelos, conforme afima Adja Balbino
Durão (2004, p. 22):
Postulamos que, em qualquer de seus modelos, a LC contribui,
inquestionavelmente, para o aprimoramento da formação de professores de
línguas, o ideal é a integração deles, visto que são, na verdade, etapas
complementáveis no sentido de propiciar um enfoque e um material didático
mais ajustado às necessidades dos estudantes de línguas.
2.6. A importância da Linguística Contrastiva nos dias de hoje
Quando apresentamos nosso projeto de tese na disciplina Seminário Tese de Doutorado
— uma das disciplinas do Curso de Doutorado —, na Faculdade de Letras da UFRJ, uma das
professoras que ministrava o curso criticou nossa proposta de estudo, afirmando que já não se
faziam mais trabalhos em Linguística Contrastiva, que isso era coisa do passado — ela se referia
ao século XIX —, sem importância para os dias de hoje. Inicialmente nos sentimos vergonha por
estarmos empolgados com uma proposta de tese que, segundo a professora, era ultrapassada. Mas
será que era mesmo? Depois de fazermos algumas leituras mais aprofundadas sobre o tema,
chegamos à conclusão de que não era bem assim.
49
Na verdade, sabíamos que, de fato, já havia muitas produções acadêmicas no campo da
Linguística Contrastiva, mas isso não significava que esta Ciência estava falida, que sua
contribuição estava esgotada.
Particularmente a leitura da obra Linguística Contrastiva: teoria e prática, cuja
organizadora é Adja Balbino de Amorim Barbieri Durão (2004), foi importante para que
compreendêssemos a situação em que a Linguística Contrastiva estava inserida. Entre professores
e cientistas da linguagem, há aqueles que defendem a ideia errônea de que esta disciplina está
ultrapassada. Porém, há um outro grupo que — dedicando-se ou não à mesma — compreende e
respeita a sua importância, “ontem e hoje”. Que acredita que as ciências não têm “prazo de
validade”. São desenvolvidas pelo ser humano a partir de suas necessidades e são aperfeiçoadas
por ele.
O artigo que inicia a primeira parte da obra a que nos referimos acima trata da polêmica
que apresentamos. Seu título, A Linguística Contrastiva é uma área de estudo fora de época?, da
autoria de Isabel Gretel María Eres Fernández, da Universidade do Estado de São Paulo, já deixa
evidente a problemática de que tratamos. Porém, professores que estão em sala de aula de língua
estrangeira sabem que a argumentação de Fernández (p. 6) é irrefutável:
Nosso aluno, em especial o jovem e o adulto, faz comparações entre o código
que domina e o novo; busca no seu repertório de regras em língua materna
(gramaticais, fonéticas, morfossintáticas, de uso...) um possível correspondente
ou equivalente para as novas regras com as quais têm contato em língua
estrangeira. Quando não é capaz de estabelecer uma relação ou quando não
encontra a informação em língua materna, surge a dúvida. É o momento em que
interrompemos nossa aula de língua estrangeira para explicar o que ocorre na
materna para, só depois, prosseguirmos a nossa aula, tal como havíamos
planejado.
Fernández descreve um fenômeno praticamente natural que ocorre em sala de aula de
língua estrangeira. O aluno faz comparações, conforme afirmou, de maneira automática, sem
intenção. Ao professor cabe respeitar esse estado de coisas e usar a Análise Contrastiva como
estratégia didática para poder prosseguir. Fernández ainda afirma:
É, no mínimo, ingênuo pensar que nossos alunos vão separar completamente os
dois idiomas; que não vão procurar pontos em comum e pontos divergentes; que
não vão fazer transposições e analogias; que não vão realizar transferências
(positivas ou não). Dessa forma, se sabemos que o contato vai ocorrer, por que
50
não tirar partido dele em vez de ignorá-lo ou rejeitá-lo? Apropriar-se desse
contato de maneira eficaz é o que faz, em última instância, a Linguística
Contrastiva.
É, portanto, questão de bom senso usar a Linguística Contrastiva como aliada no trabalho
em sala de aula de língua estrangeira, em qualquer nível do processo de ensino-aprendizagem,
pois o fenômeno da interferência, por exemplo, não está preso a nenhum nível específico do
referido processo. Fernández conclui: “[...] a Linguística Contrastiva é importante sim nos dias
atuais posto que suas contribuições são perfeitamente aplicáveis e são, igualmente, aplicadas no
nosso dia-a-dia, mesmo que nem sempre sejamos conscientes disso”. Fernández ainda esclarece:
Muitas vezes tentamos evitar comparações entre os dois idiomas envolvidos e
chegamos, inclusive, a solicitar dos alunos que “pensem” na língua estrangeira,
que “esqueçam” o português. Como se isso fosse possível! Não se trata,
evidentemente, de retornarmos ao método gramática e tradução e ministrarmos
nossas aulas de língua estrangeira via língua materna; longe disso. Trata-se,
acima de tudo, de analisarmos em quais momentos a língua materna pode ser
uma aliada e, nessas ocasiões, usá-la, seja como ponto de partida, seja como
ponto de chegada, seja como fiel da balança.
Vale ressaltar também o que diz Paolo Balboni (2002) a respeito da importância da
Linguística Contrastiva: “Relevante sobre o plano glotodidático é a contribuição da Linguística
Contrastiva, que procura prever a ocorrência de erros através do confronto entre duas línguas”.
Sobre esse tipo de análise, Anna Ciliberti (1997) afirma o seguinte:
Compara sistematicamente a língua mãe do aprendiz com a língua objeto de
estudo à procura de similaridades e diferenças. (...) é considerada essencial para
a planificação dos cursos, para a escolha dos materiais didáticos, para o
desenvolvimento das técnicas de ensino, para a correção dos erros. Da análise
contrastiva — acredita-se — é possível se obter úteis indicações didáticas à
medida em que pode-se prever os pontos de dificuldade que os discentes de uma
certa língua mãe encontrarão e pode-se, então, concentrar a atenção sobre esses.
Por todos os argumentos que apresentamos aqui, não resta dúvida de que a Linguística
Contrastiva é muito importante para a área de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras.
51
2.7. A orientação desta pesquisa: Linguística Contrastiva teórica ou aplicada?
No tópico 1 deste capítulo, tratamos da diferença entre Linguística Contrastiva teórica e
aplicada. Neste tópico 6, pretendo esclarecer qual das duas orientações é a da presente pesquisa,
apresentando as devidas justificativas.
Na introdução deste trabalho, afirmamos que a principal motivação que tivemos para
realizá-lo foi a experiência que vivemos ao ministrarmos, por um ano e meio, aulas de sintaxe do
período composto da língua italiana para alunos brasileiros de oitavo período do Curso de
Bacharelado em Letras em Português-Italiano na Faculdade de Letras da UFRJ. Foram três
turmas com uma média de 25 alunos cada uma. O contexto era, pois, o de um curso de italiano
para estrangeiros, de nível avançado, cujo conteúdo era teórico-gramatical. Observamos, durante
as aulas, que os alunos tinham muita dificuldade para compreender e acompanhar esse conteúdo.
Essa dificuldade nada tinha a ver com a competência comunicativa em italiano LE, pois não se
tratava de problemas na produção oral ou escrita dos alunos, nem dificuldades ligadas à
compreensão escrita. O problema era de compreensão teórica.
A sintaxe do período composto da língua italiana é diferente, em muitos pontos, da
sintaxe do período composto da língua portuguesa. Algumas diferenças são: a quantidade de tipos
de orações coordenadas e subordinadas — há mais tipos em italiano —, a nomenclatura e
determinados conceitos.
Como os alunos já tinham um bom domínio da sintaxe do período composto da língua
materna, a portuguesa, acontecia uma espécie de “cegueira” e uma resistência à aprendizagem de
alguns tipos de orações da sintaxe do período composto da língua italiana. Ocorria o fenômeno de
interferência linguística ou transferência negativa. Os alunos analisavam sintaticamente as frases,
usando a nomenclatura da língua materna, só que em língua italiana. Vejamos abaixo um
exemplo do que acontecia, considerando a seguinte frase em italiano:
La speranza che Anna tornasse non abbandonava Paolo. (SABATINI, 1994, p. 481)
Para fazer a análise desse período composto italiano, os alunos poderiam seguir estratégias
diferentes, mas em geral seguiam os seguintes passo:
52
1.
2.
3.
4.
Traduziam a frase;
Identificavam os verbos, para verificar o número de orações;
Separavam as orações, usando barras diagonais ( / ) ou colchetes ( [ ] );
Classificavam as orações.
Seguindo todos os passos, os alunos obtinham o seguinte resultado:
Tradução da frase: A esperança que Ana voltasse não abandonava Paulo.
Análise:
verbo 1
verbo 2
La speranza [che Anna tornasse] non abbandonava Paolo.
1ª proposizione
2ª proposizione
continuazione della 1ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: subordinata relativa determinativa
Não houve erro nos três primeiros passos. A tradução da frase e a identificação dos verbos
estão corretas, mas a classificação das orações está parcialmente errada. A primeira oração
(proposizione, em italiano) é, de fato, a oração reggente (principal). A segunda oração, che Anna
tornasse, não é subordinata relativa determinativa, que em português significa “subordinada
adjetiva restritiva”. A classificação correta dessa oração em italiano é subordinata sostantiva
oggettiva diretta, que em português significa “subordinada substantiva objetiva direta”.
Por que os alunos acertaram a classificação da primeira oração e erraram a da segunda?
Acertaram a classificação da primeira, porque ela é a mesma em italiano e em português. O que
muda é o termo designativo: em italiano, se diz reggente e, em português, se diz principal. Já em
relação à segunda oração, os alunos erraram sua classificação, porque pensaram na do português.
A oração “que Ana voltasse”, de acordo com a gramática descritiva da língua portuguesa, é
classsificada como “subordinada adjetiva restritiva”. Mas a gramática descritiva italiana — como
já afirmamos — considera a oração che Anna tornasse uma subordinata sostantiva oggettiva
diretta (subordinada substantiva objetiva direta), ou seja, uma classificação totalmente diferente
53
da do português. O erro ocorreu, portanto, por interferência da língua materna no estudo do
italiano como língua estrangeira.
Esse tipo de problema, acontecendo em um universo de aproximadamente 34 tipos
diferentes de orações italianas e 27 tipos do português — em suas formas reduzidas e
desenvolvidas —, tornava o estudo bastante dificultoso.
Para resolver a questão, usamos a Análise Contrastiva como estratégia didática, porque
esse modelo de análise concentra sua atenção justamente nas diferenças entre as duas línguas, e
eram essas diferenças que estavam causando problema. Como a finalidade era didática, tratava-se
de Linguística Contrastiva aplicada.
Primeiramente realizamos, sem os alunos, o estudo contrastivo das orações coordenadas e
subordinadas do italiano e do português, a partir do livro didático adotado com as turmas:
Grammatica italiana con nozioni di linguistica, de Maurizio Dardano e Pietro Trifone
(DARDANO; TRIFONE, 2003). É uma gramática italiana para italianos, ou seja, não é uma
gramática para o ensino-aprendizagem do italiano para estrangeiros, porém, costuma ser adotada
em cursos de nível avançado do italiano para estrangeiros, sobretudo quando o objetivo é o
estudo teórico-gramatical. Utilizamos também outras gramáticas italianas de mesmo tipo.
Realizamos o estudo de Análise Contrastiva e tomamos algumas medidas antes de levar
os resultados para a sala de aula. Através do estudo, identificamos as semelhanças e diferenças
entre italiano e português em relação à sintaxe do período composto e destacamos os pontos da
matéria que poderiam apresentar dificuldades para os estudantes. Estabelecemos uma hierarquia
entre as classificações de orações em italiano, partindo das mais fáceis para as mais difíceis.
Elaboramos um material didático à parte com quadros contrastivos e reorganizamos o programa
do curso. Em seguida, colocamos tudo em prática em sala de aula.
O resultado com os alunos foi muito bom. Eles compreenderam e assimilaram a matéria
com muito mais facilidade. Chegamos a essa conclusão a partir dos bons resultados das
avaliações a que submetemos os alunos — trabalhos, testes, provas, observações da produção em
sala de aula etc. .
Para realizar o presente trabalho, ampliamos o estudo de Análise Contrastiva que
realizamos na experiência narrada acima. O passo-a-passo do desenvolvimento dessa análise para
a tese explicamos com mais detalhes no capítulo que trata da metodologia de pesquisa. Neste
sexto tópico do capítulo 2, a proposta é ressaltar que trata-se de um estudo de Linguística
54
Contrastiva aplicada, sobretudo porque seu objetivo central é didático, ou seja, aplicar os
resultados desse estudo no ensino do italiano como língua estrangeira.
55
3. LINGUÍSTICA CONTRASTIVA E TEORIAS GRAMATICAIS
3.1. Conceitos e tipos de gramática
Segundo António Franco ([1989?]), “é ponto assente entre os que trabalham na área da
contrastividade que a comparação sincrônica de duas línguas se faz com base no mesmo modelo
de gramática”, ou seja, deve haver coerência entre os fundamentos teóricos da Linguística
Contrastiva, em quaisquer de seus três modelos, e os tipos de gramática utilizados no trabalho de
contrastação. Vejamos essa relação mais a fundo, verificando primeiramente quais conceitos de
gramática devem-se considerar neste estudo.
O termo gramática veio do grego grammatiké. Formou-se a partir da expressão grámma
que significava letra. Originalmente, designava a “arte de ler e de escrever”, referindo-se a um
conjunto de técnicas de leitura e de escrita; posteriormente passou a ter outras acepções
(INFANTE, 1997), e aqui nos interessam duas delas. A primeira é a que concebe a gramática
como um conjunto de princípios que regem o funcionamento de uma língua. Esses princípios
envolvem os elementos constitutivos da língua, ou seja, os sons, as formas, as palavras, as
construções, os recursos expressivos. Estes elementos são agrupados e estudados em partes. A
Nomenclatura Gramatical Brasileira (HENRIQUES, 2009), adotada em 1959, aponta três partes:
Fonética, Morfologia e Sintaxe. Explicando sucintamente, a Fonética trata do estudo dos sons;
como devem ser escritos, pronunciados etc.. A Morfologia trata da estrutura e da formação das
palavras, agrupando-as em classes. E a Sintaxe é a parte que estuda as relações lógicas entre as
palavras, as combinações e as funções destas nos enunciados.
Interessa-nos também entender gramática como livro didático que contém essa disciplina.
Nesta tese, trabalhamos com algumas gramáticas da língua italiana e da língua portuguesa,
conforme veremos com mais detalhes no capítulo 5. Em geral, esses manuais didáticos — como
os elaborados para o ensino do português nas escolas de níveis Fundamental e Médio 35 no Brasil
— trazem as três partes fundamentais da gramática — citadas no parágrafo anterior — e ainda
outras divisões, tais como a Semântica, que trata das relações de significado das palavras, e a
Estilística, que trata do uso estético da linguagem.
35
O Ensino Fundamental vai do primeiro ano — no qual a criança deve ingressar ao completar seis anos — ao nono
ano de escolaridade. O Ensino Médio vem após o Ensino Fundamental e é constituído de três anos.
56
Há diferentes tipos de gramática enquanto disciplina: geral ou universal, implícita,
histórica, descritiva, normativa, gerativa, funcional, contrastiva, reflexiva etc.. Não cabe aqui
explicar todas essas modalidades, mas veremos algumas com mais detalhes.
Ataliba de Castilho (2010, p. 42) atribui o que ele chama de “quatro grandes direções” às
teorias linguísticas e gramaticais: a gramática descritiva, a funcionalista-cognitivista, a histórica e
a prescritiva.
A gramática descritiva ou expositiva trata a língua como um conjunto de produtos
estruturados; busca registrar e descrever cientificamente as variações da língua, considerando o
seu uso real pelos falantes. De acordo com a corrente linguística que dela se ocupe, a gramática
descritiva também pode ser chamada de estrutural, gerativa-transformacional, estratificacional,
funcional etc..
A gramática funcionalista-cognitivista trata a língua enquanto conjunto de processos
mentais estruturantes e a vê como um instrumento de comunicação sujeito às pressões das
situações comunicativas.
A gramática histórica se ocupa da origem e da evolução das línguas. Trata a língua como
um conjunto de processos e produtos que mudam ao longo do tempo.
A gramática prescritiva ou prescritivista é mais conhecida como gramática normativa ou
tradicional. Ela estabelece a norma culta — que é a modalidade de língua valorizada socialmente
— e forma o que Castilho chama de “conjunto de ‘usos bons’”. A norma culta é tida como
modelo, como padrão linguístico. Geralmente é elaborada e revista por grupo de gramáticos e
linguistas conceituados nas Academias de Letras de cada país. A gramática normativa se ocupa
mais da modalidade escrita da língua. Não é uma disciplina com finalidade científica e sim
pedagógica (BECHARA, 1999).
Os manuais didáticos para ensino de línguas — maternas e estrangeiras — se propõem,
em geral, a trabalhar ou a gramática normativa ou a descritiva. Esse fato leva a extensas
discussões sobre metodologia de ensino, as quais não desenvolveremos aqui, mas destacaremos
alguns pontos interessantes.
Há anos existe uma polêmica a respeito de se fazer ou não estudo gramatical tanto em
aulas de língua materna quanto nas de línguas estrangeiras. Surgiu da alegação de que as aulas
baseadas no estudo da gramática normativa são maçantes e não levam os alunos nem a
melhorarem o domínio do próprio idioma nem a aprenderem línguas estrangeiras. Há quem
57
defenda a ideia radical de que esse tipo de estudo deve ser completamente abolido. Luiz Carlos
de Assis Rocha, na sua obra Gramática: nunca mais (2007, p.16-17), compartilha esse
posicionamento no contexto do ensino do português como língua materna nas escolas brasileiras:
Se defendemos que o objetivo primordial da escola é ensinar a língua padrão,
isso não quer dizer que o aprendizado dessa modalidade de língua deva ser feito
através do estudo da gramática. Defenderemos [...] a posição de que a gramática
não só não é necessária ao aprendizado da língua padrão, como também de que
ela é prejudicial ao ensino de Português. É necessário que se adote uma postura
incisiva com relação a esse assunto e não se faça como certos autores, que
condenam, renegam e execram a gramática, mas não conseguem se livrar de
suas amarras e não apresentam alternativas viáveis ao estudo da língua materna
sem o jugo da gramática.
O autor declara haver uma “confusão reinante” no que tange ao ensino do português. Na
obra Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio36, publicada pelo Ministério da
Educação do Brasil (1999, p. 137), através da Secretaria de Educação Média e Tecnológica,
admite-se que esse problema vem ocorrendo há anos:
A perspectiva dos estudos gramaticais na escola até hoje centra-se, em grande
parte, no entendimento da nomenclatura gramatical como eixo principal;
descrição e norma se confundem na análise da frase, essa deslocada do uso, da
função e do texto. [...] O estudo gramatical aparece nos planos curriculares de
Português, desde as séries iniciais, sem que os alunos, até as séries finais do
Ensino Médio, dominem a nomenclatura. Estaria a falha nos alunos? Será que a
gramática que se ensina faz sentido para aqueles que sabem gramática porque
são falantes nativos? A confusão entre norma e gramaticalidade é o grande
problema da gramática ensinada na escola. O que deveria ser um exercício para
o falar/escrever/ler melhor se transforma em uma camisa de força
incompreensível.
Assis Rocha (2007, p. 16) faz uma crítica direta ao estudo da gramática descritiva em
instituições de ensino de vários níveis. O autor considera inútil essa prática:
[...] ao sair da escola fundamental, média ou superior, a imensa maioria dos
indivíduos vai precisar é da língua padrão — falada ou escrita — para ingressar
36
Os chamados Parâmetros Curriculares Nacionais são diretrizes propostas pelo Governo Federal para a educação
básica no Brasil. São dirigidos aos professores para orientá-los sobretudo na elaboração dos planos de curso das
disciplinas do Ensino Fundamental e do Ensino Médio no Brasil.
58
no mercado de trabalho ou para se tornar um cidadão engajado na sociedade em
que vive. Para esse cidadão, de quase nada vai adiantar o estudo descritivo da
língua que ele usa em casa ou o estudo de textos literários.
De fato, se a gramática descritiva é uma disciplina científica e não pedagógica, não
deveria haver manuais didáticos baseados nela, mas não é o que acontece. Muitas publicações
voltadas para o ensino do português como língua materna em escolas da educação básica no
Brasil se propõem a trabalhar a gramática descritiva. É o caso da obra Português: Linguagens, de
William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães (2003), muito adotada por escolas tanto da
rede pública quanto particular. A obra abrange uma coleção de 4 livros para o Ensino
Fundamental (do 6º ao 9º ano) e três livros ou um volume único para o Ensino Médio. Nesta
última publicação, na contracapa, temos a seguinte declaração sobre a proposta da obra: “O
trabalho com a gramática privilegia os conteúdos essenciais para a leitura e a produção de textos,
mas oferece também atividades de revisão de gramática descritiva”.
Os autores de manuais como o citado optam pela gramática descritiva, no intuito de se
aproximarem da realidade linguística dos alunos, pois acreditam que, assim fazendo, tornarão o
material didático mais interessante para os estudantes. Assis Rocha (2007, p. 15-16) fala do tipo
de linguagem que tem sido privilegiado em sala de aula:
Parece estar havendo um equívoco com certos professores de Português e
mesmo com determinados autores que tratam do assunto, com relação ao tipo de
liguagem que se deve ensinar na escola. Com o intuito de tornar o ensino da
língua materna mais soft e mais light, alguns professores se deixam levar pelo
charme e pelo glamour da linguagem criativa, literária e privilegiam o aspecto
recreativo, lúdico e artístico da linguagem, chegando mesmo, muitas vezes, a
negligenciar ou desdenhar o ensino da língua padrão. O argumento utilizado é
sempre o mesmo: as aulas de Português são maçantes, estéreis, cansativas — é
preciso fugir da rotina, da mesmice... Em outros casos, com o mesmo objetivo,
os professores preferem privilegiar o estudo da linguagem que o aluno traz de
casa.
O resultado da falta de foco no ensino da língua padrão é que os alunos não progridem no
processo de domínio do próprio idioma. Assis Rocha (2007, p. 63) acrescenta o seguinte a
respeito desta situação:
59
Sob o ponto de vista exclusivamente científico, não há dúvida de que a língua é
um fenômeno oral, e como tal deve ser analisada (ROCHA, 1998b). Parece
haver, no entanto, um equívoco lastimável de alguns linguistas, que querem
levar para a sala de aula o estudo científico da linguagem humana, esquecendose de que a sociedade letrada em que vivemos prestigia, enfatiza e privilegia o
domínio da língua padrão pelo indivíduo.
Como afirmamos anteriormente, essas questões a respeito da gramática são polêmicas e
subjetivas. Fazer ou não estudo gramatical em sala de aula depende de uma série de questões. De
fato, o ensino da língua padrão nas escolas não precisa ser feito através do referido estudo, mas
há contextos em que o mesmo é adequado e até necessário, como é o caso do curso de
Licenciatura em Letras, de Ensino Superior, que forma professores de língua portuguesa e de
línguas estrangeiras. Esses profissionais obviamente precisam ter um domínio profundo das
gramáticas das línguas.
Por fim, vale a pena ressaltar o que diz José Carlos de Azeredo (2010, p. 131) a respeito
das gramáticas descritiva e normativa:
(...) deixemos claro o seguinte: qualquer gramática normativa é necessariamente
também uma gramática descritiva, pois só se pode prescrever uma forma da
linguagem (prescrição) se ela foi preliminarmente identificada mediante uma
descrição. A rigor, uma gramática normativa não passa de uma descrição da
variedade padrão da língua apresentada a seus usuários como modelo de uso
supradialetal e socialmente prestigioso.
A afirmação acima é muito importante, porque explica de modo simples a relação entre os
dois tipos de gramática em questão, evidenciando o caráter abrangente da gramática descritiva.
Vejamos, nos próximos tópicos, as gramáticas ligadas aos modelos da Linguística Contrastiva.
3.2. Gramáticas ligadas à Linguística Contrastiva
Primeiramente é fundamental destacar que a Linguística, por ser uma ciência descritiva e
explicativa (LOPES, 2007), gera gramáticas descritivas. A Linguística Contrastiva, que é uma
subárea da Linguística e da Linguística Aplicada, trabalha principalmente com esse tipo de
gramática.
60
Como afirmamos no início deste capítulo, são os fundamentos teóricos de cada modelo da
Linguística Contrastiva que determinam o tipo de gramática ligado a cada modelo. Verifiquemos,
no quadro a seguir, as correspondências que se estabelecem:
TÓPICOS
MODELOS
DE LC
MODELO DE
ANÁLISE
CONTRASTIVA
PRINCIPAIS FUNDAMENTOS TEÓRICOS
GRAMÁTICAS
ESTRUTURALISMO E
COMPORTAMENTALISMO
GRAMÁTICA DESCRITIVA CONTRASTIVA,
GRAMÁTICA NORMATIVA E
GRAMÁTICA INTERNALIZADA OU IMPLÍCITA
MODELOS DE
ANÁLISE DE ERROS
E DE INTERLÍNGUA
LINGUÍSTICA FUNCIONAL,
SOCIOCOGNITIVISMO E
SOCIOINTERACIONISMO
GRAMÁTICA
FUNCIONAL
E
GRAMÁTICA
INTERNALIZADA OU IMPLÍCITA
O modelo de Análise Contrastiva se apoia na gramática descritiva de tipo contrastiva,
porque esse modelo, como já vimos, faz descrição das línguas em contraste, destacando
semelhanças e diferenças, para prever e evitar problemas no processo de ensino-aprendizagem da
língua estrangeira. Além disso, ambos se baseiam no estruturalismo.
Na verdade, o produto da Análise Contrastiva é a gramática contrastiva ou transferencial,
que traz a contrastação propriamente dita entre as línguas, apontando suas semelhanças e
diferenças.
Mas o modelo de Análise Contrastiva também está ligado à gramática normativa, porque
ambos têm finalidade pedagógica e consideram o erro um fator negativo para a aprendizagem
linguística e procuram evitá-lo.
Destaquemos, portanto, o seguinte fato: o modelo de Análise Contrastiva tem ao mesmo
tempo uma finalidade científica — e por isso está ligado à gramática descritiva contrastiva — e
uma pedagógica — ligando-se, assim, à gramática normativa.
Já o modelo de Análise de Erros e o de Interlíngua ligam-se à gramática funcional,
principalmente porque esta gramática e estes modelos se fundamentam nas mesmas teorias: a de
Aquisição Linguística, a Sócio-Cognitiva, a Sócio-Interacional, a Linguística Funcional e
Gerativo-Transformacional.
61
Como já afirmamos, os três modelos da Linguística Contrastiva podem ser considerados
complementares. Da mesma forma ocorre com certas teorias linguísticas em que os mesmos se
fundamentam.
Conforme afirmam Ricardo Yamashita Santos e Marcos Antonio Costa (2009), da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em um artigo intitulado Formalismo,
pragmatismo e concepções contemporâneas acerca da linguagem, “os estudos da linguagem
seguem uma cronologia de micro para macro”. Com Saussure, a partir da primeira metade do
século XX, deu-se ênfase apenas à estrutura da língua, ou seja, à sua forma, sem considerar o
contexto de comunicação linguística. Aos poucos a atenção foi se voltando para o discurso até se
chegar ao estudo da função social da língua. Várias correntes de estudo da linguagem surgiram,
cada qual com seus pressupostos. O problema em relação às mesmas é haver “disputa” entre elas.
Segundo Santos e Costa (ibid.), isso aconteceu entre o Formalismo e o Pragmatismo37: “A
separação do que é interno à língua (estrutura) e do que é considerado em seu contexto de uso
(discurso) mantém distinta uma teorização da outra, ocasionando debates sobre o que seria mais
importante pesquisar dentro da Linguística”. Os autores criticam a referida “disputa”:
Pensar a língua somente sob o escopo formal, ou então, pensar a língua somente
relacionada ao contexto de uso pode trazer um recorte nos estudos linguísticos.
Essa disputa, por assim dizer, por espaço, nos parece ser deveras desnecessária
para o estudo. De uma forma mais ampla, essas duas grandes concepções
defendem posições distintas, não devendo haver, então, uma disputa por uma
teoria que deva ser a correta. Todas, dentro do que se propõem a pesquisar,
apresentam informações de grande importância para o estudo, dando um maior
aprofundamento em dado aspecto.
Logo, todas as teorias linguísticas que surgiram ao longo dos tempos foram importantes
para a evolução do estudo da linguagem e, falando metaforicamente, cada uma delas é uma
espécie de peça de um grande quebra-cabeça que é o esforço por se compreender plenamente a
comunicação verbal humana. As duas principais correntes ligadas à Análise Contrastiva, o
Formalismo — cujas principais vertentes são o Estruturalismo e o Gerativismo — e o
Funcionalismo, são, conforme afirma Ataliba de Castilho (2010, p. 64), as de maior prestígio da
Linguística Contemporânea.
37
A pragmática é um ramo da Linguística. Estuda a linguagem, considerando a influência do contexto de uso.
62
Não podemos deixar de explicar que os três modelos da Linguística Contrastiva também
têm uma ligação com a gramática internalizada ou implícita. É esta gramática que promove o
fenômeno da interferência linguística na aprendizagem da língua estrangeira.
Vejamos com mais detalhes, nos próximos tópicos, os três modelos e as gramáticas
ligadas a eles.
3.2.1. A Linguística Contrastiva e a gramática internalizada ou implícita
Carlos Franchi (1991, p. 54) define gramática internalizada ou implícita como sendo o
“saber linguístico que o falante de uma língua desenvolve dentro de certos limites impostos pela
sua própria dotação genética humana, em condições apropriadas de natureza social e
antropológica”. O falante desenvolve e usa essa gramática de modo inconsciente. Esta reflete a
competência do usuário para usar a língua para se comunicar; representa o seu nível de domínio
da norma culta da língua. Celso Pedro Luft (2002, p. 16) chama este tipo de gramática de natural
e esclarece:
Podemos então distinguir entre o sistema de sinais, comum a todos os falantes, e
cada ato circunstanciado de comunicação. O sistema é coletivo, mas cada ato de
comunicação é absolutamente individual. Assim, em comunicação, há código e
mensagem; em linguagem: língua e fala. E, levado em conta o domínio
individual do sistema coletivo por parte de cada falante, distingue-se ainda entre
competência e desempenho, entre o saber e o atuar linguísticos, o saber-falar e o
falar. São as clássicas distinções langue/parole, de Ferdinand de Saussure, e
competence/performance, de Noam A. Chomsky.
Conforme Luft afirma acima, a gramática natural ou internalizada ou implícita está ligada
à dicotomia competência e desempenho, introduzida por Chomsky nos estudos de Linguística.
Nesse contexto, competência é a capacidade inata do ser humano de se comunicar através de um
sistema de sinais vocais. Ela possibilita o desenvolvimento da gramática internalizada;
desempenho refere-se à performance que cada um tem ao usar a língua; depende, portanto, da
competência. Para Canale e Swain (1980, p. 3), a competência “corresponde ao conhecimento da
gramática e outros aspectos da língua, enquanto o desempenho diz respeito ao uso real”.
63
Luft (2002, p. 21) contrapõe a gramática natural à gramática artificial e afirma que “a
segunda só vale enquanto reprodução, cópia da primeira”. É o registro da primeira, e esta, a
natural, é considerada pelo autor como sendo a verdadeira gramática de uma língua:
A gramática dos falantes é sempre completa: sistema de “todas as regras”
necessárias para se poder falar. Mesmo a criança de cinco ou seis anos já fala
com desembaraço, e o mais humilde dos analfabetos, necessariamente dominam
a gramática completa que preside seus atos da fala. Do contrário, não haveria
como falar.
Naturalmente, há variantes de gramática, conforme o grau de cultura ou nível
sócio-cultural do falante; mas todas elas, mesmo a de nível mais baixo, são
completas em si, dispõem de todos os elementos de que as pessoas necessitam
para fazer frases e comunicar-se.
Segundo Luft, a gramática artificial tem duas grandes vertentes: a tradicional e a moderna.
A tradicional tem herança greco-latina, e suas duas principais orientações são a gramática
normativa e a descritiva. A gramática moderna é, nas palavras de Luft, “fruto dos progressos da
ciência linguística”, resultado dos trabalhos de linguistas como Ferdinand de Saussure, Edward
Sapir, Leonard Bloomfield e Luís Hjelmslev. O autor afirma que as vertentes principais da
gramática moderna são a gramática estrutural e a transformacional.
A gramática descritiva se ocupa, como vimos, de registrar e descrever cientificamente as
variações de uma língua, levando em conta o seu uso real pelos falantes. Considerando a
dicotomia de que tratamos no início deste tópico, podemos dizer que o foco da gramática
descritiva é o desempenho dos falantes de uma dada língua. Mas, de acordo com Luft (2002, p.
21), “até hoje, nenhuma aceitação e codificação (no sentido de documentalizar para tornar oficial)
ou reprodução fiel, completa, de nenhuma gramática natural foi conseguida. Isso quer dizer que a
pessoa sabe mais da língua do que consegue falar ou escrever sobre ela”.
A existência da gramática implícita pode ser constatada através de alguns fatos, entre os
quais destacaremos dois. O primeiro é o fato de crianças que têm o português como língua
materna dizerem, por exemplo, fazi (forma agramatical38), em lugar de fiz, e trazi (forma
agramatical), em lugar de trouxe, quando estão aprendendo a falar. Elas demonstram que
inconscientemente aplicam a regra de conjugação dos verbos regulares — regra esta já
38
O termo agramatical refere-se a uma expressão ou a um enunciado inaceitável em uma determinada língua, por
desrespeitar as regras da gramática normativa dessa língua.
64
internalizada por elas — com verbos irregulares — cuja regra de conjugação desconhecem —,
resultando no uso das formas agramaticais fazi e trazi.
O segundo fato é a hipercorreção, que ocorre quando o falante comete um erro ao se
expressar verbalmente, por tentar corrigir o que ele supõe estar errado na língua. É quando, por
exemplo, alguém diz orinar (forma agramatical) em vez de urinar, ou quando diz adevogado
(forma agramatical), ao invés de advogado.
José Carlos de Azeredo (2010, p. 129) chama a gramática que estamos tratando de
internalizada ou latente e explica: “A gramática latente corresponde ao conhecimento que cada
usuário tem de uma língua específica qualquer — sua língua materna — e que o torna apto a
produzir e compreender frases nessa língua”. Porém, a gramática internalizada não diz respeito só
à língua materna. Quando começamos a aprender uma língua estrangeira, damos início ao
processo de desenvolvimento de uma gramática internalizada dessa língua. Essa gramática
implícita aparece quando usamos a língua estrangeira.
Quanto à ideia de erro linguístico, ele só poderá ser considerado como tal se a gramática
internalizada, ao se manifestar através do desempenho do falante com a língua materna ou
estrangeira, for analisada sob a ótica da gramática normativa.
Tratemos agora da ligação entre a Linguística Contrastiva e a gramática internalizada ou
implícita. Como já afirmamos, o modelo de Análise Contrastiva não trabalha com a produção
oral e escrita de aprendizes de língua estrangeira. Esse modelo não leva em conta nem a
competência linguística desses aprendizes, nem o desempenho deles ao se comunicarem na
língua estrangeira. É um modelo teórico por excelência, que busca produzir “em laboratório” uma
gramática contrastiva de duas línguas, a materna e a estrangeira, visando a prever as possíveis
dificuldades na aprendizagem da língua estrangeira, para saná-las. Logo, se esse modelo não
trabalha com a competência dos alunos — pelo menos não diretamente —, então ele não trabalha
com a gramática internalizada. Porém, é interessante notar que essa gramática promove o
fenômeno da interferência linguística, o qual é apontado pelo modelo de Análise Contrastiva
como principal causa dos erros cometidos na língua estrangeira pelos aprendizes. Na verdade,
esse primeiro modelo da Linguística Contrastiva trabalha com a possibilidade da ocorrência de
interferências linguísticas. Procura formar a gramática internalizada, eliminando essas
interferências.
65
Já os modelos de Análise de Erros e de Interlíngua, que estão centrados no aluno, têm
grande ligação com a gramática internalizada. Para conferirmos isso, observemos o seguinte
silogismo: Se os modelos de Análise de Erros e de Interlíngua trabalham com o desempenho dos
aprendizes de língua estrangeira, e o referido desempenho reflete a gramática internalizada da
língua estrangeira, então os dois modelos supracitados trabalham diretamente com essa gramática
internalizada. Trata-se de raciocínio lógico.
O modelo de Análise de Erros tenta desvendar a gramática internalizada dos aprendizes
através da investigação dos erros sistemáticos cometidos na produção oral e escrita desses
estudantes. O objetivo é acompanhar o andamento do processo de ensino-aprendizagem deles.
Verificar quais estratégias eles usam consciente e inconscientemente para aprenderem a língua
estrangeira. A partir da análise dos erros, os investigadores podem descobrir se as escolhas
metodológicas são adequadas e devem continuar a serem seguidas ou se é necessário realizar
mudanças ou ajustes metodológicos. Os erros são vistos, portanto, como instrumentos para a
avaliação da aprendizagem.
Porém, conforme vimos acima, não é possível obviamente desvendar toda a gramática
internalizada da língua estrangeira, porque, como afirmou Luft (2002, p. 21), “a pessoa sabe mais
da língua do que consegue falar ou escrever sobre ela”. Mas, assim mesmo, o modelo de Análise
de Erros contribuiu para melhorar a metodologia de ensino de línguas.
O modelo de Interlíngua também pode desvendar parte da gramática internalizada da
língua estrangeira. Conforme já vimos no tópico 2.4.3, interlíngua é definida como um sistema
linguístico não-nativo e temporário, criado e usado por um aprendiz de uma língua estrangeira,
quando ele ainda não domina essa língua. Esse sistema fica entre a língua materna do seu usuário
e a língua estrangeira que ele estuda. Geralmente tem traços tanto de uma quanto da outra. Marta
Baralo (in LOBATO; GARGALLO, 2004, p. 373) conceitua interlíngua da seguinte forma:
[...] sistema independente de conhecimento do aprendiz de uma L2 ou uma LE.
Este sistema linguístico interiorizado evolui, tornando-se cada vez mais
complexo. O aprendiz possui intuições próprias deste sistema, que é diferente do
da LM (embora se encontrem algumas semelhanças) e do da LO [língua oficial];
[...] cada aprendiz ou grupo de aprendizes possui, em um estágio da sua
aprendizagem, um sistema específico. (tradução nossa)
66
A Linguística Contrastiva, através do modelo de Interlíngua, faz investigação sobre a
chamada estrutura psicológica latente, buscando identificar as estratégias psicolinguísticas
envolvidas no processo de aprendizagem da LE.
É muito variável a frequência com que a interlíngua se manifesta na produção oral e
escrita do aprendiz de língua estrangeira. Tanto a interlíngua quanto a gramática internalizada
evoluem, mas de modo diferente. À medida que o aprendiz vai avançando no estudo da LE e vai
aumentando o seu nível de domínio da mesma, a gramática internalizada desta língua também
aumenta, vai se igualando à gramática normativa dessa LE, e os episódios de interlíngua tendem,
então, a ser raros e até a desaparecerem.
3.2.2. A Análise Contrastiva e a gramática descritiva contrastiva
Segundo Evanildo Bechara (1999, p. 52), a gramática descritiva é uma disciplina
científica que registra e descreve um sistema linguístico em uso em todos os seus níveis —
fonético-fonológico, morfossintático e lexical — e nas suas várias formas de expressão, sem se
ocupar de estabelecer o que é certo ou errado em relação à norma culta, apenas identifica o que é
gramatical e agramatical. Ataliba de Castilho (2010, p. 59) chama a atenção para a importância
desse tipo de gramática:
É muito importante entender que toda reflexão sobre a língua começa pela
descrição das expressões. Ao mesmo tempo que descrevemos, vamos
identificando os grandes processos linguísticos que se escondem por trás da
multidão de dados. Sem a Gramática Descritiva, as teorias gerais sobre a língua
não teriam avançado. Ela representa um marco não ultrapassável, qualquer que
seja nosso interesse específico.
Bechara (ibid., p.52) afirma que a gramática descritiva “se reveste de várias formas
segundo o que examina mediante uma metodologia empregada [...]: estrutural, funcional,
contrastiva, distribucional, gerativa, transformacional, estratificacional, de dependências, de
valências, de usos, etc.”. A gramática contrastiva, portanto, é um dos tipos de gramática
descritiva. Aponta as diferenças e as semelhanças entre duas ou mais línguas, como resultado do
trabalho de Análise Contrastiva.
67
É importante destacar que a Análise Contrastiva e a gramática descritiva estão ligadas ao
estudo sincrônico da língua. Como já vimos na página 32 desta tese, sincronia, em Linguística,
refere-se ao conjunto de fatos da língua correspondentes a um dado momento do seu percurso
histórico. Conforme afirma Ataliba de Castilho (2009, p. 43), para fins científicos, é necessário
considerar a língua como um organismo estável e constante:
Para assegurar alguns resultados e conclusões, temos de considerar os dados em
sua estatividade. O objeto empírico para ser adequadamente descrito deve ser
idealizado, e até mesmo congelado por intermédio de algum artifício teórico,
limitado em sua extensão, não importando se com isso ele acabe se divorciando
do mundo real.
Esta é uma das afirmações que configuram uma ciência clássica. Ataliba de Castilho
(ibid.) explica que a gramática descritiva é uma ciência clássica focada no estudo do enunciado
linguístico, visto como um produto acabado. Esse tipo de gramática interpreta a língua como um
conjunto ordenado de itens, uma estrutura homogênea, composta por signos39, que são
identificados através dos contrastes que se estabelecem entre eles. Os signos são distribuídos por
unidades, que por sua vez pertencem aos níveis fonológico, morfológico e gramatical. As
unidades gramaticais atendem a uma hierarquia. Em ordem crescente, são as seguintes: o fonema,
a sílaba, o morfema, a palavra, o sintagma e a sentença. Esta última também é chamada de frase,
oração ou período (conjunto de orações). O fonema e a sílaba são estudados pela Fonologia; o
morfema e a palavra são tratados pela Morfologia; e o sintagma e a senteça são estudados pela
Sintaxe. A composição hierarquizada das unidades gramaticais forma a estrutura gramatical
(AZEREDO, 2010, p. 139).
Quanto aos procedimentos metodológicos da gramática descritiva, José Carlos de Azeredo
(2010, p. 129) aponta os principais:
[...] se nosso objetivo é, por exemplo, descrever (isto é, explicitar por meios
técnicos) certo uso da língua, precisamos de quatro coisas pelo menos: (a)
delimitar um objeto de análise, (b) selecionar um corpus, (c) apoiar-nos numa
teoria e (d) classificar as unidades e enunciar as regras de seu funcionamento.
39
Conceito criado por Ferdinand de Saussure para designar o elemento, dotado de significante e significado, que
representa algo que existe.
68
A gramática descritiva tem como base teórica o Estruturalismo, que, como vimos na
página 20 desta tese, originou-se com o Curso de Linguística Geral, de Ferdinand de Saussure,
obra publicada em 1916. O termo Estruturalismo “abrange diversas correntes de pensamento
fundamentadas na ideia de que os fenômenos e fatos culturais podem ser analisados como
estruturas, isto é, totalidades constituídas de elementos funcionalmente interligados”
(ESTRUTURALISMO). Adotado pelas Ciências Humanas, o Estruturalismo gerou um método
homônimo, extensamente utilizado para se analisarem línguas, culturas, filosofias e sociedades.
O Estruturalismo Linguístico investiga as relações que se estabelecem entre as unidades
linguísticas por meio de oposições ou contrastes. Cada unidade só tem valor e só pode ser
definida a partir da sua relação com as demais unidades. O conjunto de relações é que forma a
estrutura.
O Estruturalismo é considerado uma corrente do Formalismo, pois faz análise da língua a
partir das propriedades internas dela, sem considerar o contexto em que as estruturas linguísticas
foram geradas. Dá ênfase, portanto, à forma e não ao conteúdo ou significado.
Além do Estruturalismo, o Gerativismo é outra modalidade do Formalismo. Todas essas
correntes estão ligadas ao Imanentismo, doutrina que concebe a língua como autônoma e que
foca as relações internas da mesma. São teóricos formalistas Noam Chomsky, Leonard
Bloomfield, Zellig Sabbetai Harris40, Celso Cunha e Lindley Cintra.
Interessante notar que a Análise Contrastiva, em sua primeira versão, foi denominada
forte, preditiva ou a priori, e o Formalismo também recebeu outras denominações, entre as quais,
gramática a priori. Ataliba de Castilho (2010, p. 64) explica como os formalistas concebem, por
exemplo, a sintaxe:
A Sintaxe Formal contextualiza a língua nela mesma, isto é, nas suas
propriedades internas e nas relações que podem ser estabelecidas entre os
constituintes e seus significados [...]. Ela compreende a Sintaxe Estrutural e a
Sintaxe Gerativa [...]. Ambas deixam de lado as indagações sobre a criação das
estruturas numa dada situação social, concentrando-se nas estruturas
cristalizadas da língua. Os dois modelos se unem no silêncio gerado à volta do
discurso, e se distinguem em que o estruturalismo postula a língua como uma
estrutura composta de diferentes hierarquias, centralizadas na Fonologia,
40
Zellig Sabbetai Harris (1909-1992) foi discípulo de Leonard Bloomfield; destacou-se como linguista sobretudo
por seus trabalhos distribucionalistas. Fundou o primeiro departamento de Linguística dos Estados Unidos em 1946,
na Universidade da Pensilvânia. Foi professor de importantes linguistas, como Noam Chomsky e Maurice Gross.
69
enquanto o gerativismo postula a língua como uma atividade mental, em que se
buscam princípios universais, sendo a sintaxe seu componente central.
De fato, o Formalismo aborda a Sintaxe de maneira muito limitada, desconsiderando o
aspecto semântico e o discursivo, muito importantes para uma adequada compreensão do
fenômeno linguístico. A Sintaxe será tratada com mais detalhes no capítulo 4 da tese.
3.2.3. A Análise Contrastiva e a gramática normativa
Como afirmamos no tópico 3.2 deste capítulo, o modelo de Análise Contrastiva tem uma
finalidade científica e por isso está ligado à gramática descritiva; mas também tem uma
finalidade pedagógica, que o liga à gramática normativa ou prescritiva. Esta gramática determina,
através de um conjunto de regras, como uma dada língua deve ser usada, estabelecendo, assim, a
língua padrão ou norma culta, que pode ser usada nos níveis de linguagem41 formal, informal ou
coloquial e técnico, tanto na fala quanto na escrita.
Qualquer produção linguística que infrinja as regras da gramática normativa configura
erro para esta gramática. Existe um nível de linguagem, frequentemente identificado como nível
inculto, cuja principal característica é o grande número de erros gramaticais na produção oral e
escrita dos falantes. Esse é o nível de linguagem usado principalmente por pessoas que tiveram
pouco ou nenhum acesso ao estudo da língua padrão e, por isso, não a dominam. Celso Pedro
Luft (2002) fala a esse respeito:
[...] as várias camadas sociais espelham-se em camadas linguísticas (já que toda
língua retrata as realidades humanas). A estratificação social determina uma
correspondente estratificação linguística. [...] Toda estratificação sociolinguística
é mais ou menos complexa. Mas, simplificando as coisas para o essencial que
aqui interessa, podemos adotar a dicotomia nível culto / nível inculto, tomando
por critério o fato cultural da leitura: os falantes que leem (escolarizados, etc.),
de um lado, e de outro os que não leem, os analfabetos.
41
Os chamados níveis de linguagem são maneiras diferentes de se comunicar através de um idioma, determinadas
por fatores como nível instrucional, situação social e idade dos falantes.
70
A gramática normativa privilegia a modalidade escrita da língua e se baseia em obras
literárias consagradas e em textos formais, como os científicos. Sobre a língua padrão e a
modalidade escrita da língua, Azeredo (2011, p. 131) afirma o seguinte:
Sua condição de modelo de uso faz da língua padrão uma referência idealmente
homogênea, uma espécie de repertório que inclui usos de um espectro de tempo
amplo e fatos que frequentemente conflitam com tendências da língua falada
usual [...]. A língua padrão deve este perfil conservador a um poderoso aliado: a
codificação escrita. Na história de todas as sociedades, a escrita atua como um
instrumento de unidade política e intercâmbio cultural na medida em que garante
a permanência da mensagem através do tempo e promove sua difusão no espaço.
A existência da gramática normativa é importante para unificar o idioma através da norma
culta, difundindo a língua oficial de uma nação, dentro e fora do território desta. A falta de uma
língua nacional põe em risco a existência da própria nação. Luiz Antônio Sacconi (1990) fala a
esse respeito: “A norma culta, forma linguística que todo povo civilizado possui, é a que assegura
a unidade da língua nacional. É justamente em nome dessa unidade, tão importante do ponto de
vista político-cultural, que é ensinada nas escolas e difundida nas gramáticas”.
A Itália viveu um drama em relação à sua língua nacional. Até o século XIX o italiano
oficial era falado apenas pela minoria da população, aproximadamente 2,5% dos italianos. Havia
diversos dialetos muito diferentes entre si, que dividiam o povo. Em 1861 havia um altíssimo
índice de analfabetismo. Com a unificação política da Itália — ocorrida entre 1959 e 1970 —,
inicia-se o processo de unificação linguística do país. Com muitos esforços do governo e do povo
italiano, foi possível superar o problema linguístico. Contribuíram para isso a instrução
obrigatória nas escolas, o serviço militar, realizando migrações internas, e a atuação da mídia,
sobretudo da televisão no século XX (MAURO, 1993). Simone Fornara (2009, p. 109), na obra
Breve storia della grammatica italiana, destaca a questão gramatical nesse cenário: “Depois da
Unificação da Itália (1861), a produção gramatical sofreu um notável aumento, favorecido pela
política de alfabetização empreendida pelo governo com o objetivo de difundir uma língua
nacional” (tradução nossa). O autor refere-se à gramática normativa usada na difusão do italiano
padrão.
A gramática normativa modifica-se à medida que a língua, sendo um organismo vivo,
modifica-se ao longo do tempo. As mudanças ocorrem sobretudo no léxico e no campo
ortográfico.
71
Conforme vimos no tópico 3.1 deste capítulo, segundo Azeredo (2010, p. 131), a
gramática normativa é antes de tudo uma gramática descritiva, pois a prescrição de uma variação
linguística depende da sua identificação através de uma descrição prévia.
A Análise Contrastiva, portanto, se utiliza das gramáticas normativas das línguas em
contraste para elaborar uma gramática descritiva contrastiva, que aponte semelhanças e
diferenças entre essas línguas. Esse modelo da Linguística Contrastiva e a gramática normativa
consideram o erro como um fator negativo no processo de ensino-aprendizagem de uma LE,
devendo ser evitado. Todo o trabalho do modelo de Análise Contrastiva, que, lembramos, tem um
caráter científico, tem o objetivo de evitar que aprendizes de línguas estrangeiras cometam erros
durante o processo de aprendizagem destas. Esse modelo busca facilitar a aprendizagem
evidenciando as diferenças entre as línguas e “alertando” sobre os riscos de se cometerem erros
durante o uso de uma LE. Uma vez que erros sejam cometidos, a Análise Contrastiva não se
ocupa em buscar meios para corrigi-los. Essa “tarefa” cabe à metodologia de ensino de línguas
estrangeiras. Cursos norteados pela gramática normativa costumam utilizar métodos de base
estruturalista.
3.2.4. A Análise de Erros e a Interlíngua e a gramática funcional
A gramática funcional está ligada ao Funcionalismo Linguístico, que é uma corrente
linguística que estuda a relação entre a estrutura gramatical das línguas e os diferentes contextos
em que elas são usadas. Para esta corrente, a língua é um instrumento de interação social e sua
função primária é a comunicação, ou seja, a língua existe para o seu uso; sua estrutura é maleável
e depende de situações comunicativas. Para estudar a língua é necessário levar em conta a
variedade das suas funções e dos seus modos de realização. Entende-se por função uma tarefa
atribuída a um elemento linguístico estrutural para se atingir um objetivo comunicativo.
O Funcionalismo não considera a língua um objeto autônomo, pois, conforme afirma
Maria Helena Moura Neves (2000, p. 03), esta “não pode ser entendida sem parâmetros como
cognição e comunicação, processamento mental, interação social e cultura, mudança e variação,
aquisição e evolução”. Este é um dos motivos pelos quais o Funcionalismo se opõe ao
Estruturalismo e ao Gerativismo. Ataliba de Castilho (2010, p. 64) explica a visão funcionalista:
72
A língua é um instrumento de interação social, cujo correlato psicológico é a
competência comunicativa, isto é, a capacidade de manter a interação por meio
da linguagem. Segue-se que as descrições das expressões linguísticas devem
proporcionar pontos de contato com seu funcionamento em dadas situações. A
Pragmática é um marco globalizador, dentro do qual se deve estudar a
Semântica e a Sintaxe.
O autor esclarece (ibid., p. 66): “A pragmática é a moldura dentro da qual a semântica e a
sintaxe devem ser estudadas. A semântica é dependente da pragmática, e as prioridades vão da
pragmática para a sintaxe, via semântica”. A estrutura da língua depende tanto da semântica
quanto da pragmática.
O Funcionalismo privilegia o método sincrônico. Deve-se analisar todo o complexo de
fenômenos que ocorrem simultaneamente durante um ato comunicativo para se chegar a
conclusões sobre uma língua. Segundo Maria Helena Moura Neves (2000, p. 03), o propósito do
evento da fala, seus participantes e o contexto discursivo são elementos importantes na análise da
situação comunicativa.
Sobre gramática funcional, Ataliba de Castilho (2010, p. 68) afirma o seguinte:
A Gramática Funcional procura correlacionar as classes, as relações e as funções
com as situações sociais concretas em que elas foram geradas. Para situar a
língua em seu contexto social, ela ultrapassa o limite da sentença e avança na
análise de textos extensos. Esse ramo de estudos “desencapsulou” a língua de
seus rígidos limites estruturalistas e gerativistas, estabelecendo correlações entre
os fatos gramaticais e os dados da comunidade que os gerou. Pode-se dizer que a
Gramática Funcional reage contra a “pasteurização” da língua sustentada pela
atitude formalista, que postula a língua como uma atividade mental ou como um
código.
O autor (2010, p. 66-67) esclarece que o Estruturalismo e o Prescritivismo postulam a
língua como um fenômeno homogêneo, estudado pela Linguística enquanto ciência autônoma,
isto é, sem ligação com outras ciências; o Funcionalismo, ao contrário, vê a língua como um
fenômeno heterogêneo, porque, na sua realização concreta, através da interação social, ela é
influenciada por muitos fatores extralinguísticos. Nesse caso, segundo o autor, a Linguística não
pode mais ser considerada uma ciência autônoma, mas sim interdisciplinar, apoiando-se em
disciplinas como a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia, a Semiologia, a Ciência Política, a
História e a Filosofia.
73
O surgimento do Funcionalismo foi consequência da limitação do Formalismo que, como
afirma Ataliba de Castilho (2010, p. 58), não foi capaz, por exemplo, de tratar a sentença de
maneira satisfatória.
A inclusão da sentença nas análises gramaticais tem sido muito trabalhosa.
Como unidade gramatical máxima, a Gramática Estrutural encontrou aqui
grandes dificuldades, dado que a sentença soma propriedades sintáticas,
semânticas e discursivas, que ultrapassam os limites da gramática tal como
postulada pelos estruturalistas.
Os métodos de ensino-aprendizagem de língua materna e estrangeira derivados do
Formalismo privilegiam o estudo da gramática pura, sem se considerar o contexto comunicativo;
esses métodos se mostraram ineficientes no trabalho de desenvolvimento da competência
comunicativa dos alunos. A abordagem funcional foi desenvolvida para superar o Formalismo em
relação à questão didática; leva em conta os contextos das situações comunicativas e parte da
exploração dos sentidos presentes em textos orais e escritos, trabalhando melhor as competências
discursivas dos alunos. Atribui à gramática um papel de coadjuvante na construção de
significados para a interação.
Ataliba de Castilho (ibid.) afirma que “há vários funcionalismos, preocupados sempre em
dar conta dos usos linguísticos”. O movimento teve início na Europa em 1926, com uma corrente
chamada Círculo Linguístico de Praga, de inspiração estruturalista, mas voltada para a
incorporação de fatores extralinguísticos na análise gramatical. Os principais representantes dessa
corrente foram Roman Jakobson, Nikolai Sergeyevich Trubetzkoi e André Martinet. O linguista
russo Trubetzkoi, em especial, baseou-se em Saussure para estudar as funções dos sons nas
línguas. Analisou as oposições fonéticas e a diferença entre som material e imaterial; defendeu
uma separação clara entre fonética e fonologia, determinando que o objeto de atenção da primeira
disciplina fosse o som enquanto fenômeno físico, e que o foco da fonologia fosse o som
considerado nas suas funções.
Nos Estados Unidos, o Funcionalismo destacou-se na década de 1960 com Dwight
Bilinger e ganhou força com a publicação, em 1976, do texto The origins of syntax in discourse:
a case study of Tok Pisin relatives (As origens da sintaxe no discurso: um estudo de caso de
74
parentescos Tok Pisin42), de Gillian Sankoff e Penelope Brown. Destacaram-se também Sandra
Thompson, Paul Hopper e Talmy Givón, que desenvolveram uma linguística baseada na
observância da língua do ponto de vista do contexto linguístico e da situação extralinguística.
No final da década de 60, destacou-se também o linguista holandês Simon Cornelis Dik,
considerado o responsável pelo desenvolvimento da teoria da gramática funcional.
A escola funcionalista de Londres tem como maior representante Michael Alexander
Kirkwood Halliday (chamado Mak Halliday). Na década de 50, este linguista começou a
desenvolver o que ele chamou de gramática sistêmico-funcional, segundo a qual os componentes
essenciais de significado na língua são componentes funcionais. A chamada Linguística
Sistêmico-Funcional (LSF) defende uma conexão direta entre elementos lexicogramaticais e
contextos sociais. Halliday criou o termo lexicogramatical para indicar que léxico e gramática
devem ser considerados juntos. Defendeu quatro categorias fundamentais para a teoria
gramatical: unidade, estrutura, classe e sistema. Em relação às unidades da gramática, o linguista
estabeleceu uma escala hierárquica de classificação diferente do que já havia sido feito até então
com o Formalismo. As unidades definidas pelo linguista foram: sentença, oração, grupo/frase,
palavra, morfema. A escala vai de uma unidade mais complexa, a sentença, para uma mais
simples, o morfema.
Segundo Halliday (1994), a estrutura linguística é a realização da estrutura social, e não
simplesmente o reflexo desta. O linguista afirma o seguinte:
Se nós dissermos que a estrutura linguística “reflete” a estrutura social, nós
realmente estaremos atribuindo à linguagem um papel passivo demais. Em vez
disso, nós deveríamos dizer que a estrutura linguística é a realização da estrutura
social, considerando-a ativa em um processo de criatividade mútua. Porque ela
se destaca como uma metáfora para a sociedade, a linguagem tem a propriedade
de não só transmitir a ordem social, mas também de mantê-la e modificá-la
potencialmente. (tradução nossa)
Para Halliday, a linguagem é um sistema semiótico, no sentido de recurso sistêmico de
sentido. Ataliba de Castilho (2010, p. 68) explica a postura dos funcionalistas e a proposta de
Halliday:
42
Tok Pisin é uma língua crioula, ou seja, uma língua que deriva de um pidgin ou língua de contato, que é um sistema de comunicação
verbal rudimentar, usado por pessoas que falam línguas diferentes e precisam se comunicar. É um idioma falado por cerca de dois milhões
de pessoas, das quais quinhentos mil são nativas. Seu vocabulário é baseado na língua inglesa. É uma das línguas oficiais de Papua Nova
Guiné, a oeste da Oceania.
75
Os funcionalistas, com efeito, não escondem seu desgosto quando confrontados
com as análises gramaticais que tomam sentenças descontextualizadas como
matéria-prima para as reflexões. A esse respeito, Halliday (1974: 98 e ss.)
propõe claramente uma mudança de enfoque, mediante a concentração da
atenção nos usuários e nos usos da língua, valorizando o emissor, o receptor e a
variação linguística no quadro da reflexão gramatical.
O modelo de análise linguística de Halliday, que segue a Linguística Funcional, tem sido
aplicado às pesquisas sobre o inglês, o português e outras línguas.
Segundo Ataliba de Castilho (ibid.), os funcionalistas desenvolveram várias reflexões
sobre as funções da língua, para embasar a visão desta como atividade social. A formulação do
linguista alemão Karl Bühler foi divulgada no Brasil através de Joaquim Mattoso Câmara Jr..
Bühler aponta três funções: a primeira é a representativa, cujo objetivo principal é informar,
ordenar e representar a realidade circunstante, e que dá destaque ao assunto; a segunda função é a
emotiva, através da qual o falante manifesta seus estados da alma; a terceira função é a apelativa,
através da qual podemos influir no comportamento do interlocutor; esta função ressalta o ouvinte.
De acordo com Bühler, cada língua natural codifica essas funções a seu modo.
Já Halliday classificou as funções da língua da seguinte forma:
1) Ideacional ou reflexiva: a língua é usada como instrumento para se compreender o
ambiente social e o íntimo de cada indivíduo.
2) Interpessoal ou ativa: a língua serve para que os membros de uma sociedade interajam
entre si no meio social.
3) Textual: a língua serve para organizar o discurso, a mensagem.
Entre todos os funcionalistas que trataram das funções da linguagem, o russo Roman
Osipovich Jakobson ocupa lugar de destaque. É considerado um dos maiores linguistas do
século XX e foi pioneiro na análise estrutural da linguagem, abordando inclusive a arte
poética. Realizou estudos sobre obras de escritores como Edgar Allan Poe, Fernando Pessoa e
Bertolt Brecht. Jakobson revolucionou o campo da Linguística ao apresentar seis funções para
a linguagem, com base em seis elementos comunicativos. Nas palavras de Jakobson (1987, p.
123):
76
O REMETENTE envia uma MENSAGEM ao DESTINATÁRIO. Para ser
eficaz, a mensagem requer um CONTEXTO a que se refere (ou “referente”, em
outra nomenclatura algo ambígua), apreensível pelo destinatário, e que seja
verbal ou suscetível de verbalização; um CÓDIGO, total ou parcialmente
comum ao remetente e ao destinatário (ou, em outras palavras, ao codificador e
ao decodificador da mensagem); e, finalmente, um CONTATO, um canal físico
e uma conexão psicológica entre o remetente e o destinatário, que os capacite, a
ambos, a entrarem e permanecerem em comunicação. Todos estes fatores
inalienavelmente envolvidos na comunicação verbal podem ser esquematizados
como segue:
CONTEXTO
REMETENTE
MENSAGEM
........................................
DESTINATÁRIO
CONTATO
CÓDIGO
No Brasil, praticamente todos os manuais didáticos de língua portuguesa voltados para o
Ensino Fundamental e Médio e as gramáticas da língua portuguesa que tratam dos elementos da
comunicação e das funções da linguagem contemplam a teoria de Jakobson. As seis funções da
linguagem estabelecidas pelo linguista foram:
1) referencial, informativa ou cognitiva: centrada no assunto ou referente, com foco na
mensagem; o emissor se limita a informar;
2) emotiva ou expressiva: centrada no emissor da mensagem, veiculando seus sentimentos,
emoções e julgamentos;
3) conativa ou apelativa: centrada no receptor da mensagem, visando a persuadi-lo de algo;
4) fática: centrada no contato, visa à manutenção da comunicação;
5) metalinguística: centrada no código; geralmente apresenta uma definição sobre algo;
6) poética: centrada na própria mensagem; é a linguagem dos textos artísticos.
No Brasil, os estudos funcionalistas surgiram na década de 50, mas ganharam expressão
na década de 90. Segundo Maria Helena de Moura Neves (1999), da Universidade de São Paulo,
os polos de investigação neste campo estão nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas
Gerais. Entre os brasileiros pioneiros na área, Neves destaca Evanildo Bechara, na linha
estruturalista-funcionalista de Eugenio Coseriu, Rafael Hoyos-Andrade, na linha de estudos
77
sintáticos de André Martinet, e Rodolfo Ilari. Neves (1999) também inclui, entre os pioneiros,
Ataliba de Castilho, que “sem invocar uma linha específica dentro do Funcionalismo, trabalha,
entretanto, desde os primeiros estudos, dentro da consideração de uma interface entre a sintaxe, a
semântica e a pragmática, visão que está na base de qualquer teoria funcionalista”.
Vale comentarmos aqui a nossa experiência como professora de Língua Portuguesa da
Rede Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Lecionando do 6º ao 9º ano do Ensino
Fundamental desde 2008, temos participado do esforço da referida Rede por aplicar uma
metodologia de ensino de Língua Portuguesa pautada na Linguística Funcional. Na obra
Orientações Curriculares: Língua Portuguesa (RIO DE JANEIRO, 2010), encontramos a
seguinte declaração:
As Orientações Curriculares de Língua Portuguesa no município do Rio de
Janeiro fundamentam-se em teorias linguísticas que embasam o ensino de língua
materna, buscando alternativas para além de uma visão prescritiva da língua
portuguesa, considerando o ensino da língua como um processo de interação
entre sujeitos.
[...] Lendo e produzindo textos, o aluno será capaz de perceber a diversidade de
atos verbais que a cada momento se atualizam. Assim, o ensino de língua
materna deve estruturar-se, desde o início, em torno de textos, para que os
alunos leiam e escrevam com autonomia, familiarizando-se com a diversidade
de textos existentes na sociedade.
Em outro trecho da referida obra, afirma-se: “A base para o ensino da Língua Portuguesa
em qualquer ano de escolarização serão os textos em suas múltiplas manifestações”. De fato, a
Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro tem produzido e distribuído bimestralmente
para os seus alunos cadernos pedagógicos de Língua Portuguesa — como também de outras
matérias como Matemática e Ciências — que seguem, de um modo geral, a proposta
funcionalista para ensino-aprendizagem da língua materna. Os referidos cadernos trazem, como
conteúdo principal, textos de vários gêneros; os exercícios — praticamente todos voltados para
esses textos — são sobretudo de compreensão e de exploração dos sentidos dos textos por meio
dos seus elementos lexicogramaticais e contextuais; busca-se ainda, através dos exercícios,
estabelecer uma ligação entre cada leitura e a vida dos discentes.
Ainda na obra Orientações Curriculares: Língua Portuguesa (RIO DE JANEIRO, 2010),
explica-se que as aulas de português devem dar destaque à prática da leitura, “concebendo-a
como um processo de atribuição de sentidos que se dá a partir da interação entre o texto e o leitor,
78
não sendo, portanto, mera decodificação de textos”. Essa prática deve retomar experiências e
conhecimentos prévios dos alunos:
Assim, procurar pistas, formular hipóteses, aceitar ou descartar conclusões,
utilizar estratégias baseadas no seu conhecimento linguístico, textual e na sua
vivência sociocultural, ou seja, em seu conhecimento de mundo, devem fazer
parte da leitura. Para tanto, é preciso buscar novas formas de ensino, através de
uma unidade básica: a diversidade textual.
Por fim, através de outro trecho da obra, é possível ratificarmos que atualmente as escolas
municipais do Rio de Janeiro não privilegiam a gramática normativa:
[...] não se pode entender a reflexão sobre a língua como aulas pautadas na
gramática normativa, considerando apenas duas alternativas: certo e errado. Tal
concepção impõe à Língua Portuguesa um mito de unidade, valorizando a norma
culta como única e desconsiderando as outras variantes. Do ponto de vista
sociolinguístico, as variantes linguísticas não são classificadas em boas ou ruins,
certas ou erradas, melhores ou piores, pois constituem sistemas linguísticos
eficazes dadas as especificidades das práticas sociais e hábitos culturais das
comunidades. Sendo assim, é papel fundamental da escola garantir a todos os
seus alunos acesso à variante linguística padrão. Entretanto, é fundamental,
também, o respeito à existência das diferentes variantes como prática essencial
para o exercício da cidadania. [...] Dessa forma, o trabalho com a gramática
deixa de ser constituído por “listas de exercícios” – reconhecer substantivos,
adjetivos, pronomes; enumerar preposições; nomear; classificar; repetir –
abrindo espaço, então, para que o aluno compreenda o conceito do que seja um
bom texto, de como é organizado e de como suas ideias são tecidas, permitindo a
integração com o leitor.
A Rede Estadual de Ensino do Rio de Janeiro, responsável sobretudo pelo Ensino Médio
regular, tem seguido praticamente a mesma linha pedagógica da Rede Municipal, pelo menos no
que diz respeito ao ensino da língua materna.
A gramática normativa cedeu lugar à gramática funcional não só no ensino-aprendizagem
de língua materna, como também, no de língua estrangeira, sobretudo nos cursos de níveis
intermediário e avançado. Cabe observar que, em cursos de idiomas em que se adote a gramática
funcional, a abordagem comunicativa costuma ser adotada também por ser a mais coerente com a
referida gramática. Essa abordagem foca a interação e as funções linguísticas e põe o ensino de
paradigmas gramaticais em segundo plano.
79
Continuemos a tratar, com mais detalhes, da gramática funcional ou funcionalista e,
considerando o objetivo deste tópico, da sua relação com os modelos de Análise de Erros e de
Interlíngua. É importante lembrarmos que esses modelos são centrados no aprendiz de língua
estrangeira e trabalham com a produção oral e escrita dele. A análise dessa produção leva em
conta muitos fatores extralinguísticos, ligados sobretudo ao aprendiz e ao contexto de uso da LE.
Esse já é um ponto de contato com a gramática funcional. Em relação ao aprendiz, alguns dos
referidos fatores são: idade, nível de motivação para uso da LE, estado emocional e psicológico
no momento da comunicação através da LE; o tipo de situação comunicativa é outro fator
considerado na análise.
Das gramáticas com finalidade pedagógica, consideramos a gramática funcional a mais
coerente com as propostas dos dois referidos modelos da Linguística Contrastiva, por muitos
pontos em comum, entre os quais destacamos os seguintes:
 Seguem o conceito de competência comunicativa;
 O erro não é considerado um fator negativo;
 Consideram fatores extralinguísticos na análise linguística;
 O ponto de vista é sincrônico;
 Defendem a influência dos aspectos culturais e contextuais durante o processo comunicativo.
A gramática funcional dá condição para se produzir o corpus para os estudos de Análise
de Erros e de Interlíngua, porque estimula a produção oral e escrita espontânea dos alunos. O seu
principal objetivo é desenvolver a competência discursiva deles, para que possam participar das
situações de interação comunicativa com eficiência.
Essa gramática investiga as relações existentes entre os recursos lexicogramaticais e a
constituição semântica dos textos (DUTRA, 2011). Como já dissemos, o ponto de partida das
aulas baseadas nessa gramática é sempre um texto. De acordo com Vânia Lúcia Rodrigues Dutra
(2011, p. 4298)43, nesse tipo de trabalho, o aluno deve construir o sentido dos textos com base
nos elementos que os compõem e os circundam. Deve analisar a materialidade deles, ou seja, a
estrutura lexicogramatical, a diagramação, as imagens etc., e o contexto situacional e cultural em
43
Professora adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e do Colégio Universitário da
Universidade Federal Fluminense (COLUNI-UFF).
80
que os mesmos estão inseridos. Sobre a associação entre gramática e texto, Vânia Lúcia
Rodrigues Dutra (2011, p. 4299) afirma:
É por conta dessa estreita relação entre os fatos gramaticais e a constituição dos
textos que não se pode admitir estudar uma língua sem considerar sua gramática.
Na perspectiva sistêmico-funcional, a gramática é um potencial para a
construção de significados. É preciso, então, analisar, com os alunos, quais são
os recursos que a língua oferece, por meio de sua lexicogramática, para realizar
a sua função: a produção de significados para a interação.
Os modelos de Análise de Erros e de Interlíngua, assim como a gramática funcional,
priorizam a investigação da constituição semântica dos seus respectivos objetos de estudo. O
modelo de Análise de Erros busca a interpretação dos erros dos aprendizes para otimizar o
processo de aprendizagem da LE por parte dos mesmos. O modelo de Interlíngua interessa-se
pelo que acontece na mente do aprendiz de LE, como ele processa os dados desta e com os quais
tem contato e como os põe em prática.
A preocupação primeira da gramática funcional não é evitar erros gramaticais, mas sim
contribuir para que a interação linguística e o processo reflexivo se estabeleçam. Para esse tipo de
gramática e para os dois modelos da Linguística Contrastiva tratados aqui, os erros são vistos
como parte do processo de aprendizagem de uma língua, são, portanto, inevitáveis e úteis.
3.3. Nomenclaturas gramaticais
Dedicamos este tópico à reflexão sobre nomenclatura44 ou terminologia gramatical,
porque para realizarmos um estudo de análise contrastiva das orações coordenadas e
subordinadas do italiano e do português do Brasil — proposta desta tese —, tomamos por
referência as nomenclaturas gramaticais oficiais destas línguas.
Assim, tratamos primeiramente das origens da gramática e da sua terminologia, para, em
seguida, verificar como esta se apresenta nos contextos brasileiro e italiano.
44
Conjunto de termos técnicos de uma ciência ou de uma arte.
81
3.3.1. Origem da gramática no Ocidente
Quando comparamos a nomenclatura gramatical da língua italiana com a da língua
portuguesa, chegamos à conclusão de que estas são muito parecidas. Poderíamos pensar que isso
se deve somente ao fato de se tratar de duas línguas irmãs, neolatinas ou românicas, originadas da
evolução do latim vulgar. Porém, a semelhança na terminologia gramatical se deve
principalmente à origem da gramática, ocorrida na Grécia Antiga.
O termo “gramática” vem do grego grammatiké, que significa “letra”; combinado com
tékhné, que significa “arte”; sua tradução seria, portanto, “a arte da letra, da palavra”. A
expressão surgiu na Grécia entre os séculos V e IV a.C. e referia-se a um ramo da filosofia
voltado para os estudos linguísticos.
Atribuem-se três períodos ao desenvolvimento do estudo gramatical na Grécia Antiga: o
primeiro é representado pelos filósofos pré-socráticos, pelos primeiros retóricos e finalmente por
Sócrates, Platão e Aristóteles45; o segundo período foi o dos estoicos46; e o terceiro foi o dos
alexandrinos (GURPILHARES, 2004).
A questão linguística, nos dois primeiros períodos, tinha um caráter filosófico e não era
estudada de modo independente, isto é, não constituía o foco central das reflexões dos filósofos.
Apesar disso, ao longo desses três ciclos, houve disputas ideológicas a respeito da língua. Surgiu,
por exemplo, a discussão sobre a relação entre forma e significado das palavras; os que
defendiam a ideia de que essa relação era “natural”, foram chamados de naturalistas; já os que
achavam que essa relação era “convencional”, denominaram-se convencionalistas. Houve ainda
debate sobre a regularidade da língua por parte dos chamados analogistas e dos anomalistas47.
A partir dos estoicos, a língua passou a ser estudada isoladamente, ou seja, tornou-se foco
de estudos independentes, porém, continuava a receber uma abordagem filosófica. Os estoicos a
concebiam como uma expressão do pensamento, das experiências sensoriais e intelectuais do
homem.
O terceiro período do desenvolvimento dos estudos gramaticais da Grécia Antiga foi
representado pelos alexandrinos, filósofos que desenvolveram seus estudos na Alexandria, cidade
45
O filósofo grego Sócrates viveu de 469 a 399 a.C. (séculos V e IV a.C.); Platão, que foi aluno de Sócrates, viveu
de 428/427 a 348/347 a.C.; Aristóteles foi discípulo de Platão e viveu de 384 a 322 a.C..
46
O estoicismo foi uma escola filosófica grega atuante do século III a.C. ao VI d.C..
47
Não é nosso objetivo, neste tópico, tratarmos detalhadamente das correntes filosóficas da Grécia Antiga.
82
que, no século III a.C., destacou-se como centro de estudos literários e linguísticos. Nesse
período, os estudos sobre a língua tinham um caráter literário. Gurpilhares (2004) aponta dois
motivos para isso: o primeiro era o desejo de divulgar os textos gregos clássicos, sobretudo a obra
de Homero; e o segundo, era o objetivo de se preservar o grego clássico, considerado a “língua
correta”. Foi a partir daí que surgiu a noção de certo e errado em relação à língua.
Assim, a primeira gramática do ocidente foi escrita pelo alexandrino Dionísio Trácio no
século II a.C., a partir de uma perspectiva filosófica. Intitulada Téchné grammatiké — traduzida
como “A arte da gramática” —, a obra foi escrita em grego e é composta por quinze páginas, com
vinte e cinco seções. Dionísio tratou da fonética e da morfologia; desenvolveu sistemas
classificatórios e buscou fixar uma norma para a língua grega com base nos textos literários. Não
tratou da sintaxe, porém as suas análises morfológicas serviram de modelo para as posteriores
formulações sintáticas (OLIVEIRA, 2011).
Na referida obra, Dionísio tratou apenas do grego; não há referência a outras línguas. De
acordo com Bruno Fregni Bassetto (2004), o gramático grego era conhecedor de várias línguas,
mas era um helenista, ou seja, um sábio voltado para o estudo de sua própria língua nas obras de
tradição literária e filosófica. A definição de gramática apresentada por Dionísio é a seguinte:
“conhecimento empírico daquilo que comumente é dito pelos poetas e pensadores” (BASSETTO,
2004). Era, portanto, um saber desenvolvido através de análises de textos poéticos e filosóficos.
O referido autor grego tinha a preocupação de preservar a língua e a cultura gregas, pois,
afinal, no passado, a Grécia já tinha enfrentado períodos de ameaça à sua existência. Um desses
momentos foi a chamada Idade das Trevas, que teve início em 1200 a.C., com a invasão dos
Dórios, estendendo-se até 800 a.C.. Foi uma época em que a Grécia viveu profundas crises
sociais por causa das invasões que sofreu. Entre outros prejuízos que teve, perdeu seu comércio,
teve muitos dos seus costumes alterados e o uso da sua escrita foi abandonado. O alfabeto grego
só foi retomado no século VIII a.C.. Na época em que Dionísio escreveu a Téchné grammatiké, a
Grécia estava sob o domínio romano48, e o período helenístico49, que promoveu a difusão da
cultura grega e o desenvolvimento científico, chegava ao fim.
48
A dominação romana na Grécia durou de 146 a.C. a 330 d.C. (século II a.C. a século IV d.C.).
O termo helenismo vem do grego hellenizein, que significa “viver como os gregos” ou “falar grego corretamente”;
foi o período compreendido entre a morte de Alexandre, o Grande, em 323 a.C., e o início da dominação romana na
Grécia em 146 a.C.. Caracterizou-se pelo predomínio da cultura grega em um vasto território: do Mar Mediterrâneo
Oriental à Ásia Central, abrangendo a Macedônia, a Síria e o Egito.
49
83
O império romano foi o grande responsável pela difusão da gramática grega. Os romanos
acolheram a teoria gramatical desenvolvida pelos gregos e a difundiram, traduzindo para o latim
essa teoria, juntamente com a sua terminologia.
De acordo com Neves (2001), a época helenística ajudou a produção de Dionísio, porque
promovia o desenvolvimento de padrões a serem seguidos. A obra Téchné grammatiké serviu de
base para as gramáticas de várias línguas, como por exemplo a latina. A primeira gramática latina
foi escrita por Quintus Rhemmius Fannius Palaemon no século I d.C..
No século II d.C., o também alexandrino Apolônio Díscolo “completa” a gramática de
Dionísio, dando atenção à Sintaxe. Díscolo, que escreveu amplamente sobre as partes do
discurso, é considerado o fundador da gramática científica.
Então, no Ocidente, a gramática tradicional originou-se da gramática grega; já a gramática
moderna é resultado das pesquisas linguísticas. Bassetto (2004) afirma o seguinte a respeito da
importância da herança filosófica que a gramática adquiriu:
A filosofia de Platão, de Aristóteles e dos estoicos forneceu a fundamentação
lógica e terminológica para a divisão da frase em diferentes espécies de termos,
para a fixação teórica dos casos nas declinações, das formas verbais sob ângulos
aspectuais e para as relações lógicas entre as frases que compõem um período
complexo. Assim se explica que grande número de termos filosóficos foi tomado
pelos gramáticos para aplicá-los em suas definições e descrições.
Bassetto (2004) cita, como exemplo da referida herança, as noções fundamentais de
sujeito e predicado. Também foram importantes para os estudos gramaticais as categorias de
pensamentos descritas por Aristóteles, as quais foram denominadas, posteriormente, categorias
gramaticais ou classes de palavras50.
Segundo Bassetto (2004), “séculos de reflexão filosófica fixaram uma terminologia
carregada de história, de conotações e matizes semânticos, da qual os estudiosos da língua
lançaram mão para a fixação da metalinguagem indispensável a seus estudos”.
Vale destacar que a primeira gramática da língua portuguesa foi escrita por Fernão de
Oliveira e publicada em Lisboa em 1536 com o título de Grammatica da lingoagem portuguesa.
Já a primeira gramática da língua italiana é atribuída a Leon Battista Alberti e intitulada La
50
De acordo com Gurpilhares (2004), as classes de palavras — assim como outras partes da gramática — foram
sendo estabelecidas aos poucos, ao longo dos tempos, como resultado da contribuição de vários estudiosos de épocas
diferentes.
84
grammatichetta vaticana (A pequena gramática vaticana). Acredita-se que foi escrita entre 1437
e 1441; nas palavras de Fornara (2009, p. 33): “A obra de Alberti não só é a primeira gramática
do italiano, como também é a primeira gramática de uma língua vulgar, em nível europeu”.
Segundo Fornara, essa obra não foi publicada. A primeira publicação de uma gramática do
italiano ocorre em 1561, com a obra Regole grammaticali della volgar lingua (Regras
gramaticais da língua vulgar), da autoria de Giovanni Francesco Fortunio.
3.3.2. Nomenclatura Gramatical Brasileira
A Nomenclatura Gramatical Brasileira — ou simplesmente NGB — foi instituída em
1959. Foi elaborada a partir do Anteprojeto de simplificação e unificação da Nomenclatura
Gramatical Brasileira, de autoria de uma comissão formada em 1958 por catedráticos do Colégio
Pedro II, prestigiada instituição da Rede Federal de Ensino: Antenor Nascentes (presidente),
Carlos Henrique da Rocha Lima (secretário), Clóvis do Rego Monteiro, Cândido Jucá (filho),
Celso Ferreira da Cunha, Antônio José Chediak, Serafim da Silva Neto e Silvio Edmundo Elia
(HENRIQUES, 2009). Os quatro primeiros membros citados eram os titulares da comissão; os
três últimos membros eram assessores.
A Nomenclatura foi concebida, porque, antes da sua adoção, o ensino da língua
portuguesa no Brasil era caótico, devido à falta de padronização terminológica da norma
gramatical, conforme explica Cláudio Moreno (2009):
A NGB, de 1958, representou um grande avanço no ensino do Português no
Brasil. Antes dela, vivíamos numa verdadeira selva de terminologias; cada
gramático de renome fazia questão de usar denominações próprias para as
funções sintáticas, para as orações subordinadas, para as classes gramaticais, o
que tornava quase impossível a homogeneidade no ensino gramatical.
Cláudio Cezar Henriques (2009, p. 15-16) cita um problema, envolvendo a terminologia
gramatical, ocorrido em 1956, em um concurso para ingresso na então Faculdade Nacional de
Odontologia da Universidade do Brasil (atual Faculdade de Odontologia da UFRJ). Uma das
questões pedia a classificação sintática da palavra bom, na frase O bom brasileiro zela pelo
85
progresso do Brasil. Hoje, é consenso se tratar de um adjunto adnominal, mas, na época, seria
possível aceitar as seguintes classificações: adjunto atributivo, adjunto restritivo, adjunto
limitativo, adjunto adjetivo, adjunto determinativo, adjunto demonstrativo, adjunto determinativo
demonstrativo, complemento atributivo, complemento restritivo, complemento limitativo,
complemento adjetivo, complemento qualificativo, complemento do nome não-preposicionado.
São simplesmente 13 possibilidades de classificação para um único termo. Esse tipo de problema
ocorria com muitos outros termos gramaticais. Isso complicava bastante a situação de estudantes,
candidatos em concursos, bancas de língua portuguesa de concursos etc..
A adoção da NGB em 1959 pôs um fim nesse problema, porque fixou uma nomenclatura
a ser usada pelos professores nas instituições de ensino de todo o território nacional. Cláudio
Moreno (2009) cita algumas mudanças ocorridas:
[...] por exemplo, todos passaram a falar em objeto direto, e não mais em
“complemento terminativo” ou “complemento relativo”, ou quejandos; os
adjetivos ficaram restritos aos qualificativos, enquanto os demais
(demonstrativos, indefinidos, etc.) passaram a ser classificados como tipos de
pronomes, o antigo condicional ganhou o duvidoso nome de futuro do pretérito;
e assim por diante.
A comissão encarregada de elaborar o Anteprojeto de Simplificação e Unificação da
Nomenclatura Gramatical Brasileira tinha de seguir a recomendação do então Ministro de Estado
de Educação e Cultura, Clóvis Salgado da Gama, de adotar “uma terminologia simples, adequada
e uniforme”; a mesma comissão estabeleceu as Normas Preliminares de Trabalho, entre as quais
constava que cada elemento da terminologia selecionada deveria atender a um tríplice aspecto:
“a) a exatidão científica do termo; b) a sua vulgarização internacional; c) a sua tradição na vida
escolar brasileira” (HENRIQUES, 2009, p. 132).
Vale destacarmos que o texto final aprovado e publicado pela portaria nº 36, de 28 de
janeiro de 1959, não era o mesmo apresentado pela comissão como anteprojeto. Este continha 39
páginas; a redação final da Nomenclatura tem 19.
Em vigor até hoje, a NGB, desde 1959, nunca sofreu reformulação. Isso representa um
problema, conforme esclarece Moreno (2009):
86
Ocorre que ela foi concebida com base nos conhecimentos de 1958 — quando
ainda não funcionava regularmente, por exemplo, a cadeira de Linguística nos
Cursos de Letras. Os gramáticos da comissão, embora de renome, eram de
formação tradicional e obviamente imprimiram nessa nomenclatura as suas
concepções pessoais, muitas vezes limitadas. O resultado é conhecido por
qualquer professor de Português: os livros mais sérios estão cheios de notas de
rodapé, [...] contestando aqui e ali a NGB, que precisa urgentemente ser revisada
e reformulada, não só para adequá-la aos avanços registrados nos estudos da
língua nesses últimos quarenta anos, como também para corrigir comezinhos
erros de lógica, que tanto prejudicaram (e prejudicam ainda hoje!) o
entendimento dos alunos.
Vejamos alguns exemplos de notas ou observações feitas por gramáticos sobre a NGB, ao
tratarem de um determinado tópico gramatical. Luiz Antonio Sacconi, na sua obra Nossa
gramática: teoria (1990, p. 328), ao tratar dos tipos de orações adverbiais, apresenta as “modais”,
tecendo a seguinte observação: “A Nomenclatura Gramatical Brasileira não agasalha as orações
modais. Prefere distribuí-las entre as conformativas, consecutivas e comparativas. Curiosamente,
porém, admite a oração reduzida modal”. Celso Pedro Luft, na obra Moderna gramática
brasileira (2002, p. 88), também apresenta essas mesmas orações com uma pequena observação
entre parênteses: “faltam na NGB”. Já Evanildo Bechara, na Moderna gramática portuguesa
(1999, p. 501), apresenta não somente as adverbiais modais, como também as adverbiais
locativas, sem tecer nenhum comentário sobre a NGB; porém, nesta mesma obra, ao aprensentar
o prefácio da 1ª edição (1961), Bechara (1999, p. 21) afirma o seguinte: “Seguimos a
Nomenclatura Gramatical Brasileira. Os termos que aqui se encontrarem e lá faltam, não se
explicarão por discordância ou desrespeito; é que a NGB não tratou de todos os assuntos aqui
ventilados”.
Assim como Bechara, também nós seguiremos, nesta tese, a NGB, tecendo observações
que considerarmos necessárias. Vale lembrar que o ponto de partida é a língua italiana. No
trabalho de análise contrastiva, primeiro analisaremos os tipos de orações italianas e depois,
tendo a Nomenclatura como referência, buscaremos possíveis correspondentes na língua
portuguesa.
A NGB adquiriu força de lei e a portaria que a instituiu, a de número 36, de 28 de janeiro
de 1959, impediu, em um primeiro momento, um questionamento sobre o assunto. O importante
era criar uma uniformidade para o ensino da língua portuguesa no Brasil, e isso foi alcançado,
mas há muito tempo fala-se da necessidade de uma reformulação da NGB. Em relação à Sintaxe,
87
por exemplo, os professores que a elaboraram reduziram muito as classificações das orações em
português, a ponto de serem insuficientes para darem conta da necessidade existente. Há pelo
menos uns 6 tipos não reconhecidos pela NGB, sobretudo entre as orações subordinadas
adverbiais. Há inúmeras falhas em outras partes da Sintaxe da língua.
Um exemplo do que se considera falha do documento diz respeito ao complemento
nominal e ao adjunto adnominal, classificados como funções normais do sintagma, quando, na
verdade, eles são elementos internos aos sintagmas, conforme explica Moreno (2009): “eles não
aparecem quando dividimos uma frase qualquer em suas partes constituintes; [...] só vão aparecer
quando dividirmos as próprias partes constituintes da frase”. Eles não têm, portanto, o mesmo
valor de um objeto direto, um objeto indireto, um adjunto adverbial ou um predicativo, mas a
NGB os apresenta como se tivessem esse mesmo valor.
Segundo Moreno (2009) a reformulação da NGB ainda não aconteceu, por representar um
problema político: “um documento desse tipo e desse alcance vai necessariamente tentar
responder a uma pergunta crucial: qual é a descrição do Português que deve ser ensinada na
escola?”. Para Moreno, o aprimoramento da atual NGB poderia ser feito a partir da criação de
uma comissão composta por linguistas, gramáticos e professores de LP que estivessem atuando
em sala de aula; a comissão elaboraria um projeto de reforma e este seria submetido “ao crivo de
milhares de professores e especialistas”, através, por exemplo, de uma espécie de plebiscito na
internet. Em relação às mudanças na NGB, Moreno (ibid.) sugere:
[...] a gramática a ser ensinada não precisa incorporar todos os avanços das
pesquisas linguísticas (o que seria inviável e, sem dúvida alguma,
completamente inadequado), nem cair naquelas inovações terminológicas que
pululam nas teses de pós-graduação. Devemos aproveitar o máximo possível da
nomenclatura tradicional, já consolidada na memória de incontáveis gerações,
modificando-a apenas naqueles pontos em que a mudança vai facilitar, para o
aluno, a compreensão do modelo da língua.
Na verdade, atualmente existem muitas propostas de reforma da NGB elaboradas e
publicadas por especialistas e professores; em geral, são propostas sobre partes específicas da
gramática. O importante a destacar é que parece ser consenso a necessidade urgente da referida
reforma. Esperamos que o governo brasileiro a realize o quanto antes, sobretudo porque trata-se
de um documento muito importante sobre a língua portuguesa enquanto idioma oficial do Brasil e
88
porque trata-se também de uma valiosa referência para o meio científico. Achamos que uma nova
Nomenclatura deve fazer juz à riqueza da língua portuguesa.
O problema, porém, é que o atual cenário do ensino da língua portuguesa em instituições
escolares de nível Fundamental e Médio no Brasil não favorece a reforma da NGB. Como já
afirmamos no tópico anterior, o referido ensino não se pauta mais sobre a nomenclatura
gramatical. A metodologia de ensino do português adotada atualmente está pautada na
Linguística Funcional; a gramática trabalhada em sala de aula não é mais a normativa, que se
apoia no estudo teórico da língua e da nomenclatura gramatical; hoje em dia, a base é a gramática
funcional, que foca a constituição semântica dos textos.
Os concursos realizados no Brasil que têm provas de português, como o Vestibular, o
Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e outros, privilegiam, em sua maioria, a gramática
funcional. Como exemplo, citamos o trecho do edital do concurso da Fundação de Apoio à
Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro/Faetec (2011), para preenchimento de vagas em
2012, a respeito da prova objetiva de língua portuguesa:
a. Estruturada sobre o foco da leitura, terá como objetivo fundamental avaliar a
capacidade de leitura, compreensão e interpretação de textos de linguagem
verbal e visual, essenciais a todas as áreas e aos conteúdos adquiridos durante o
processo de escolarização.
b. Serão avaliadas, dentre outras, as seguintes habilidades: compreensão, análise
e interpretação de textos, identificação de tema e tese de um texto, distinção
entre fato e opinião acerca do fato, inferência, identificação de informações
explícitas, inferência de informações implícitas, estabelecimento de relações
entre partes de um texto e reconhecimento de diferentes formas de tratar a
informação sobre o dado tema ou temas.
O trecho do edital vai ao encontro da situação atual do ensino do português em
instituições escolares de níveis Fundamental e Médio. O foco recai sobre textos de vários gêneros
e suas constituições semânticas. Cláudio Cezar Henriques (2009, p. 53) fala da situação dos
concursos:
É insignificante — pelo menos do ponto de vista estatístico — a utilização da
terminologia linguístico-gramatical nos exames realizados nos últimos dez anos.
As bancas de língua portuguesa redimensionaram seus métodos de avaliação e
passaram a privilegiar o entendimento e a produção de textos.
89
Assim, conforme diz Aderlande Pereira Ferraz (apud HENRIQUES, 2009, p. 70):
“[...] com cinquenta anos de vigência, não se discute mais a importância da NGB para uso
escolar; o que se discute agora é a necessidade de sua atualização em face do evidente progresso
dos estudos linguísticos, alcançados nas últimas décadas”.
Destacamos o que diz Marcos Bagno (apud HENRIQUES, 2009, p. 99-100) a respeito do
objetivo do ensino de língua na escola e da relação deste com a NGB:
[...] o grande objetivo do ensino de língua na escola é permitir que os aprendizes
saibam usar de modo eficiente, criativo as tecnologias da leitura e da escrita, em
consonância com as práticas da oralidade. Ora, para saber ler e escrever, é
preciso ler e escrever, ler e escrever [sic], reler e reescrever, e isso nunca vai ser
possível se continuarmos a desperdiçar milhares de horas preciosas de sala de
aula com a decoreba da nomenclatura (qualquer que seja) e com a análise
sintática e morfológica sem nenhuma relevância.
O autor explica que a reflexão sobre a linguagem e seu funcionamento também pode ser
feita na escola, mas não em qualquer fase da escolaridade; deve ser feita nos níveis mais
avançados, quando teoricamente os aprendizes já dominam a leitura e a escrita. Bagno esclarece:
“assim como só se aprende química, física, biologia no ensino médio, a abordagem da língua
como objeto de ciência também deveria ser deixada para essa fase do aprendizado”.
Como este nosso trabalho é científico, gozamos de certa liberdade para fugirmos do que é
oficial e propormos novos conceitos; concordamos com a opinião de Marcos Bagno (apud
HENRIQUES, 2009, p. 99), quando este diz que “é preciso que todos os pesquisadores e
teorizadores tenham ampla e total liberdade para cunhar novos termos e fixar novas definições
para os fatos gramaticais que eles estudam”. Assim, nós não usaremos somente as classificações
de orações coordenadas e subordinadas do português descritas pela NGB. Assumiremos, por
exemplo, classificações que extrapolam a NGB, mas que já foram acolhidas por gramáticos
brasileiros de prestígio, como Evanildo Bechara (1999, p. 501) — que tratou, por exemplo, das
orações subordinadas adverbiais modais e locativas —, e proporemos outras classificações,
partindo das que existem na língua italiana, porque o objetivo do nosso trabalho, como já
dissemos, é, através do estudo de análise contrastiva, facilitar o conhecimento, a aprendizagem
das orações coordenadas e subordinadas da língua italiana; esta é o nosso objeto principal de
estudo.
90
3.3.3. Nomenclatura Gramatical Italiana
Nosso principal objetivo, neste tópico, não é tratarmos a história da língua italiana, mas
sim verificarmos se há, na Itália, um documento equivalente à Nomenclatura Gramatical
Brasileira, a NGB, isto é, se há um documento nomenclator que unifique e padronize a
nomenclatura gramatical italiana. Porém, é claro que a história da gramática tem ligação com a
história da língua; esta segunda é matéria muito mais ampla, que abarca a primeira. Por isso,
destacaremos aqui alguns pontos da história linguística da Itália que consideramos mais
relevantes em relação ao objetivo deste tópico.
Segundo Marazzini (apud FORNARA, 2009, p. 18), “a gramática não nasce antes das
línguas e antes que as próprias línguas tenham expressado uma tradição literária” (tradução
nossa). A esse respeito, Fornara (2009, p. 18) afirma o seguinte:
Na Itália, o nascimento da gramática está ligado indissoluvelmente à literatura e,
em particular, à afirmação e ao sucesso dos três grandes escritores do século
XIV, Dante, Petrarca e Boccaccio. O vulgar toscano, de fato, adquiriu dignidade
literária justamente graças ao uso que esses autores fizeram dele. Tal situação
determinou a exigência de fixar as regras sobre as quais a nova língua regia-se;
esta foi a incumbência precípua dos primeiros gramáticos. (tradução nossa)
A Itália, antes da sua unificação política, ocorrida no século XIX, era dividida em diversos
reinos, com línguas e dialetos próprios, que, em sua maioria, eram incompreensíveis entre si. Em
1848 começaram a surgir movimentos nacionalistas que almejavam a fusão dos Estados. Era o
início do período chamado Risorgimento, marcado por guerras de independência que levaram à
unificação política da Itália. Em 17 de março de 1861, Vítor Emanuel II, rei do Piemonte e da
Sardenha, reuniu-se em Turim com representantes de outros Estados e assumiu o título de Rei da
Itália. Reproduzimos a seguir mapas do processo de unificação (JANNUZZI, 2005):
91
1) Os Estados italianos em 1859:
em laranja, o Reino de Sardenha;
em amarelo, o Reino das Duas
Sicílias; em vermelho, os
Estados Pontifícios; em azul, o
Reino Lombardo-Vêneto; e em
verde, o Grão-Ducado da
Toscana e os Ducados de Parma
e de Modena.
2) Em laranja, o Reino de
Sardenha em 1860, depois da
anexação da Lombardia, do
Grão-Ducado da Toscana, dos
Ducados Emilianos e da
Romanha Pontifícia.
3) Em laranja, o Reino de
Sardenha depois da Expedição
dos Mil.
4) O Reino de Itália em 1866
depois da Terceira Guerra de
Independência.
5) O Reino de Itália em 1870
depois da conquista de Roma.
6) O Reino de Itália em 1919
depois da Primeira Guerra
Mundial.
7) O império italiano em 1940.
8) A República Italiana, em
1946.
Vale destacar que a unificação da Itália não foi resultado de movimentos populares, mas
sim iniciativa dos poderes dominantes, conforme afirma Silvino Santin (2011): “Ninguém propôs
plebiscitos, nem para a unificação, nem para a escolha da forma e do regime de governo. Tudo
foi imposto de cima para baixo. Portanto, não poderia ser diferente com a língua”. Há muitos
detalhes envolvendo essa questão política, mas não nos cabe abordá-los em detalhes aqui.
92
Para se garantir a consolidação do Estado Italiano, era imprescindível a unificação
linguística. Seria impossível governar sem uma língua oficial, porque esta faz parte da base
organizacional e constitucional de qualquer nação. Em 1861, a situação linguística na Itália era
dramática: apenas 2,5% da população usava a língua oficial; a maioria dos italianos era
analfabeta.
A necessidade de se estabelecer um idioma oficial na Itália e de fixar as regras deste,
definindo uma norma, era uma questão muito antiga, que por séculos gerou discussões entre
gramáticos, linguistas e escritores, devido a posicionamentos diferentes em relação ao assunto. A
chamada Questione della língua representou o longo período em que se buscavam definir o
italiano nacional e sua gramática, aproximadamente entre os séculos XIV e XIX. Foi
praticamente uma disputa no âmbito literário, mas com caráter social. A obra considerada o
marco do início da discussão sobre o tema é De Vulgari Eloquentia (Sobre a eloquência em
vulgar), escrito entre 1303 e 1305 por Dante Alighieri; é um tratado em latim sobre linguagem,
língua, composição e crítica literária, dirigido à elite cultural da época. Nessa obra, Dante foca a
arte literária; defende o estabelecimento de uma língua vulgar ilustre, como norma para a língua
escrita. Após uma análise crítica dos vulgares italianos, o autor conclui que o seu dialeto, o
florentino, seria o mais adequado para uma língua literária única. Era intenção de Dante escrever
quatro livros para a obra De Vulgari Eloquentia, mas só escreveu dois, e o segundo não foi
concluído.
No século XVI, Pietro Bembo se destaca ao propor o toscano como língua oficial. A sua
obra Prose della volgar língua (Prosas da língua vulgar), publicada em 1525, dividida em 3
livros, influenciou decisivamente o estabelecimento da língua italiana. Bembo propõe, para a
escrita de textos em poesia, a adoção do modelo de língua usado por Francesco Petrarca, e para
os textos em prosa, tomar por modelo o dialeto usado por Giovanni Boccaccio.
Em 1583, em Florença, ocorre a primeira assembleia oficial da Accademia della Crusca,
que atualmente é a instituição cultural linguística de maior prestígio na Itália e a mais antiga
academia deste gênero do país; reúne especialistas em linguística e filologia italiana. É ligada à
Federação Europeia das Instituições Linguísticas Nacionais, cujo objetivo é proteger as línguas
oficiais. Podemos dizer que é equivalente à Academia Brasileira de Letras.
O século XVI foi marcado pela impressão, em 1516, da primeira gramática italiana,
Regole grammaticali della volgar língua (Regras gramaticais da língua vulgar), escrita por
93
Giovanni Francesco Fortunio. Foi um esforço para descrever as regras gramaticais que
constituíam a base da língua usada por Dante, Petrarca e Boccaccio. O autor pretendia fazer a
obra ser formada por cinco livros, mas só conseguiu escrever dois: um dedicado à morfologia, e
outro, à ortografia. Na dedicatória dos livros, é possível verificar que o autor pretendia dedicar os
outros três livros a questões lexicais, à Sintaxe e à Métrica.
Segundo Fornara (2009, p. 72-73), o século XVII não foi profícuo em relação aos tratados
gramaticais. Foi dominado pelo Vocabolario della Crusca. Em 1612, a Crusca elaborou e
publicou o Vocabolario della língua italiana, considerado o primeiro grande dicionário de uma
língua moderna; tanto que serviu de modelo lexicográfico para a língua francesa, a espanhola, a
alemã e a inglesa. A Instituição realizou algumas revisões e reedições da obra. É importante
destacar que a Accademia della Crusca começava, então, a exercer um papel normativo em
relação à questão linguística italiana.
Fornara (ibid.) afirma que no século XVII havia duas tendências dominantes em relação
aos tratados gramaticais: a dos autores como Giacomo Pergamini, ligados à tradição, que
recorriam a exemplos retirados dos autores canônicos, e a dos autores como Benedetto
Buommattei, que tentavam equilibrar esquemas tradicionais e novas exigências, elaborando
gramáticas a partir de uma postura dita ragionevole, ou seja, racional.
Em relação ao século XVIII, o que há de mais relevante a se observar é que os tratados
gramaticais aproximavam-se gradualmente da didática escolar. Neste século, o ensino da língua
italiana teve início oficialmente nas escolas. Antes, somente a língua latina era ensinada; Fornara
(ibid., p. 74, tradução nossa) explica:
Por este motivo, as gramáticas dos séculos XVI e XVII [...] eram
substancialmente estranhas à escola, mesmo que, por vezes, tenham começado a
revelar os primeiros sinais de uma intenção didática, referindo-se não só
exclusivamente aos doutos, mas a um público mais vasto. No século XVIII, a
intenção didática é evidente também no curso da chamada “gramática racional”
(ou “fundamentada”), que tem o seu mais notávem expoente no padre somasco51
Francesco Soave.
No século XIX, a Questione della lingua teve a atenção de Alessandro Manzoni. Escritor
da célebre obra I promessi sposi (Os noivos), Manzoni foi convidado a fazer parte de uma
51
Membro de antiga ordem religiosa, o qual se propunha especialmente a educar e a instruir crianças.
94
comissão para a unificação da língua e escreveu, em 1868, a pedido do então Ministro da
Educação, Emilio Broglio, uma espécie de ensaio linguístico intitulado Dell’unità della língua e
dei mezzi di diffonderla (Sobre a unidade da língua e os meios de difundi-la). Nesta obra,
Manzoni apoia a adoção do florentino como língua nacional.
Segundo Fornara (2009, p. 18, tradução nossa), “a sucessão das várias propostas e das
diversas posições que os gramáticos assumiram ao longo dos séculos, a partir do século XV até
os nossos dias, é precisamente o campo de investigação da história da gramática”. Como
pudemos verificar, esta história não é formada somente por gramáticas propriamente ditas, mas
também por tratados de vários tipos, como manuais de ortografia e de pronúncia.
A gramática italiana, portanto, foi se estabelecendo aos poucos. A Sintaxe, por exemplo,
se tornou uma das suas partes somente no século XIX, pois, por ser entendida como disposição
das partes do discurso, até então só era tratada por disciplinas afins à gramática, como a Retórica.
Em relação ao tipo de gramática predominante, Fornara (ibid., p. 19, tradução nossa) afirma o
seguinte:
[...] pelo menos até o crescente interesse pela perspectiva histórica na segunda
metade do século XIX e até as mais modernas realizações do século XX, a
história da gramática é essencialmente história de gramáticas sincrônicas e
normativas (ou prescritivas, isto é, que prescrevem, fixam determinadas regras)
[...].
No século XIX, o caráter didático da gramática estava mais forte. Após a Unificação da
Itália, proclamada em 1861, o Estado Italiano começou a investir maciçamente na difusão do
italiano nacional. A esse respeito, Baldelli e Scivoletto (1979, p. 56, tradução nossa) afirmam o
seguinte:
A unidade política provocou grandes mudanças em toda a Itália; os efeitos de
tais mudanças se fizeram sentir também na língua cada vez mais intensamente
com o passar dos anos. Foi introduzida (em 1877) a instrução obrigatória de
todas as crianças com mais de seis anos; os analfabetos, que eram cerca de 80%
da população, começaram assim a reduzir-se [...].
Além da alfabetização em massa através da escola, muitos outros fatores contribuíram
para a unificação linguística italiana. As migrações internas foram um fator importante. Muitas
pessoas saíram das zonas rurais e foram para os centros urbanos, estimuladas pela crescente
95
industrialização, que prometia melhoria de vida. Precisaram aprender o italiano comum. O
serviço militar obrigatório também foi responsável pela difusão do italiano nacional; os soldados
não serviam nos estados onde moravam, eram deslocados para outros estados, e só podiam se
comunicar usando o italiano oficial; a comunicação através de dialetos era proibida. Os meios de
comunicação, como a imprensa, o rádio, o cinema e, por fim, a televisão foram muito importantes
também na difusão do italiano nacional.
A Itália conseguiu não só a unificação linguística como também a redução drástica do
analfabetismo. Em relação ao número atual de analfabetos no país, há divergência entre as
instituições que se propõe a calculá-lo. Para a Università di Castel Sant’Angelo, da UNLA
(Unione Nazionale per la Lotta contro l’Analfabetismo), que publicou em 2005 uma pesquisa
sobre o tema, há na Itália aproximadamente 6 milhões de habitantes totalmente analfabetos. Esse
número corresponde a 12% da população total do país. Já o Istituto Nazionale di Statistica, o
Istat, (ISTAT, 2005), afirma que, em 200152, a Itália, com uma população de aproximadamente
53 milhões de habitantes, tinha 782.342 analfabetos53, correspondendo a cerca de 1% do total de
pessoas. O Istat (2011, tradução nossa) apresenta o seguinte gráfico:
52
53
Data da realização de censo da população da Itália.
Esses dados se referem às pessoas com idade a partir dos 6 anos.
96
Ao lado do gráfico, o Istat (ibid., tradução nossa) informa o seguinte: “Na Itália, no século
XIX, o analfabetismo era muito disseminado, sobretudo entre as mulheres. Hoje está quase
erradicado”.
Hoje a população italiana é de mais ou menos 60 milhões de habitantes e as ações de
combate ao analfabetismo continuam se desenvolvendo.
O investimento maciço na difusão do italiano na Itália representou um impulso para o
desenvolvimento da gramaticografia deste país. Fornara (2009, p. 109, tradução nossa) diz o
seguinte a esse respeito: “[...] o século XIX revelou-se decisivo para o amadurecimento da
gramaticografia italiana, que atingiu um nível de descrição e um método modernos, não muito
diferentes daquele das gramáticas de hoje”.
Assim, considerando o nosso principal objetivo neste tópico, verificamos que não há, na
Itália, um documento equivalente à Nomenclatura Gramatical Brasileira, a NGB. Porém, existe
uma padronização da nomenclatura gramatical italiana, alcançada de forma diferente — em
relação ao Brasil — e cuja manutenção é feita pela Accademia della Crusca.
É preciso destacar que, no campo do desenvolvimento linguístico e gramatical, Itália e
Brasil têm histórias muito distintas. Como vimos no tópico anterior, a elaboração da NGB foi
necessária, porque a falta de padronização terminológica da norma gramatical do português do
Brasil gerava caos. Com a NGB, resolveu-se esse problema, mas simplificou-se demais a
terminologia, gerando outro problema. Na Itália, o principal desafio linguístico era a definição da
língua nacional e a sua difusão. Não houve grandes polêmicas na elaboração e no
estabelecimento da nomenclatura gramatical italiana. Na história da gramática italiana, houve
momentos de debates entre especialistas, escritores, poetas, mas, em relação à terminologia,
predominava a concordância entre eles. Ao longo dos anos, algumas gramáticas se destacaram e
serviram de modelos para outras. O que já tinha sido estabelecido como nomenclatura por
gramáticos de prestígio, simplesmente era reproduzido nas gramáticas subsequentes. À medida
que ocorria o desenvolvimento científico na área linguística, novas gramáticas eram publicadas, e
a gramaticografia se enriquecia e evoluía. Fornara (ibid, p. 100, tradução nossa) descreve um
exemplo de inovação ocorrida na história gramatical italiana, quando Raffaello Fornaciari
escreve as obras complementares Grammatica e Sintassi dell’uso moderno, publicadas
respectivamente em 1879 e em 1881:
97
Fornaciari coloca em prática um método mais moderno do que o dos seus
antecessores [...], manifesta uma consciência da evolução histórica da língua
italiana que não tem precedentes nas gramáticas [...]. Fornaciari declara assumir
conscientemente uma atitude mais objetiva e científica, não alterando,
entretanto, nem a ordem seguida pelas gramáticas precedentes, nem a
terminologia utilizada nelas.
Como podemos verificar na citação acima, Fornaciari é um exemplo de autor que inovou,
mas sem alterar a terminologia gramatical já existente; na verdade, o autor aperfeiçoou a
descrição gramatical, apresentando, por exemplo, uma classificação cuidadosa das orações,
conforme explica Fornara (2009, p. 102, tradução nossa):
[...] ele [Fornaciari] não fica só no uso e na concordância das partes individuais
do discurso ‒ matéria que já encontramos nos poucos gramáticos que se
interessaram, antes dele, por questões sintáticas ‒, mas estende o
questionamento à sintaxe e à análise da oração e do período, fornecendo também
uma classificação das orações. Fornaciari não esquece de prestar atenção ao uso
dos sinais de pontuação para delimitar e distinguir vários tipos de orações [...].
Segundo Fornara (ibid.), as duas obras citadas de Fornaciari obtiveram grande sucesso e
foram muito utilizadas, nas formas compendiadas, pelas escolas de Ensino Fundamental e Médio
italianas até pelo menos a primeira metade do século XX.
Nesta tese, usamos cinco gramáticas italianas diferentes entre si para constituirmos o
nosso corpus e pudemos verificar que seus autores usaram, no geral, a mesma nomenclatura
gramatical na descrição do período composto italiano. Há certa diferença em relação à
apresentação dos tipos de orações: umas apresentam mais tipos que outras. Mas as orações em
comum recebem todas as mesmas denominações. As gramáticas são as seguintes:
1) Grammatica italiana con nozioni di linguistica, de Maurizio Dardano e Pietro Trifone (2003);
2) Grammatica italiana – italiano comune e lingua letteraria, de Luca Serianni (1999);
3) Grammatica italiana, de Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994).
4) La comunicazione e gli usi della lingua, de Francesco Sabatini (1994);
5) Grammatica italiana, de Giuseppe Pittano (1974).
98
No capítulo 5, que trata da metodologia usada nesta pesquisa, apresentamos uma
descrição das obras acima; identificamos suas propostas metodológicas, seu público-alvo e outras
características suas, além de explicarmos por que as escolhemos.
99
4. SINTAXE E SEMÂNTICA
4.1. Sintaxe
Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (2004), a palavra sintaxe vem
do grego syntaxis, que significa “ordem, disposição”. Nessa obra, encontramos o seguinte
conceito para o termo: “Parte da gramática que estuda a disposição das palavras na frase e das
frases no discurso, bem como a relação lógica das frases entre si e a correta construção
gramatical”. Ataliba de Castilho (2010, p. 144) define Sintaxe como sendo “o estudo das
estruturas sintagmáticas e sentenciais”. É esta seção gramatical que trata das orações coordenadas
e subordinadas, foco da nossa investigação.
A origem grega do termo sintaxe é devido ao fato de as primeiras discussões dialéticas
sobre a linguagem terem partido da Grécia Antiga, como vimos no capítulo anterior. O filósofo
grego Platão é considerado o primeiro pensador a estabelecer uma diferença entre o que hoje
entendemos por sintagma nominal e sintagma verbal, os quais ele chamou respectivamente de
onoma e de rhema. Este princípio definiu a estrutura sintática fundamental formada por sujeito e
predicado. Aristóteles, discípulo de Platão, acolheu a teoria de seu mestre e deu continuidade aos
estudos linguísticos, a seu modo. Ele deu início ao desenvolvimento de uma sistematização do
conhecimento gramatical.
No século XIX, o matemático e filósofo alemão Friedrich Ludwig Gottlob Frege critica a
teoria aristotélica e propõe a divisão da frase em função e argumento — uma oposição
matemática —, dando origem à lógica formal contemporânea.
A Sintaxe foi apresentada como parte da gramática pela primeira vez com Apolônio
Díscolo, no século II d. C.. Ao longo dos tempos, foi sendo tratada com maior ou menor
relevância pelos estudiosos da linguagem, até conquistar o estatuto de disciplina autônoma.
Alguns estudiosos da Sintaxe, como Port Royal e Noam Chomsky, ao focalizarem aspectos
distintos do fenômeno sintático, originaram diferentes tipos de abordagens para o seu estudo.
Assim, destacaremos resumidamente quatro importantes tipos: a Sintaxe Psicológica, a
Estrutural, a Transformacional e a Funcional.
100
A Sintaxe Psicológica dedica-se a uma teoria da oração, buscando compreender sua
natureza e composição para estabelecer uma taxionomia das partes do discurso. Apoia-se nas
intenções de comunicação do falante, fator externo ao sistema linguístico.
A Sintaxe Estrutural busca compreender a natureza das relações sintáticas, a partir da
estrutura interna da oração. Estuda os sintagmas, a partir da combinação dos fonemas. Seu
princípio fundamental é o da análise ou segmentação, pois busca desenvolver técnicas de
segmentação do enunciado, para chegar a modelos de descrição, a partir de generalizações
indutivas. Ataliba de Castilho (2010, p. 58) afirma o seguinte a respeito do Estruturalismo:
A inclusão da sentença nas análises gramaticais tem sido muito trabalhosa.
Como unidade gramatical máxima, a Gramática Estrutural encontrou aqui
grandes dificuldades, dado que a sentença soma propriedades sintáticas,
semânticas e discursivas, que ultrapassam os limites da gramática tal como
postulada pelos estruturalistas.
A Sintaxe Transformacional busca construir uma teoria da linguagem que seja capaz de
explicar as manifestações do comportamento linguístico dos falantes nativos de uma língua. É
uma teoria que tenta demonstrar como os falantes são capazes de associar uma significação a uma
cadeia de sons. Como teoria, seu grau de objetividade e de generalidade é o mais avançado
possível, por isso utiliza o método dedutivo.
Para o Funcionalismo, a sintaxe não é autônoma, porque está ligada a aspectos semânticos
e pragmáticos da linguagem. A estrutura da língua tem base sócio-cognitiva, por isso, a
compreensão do fenômeno sintático está condicionada ao estudo da língua em uso, ou seja, ao
seu estudo em seus contextos discursivos específicos, nos quais a gramática é contituída
(CUNHA, 2003, p. 24).
Evanildo Bechara (1999, p. 54) destaca a importância da Sintaxe enquanto parte da
gramática normativa:
A parte central da gramática pura é a morfossintaxe, também com menos rigor
estudada como dois domínios relativamente autônomos: a morfologia (estudo da
palavra e suas “formas”) e a sintaxe (estudo das combinações materiais e
funções sintáticas). Ocorre que, a rigor, tudo na língua se refere sempre a
combinações de “formas”, ainda que seja combinação com zero ou ausência de
“forma”; assim, toda essa pura gramática é na realidade sintaxe, já que a própria
oração não deixa de ser uma “forma” (na lição tradicional, ela não pertence ao
domínio da morfologia).
101
Entre as décadas de 30 e 60 do século XX, a Fonologia e a Morfologia eram o centro das
atenções das pesquisas estruturalistas. Depois desse período, a Sintaxe passou a ser mais
investigada, conforme afirma Ataliba de Castilho (2010, p. 45):
A “explosão” da Sintaxe ocorreu quando as pesquisas foram orientadas para o
entendimento da língua como uma atividade mental, regulada por princípios
deduzidos do enunciado (Gramática Gerativa), ou como uma atividade social,
regulada por princípios da enunciação, vale dizer, dos usos (Gramática
Funcionalista).
De acordo com a NGB (2009, p. 162), a sintaxe do português do Brasil tem as seguintes
divisões: sintaxe de concordância nominal e verbal; de regência; e de colocação; há a parte de
análise sintática da oração e a do período.
4.2. Semântica
O termo semântica vem do grego semantikós (sema, signo, sinal). É a ciência que estuda o
significado, em todos os sentidos do termo. Seu campo investigativo é bastante amplo, abarcando
tanto a linguagem humana quanto, por exemplo, a de softwares.
A Semântica Linguística é parte da Semiótica, que é a ciência que estuda o sistema de
signos verbais e não-verbais das línguas naturais. Neste caso, ela analisa a relação entre signo e
referente sem considerar as implicações sociológicas e psicológicas da linguagem
(ZINGARELLI, 1995). Estuda a relação de significação nos signos e a representação do sentido
dos enunciados.
O signo linguístico — a palavra — possui dois aspectos inseparáveis: um material e outro
imaterial. O aspecto material são os sons da fala e as letras, na escrita. O aspecto imaterial é o
significado da palavra. Muitos linguistas, como Saussure, Pierce, Hjelmslev, Guiraud, Greimas,
Barthes, Borba, Bakhtin, Fillmore e Vigotsky, dedicaram-se ao estudo do signo linguístico e suas
significações.
No âmbito das investigações sobre significação das palavras e de suas relações, a
Semântica trata de fenômenos como sinonímia, antonímia, homonímia, paronímia, polissemia;
denotação e conotação; figuras e vícios de linguagem. O estudo do significado pode ser feito a
102
partir de ângulos diferentes, por isso a Semântica, enquanto disciplina, possui vários ramos:
Textual, Cognitiva, Lexical, Argumentativa, Discursiva etc.. A Semântica Frásica, por exemplo, é
considerada um ramo da Linguística Descritiva e trata do conteúdo proposicional das frases.
Irène Tamba-Mecz (2006, p. 8-9) destaca duas vertentes da Semântica:
[...] a estruturação linguística do sentido sugere dois tipos de abordagens
semânticas das línguas: uma, voltada para a compreensão e a formulação das
significações no quadro da “palavra” e da “frase”; a outra, exclusivamente
interpretativa, busca os dispositivos linguísticos de encadeamento, de progressão
e de coerência, que permitem compreender enunciados sequenciais.
Como vimos no tópico 3.3.1 desta tese, a preocupação com a linguagem, com a
significação e com a interpretação dos signos linguísticos é manifestada desde pelo menos o
século V a.C. com os filósofos gregos. Mas o termo semântica foi usado pela primeira vez
somente em 1883, no artigo As leis intelectuais da linguagem: fragmento semântico, de Michael
Bréal, para designar uma “ciência da significação”. Em 1897, este autor francês publicou a obra
Ensaio de semântica (ciência das significações). Na época, pretendia-se criar uma ciência que
estudasse as mudanças de sentido das palavras. A ideia era identificar os mecanismos reguladores
dessas mudanças, através de um estudo diacrônico. A investigação era restrita ao léxico, porém,
posteriormente percebeu-se que as significações linguísticas extrapolavam os limites das
palavras. Então, a partir de 1930, a abordagem histórica começou a ser substituída pela
investigação sincrônica e pela abordagem estruturalista, que se baseava em princípios
saussurianos e focava os enunciados linguísticos. Nos anos 60, surge a chamada Semântica
Estrutural, baseada na dupla articulação da linguagem: plano do conteúdo e plano da expressão.
A proposta era realizar análise dos morfemas, decompondo-os em unidades menores, chamadas
de semas ou traços semânticos.
Assim, atribuem-se três períodos à história da Semântica: o evolucionista; o misto; e o
período das teorias formalizadas. O evolucionista aconteceu de 1883 a 1931 e foi chamado assim,
porque, nessa época, estava em evidência o Evolucionismo, através dos estudos desenvolvidos
pelo cientista inglês Charles Robert Darwin54, no campo das ciências naturais, e pelo filósofo
54
Charles Robert Darwin (1809-1882) publicou, em 1859, a sua obra On the origin of species by means of natural
selection or the preservation of favoured races in the struggle for life, identificada em português simplesmente como
A origem das espécies. Trata-se de uma obra revolucionária, em que Darwin defende a ideia de que as espécies
evoluem a partir de um ancestral comum, através da chamada seleção natural. A teoria evolucionista de Darwin
influenciou inúmeros campos de estudo.
103
também inglês Herbert Spencer55, no campo da Sociologia.
Assim, o período evolucionista se apoiava em três princípios:
1) o objeto de estudo da Semântica é a evolução das significações das palavras;
2) leis gerais norteiam a referida evolução;
3) depreendem-se as referidas leis gerais através da observação dos fatos de sentido.
Na época desse primeiro período de desenvolvimento da Semântica como ciência
autônoma, havia a preocupação em se estabelecer seu domínio e seu objeto de investigação. Teve
como principais representantes Michael Bréal e Hermann Paul. Bréal, considerado o fundador da
Semântica Moderna, estudou cientificamente a multiplicação de significado das palavras,
chamando esse fenômeno de polissemia. Hermann Paul deu atenção especial à mutação
semântica das palavras; defendeu a ideia de que as palavras têm uma significação usual e uma
significação ocasional.
O segundo período de desenvolvimento da Semântica, chamado misto, foi de 1931 a 1963
e caracterizou-se pela coexistência de estudos evolucionistas remanescentes e estudos
sincrônicos, sobre a estruturação léxica. Este último tipo de estudo se desenvolveu por influência
do estruturalismo saussuriano. Propunha analisar a língua como um sistema em si mesmo; a
significação deixa de ser considerada somente como propriedade inerente às palavras e passa a
ser estudada a partir das relações internas no sistema linguístico. Apresenta-se a noção de léxico
como sendo um conjunto de unidades lexicais, o qual deveria ser estudado sob o aspecto
sincrônico; por isso se fala em Semântica Sincrônica ou Lexicologia. Os semanticistas desse
segundo período revelaram que o léxico se estrutura em multiestruturas independentes ou
campos. Esse princípio levou à formação de duas correntes europeias: a dos campos semânticos e
a da análise sêmica. A primeira corrente citada foi iniciada por Gunther Ipsen e desenvolvida por
Jost Trier; nela defende-se que o léxico compõe-se de campos, os quais são unidades de conceito
que permitem identificar as relações de sentido das palavras. Articula-se um campo conceitual ou
associativo a um campo lexical. A segunda corrente — a teoria da análise sêmica — analisa o
léxico a partir de seus elementos distintivos, que, como já afirmamos, são chamados de semas.
55
Herbert Spencer (1820-1903) foi um profundo admirador de Charles Darwin; procurou aplicar as ideias do
Evolucionismo do célebre naturalista ao campo da Sociologia, por isso, é considerado o Pai do chamado Darwinismo
Social.
104
Dois representantes desse segundo período são Stephen Ullmann e Pierre Guiraud.
Segundo este último, a Semântica tem sido instrumento de investigação não só da Linguística,
mas também de outras ciências, como a Psicologia e a Lógica.
O terceiro período é o das teorias linguísticas e do tratamento informático e teve início em
1963 com a Semântica Formal, desenvolvida com base na gramática gerativa de Noam Chomsky.
Os estudos de gramática gerativa eram autônomos e formais e não consideravam o componente
semântico. Em 1965, Chomsky reformula sua teoria e concebe a gramática gerativotransformacional, dando atenção não só ao aspecto sintático do enunciado, como também ao
aspecto semântico-interpretativo. Passava-se de uma semântica lexical para uma semântica da
frase. As significações conceituais dão lugar às significações relacionais, em que se combinam
significados estruturais e lexicais. A visão diacrônica é excluída, prevalecendo a sincrônica.
Chomsky defendia que uma teoria linguística deveria atualizar a gramática universal. Esta
é concebida como inata e capaz de explicar a competência linguística humana e a aprendizagem
natural das línguas. Desenvolvem-se, então, estudos ligando a Semântica à cognição.
Houve, ainda neste terceiro período, as teorias pragmático-enunciativas da significação,
com destaque para três correntes: a pragmática lógica; o pragmatismo dos atos de linguagem; e a
semântica enunciativa.
De acordo com Ataliba de Castilho (2010, p. 122), destacam-se atualmente três campos de
estudo em Semântica — os quais esse linguista afirma serem “de difícil delimitação”:
[...] a Semântica Léxica, que trata dos sentidos contidos nas palavras, a
Semântica Gramatical ou composicional, que trata dos significados contidos nas
construções, e a Semântica Pragmática, que trata das significações geradas no
“intervalo” que medeia entre os locutores e os signos linguísticos. [...] Nesse
intervalo, surgem significados não contidos nas palavras nem nas construções
gramaticais. Tento caracterizar essas áreas especificando os respectivos objetos
empíricos através dos termos sentido, significado e significação.
Castilho (ibid.) esclarece que sentidos, significados e significações “são conceitos
complexos, que ocorrem simultaneamente”.
Linguistas como Jeffrey Gruber, Charles Fillmore e Ray Jackendoff desenvolveram
estudos recentes sobre a relação entre funções semânticas e sintaxe. Segundo esses linguistas, as
tradicionais funções sintáticas não são suficientes para explicar certas relações estabelecidas entre
algumas sentenças. Eles observaram, por exemplo, que frases muito parecidas estruturalmente
105
por vezes divergiam semanticamente; e frases cujas estruturas eram muito diferentes
expressavam o mesmo sentido. Para resolver questões como essas, foi desenvolvida a teoria dos
papéis temáticos. Estes são as funções semânticas atribuídas aos argumentos de um predicador.
Quando esse predicador é, por exemplo, um verbo — este é um atribuidor por excelência —,
papéis temáticos são atribuídos por ele ao sujeito e aos complementos desse verbo em uma dada
sentença (CANÇADO, 2009, p. 112). Alguns papéis temáticos são: agente, paciente, tema,
experienciador, locativo, causa, origem, destino, alvo, fonte. Analisemos alguns exemplos
típicos.
Sentença 1: O João quebrou o vaso.
Sentença 2: O vaso quebrou.
Sentença 3: O vaso foi quebrado por João.
Ao compararmos as três sentenças, verificamos que as três expressam um único evento de
maneiras diferentes. Temos o verbo quebrar como atribuidor dos papéis temáticos; seus
argumentos são (o) João e o vaso. As funções sintáticas dos argumentos mudam de frase para
frase, mas as funções semânticas não; isso leva à conclusão de que há, nesses exemplos, uma
relação de dependência semântica entre o verbo quebrar e seus argumentos.
Nas três sentenças, o vaso exerce o papel temático de paciente da ação; sintaticamente,
esse argumento é objeto direto na sentença 1, e sujeito nas sentenças 2 e 3. Já o argumento (o)
João é agente tanto na primeira quanto na terceira sentença; sintaticamente essa expressão é
sujeito na primeira frase, e é agente da passiva na segunda.
Através desses exemplos, podemos perceber que a Sintaxe não é capaz de indicar a
dependência de sentido que pode se estabelecer entre um verbo e seus argumentos; por isso,
desenvolveu-se a teoria dos papéis temáticos; o problema é que não há consenso entre os
semanticistas sobre quantos e quais papéis temáticos precisam existir. Diferentes linguistas já
propuseram listas bastante extensas desses papéis.
Outras teorias semânticas vêm sendo desenvolvidas para se entender as relações de
significado linguístico. Recebeu bastante destaque a teoria dos frames, desenvolvida pelo
linguista americano Charles Fillmore, considerado um dos fundadores da Linguística Cognitiva.
Um frame é um sistema de categorias estruturado com base em uma motivação contextual. Em
106
termos práticos, a proposta do referido linguista é a de agrupar as palavras segundo a semelhança
de significado entre elas e criar papéis temáticos para cada grupo formado.
Essa teoria de Fillmore é proveniente de uma semântica empírica e não da formal. É
interessante destacar que, de acordo com Fillmore, as palavras representam a categorização de
nossas experiências. Cada categoria se realiza a partir de uma motivação situacional.
Acredita-se que a teoria dos frames semânticos seja uma importante contribuição para se
compreender, por exemplo, os motivos que levam falantes de uma determinada língua a criarem
categorias e palavras que as representem.
No próximo tópico, verificaremos a importância da Semântica para o estudo da sintaxe do
período composto, foco gramatical desta tese.
4.3. Relação entre sintaxe do período composto e Semântica
Não há como tratar de classificação de orações que formam período composto sem
considerar o aspecto semântico. Essa parte da Sintaxe e a Semântica tem uma forte ligação,
conforme nos atesta Ana Clara Meira (2008, p. 53):
[...] não se pode resumir o estudo das orações a termos como independente e
dependente, realizando classificações que priorizem critérios meramente
sintáticos. Considera-se que não se devem classificar as orações sem a elas
associar os fatores semânticos e pragmáticos56; pois, a língua não é estática, mas
dinâmica. Ademais, está revestida de intenções as quais são perceptíveis em um
processo de interação comunicativa.
Francisco da Silva Borba (1972, p. 237) afirma o seguinte sobre as duas disciplinas:
“[...] a sintaxe e a semântica se relacionam desde a base dos fatos linguísticos. Assim, qualquer
teoria da linguagem que tencione tratar as línguas como sistemas formais terá de, primeiro,
decidir como tratar esse problema”.
56
Os fatores pragmáticos são aqueles ligados aos contextos de uso da linguagem.
107
Mário A. Perini (1998, p. 241) explica que, no estudo do significado das formas
linguísticas, existe a parte do significado oriunda da interpretação das estruturas e dos itens
léxicos, e a parte que provém de fatores extralinguísticos:
[...] nossa compreensão dos enunciados não é função exclusiva de um
processamento das estruturas linguísticas contidas neles. É também parcialmente
função de nossa percepção da situação em que nos encontramos, com quem nos
estamos comunicando, aquilo que sabemos e aquilo que acreditamos que nosso
interlocutor também saiba.
Segundo Perini, a construção de significados ligados a estruturas proposicionais tem duas
etapas. A primeira está ligada somente à estrutura formal (morfossintática) e estabelece o que se
chama de significado literal do enunciado. A segunda etapa está relacionada aos aspectos
extralinguísticos, como o contexto comunicativo e o conhecimento prévio do falante e do
ouvinte. A combinação dessas duas fases do processo de interpretação frasal leva ao que Perini
chama de significado final. Analisemos um exemplo dado por esse gramático. Consideremos a
seguinte interrogativa:
Você sabe que horas são?
Perini (1996, p. 241) explica que essa frase não tem a estrutura de um pedido de
informação sobre as horas. Se a pergunta for interpretada literalmente, a resposta será sim ou
não, ou seja, o interlocutor dirá apenas se sabe ou se não sabe que horas eram no momento da
interação. Perini diz que há situações em que uma resposta assim é adequada, mas não é a única
possível; uma interpretação não-literal seria justamente a de um pedido de informação sobre as
horas.
A interpretação adequada de uma pergunta como a que Perini apresenta dependerá,
portanto, do contexto de seu uso. Em qualquer situação, o interlocutor realiza um processo de
raciocínio — que Perini chamou de implícito — que o leva a escolher a resposta mais adequada.
Em relação às duas etapas da construção de significados, às quais nos referimos, segundo
Perini, a primeira, ligada à estrutura formal do enunciado, representa a Semântica. Já a
interpretação final, formada pelo significado literal associado aos fatores extralinguísticos, remete
à Pragmática. Em geral, as duas disciplinas — Semântica e Pragmática — são estudadas juntas.
108
Mário Perini (1996) dedica a terceira parte da sua Gramática descritiva do português
exclusivamente à Semântica. O gramático (ibid., 243) afirma o seguinte:
[...] o estudo da pragmática está fora do escopo desta Gramática. Devo alertar o
leitor que a hipótese da separação da semântica e da pragmática em
componentes distintos não é universalmente aceita. Na verdade, trata-se de um
dos grandes pontos de discussão da linguística atual, e muitos negam a
possibilidade de separar os dois tipos de fatores. [...] como minha tarefa é a
descrição do português, sou forçado a tomar partido e optei pela alternativa que
me parece mais plausível: uma decisão ditada mais pela necessidade prática do
que por uma convicção profunda.
Perini (ibid.) afirma que adota, na referida obra, “a teoria segundo a qual as formas
linguísticas (orações, por exemplo) são interpretadas por um componente semântico”. Ele explica
que esse componente é composto por regras de interpretação semântica e por outros
mecanismos, como filtros e restrições. O que importa é o significado literal.
Assim como fez Perini na obra que citamos acima, nós também, nesta tese, ao
interpretarmos o corpus, formado por períodos compostos, levamos em conta somente os
aspectos semânticos; não consideramos aspectos pragmáticos, porque os referidos períodos são
apresentados descontextualizados pelas gramáticas que utilizamos para a composição do corpus.
Nessas obras, esses períodos servem apenas para exemplificar os tipos de orações coordenadas e
subordinadas da língua italiana, nas explicações sobre as mesmas.
No período composto, o mais frequente é que as orações sejam ligadas por conectivos,
que, em sua maioria, são conjunções e locuções conjuntivas que estabelecem entre as orações
uma relação semântica, tanto na coordenação quanto na subordinação. Na coordenação, unem
orações ditas independentes do ponto de vista sintático, e as tornam dependentes semanticamente;
na subordinação, há dependência sintática e semântica.
Por si só, muitas conjunções já trazem uma carga com significado específico. As
subclassificações das conjunções adverbiais, por exemplo, têm base exclusivamente semântica.
Analisemos outra questão importante: um mesmo conectivo pode introduzir tipos
diferentes de orações. É o aspecto semântico que determinará a classificação das referidas
orações. Vejamos exemplos disso com a conjunção e. Na obra Nossa gramática: teoria, Luiz
Antonio Sacconi (1990) apresenta os seguintes enunciados:
109
1) A alegria prolonga a vida e dá saúde. (página 267)
2) Jussara fuma e não traga. (página 268)
3) A chuva foi intensa, e a cidade ficou inundada. (página 268)
Trata-se de três períodos compostos, formados por duas orações cada um. No período 1, a
conjunção
e
é classificada como coordenativa aditiva; introduz, portanto, uma oração
coordenada sindética aditiva (sublinhada). No período 2, a mesma conjunção e é classificada
como coordenativa adversativa, correspondendo a mas, porém, todavia, contudo, e introduz uma
oração coordenada sindética adversativa (sublinhada). Finalmente no período 3, a conjunção e
tem valor consecutivo; pois pode ser substituída pela conjunção que, e a oração principal aceita o
advérbio tão (ou tanto, tamanho, tal); assim, dizer “A chuva foi intensa, e a cidade ficou
inundada”, é o mesmo que dizer “A chuva foi tão intensa, que a cidade ficou inundada”. A oração
sublinhada, no período 3, é, portanto, uma oração subordinada adverbial consecutiva.
Francesco Sabatini, na obra La comunicazione e gli usi della lingua (1996, p. 230-231),
também apresenta explicações sobre duas funções atribuídas à conjunção e : uma aggiuntiva e
outra esplicativa. Os exemplos que esse linguista apresenta são os seguintes (ibid., p. 230,
tradução nossa):
a) Piero guardò l’orologio e vide che erano le 8.
(Pedro olhou o relógio e viu que eram 8 horas.)
b) Luigi aveva preso molto freddo e aveva una gran tosse.
(Luiz tinha passado muito frio e estava com uma forte tosse.)
Sabatini (ibid.) explica que, no primeiro exemplo, a conjunção tem a função puramente
aggiuntiva, isto é, função de adição de duas ações que se realizam em um mesmo nível. Já no
segundo exemplo, considerando-se a interpretação italiana, o primeiro fato é causa do segundo;
este expressa, portanto, ideia de consequência. Sabatini (ibid., tradução nossa) afirma que o
verdadeiro significado da frase é o seguinte:
Luigi aveva preso molto freddo, perciò aveva una gran tosse.
(Luiz tinha passado muito frio, por isso estava com uma forte tosse.)
110
Outra possibilidade que o linguista apresenta para se interpretar a frase (b) é:
Luigi aveva una gran tosse perché aveva preso molto freddo.
(Luiz estava com uma forte tosse, porque tinha passado muito frio.)
Considerando essas duas últimas possibilidades de interpretação da frase (b), segundo
Sabatini, a conjunção e presente nela tem não só a função aggiuntiva (de adição), como também
tem a função esplicativa57 (explicativa).
Sabatini (1996, p. 231) apresenta ainda, na sua referida gramática, outras quatro diferentes
relações que a conjunção
e
pode estabelecer entre orações: causa, concessão, fim e
contraposição.
Assim, como pudemos verificar com os exemplos de Sacconi e de Sabatini, a mesma
conjunção
e
recebeu classificações diferentes — e consequentemente introduziu orações
diferentes — devido à influência do fator semântico.
A Semântica é, portanto, determinante no estudo do período composto, seja da língua
portuguesa como da língua italiana.
57
Em português, esta função seria causal.
111
5. METODOLOGIA DE PESQUISA: A ANÁLISE CONTRASTIVA
5.1. A Análise Contrastiva
Como já afirmamos em tópicos anteriores, esta pesquisa é um estudo de Análise
Contrastiva em sua versão forte, ou seja, a que está voltada para a identificação de semelhanças e
diferenças entre duas língua analisadas, sem considerar a produção dos aprendizes da língua
estrangeira. Trata-se também de uma pesquisa aplicada, isto é, com fim didático, visando a
facilitar o ensino-aprendizagem do período composto da língua italiana.
Os dois sistemas linguísticos considerados foram a língua italiana padrão e a língua
portuguesa do Brasil. O tema gramatical em foco foi o período composto. Assim, partindo da
análise de frases com os tipos de orações coordenadas e subordinadas do italiano, buscamos
orações de mesmo tipo correspondentes em português.
Nos próximos tópicos, veremos com mais detalhes, por exemplo, como formamos o nosso
corpus e como o analisamos. Vejamos a seguir as principais gramáticas italianas e as da língua
portuguesa que utilizamos nesta tese.
5.2. As gramáticas italianas utilizadas
As gramáticas italianas adotadas para este trabalho são para estudo de gramática pura, em
sua maioria, estudo aprofundado da língua italiana. Não são, portanto, direcionadas a
estrangeiros, mas sim aos próprios italianos, para serem usadas em escolas de níveis que
corresponderiam ao nosso Ensino Fundamental e ao nosso Ensino Médio. Assim, na coleta e
análise dos dados da pesquisa, foram utilizadas cinco gramáticas com características bem
diferentes. Justifiquemos esse número de gramáticas.
Acreditamos que, para identificarmos a correspondência entre uma determinada oração
italiana e uma oração do português, quanto mais frases com a oração italiana analisarmos melhor.
Há caso de correspondência identificada a partir de exemplo apresentado por um único gramático
italiano. É o que acontece na correspondência entre a proposizione subordinata sostantiva
oggettiva indiretta e a oração subordinada substantiva completiva nominal; identificamos essa
112
correspondência a partir de um exemplo apresentado por Francesco Sabatini. Um outro exemplo
é a proposizione subordinata sostantiva soggettiva como oração subordinada adjetiva: somente
Dardano e Trifone e Luca Serianni dão exemplos que levam à identificação dessa
correspondência. Por isso escolhemos cinco gramáticas italianas: para analisarmos um número
grande de exemplos das orações coordenadas e subordinadas italianas.
Vejamos agora com mais detalhes quais foram essas cinco gramáticas.
1) Grammatica italiana con nozioni di linguística, de Maurizio Dardano e Pietro Trifone (2003)
Esta foi a gramática adotada para as turmas de
oitavo período do Curso de Letras em Português-Italiano
da Faculdade de Letras da UFRJ em 2005 e 2006. Como
explicamos na introdução desta tese, na ocasião,
lecionamos sintaxe do período composto às referidas
turmas nesses anos. Foram três grupos diferentes de
alunos, com os quais utilizamos esta gramática. Vale
destacar o que diz o prefácio de sua terceira edição
(DARDANO; TRIFONE, 199558, tradução nossa):
As estruturas da nossa língua59 são objeto de uma descrição clara, exaustiva e
atualizada. Os dois capítulos iniciais e os parágrafos internos de aprofundamento
(“intertextos”) permitem ao estudante aproximar-se dos principais temas da
linguística histórica, da linguística teórica e da sociolinguística modernas. Uma
seção muito ampla do volume é dedicada à sintaxe e à análise do texto.
A contracapa da referida gramática traz ainda as seguintes declarações (DARDANO;
TRIFONE, 2003, tradução nossa):
Em síntese, um manual que descreve em termos exaustivos e atualizados o
italiano contemporâneo; de máxima clareza expositiva e de fácil consulta; com
58
A edição desta obra é de 2003, mas a data que consta no prefácio é março de 1995, que é, na verdade, a data da
primeira edição da obra, e não a terceira.
59
Os autores se dirigem aos italianos; por “nossa língua”, entende-se, portanto, a língua italiana.
113
um conjunto de exercícios muito rico. Uma gramática de referência que, pela
racional exposição da matéria, consente uma programação flexível do ensino do
italiano, propondo-se, ao mesmo tempo — pela sua completude — ser
instrumento confiável e respeitável de consulta.
A nosso ver, essa gramática cumpre aquilo a que se propõe, conforme exposto no seu
prefácio e na sua contracapa. Traz mais de 600 frases, entre as quais, trechos de obras de autores
de várias épocas, porém privilegia frases do dia-a-dia da comunicação entre as pessoas,
destacando o nível informal da língua. A matéria é muito bem organizada e os exercícios são
bastante objetivos e claros. Não traz quase nada de ilustração, o que é coerente com o tipo de
gramática que é. Essa terceira edição tem 789 páginas.
2) La comunicazione e gli usi della lingua, de Francesco Sabatini (1994)60
Esta é uma obra de 816 páginas. Traz na página I, o complemento do
seu título, que é “Prática de textos, análise lógica, história da língua” e a
informação “Escolas secundárias superiores”, que corresponderiam ao atual
Ensino Médio das escolas brasileiras. Estas são duas informações muito
importantes, que indicam os assuntos a que esta obra dá mais destaque, e o
seu público-alvo. O seu prefácio é longo, dividido em 7 partes:
“Um endereço já consolidado”; “Um modelo muito imitado. Vamos dar passos
além”; “O desenvolvimento da ‘competência textual’ e a variedade dos textos”;
“Por uma análise realmente ‘lógica’ ”; “A língua e a literatura, em particular a
poesia”; “O ‘livro da língua’ e a antologia”; e “O italiano, as outras línguas, a
história”.
A parte que mais nos interessa é a de título “Por uma análise verdadeiramente ‘lógica’ ”.
Sabatini explica esse título inusitado, quase irônico:
O ‘estudo da gramática’ não é um mero subsídio para desenvolver o uso da
língua: a este objetivo, ao contrário, é de limitada utilidade (como a experiência
demonstra desde sempre), enquanto é muito mais produtivo o trabalho que se
60
As expressões entre aspas e as citações que se seguirem são traduções nossas.
114
realiza em outro terreno, o da competência textual, fortemente impregnado de
‘pragmática’. O ‘estudo da gramática’, ou melhor, o estudo reflexo da língua, é
uma operação de conhecimento que tem um altíssimo poder de
desenvolvimento cognitivo geral: é verdadeiro jogo de inteligência, que se
exercita sobre o objeto de mais alto interesse que nos foi dado para observar61.
Sabatini deixa bem claro que considera a competência textual muito importante. De fato,
esta obra traz muitos textos, de diversos tipos, tanto nas explicações das matérias que apresenta,
quanto nos exercícios. A parte primeira do livro tem o título “A comunicação e o texto”. Trata,
por exemplo, dos vários tipos de linguagens, das situações e objetivos da comunicação, das
funções da linguagem, da língua falada, escrita e “transmitida” e de compreensão e produção
textual. A segunda parte da obra é dedicada ao estudo dos assuntos gramaticais. Tem o título “A
estrutura da língua: morfossintaxe e léxico”. O capítulo 6, intitulado “A frase ‘múltipla’62.
Coordenação e subordinação”, é bem detalhista. Os exercícios privilegiam a leitura e análise de
textos e a produção de frases e de textos.
O livro apresenta ainda uma terceira parte, cujo título é “A língua e a história”, e um
longo apêndice, dividido em 7 partes. O autor apresenta, no final de cada capítulo, um quadro
resumitivo da matéria abordada. Escolhemos esta obra sobretudo porque queríamos usar uma
gramática com um enfoque diferenciado das outras, o textual.
3) Grammatica italiana – italiano comune e lingua letteraria, de Luca Serianni (1999)
Esta foi uma gramática muito importante para a realização desta tese,
porque, em muitas situações, por apresentar seu conteúdo detalhadamente,
forneceu informações fundamentais para resolvermos dúvidas que surgiram
durante o trabalho, e que as outras gramáticas não forneciam. Um fator
negativo que apontaríamos é o fato de que praticamente todas as frasesexemplo são de textos literários. Por vezes, são frases de estrutura e compreensão complexas.
Corresponderia, em português, mais ou menos à Moderna gramática portuguesa, de Evanildo
61
O próprio autor usou o negrito nas duas expressões destacadas com esse recurso.
Em italiano, “frase multipla”. Preferimos traduzir “multipla” para o português de forma literal, ou seja, como
“múltipla”, porém, a expressão em português “frase múltipla” não é usada. Essa expressão italiana faz referência ao
que chamamos de período composto.
62
115
Bechara. Luca Serianni é professor de História da língua italiana, membro da Accademia della
Crusca63, escritor de inúmeros artigos, ensaios e livros voltados para o público universitário e
especialista em história da língua.
Esta sua Grammatica italiana traz, no capítulo XIV, sob o título “Sintaxe do período”
(tradução nossa), detalhado estudo sobre esse tema. São 104 páginas de matéria.
No final da obra, há um glossário com termos e expressões próprios da Linguística, da
retórica e da Estilística. A gramática tem um total de 750 páginas. Não tem exercícios.
4) Grammatica italiana, de Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994)64
Trata-se de uma gramática bastante simple, diríamos até enxuta, no
sentido de ser resumida demais. A página III traz assuntos de destaque: “A
métrica, a estilística, exercícios e leituras lexicais”. Tem 419 páginas. Após o
prefácio, a gramática se inicia com dois breves tópicos considerados à parte:
“Do latim ao italiano” e “A formação do vocabulário”. Foi dividida em 5
tradicionais partes mais o apêndice. As partes são as seguintes: Fonologia,
Morfologia, Sintaxe, Noções de métrica italiana e noções de estilística. O apêndice traz apenas
verbos irregulares e defectivos.
A parte sintática foi dividida em “sintaxe da oração” e “sintaxe do período”. Esta última é
a que mais nos interessa. A matéria é tratada de modo resumido demais. São apenas 34 páginas
com teoria e prática. Os exercícios são basicamente de reconhecimento ou classificação de
orações em frases informais e descontextualizadas.
No prefácio da obra, os autores defendem a fidelidade à norma culta italiana:
A aceitação e a observância da estrutura gramatical equivalem ao respeito de nós
mesmos, porque, obedecendo à ‘norma’, nós garantimos, sempre que possível, a
‘verdade’ dos nossos pensamentos e dos nossos sentimentos: isto é, confiamos à
expressão a mais íntima realidade de nós mesmos, com a confiança de sermos
compreendidos e de compreendermos.
63
64
Instituição correspondente à Academia Brasileira de Letras.
As expressões entre aspas e as citações que se seguirem são traduções nossas.
116
Com um discurso um tanto poético, os autores afirmam que a gramática é “uma forma de
educação moral, de disciplina interior” e um instrumento de inclusão social. Declaram também
que a mesma “dá sentido e razão às ‘palavras’: tira-as da desordem ou do isolamento em que cada
uma se confunde ou se esconde, para harmonizá-las cada vez mais na arquitetura da expressão”.
Enfim, no prefácio, os autores não descrevem a obra, não explicam suas partes. Incluímos
essa gramática neste trabalho, porque ela é diferente das outras e porque as frases que os autores
apresentam como exemplos são, em sua maioria, do nível informal da língua, típicas da
comunicação oral, privilegiada pela gramática descritiva.
5) Grammatica italiana, de Giuseppe Pittano (1974)
Consideramos uma gramática de 1974 antiga. São 38 anos de distância entre a sua
publicação e os dias de hoje. Pode parecer que queremos realizar estudo diacrônico, mas, como já
afirmamos anteriormente, esse não é o objetivo deste trabalho. Nós a escolhemos, principalmente
por causa da maneira como apresenta as orações subordinadas adjetivas, que em italiano são
chamadas proposizioni subordinate relative. Apresentamos essa maneira em outro tópico. Além
disso, um outro diferencial em relação às demais gramáticas escolhidas, é que esta, apesar de
também ser gramática pura e estar voltada para o ensino do italiano língua materna na scuola
media (Ensino Médio brasileiro), a apresentação do seu conteúdo é totalmente diferente daquela
que as outras gramáticas fazem. Esta parece voltada para crianças, porque tem muitas ilustrações
e uma linguagem muito fácil e objetiva.
Utiliza o método indutivo, coerente com o modelo de Análise Contrastiva e seus
fundamentos teóricos. Tem 624 páginas de teoria e cerca de 950 exercícios.
5.3. Principais obras da língua portuguesa utilizadas para a análise dos dados
Em relação à língua portuguesa, foram consultadas sobretudo as seguintes obras:
117
1) Nomenclatura Gramatical Brasileira, Ministério da Educação e Cultura (in HENRIQUES,
2009)
Serviu de parâmetro para as classificações das orações apresentadas pelos outros autores e
para verificar as observações que estes fazem sobre a NGB ao tratarem do assunto período
composto da língua portugesa.
2) Gramática Houaiss da Língua Portuguesa, de José Carlos de Azeredo (2010)
José Carlos de Azeredo é Doutor em Letras pela UFRJ. Lecionou
Língua Portuguesa nesta Instituição de 1970 a 1996. Atualmente é Professor
Adjunto do Instituto de Letras da UERJ.
Esta sua gramática tem 584 páginas. Está dividida em 8 partes mais os
apêndices. Em nota preliminar, Azeredo explica os conteúdos de cada parte. A
quarta parte, intitulada “Morfologia flexional e sintaxe”, é considerada o “miolo” da obra. Esta
seção traz, no 14º capítulo, o tema de nosso interesse: o período composto. São 62 páginas de
teoria. Não apresenta exercícios. Na apresentação da gramática, o autor afirma o seguinte:
O objeto desta gramática é a variedade padrão escrita do português em uso no
Brasil. Identificamos assim um conjunto sistemático de formas e construções da
língua portuguesa empregada razoavelmente em comum por escritores /
jornalistas / autores brasileiros, desde a segunda metade do século XIX até os
dias atuais, em obras literárias, técnicas, científicas e ensaísticas em geral, assim
como na maior parte dos textos impressos nos principais jornais e revistas dos
grandes centros urbanos contemporâneos.
Um pouco mais adiante, nesta mesma apresentação, o autor fala sobre o objetivo da obra,
e expõe o seu posicionamento em relação ao papel da linguagem verbal e da gramática:
Nosso objetivo vai um pouco além da aferição de um uso e sua descrição. [...]
empenhamo-nos em refletir sobre o funcionamento da linguagem verbal no seu
tríplice papel (a) de forma de organização do conhecimento [...], (b) de meio de
codificação do conhecimento em enunciados/textos (expressão) e (c) de forma
de atuação interpessoal (comunicação). A gramática não é evidentemente o
único, mas é o mais sólido suporte dos papéis explicitados nos itens ‘a’ e ‘b’.
118
Selecionamos esta gramática para servir de base para o trabalho de Análise Contrastiva,
principalmente porque, segundo o próprio autor, o enfoque adotado na obra é “essencialmente
descritivo, sem prejuízo, contudo, de considerações de ordem normativa, sempre que oportunas”.
3) Nova gramática do português brasileiro, de Ataliba Teixeira de Castilho (2010)
No prefácio da Nova gramática do português brasileiro, de Ataliba de Castilho, Rodolfo
Ilari declara que “esta é uma obra altamente inovadora” e justifica:
Em vez da obsessão prescritiva própria dos gramáticos, que leva a falar de uma
língua irreal como se ela existisse de fato, encontramos nele [em Castilho] a
preocupação de apresentar ao leitor fatos concretamente observados, com todo o
rigor possível. Em vez de tomar como referência os textos escritos, elege como
amostra preferencial da língua a sua manifestação aparentemente mais caótica
— a conversação falada. [...] no passado, a maioria dos autores que escreveram
gramáticas “do português” o fizeram de modo a ressaltar os aspectos que as
variedades europeia e sul-americana do português têm em comum; [...] Em
suma, escolher como tema e como título o “português brasileiro” é uma forma
de recusar aquele modelo”. (página 26)
Ilari informa que “Ataliba de Castilho se declara funcionalista”
(página 28). Informa também que dois terços do trabalho foram dedicados à
sentença e ao período gramatical (página 27). Ilari afirma que “uma das
ideias mais frequentemente reafirmadas no livro é que a língua não é,
primordialmente, uma manipulação de sinais, ou uma combinatória de
unidades, mas um conjunto de operações cognitivas” (página 27).
O próprio autor afirma, na introdução da obra, que esta é fruto de cinquenta anos de
pesquisa que ele realizou e que não se trata de uma gramática escolar usual. Ele expõe uma teoria
multissistêmica com forte conteúdo funcionalista-cognitivista.
Como nos propomos, nesta tese, a trabalhar com as orações coordenadas e subordinadas do
português do Brasil, esta gramática de Ataliba de Castilho serviu-nos perfeitamente. O capítulo 9,
cujo título é A sentença complexa e sua tipologia, trata o tema de nosso interesse para este
trabalho. Vale destacar que a obra tem 768 páginas.
119
4) Moderna gramática portuguesa, de Evanildo Bechara (1999)
Escolhemos esta gramática para nos dar suporte no trabalho desta tese, porque trata-se de
uma obra muito respeitada e usada no meio acadêmico. É muito indicada também em concursos.
O autor, Evanildo Bechara, é professor, gramático e filólogo; é considerado um dos maiores
especialistas do Brasil em Língua Portuguesa. É membro da Academia das Ciências de Lisboa,
doutor honoris causa pela Universidade de Coimbra, professor titular e emérito da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), titular da
cadeira 16 da Academia Brasileira de Filologia e da cadeira 33 da Academia Brasileira de Letras.
A obra já está na 37ª edição (atualizada pelo Novo Acordo Ortográfico),
publicada em 2009 com 672 páginas. É conhecida no exterior desde a sua primeira
publicação, em 1961. A edição que usamos nesta tese é a 37ª65, de 1999, com 669
páginas — a figura à esquerda mostra a capa da tiragem de 1999. Bechara dedica
esta edição a Manuel Said Ali (à sua memória), a Eugenio Coseriu, a José G.
Herculano de Carvalho e a Joaquim Mattoso Câmara Jr., usando as seguintes palavras: “aos
mestres e amigos [...] a cujas lições fui colher o que de melhor existe nesta nova versão”.
Conforme já afirmamos, Evanildo Bechara segue a linha estruturalista-funcionalista de estudos
linguísticos.
5.4. O corpus da tese e a sua constituição
Para entendermos qual é o corpus desta tese, precisamos lembrar dos nossos objetivos na
mesma: realizarmos um estudo de Análise Contrastiva das classificações das orações
coordenadas e subordinadas do italiano e do português do Brasil; apresentarmos uma proposta de
correspondência entre as referidas classificações — partindo dos tipos de orações italianas; e
apontarmos, entre as referidas orações italianas, as que apresentam maior dificuldade para
estudantes brasileiros de italiano como língua estrangeira.
65
A 37ª edição tem duas datas: 1999 e 2009.
120
Esclareçamos o que queremos dizer por correspondência. Considerando o nosso estudo,
interessa-nos entender o verbo corresponder como “estar em equivalência; refletir” (ABL, 2008).
Um dos verbetes da palavra correspondência no dicionário da Academia Brasileira de Letras
(ABL, 2008, p. 368) é: “relação de conformidade de algo ou alguém; de certo conjunto ou
contexto, com outro, em outro conjunto ou contexto: a correspondência entre o Português do
Brasil e o Português de Portugal”.
Assim, quando dizemos que uma determinada oração italiana corresponde a uma certa
oração do português, queremos dizer que uma equivale à outra, uma reflete a outra. Por
correspondência, portanto, queremos dizer equivalência ou conformidade.
Tratemos agora do corpus da tese. Este é constituído dos seguintes dados:
1) As classificações das orações coordenadas e subordinadas do italiano;
2) As classificações das orações coordenadas e subordinadas do português do Brasil;
3) Frases descontextualizadas, apresentadas pelos autores de cinco gramáticas italiana66 para
exemplificar os tipos de orações coordenadas e subordinadas da língua italiana.
Por “classificações das orações” queremos dizer tipos e subtipos de orações. Assim,
considerando o português do Brasil, as orações subordinadas, por exemplo, têm as seguintes
classificações: substantivas, adjetivas e adverbiais; estas três, por sua vez, têm suas
classificações. As orações subordinadas substantivas, por exemplo, classificam-se em subjetivas,
objetivas diretas, objetivas indiretas, predicativas, completivas nominais e apositivas.
Consideremos as três partes do corpus citadas acima. Para constituirmos a parte 1, a das
classificações das orações italianas, verificamos as classificações que os autores das cinco
gramáticas italianas apresentam. Fizemos o mesmo na parte 2, em relação às classificações das
orações da língua portuguesa: verificamos como os autores das três gramática do português
classificam as orações coordenadas e subordinadas.
A constituição da parte 3 do corpus, a da seleção das frases-exemplo, foi da seguinte
forma:
1) Primeiro, selecionamos uma classificação de oração. Consideremos, como exemplo aqui,
a primeira classificação que analisamos: a chamada proposizione copulativa;
66
As cinco gramáticas foram apresentadas no tópico 5.2 desta tese.
121
2) Em seguida, elaboramos um quadro dividido em cinco partes horizontais e duas partes
verticais. Na parte vertical da esquerda, denominada “AUTORES”, incluímos os nomes
dos autores das gramáticas italianas utilizadas; e ao lado, na parte vertical da direita,
denominada “EXEMPLOS”, incluímos a seleção de frases-exemplo que os autores
italianos apresentam para a oração em questão e, entre parênteses, apresentamos a
tradução dessas frases para o português. A estrutura do quadro ficou da seguinte forma:
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone (2003)
FRASES
Francesco Sabatini (1994)
FRASES
Luca Serianni (1999)
FRASES
Salvatore Battaglia e Vincenzo
Pernicone (1994)
FRASES
Giuseppe Pittano (1974)
FRASES
3) Selecionamos frases apresentadas pelos referidos autores das gramáticas para
exemplificar a oração analisada; esta foi sublinhada na frase. Na seleção, usamos os
seguintes critérios:
3.1) as frases deveriam formar um período composto preferencialmente por duas orações.
O nosso objetivo é realizar a analise contrastiva das orações coordenadas e subordinadas
do italiano e do português do Brasil, então, consideramos que um período composto com
apenas duas orações facilitaria o trabalho de análise; seria desnecessário selecionarmos
um período com três, quatro, cinco orações, se o nosso foco é sempre apenas uma das
orações;
3.2) Procuramos selecionar poucas frases por gramática; quando apresentamos várias
frases, em geral, é porque quisemos destacar a diversidade de conectivos ou de estrutura
frasal ligada ao tipo de oração analisado;
3.3) Priorizamos a linguagem coloquial atual; assim, evitamos expressões antigas e
conjunções raras; não é nosso objetivo realizar estudo diacrônico;
122
3.4) No caso das orações subordinadas, procuramos selecionar tanto orações italianas
desenvolvidas — ditas esplicite —quanto orações reduzidas — ditas implicite. Quando
não apresentamos um desses dois tipos, ou é porque o autor da gramática não apresentou,
ou porque o tipo de oração analisado não tem uma dessas formas.
Ao término da seleção dos dados, passamos a ter o seguinte corpus:
A) Um quadro — como o que descrevemos acima — para cada tipo de oração coordenada e
subordinada da língua italiana;
B) Quatro quadros resumitivos da proposta de correspondência entre as orações do italiano e
as do português do Brasil; eles têm, portanto, duas colunas: a primeira para as
classificações das orações do italiano e a outra para as do português brasileiro. O
primeiro quadro é para as orações coordenadas; o segundo, para as orações subordinadas
substantivas; o terceiro, para as orações subordinadas adjetivas; e o quarto quadro, para
as orações subordinadas adverbiais. Todos os quatro quadros trazem primeiramente os
subtipos dessas classificações das orações italianas; ao final da análise dos dados frasais,
esses quadros serão preenchidos na parte do português, com as classificações das orações
do português, estabelecendo, então, a correspondência entre as duas línguas.
Em relação ao modo como apresentamos as classificações das orações italianas, na
maioria das vezes, nós procuramos fazer como fazem quase todos os autores das cinco principais
gramáticas italianas que utilizamos nesta tese: indicando apenas o último termo da classificação,
e não como se costuma fazer nas gramáticas do português do Brasil, que dão a classificação
completa. Por exemplo, ao invés de dizermos proposizione subordinata sostantiva oggettiva
diretta, preferimos proposizione oggettiva diretta. Fazem assim Dardano e Trifone (2003), Luca
Seriani (1999), Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994) e Giuseppe Pittano. Francesco
Sabatini (1994) preferiu identificar as coordenadas pelo seu tipo, ou seja, ele diz apenas
copulativa, avversativa etc.; esse autor se refere às subordinadas dizendo dipendente soggettiva,
dipendente temporale etc.. Em alguns momentos nós preferimos usar a classificação completam
sobretudo quando contrastamos oração italiana com oração do português. Com as coordenadas
italianas mantivemos a expressão coordinata na classificação.
123
Em português, mantivemos a classificação completa, como por exemplo oração
subordinada substantiva objetiva direta.
No próximo tópico, explicaremos como realizamos a análise dos dados selecionados.
5.5. A análise dos dados
Primeiramente é importante dizer que, para realizarmos a análise a que nos propomos,
nós partimos do geral para o particular. Em um primeiro momento, fizemos uma descrição do
período composto em italiano e em português, estabelecendo uma comparação entre eles. Em
seguida, abordamos dois tipos de período composto italiano individualmente: a coordenação e a
subordinação. As orações italianas de cada um desses períodos foram analisadas uma a uma.
Em um primeiro momento da abordagem a uma oração italiana, começamos por
descrevê-la, indicando sua função e suas características gerais. Não nos ativemos a muitos
detalhes tanto na descrição dos tipos de período, quanto na dos tipos de orações, porque não
convinha, pois o principal momento do estudo dos dados é o da análise oracional das frasesexemplo apresentadas pelos autores das cinco gramáticas italianas descritas no tópico 5.2 desta
tese. Para se obter todos os detalhes sobre cada oração italiana — como, por exemplo, os modos
dos seus verbos —, é preciso consultar diretamente as gramáticas.
Seguindo com o passo-a-passo da análise, passamos ao exame das referidas frasesexemplo. Começamos pela tradução dessas sentenças para o português. Em seguida, fizemos a
análise completa das orações de algumas dessas sentenças para que pudéssemos chegar a
conclusões e estabelecer correspondência com as classificações das orações do português. Para
realizarmos a análise completa, procuramos escolher as frases que consideramos mais
interessantes em termos sintáticos ou semânticos, de modo que pudessem confirmar ou refutar
cada hipótese nossa em relação à correspondência entre italiano e português. A referida análise
consistiu nas seguintes etapas:
1) Divisão da frase italiana em orações, conforme regras da língua italiana;
2) Classificação das orações, segundo o gramático que apresenta a frase;
3) Tradução da frase italiana para o português;
4) Divisão da frase-tradução em orações, conforme regras da língua portuguesa;
124
5) Classificação das orações, com base nas gramáticas da língua portuguesa.
Realizamos a referida análise dentro de quadros, como no exemplo abaixo:
ITALIANO:
Frase 1: È ancora qui o è già andato via? (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 445).
Análise oracional segundo a gramática italiana:
È ancora qui / o è già andato via?
1ª prop.
2ª prop.
1ª proposizione: principale
2ª proposizione: coordinata disgiuntiva
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Ainda está aqui / ou já foi embora?
1ª oração
2ª oração
1ª oração: coordenada assindética
2ª oração: coordenada sindética alternativa
Após termos seguido todos os passos descritos acima, com todos os tipos de orações
coordenadas e subordinadas do italiano, apresentados pelos autores das gramáticas italianas,
completamos, por fim, os quatro quadros resumitivos da proposta de correspondência entre as
referidas orações do italiano e do português.
É importante destacarmos que todos os autores das cinco gramáticas italianas, ao tratarem
do período composto, apresentam as orações seguindo praticamente a mesma ordem: primeiro
tratam das coordenadas e depois das subordinadas. Fizemos o mesmo nesta tese.
Também é importante explicarmos que mantivemos em italiano a nomenclatura
gramatical italiana. Quando consideramos necessário, fizemos observações com a tradução do
termo gramatical analisado. Em geral, os termos que dão nomes às classificações das orações
italianas são bastante transparentes para brasileiro, isto é, são muito parecidos com os termos em
português.
Considerando as obras das línguas italiana e portuguesa descritas nos tópicos 5.2 e 5.3, os
capítulos ou partes das mesmas os quais tratam do período composto e das conjunções
125
constituíram importante material no trabalho de constituição e de análise dos dados. Os referidos
capítulos são citados a seguir 67:
GRAMÁTICAS ITALIANAS:
1) Grammatica italiana con nozioni di linguistica, de Maurizio Dardano e Pietro Trifone (2003):
para as conjunções, consultamos o capítulo 11, intitulado La congiunzione e l’interiezione; para o
período composto, utilizamos o capítulo seguinte a esse, o 12, intitulado La sintassi della frase
complessa.
2) La comunicazione e gli usi della lingua, de Francesco Sabatini (1994): para o estudo das
conjunções e outros tipos de conectivos, pesquisamos o capítulo quarto, no tópico 13, intitulado
Caratteristiche del testo IV): la coesione mediante i legamenti, e em especial no subtópico 6:
Legamenti per mezzo delle congiunzioni. Ainda para as conjunções, estudamos o tópico VIII —
Congiunzione — do apêndice VI. Para o estudo do período composto, estudamos principalmente
o capítulo sexto, intitulado La frase “multipla”: coordinazione e subordinazione.
3) Grammatica italiana – italiano comune e lingua letteraria, de Luca Serianni (1999): para o
estudo das conjunções, pesquisamos o capítulo IX, intitulado Congiunzioni e segnali discorsivi;
para a investigação sobre período composto, estudamos o capítulo XIV, intitulado Sintassi del
periodo.
4) Grammatica italiana, de Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994): esta obra não é
dividida em capítulos; a parte que trata das conjunções — intitulada Le congiunzioni — vai da
página 263 à 270; a parte do período composto é intitulada La sintassi del periodo; estudamos o
conteúdo que vai da página 320 à 346.
5) Grammatica italiana, de Giuseppe Pittano (1974): esudamos o capítulo 17, intitulado La
congiunzione, e o capítulo 20, intitulado Il periodo.
67
Considerando as edições que utilizamos.
126
GRAMÁTICAS DA LÍNGUA PORTUGUESA:
1) Gramática Houaiss da Língua Portuguesa, de José Carlos de Azeredo (2010): Foi na quarta
parte desta obra que encontramos o conteúdo ligado ao tema desta tese. Nesta parte, estudamos,
no capítulo 7, os tópicos 7.7.3 e 7.7.4, que tratam das conjunções; estudamos também o capítulo
14, intitulado O período composto.
2) Nova gramática do português brasileiro, de Ataliba Teixeira de Castilho (2010): tanto para o
tratamento das conjunções quanto do período composto, estudamos o capítulo 9 desta obra,
intitulado A sentença complexa e sua tipologia.
3) Moderna gramática portuguesa, de Evanildo Bechara (1999): estudamos, no capítulo II desta
obra — intitulado Gramática descritiva e normativa: as unidades do enunciado —, dentro da
parte A — Formas e funções —, o tópico 9: Conjunção. Na parte C — Estrutura do enunciado
ou período. A oração e a frase —, estudamos dois tópicos. Um foi o tópico 2: Orações
complexas e grupos oracionais: A subordinação e a coordenação. A Justaposição. O outro foi o
tópico 3: As chamadas orações reduzidas.
Estudamos eventualmente outras partes destas obras, mas as citadas acima foram
certamente as mais importantes para desenvolvermos o estudo proposto nesta tese.
5.5.1. A tradução das frases-exemplo
A tradução das frases foi procedimento-chave para o processo de análise, isto é, sem
traduzir as sentenças não seria possível realizar a análise contrastiva, nem estabelecer a
correspondência que desejávamos. Portanto, ao traduzirmos as frases, procuramos ser o mais
fiéis possível às sentenças originais em italiano, respeitando, porém, as características dos dois
idiomas em questão, o italiano e o português. Como o corpus a ser traduzido era extenso, foi
inevitável nos depararmos com situações mais desafiadoras; principalmente nesses casos,
procuramos fornecer todas as observações que consideramos necessárias para o bom
127
entendimento da sentença original e para a realização de uma análise adequada. Vejamos dois
exemplos de frases que exigiram uma maior atenção ao serem traduzidas:
1) O vieni tu, o vengo io.
Esta frase é apresentada por Francesco Sabatini (1994), e está inserida no quadro que
apresenta a chamada proposizione coordinata correlativa do italiano. O que há de especial nessa
frase é que o verbo venire do italiano pode ser traduzido para o português tanto como vir quanto
como ir. Logo, há pelo menos duas opções de tradução da frase:
Ou vem você, ou venho eu.
OU
Ou vai você, ou vou eu.
Como já explicamos, as frases selecionadas não apresentam um contexto, porque servem
para exemplificar os tipos de orações apresentados pelos autores nas cinco principais gramáticas
italianas utilizadas na tese. Logo, não há como definir uma tradução como a mais adequada.
2) Per essere così magro ha una bella forza.
Esta frase é apresentada por Dardano e Trifone (2003) para exemplificar uma
proposizione subordinata avverbiale concessiva implicita: Per essere così magro. Consideramos
a tradução dessa frase difícil. Em um primeiro momento, parece que as duas orações que
constituem a sentença formam uma ideia contraditória. Traduzindo “ao pé da letra”, a frase
ficaria assim em português: “Por ser tão magro, ele tem uma bela força”. Esta tradução faz o
enunciado não ter sentido algum. Ficaria totalmente incoerente. Logo, a tradução de frases como
esta não pode ser feita “ao pé da letra”, mas sim, usando-se o bom senso e o domínio das duas
línguas. A tradução mais adequada é a seguinte68:
Apesar de ser tão magro, ele tem uma bela força.
Assim, tivemos desafios com a tradução das frases-exemplo, mas nos esforçamos para
realizarmos boas traduções, porque elas foram determinantes na qualidade da análise contrastiva
que fizemos.
68
Conseguimos manter a forma reduzida da oração subordinada.
128
6. ANÁLISE CONTRASTIVA DOS DADOS: ORAÇÕES COORDENADAS
SUBORDINADAS DA LÍNGUA ITALIANA E DO PORTUGUÊS DO BRASIL
E
6.1. A sintaxe do período composto do italiano e a do português do Brasil
Para tratarmos do tema do presente tópico, nós nos baseamos principalmente nas cinco
gramáticas italianas e nas três gramáticas da língua portuguesa descritas nos tópicos 5.2 e 5.3
desta tese.
No geral, a sintaxe do período composto do italiano é muito parecida com a do português
do Brasil, mas existem naturalmente diferenças; apontaremos aqui as que consideramos mais
significativas. Analisemos primeiramente como as referidas gramáticas italianas apresentam a
matéria em questão.
Segundo Dardano e Trifone (2003, p. 442, tradução nossa), a chamada sintassi della frase
complessa (sintaxe da frase complexa), “dita também sintaxe do período, estuda as relações que
intercorrem entre estruturas sintáticas simples (orações), as quais, combinando-se entre si,
formam estruturas mais complexas (frases ou períodos)”. Afirmam ainda (ibid., p. 93, tradução
nossa): “A análise sintática da frase complessa [frase complexa] consiste em identificar as várias
espécies de orações que compõem a frase complessa (oração principal, coordenada, subordinada
etc.)”.
Verifiquemos, no quadro abaixo, a definição de frase, oração e período dada pelos autores
das cinco gramáticas italianas:
Dardano e Trifone
(2003)
“Frase é uma mensagem completa, enquanto a oração é uma parte da
frase complexa, assim como o sintagma [...] é uma parte da oração. Uma
frase pode ser composta de uma só oração independente (frase semplice
ou monoproposizionale) [...] mas, sobretudo na língua escrita, têm-se
frases compostas de duas, três ou mais orações” (p. 442, tradução nossa).
“Convém também distinguir frase verbal, isto é, provida de verbo [...] e
frase nominal, isto é, destituída de verbo” (p. 94, tradução nossa).
129
Francesco Sabatini
(1994)
Luca Serianni (1999)
Período: “com este termo indica-se uma frase mais ampla, formada com
duas ou mais frases ligadas estreitamente entre si: é aquela que nós
chamaremos frase multipla” (p. 215, tradução nossa). “A frase se define
também como uma expressão linguística de sentido completo, que tem
como elemento indispensável um predicado” (p. 302, tradução nossa).
“A frase ou proposizione (oração) é a unidade mínima de comunicação,
dotada de sentido completo” (p. 85, tradução nossa). Frase semplice
(frase simples) é a que tem seus elementos sintáticos organizados em
torno de um único predicado; “Quando, em uma unidade comunicativa,
encontramos mais predicados, tem-se uma frase complessa (frase
complexa) ou período” (p. 86, tradução nossa).
Salvatore Battaglia e
Vincenzo Pernicone
(1994)
Proposizione: “é a unidade elementar, em que se traduz o nosso
pensamento de forma completa”. Período: “uma trama de duas ou mais
orações constitui o período” (p. 278 e 320, tradução nossa).
Giuseppe Pittano
(1974)
“Período é o menor grupo de palavras provido de sentido completo, a
oração é unidade do período” (p. 400, tradução nossa tradução nossa).
Considerando as definições acima, podemos dizer que, em italiano:
 frase pode ser entendida como um enunciado de sentido completo;
 uma frase pode ser nominal, quando não tem verbo, ou verbal, quando tem um ou mais verbos;
 uma frase pode ser semplice (simples) — quando tem um único predicado — ou multipla
(múltipla) — quando tem dois ou mais predicados;
 O termo proposizione significa oração, que é uma unidade do período;
 a frase multipla constitui um periodo e pode ser de dois tipos: composta, quando formada por
proposizioni coordinate, ou complessa, quando formada por proposizioni subordinate ou por uma
combinação de subordinate e coordinate;
 A frase semplice, portanto, não constitui período.
130
Elaboramos o esquema abaixo para facilitar o entendimento da relação que se estabelece
entre os princípios sintáticos italianos aqui analisados:
FRASE
NOMINALE (sem verbos)
VERBALE
SEMPLICE ou SINGOLA (tem uma única oração, logo, tem um verbo)
MULTIPLA = PERIODO (tem duas ou mais orações)
COMPOSTA
con proposizioni coordinate
COMPLESSA
con proposizioni subordinate o subordinate e coordinate
Cabe aqui uma observação importante: em relação à classificação da frase, alguns
gramáticos italianos divergem. Dardano e Trifone (2003) não falam de frase multipla composta;
apresentam apenas duas classificações: semplice e complessa, esta última, referindo-se tanto ao
período por subordinação quanto ao período por coordenação. Tanto que o título do capítulo 12
da Grammatica italiana deles é La sintassi della frase complessa, expressão que eles consideram
sinônima de sintassi del periodo.
No presente trabalho, nós optamos pela classificação de frase apresentada por Francesco
Sabatini (1994) e por Giuseppe Pittano (1974).
Os títulos do capítulo 24 da gramática de Sabatini são La frase multipla “composta”. La
coordinazione; e os títulos do capítulo 25 são La frase multipla “complessa”. La subordinazione
(SABATINI,1994, p. 446-448; p. 456). Para que fique bem clara a posição do autor, vejamos o
que ele afirma sobre a chamada frase multipla:
As frasi multiple [frases múltiplas] se dividem em duas grandes categorias:
— frasi composte [frases compostas] ou coordinate [coordenadas]
— frasi complesse [frases complexas] ou subordinate [subordinadas]
Já Giuseppe Pittano (1974, p. 490, tradução nossa) apresenta as três frases a seguir e
depois explica os tipos de período:
131
1)
2)
3)
Il sole splende.
Il sole splende e l’aria è calda.
Perché il sole splende l’aria è calda.
Como as orações, o período também pode ser:
a) semplice: se é formado por uma única oração (1º exemplo)
b) composto: se é formado por duas ou mais orações independentes (2º exemplo)
c) complesso: se é formado por orações principais e dependentes (3º exemplo)
Aproveitamos para destacar que Giuseppe Pittano considera período a frase semplice, a
que tem uma única oração, como podemos verificar no texto citado acima. Os outros gramáticos,
como já dissemos, só consideram período a frase múltipla, ou seja, a frase que tem duas ou mais
orações.
Outra questão que precisamos ressaltar é que entre os gramáticos italianos, não há um
consenso sobre a definição de frase. Luca Seriani (1999, p. 88, tradução nossa), que considera
frase o mesmo que proposizione, afirma o seguinte:
A definição geral de “frase” que apresentamos neste capítulo [segundo] não é
mais do que uma das muitas possíveis. Trata-se, de fato, de um dos problemas
mais debatidos nos estudos linguísticos, cujas soluções variam notavelmente de
acordo com o quadro de referência teórica (basta lembrar que “o número das
formulações propostas atinge a inacreditável cifra de 300” Stati 1976:7969).
Dardano e Trifone (2003, p. 478, tradução nossa) também reconhecem a dificuldade
italiana para definir frase. O tópico 12.20.1 da sua Grammatica italiana traz o título È difficile
definire la frase (É difícil definir a frase), e afirmam: “Da frase, foram dadas muitas definições:
um estudioso contou umas trezentas! Depende do ponto de vista de que se dispõe”.
No português do Brasil, essa dificuldade, em geral, não existe. Os gramáticos brasileiros
costumam definir frase como um enunciado de sentido completo. Para Sacconi (1990, p.280) e
Azeredo (2010), frase é qualquer comunicação realizada através do uso de palavras; “é a unidade
fundamental do discurso” (AZEREDO, 2010, p. 136). Segundo o Dicionário escolar da língua
portuguesa70, publicado pela Academia Brasileira de Letras (2008, p. 606-607), frase é “unidade
69
STATI 1976: Sorin S., La sintassi, Bologna, Zanichelli.
Obra popular, destinada à grande massa estudantil brasileira, distribuída, inclusive, gratuitamente para os
estudantes do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino da cidade do Rio de Janeiro.
70
132
de comunicação linguística transmissora de uma mensagem, caracterizada por uma entoação que
lhe marca o início e o fim”.
Em relação à frase nominal, cabe fazermos uma observação. Francesco Sabatini (1994, p.
436, tradução nossa) dedica a unidade 23 da sua gramática para tratar desse tipo frasal. Os títulos
da unidade são: As frases sem verbo ou “nominais”: na realidade são enunciados. O “estilo
nominal71. O autor afirma o seguinte (ibid., p. 436, tradução nossa):
Dissemos muitas vezes que a verdadeira e legítima “frase” é uma expressão
linguística de sentido completo que se baseia em um elemento indispensável, o
verbo, que constitui o predicado. Então, verdadeiras e legítimas “frases” sem
verbo (as chamadas “frases nominais”) não existem. Se tiramos o verbo de uma
frase, para que tenha sentido, deve ser pronunciada ou escrita “em situação”: e
então será um verdadeiro enunciado, que adquire o seu significado através dos
outros elementos do contexto.
Francesco Sabatini não considera, portanto, a frase nominal uma frase tão verdadeira e
legítima quanto à frase verbal. Essa visão do autor é, a nosso ver, muito particular e radical.
Vejamos abaixo um exemplo de frase nominal e de frase verbal simples. Daremos
exemplos da frase múltipla mais à frente.
A) FRASE NOMINALE: Antonio, qui subito! (DARDANO E TRIFONE; 2003, p. 94)
B) FRASE VERBALE SEMPLICE O SINGOLA: Mario uscì di casa. (DARDANO E TRIFONE; 2003,p.94)
Consideremos agora a oração. Podemos classificá-la da seguinte forma:
A) Quanto à função: indipendente, principale, reggente, coordinata e subordinata ou dipendente;
B) Quanto ao modo verbal: esplicita e implicita.
A oração indipendente tem sentido completo, isto é, não depende de outra oração para ter
sentido; A frase semplice ou singola — que é a que tem apenas um predicado — é formada por
uma oração indipendente. As orações coordinate (coordenadas) são consideradas indipendenti.
A oração principale faz parte de uma frase múltipla, tanto de tipo composta quanto de tipo
complessa. É um tipo de oração indipendente à qual outras orações se ligam. Na frase multipla
71
Os títulos em italiano são: Le frasi senza verbo o “nominali”: in realtà sono enunciati. Lo “stile nominale”.
133
complessa, essa oração principale passa a se chamar reggente, “porque rege, isto é, sustenta a
dependente ou subordinada” (PITTANO, 1974, p. 484, tradução nossa).
A oração subordinata ou dipendente compõe a frase multipla complessa, juntamente com
a oração reggente.
Quanto ao modo verbal, a oração será esplicita, quando apresentar o verbo na forma
finita, ou seja, flexionado; será implicita, quando o verbo estiver em uma das formas nominais:
implicita d’infinito, di gerundio ou di participio (respectivamente reduzida de infinitivo, de
gerúndio e de particípio).
Giuseppe Pittano (1974, p. 491, tradução nossa) chama a atenção sobre a hierarquia
existente entre as orações:
Como em todas as categorias, entre as orações também há uma hierarquia com
os seus graus: principale, subordinata di 1º grado (aquela que depende da
principale), subordinata di 2º grado (aquela que depende da subordinada de 1º
grau), subordinata di 3º grado (aquela que depende da subordinada de 2º grau)
etc.
Assim, em italiano, teremos os seguintes tipos de periodo:
TIPOS DE PERÍODO
Periodo per coordinazione (ou paratassi)
Periodo per subordinazione (ou ipotassi)
Periodo per coordinazione e per
subordinazione
TIPOS DE ORAÇÕES QUE FORMAM O PERÍODO
Proposizione principale e una o più proposizioni
coordinate
Proposizione reggente e una o più proposizioni
subordinate
Proposizione principale/reggente, proposizioni
subordinate e coordinate
Vejamos um exemplo de cada tipo de frase multipla do italiano; não apresentamos a
classificação completa, porque aqui cabe apenas apontar as orações principale, reggente,
coordinata e subordinata:
A) Exemplo de periodo per coordinazione (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 443):
Piove / e non ho l’ombrello.
1ª prop.
2ª proposizione
134
1ª proposizione: principale
2ª proposizione: coordinata
B) Exemplo de periodo per subordinazione (PITTANO, 1974, p. 491):
Oggi non vengo a scuola / perché non ho fatto il compito / che il professsore ci aveva dato.
1ª proposizione
2ª proposizione
3ª proposizione
1ª proposizione: principale [reggente]
2ª proposizione: subordinata di 1º grado [legata alla reggente]
3ª proposizione: subordinata di 2º grado [legata alla 2ª proposizione]
C) Exemplo de periodo per coordinazione e per subordinazione 72:
Non so / che cosa tu voglia / e che cosa tu cerchi da noi.
1ª prop.
2ª proposizione
3ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: subordinata di 1º grado (subordinata alla reggente)
3ª proposizione: 2ª subordinata di 1º grado (subordinata alla reggente) e coordinata alla 1ª
subordinata di 1º grado
Verifiquemos agora como as gramáticas da língua portuguesa, em geral, apresentam os
mesmos princípios sintáticos:
 Frase é um enunciado com sentido completo73. Os sinais de pontuação que podem encerrar uma
frase são o ponto final, o ponto de exclamação, o ponto de interrogação e as reticências;
 Uma frase pode ser nominal ou verbal. Será nominal quando não tiver um verbo, como no
seguinte enunciado: Que dia lindo! Será verbal se tiver um ou mais verbos ou locuções verbais;
 Um período é uma frase verbal, com um ou mais verbos. Quando tem um verbo ou uma
locução verbal, trata-se de um período simples; quando tem dois ou mais verbos ou locuções
verbais, temos um período composto;
72
73
A frase-exemplo é apresentada por Pittano (1974, p. 496), mas a análise é nossa.
Ter “sentido completo” significa ser capaz de transmitir uma mensagem linguística completa.
135
 Uma oração não precisa ter sentido completo, visto que é um enunciado organizado em torno
de um verbo ou de uma locução verbal, expressando uma ideia;
 O número de orações de uma frase verbal ou período, dependerá do número de verbos ou
locuções verbais que esta frase contenha: termos um verbo ou uma locução verbal, significa
termos uma oração na frase ou período; termos dois verbos ou locuções verbais, significa termos
duas orações, e por aí vai. Quando um período tem uma única oração, esta é classificada como
oração absoluta.
Considerando o que foi exposto até aqui, podemos elaborar o seguinte esquema sobre o
português:
FRASE
NOMINAL (sem verbos)
VERBAL = PERÍODO
SIMPLES (uma única oração: a oração absoluta)
COMPOSTO (duas ou mais orações)
 Há três tipos de período composto em português; vejamos no quadro abaixo quais são:
PORTUGUÊS
TIPOS DE ORAÇÕES QUE FORMAM O PERÍODO
Formado por duas ou mais orações coordenadas
Período composto por coordenação
assindéticas e/ou sindéticas
Formado por uma oração principal e uma ou mais
Período composto por subordinação
orações subordinadas
Período composto por coordenação e por
Formado por uma oração principal e orações
subordinação (ou misto)
subordinadas e coordenadas
Assim, estabelecendo uma análise contrastiva entre italiano e português em relação a estes
conceitos sintáticos, partamos do quadro abaixo para as observações:
ITALIANO
PORTUGUÊS
frase singola (un’unica proposizione)
período simples (oração absoluta)
periodo: frase multipla composta e complessa
período composto
136
A frase singola do italiano é o período simples do português; somente a frase multipla
composta e complessa são consideradas períodos no italiano; correspondem ao período composto
do português.
Essa é uma importante diferença a se destacar: no português, uma oração absoluta já
constitui um período. Em italiano, só temos um período quando temos duas ou mais orações.
Outra diferença significante diz respeito ao modo como o período por coordenação é
formado nas duas línguas. Em italiano, este se forma com uma proposizione principale (oração
principal) e uma ou mais proposizioni coordinate (orações coordenadas). Em português, só
falamos em oração principal no período composto por subordinação. A proposizione principale
do período por coordenação italiano corresponderia, então, à oração coordenada assindética do
português. Existem as expressões sindetica e asindetica, mas não são usadas para a classificação
das orações coordenadas do italiano.
Outra distinção pertinente que temos de fazer é a respeito da locução verbal, que se
apresenta de modo diferente em português e em italiano. Em português, podemos dizer que uma
locução verbal é a união entre um ou mais verbos flexionados que funcionam como auxiliares, e
um verbo principal que se apresenta em uma das três formas nominais (infinitivo, gerúndio ou
particípio. Os verbos que funcionam como auxiliares com mais frequência são ser, estar, ter e
haver, mas outros verbos, como ir, querer, poder, saber, também podem ser auxiliares em
locuções verbais. Algumas palavras, como certas preposições e certos advérbios, podem vir entre
o verbo auxiliar e o verbo principal. Vejamos alguns exemplos (as locuções verbais estão
sublinhadas nas frases):
a) A mesa é feita de madeira.
f) Eles têm sido vistos juntos.
b) Eu não tenho visto Maria.
g) Nós já podemos ir.
c) Ela está estudando agora.
h) Eles sabem falar inglês.
d) Nós queremos sair.
i) A gente não vai vir amanhã.
e) Nós temos de sair.
j) Ele está quase dormindo.
Em italiano, a locução verbal abarca o conceito da língua portuguesa, mas vai além.
Locuções verbais são chamadas também de perifrasi verbali (perífrases verbais). Podem ser
compostas por um verbo e um complemento-objeto (ou outro complemento). Dardano e Trifone
(2003, p. 364) apresentam os seguintes exemplos, que traduzimos entre parênteses:
137
a) aver(e)74 bisogno, aver (il) diritto, aver luogo (ter necessidade, ter (o) direito, ter lugar);
b) dar(e) atto, dar l’avvio, dar congedo, dar luogo, dar peso, dar torto (dar ato, dar início, dar
licença, dar lugar, dar peso, dar errado);
c) far(e) allusione, far finta, far fronte, far uso (fazer alusão, finger, fazer frente, fazer uso);
d) metter(e) mano, metter piede, metter in atto, in azione, in guardia (pôr a mão, pôr o pé, pôr em
prática, pôr em ação, alertar);
e) prender(e) la fuga, aria, prender atto, prender congedo, prender cura, prender gusto, prender
il largo, prender le distanze (fugir, tomar ar, tomar nota, despedir-se, cuidar, tomar gosto, afastarse, tomar distância);
f) tener(e) compagnia, tener conto, tener fede, tener a bada, tener a dieta, tener in sospeso (fazer
companhia, levar em conta, manter a fé, tapear, manter a dieta, manter suspenso).
Giuseppe Pittano (1974, p. 483, tradução nossa) afirma que as locuções verbais formam
uma única oração, e dá exemplos dessas locuções:
Formam entretanto predicado único: [...] c) as locuções verbais como aver fame,
aver sete, aver fretta etc. e as formas perifrásticas, aquelas, isto é, formadas por
perífrases ou expressões como: star per, avere intenzione di, essere in procinto
di, essere lì lì per, essere sul punto di, essere da, proporsi di etc. Exemplos:
Marco ha fame, stavo per scriverti, questa storia è da raccontare.
Luca Serianni (1999, p. 379, tradução nossa), sobre locuções verbais em italiano, afirma o
seguinte:
Comportam-se como verbos também algumas locuções (ditas exatamente
locuções verbais) que compreendem um nome, geralmente não-articulado, ou
um adjetivo: aver bisogno (= abbisognare), andare a cavallo (= cavalcare),
prendere cappello (=offendersi), farsi bello (= compiacersi, vantarsi), farsi vivo
(= presentarsi, dar notizie di sé) etc.
Esse modo da língua italiana de conceber a locução verbal faz muita diferença no
momento de estabelecer a correspondência entre as classificações de algumas orações do italiano
e do português. Como essa concepção de locução verbal não existe no português, as
classificações de algumas orações consequentemente são diferentes. Vejamos um exemplo disso
74
Na locução verbal, quando o verbo se apresenta no infinitivo, é possível omitir-se o “e” final.
138
com uma frase apresentada por Francesco Sabatini (1994, p. 482), ao tratar da proposizione
subordinata sostantiva oggettiva diretta. Seguem a frase e a análise:
Mi rendo conto / di come tu sei preoccupato.
1ª proposizione
2ª proposizione
Francesco Sabatini classifica a primeira oração como reggente e a segunda oração como
proposizione subordinata sostantiva oggettiva diretta. A expressão Mi rendo conto (rendersi
conto) é uma locução verbal em italiano, por isso, toda a segunda oração é vista como um
complemento verbal do tipo objeto direto.
Porém, quando traduzimos a frase para o português e fazemos a análise oracional, o
resultado é diferente, ou seja, a segunda oração não é subordinada substantiva objetiva direta,
como no italiano. Vejamos:
Eu me dou conta / de como você está preocupado.
1ª oração
2ª oração
A primeira oração é a principal, e a segunda é uma oração subordinada substantiva
completiva nominal, porque toda ela está ligada ao substantivo “conta”, que é parte da expressão
“dar-se conta”.
Logo, é preciso estar atento a diferenças como as que apontamos, entre a sintaxe do
período composto do italiano e a do português, para que seja possível o conhecimento adequado
das mesmas.
6.2. Frase multipla composta (Periodo composto per coordinazione)
Como vimos no tópico anterior, o periodo per coordinazione (ou paratassi) é formado por
uma proposizione principale e uma ou mais proposizioni coordinate. É parcialmente diferente do
português, cujo período por coordenação é formado geralmente por orações coordenadas
assindéticas e sindéticas. Também vimos que estas expressões — asindetica e sindetica —
também existem em italiano, mas não são usadas.
139
A coordenação em italiano pode ser feita de duas maneiras: por asindeto (ou
giustapposizione) ou por meio de congiunzioni coordinative. A coordinazione per asindeto é
quando não há conectivo ligando as orações; estas são separadas por sinais de pontuação (vírgula,
ponto e vírgula, dois pontos), como no exemplo abaixo:
Scesi le scale, / uscii dal portone, / chiamai un tassì. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 445)
1ª P
2ª P
3ª P
Nós trataremos da giustapposizione, bem como da chamada correlazione, no tópico 6.2.2
desta tese. Passemos ao próximo tópico, em que trataremos da coordenação por meio das
congiunzioni coordinative.
6.2.1. Proposizioni coordinate
Neste tópico, veremos quais são as chamadas proposizioni coordinate do italiano e as
principais conjunções que as introduzem. Em seguida, verificaremos os tipos de orações
coordenadas em português e as principais conjunções ligadas a elas. Depois apresentaremos as
nossas hipóteses em relação à correspondência entre estas orações das duas línguas, com base
apenas na tradução das conjunções e dos termos que dão nome às classificações. Do tópico
6.2.1.1 ao 6.2.1.7 realizaremos a análise de cada tipo de oração coordenada italiana e, então,
confirmaremos ou refutaremos as referidas hipóteses.
É importante frizarmos que nós nos propomos a apresentar as conjunções e locuções
conjuntivas principais do italiano e do português, ou seja, as que são mais corriqueiras e usuais,
as mais típicas da linguagem coloquial.
Vejamos os quadros que se seguem. O primeiro é da língua italiana 75, e o segundo é do
português76:
75
Com base principalmente na Grammatica italiana de Giuseppe Pittano (1974). Em relação às funções das
conjunções, preferimos manter as informações em italiano.
76
Com base principalmente na Gramática Houaiss, de José Carlos de Azeredo (2010).
140
ITALIANO:
PROPOSIZIONI
COORDINATE
PRINCIPALI CONGIUNZIONI
copulativa
e (ed), pure, inoltre, anche, né, neppure,
neanche, nemmeno
disgiuntiva
o, oppure, ovvero
avversativa
ma, però, tuttavia, eppure, anzi, invece, al
contrario
sostitutiva
ma, bensì
conclusiva o
consecutiva
esplicativa o
dimostrativa
FUNZIONI DELLE CONGIUNZIONI
Colegano, uniscono idee.
Separano due elementi,
escludendone uno.
Contrappongono tra loro due
termini.
Servono a sostituire l’idea presente
nella reggente: il secondo elemento
nega o annula il primo.
quindi, dunque, pertanto, perciò
infatti, cioè, ossia
Servono a concludere cio che si è
detto.
Dichiarano o spiegano un fatto,
un concetto.
PORTUGUÊS:
ORAÇÕES
COORDENADAS
PRINCIPAIS CONJUNÇÕES
FUNÇÕES DAS CONJUNÇÕES
aditiva
e, nem, mas também, mas ainda
Expressam soma, adição.
adversativa
mas, porém, todavia, contudo,
entretanto, no entanto, senão
Exprimem adversidade,
contrariedade, oposição.
explicativa
porque, que, pois (quando anteposto
ao verbo)
Expressam explicação.
conclusiva
logo, portanto, então, pois (quando
posposto ao verbo), por isso
Expressam conclusão.
alternativa
ou, ou...ou, ora...ora, quer...quer,
já...já, seja...seja
Exprimem alternância ou
escolha.
Verifiquemos agora as nossas hipóteses sobre a correspondência entre os tipos de oração
coordenada do italiano e os do português.
A proposizione coordinata copulativa expressa a mesma ideia que a oração coordenada
sindética aditiva do português: soma, adição. As conjunções dessas orações são praticamente as
141
mesmas. As conjunções italianas e (ed), pure, inoltre, anche, né, neppure, neanche e nemmeno
significam, em português, respectivamente: e, também, além disso, também, nem, nem sequer,
tampouco, nem mesmo. As duas orações supracitadas seriam, então, correspondentes.
A proposizione coordinata disgiuntiva: pela sua função e pelas conjunções (que
significam respectivamente ou, ou também/ou melhor, ou/ou bem), corresponderia à oração
coordenada sindética alternativa, quando esta dá ideia de exclusão.
A proposizione coordinata avversativa do italiano e a oração coordenada sindética
adversativa do português expressam a mesma ideia: adversidade, contrariedade, oposição. As
conjunções italianas ma, però, tuttavia, eppure, anzi, invece e al contrario significam
respectivamente mas, porém, todavia, contudo, antes/pelo contrário, ao invés e ao contrário.
Elas têm o mesmo valor semântico das conjunções coordenativas adversativas do português.
Logo, em princípio, podemos dizer que as duas orações em questão são correspondentes.
A proposizione coordinata sostitutiva corresponderia à oração coordenada sindética
adversativa. Suas principais conjunções são ma e bensì, que significam mas e mas sim.
A proposizione coordinata conclusiva o consecutiva e a oração coordenada sindética
conclusiva apresentam a mesma função: expressam conclusão. As conjunções italianas quindi,
dunque, pertanto, perciò são traduzidas respectivamente da seguinte forma: assim, então,
portanto, por isso. As duas referidas orações são correspondentes.
A proposizione coordinata esplicativa o dimostrativa declara ou explica um fato ou um
conceito. Suas conjunções, infatti, cioè, ossia, significam de fato, isto é, ou seja. Oficialmente,
nenhum tipo de oração coordenada da língua portuguesa é introduzida por estas expressões, que
em português são chamadas de expressões denotativas de explicação; elas têm valor de advérbio.
A oração coordenada sindética explicativa e a proposizione coordinata esplicativa, apesar de
terem a mesma função, em princípio, não seriam correspondentes. Entre as orações coordenadas,
esta oração coordenada italiana é a que ofereceria maior dificuldade de aprendizagem por parte
de estudantes brasileiros de italiano como língua estrangeira. Passemos agora para a análise de
cada tipo de oração.
142
6.2.1.1. Proposizione copulativa
Afirmamos, no tópico anterior, que a proposizione coordinata copulativa e a oração
coordenada aditiva são correspondentes. Para confirmarmos esta assertiva, analisemos agora
algumas sentenças. Nas frases do quadro abaixo, as proposizioni copulative e as orações
coordenadas sindéticas aditivas estão sublinhadas.
AUTORES
Dardano e Trifone
(2003, p. 444)
Francesco Sabatini
(1994, p. 449)
EXEMPLOS
1) Lascio qui l’automobile e proseguo a piedi. (Deixo aqui o automóvel
e prossigo a pé.)
2) Marta non viene e nemmeno Laura. (Marta não vem, e nem Laura.)
Cecilia studia e Teresa disegna. (Cecília estuda, e Teresa desenha.)
1) Giorgio esce e compra il giornale. (Jorge sai e compra o jornal.)
Luca Serianni
(1999, p. 535)
2) Non sei il primo né sarai l’ultimo a sbagliare. (Você não é o primeiro
nem será o último a errar.)
Salvatore Battaglia e
Vincenzo Pernicone
(1994, p. 322)
Gli uomini nascono e faticano, inoltre soffrono e gioiscano. (Os homens
nascem e se esforçam, além disso sofrem e se alegram.)
Giuseppe Pittano
(1974, p. 496)
1) Mangiava e beveva senza tante preoccupazioni. ( (Ele/Ela) comia e
bebia sem tantas preocupações.)
2) È un pittore molto ben quotato, inoltre compone dei bellissimi versi.
(É um pintor muito bem quotado, além disso compõe uns lindos versos.)
No quadro acima, todas as frases italianas, apresentadas como “exemplos”, têm, em sua
constituição, uma proposizione coordinata copulativa. Selecionamos frases com diferentes
congiunzioni coordinative copulative. O primeiro passo para a análise foi traduzirmos todas as
frases para o português; depois sublinhamos, nas traduções, as orações coordenadas sindéticas, as
quais analisamos e verificamos serem aditivas. Ao contrastarmos as proposizioni coordinate
copulative com as orações coordenadas sindéticas aditivas, confirmamos que as referidas orações
são correspondentes. Analisemos com mais detalhes algumas dessas frases italianas.
143
ITALIANO:
Frase 1: Tu suoni e io canto. (Luca Serianni, 1999, p. 535)
Análise segundo a gramática italiana:
Tu suoni / e io canto.
1ª prop.
2ª prop.
1ª proposizione: principale
2ª proposizione: coordinata copulativa
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Você toca, / e eu canto.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: coordenada assindética
2ª oração: coordenada sindética aditiva
Como podemos verificar na análise acima, a divisão das frases em orações é a mesma. Em
italiano, a primeira oração é chamada de principale e corresponde à coordenada assindética da
frase em português. As duas orações coordenadas, a do italiano e a do português, são
correspondentes. Em relação às frases acima, temos a observar ainda que, em português, quando
o sujeito da segunda oração não é o mesmo sujeito da primeira, temos de usar vírgula antes da
conjunção que introduz a segunda oração. No italiano essa regra não existe. Analisemos mais
uma frase:
ITALIANO:
Frase 2: Marta non viene e nemmeno Laura (DARDANO; TRIFONE, 2003, p.444).
Análise segundo a gramática italiana:
Marta non viene / e nemmeno Laura.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: principale
2ª proposizione: coordinata copulativa
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Marta não vem, / e nem Laura.
1ª oração
2ª oração
Obs.: Marta não vem, e nem Laura (vem).
1ª oração: coordenada assindética
2ª oração: coordenada sindética aditiva
144
Na frase 2, temos uma combinação de duas conjunções, introduzindo a segunda oração: e
nemmeno (e nem mesmo). A correspondência se estabelece como na frase 1. Por isso,
reafirmamos que a proposizione coordinata copulativa do italiano corresponde à oração
coordenada sindética aditiva do português.
6.2.1.2. Proposizione coordinata disgiuntiva
Como vimos no tópico 6.2.1, a proposizione coordinata disgiuntiva expressa ideia de
exclusão. Vejamos, no quadro abaixo, algumas frases com esta oração italiana.
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone
(2003, p. 445)
È ancora qui o è già andato via? ((Ele) ainda está aqui ou já foi embora?)
Francesco Sabatini
(1994, p. 449)
Sei venuto da solo o c’è anche tua moglie? (Você veio sozinho ou sua
mulher também está?)
Luca Serianni
(1999, p. 540)
Scherzi o fai sul serio? (Você está brincando ou é sério?)
Salvatore Battaglia e
Vincenzo Pernicone
(1994, p. 322)
Stasera leggerò o scriverò oppure sentirò la radio. (Esta noite lerei ou
escreverei ou então ouvirei música.)
Giuseppe Pittano
(1974, p. 496)
Resti con noi o hai deciso altrimenti? (Você fica conosco ou decidiu
outra coisa?)
Analisemos, mais detalhadamente, uma destas frases.
ITALIANO:
Frase 1: È ancora qui o è già andato via? (DARDANO; TRIFONE, 2003, p.445).
Análise segundo a gramática italiana:
145
È ancora qui / o è già andato via?
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: principale
2ª proposizione: coordinata disgiuntiva
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Ainda está aqui / ou já foi embora?
1ª oração
2ª oração
1ª oração: coordenada assindética
2ª oração: coordenada sindética alternativa
Da mesma forma que ocorreu com a proposizione coordinata copulativa, a divisão em
orações da frase 1 italiana e da frase em português neste tópico foi a mesma: a separação ocorre
antes do conetivo,que nesse caso foi o (ou). A primeira oração italiana, principale, corresponde à
primeira oração da frase em português, coordenada assindética. A segunda oração italiana,
coordinata disgiuntiva, corresponde à segunda oração da frase em português, coordenada
sindética alternativa. É importante frizar que, a proposizione coordinata disgiuntiva só
corresponde à oração coordenada alternativa do português no caso em que esta expressa ideia de
exclusão. Não consideramos necessário analisar detalhadamente outros exemplos.
6.2.1.3. Proposizione coordinata avversativa
A hipótese que apresentamos no tópico 6.2.1 sobre a proposizione coordinata avversativa
é que ela é correspondente à oração coordenada sindética adversativa. Vejamos se esta assertiva é
verdadeira, com a análise que fizemos a partir do quadro abaixo:
AUTORES
EXEMPLOS
1) Ti sono amico, ma non posso aiutarti. (Sou teu amigo, mas não posso
te ajudar.)
Dardano e Trifone
(2003, p. 444)
2) I dati sono precisi, però sono incompleti. (Os dados são precisos,
porém estão incompletos.)
Francesco Sabatini
(1994, p. 449)
Volevo parlargli, ma se n’è andato. (Eu queria falar com ele, mas ele foi
embora.)
146
1) È tardi, però non ho sonno. (É tarde, porém não tenho sono.)
Luca Serianni
(1999, p. 537;539)
2) Capisco le tue ragioni, eppure non riesco a convincermi. (Entendo as
tuas razões, contudo não consigo convencer-me.)
Salvatore Battaglia e
Vincenzo Pernicone
(1994, p. 322)
Volevo studiare ma non trovai il tempo per farlo. (Eu queria estudar,
mas não encontrava o tempo para fazer isso.)
Giuseppe Pittano
(1974, p. 496)
Non ha vinto, tuttavia ha ottenuto un tempo apprezzabile. ((Ele/Ela) não
venceu, todavia obteve um tempo apreciável.)
Analisemos detalhadamente duas das frases do quadro, para depois apresentarmos nossas
considerações.
ITALIANO:
Frase 1: Ti sono amico, ma non posso aiutarti. (DARDANO; TRIFONE, 2003, p. 444)
Análise segundo a gramática italiana:
Ti sono amico, / ma non posso aiutarti.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: principale
2ª proposizione: coordinata avversativa
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Sou teu amigo, / mas não posso te ajudar.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: coordenada assindética
2ª oração: coordenada sindética adversativa
ITALIANO:
Frase 2: I dati sono precisi, però sono incompleti. (DARDANO; TRIFONE, 2003, p. 444)
Análise segundo a gramática italiana:
I dati sono precisi, / però sono incompleti.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: principale
2ª proposizione: coordinata avversativa
147
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Os dados são precisos, / porém estão incompletos. 1ª oração: coordenada assindética
1ª oração
2ª oração
2ª oração: coordenada sindética adversativa
Como podemos verificar, analisando as frases acima, é bastante clara a correspondência
entre proposizione coordinata avversativa e oração coordenada sindética adversativa. A primeira
oração das frases em italiano é a principale e corresponde à primeira oração das frases em
português, a coordenada assindética; a segunda oração das frases em italiano é a proposizione
coordinata avversativa, que correponde à segunda oração das frases em português, a coordenada
sindética adversativa. Este tipo de oração coordenada do italiano não apresenta dificuldade para
estudantes brasileiros de italiano como língua estrangeira.
6.2.1.4. Proposizione coordinata sostitutiva
Esta oração é um caso particular de coordenada. Das cinco gramáticas italianas que
utilizamos neste trabalho, apenas duas tratam deste tipo de oração do italiano: a Grammatica
italiana, de Dardano e Trifone (2003, p. 444), e também a Grammatica italiana, de Luca Serianni
(1999, p. 537).
Dardano e Trifone, na obra supracitada, tratam deste tipo de oração dentro do tópico sobre
a coordenação adversativa; os autores explicam que “o contraste parcial caracteriza a oração
adversativa; [...] O contraste total caracteriza, por sua vez, aquela que os linguistas chamam de
proposizione sostitutiva”. A estrutura da avversativa é A però B (A porém B); e a da sostitutiva é
non A bensì B (não A mas sim B). Segundo os autores, as principais congiunzioni avversative são
ma, però, tuttavia e eppure; e as principais congiunzioni sostitutive são ma, bensì, anzi e invece.
Luca Serianni (1999, p. 538) dá praticamente as mesmas informações que Dardano e
Trifone, e acrescenta: “A conjunção fundamental para este tipo de coordenação é ma (mas)
(sempre em posição inicial), que não só é a mais frequente no uso, mas é a única que pode
desenvolver funções seja avversative [...], seja sostitutive”. O autor ainda explica que a conjunção
148
ma pode unir-se a outras congiunzioni avversative ou sostitutive para intensificar uma ideia: ma
però, ma bensì.
Vejamos, no quadro abaixo, os exemplos de proposizioni coordinate sostitutive:
AUTORES
EXEMPLOS
1) Non considerarmi un amico, ma un pericoloso rivale. (Não me
considere um amigo, mas um perigoso rival.)
Dardano e Trifone
(2003, p. 444)
2) I dati non sono imprecisi, bensì del tutto infondati. (Os dados
não são precisos, mas sim de todo infundados.)
3) Lui non è intelligente, ma stupido. (Ele não é inteligente, mas
estúpido.)
Luca Serianni
(1999, p.537-538)
1) Non sbadigliava per il sonno, bensì per la fame. (Não bocejava
pelo sono, mas sim pela fome.)
2) Signore Gesù Cristo [...] non guardare ai nostri peccati, ma alla
fede della tua Chiesa. (Senhor Jesus Cristo [...] não olhe os nossos
pecados, mas a fé da tua Igreja.)
Francesco Sabatini, Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone e Giuseppe Pittano não
tratam dessa oração. Analisemos duas das frases acima.
ITALIANO:
Frase 1: Non considerarmi un amico, ma un pericoloso rivale. (DARDANO;TRIFONE,2003, p.444)
Análise segundo a gramática italiana:
Non considerarmi un amico, / ma un pericoloso rivale.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: principale
2ª proposizione: coordinata sostitutiva
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Não me considere um amigo, / mas um perigoso rival.
1ª oração
2ª oração
149
1ª oração: coordenada assindética
2ª oração: coordenada sindética adversativa
ITALIANO:
Frase 2: Non sbadigliava per il sonno, bensì per la fame. (SERIANNI, 1999, p. 537)
Análise segundo a gramática italiana:
Non sbadigliava per il sonno, / bensì per la fame.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: principale
2ª proposizione: coordinata sostitutiva
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Não bocejava pelo sono, / mas sim pela fome.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: coordenada assindética
2ª oração: coordenada sindética adversativa
Como pudemos verificar nas frases italianas 1 e 2 analisadas acima, a primeira oração
delas é a negação de um fato. Conforme afirmam Dardano e Trifone (2003, p. 444, tradução
nossa): “o primeiro termo da relação é negado e é “substituído” pelo segundo”. Daí o nome da
oração ser sostitutiva, isto é, substitutiva.
Essa nuance oracional não existe na língua portuguesa. A proposizione coordinata
avversativa e a proposizione coordinata sostitutiva correspondem, portanto, à oração coordenada
sindética adversativa.
6.2.1.5. Proposizione coordinata conclusiva o consecutiva
Como vimos no tópico 6.2.1, a proposizione coordinata conclusiva o consecutiva e a
oração coordenada sindética conclusiva expressam conclusão. Vejamos as frases-exemplo no
quadro abaixo, para confirmarmos a correspondência entre essas orações.
150
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone
(2003, p. 445)
Più persone l’hanno visto in città, quindi è sicuramente tornato. (Mais
pessoas o viram na cidade, logo, com certeza ele voltou.)
Francesco Sabatini
(1994, p. 449)
Il film era noioso, perciò non l’ho visto tutto. (O filme era chato, por isso
não o vi todo.)
Luca Serianni
(1999, p. 541)
Don Abbondio in vece [sic] non sapeva altro ancora se non che
l’indomani sarebbe giorno di battaglia; quindi una gran parte della notte
fu spesa in consulte angosciose. (Dom Abondio, ao contrário, não sabia
de nada ainda, a não ser que o dia seguinte seria dia de batalha; então
uma grande parte da noite foi gasta em consultas angustiantes.)
Salvatore Battaglia e
Vincenzo Pernicone
(1994, p. 322)
Giuseppe Pittano
(1974, p. 496)
Tu hai sbagliato, dunque sei colpevole. (Você errou, então é culpado/a.)
Passava i suoi giorni sui libri, pertanto la vista gli si indebolì e dovette
mettere gli occhiali. ( (Ele/Ela) passava os seus dias sobre os livros, por
conseguinte a vista se enfraqueceu e teve que colocar óculos.)
As frases-exemplo do quadro acima têm diferentes conjunções: quindi, perciò, dunque,
pertanto. Todas são sinônimas entre si; uma pode substituir a outra, que o sentido permanecerá o
mesmo. Analisemos uma das frases com mais detalhes.
ITALIANO:
Frase 1: Più persone l’hanno visto in città, quindi è sicuramente tornato.
(DARDANO; TRIFONE, 2003, p. 445)
Análise segundo a gramática italiana:
Più persone l’hanno visto in città, / quindi è sicuramente tornato.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: principale
2ª proposizione: coordinata conclusiva
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
151
Mais pessoas o viram na cidade, / logo, com certeza ele voltou.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: coordenada assindética
2ª oração: coordenada sindética conclusiva
Não há dificuldade com este tipo de oração do italiano, porque, de fato, corresponde à
oração coordenada sindética conclusiva.
6.2.1.6. Proposizione coordinata esplicativa o dimostrativa
Consideramos esta oração italiana um desafio para estudantes brasileiros de italiano como
língua estrangeira. Se considerarmos a tradução da expressão proposizione coordinata
esplicativa, pensaremos imediatamente que esta oração italiana tem sua correspondente em
português na oração coordenada sindética explicativa. Porém, a contrastação destas duas orações
nos leva a questionar se elas são realmente correspondentes, devido a diferenças significativas
entre elas.
A primeira questão a se pensar é o fato de que essas duas orações não têm nenhuma
conjunção em comum. Como vimos no tópico 6.2.1, as principais conjunções da proposizione
coordinata esplicativa são infatti, cioè, ossia, que significam em português respectivamente de
fato, isto é, ou seja. As conjunções da oração coordenada sindética explicativa do português são
porque, que e pois (esta última, quando anteposta ao verbo). As duas orações têm, portanto,
conjunções diferentes.
As duas orações têm praticamente a mesma função: explicar, justificar, esclarecer.
Segundo Dardano e Trifone (2003, p. 445), a estrutura da oração explicativa italiana é A infatti B
(A de fato B) ou A cioè B (A isto é B). Já a estrutura básica da explicativa do português é A
porque B. Vejamos os exemplos no quadro a seguir.
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone
(2003, p. 445)
1) Siamo in ritardo, infatti non c’è più nessuno. (Estamos atrasados, de
fato, não há mais ninguém.);
152
Dardano e Trifone
(2003, p. 445)
2) Luisa è mia cognata, cioè ha sposato mio fratello. (Luísa é minha
cunhada, / isto é, casou-se com meu irmão.)
Francesco Sabatini
(1994, p. 449)
Ugo era molto stanco, infatti non è venuto. (Hugo estava muito cansado,
de fato não veio.)
Luca Serianni
(1999, p. 543)
Scrivo queste cose in italiano, cioè le traduco in un’altra lingua. (Escrevo
estas coisas em italiano, isto é, traduzo-as em uma outra língua.)
Giuseppe Pittano
(1974, p. 496)
È arrivato tutto bagnato; infatti fuori pioveva. ( (Ele) chegou todo
molhado; de fato, lá fora chovia.)
Consideremos primeiro o tipo de relação estabelecido entre as orações das frases. As duas
orações que compõem cada frase do italiano e do português são independentes entre si; logo,
entre elas se estabelece uma relação de coordenação. Temos, então, nas frases em português, dois
tipos de oração coordenada, sendo pelo menos uma delas assindética (a primeira).
Consideremos agora as conjunções da oração explicativa italiana em questão: cioè, infatti,
ossia. Conforme já dissemos, essas expressões, traduzidas para o português, significam isto é, de
fato, ou seja. No português, essas expressões são classificadas como locuções denotativas de
explicação. Não pertencem, segundo a NGB, a nenhuma classe gramatical, embora sejam
consideradas semelhantes a advérbios. Como já são classificadas como locuções denotativas de
explicação, as orações introduzidas por essas expressões deveriam ser classificadas, a nosso ver,
como coordenadas sindéticas explicativas. Analisemos mais detalhadamente duas frases do
quadro.
ITALIANO:
Frase 1: Siamo in ritardo, infatti non c’è più nessuno. (DARDANO; TRIFONE, 2003, p.445)
Análise segundo a gramática italiana:
Siamo in ritardo, / infatti non c’è più nessuno.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: principale
2ª proposizione: coordinata esplicativa
153
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Estamos atrasados, / de fato, não há mais ninguém.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: coordenada assindética
2ª oração: coordenada sindética explicativa (posicionamento nosso)
ITALIANO:
Frase 2: Luisa è mia cognata, cioè ha sposato mio fratello.(DARDANO; TRIFONE, 2003, p. 445)
Análise segundo a gramática italiana:
Luisa è mia cognata, / cioè ha sposato mio fratello.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: principale
2ª proposizione: coordinata esplicativa
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Luísa é minha cunhada, / isto é, casou-se com meu irmão.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: coordenada assindética
2ª oração: coordenada sindética explicativa (posicionamento nosso)
Assim, pelos argumentos que apresentamos, resolvemos optar por classificarmos a
proposizione coordinata esplicativa do italiano como oração coordenada sindética explicativa.
É interessante observar que duas das frases do quadro de exemplos poderiam ter suas
conjunções substituídas por perché, e as frases continuariam a ter sentido, mas a classificação das
orações mudaria. Vejamos:
1) Luisa è mia cognata, cioè ha sposato mio fratello. (DARDANO E TRIFONE, 2003)
2) È arrivato tutto bagnato; infatti fuori pioveva. (PITTANO, 1999)
Substituindo as conjunções cioè e infatti pela conjunção perché, teríamos:
154
1) Luisa è mia cognata, perché ha sposato mio fratello.
2) È arrivato tutto bagnato, perché fuori pioveva.
As orações sublinhadas seriam classificadas como proposizioni subordinate avverbiali
causali. Traduzindo estas frases para o português e analisando as orações, verificaríamos que a
classificação da segunda oração também seria subordinada adverbial causal.
Já na frase abaixo, infatti não poderia ser substituído por perché, do contrário, a frase não
teria sentido. Vejamos:
Ugo era molto stanco, infatti non è venuto. (SABATINI, 1994)
Ugo era molto stanco, perché non è venuto. (enunciado sem sentido)
Em português, há dificuldade para se distinguir a oração coordenada sindética explicativa
da oração subordinada adverbial causal, porque essas orações podem ser introduzidas pela mesma
conjunção porque. A distinção entre uma e outra fica a cargo da interpretação da frase, da sua
carga semântica. Assim, conforme explica Ataliba de Castilho (2010, p. 348), nas frases:
A) A rua está molhada porque choveu.
B) Choveu, porque a rua está molhada.
Temos uma oração subordinada adverbial causal na frase A (sublinhada), e uma oração
coordenada sindética explicativa na frase B (sublinhada). Castilho explica que “considera-se
causal a sentença a cujo conteúdo proposicional está associado um efeito ou consequência,
verbalizado na sentença principal”. A frase B expressa uma explicação e não uma causa, porque,
por uma questão de lógica, “rua molhada” não pode ser causa, e “chover”, efeito, mas sim o
contrário.
Em italiano, não há confusão entre proposizione coordinata esplicativa e proposizione
subordinata avverbiale causale, porque estas orações não compartilham nenhuma conjunção.
Pelo contrário, elas têm conjunções bem diferentes.
Quando tratarmos da proposizione subordinata avverbiale causale, voltaremos a tratar da
oração coordenada sindética explicativa do português.
155
6.2.2. Correlazione e giustapposizione
A chamada correlazione do italiano é o mesmo que, em português, chamamos de
correlação. É um tipo especial de combinação de orações. Segundo Ataliba de Castilho (2010, p.
387), o referido termo significa “relacionamento simultâneo”.
Em português, pode haver correlação tanto com orações coordenadas quanto com
subordinadas; os pares correlativos se formam de duas maneiras: por repetição do mesmo
elemento conjuntivo (correlatas espelhadas77); por repetição de elementos conjuntivos distintos
(correlatas não-espelhadas). Assim, há oração correlata aditiva, alternativa, comparativa,
consecutiva, proporcional, equiparativa etc.. Vejamos alguns exemplos apresentados por Ataliba
de Castilho (2010, p. 386); as conjunções78 estão sublinhadas:
A) O aluno não só estuda como também trabalha. (correlação aditiva)
B) Você ou estuda ou trabalha, as duas coisas ao mesmo tempo serão muito difíceis. (correlação
alternativa)
C) Apareceu com um perfume tão adocicado quanto enjoativo. (correlação comparativa)
Entre os gramáticos brasileiros há discordância a respeito do estatuto da correlação.
Ataliba de Castilho (2010) apresenta-a como um terceiro tipo de relação intersentencial, ao lado
da coordenação e da subordinação. Já Câmara Jr. (1975, p. 62-69) vê tanto a correlação quanto a
justaposição como modalidades da coordenação e da subordinação. O resultado dessa
discordância é que as gramáticas — não só as da língua portuguesa, mas também as italianas —
acabam apresentando esse tópico gramatical de maneira por vezes confusa. Em geral, o que
prevalece é a visão de Câmara Jr..
As gramáticas italianas que abordam a correlazione o fazem dentro da parte da
coordinazione. Em geral, a explicação sobre essa forma de combinar orações é dada através de
pequena observação, com poucos exemplos.
Para Dardano e Trifone (2003, p. 445), há particelle correlative (partículas correlativas),
que formam proposizioni copulative, avversative, disgiuntive. Os autores (ibid., tradução nossa)
77
Todas as correlatas alternativas formam-se por espelhamento: já...já, nem...nem, ora...ora, ou...ou, quer...quer,
seja...seja.
78
Ataliba de Castilho (2010, p. 386) chama certas conjunções que formam a correlação de conjunções complexas.
156
afirmam o seguinte sobre correlação: “A coordinazione copulativa, avversativa e disgiuntiva
pode ser reforçada por palavras correlativas (e ... e, nem ... nem, não só ... mas, ou ... ou)”.
Francesco Sabatini (1994, p. 450, tradução nossa) afirma que há muitas formas de
coordenação por correlação: “quando se têm duas frases correlatas, o significado de uma se
esclarece somente se ligado ao significado da outra”.
Luca Serianni (1999, p. 543-544) fala em nessi correlativi (nexos correlativos). O autor
afirma (ibid., tradução nossa) que, em geral, esses nexos “marcam uma coordenação copulativa,
mesmo quando são parcialmente compostos por conjunções adversativas (mas) ou disjuntivas
(ou)”.
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p. 264), na sua Grammatica italiana,
tratam da correlação no capítulo sobre conjunções, na parte 3, que trata da conjunção o (ou). Eles
afirmam o seguinte (ibid., tradução nossa):
Para conferir à expressão uma maior intensidade, costuma-se repetir a partícula
disjuntiva o também para o primeiro termo: [...] ‘La sera o lavoro o leggo’, ‘O
vivere o morire’, ‘O Roma o morte’, ‘O vinciamo o siamo perduti’ etc. A relação
destes dois “os” diz-se que é “correlativa”.
Giuseppe Pittano (1974, p. 496), fala em conjunções coordenativas correlativas e cita-as
ao lado das copulative, disgiuntive, avversative, dichiarative e conclusive. Vejamos exemplos de
correlação italiana no quadro a seguir.
AUTORES
EXEMPLOS
1) O parte subito o dovrà restare qui un’altra settimana.
(p. 482, exercício 5, n.7; Ou parte imediatamente ou deverá
ficar aqui mais uma semana.)
Dardano e Trifone
(2003)
2) Né parla né lascia parlare. (p. 445; Nem fala, nem deixa
falar.)
3) Non solo l’ho detto, ma l’ho ripetuto molte volte.
(p. 445; Eu não somente disse, mas repeti muitas vezes.)
Francesco Sabatini
(1994, p. 449;p. 450)
79
1) O vieni tu, o vengo io. (Ou vem você, ou venho eu.79)
A tradução também poderia ser a seguinte: Ou vai você, ou vou eu.
157
2) Come lo scrittore compone romanzi, così il pittore dipinge
quadri. (Assim como o escritor compõe romances, assim o
pintor pinta quadros.)
Francesco Sabatini
(1994, p. 449;p. 450)
3) Non soltanto è venuto Carlo, ma anche Giovanni mi ha
telefonato. (Não somente Carlos veio, mas também Giovanni
me telefonou.)
4) Da una parte vorrei uscire, dall’altra non mi sento bene.
(Por um lado, eu queria sair, por outro, não me sinto bem.)
5) Ora si entusiasma, ora si abbatte. (Ora se entusiasma, ora se
abate.)
1) Non solo ho perso il treno, ma mi hanno anche rubato i
bagagli. (Não só perdi o trem, mas me roubaram também as
bagagens.)
Luca Serianni (1999, p. 544)
2) La realtà non soltanto era recente ma presente ancora. (A
realidade não somente era recente, mas presente ainda.)
3) Mio padre, non solo non amava la musica, ma la odiava.
(Meu pai não só não amava a música, mas a odiava.)
1) La sera o lavoro o leggo. (À noite, ou eu trabalho ou leio.)
Salvatore Battaglia e Vincenzo
Pernicone (1994, p. 264)
2) O vivere o morire. (Ou viver ou morrer.)
3) O Roma o morte. (Ou Roma ou morte.)
1) O si vince o si muore. (Ou se vence ou se morre.)
Giuseppe Pittano
(1974, p. 389; p. 496)
2) Né dormiva, né permetteva agli altri di dormire. ( (Ele/Ela)
nem dormia, nem permitia aos outros dormir.)
3) Non solo non è venuto, ma non ha neanche avvertito. (Ele
não só não veio, mas nem mesmo avisou.)
Analisemos três frases apresentadas no quadro:
158
ITALIANO:
Frase 1: O parte subito o dovrà restare qui un’altra settimana. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 482)
Análise por dedução (os autores não apresentam análise):
O parte subito / o dovrà restare qui un’altra settimana.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: coordinata disgiuntiva per correlazione
2ª proposizione: coordinata disgiuntiva per correlazione
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Ou parte agora / ou deverá ficar aqui mais uma semana.
1ª oração
2ª oração
Tanto a 1ª quanto a 2ª oração são coordenadas sindéticas alternativas por correlação
ITALIANO:
Frase 2: Né parla né lascia parlare. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 445)
Análise por dedução com base no conteúdo teórico apresentado pelos autores:
Né parla / né lascia parlare.
1ª prop.
2ª proposizione
1ª proposizione: coordinata copulativa per correlazione
2ª proposizione: coordinata copulativa per correlazione
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Nem fala, / nem deixa falar.
1ª oração
2ª oração
Tanto a 1ª quanto a 2ª oração são coordenadas
sindéticas alternativas por correlação
ITALIANO:
Frase 3: Non solo l’ho detto, ma l’ho ripetuto molte volte. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 445)
Análise por dedução com base no conteúdo teórico apresentado pelos autores:
159
Non solo l’ho detto, / ma l’ho ripetuto molte volte.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: coordinata copulativa per correlazione
2ª proposizione: coordinata copulativa per correlazione
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Eu não somente disse, / mas repeti muitas vezes.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: coordenada assindética
2ª oração: coordenada sindética aditiva por correlação
Na análise das três frases italianas e das frases em português, classificamos as orações de
acordo com os tipos de coordenadas, como de costume, e informamos a ocorrência de
coordenação por correlação. Verificamos que esse tipo de combinação de orações, conforme
afirma Azeredo (2010, p. 351), dá realce às unidades conectadas: “A correlação é um expediente
retórico, de rendimento enfático no discurso, e não um processo sintático distinto da coordenação
e da subordinação”.
Vejamos agora sucintamente a questão da giustapposizione. Na gramática do português, a
expressão justaposição está ligada à Morfologia e à Sintaxe. Na Morfologia, refere-se ao tipo de
formação de palavras que consiste na junção de dois ou mais vocábulos, para que formem um
vocábulo novo, sem que haja perda de fonemas ou mudança na acentuação, ou seja, sem
alteração fonética. São exemplos de justaposição as palavras couve-flor, salário-família,
passatempo, girassol, guarda-chuva, vaivém.
Na Sintaxe, tanto do português quanto do italiano, justaposição é um tipo de combinação
de orações, caracterizado pela ausência de conectivo; a separação entre as orações é feita através
de vírgula, ponto e vírgula ou dois pontos. Ataliba de Castilho (2010, p. 337-338) explica o
seguinte sobre a justaposição: “A Gramática Tradicional trata as justapostas como coordenadas
assindéticas, ou seja, coordenadas não conjuncionais. Sentenças justapostas podem ser
convertidas em sentenças conjuncionais”. O autor dá os seguintes exemplo:
Orações ligadas por justaposição: Não pagou, foi para a cadeia.
As mesmas orações do exemplo, ligadas por conectivo: Foi para a cadeia porque não pagou.
160
As gramáticas italianas tratam da giustapposizione dentro da coordenação. Dardano e
Trifone (2003, p. 445), na sua Grammatica italiana, no capítulo 12, apresentam uma pequena
observação sobre coordinazione per asindeto (coordenação por assíndeto): “[...] é obtida sem o
auxílio de nenhum tipo de conjunção”.
Francesco Sabatini (1994, p. 302-303) explica que a justaposição e a coordenação formam
as frases múltiplas compostas do italiano. Destacamos uma observação interessante que o autor
faz sobre o primeiro tipo de ligação (ibid., p. 448):
O tipo de frase múltipla por justaposição é claramente o mais simples [...]; no
entanto, não é o mais frequente. A eliminação de qualquer conjunção requer um
maior esforço de interpretação da relação entre as frases individuais justapostas:
pode-se acrescentar a isso a eficiência da expressão, e, de fato, a justaposição é
frequente nos discursos “em situação” (onde o contexto ajuda a explicar) ou nos
textos literários.
O uso de conectivos para ligar orações é, portanto, mais frequente do que o uso da
justaposição das sentenças, porque os conectivos facilitam a interpretação das frases, tornando a
comunicação mais rápida e eficiente. Porém, como explica Sabatini, a justaposição também
ocorre com certa frequência em determinados contextos. Luca Serianni (1999, p. 531-532)
apresenta o mesmo tipo de observação:
As orações são aproximadas sem nenhuma ligação formal (mas graficamente o
limite da frase é indicado, em geral, por um sinal de pontuação). Trata-se de uma
construção muito frequente, seja na fala corrente (e na sua reprodução literária),
seja na prosa artística, em particular na do século XX.
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994, p. 322) afirmam que uma das maneiras
de formar período por coordenação é “por simples aproximação lógica, que, na escrita, é marcado
com a mais breve pausa, a vírgula”. De fato, a separação das orações justapostas feita por vírgula
é a mais comum.
Giuseppe Pittano (1974, p. 496), na sua Grammatica italiana, não fala em
giustapposizione, mas sim em coordinazione per asindeto, explicando que trata-se de uma
ligação de orações feita “sem conjunções, mas por simples aproximação, pela qual as orações são
separadas por vígulas, pontos e vírgulas, dois pontos”.
161
Vejamos exemplos apresentados pelos autores italianos a que nos referimos.
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone (2003, p. 445)
Scesi le scale, uscii dal portone, chiamai un tassì. (Desci as
escadas, saí pelo portão, chamei um táxi.)
1) Io ridevo, lui piangeva. (Eu ria, ele chorava.)
Francesco Sabatini
(1994, p. 448)
2) Il film era noioso, non l’ho visto tutto. (O filme era chato,
não o vi todo.)
3) Volevo parlargli, se n’è andato. (Eu queria falar com ele,
ele foi embora.)
Luca Serianni (1999, p. 544)
Tu non ricordi; altro tempo frastorna la tua memoria 80. (Você
não lembra; um outro tempo atordoa a tua memória.)
Salvatore Battaglia e Vincenzo
Pernicone (1994, p. 322)
Il cane è un animale fedele, difende il padrone, custodisce la casa, fa
la guardia agli armenti, è indispensabile alla caccia, ecc. (O cão é
um animal fiel, defende o dono, protege a casa, toma conta do
rebanho, é indispensável na caça etc.)
Giuseppe Pittano (1974)
Fabio si alzò, aprì la finestra, si stropicciò gli occhi, guardo
fuori con stupore: i tetti erano ricoperti di neve. (Fábio
levantou-se, abriu a janela, esfregou os olhos, olhou pra fora
com espanto: os telhados estavam cobertos de neve.)
A justaposição é, portanto, uma forma de ligação de orações com a qual é preciso atenção,
para que, na ausência de conectivo, o tipo de relação intersentencial estabelecido — adição,
adversidade, causa etc. — seja compreendido. Analisando algumas das frases do quadro, temos o
seguinte: a frase-exemplo de Dardano e Trifone expressa adição; a frase Il film era noioso, non
l’ho visto tutto, de Francesco Sabatini, expressa causa; a frase-exemplo de Salvatore Battaglia e
Vincenzo Pernicone e a de Giuseppe Pittano expressam soma, adição de fatos; e a frase Volevo
parlargli, se n’è andato, de Francesco Sabatini, expressa adversidade.
80
Montale, La casa dei doganieri, 10-11; L’opera in versi. Torino: Einaldi, 1980.
162
6.2.3. Quadro resumitivo da proposta de correspondência entre as orações coordenadas do
italiano e as do português do Brasil:
ITALIANO
PORTUGUÊS
copulativa
aditiva
disgiuntiva
alternativa
avversativa
adversativa
sostitutiva
adversativa
conclusiva o consecutiva
conclusiva
esplicativa o dimostrativa o
dichiarativa
explicativa81
Como podemos verificar no quadro, a coordenação do italiano e a do português são bem
parecidas. A nosso ver, devemos ter mais atenção com a disgiuntiva, com a sostitutiva e com a
esplicativa. A sostitutiva, como vimos, é um tipo específico de adversativa; e a esplicativa é um
caso polêmico, porque as conjunções italianas que a introduzem não são conjunções no
português, mas sim palavras denotativas de explicação.
As outras orações, a nosso ver, não apresentam dificuldade para estudantes brasileiros.
6.3. Frase multipla complessa (periodo composto per subordinazione e periodo misto)
Conforme vimos no tópico 6.1 desta tese, a frase verbal italiana se divide em frase
semplice, que tem um único predicado, e em frase multipla, que tem dois ou mais predicados,
constituindo período. A frase multipla, por sua vez, se divide em composta, que é o período por
coordenação, e em complessa, que abrange o período por subordinação e o período misto, isto é,
por coordenação e por subordinação. Elaboramos o esquema abaixo para destacar esses tipos de
frases/períodos e suas orações:
81
A explicativa a que nos referimos não é a descrita pelas gramáticas tradicionais do português, mas sim uma
explicativa “ampliada”, isto é, ao invés de ser uma oração introduzida somente pelas conjunções tradicionais porque,
que e pois, seria introduzida também, como no italiano, pelas locuções denotativas de explicação de fato, isto é, ou
seja, conforme propomos no tópico 6.2.1.6 desta tese.
163
COMPOSTA
proposizione principale + proposizioni coordinate
FRASE
MULTIPLA
PERIODO PER SUBORDINAZIONE:
COMPLESSA
proposizione reggente + proposizioni subordinate
PERIODO PER COORDINAZIONE E PER SUBORDINAZIONE:
prop. principale e/o reggente + prop. ccoordinate e subordinate
No tópico 6.1, apresentamos exemplos desses tipos de período. No tópico 6.2, tratamos da
frase multipla composta; no presente tópico, trataremos da frase multipla complessa; o nosso
foco será o periodo composto per subordinazione. Não trataremos do período misto, porque o
nosso objetivo, nesse caso, é tão somente verificar os tipos de orações subordinadas do italiano,
para podermos realizar o estudo contrastivo com a língua portuguesa.
Vimos, no mesmo tópico 6.2, que proposizione principale é um tipo de proposizione
indipendente a qual outras orações se ligam; uma proposizione indipendente é uma oração que
tem sentido completo, que não depende de outra oração para ter sentido. As proposizioni
coordinate são proposizioni indipendenti. Já a proposizione reggente “rege” as orações
subordinadas na frase multipla complessa. A combinação de reggente e subordinate forma o
sentido completo da frase. Vale observar que uma “proposizione subordinata pode ser, ao mesmo
tempo, dependente e reggente” de outras subordinadas (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 447).
Vimos ainda que a oração subordinada italiana pode ser esplicita (desenvolvida) ou
implicita d’infinito, di gerundio ou di participio (reduzida de infinitivo, gerúndio ou particípio).
Verifiquemos agora quais são os tipos de orações subordinadas do italiano.
Das cinco principais gramáticas italianas que usamos nesta tese, três delas apresentam as
orações subordinadas organizadas em três grupos; no quadro abaixo indicamos quais são esses
grupos (identificamos as gramáticas pelos nomes dos autores):
AUTORES
DARDANO E TRIFONE (2003)
FRANCESCO SABATINI (1994)
GIUSEPPE PITTANO (1974)
GRUPOS DAS ORAÇÕES SUBORDINADAS
completive
completive
sostantive
attributive
relative
aggettive
circostanziali
circostanziali
complementari
164
Luca Serianni (1999, p. 548) preferiu não usar classificações dessa natureza e se justifica:
Vários são os critérios de classificação das subordinadas. O procedimento que
goza de maior sorte junto aos gramáticos consiste em reconduzir a estrutura do
período para a da frase semplice, individuando, nos elementos constitutivos
desta (sujeito, objeto, complementos indiretos, adjuntos) os mesmos modelos
utilizados para descrever a função da frase no período. [...] Na realidade,
nenhuma tipologia é capaz de dar conta satisfatoriamente das várias
subordinadas. No curso da nossa exposição, nós trataremos de modo autônomo
cada oração secundária, evitando colocá-la forçosamente entre categorias gerais,
não deixando, porém, de destacar eventuais analogias com as partes da frase
semplice [...].
Apesar do que Serianni expõe na citação acima, o autor fala em proposizioni completive,
referindo-se a duas orações subordinadas: a soggettiva e a oggettiva. As outras orações ele
apresenta individualmente. Dardano e Trifone (2003, p. 448) e Francesco Sabatini (1994, p. 480485) também falam em proposizioni completive. Sabatini, assim como Serianni, chama de
completive a soggettiva e a oggettiva.
Já Dardano e Trifone consideram completive todas as seguintes orações: soggettiva,
oggettiva, dichiarativa e interrogativa indiretta. Para estes autores, completive são as oração que
exercem função de sujeito e de complemento objeto; attributive são as que têm função de
“atributo”, ou seja, de adjunto adnominal ou de aposto; circostanziali são as que exercem função
de adjuntos adverbiais.
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994) não usam as classificações do quadro
acima. Apresentam diretamente os tipos de orações subordinadas.
Nesta tese, nós usaremos a nomenclatura abaixo:
ITALIANO
PORTUGUÊS
sostantiva
substantiva
relativa
adjetiva
avverbiale
adverbial
Passemos agora para o estudo detalhado das proposizioni subordinate sostantive.
165
6.3.1. Proposizioni subordinate sostantive
Giuseppe Pittano (1974, p. 498) afirma claramente na sua Grammatica Italiana: as
proposizioni subordinate sostantive são “as que correspondem a um substantivo”. O autor dá o
seguinte exemplo:
Fabio riconosce che tu hai ragione. ( = la tua ragione)
Na frase acima, conforme explica Pittano, a oração subordinada pode ser substituída pela
expressão la tua ragione, cujo núcleo é um substantivo. Podemos apontar quatro tipos de orações
subordinadas substantivas em italiano, os quais elencamos no quadro abaixo, juntamente com
seus respectivos conectivos (conjunções, advérbios, pronomes):
ITALIANO
PRINCIPAIS CONJUNÇÕES
soggettiva
che
oggettiva
che, come (raro)
dichiarativa
Che (precedido de um pronome demonstrativo, acompanhado ou
não de um substantivo: cio, questo punto / fatto / circostanza)
interrogativa indiretta
Se
Chi, che, che cosa, come, quando, dove, perché, quanto, quale
Analisaremos cada uma dessas orações nos próximos subtópicos, então não
apresentaremos exemplos agora.
Em português, as orações subordinadas substantivas também exercem as funções
sintáticas próprias de um substantivo, que são: sujeito, objeto direto, objeto indireto, predicativo,
complemento nominal e aposto. Assim, como são seis as funções, há seis tipos de orações
subordinadas substantivas. No quadro abaixo, identificamos esses tipos e as suas conjunções,
chamadas de integrantes, que podem vir acompanhadas de preposição:
PORTUGUÊS
PRINCIPAIS CONJUNÇÕES
subjetiva
que
objetiva direta
que, se
166
objetiva indireta
de que
completiva nominal
de que, a que
predicativa
que
apositiva
que
As conjunções integrantes que e se funcionam apenas como conectivos, não exercem
função sintática na oração. Além dessas conjunções, outras palavras (pronomes ou advérbios
interrogativos) podem introduzir orações subordinadas substantivas: como, quando, por que,
quanto, quem, onde. Vejamos alguns exemplos (TERRA, 2007, p. 306):
ORAÇÃO PRINCIPAL
ORAÇÃO SUBORDINADA SUBSTANTIVA
Eles não sabem
como você resolveu o problema.
Perguntei
Não sei
quando era o exame.
por que és tão vaidosa.
Indagamos
Não sei
quanto custou o produto.
quem disse tal coisa.
Perguntei ao guarda
onde ficava o mercado.
Vale destacar a explicação de Ernani Terra (2007, p. 306) sobre como identificar a função
sintática das orações substantivas: “Existe um recurso muito difundido para reconhecer a função
sintática exercida pela oração subordinada substantiva: basta substituí-la pela palavra isso. A
função sintática da palavra isso será a mesma que a oração subordinada exerce”. O autor cita o
seguinte exemplo:
A) Desejo
que todos voltem.
B) Desejo
isso.
Na frase B, a função sintática do pronome isso é objeto direto; a oração que todos voltem
será, então, subordinada substantiva objetiva direta.
Nos próximos subtópicos, analisaremos cada tipo de proposizione subordinata sostantiva
e realizaremos a contrastação com os tipos de oração subordinada substantiva do português do
Brasil.
167
6.3.1.1. Proposizione soggettiva
A proposizione soggettiva exerce função de sujeito da proposizione reggente. De acordo
com Dardano e Trifone (2003, p. 451-453), a soggettiva pode depender de:
 verbos impessoais, como accadere, avvenire, bisognare, capitare, convenire, ocorrere;
 verbos usados impessoalmente como dirsi, credersi, narrarsi, sperarsi, pensarsi etc.;
 expressões impessoais, formadas pelo verbo essere mais um adjetivo ou um substantivo, como
è ora, è tempo (locuções temporais), è bello, è male, è giusto, è necessario, è opportuno, è noto
(predicados neutros) etc..
A forma esplicita (desenvolvida) dessa oração apresenta o verbo nos modos indicativo,
congiuntivo ou condizionale; a forma implicita (reduzida) traz o verbo no infinitivo.
A maioria dos autores das cinco principais gramáticas italianas que utilizamos apresenta
um número grande de exemplos para esse tipo de oração. Francesco Sabatini (1994), por
exemplo, somente na parte 2 — Le frasi “soggettive” — do capítulo 26 da sua gramática,
apresenta aproximadamente 22 frases.
Ao realizarmos o estudo desta oração italiana, verificamos que esta corresponde a três
tipos de orações do português: subordinada substantiva subjetiva, subordinada substantiva
predicativa e subordinada adjetiva. Analisaremos cada caso a seguir.
A) Proposizione subordinata sostantiva soggettiva como oração subordinada substantiva
subjetiva
Essa é a correspondência mais natural entre a oração italiana em questão e uma oração do
português. Apresentaremos, no quadro abaixo, as frases que selecionamos para analisarmos a
referida correspondência. Lembramos que as frases são das cinco principais gramáticas italianas
usadas na tese e que as orações subordinadas, tanto em italiano quanto em português, estão
sublinhadas.
168
AUTORES
EXEMPLOS
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Conviene che io vada. (p. 451; Convém que eu vá.);
2) È meglio che ci rassegniamo. (p. 451; É melhor que nos conformemos.)
Dardano e
Trifone
(2003)
IMPLICITE (reduzidas):
3) Conviene aspettare. (p. 452; Convém esperar.)
4) Si spera di ritrovargli. (p. 452; Espera-se encontrá-lo/los.)
5) Mi dispiace (di) importunarla a quest’ora. (p. 452; Desagrada-me importuná-la a
esta hora.82)
6) Mi sembra di aver capito. (p. 451; Parece-me ter entedido.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) È necessario che tu parta. (p. 483; É necessário que você parta.)
2) Basta che tu mi avverta prima. (p. 484; Basta que você me avise antes.)
Francesco
Sabatini
(1994)
3) È bene che tu non perda tempo. (p. 484; É bom que você não perca tempo.)
IMPLICITE (reduzidas):
4) Si prega di non fumare. (p. 485; Pede-se para não fumar.)
5) È bello godersi le vacanze. (É bom aproveitar as férias.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
Luca
Serianni
(1999)
82
1) Sembra che ci sia qualche difficoltà. (p. 564; Parece que há alguma dificuldade.)
2) Può darsi che così stiano veramente le cose. (p. 566; Pode ser que assim estejam
realmente as coisas.)
Em relação aos verbos piacere e dispiacere, há importante observação a se fazer: podemos traduzir esses verbos de
maneiras diferentes, e isso altera a estrutura frasal. Podemos traduzi-los respectivamente como agradar e
desagradar; esses dois verbos do português são transitivos indiretos e formam a estrutura “algo/alguém
agrada/desagrada a alguém”, ou seja, sujeito + verbo + objeto indireto; nesse caso, a oração subordinada faz o papel
de sujeito da frase, logo, será uma oração subordinada substantiva subjetiva; preferimos essa tradução. A outra
tradução para piacere e dispiacere é gostar e desgostar (ou usando-se a expressão “não gostar”, que é mais comum);
esses verbos do português também são transitivos indiretos, mas, nesse caso, a oração subordinada não exerce papel
de sujeito, mas sim de objeto indireto; a estrutura será sujeito + verbo + objeto indireto, mas correspondendo a
“algo/alguém gosta/desgosta de algo/alguém”; a subordinada será, então, substantiva objetiva indireta.
169
IMPLICITE (reduzidas):
Luca
Serianni
(1999)
3) Sembra opportuno rinviare l’incontro. (. 564; Parece oportuno adiar o encontro.)
6) Non mi va di dormire. (p. 565; Não fica bem eu dormir.)
7) Bisogna riflettere con calma. (Convém refletir com calma.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
Salvatore
Battaglia e
Vincenzo
Pernicone
(1994, p. 331)
1) Si dice che la terra gira intorno al sole. (Diz-se que a terra gira em torno do sol.)
2) Conviene che voi studiate. (Convém que vocês estudem.)
3) È bello che tu l’abbia fatto. (É bom que você tenha feito isso.)
IMPLICITE (reduzidas): Não apresentam.
ESPLICITE (desenvolvidas):
Giuseppe
Pittano
1) È bene che tu te ne parta. (É bom que você se afaste.)
2) È evidente che hai sbagliato. (É evidente que você errou.)
(1974, p. 500)
IMPLICITE (reduzidas):
4) Ocorre partire subito. (Convém partir imediatamente.)
5) Mi sembra di essere stato chiaro. (Parece-me eu ter sido claro.)
Analisando cada frase italiana do quadro e suas respectivas traduções para o português,
verificamos claramente a correspondência entre a proposizione subordinata sostantiva soggettiva
e a oração subordinada substantiva subjetiva. Segue a análise oracional de duas das frases.
ITALIANO:
Frase 1: Conviene che io vada. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 451)
Análise segundo a gramática italiana:
Conviene / che io vada.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: soggettiva
170
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Convém / que eu vá.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada substantiva subjetiva
ITALIANO:
Frase 2: Mi sembra di aver capito. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 451)
Análise segundo a gramática italiana:
Mi sembra / di aver capito.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: soggettiva implicita d’infinito
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Parece-me / ter entendido.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada substantiva subjetiva reduzida de infinitivo
Na frase 2, a soggettiva é implicita d’infinito, ou seja, reduzida de infinitivo, introduzida
pela preposição di. Essa construção só é possível, se o sujeito da reggente for o mesmo da
soggettiva (PITTANO,1974, p. 500).
Para classificarmos uma subordinada reduzida,é aconselhável antes desenvolvê-la. Ernani
Terra (2007) dá a seguinte orientação:
Para classificar orações subordinadas [...] que se apresentam na forma reduzida,
costuma-se adotar o seguinte procedimento: a) desenvolvê-las, isto é, tirá-las da
forma reduzida, fazendo aparecer o conectivo (conjunção subordinativa ou
pronome relativo); b) classificar a oração desenvolvida; [...].
Para a identificação e classificação das substantivas reduzidas, Ernani Terra (ibid.)
apresenta outro artifício: “substituir a oração subordinada substantiva reduzida pela palavra isso,
transformando o período composto em um período simples. A função sintática que a palavra isso
171
desempenhar no período simples será a mesma que a oração subordinada substantiva exerce”. De
certa forma, esse artifício também pode ser aplicado às orações italianas, respeitando-se as
particularidades da sintaxe desta língua.
B) Proposizione subordinata sostantiva soggettiva como oração subordinada substantiva
predicativa
Encontramos esse caso de correspondência na Grammatica italiana de Luca Serianni
(1999, p. 567-568). Esse gramático afirma que a proposizione soggettiva pode estar ligada a uma
proposizione reggente formada por um sintagma nominal e o verbo essere. Serianni cita os
seguintes exemplos: “è un caso (+ che), è il caso (+ che o + di e inf.), è un guaio (+ che), il
guaio è (+ che o + inf.), è un peccato, una fortuna, una vergogna, ecc. (+ che o + inf.), è tempo,
è ora (+ che o + di e inf.)”. O autor acrescenta:
Também podem entrar nesta série estruturas particulares que não têm em si um
significado específico, mas que servem para introduzir a subordinada que segue,
dando-lhe o destaque de uma constatação objetiva; a construção é sempre
esplicita: è che, c’è che, gli è che (próprio do uso toscano e literário), il fatto è
che, è un fatto che, fatto sta che, com’è che (regência interrogativa) etc.
Dos exemplos acima, os que favorecem à correspondência entre a proposizione soggettiva
e a oração subordinada substantiva predicativa são: il guaio è (+ che o + inf.) e il fatto è che.
Destacamos o seguinte exemplo apresentado por Serianni (1999, p. 568):
Il bello è che lì per lì non me ne sono accorta. (O bom é que, em um primeiro momento, não me
dei conta disso.)
A oração subordinada substantiva predicativa do português exerce função sintática de
predicativo do sujeito da oração principal. Vejamos alguns dos exemplos apresentados por Luiz
Antonio Sacconi (1999, p. 322); as predicativas estão sublinhadas:
a) Minha vontade é que você aprenda português.
172
b) Nosso desejo era que aquilo acabasse rapidamente.
c) O fato foi que o preço dos automóveis aumentou muito.
d) [...] o essencial é que saiba amar.
É possível vermos claramente que a estrutura da frase-exemplo de Serianni e a das frasesexemplo de Sacconi é a mesma: sintagma nominal + verbo essere / ser + oração subordinada.
Analisemos com mais detalhes a frase-exemplo de Serianni.
Il bello è / che lì per lì non me ne sono accorta.
1ª prop.
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: soggettiva
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
O bom é / que, em um primeiro momento, não me dei conta disso.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada substantiva predicativa
No exemplo de Serianni, a proposizione soggettiva está na forma esplicita; mas poderia
estar na forma implicita (oração sublinhada): Il bello è non accorgermene lì per lì; se assim
estivesse, sua tradução seria: O bom é eu não ter me dado conta em um primeiro momento. A
classificação da oração subordinada (sublinhada) seria substantiva predicativa reduzida de
infinitivo.
C) Proposizione subordinata sostantiva soggettiva como oração subordinada adjetiva
Esse é um caso que consideramos surpreendente no estudo de análise contrastiva das
orações subordinadas das línguas italiana e portuguesa. A proposizione soggettiva será
subordinada adjetiva no português nos seguintes casos abaixo:
173
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone
(2003, p. 452)
IMPLICITA (reduzida):
È ora di andare. (É hora de ir.)
IMPLICITE (reduzidas):
1) Non è il caso di inventarsi il trasporto della passione. (Não
é o caso de se inventar o transporte da paixão.)
Luca Serianni
(1999, p. 566-567)
2) Noi siamo nati in un tempo in cui era vergogna essere
soldato, pena essere uomo, miseria essere italiano. (Nós
nascemos em um tempo em que era vergonha ser soldado,
pena ser homem, miséria ser italiano.)
3) È ora di lasciare il canneto stento [...]. (É hora de deixar o
canavial maltratado.)
Todas as soggettive do quadro são implicite. Dardano e Trifone (2003) não explicam a
estrutura da frase deles. Apresentam-na ao tratarem da soggettiva implicita com e sem a
preposição di.
Os exemplos de Luca Serianni estão ligados à mesma explicação que apresentamos no
caso B: segundo o referido gramático (1999, p. 567-568), a proposizione soggettiva pode ligar-se
a uma proposizione reggente formada por um sintagma nominal e pelo verbo essere. Entre os
exemplos apresentados por Serianni, destacamos aqui os que proporcionam a correspondência
entre a soggettiva e a oração subordinada adjetiva. São os seguintes: è il caso (+ di e infinito), è
un peccato, una fortuna, una vergogna, ecc. (+ inf.), è tempo, è ora (+ di e inf.). Nas três frases
do quadro, as reggenti são respectivamente: Non è il caso; in cui era vergogna; e È ora.
No português, encontramos a explicação para esses casos em Azeredo (2010, p. 321): “É
comum a oração adjetiva assumir a forma de um sintagma preposicional”. Um dos dois tipos
existentes é justamente quando a preposição introduz uma oração reduzida de infinitivo, como
nos seguintes exemplos apresentados pelo autor:
 Já está na hora de voltarmos para casa.
 Pedi emprestada ao vizinho a máquina de cortar grama.
 Estas são questões a serem esclarecidas após a pesquisa.
174
A primeira sentença-exemplo dada por Azeredo se assemelha à sentença italiana
apresentada por Dardano e Trifone (2003, p. 452); ambas as orações se apresentam no infinitivo:
a do português, infinitivo pessoal, e a do italiano, infinitivo impessoal. A classificação dessa
subordinada, portanto, diverge: em português trata-se de uma oração subordinada adjetiva, e em
italiano, proposizione subordinata sostantiva soggettiva. Vejamos as frases:
PORTUGUÊS:
ITALIANO:
Já está na hora de voltarmos para casa.
È ora di andare.
Vejamos a análise detalhada de duas sentenças:
ITALIANO:
Frase 1: È ora di andare. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 452)
Análise segundo a gramática italiana:
È ora / di andare.
1ª prop.
2ª prop.
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: soggettiva implicita d’infinito
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
É hora / de ir.
1ª oração 2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada adjetiva restritiva reduzida de infinitivo
ITALIANO:
Frase 2: È ora di lasciare il canneto stento [...]. (SERIANNI, 1999, p. 566-567)
Análise segundo a gramática italiana:
È ora / di lasciare il canneto stento [...].
1ª prop.
2ª proposizione
175
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: soggettiva implicita d’infinito
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
É hora / de deixar o canavial maltratado [...].
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada adjetiva restritiva reduzida de infinitivo
Francesco Sabatini (1994), Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994) e Giuseppe
Pittano (1974) não apresentam soggettive como as analisadas nesta parte C.
6.3.1.2. Proposizione oggettiva diretta
Primeiramente é preciso esclarecer que os autores das cinco principais gramáticas
italianas utilizadas nesta tese falam simplesmente em proposizione oggettiva, não a separam em
dois tipos, usando os termos diretta e indiretta, apesar de reconhecerem as duas vertentes. Isso
ocorre provavelmente porque, conforme afirma Francesco Sabatini (1994, p. 481), os dois tipos
de oggettive não diferem na forma. A gramática do português do Brasil faz distinção clara entre
objetiva direta e objetiva indireta. Para que essa questão da gramática italiana fique melhor
esclarecida, vejamos dois exemplos apresentados por Francesco Sabatini (1994, p. 488):
a) Assicuro che sarò presente. (Asseguro que estarei presente.)
A oração sublinhada é uma oggettiva diretta; corresponderia, na frase semplice, a um
complemento oggetto diretto: Assicuro la mia presenza.
b) Mi preoccupo che tu sia in ritardo. (Eu me preocupo que você esteja atrasado.)
176
A oração sublinhada é uma oggettiva indiretta e corresponderia, na frase semplice, a um
complemento oggetto indiretto: Mi preoccupo del tuo ritardo.
Como podemos verificar, a forma das duas orações subordinadas é a mesma: ambas são
introduzidas pela conjunção che. A oggettiva indiretta não é introduzida por preposição. Só
percebemos a diferença de classificação das duas orações, transformando-as em complementos
na frase semplice.
No português, o uso da preposição para introduzir a oração substantiva objetiva indireta é
opcional, conforme afirma Bechara (1999, p. 483): “[...] pode-se prescindir da preposição que
inicia uma oração objetiva indireta ou completiva nominal”.
Assim, em relação ao tipo de oggettiva, neste estudo, preferimos diferenciar os dois tipos
existentes, usando os termos diretta e indiretta, para facilitar o entendimento da análise
contrastiva com o português. Tratemos primeiramente da oggettiva diretta.
Segundo Dardano e Trifone (2003, p. 449), a proposizione oggettiva diretta “desenvolve a
função de complemento oggetto da proposizione reggente. Os autores explicam que ela pode
depender de verbos e de locuções verbais de vários tipos83:
 verbos e locuções verbais de significado afirmativo ou declarativo, como dire, affermare,
dichiarare, dare notizia, dare comunicazione;
 verbos e locuções verbais que indicam uma percepção ou uma lembrança, tais como vedere,
udire, sentire, ricordare, avere l’impressione, venire alla mente;
 verbos e locuções verbais que exprimem juízo, opinião ou dúvida: pensare, credere, giudicare,
essere dell’idea, avere la convinzione, il dubbio, il sospetto;
 verbos e locuções verbais que expressam vontade, desejo ou impedimento, temor, tais como
volere, desiderare, sperare, avere desiderio, paura;
 verbos e locuções verbais que indicam sentimento, como godere, rallegrarsi, lamentarsi, essere
lieto, avere piacere, rammarico, meraviglia.
83
Dardano e Trifone (2003, p. 449) fornecem uma lista bem grande de verbos e de locuções na sua Grammatica
italiana, mas aqui indicaremos apenas alguns.
177
A forma esplicita da oggettiva é introduzida pela conjunção che. A forma implicita é
introduzida pela preposição di e traz o verbo no infinitivo; geralmente a construção reduzida só é
possível, se o sujeito da reggente for o mesmo da oggettiva. Segundo Dardano e Trifone (2003, p.
451), “com os verbos comandare, ordinare, permettere, proibire, vietare, chiedere, e com outros
de significado análogo, pode-se ter a forma reduzida mesmo que o sujeito da reggente e o sujeito
da oggettiva não coincidam”. Destacamos o seguinte exemplo apresentado por esses autores:
Chiedo che se ne vada.

Gli chiedo di andarsene.
Dardano e Trifone chamam a atenção para um tipo especial de subordinata oggettiva: a
regida por substantivo ou por adjetivo. Luca Serianni (1999, p. 549-550) explica melhor esse
caso:
Com base no tipo de regência, as objetivas podem ser diferenciadas em três
grupos, conforme sejam regidas por um verbo (“sento che mi nascondi
qualcosa” [“sinto que você me esconde alguma coisa”]), por um substantivo (“la
sensazione che tu mi nasconda qualcosa mi tormenta” [“a sensação de que você
me esconde alguma coisa me atormenta”]), por um adjetivo (“dormimmo [...]
ansiosi che la luce del giorno ci rivelasse la terra rumena” [“dormimos [...]
ansiosos de que a luz do dia nos revelasse a terra romena”] [...]).
Esse é um caso realmente particular, porque quando traduzimos para o português,
deixamos de ter subordinada objetiva direta e passamos a ter outros tipos de subordinadas.
Identificamos três tipos de orações do português correspondentes a esse tipo de oração italiana:
subordinada substantiva objetiva direta, subordinada substantiva completiva nominal e
subordinada adjetiva. Vejamos, a seguir, caso a caso.
A) Proposizione subordinata sostantiva oggettiva diretta como oração subordinada
substantiva objetiva direta
Essa é a correspondência mais simples entre a oração italiana em questão e uma oração do
português. Vejamos alguns exemplos:
178
AUTORES
EXEMPLOS
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Spero che non si preoccupi. (p. 449; Espero que não se preocupe.)
Dardano e
Trifone
(2003)
2) Ordinò ai soldati che cessassero il fuoco. (p. 451; Ordenou aos soldados que
cesassem fogo.)
IMPLICITE (reduzidas):
3) Ritengo di aver agito correttamente. (p. 451; Acredito ter agido corretamente.)
4) Ordinò ai soldati di cessare il fuoco. (p. 451; Ordenou aos soldados cessar fogo.)
5) Gli chiedo di andarsene. (p. 451; Peço-lhe para ir embora.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Assicuro che sarò presente. (p. 480; Asseguro que estarei presente.)
2) Paolo sperava che Anna tornasse. (p. 481; Paulo esperava que Ana voltasse.)
Francesco
Sabatini
(1994)
3) So che ho torto. (p. 482; Sei que estou errado.)
IMPLICITE (reduzidas):
4) Dichiaro di essere innocente. (p. 481; Declaro ser inocente.)
5) So di aver torto. (p. 483; Sei estar errado.)
6) Ho chiesto ai ragazzi di aiutarmi. (p. 483; Pedi aos rapazes para me ajudarem.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Sento che mi nascondi qualcosa. (p. 549-550; Sinto que você me esconde
alguma coisa.)
2) Vuoi che tutto questo finisca? (p. 550; Você quer que tudo isso termine?)
Luca
Serianni
(1999)
3) Capivo che anche lei se n’era accorta. (p. 556; Eu entendia que ela também tinha
se dado conta.)
IMPLICITE (reduzidas):
4) Diceva di essere uno studente. (p. 550; Dizia ser um estudante.)
5) Cerco di smettere il fumo. (p. 553; Procuro deixar o fumo.)
6) Provo a smettere di fumare. (p. 553; Experimento deixar de fumar.)
179
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Dico che io sono guarito. (Digo que estou curado.)
Salvatore
Battaglia e
Vincenzo
Pernicone
(1994, p.330)
2) Ci scrisse che stavano bene. (Escreveu-nos que estavam bem.)
3) Dubito ch’essi vengano. (Duvido que eles venham.)
4) Mi sembrava che non fosse possibile. (Parecia-me que não era possível.)
IMPLICITA (reduzida):
5) Dico d’essere guarito. (Digo estar curado.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) So che lo fai per me. (Sei que você faz isso por mim.)
Giuseppe
Pittano
(1974,p.500)
2) Credo che tu lo faccia per me. (Creio que você faça isso por mim.)
IMPLICITE (reduzidas):
3) Credo di aver sbagliato. (Creio ter errado.)
4) Ho imparato a parlare tedesco. (Aprendi a falar alemão.)
Como pudemos verificar, todas as oggettive dirette esplicite, nas frases-exemplo, são
introduzidas pela conjunção che; as implicite trazem o verbo no infinitivo e a maioria delas é
introduzida pela preposição di. Apenas a frase 6 de Luca Serianni e a frase 4 de Giuseppe Pittano
têm as implicite introduzidas pela preposição a. Analisemos duas das frases do quadro.
ITALIANO:
Frase 1: Pensano che io abbia torto. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 449)
Análise segundo a gramática italiana:
Pensano / che io abbia torto.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: oggettiva diretta
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Pensam / que eu estou errado.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada substantiva objetiva direta
180
As classificações das orações das duas frases — a italiana e a do português — é
praticamente a mesma. Uma diferença a se destacar é o modo verbal usado nas subordinadas. Na
frase italiana, o verbo pensare, usado na proposizione reggente, determinou o modo congiuntivo
— que corresponde ao subjuntivo do português — do verbo avere, usado na subordinata
oggettiva; já na frase em português, o verbo estar, usado na oração subordinada, soa melhor, a
nosso ver, no indicativo do que no subjuntivo.
ITALIANO:
Frase 2: Spero che non si preoccupi. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 449)
Análise segundo a gramática italiana:
Spero / che non si preoccupi.
1ª prop.
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: oggettiva diretta
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Espero / que não se preocupe.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada substantiva objetiva direta
A análise da frase 2 apenas confirma a explicação que fizemos anteriormente sobre a
correspondência entre oggettiva diretta e objetiva direta do português.
B) Proposizione subordinata sostantiva oggettiva diretta como oração subordinada adjetiva
Essa é uma correspondência muito particular entre uma oração italiana e uma oração do
português. Encontramos frases que expressavam esse caso apenas em Sabatini (1994) e em
Serianni (1999). Vejamos os exemplos apresentados por esses autores.
181
AUTORES
EXEMPLOS
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) La tua dichiarazione che avresti pagato ci tranquillizzò. (A sua
declaração de que você teria pagado nos tranquilizou.)
2) Il dubbio che tu non stia bene mi tormenta. (A dúvida de que
você não esteja bem me atormenta.)
Francesco Sabatini
(1994, p. 481)
3) La speranza che Anna tornasse non abbandonava Paolo. (A
esperança de que Ana voltasse não abandonava Paulo.)
4) La gioia che tu fossi salvo ci riempì il cuore. (A alegria que
você fosse salvo nos encheu o coração.)
IMPLICITA (reduzida):
5) Il ricordo di essere stato amato non si cancella. (A lembrança de
ter sido amado não se apaga.)
ESPLICITA (desenvolvida):
1) La sensazione che tu mi nasconda qualcosa mi tormenta. (p.
550; A sensação de que você me esconde alguma coisa me
atormenta.)
Luca Serianni (1999)
IMPLICITE (reduzidas):
2) L’idea di non avere a svolgere carte oliate e divorare panini
gravidi lo rasserenò. (p. 554; A ideia de não ter que desenvolver
papéis temperados e devorar sanduíches grávidos o acalmou.)
3) Sentiva la pioggia battere sui vetri. (p. 550; Sentia a chuva bater
nos vidros.)
4) Sento qualcuno bussare. (p. 553; Ouço alguém bater.)
Segundo Francesco Sabatini (1994, p. 480, tradução nossa), “é interessante notar que não
só os verbos podem reger uma oggettiva, mas também substantivos e até mesmo adjetivos que
correspondem, no significado, a estes verbos”. O autor explica que trata-se de verbos,
substantivos e adjetivos que indicam: a) declaração ou conhecimento; b) percepção, compreensão
ou lembrança; c) opinião (juízo, avaliação, dúvida, suspeita); d) vontade (ordem, concessão,
desejo, promessa, voto, temor); e) sentimentos. Em cada um desses tópicos, Sabatini apresenta
182
uma grande lista de verbos e de substantivos e adjetivos que podem formar a proposizione
reggente, à qual a oggettiva se ligará.
Analisemos, a seguir, alguns exemplos desse caso de correspondência oracional.
ITALIANO:
Frase 1: La tua dichiarazione che avresti pagato ci tranquillizzò. (SABATINI,1994, p. 481)
Análise segundo a gramática italiana:
La tua dichiarazione [che avresti pagato] ci tranquillizzò.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: oggettiva diretta
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
A sua declaração [de que você teria pagado] nos tranquilizou.
1ª oração
2ª oração
1ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada adjetiva restritiva
Esse primeiro exemplo traz a oração italiana che avresti pagato ligada ao substantivo
dichiarazione, especificando-o. A gramática italiana a classifica como proposizione oggettiva.
Essa oração, traduzida para o português, é de que você teria pagado, e trata-se claramente de uma
subordinada adjetiva.
As subordinadas adjetivas do português exercem função sintática de adjunto adnominal,
que é a função própria de um adjetivo. Ligam-se justamente a um nome da oração principal e são
introduzidas por pronome relativo, acompanhado ou não de preposição. É comum que esse tipo
de oração venha intercalada na oração principal, isto é, dividindo-a.
Há dois tipos de orações subordinadas adjetivas: restritivas e explicativas. As restritivas,
como o próprio termo indica, restringem o significado do nome a que estão ligadas. As
explicativas apenas acrescentam uma informação sobre o termo ao qual se ligam. Estas vêm
sempre entre vírgulas. Veremos exemplos desses dois tipos de subordinadas adjetivas no tópico
6.3.3. Analisemos mais um exemplo apresentado por Francesco Sabatini.
183
ITALIANO:
Frase 2: Il ricordo di essere stato amato non si cancella. (SABATINI,1994, p. 481)
Análise segundo a gramática italiana:
Il ricordo [di essere stato amato] non si cancella.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: oggettiva diretta implicita d’infinito
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
A lembrança [de ter sido amado] não se apaga.
1ª oração
2ª oração
1ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada adjetiva restritiva reduzida de infinitivo
Este segundo exemplo traz uma proposizione oggettiva diretta implicita d’infinito,
especificando o termo ricordo. Conforme já explicamos, as implicite desse tipo de oração são
introduzidas pela preposição di e trazem o verbo no infinitivo.
A oração correspondente a essa no português é de ter sido amado, que é uma subordinada
adjetiva restritiva reduzida de infinitivo, por estar ligada ao substantivo lembrança,
especificando-o, restringindo o seu significado, e por apresentar-se sem conectivo, com o verbo
no infinitivo. Analisemos abaixo mais um exemplo.
ITALIANO:
Frase 3: La speranza che Anna tornasse non abbandonava Paolo. (SABATINI,1994, p. 481)
Análise segundo a gramática italiana:
La speranza [che Anna tornasse] non abbandonava Paolo.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: subordinata sostantiva oggettiva diretta
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
184
A esperança [de que Ana voltasse] não abandonava Paulo.
1ª oração
2ª oração
1ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada adjetiva restritiva
A análise desta frase é como a das anteriores, queremos apenas destacar que a
subordinada italiana não é introduzida por preposição por se tratar de uma oggettiva; já a
subordinada do português traz a preposição, porque é uma oração que exerce função sintática de
adjunto adnominal, que, nesse caso, vem introduzido por preposição. Para verificarmos isso,
basta substituirmos a subordinada por uma expressão sem verbo:
A esperança do retorno de Ana não abandonava Paulo.
A substituição da oração por uma expressão sem verbo permite-nos identificar claramente
que essa expressão tem a função de adjunto adnominal.
C) Proposizione subordinata sostantiva oggettiva diretta como oração subordinada
substantiva completiva nominal
Esse é outro caso interessante de correspondência entre uma oração italiana e uma oração
do português. Como dissemos anteriormente, a proposizione subordinata sostantiva oggettiva
diretta pode ser regida não só por verbos, mas também por substantivos e adjetivos. O caso que
apresentamos neste tópico C está relacionado à regência através de adjetivos.
A oração subordinada substantiva completiva nominal do português é a que exerce função
sintática de complemento nominal de um termo presente na oração principal. Os complementos
nominais, no período simples, ligam-se, através de preposição, a substantivos, adjetivos ou
advérbios, completando o significado destes na frase. Analisemos alguns exemplos (TERRA,
2007, p. 275):
a) O povo tinha necessidade de alimentos.
c) Falou favoravelmente ao réu.
b) Esse remédio é prejudicial ao organismo.
d) Tinha necessidade de que o ajudassem.
185
As frases (a), (b) e (c) são períodos simples. As expressões sublinhadas são complementos
nominais e se ligam respectivamente a um substantivo (necessidade), a um adjetivo (prejudicial)
e a um advérbio (favoravelmente). A frase (d) é um período composto por subordinação, formado
por uma oração principal e uma oração subordinada substantiva completiva nominal
(sublinhada); esta subordinada liga-se ao substantivo necessidade da oração principal.
O complemento nominal do português corresponde a dois complementos chamados
indiretti84 do italiano, denominados complemento di termine e complemento di specificazione.
Vejamos um exemplo do complemento di termine como complemento nominal:
Questo vestito è adatto a te. (PITTANO, 1974, p. 424)
(Este vestido é adequado a/para você.)
Na frase italiana acima, a expressão a te se liga ao adjetivo adatto (adequado), por isso a
expressão corresponde a um complemento nominal em português. Battaglia e Pernicone (1994, p.
289, tradução nossa) explicam esse termo da seguinte forma: “O complemento di termine integra
a função e o valor de alguns adjetivos, como: fedele, caro, símile, adatto, idoneo, abile [...] Por
exemplo: [...] Le leggi favorevoli all’individuo; [...] Un uomo adatto alla fatica; etc.”.
É preciso esclarecermos que o complemento di termine também corresponde ao objeto
indireto do português, mas não cabe aqui tratarmos disso com detalhes.
Como dissemos acima, o complemento nominal do português também corresponde ao
complemento di specificazione — que também é um complemento chamado indiretto, por ter
preposição — do italiano no seguinte caso: quando completa substantivo. Por exemplo
(PITTANO, 1974, p. 422):
Il ricordo degli amici (= ricordare gli amici); il desiderio di richezza (= desiderare la richezza); il
timore dei nemici (= noi temiamo i nemici)
(A lembrança dos amigos (= lembrar os amigo); o desejo de riqueza (desejar a riqueza); o temor
dos inimigos (= nós tememos os inimigos) )
84
São complementos introduzidos por preposição.
186
Sabemos que, em português, quando a expressão iniciada por preposição de se liga a um
substantivo, formando com ele um sentido passivo, a expressão será um complemento nominal,
como as expressões em português sublinhadas acima.
Vejamos, no quadro abaixo, exemplos de frases com a proposizione subordinata
sostantiva oggettiva do italiano correspondendo à oração subordinada substantiva completiva
nominal do português:
AUTORES
EXEMPLOS
IMPLICITE (reduzidas):
Dardano e
Trifone
1) Ho creduto opportuno acconsentire alle sue richieste. (Considerei oportuno
concordar com os seus pedidos.)
(2003, p. 451)
2) Il giudice ha ritenuto necessario ordinare la limitazione della libertà personale
dell’imputato. (O juiz considerou necessário ordenar a limitação da liberdade do
acusado.)
Francesco
Sabatini
(1994,p.482)
ESPLICITA (desenvolvida):
Mi rendo conto di come tu sei preoccupato. (Eu me dou conta de como você está
preocupado.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Dormimmo [...] ansiosi che la luce del giorno ci rivelasse la terra rumena. (p.
550; Dormimos ansiosos de que a luz do dia nos revelasse a terra romena.)
2) Ero contento che fosse finita. (p. 554; Eu estava contente que tivesse
terminado.)
3) Elisa Ismani perse la speranza che tacesse. (p. 554; Elisa Ismani perdeu a
esperança de que calasse.)
Luca
Serianni
(1999)
4) Sorrise compiaciuto all’idea che avessi data tanta importanza alla sua lettera. (p.
554; Sorriu satisfeito com a ideia de que tinha dado tanta importância à sua carta.)
IMPLICITE (reduzidas):
5) Uno è contento di girare se vede bei posti. (p. 554; Fica-se contente de circular
se se veem bonitos lugares.)
6) Scantona via convinto di aver udito ululare tutte insieme le anime del
Purgatorio. (p. 554; Escapole convencido de ter ouvido urrarem todas juntas as
almas do Purgatório.)
187
7) Non so quando le sarebbe comodo ricevermi. (p. 573; Não sei quando lhe seria
cômodo rever-me.)
Giuseppe
Pittano
(1974)
IMPLICITA (reduzida):
Stimò bene di non farsi vedere per un pezzo. (p. 502; Julgou bom não se fazer ver
por um tempo.)
Salvatore Battaglia e Vincenzo Pernicone (1994) não apresentam exemplos para esse caso
de correspondência.
Nas frases italianas acima, ora a subordinada (sublinhada) se refere a um adjetivo
(opportuno, necessario, ansiosi, contento, convinto, comodo), ora a um substantivo (conto,
speranza, idea). Analisemos a seguir duas dessas frases.
ITALIANO:
Frase 1: Ho creduto opportuno acconsentire alle sue richieste. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 451)
Análise segundo a gramática italiana:
Ho creduto opportuno / acconsentire alle sue richieste.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: oggettiva diretta implicita d’infinito
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Considerei oportuno / concordar com os seus pedidos.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada substantiva completiva nominal reduzida de infinitivo
A proposizione oggettiva diretta refere-se ao adjetivo opportuno; em português, a
subordinada refere-se ao adjetivo oportuno, e por isso é substantiva completiva nominal; é
reduzida de infinitivo, como a oração italiana, por não ser introduzida por conectivo e apresentar
o verbo no infinitivo. Vejamos a frase 2.
188
ITALIANO:
Frase 2: Il giudice ha ritenuto necessario ordinare la limitazione della libertà personale
dell’imputato. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 451)
Análise segundo a gramática italiana:
Il giudice ha ritenuto necessario / ordinare la limitazione della libertà personale dell’imputato.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: oggettiva diretta implicita d’infinito
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
O juiz considerou necessário / ordenar a limitação da liberdade pessoal do acusado.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada substantiva completiva nominal reduzida de infinitivo
Assim como a frase 1, a frase 2 tem uma subordinata implicita. Esta refere-se ao adjetivo
necessario presente na reggente. A frase em português, que é a tradução da frase italiana, tem a
subordinada reduzida de infinitivo ligada ao adjetivo necessário; por isso, trata-se de uma
subordinada substantiva completiva nominal.
6.3.1.3. Proposizione oggettiva indiretta
Como já afirmamos anteriormente, a estrutura da proposizione subordinata sostantiva
oggettiva indiretta é a mesma da oggettiva diretta, ou seja, nenhuma das duas é introduzida por
preposição. Não é o caso da oração subordinada substantiva objetiva indireta do português, que
em geral é introduzida por preposição, apesar de esta não ser obrigatória.
Verificamos, ao estudarmos a oggettiva indiretta, que a mesma corresponde a duas
orações subordinadas do português: a substantiva objetiva indireta e a substantiva completiva
nominal. Vejamos cada caso a seguir.
189
A) Proposizione subordinata sostantiva oggettiva indiretta como oração subordinada
substantiva objetiva indireta
Vejamos primeiramente os exemplos no quadro abaixo; em seguida faremos as
considerações a respeito desse caso de correspondência.
AUTORES
EXEMPLOS
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Pensano che io abbia torto. (p. 449; Pensam que eu esteja errado.)
Dardano e
Trifone (2003)
2) Si persuase che non volevano farle del male. (p. 451; Persuadiu-se de que
não queriam fazer-lhe mal.)
IMPLICITE (reduzidas):
3) Ricordati di prendere le chiavi. (p. 449; Lembre-se de pegar as chaves.)
4) Si è dimenticata di spedire la lettera. (p. 451; (Ela) se esqueceu de espedir a
carta.)
Francesco
Sabatini (1994,
p.488)
ESPLICITA (desenvolvida):
Mi preoccupo che tu sia in ritardo. (Eu me preocupo que você esteja atrasado.)
ESPLICITA (desenvolvida):
Luca Serianni
(1999)
1) Ti avverto che i soldi sono finiti. (p. 550; Eu te advirto de que o dinheiro
acabou.)
IMPLICITE (reduzidas):
2) Mi rallegro di ritrovarvi in buona salute. (p. 550; Alegro-me de encontrar-te
com boa saúde.)
3) Tobia s’accorse di avermi fatto effetto. (p. 553; Tobias se deu conta de terme atingido.)
Consideremos a frase 1 apresentada por Dardano e Trifone: Pensano che io abbia torto. O
verbo pensare do italiano pede a preposição a: diz-se pensare a qualcosa. Podemos classificá-lo,
portanto, como transitivo indireto. Seguindo esse raciocínio, podemos classificar a oração
subordinada sublinhada na frase 1 como subordinata sostantiva oggettiva indiretta.
190
Da mesma forma, temos a frase 2 desses autores: Si persuase che non volevano farle del
male. O verbo persuadersi pede a preposição di. Logo, podemos classificá-lo como transitivo
indireto. A oração sublinhada na frase 2 é, portanto, subordinata sostantiva oggettiva indiretta. E
assim ocorre com as outras frases do quadro.
Não encontramos exemplos relevantes desse caso nas gramáticas de Battaglia e Pernicone
(1994) nem na de Giuseppe Pittano (1974). Vejamos a análise oracional de uma das frases do
quadro.
ITALIANO:
Frase 1: Mi preoccupo che tu sia in ritardo. (SABATINI, 1994, p. 488)
Análise segundo a gramática italiana:
Mi preoccupo / che tu sia in ritardo.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: oggettiva indiretta
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Eu me preocupo / que você esteja atrasado.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada substantiva objetiva indireta
Francesco Sabatini (1994) explica que, para reconhecermos a diferença entre oggettiva
diretta e oggettiva indiretta, temos de verificar qual seria a classificação de uma expressão
correspondente na frase singola (período simples). Assim, temos:
a) Mi preoccupo del tuo ritardo.
A expressão sublinhada é um oggetto indiretto (ou complemento di termine), completa o verbo
preoccuparsi, transitivo indireto.
b) Mi preoccupo che tu sia in ritardo.
A oração sublinhada é subordinata sostantiva oggettiva indiretta.
191
B) Proposizione subordinata sostantiva oggettiva indiretta como oração subordinada
substantiva completiva nominal
Esse é um caso de correspondência parecido com o descrito no tópico 6.3.1.2, quando
tratamos da proposizione oggettiva diretta. A oggettiva indiretta, além de ligar-se a verbos,
também pode ligar-se a um nome. Segundo Francesco Sabatini (1994, p. 482), esses dois tipos de
oração italiana são iguais quanto à forma (não são introduzidas por preposição). Porém, o
exemplo que apresentaremos é uma exceção à essa observação feita por Sabatini.
Destacaremos um único caso do tipo de correspondência de que tratamos neste tópico B;
trata-se de uma frase do próprio Francesco Sabatini (ibid.):
Mi rendo conto di come tu sia preoccupato. (Eu me dou conta de como você está preocupado.)
Vejamos a análise oracional desta frase.
ITALIANO:
Análise segundo a gramática italiana:
Mi rendo conto / di come tu sia preoccupato.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: oggettiva indiretta
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Dou-me conta / de como você está preocupado.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada substantiva completiva nominal
A expressão rendersi conto é considerada locução verbal em italiano e pede preposição di;
diz-se rendersi conto di qualcosa (dar-se conta de alguma coisa). Logo, podemos dizer que seja
uma locução verbal que pede um complemento indiretto, mais especificamente um complemento
di termine ou oggetto indiretto. Logo, a oração regida por essa locução verbal será oggettiva
indiretta, como ocorre no exemplo acima.
192
6.3.1.4. Proposizione interrogativa indiretta
De acordo com Dardano e Trifone (2003, p. 465), a proposizione subordinata sostantiva
interrogativa indiretta expressa uma pergunta — direta ou indireta — ou uma dúvida. Assim,
esta oração é regida por:
 verbos (ou locuções verbais) como domandare, chiedere, dire, sapere, cercare, tentare,
indovinare, ignorare, pensare, essere certo, incerto, non essere sicuro;
 substantivos como domanda, ricerca, dubbio, problema, questione;
 adjetivos como incerto, dubbioso.
A interrogativa indiretta pode ser introduzida pela conjunção se ou por chi, che, che
cosa, come, quando, dove, perché, quanto, quale etc.. A forma implicita traz o verbo no
infinitivo.
Dardano e Trifone (2003, p. 465, tradução nossa) apresentam a seguinte observação a
respeito da interrogativa indiretta:
As interrogative indirette são parecidas com as orações soggettive, oggettive e
dichiarative. A diferença está no fato de que, enquanto as orações soggettive,
oggettive e dichiarative contêm uma enunciação, as interrogative indirette
exprimem uma dúvida, uma pergunta. Assim, sejam as três primeiras orações,
sejam as interrogative podem depender de verbos como dire, raccontare,
narrare etc.; mas nas interrogative indirette tais verbos aparecem, de um modo
geral, no modo imperativo ou na forma negativa.
Giuseppe Pittano (1974, p. 530, tradução nossa) afirma que “as interrogative indirette,
introduzidas pela conjunção se, são chamadas também de proposizioni subordinate dubitative
(orações subordinadas dubitativas): non so se verrò (Não sei se virei/irei)”.
Ao estudarmos este tipo de oração italiana, verificamos que esta corresponde a pelo
menos três orações subordinadas substantivas do português: a objetiva direta, a apositiva e a
completiva nominal. Vejamos a seguir individualmente cada um dos casos.
193
A) Proposizione subordinata sostantiva interrogativa indiretta como oração subordinada
substantiva objetiva direta
Essa é a correspondência mais fácil para brasileiros, porque a estrutura das duas orações é
a mesma: verbo transitivo direto + oração subordinada. Vejamos os exemplos no quadro abaixo:
AUTORES
EXEMPLOS
ESPLICITA (desenvolvida):
Dardano e
Trifone
1) Dimmi perché l’hai fatto. (Diga-me por que você fez isso.)
(2003, p. 465)
IMPLICITA (reduzida):
2) Non so se partire. (Não sei se parto85.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
Francesco
Sabatini
(1994, p.425)
1) Ti chiedo se è stato Luigi. (Eu te pergunto se foi Luiz.)
2) Dimmi se piove. (Diga-me se chove.)
3) Vorrei sapere se questo autobus va alla stazione. (Eu queria saber se este ônibus
vai até a estação86.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Non so che cosa vuoi fare. (p. 570; Não sei o que você quer fazer.)
Luca
Serianni
(1999)
2) Gli chiese da dove venisse. (p. 570; Perguntou-lhe de onde vinha.)
3) Non so quando riuscirò a liberarmi. (p. 572; Não sei quando conseguirei me
liberar.)
IMPLICITA (reduzida):
4) Mi chiedo dove andare. (p. 573; Eu me pergunto aonde ir.)
Salvatore
Battaglia e
Vincenzo
Pernicone
(1994, p. 343)
85
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Dimmi perché sei in collera. (Diga-me por que você está com raiva.)
2) Non so come farai. (Não sei como você fará.)
Apresentamos, à frente, observação sobre essa frase, que consideramos difícil.
Usamos, na tradução, o pronome pessoal eu, para deixar claro que o verbo está na 1ª pessoa do singular. Além
disso, preferimos a forma queria à forma quereria (futuro do pretérito), porque queria é a mais usada na linguagem
coloquial; privilegiamos este nível de linguagem.
86
194
Salvatore
Battaglia e
Vincenzo
Pernicone
(1994, p. 343)
3) Domanda chi è. (Pergunte quem é.)
4) Vorremmo sapere dove ci fermeremo. (Queríamos saber onde ficaremos.)
5) Non capisco cosa vuoi. (Não entendo o que você quer.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Dimmi dove vai. (Diga-me aonde você vai.)
2) Voglio sapere dove vai. (Quero saber aonde você vai.)
Giuseppe
Pittano
(1974, p. 529)
3) Non so se tu hai capito. (Não sei se você entendeu.)
4) Non so chi venga questa sera. (Não sei quem vem esta noite.)
5) Ti chiedo se hai letto il giornale. (Eu te pergunto se você leu o jornal.)
IMPLICITA (reduzida):
6) Non so che cosa dire. (Não sei o que dizer.)
Como pudemos verificar, em todos os exemplos que apresentamos, as interrogative
indirette são introduzidas por expressões com verbos ou locuções verbais que expressam
pergunta (direta ou indireta) ou dúvida: dimmi, non so, gli chiese, mi chiedo, domanda, vorremmo
sapere, non capisco, ti chiedo. Em português, os verbos dessas expressões são todos transitivos
diretos, por isso, nas frases em português — que são traduções das frases italianas — a oração
subordinada é classificada como substantiva objetiva direta.
É necessário explicar com mais detalhes a frase implicita apresentada por Dardano e
Trifone (2003, 465): Non so se partire. Como considerá-la implicita (reduzida), se a mesma é
introduzida pela conjunção se? Afinal, sabemos que as orações reduzidas não são introduzidas
por nenhum tipo de conectivo. Porém, parece-nos que esta frase é uma exceção à regra. Os
autores afirmam (ibid., tradução nossa): “Na forma implicita [reduzida], estas orações são
introduzidas pelos mesmos pronomes, adjetivos, advérbios ou pela conjunção se, com o verbo no
infinitivo: non so quale scegliere (o a chi rivolgermi, o se credergli, o dove andare ecc.)”.
Consideramos difícil a tradução para o português da frase em questão, até porque, para mantê-la
como uma oração reduzida, teríamos que excluir a conjunção. Assim, optamos pela seguinte
tradução: Não sei se parto. Como se percebe, não pudemos manter a subordinada como uma
195
reduzida, ou então haveria alteração na classificação dessa oração. Para excluir a conjunção se e
manter a subordinada como uma reduzida de infinitivo, poderíamos transformá-la, por exemplo,
em uma subordinada substantiva apositiva (sublinhada): Não sei: partir?
Observamos que a expressão non so aparece em exemplos de todos os autores do quadro,
tanto na forma esplicita quanto na implicita. Passemos para a análise detalhada de duas frases do
quadro.
ITALIANO:
Frase 1: Dimmi perché l’hai fatto. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 465)
Análise segundo a gramática italiana:
Dimmi / perché l’hai fatto.
1ª prop.
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: interrogativa indiretta
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Diga-me / por que você fez isso.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada substantiva objetiva direta
A correspondência entre interrogativa indiretta do italiano e objetiva direta do português
ocorre sem dificuldades. Vejamos mais um exemplo.
ITALIANO:
Frase 2: Non so come farai. (BATTAGLIA E PERNICONE, 1994, p. 343)
Análise segundo a gramática italiana:
Non so / come farai.
1ª prop.
2ª prop.
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: interrogativa indiretta
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Não sei / como você fará.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada substantiva objetiva direta
196
B) Proposizione subordinata sostantiva interrogativa indiretta como oração subordinada
substantiva apositiva
Identificamos essa correspondência em uma frase de Luca Serianni. Como já vimos, a
subordinata interrogativa indiretta pode ser regida não só por verbos como também por locuções
verbais formadas com nomes (essere certo, essere incerto, non essere sicuro etc.), por
substantivos (domanda, ricerca, dubbio, problema, questione etc.) e por adjetivos (incerto,
dubbioso etc.). Encontramos a explicação com exemplos sobre a regência dessa subordinada em
Luca Serianni (1999, p. 571). Esse autor afirma o seguinte (ibid., tradução nossa):
A interrogativa indiretta pode depender de um verbo da sovraordinata
[reggente] — que é o caso mais comum — mas também de um substantivo (“lo
prese il dubbio se restare o partire”), ou de um adjetivo (“Penoso e dubitoso
[sic] s’ancora ei spirassero l’aure” Carducci, Sogno d’estate, 32)87.
Infelizmente os autores das cinco principais gramáticas italianas que utilizamos nesta tese
não deram muita atenção ao tipo de regência dessa subordinada feito com elementos que não
fossem verbos. Em relação à citação acima — com a afirmação de Luca Serianni —, nós
analisaremos o primeiro exemplo que o autor apresenta: lo prese il dubbio se restare o partire;
identificamos, nas subordinadas desse exemplo, uma correspondência com a subordinada
substantiva apositiva do português. Vejamos a análise.
ITALIANO:
Lo prese il dubbio se restare o partire.
Análise segundo a gramática italiana:
Lo prese il dubbio / se restare / o partire.
1ª proposizione
2ª prop.
3ª prop.
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: interrogativa indiretta (1º grado)
3ª proposizione: interrogativa indiretta doppia (o disgiuntiva) 88 (1º grado)
87
88
As palavras dubbio, penoso e dubitoso foram sublinhadas por nós.
A classificação como doppia ou disgiuntiva se encontra em Pittano (1974, p. 530).
197
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Tomou-o a dúvida / se ficaria / ou partiria.
1ª oração
2ª oração
3ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada substantiva apositiva em relação à 1ª oração
3ª oração: subordinada substantiva apositiva em relação à 1ª oração e coordenada sindética
alternativa em relação à 2ª oração
Analisemos primeiro a classificação das subordinadas da frase italiana. Conforme já
vimos, Dardano e Trifone (2003, p. 465, tradução nossa) afirmam que “as interrogative indirette
são parecidas com as orações soggettive, oggettive e dichiarative”. De fato, é grande a
semelhança das duas subordinate interrogative indirette da frase apresentada por Luca Serianni
com subordinate dichiarative. Analisemos com mais detalhes a referida frase.
Na primeira oração, a expressão il dubbio é sujeito e lo prese é o predicado; trata-se de
uma proposizione indipendente, com os termos sintáticos na ordem inversa; a ordem direta seria:
il dubbio lo prese. A tradução dessa oração seria: a dúvida o tomou (tomar assume o sentido de
tomar conta, preencher). Uma oração equivalente seria a dúvida surgiu. A 2ª e a 3ª oração, se
partire o restare, especificam a expressão a dúvida, classificada como sujeito. Concluímos, desta
análise, que a estrutura da frase analisada é praticamente a mesma estrutura de uma típica frase
com uma subordinata dichiarativa, por isso a semelhança com este tipo de oração. O que faz
com que as subordinadas da frase analisada sejam classificadas como interrogative indirette é
principalmente a ideia expressa por toda a frase: dúvida ou incerteza; o apoio principal dessa
ideia é a presença da expressão il dubbio e da conjunção se.
Em relação à análise oracional da frase em português — que é tradução da frase italiana
—, as duas subordinadas exercem função sintática de aposto especificativo. Rearrumamos abaixo
os termos da frase para que fique mais clara a classificação das subordinadas como apositivas.
Vejamos a análise oracional:
A dúvida, [se partiria] [ou ficaria], o tomou.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: oração subordinada substantiva apositiva
3ª oração
1ª oração
198
3ª oração: oração subordinada substantiva apositiva em relação à 1ª oração (a conjunção se está
elíptica) e coordenada sindética alternativa em relação à 2ª oração
Azeredo (2010, p. 316) afirma o seguinte sobre as subordinadas substantivas apositivas:
“nominalizada por um que ou um se, ou sob forma infinitiva, uma oração pode servir de aposto a
um sintagma nominal da oração principal”. De fato, na frase em português acima, a segunda e a
terceira orações têm a conjunção se: a segunda é introduzida por ela, e a terceira tem essa
conjunção subentendida, colocada após a conjunção coordenativa alternativa ou. A segunda e a
terceira orações juntas servem de aposto ao sintagma nominal a dúvida, presente na oração
principal.
Ernani Terra (2007, p. 306) esclarece o seguinte a respeito das subordinadas substantivas:
“Normalmente a conjunção integrante que introduz uma oração substantiva que exprime fato
certo, e a conjunção integrante se, uma subordinada substantiva que exprime um fato incerto ou
duvidoso”. De fato, a segunda e a terceira orações são introduzidas pela conjunção se e, por isso,
expressam dúvida, incerteza.
Vale destacar que, apesar de não ser comum, a oração subordinada substantiva apositiva
pode vir intercalada na oração principal, como demonstra o exemplo apresentado por Ernani
Terra (2007, p. 306):
Seu grande desejo, [que o chefe lhe promovesse], foi finalmente atendido.
oração principal
oração sub. subst. apositiva
oração principal
De fato, a segunda e a terceira orações da frase A dúvida, se partiria ou ficaria, o tomou
estão intercaladas na oração principal. Por fim, destacamos que a conjunção se só pode ser
classificada como:
 conjunção subordinativa integrante, que é a que inicia oração subordinada substantiva;
 conjunção subordinativa condicional, que é a que introduz oração subordinada adverbial
condicional (quando equivale a caso);
 conjunção subordinativa causal: introduz oração subordinada adverbial causal (equivale a
como, já que).
199
No caso da frase que estamos analisando a conjunção se é uma conjunção subordinativa
integrante, pois introduz orações subordinadas substantivas apositivas.
Portanto, a proposizione subordinata sostantiva interrogativa indiretta pode corresponder
à oração subordinada substantiva apositiva.
C) Proposizione subordinata sostantiva interrogativa indiretta como oração subordinada
substantiva completiva nominal
Encontramos essa correspondência em uma frase de Giuseppe Pittano (1974, p. 530,
esercizio 2). Analisemos a referida frase.
ITALIANO:
Non aveva la minima idea di quanto potesse costare.
Análise segundo a gramática italiana:
Non aveva la minima idea / di quanto potesse costare.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: interrogativa indiretta
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
(Ele/Ela) não tinha a mínima ideia / de quanto podia custar.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada substantiva completiva nominal
A frase italiana que apresentamos aqui traz um caso de uma interrogativa indiretta ligada
a um substantivo (idea). A referida subordinata é esplicita e é introduzida pela preposição di e
pelo pronome interrogativo quanto. A frase expressa dúvida, incerteza, o que explica a
classificação da subordinada como interrogativa indiretta.
Na frase em português — que é a tradução da frase italiana —, temos uma subordinada
ligada ao substantivo ideia, completando-o; essa subordinada exerce a função de complemento
200
nominal, por isso temos uma subordinada completiva nominal. É interessante observar que a
oração principal da frase em questão traz o verbo ter, o que é muito comum em frases com
subordinadas desse tipo em português.
6.3.1.5. Proposizione dichiarativa
A proposizione subordinata sostantiva dichiarativa explica, esclarece ou especifica um
termo presente na proposizione reggente. De acordo com Luca Serianni (1999, p. 568), esse
termo pode ser: a) um pronome ou aggettivo dimostrativo; b) um pronome ou aggettivo
indefinito; c) um avverbio; d) um sostantivo. É comum essa oração referir-se a um pronome
demonstrativo acompanhado de um substantivo como argomento, fatto, circostanza, punto. É
uma oração introduzida, na forma esplicita, pela conjunção che e, na forma implicita, pela
preposição di, seguida do verbo no infinitivo.
Dardano e Trifone (2003, p. 453) tratam brevemente desse tipo de oração na sua
Grammatica italiana; esses autores a apresentam dentro do tópico 12.4, que trata das
proposizioni soggettive, porque a consideram uma variante da sostantiva oggettiva e da
sostantiva soggettiva.
Verificamos, ao estudarmos essa oração italiana, que ela corresponde às seguintes orações
do português: subordinada substantiva apositiva e subordinada substantiva completiva nominal.
Vejamos cada caso a seguir.
A) Proposizione subordinata sostantiva dichiarativa como oração subordinada substantiva
apositiva
Luca Serianni (1999, p. 568, tradução nossa) afirma que, “pela sua função no período, as
dichiarative podem ser aproximadas da apposizione [do aposto] na frase semplice”. De fato, uma
das orações do português correspondentes a essa oração italiana é justamente a subordinada
substantiva apositiva. Essa oração do português pode ser introduzinda pelas conjunções
integrantes que ou se, e pode ou não ser separada da oração principal por algum sinal de
pontuação, geralmente vírgula ou dois pontos.
201
Vejamos as frases apresentadas pelos autores italianos. As subordinadas, tanto em italiano
quanto em português, estão sublinhadas. Destacamos que Salvatore Battaglia e Vincenzo
Pernicone (1994) não tratam desse tipo de oração. Francesco Sabatini também não fala deste tipo
de oração subordinada. Ele fala em dichiarativa somente para explicar um tipo de frase singola.
AUTORES
EXEMPLOS
ESPLICITE (desenvolvidas):
Dardano e Trifone
(2003, p. 453)
1) In cio l’uomo si distingue dalle bestie, che ha l’uso della ragione. (Nisto
o homem se distingue dos bichos, que tem o uso da razão.)
2) Su questo punto ti sbagli, che io fossi presente. (Neste ponto você se
engana, que eu estivesse presente.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) A volte mi sorprendevo a sperare appunto questo: che neve e gelo non si
sciogliessero più. (Às vezes eu me surpreendia a esperar realmente isto: que
neve e gelo não derretessem mais.)
Luca Serianni
(1999, p. 568)
2) Nell’ipotesi che si volessero bene, una cosa era certa: che cotesto bene
non lo godevano. (Na hipótese que se quissessem bem, uma coisa era certa:
que este bem eles não aproveitavam.)
IMPLICITA (reduzida):
3) Espresse una proposta: ridurre tutti gli investimenti. (Expressou uma
proposta: reduzir todos os investimentos.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
Giuseppe Pittano
(1974, p. 505)
1) Questo doveva bastargli: che si erano ricordati di lui. (Isto devia bastarlhe: que tinham se lembrado dele.)
2) Era questo il punto: che non sarebbero mai giunti a un accordo. (Era este
o ponto: que não chegariam nunca a um acordo.)
Em Dardano e Trifone (2003, p. 453), podemos observar que, quando a subordinata
sostantiva dichiarativa vem após a reggente, estas são separadas por vírgula. Os exemplos de
Luca Serianni e os de Giuseppe Pittano apresentam a dichiarativa e a reggente separadas por dois
pontos.
202
Nos exemplos do quadro, a dichiarativa ou se refere a um pronome demonstrativo (cio,
questo), ou a um substantivo (cosa, proposta), ou à combinação de pronome demonstrativo e
substantivo (questo punto). As frases em português — traduções das frases italianas — têm o
mesmo tipo de pontuação. Acompanhemos a análise oracional completa de uma frase do quadro.
ITALIANO:
In cio l’uomo si distingue dalle bestie, che ha l’uso della ragione.
(DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 453)
Análise segundo a gramática italiana:
In cio l’uomo si distingue dalle bestie, / che ha l’uso della ragione.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: dichiarativa
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Nisto o homem se distingue dos bichos, / que tem o uso da razão.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada substantiva apositiva
Na frase italiana e na sua tradução em português, as subordinadas se referem
respectivamente às expressões demonstrativas in ciò e nisto. A separação da reggente/principal
das subordinadas é feita por vírgula. A correspondência entre as orações se estabelece sem
problemas: dichiarativa, em italiano, e apositiva, em português. Passemos ao segundo caso de
correspondência.
B) Proposizione subordinata sostantiva dichiarativa como oração subordinada substantiva
completiva nominal
Como já vimos, a subordinada substantiva completiva nominal, do português, exerce
função de complemento nominal e pode referir-se a um substantivo ou a um adjetivo da oração
203
principal. Encontramos frases em Dardano e Trifone (2003) e em Giuseppe Pittano (1974), cujas
subordinate sostantive dichiarative correspondem à completiva nominal do português. Estas
estão ligadas a substantivos das reggenti. Vejamos as frases no quadro a seguir.
ESPLICITA (desenvolvida):
Dardano e Trifone
(2003, p. 453)
1) Il fatto che siamo tutti qui testimonia il nostro affetto per te. (O fato de
que estejamos todos aqui testemunha o nosso afeto por você.)
IMPLICITA (reduzida):
2) Il fatto di essere tutti qui testimonia il nostro affetto per te. (O fato de
estarmos todos aqui testemunha o nosso afeto por você.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Mi tormenta il pensiero che tu sia lontano. (Atormenta-me o pensamento
de que você esteja longe.)
Giuseppe Pittano
(1974, p. 503)
2) Mi tormenta il fatto che tu sei lontano. (Atormenta-me o fato de que você
esteja longe.)
3) Mi tormenta il pensiero che io sarei il colpevole. (Atormenta-me o
pensamento de que eu seria o culpado.)
IMPLICITA (reduzida):
4) Mi tormenta il pensiero di essere lontano. (Atormenta-me o pensamento
de estar longe.)
Dardano e Trifone apresentam uma mesma ideia em duas versões: uma com a
dichiarativa na forma esplicita e outra com essa oração na forma implicita. Nas duas frases, a
dichiarativa apresenta-se intercalada na reggente, sem estar separada desta por vírgulas. Essa
subordinada, nas duas frases, refere-se ao substantivo fatto.
Giuseppe Pittano apresenta frases bem parecidas; nas três primeiras, o autor quer chamar
a atenção para a possibilidade de se usar, na subordinata dichiarativa, respectivamente os modos
congiuntivo, indicativo e condizionale.
As duas subordinate implicite do quadro — a de Dardano e Trifone e a de Giuseppe
Pittano — são introduzidas pela preposição di, seguida de verbo no infinitivo, como é
204
característico da dichiarativa implicita. Em português, as completivas nominais se ligam à oração
principal sempre por meio de uma preposição (a ou de). As frases em português do quadro de
exemplos trazem a preposição de, introduzindo as suas subordinadas.
Vejamos a análise completa de duas frases do quadro: uma de Dardano e Trifone e outra
de Pittano.
ITALIANO:
Frase 1: Il fatto che siamo tutti qui testimonia il nostro affetto per te.
(DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 453)
Análise segundo a gramática italiana:
Il fatto [ che siamo tutti qui ] testimonia il nostro affetto per te.
1ª prop.
2ª proposizione
continuazione della 1ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: dichiarativa
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
O fato [ de que estejamos todos aqui ] testemunha o nosso afeto por você.
1ª oração
2ª oração
continuação da 1ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada substantiva completiva nominal
ITALIANO:
Frase 2: Mi tormenta il pensiero che tu sia lontano. (PITTANO, 1974, p. 503)
Análise segundo a gramática italiana:
Mi tormenta il pensiero / che tu sia lontano.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: dichiarativa
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Atormenta-me o pensamento / de que você esteja longe.
1ª oração
2ª oração
205
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada substantiva completiva nominal
Comecemos as observações pela frase 2. Esta traz a dichiarativa em posição posterior à
reggente; acreditamos que, se a subordinada viesse intercalada, facilitaria a indentificação das
funções dos termos da oração principal e a classificação da própria subordinada.
Os termos sintáticos da reggente estão na ordem inversa (complemento oggetto +
verbo/predicato + soggetto). Se mantivermos a ordem inversa, mas iniciarmos a frase com o
sujeito, de modo que tenhamos soggetto + complemento oggetto + verbo, será possível
intercalarmos a subordinada. Assim, ao invés de termos Mi tormenta il pensiero che tu sia
lontano, teríamos Il pensiero che tu sia lontano mi tormenta. Vejamos a análise dessa nova
estrutura (sujeito da reggente + oração subordinada + predicado da reggente) da frase italiana e
também a análise da sua tradução para o português.
 Il pensiero [che tu sia lontano] mi tormenta.
1ª prop.
2ª proposizione
1ª prop.
 O pensamento [de que você esteja longe] me atormenta.
1ª prop.
2ª proposizione
1ª prop.
Essa é a estrutura das frases-exemplo de Dardano e Trifone (2003). Luiz Antonio Sacconi
(1990, p. 322), ao explicar as completivas nominais na sua obra Nossa gramática, apresenta duas
frases com essa mesma estrutura. Comparemos abaixo as frases italianas e suas traduções para o
português às frases de Sacconi (as subordinadas substantivas estão em itálico e em negrito):
FRASES ITALIANAS:
 Il fatto che siamo tutti qui testimonia il nostro affetto per te. (DARDANO E TRIFONE, 2003)
 Il pensiero che tu sia lontano mi tormenta. (PITTANO, 1974)
TRADUÇÕES:
 O fato de que estejamos todos aqui testemunha o nosso afeto por você.
 O pensamento de que você esteja longe me atormenta.
206
FRASES APRESENTADAS POR SACCONI PARA EXEMPLIFICAR AS ORAÇÕES SUBORDINADAS
SUSTANTIVAS COMPLETIVAS NOMINAIS:
 O fato de que és mudo não te impede de trabalhar.
 A notícia de que o presidente renunciou não é verdadeira.
Logo, fica claro que as subordinadas das frases em português, que são traduções das
frases italianas, são substantivas completivas nominais. As dichiarative, portanto, nos casos que
explicamos neste tópico (B), correspondem às completivas nominais do português.
6.3.2. Quadro resumitivo da proposta de correspondência entre as orações subordinadas
substantivas do italiano e as do português do Brasil
Após termos realizado, do tópico 6.3.1.1 ao tópico 6.3.1.5, o estudo de análise contrastiva
dos tipos de proposizioni subordinate sostantive do italiano com os tipos de orações subordinadas
substantivas do português, elaboramos o quadro abaixo para resumir a nossa proposta de
correspondência entre essas orações. Analisemos o quadro.
ITALIANO
PORTUGUÊS
soggettiva
subjetiva, predicativa, adjetiva
oggettiva diretta
objetiva direta, completiva nominal e adjetiva
oggettiva indiretta
objetiva indireta e completiva nominal
interrogativa indiretta
objetiva direta, apositiva e completiva nominal
dichiarativa
apositiva, completiva nominal
Como podemos ver, cada oração subordinada substantiva italiana corresponde a pelo
menos duas orações subordinadas do português, sendo que nem sempre essas orações do
207
português são substantivas. Como vimos, a soggettiva e a oggettiva diretta podem corresponder à
oração adjetiva do português.
É interessante observar que praticamente todos os tipos de substantivas do italiano podem
corresponder à substantiva completiva nominal do português; a exceção é a soggettiva. Vimos
que isso acontece, principalmente porque a locução verbal em italiano não é formada somente por
verbos, isto é, os elementos mais importantes que constituem uma locução verbal em italiano não
são somente verbos, mas também complementos-objeto (ou outros complementos). Há locuções
verbais italianas formadas, por exemplo, por verbo + substantivo, ou verbo + adjetivo. Quando
uma oração subordinada italiana se liga a um nome que compõe uma locução verbal italiana,
estabelece-se a correspondência com a oração subordinada substantiva completiva nominal do
português.
Destacamos que em italiano há menos tipos de orações subordinadas substantivas do que
em português. Há cinco tipos de sostantive: soggettiva, oggettiva diretta, oggettiva indiretta,
interrogativa indiretta e dichiarativa; em português, há seis tipos: subjetiva, objetiva direta,
objetiva indireta, completiva nominal, predicativa e apositiva. Passemos agora às proposizioni
subordinate relative.
6.3.3. Proposizioni subordinate relative
As proposizioni subordinate relative são as que têm a função de determinar ou modificar
o significado de um termo (geralmente substantivo ou pronome) presente na proposizione
reggente; este termo é chamado de antecedente89. Essas orações são chamadas relative, porque
são introduzidas por pronomi relativi (che, chi, il quale etc.), indefiniti relativi (chiunque,
qualunque etc.) ou avverbi relativi (dove, dovunque, come, comunque etc.) (PITTANO, 1974, p.
537). Em princípio, correspondem às orações subordinadas adjetivas do português, mas é preciso
cuidado, porque há caso de correspondência com subordinada substantiva.
Giuseppe Pittano (1974) também chama as relative de aggettive, porque correspondem a
um adjetivo. Segundo o autor, essas orações italianas formam o grupo das proposizioni
89
Em italiano e em português, a palavra é a mesma: antecedente.
208
attributive, porque desenvolvem a função do attributo (adjunto adnominal) e da apposizione
(aposto).
Essas orações podem se apresentar na forma esplicita ou implicita (com o verbo no
infinitivo), sendo que a forma implicita é restrita à relativa determinativa.
Quanto aos tipos de proposizioni relative, cada gramático italiano os denomina de um
jeito. Comparemos, no quadro abaixo, as várias denominações para os tipos de relative.
AUTORES
TIPOS DE PROPOSIZIONI SUBORDINATE RELATIVE
Dardano e Trifone
(2003, p. 468)
 determinativa (ou limitativa ou restrittiva)
Francesco Sabatini
(1994, p. 476)
 restrittiva (ou determinativa)
CIRCUNSTÂNCIAS:
 appositiva (ou esplicativa)
 temporale
 causale
 finale
 consecutiva
 concessiva
 condizionale
SIGNIFICADOS ESPECÍFICOS:
Luca Serianni
(1999, p. 623)
 appositiva
 temporale
 causale
 finale
 consecutiva
 concessiva
 ipotetica
 limitativa (ou restrittiva ou determinativa ALGUNS VALORES:
ou attributiva)
 esplicativa (ou aggiuntiva ou appositiva)
 finale
 consecutivo
 causale
 condizionale
CIRCUNSTÂNCIAS:
Battaglia e
Pernicone
(1994, p. 335-336)
Giuseppe Pittano
(1974, p. 538)
 determinativa (ou specificativa)
 appositiva (ou incidentale)
 temporale
 causale
 finale
PROPRIE:
IMPROPRIE:
 attributiva
 temporale
 causale
 finale
 appositiva (ou incidentale)
 consecutiva
 concessiva
 condizionale
 consecutiva
 concessiva
 condizionale
Como podemos observar no quadro, é grande a variação de nomes para os principais tipos
de proposizioni relative, e cada autor tem a sua preferência. Em relação ao primeiro tipo, o termo
determinativa aparece em duas das cinco gramáticas como a primeira opção de nome; e em
209
relação ao segundo tipo, o termo appositiva é o mais usado. Por isso, adotaremos, nesta tese,
esses dois termos para nos referirmos aos tipos de proposizioni subordinate relative.
Quanto às circunstâncias que essa subordinada pode expressar, há consenso entre os
autores; praticamente todos apresentam os mesmos tipos de circunstâncias, Luca Serianni citou
apenas quatro tipos, mas deixa entender que há outros. É a relativa determinativa que pode
expressar essas circunstâncias.
Também podemos observar no quadro que Giuseppe Pittano (1974, p. 538, tradução
nossa) divide as relative em dois grupos: proprie (próprias) e improprie (impróprias). As proprie
“são as que têm valor attributivo ou appositivo”; e as improprie “são as que têm valor de outras
subordinadas”.
Vejamos agora como se caracterizam os principais tipos de relative. A relativa
determinativa especifica ou limita o sentido do antecedente presente na reggente. Sem ela, esse
termo ficaria incompleto, logo, é um tipo de oração que não pode ser retirado da frase sem
prejuízo do sentido da mesma. Dardano e Trifone (2003, p. 467, tradução nossa) explicam que
“há neste tipo de proposizione relativa, um componente ‘dêitico’90, ‘demonstrativo’ [...]; por
exemplo, a frase prendo l’autobus che sta arrivando equivale a prendo questo autobus (non un
altro)”. Esse tipo de relativa corresponde, em princípio, à subordinada adjetiva restritiva do
português.
A relativa appositiva têm um caráter acessório; acrescenta uma informação a respeito do
antecedente, a qual não altera o sentido geral da frase. Costuma vir isolada, entre vírgulas. Esse
tipo de relativa corresponde, em princípio à adjetiva explicativa do português.
É interessante destacar que, em determinadas frases, a presença ou ausência das vígulas
determina o tipo de relativa. Dardano e Trifone (2003, p. 467) demonstram isso através dos
seguintes exemplos:
 Tutti i coleghi, che hanno fiducia in te, ti appoggeranno.
Proposizione subordinata relativa appositiva
 Tutti i coleghi che hanno fiducia in te ti appoggeranno. (= solo loro, non gli altri)
Proposizione subordinata relativa determinativa
90
Que faz referência à situação, ao contexto e aos interlocutores da enunciação.
210
As orações subordinadas adjetivas do português são praticamente como as relative
italianas. São introduzidas também por pronomes relativos (como que, o qual (e flexões), quem,
onde, cujo (e flexões), quanto etc.) e pelo advérbio como (com o sentido de por que, pelo qual,
pela qual). Há dois tipos de adjetivas: restritivas e explicativas. As restritivas são como as
determinative do italiano; e as explicativas são como as appositive.
José Carlos Azeredo (2010, p. 321-322) apresenta os “conteúdos circunstanciais das
orações adjetivas”: “As orações adjetivas podem apresentar cumulativamente um conteúdo
circunstancial de causa, concessão, condição, finalidade, resultado”. Segundo o autor, as adjetivas
terão: valor concessivo, condicional, final, consecutivo e causal.
Ataliba de Castilho (2010, p. 371), na sua Gramática do português brasileiro, no tópico
intitulado Semântica das adjetivas, fala somente em restritivas finais e em restritivas causais.
Ainda neste tópico, o autor explica os dois tipos de subordinadas adjetivas e os chama de
restritivas ou determinativas e explicativas ou apositivas.
Passemos à análise individual dos dois tipos de proposizioni subordinate relative: as
determinative e as appositive.
6.3.3.1. Proposizione relativa determinativa
Como já afirmamos, esse tipo de subordinata relativa especifica e limita o antecedente
presente na proposizione reggente. O conectivo que liga essas duas orações pode ou não estar
precedido de preposição. Não se usam vírgulas para separar a relativa determinativa da principal.
Vejamos os exemplos apresentados pelos autores italianos em que nos baseamos.
AUTORES
Dardano e
Trifone
(2003, p.
467-468)
EXEMPLOS
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Prendo l’autobus che sta arrivando. (Pego o ônibus que está chegando.)
2) Tutti i colleghi che hanno fiducia in te ti appoggeranno. (Todos os colegas que
têm confiança em você vão te apoiar.)
211
IMPLICITE (reduzidas):
3) Non riesco a trovare una persona con cui dividere l’appartamento. (Não consigo
encontrar uma pessoa com quem dividir o apartamento.)
Dardano e
Trifone
(2003, p.
467-468)
4) Questi sono gli argomenti sui quali puntare per ottenere il consenso. (Estes são
os argumentos sobre os quais se apoiar para obter o consenso.)
5) Ho portato un libro da leggere in treno. (Eu trouxe um livro para ler no trem.)
6) Le domande pervenute [...] in ritardo non saranno esaminate. (As perguntas
recebidas com atraso não serão examinadas.)
7) Il governo dovrà applicare le direttive della CEE riguardanti la salvaguardia
ambientale. (O governo deverá aplicar as diretivas da CEE, referentes à defesa
ambiental.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Ho ricevuto ieri la lettera che aspettavo. (Recebi ontem a carta que eu esperava.)
2) Ho letto il romanzo del quale (di cui) mi avevi parlato. (Li o romance do qual
(de que) você tinha me falado.)
Francesco
Sabatini
(1994, p.
475-476)
3) Questa è la casa nella quale (o in cui, o dove) sono nato. (Esta é a casa na qual
(ou em que, ou onde) nasci.)
4) Abbiamo rintracciato chi ha assistito all’episodio. (Fomos ao encalço de quem
assistiu ao episódio.)
IMPLICITA (reduzida):
5) Cerco amici con cui passare le vacanze. (Procuro amigos com quem passar as
férias.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Scegli i libri che ti servono. (p. 622; Escolha os livros que te servem.)
Luca
Serianni
(1999)
2) Va’ da chi è in grado di darti un consiglio. (p. 622; Vá à casa de quem é capaz
de te dar um conselho.)
IMPLICITE (reduzidas):
3) Saremmo noi gli ultimi a ricordarlo con qualche emozione. (p. 625; Seríamos
nós os últimos a lembrar dele com alguma emoção.)
4) Sono stati loro [...] a chiamarmi [...]. (p. 625; Foram eles [...] a me chamar [...]. )
212
ESPLICITE (desenvolvidas):
Salvatore
Battaglia e
Vincenzo
Pernicone
1) Ho letto il libro che ho comprato ieri. (Li o livro que comprei ontem.)
2) Bisogna sempre diffidare da coloro i quali si lodano. (É preciso sempre
desconfiar daqueles os quais se gabam.)
(1994,p.335)
3) Ho rivisto la casa in cui abbiamo abitato. (Revi a casa em que moramos.)
4) Ecco la città dove sono nato. (Eis a cidade onde nasci.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) La città che stiamo attraversando è magnifica. (A cidade que estamos
atravessando é magnífica.)
2) Chi tace acconsente. (Quem cala consente.)
Giuseppe
Pittano
(1974,p.537)
3) Non amo coloro che si vantano di tutto. (Não amo aqueles que si vangloriam de
tudo.)
4) Era generoso con chiunque avesse bisogno. (Era generoso com qualquer um que
tivesse necessidade.)
5) Vado dovunque mi mandino. (Vou em qualquer lugar que me mandem.)
6) Andiamo dove vanno gli altri. (Vamos aonde vão os outros.)
Como podemos verificar no quadro, as subordinate relative podem vir tanto após a
reggente, como na frase 1 de Dardano e Trifone, quanto intercaladas nesta, como na frase 2 dos
mesmos autores. Tanto as esplicite quanto as implicite podem ser introduzidas por vários tipos de
preposições (di, con, su, da, a); no caso das esplicite das frases 3 e 4 de Francesco Sabatini, a
preposição é seguida de um pronome relativo e o verbo apresenta-se flexionado; nas implicite das
frases 3 e 4 de Dardano e Trifone, a preposição se une a um pronome relativo e o verbo se
apresenta no infinitivo. O que determina se a subordinata relativa se iniciará por uma preposição
— e, nesse caso, qual preposição — será a regência do verbo da própria subordinada — como na
frase 3 de Dardano e Trifone: o verbo dividere exige que o seu complemento se inicie com a
preposição con.
213
É interessante destacar que os pronomes relativos podem estar presentes tanto nas frases
esplicite quanto nas implicite. Geralmente as implicite91 que são iniciadas por preposição têm,
logo após esta, um verbo em uma das formas nominais. Isso também acontece com as relative,
como podemos verificar na frase 5 de Dardano e Trifone.
Considerando as implicite, Giuseppe Pittano (1974, p. 537-538, tradução nossa) afirma, na
sua Grammatica italiana, que “a proposizione relativa é só esplicita”. Porém, após essa
afirmação, o autor explica o seguinte:
Podem transformar-se em proposizioni relative os particípios presentes e
passados: ho letto un libro riguardante (= che riguardava) la guerra; il treno
arrivato (= che è arrivato) ora è in ritardo; infinitivos introduzidos pela
preposição da: è un libro da leggere (= che deve essere letto) in vacanza.
Em relação aos exemplos da citação acima, o autor não apresenta a classificação das
expressões riguardante la guerra, da primeira frase; arrivato ora, da segunda frase; e da leggere,
da terceira sentença. Para os outros autores, essas “expressões” seriam todas proposizioni relative
implicite.
Destacamos os exemplos de relativa reduzida de particípio do quadro: as frases 6 e 7 de
Dardano e Trifone. Esses autores explicam que o particípio é usado “com valor de relativa
implicita”. Na frase 6, pervenute in ritardo corresponde à relativa esplicita: che sono pervenute
in ritardo; na frase 7, riguardanti la salvaguardia ambientale corresponde à relativa esplicita:
che riguardano la salvaguardia ambientale. Analisemos, com mais detalhes, uma das frases do
quadro.
ITALIANO:
Tutti i colleghi che hanno fiducia in te ti appoggeranno. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p.467)
Análise segundo a gramática italiana:
Tutti i colleghi [che hanno fiducia in te] ti appoggeranno.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: subordinata relativa determinativa
91
Somente as subordinadas podem se apresentar na forma implicita.
214
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Todos os colegas [que têm confiança em você] vão te apoiar.
1ª oração
2ª oração
1ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada adjetiva restritiva
É um caso de subordinata relativa intercalada. É uma relativa determinativa, porque
limita, restringe o sentido do termo colleghi. Como vimos, esse tipo de subordinada não vem
entre vírgulas, nem em italiano nem em português.
Em relação aos valores circunstanciais, veremos a seguir os exemplos que os autores
apresentam. Tratam-se de frases com relative esplicite.
A) relativa temporale
Vejamos a seguir os exemplos desse tipo de relativa.
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone
(2003, p. 468)
È già un mese che (= da quando) sono arrivato. (Já faz um mês que (=
desde quando) eu cheguei.)
Francesco Sabatini
(1994, p. 476)
È un’ora che ti aspetto (= da quando ti aspetto). (Faz uma hora que te
espero (= desde quando te espero)
Salvatore Battaglia e
Vincenzo Pernicone
(1994, p. 335)
Era la stagione in cui (durante la quale) si raccoglievano le olive. (Era a
estação em que se colhiam as azeitonas.)
Giuseppe Pittano
(1974, p. 538)
92
L’ho visto che (= quando) rientrava92. (Eu o vi quando ele voltava.)
Não identificamos nenhum verbo em português que correspondesse exatamente ao significado do verbo rientrare;
o melhor que conseguimos foi traduzi-lo como voltar, mas sabemos que não traduz tudo o que rientrare significa.
215
Considerando a questão semântica, podemos observar que todas as frases do quadro têm a
mensagem que transmitem ligada à ideia de tempo; determinadas palavras, como mese, ora,
stagione, evidenciam isso.
Quanto à parte formal, podemos verificar que a subordinata relativa com valor temporal
pode ser introduzida pelo pronome relativo che (significando quando) — como nas frases de
Dardano e Trifone, de Sabatini e de Pittano — e pelo pronome cui, sendo este último
acompanhado de preposição.
Ao analisarmos as orações subordinadas dos períodos apresentados, verificamos que a
subordinada relativa com valor temporal pode corresponder à oração subordinada substantiva
subjetiva, à oração subordinada adjetiva restritiva, e à oração subordinada adverbial temporal.
Verifiquemos cada caso, a partir da análise da cada frase do quadro.
ITALIANO:
Frase 1: È già un mese che sono arrivato. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 468)
Análise segundo a gramática italiana:
È già un mese / che sono arrivato.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: subordinata relativa determinativa con valore temporale
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Já faz um mês / que eu cheguei.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada substantiva subjetiva
A frase analisada acima, de Dardano e Trifone, é parecida com a frase de Francesco
Sabatini; ambas exemplificam o mesmo caso de subordinata relativa com valor temporal, por
isso, analisamos somente uma delas: optamos pela frase de Dardano e Trifone.
Como podemos verificar, na frase em português, a subordinada que eu cheguei é
classificada como substantiva subjetiva. A proposizione reggente È già un mese, equivale a un
216
mese fa, que em português significa faz um mês. Sobre a classificação do verbo fazer nesse caso,
Luiz Antonio Sacconi (1990, p. 290) afirma o seguinte:
Consideramos unipessoal, e não impessoal, o verbo fazer seguido da oração
iniciada pela conjunção que, a nosso ver integrante. A NGB não trata dos
verbos unipessoais, considerando todos os verbos só usados nas terceiras
pessoas como impessoais, incorrendo num equívoco imperdoável. Na frase Faz
dez anos que deixei de fumar, a oração iniciada pelo conectivo é substituível
pelo pronome substantivo isso, o que comprova seu valor substantivo: Faz dez
anos que deixei de fumar = Faz dez anos isso.
Verbos unipessoais — a que Sacconi se refere — são os que possuem sujeito em uma
única pessoa do discurso: a 3ª pessoa do singular e/ou a do plural. Exprimem, por exemplo, ações
próprias dos aimais, como latir, miar, grunir etc..
Dando continuidade ao raciocínio de Sacconi, se colocarmos a última frase apresentada
pelo autor — Faz dez anos isso — na ordem direta, teremos Isso faz dez anos, onde o termo Isso
é sujeito e faz dez anos é o predicado. Se o termo Isso, na verdade, está substituindo uma oração,
então significa que essa oração exercerá a mesma função do termo, ou seja, será uma oração
subordinada substantiva subjetiva, que é a oração que tem a função de sujeito da reggente. Por
isso classificamos a oração que eu cheguei como subjetiva.
Consideremos agora a frase de Battaglia e Pernicone: Era la stagione in cui (durante la
quale) si raccoglievano le olive (Era a estação em que se colhiam as azeitonas). Classificamos a
subordinada da frase em português como adjetiva restritiva. Poderíamos substituir a referida
oração, por exemplo, por uma locução adjetiva, e então teríamos: Era a estação da colheita das
azeitonas. A função da oração subordinada é a de adjunto adnominal, uma das funções exercidas
pelas subordinadas adjetivas.
A quarta frase, a de Giuseppe Pittano, nos traz uma nova correspondência entre a relativa
com valor temporal e uma oração do português. Façamos a sua análise.
Se traduzirmos para o português a frase L’ho visto che (= quando) rientrava ao pé da
letra, ela não terá sentido; ficaria da seguinte forma: Eu o vi que voltava. A melhor tradução a que
chegamos para que a frase tenha sentido em português é: Eu o vi, quando ele voltava. Dessa
forma, fica muito fácil classificar a oração subordinada (sublinhada): é claramente uma adverbial
temporal.
217
B) relativa finale
Vejamos o caso da relativa finale através dos exemplos abaixo. Todas as frases são
esplicite.
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone
(2003, p. 468)
Cercavo qualcuno che (= affinché) m’indicasse la strada. (Eu procurava
alguém que (= a fim de que) me indicasse a estrada.)
Francesco Sabatini
(1994, p. 476)
Assumerò una segretaria che parli (= affinché parli) il tedesco. (Assumirei
uma secretária que fale (= afim de que fale) o alemão.)
Luca Serianni
(1999, p. 623)
Fanno entrare sua sorella che lo consoli. (Fazem entrar sua irmã que o
console.)
Salvatore Battaglia e Voglio scrivere un libro, che rievochi questi tempi. (Quero escrever um
Vincenzo Pernicone livro que evoque novamente estes tempos.)
(1994, p. 336)
Giuseppe Pittano
(1974, p. 538)
Manderò uno che (= affinché) lo avverta. (Mandarei alguém que (a fim de
que) o advirta.)
A subordinata relativa com valor final é um caso de correspondência perfeita com uma
oração do português, pois corresponde exatamente a uma oração subordinada adjetiva restritiva
final.
De acordo com Ataliba de Castilho (2010, p. 371), a oração subordinada adjetiva será
restritiva final, quando agregar uma noção de finalidade e trazer o verbo da subordinada no
subjuntivo. Isso acontece com as cinco frase em português — que são traduções das frases
italianas — do quadro.
A única observação a fazer é a respeito da vírgula usada por Battaglia e Pernicone. Não
deveria haver vírgula para separar a reggente desse tipo de subordinada, porque trata-se de uma
relativa finale, que não vêm isolada por vírgula. Acompanhemos abaixo a análise completa de
uma das frases do quadro.
218
ITALIANO:
Cercavo qualcuno che (affinché) m’indicasse la strada. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p.468)
Análise segundo a gramática italiana:
Cercavo qualcuno / che m’indicasse la strada.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: subordinata relativa determinativa con valore finale
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Eu procurava alguém / que me indicasse a estrada.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada adjetiva restritiva final
C) relativa consecutiva
As proposizioni subordinate relative consecutive que analisamos correspondem às
orações subordinadas adjetivas restritivas consecutivas. Todas as frases italianas apresentadas
pelos autores são esplicite. Vejamos os exemplos.
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone
(2003, p. 468)
Non c’erano ragioni che (= tali che) lo convincessero. (Não havia razões
que (= tais que) o convencessem.)
Francesco Sabatini
(1994, p. 476)
Non ci sono scuse che valgano (tali da valere). (Não há desculpas que
valham (tais a valer).
Luca Serianni
(1999, p. 623)
Non c’è gruppo italiano all’estero [...] che non si segnali per le stragi di
fauna che da esso si irradiano. (Não há grupo italiano no esterior [...] que
não se destaque pelas matanças da fauna que dele se irradiam.)
Salvatore Battaglia e
Vincenzo Pernicone
(1994, p. 336)
1) Compro un cavallo che sia capace di vincere. (Compro um cavalo que
seja capaz de vencer.)
219
Salvatore Battaglia e
Vincenzo Pernicone
(1994, p. 336)
2) Non portò nessuna ragione che fosse persuasiva. (Não trouxe
nenhuma razão que fosse persuasiva.)
Giuseppe Pittano
(1974, p. 538)
Non è uno che (= tale che) ti tradisca.(Não é alguém que (tal que) te
traia.)
Todas as subordinadas das frases italianas do quadro são relative determinative; referemse a antecedentes, que são, em sua maioria, substantivos; na frase de Giuseppe Pittano, o
antecedente é uno, classificado gramaticalmente como pronome indefinido; essas relative
especificam e limitam o significado dos seus antecedentes.
José Carlos de Azeredo (2010, p. 321) dá o seguinte exemplo de oração subordinada
relativa com valor consecutivo:
 Cuidado para não fazer declarações que possam nos comprometer. (= (tais) que possam nos
comprometer)
Se compararmos esse exemplo com as frases em português do quadro, veremos que são
muito parecidos: a subordinada é introduzida em todas as frases pelo pronome relativo que;
poderíamos acrescentar nas orações principais a expressão tal (ou suas flexões) — característico
da subordinada adverbial consecutiva — que reforçaria o valor consecutivo das subordinadas
adjetivas. Vejamos a análise completa de uma das orações italianas e a da sua tradução.
ITALIANO:
Non c’erano ragioni che (=tali che) lo convincessero. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 468)
Análise segundo a gramática italiana:
Non c’erano ragioni / che lo convincessero.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: subordinata relativa con valore consecutivo
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Não havia razões / que o convencessem.
1ª oração
2ª oração
220
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada adjetiva restritiva com valor consecutivo
D) Relativa causale
Analisemos, no quadro abaixo, as frases em italiano e em português, para depois
verificarmos as particularidades desse tipo de relativa.
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone
(2003, p. 468)
Mi raccomando a te, che (= perché) sei più grande. (Eu confio em você, que
(= porque) é mais velho.)
Francesco
Sabatini
(1994, p. 476)
Mi rivolsi a lui, che aveva mostrato (= perché aveva mostrato) di capire le
mie ragioni. (Dirigi-me a ele, que tinha mostrado (= porque tinha mostrado)
entender as minhas razões.)
Luca Serianni
(1999, p. 623)
1) La colpa della mancata riuscita veniva riversata prima sul nipote che non
aveva voglia di studiare, quindi sui professori che non sapevano insegnare.
(A culpa do resultado ruim recaía primeiro sobre o sobrinho (ou neto) que
não queria estudar, depois sobre os professores que não sabiam ensinar.)
2) Del resto, tu che sei letterato, ricorderai certamente come inizia l’
‘Edmenegarda’ di Giovanni Prati. (De resto, você que é um literato, lembrará
certamente como se inicia a ‘Edmenegarda’ de Giovanni Prati.)
Battaglia e
Pernicone
(1994, p. 336)
Sono felici loro, che hanno tanta serenità d’animo. (São felizes eles, que têm
tanta serenidade de ânimo.)
Giuseppe Pittano
(1974, p. 538)
Beati voi che (= perché) andate in vacanza. (Abençoados vocês que (=
porque) sairão de férias.)
Todas as subordinate (sublinhadas) das frases italianas são introduzidas pelo pronome
che. Em algumas das frases, há vírgula entre essas orações e suas respectivas reggenti; é o caso
das frases de Dardano e Trifone, de Sabatini e de Battaglia e Pernicone. Classificaríamos essas
relative como appositive causale, porque, elas acrescentam uma informação acessória.
221
A classificação italiana para essas subordinate corresponde à classificação do português.
Vejamos a análise oracional de uma das frases.
ITALIANO:
Mi raccomando a te, che (perché) sei più grande. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 468)
Análise segundo a gramática italiana:
Mi raccomando a te, / che sei più grande.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: subordinata relativa appositiva causale
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Eu confio em você, / que é mais velho.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada adjetiva explicativa causal
E) Relativa condizionale
Primeiramente observemos, no quadro abaixo, as frases com as relative condizionali.
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone
(2003, p. 468)
Chi (= se qualcuno) vuole, può restare. (Quem (= se alguém) quiser, pode
ficar.)
Francesco Sabatini
(1994, p. 476)
Darò aiuto a chi mostrerà (= se qualcuno mostrerà) di averne bisogno.
(Darei ajuda a quem mostrar (= se alguém mostrar) ter necessidade dela).
Luca Serianni
1) Credo che gli italiani colmeranno gli eventuali vuoti che dovessero
verificarsi nell’afflusso dall’estero. (Acredito que os italianos encherão os
eventuais espaços vazios que devam se verificar no afluxo do exterior.)
(1999, p. 623-624)
2) A chi volesse configurarsi una Circe vista dall’interno, consiglierei la
biografia di una sciamana tibetana. (A quem quisesse configurar-se uma
Circe vista pelo interior, eu aconselharia a biografia de uma tibetana.)
222
Salvatore Battaglia e Chi avesse coraggio, potrebbe tentare. (Quem tivesse coragem, poderia
Vincenzo Pernicone tentar.)
(1994, p. 336)
Giuseppe Pittano
(1974, p. 538)
Chi (= se uno) dicesse questo, sbaglierebbe. (Quem (= se alguém) dissesse
isto, erraria.)
A maioria das subordinate relative determinative condizionali das frases italianas se inicia
com o pronome indefinido chi, precedido ou não de preposição. O modo verbal mais frequente é
o congiuntivo.
Chamamos a atenção para a frase de Francesco Sabatini: Darò aiuto a chi mostrerà (= se
qualcuno mostrerà) di averne bisogno (Darei ajuda a quem mostrar (= se alguém mostrar) ter
necessidade dela). Em italiano, a subordinada (sublinhada) é classificada como relativa
determinativa condizionale; mas em português não é tão fácil a classificação dessa subordinada
sublinhada. O verbo dar é transitivo direto e indireto; a estrutura mais comum com esse verbo é:
quem dá, dá algo a alguém, sendo o termo algo, o objeto direto (O.D.), e a expressão a alguém, o
objeto indireto (O.I.). Na frase em português que é tradução da frase italiana, o objeto direto é
claramente o substantivo ajuda; e a oração a quem mostrar será o objeto indireto. Poderíamos
substituir a referida oração por um subustantivo acompanhado de preposição. Vejamos frases
símiles:
 Darei ajuda a Pedro.
O.D.
 Darei / ajuda / a quem precisar.
O.I.
O.D.
O.I. ORACIONAL
Assim, considerando esses argumentos, classificaríamos a oração a quem mostrar como
substantiva objetiva indireta reduzida de infinitivo. Se a oração fosse se alguém mostrar, seria
subordinada adverbial condicional reduzida de infinitivo. Vejamos a análise completa da frase em
italiano e em português.
ITALIANO:
Darò aiuto a chi mostrerà (= se qualcuno mostrerà) di averne bisogno.
(SABATINI, 1994, p. 476)
Análise segundo a gramática italiana:
223
Darò aiuto / a chi mostrerà / di averne bisogno.
1ª prop.
2ª proposizione
3ª proposizione
1ª proposizione: reggente della 2ª proposizione
2ª proposizione: subordinata relativa determinativa condizionale, in rapporto alla 1ª
proposizione; e reggente della 3ª proposizione
3ª proposizione: subordinata sostantiva oggettiva diretta implicita d’infinito, in rapporto alla
2ª proposizione
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Darei ajuda / a quem mostrar / ter necessidade dela.
1ª oração
2ª oração
3ª oração
1ª oração: principal, em relação à segunda oração
2ª oração: subordinada substantiva objetiva indireta reduzida de infinitivo, em relação à 1ª
oração; e oração principal, em relação à terceira oração
3ª oração: subordinada substantiva objetiva direta reduzida de infinitivo, em relação à
segunda oração
Vale observar que a classificação da terceira oração, tanto em italiano quanto em
português é a mesma: ambas são subordinadas substantivas objetivas diretas, reduzidas de
infinitivo. Lembramos que, em italiano, avere bisogno é uma locução verbal; o seu complemento,
na frase acima, é o pronome ne, que substitui, nesse caso, a expressão di aiuto, complemento
indiretto da referida locução.
Vejamos agora a análise de uma frase do quadro de exemplos, em que a subordinata
relativa condizionale corresponde a uma adjetiva condicional do português.
ITALIANO:
Chi (se qualcuno) vuole, può restare. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 468)
Análise segundo a gramática italiana:
Chi vuole, / può restare.
1ª prop.
2ª prop.
1ª proposizione: subordinata relativa determinativa condizionale
2ª proposizione: reggente
224
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Quem quiser, / pode ficar.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: subordinada adjetiva restritiva condicional
2ª oração: principal
F) Relativa concessiva
Observemos os exemplos a seguir, para posteriormente realizarmos uma análise mais
detalhada.
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e Trifone
(2003, p. 468)
Tu, che (= sebbene) avresti tanto da dire, non parli. (p. 468; Você, que (=
embora tivesse) tinha tanto a dizer, não fala.)
Francesco Sabatini
(1994, p. 476)
Parla proprio lui che dovrebbe star zitto (=sebbene debba). (Fala justo
ele que deveria estar calado (= embora deva).
Salvatore Battaglia e
Vincenzo Pernicone
(1994, p. 336)
Quel bravo figliolo, che aveva studiato sempre, è stato tuttavia bocciato.
(Aquele bom filho, que tinha estudado sempre, foi todavia reprovado.)
Giuseppe Pittano
(1974, p. 538)
Egli che aveva (= sebbene avesse) ragione, tacque. (Ele, que tinha (=
embora tivesse) razão, calou.)
Podemos observar, nos exemplos do quadro, que todas as subordinate relative concessive
(sublinhadas) são introduzidas pelo pronome che, seguido de verbo no indicativo ou no
condizionale. A relativa concessiva parece uma oração acessória, e, a julgar pela presença das
vírgulas, isolando-a em algumas das frases, diríamos que as subordinadas das frases são relative
appositive.
José Carlos de Azeredo (2010, p. 321) apresenta o seguinte exemplo de oração
subordinada adjetiva explicativa com valor concessivo:
225
“Coitada da minha avó. (...) Logo ela, que amava tanto a vida, (...) ia morrer.” [NAVA, 1973, p.
75] (= embora amasse tanto a vida)
Podemos perceber claramente a semelhança entre o exemplo de Azeredo e as
subordinadas adjetivas das frases em português. Analisemos, com mais detalhes, uma das frases
do quadro.
EXEMPLO: Tu, che (sebbene) avresti tanto da dire, non parli. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 468)
Análise segundo a gramática italiana:
Tu, [che avresti tanto da dire], non parli.
1ª pr.
2ª proposizione
1ª prop.
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: subordinata relativa appositiva concessiva
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Você, [que tinha tanto a dizer], não fala.
1ª or.
2ª oração
1ª or.
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada adjetiva explicativa com valor concessivo
6.3.3.2. Proposizione relativa appositiva
Conforme já afirmamos, a proposizione subordinata relativa appositiva fornece uma
informação acessória sobre o que é dito na reggente, por isso vem separada desta por vírgula(s).
Não apresenta a forma implicita. Corresponde à oração subordinada adjetiva explicativa do
português. Vejamos os exemplos apresentados pelos autores italianos que consideramos nesta
tese e as traduções para o português desses mesmos exemplos.
226
AUTORES
Dardano e
Trifone
(2003, p. 467-468)
EXEMPLOS
1) Tutti i colleghi, che hanno fiducia in te, ti appoggeranno. (Todos os colegas,
que têm confiança em você, vão te apoiar93.)
2) Prendo l’autobus, che è il mezzo di trasporto più econômico. (Pego o
ônibus, que é o meio de transporte mais econômico.)
3) La luna, che sorge a est, descrive un’orbita intorno alla Terra. (A lua, que
surge a leste, descreve uma órbita em torno da Terra.)
Francesco
Sabatini
(1994, p. 475)
1) Il pubblico applaudì l’atleta, che era raggiante di gioia. (O público aplaudiu
o atleta, que estava radiante de alegria.)
2) È arrivato Antonio, che (o il quale) propone di andare tutti al cinema.
(Chegou Antônio, que (ou o qual) propõe de irmos(ou irem) todos ao cinema.)
3) Ho perduto mio zio, al quale (o cui, o a cui) ero tanto affezionato. (Perdi
meu tio, ao qual (ou a quem) eu era tão afeiçoado.)
Luca Serianni
(1999, p. 623)
Voi, che siete stati in guerra, non dovreste parlare così. (Vocês, que estiveram
na guerra, não deveriam falar assim.)
Battaglia e
Pernicone
(1994, p. 335)
Mio fratello, che è sempre irrequieto, è di nuovo ripartito. (Meu irmão, que é
sempre irrequieto, partiu de novo.)
Giuseppe
Pittano
(1974, p. 538)
Questo libro, che ho avuto in prestito, è molto interessante. (Este livro, que
peguei emprestado, é muito interessante.)
Como podemos verificar no qudro, todas as subordinate relative appositive e suas
correspondentes em português, as sobordinadas adjetivas explicativas, estão separadas por
vírgula(s) das suas respectivas orações principais 94. O pronome che, que introduz praticamente
todas as subordinadas — a exceção é a terceira frase de Sabatini, cuja subordinada é introduzida
por al quale —, refere-se a antecedentes que são palavras imediatamente anteriores aos mesmos.
Acompanhemos agora a análise de uma frase do quadro e a da sua tradução.
93
Preferimos traduzir ti appoggeranno como vão te apoiar, porque essa locução em português é mais usada do que a
forma apoiar-te-ão.
94
Lembramos que proposizione reggente é como chama a oração principal das orações subordinadas.
227
ITALIANO:
Tutti i colleghi, che hanno fiducia in te, ti appoggeranno. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 468)
Análise segundo a gramática italiana:
Tutti i colleghi, [che hanno fiducia in te], ti appoggeranno.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: subordinata relativa appositiva
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Todos os colegas, [que têm confiança em você], vão te apoiar.
1ª oração
2ª oração
1ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada adjetiva explicativa
6.3.4. Quadros resumitivos da proposta de correspondência entre as orações subordinadas
adjetivas do italiano e as do português do Brasil
Com o estudo das proposizioni subordinate relative do italiano, pudemos verificar a
correspondência com o português descrita nos quadros abaixo.
ITALIANO
PORTUGUÊS
PROPOSIZIONE SUBORDINATA RELATIVA:
ORAÇÃO SUBORDINADA ADJETIVA
determinativa
(ou limitativa ou restrittiva ou attributiva)
restritiva
appositiva
(ou incidentale ou esplicativa ou aggiuntiva)
explicativa
Assim, a relativa determinativa do italiano corresponde à adjetiva restritiva do português;
e a relativa appositiva corresponde à adjetiva explicativa.
228
Em relação aos valores circunstanciais que as relative podem ter, verificamos a seguinte
correspondência com o português:
relativa temporale
• Oração subordinada substantiva subjetiva;
• oração subordinada adverbial temporal;
• oração subordinada adjetiva restritiva
relativa finale
adjetiva final
relativa consecutiva
adjetiva consecutiva
relativa causale
adjetiva causal
relativa condizionale
adjetiva condicional
relativa concessiva
adjetiva concessiva
Com exceção da relativa temporale, todos os outros tipos de relative circostanziali têm
uma oração de mesma classificação em português, o que os torna mais fáceis em termo de estudo.
Já a relativa temporale tem correspondência com três orações do português. O tipo que mais
chamou nossa atenção foi a correspondência com a oração subordinada substantiva subjetiva.
Parece-nos que expressões que denotem tempo, como è un mese, un anno fa, un’ora fa etc., são
determinantes para que a oração seja classificada como relativa temporale. Em português,
expressões como essas regeriam as orações subordinadas substantivas subjetivas. A
correspondência com a subordinada adverbial temporal pareceu-nos um caso isolado. Já a que se
estabeleu com a oração subordinada adjetiva restritiva parece a mais frequente.
6.3.5. Proposizioni subordinate avverbiali
De acordo com Dardano e Trifone (2003, p. 448, tradução nossa), a proposizione
subordinata circostanziale — que nós chamaremos de avverbiale — “desenvolvem a função
daqueles complementos que indicam circunstâncias (tempo, causa, finalidade etc.) em que uma
ação se realiza”. Esses complementos a que os autores se referem correspondem aos adjuntos
adverbiais do português. Eles apresentam mais detalhes sobre essa oração:
229
No interior das circostanziali pode-se identificar um subgrupo, constituído pelas
proposizioni causali, finali, consecutive, concessive e ipotetiche, que exprimem, segundo
diversas modalidades, a relação lógica de causa/consequência entre o evento expresso na
principal e aquele expresso na subordinada (já que X, então Y; X a fim de que Y; a tal
ponto X que Y; embora X, todavia Y; se X, então Y).
Vejamos no quadro abaixo os principais tipos de proposizioni avverbiali e seus principais
conectores.
PROPOSIZIONE
SUBORDINATA AVVERBIALE
causale
concessiva
PRINCIPALI CONGIUNZIONI E LOCUZIONI CONGIUNTIVE
perché, poiché, giacché, siccome, ché, che, per il fatto che, per
il motivo che, dal momento che, dato che, visto che, in quanto
che
benché, sebbene, quantunque, nonostante, malgrado, ancorché,
per quanto, nonostante che, malgrado che, com tutto che,
quand’anche o anche quando, anche se
Pode ser introduzida por pronome adjetivo indefinido:
chiunque, qualunque, checché
condizionale
se, qualora, purché, posto che, ammesso che, a condizione che,
a patto che, nel caso che, nell’eventualità che, nell’ipotesi che
comparativa
di uguaglianza: così...come, tanto...quanto, tale...quale
di maggioranza: Più...di quanto, più...che, più... di come,
più...di quello che
di minoranza: meno...di quanto, meno...che, meno...di come,
meno...di quello che
finale
perché, affinché
consecutiva
così/tanto/talmente...che, sicché, cosicché, talché, di modo che,
al punto che, a tal segno che
temporale
quando, mentre, come, prima che, dopo che, allorché,
allorquando, al tempo in cui, nel momento che
avversativa
quando, mentre
eccettuativa
fuorché, tranne che, eccetto che, salvo che, a meno che
esclusiva
senza che
limitativa
per quanto, per quello che
230
modale
come, come se, quasi, nel modo che, comunque, secondo che,
siccome
strumentale
(somente implicita)
Vejamos agora os principais tipos de oração subordinada adverbial — reconhecidos pela
NGB — e suas principais conjunções e locuções conjuntivas, para que possamos comparar essa
oração com as avverbiali italianas.
ORAÇÃO SUBORDINADA
ADVERBIAL
PRINCIPAIS CONJUNÇÕES E LOCUÇÕES CONJUNTIVAS
causal
porque, visto que, já que, uma vez que, como (quando equivale a
porque)
concessiva
por mais que, por menos que, por muito que
condicional
se, caso, contanto que, desde que
comparativa
como, que (precedido de mais ou de menos)
final
a fim de que, para que, que
consecutiva
que (precedido de um termo intensivo: tão, tal, tanto)
temporal
quando, enquanto, logo que, desde que, assim que, agora que
proporcional
à proporção que, à medida que
conformativa
conforme, segundo, consoante, como
Comparando os dois quadros acima, podemos verificar que há mais tipos de subordinadas
adverbiais em italiano do que em português. As seguintes orações italianas se destacam, na
comparação como, em princípio, não tendo correspondentes na língua portuguesa: avversativa,
eccettuativa, esclusiva, limitativa, modale e strumentale. Da parte do quadro de orações do
português, destacaram-se a proporcional e a conformativa. Através do estudo contrastivo
poderemos verificar se não há correspondentes, de fato, para as referidas orações italianas.
Há gramáticos brasileiros — como Bechara (1999), Azeredo (2010) e Sacconi (1990) que
até falam em orações como a limitativa e a modal, mas costumam deixar claro que a NGB não as
reconhece.
Observamos que o número de conjunções e locuções conjuntivas que as gramáticas
italianas apresentam também é maior do que as gramáticas do português.
231
Passemos agora ao estudo de cada tipo de proposizione subordinata avverbiale, para
identificarmos orações correspondentes no português.
6.3.5.1. Proposizione causale
A proposizione subordinata avverbiale causale, ou simplesmente proposizione causale,
indica a causa do que é expresso na reggente. Em italiano, faz-se a diferença entre dois tipos de
causa: a causa efficiente e a causa formale. De acordo com Dardano e Trifone (2003, p. 453-454,
tradução nossa), a causa ‘efficiente’95 “consiste em uma afirmação sobre um evento específico (il
bicchiere si è rotto perché ti è caduto dalle mani), e causa ‘formale’, que se refere a uma
afirmação de caráter geral (il bicchiere si è rotto perché era fragile)”. Segundo os autores, essas
diferença não interfere no comportamento sintático das causais.
A causale esplicita pode ser introduzida pelas conjunções que indicamos no primeiro
quadro do tópico 6.3.5; a forma implicita dessa oração pode apresentar-se com o verbo no
gerúndio, no particípio ou no infinitivo. Neste terceiro caso, a oração será introduzida: a) pela
preposição per; nesse caso, reggente e proposizione causale têm de ter o mesmo sujeito; b) pela
preposição a; c) pela locução conjuntiva per il fatto di.
O estudo da proposizione causale nos revelou que esta pode corresponder à oração
subordinada adverbial causal e à oração coordenada sindética explicativa. Vejamos cada caso
individualmente.
A) Proposizione subordinata avverbiale causale como oração subordinada adverbial causal
Essa é a correspondência mais simples entre a causale e uma oração do português.
Vejamos, no quadro abaixo, a seleção de exemplos que fizemos, para depois passarmos às
observações e à análise oracional de algumas das frases.
95
As aspas foram usadas pelos autores citados.
232
AUTORES
EXEMPLOS
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Visto che non c’è, vado via. (p. 453; Visto que não está, vou embora.)
2) Siccome non c’erano novità, non ti ho telefonato. (p. 453; Como não havia
novidades, não te telefonei.)
Dardano e
Trifone
(2003)
3) Non ho potuto avertirlo: non l’ho visto. (p. 454; Não pude adverti-lo: não o vi.)
IMPLICITE (reduzidas):
4) Conoscendo le dificultà eravamo molto prudenti. (p. 453; Conhecendo as
dificuldades, éramos muito prudentes.)
5) Fu punito per aver trasgredito la legge. (p. 454; (Ele) Foi punido por ter
transgredido a lei.)
6) Offeso dal suo atteggiamento, non lo salutai. (p. 454; Ofendido pelo
comportamento dele, não o cumprimentei.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Marco si trovava a casa mia perché era il mio compleanno. (p. 461; Marco se
encontrava na minha casa, porque era o meu aniversário.)
2) Filippo ha abbandonato la gara, dato che gli mancavano le forze. (p. 461; Felipe
abandonou a competição, visto que faltavam-lhe as forças.)
Francesco
Sabatini
(1994)
IMPLICITE (reduzidas):
3) Stefano è stato investito da un motociclista per essere passato col rosso. (p. 462;
Estefano foi atropelado por um motociclista, por ter passado com o sinal
vermelho.)
4) Essendo ammalato, Luca non era venuto a scuola. (p. 462; Estando doente,
Lucas não tinha vindo à escola.)
5) Spaventato dalle possibili conseguenze, fui più cauto. (p. 462; Assustado pelas
possíveis consequências, fui mais cuidadoso.)
Luca
Serianni
(1999)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Si sentiva poi lusingata del fatto che entrambi quei personaggi ci chiamassero
tutti per nome. (p. 575; (Ele/Ela) Sentia-se depois lisonjeada pelo fato de que
ambos os personagens nos chamassem todos pelo nome.)
233
2) Io sull’autobus non c’ero, ché ricorderei uno per uno i viaggiatori che c’erano.
(p. 576; Eu, no ônibus, não estava, porque eu lembraria um por um dos passageiros
que havia nele.)
Luca
Serianni
(1999)
3) Giacché ci tocca aspettare, si potrebbe prendere qualcosa al bar. (p. 577; Já que
nos cabe esperar, poderíamos tomar alguma coisa no bar.)
IMPLICITE (reduzidas):
4) Non sono partito avendo già visto San Marino. (p. 573; Não parti, tendo já visto
São Marinho.)
5) Per il fatto di aver avuto ragione quella volta, pretende di averla sempre. (p. 580;
Pelo fato de ter tido razão aquela vez, pretende tê-la sempre.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
Salvatore
Battaglia e
Vincenzo
Pernicone
(1994)
1) Siamo preoccupati perché non scrivi. (p. 337; Estamos preocupados, porque
você não escreve.)
IMPLICITE (reduzidas):
2) Gli alunni sono stati puniti per aver fatto chiasso. (p. 338; Os alunos foram
punidos por terem feito alvoroço.)
3) Essendo tardi, non volle uscire. (p. 338; Estando tarde, não quis sair.)
4) Preoccupato per il suo silenzio, gli scrissi subito. (p. 338; Preocupado pelo seu
silêncio, lhe escrevi imediatamente.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Non vengo perché sono stanco. (p. 508; Não vou/venho, porque estou cansado.)
Giuseppe
Pittano
(1974)
2) La fortuna è spesso un male, giacché rende gli uomini tracotanti. (p. 509; A
fortuna é frequentemente um mal, já que torna os homens arrogantes.)
IMPLICITE (reduzidas):
3) Franata la strada, dovemmo fermarci. (p. 508; Desmoronada a estrada, tivemos
de parar.)
4) Si vergognò per aver detto quella frase. (p. 509; Envergonhou-se, por ter dito
aquela frase.)
234
Os autores do quadro apresentam, em suas gramáticas, muitos exemplos para esse tipo de
avverbiale. Não colocamos todos, porque incorreríamos em redundância. Procuramos escolher
frases com conjunções e locuções diferentes e frases reduzidas diferentes para que pudéssemos
observar como é a estrutura da frase que possui a proposizione causale.
Destacamos a frase 3 de Dardano e Trifone que traz a única subordinata causale per
giustapposizione.
Há exemplos com os três tipos de reduzidas: d’infinito, di gerundio e di participio.
Observamos que o principal modo verbal das causali esplicite é o indicativo. Luca Serianni
apresenta esplicite com verbo no indicativo (tocca), no congiuntivo (chiamassero) e no
condizionale (ricorderei).
As orações causali, sejam esplicite, sejam implicite, podem vir tanto antes quanto depois
da reggente. Analisemos agora a frase 3 de Francesco Sabatini (1994, p. 462), transcrita abaixo:
Stefano è stato investito da un motociclista per essere passato col rosso.
(Estefano foi atropelado por um motociclista, por ter passado com o sinal vermelho.)
Em princípio, a frase em italiano e a sua tradução expressam ambiguidade: quem passou
com o sinal vermelho, Estefano ou o motociclista? Porém, em italiano, essa ambiguidade não
existe, porque, conforme já explicamos, só é possível formar causale implicita d’infinito, se o
sujeito da causale for o mesmo da reggente; é o que acontece: Stefano é o sujeito das duas
orações. Portanto, na frase em italiano, fica claro que Stefano passou com o sinal vermelho. Já na
frase em português — tradução da frase italiana —, há ambiguidade.
Outra observação a se fazer é a respeito da frase 1 de Giuseppe Pittano: Non vengo perché
sono stanco. (p. 508; Não vou/venho, porque estou cansado.). O verbo venire pode significar ir
ou vir, depende do contexto. Como a frase-exemplo está descontextualizada, não há como saber
qual a melhor tradução, para o português, do referido verbo. Preferimos indicar as duas opções de
tradução.
Passemos agora à análise mais detalhada de duas das frases do quadro.
235
ITALIANO:
Frase 1: Non ho potuto avertirlo: non l’ho visto. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 454)
Análise segundo a gramática italiana:
Non ho potuto avertirlo: / non l’ho visto.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: causale per giustaposizione
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Não pude adverti-lo: / não o vi.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada adverbial causal por justaposição
Conforme já dissemos, a frase analisada acima apresenta uma proposizione causale per
giustapposizione. Para identificarmos a classificação de uma oração por justaposição, temos de
entender a ideia expressa por essa oração. Na frase analisada, é possível eliminarmos a
justaposição, substituindo os dois pontos por vírgula e inserindo, após esta vírgula, uma
conjunção causal, como perché ou giacché. Vejamos, a seguir, a análise de mais uma frase.
ITALIANO:
Frase 2: Siccome non c’erano novità, non ti ho telefonato. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 453)
Análise segundo a gramática italiana:
Siccome non c’erano novità, / non ti ho telefonato.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: causale
2ª proposizione: reggente
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Como não havia novidades, / não te telefonei.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: subordinada adverbial causal
2ª oração: principal
236
Na frase 2, a subordinata causale inicia a frase com a conjunção siccome. É preciso
cuidado com as conjunções italianas siccome e come, pois ambas significam como, em português,
mas não são usadas nos mesmos contextos. Não é possível substituir siccome por come, por
exemplo, na proposizione causale; come é usada na proposizione comparativa e também não
pode ser substituída, nesse contexto, por siccome.
B) Proposizione subordinata avverbiale causale como oração coordenada sindética
explicativa
A correspondência deste tópico traz a questão antiga da dificuldade, em português, de se
distinguir a oração coordenada sindética explicativa da oração subordinada adverbial causal. Em
italiano, essa dificuldade não existe, porque a proposizione coordinata esplicativa é muito
diferente da avverbiale causale; essas orações italianas nem têm conectivos em comum, como
acontece com as referidas orações do português, cujo principal conectivo em comum é porque.
Ataliba de Castilho (2010, p. 348) fala o seguinte a respeito da dificuldade a que nos
referimos: “Uma questão que ocupou particularmente os gramáticos foi a da distinção entre
coordenadas explicativas e subordinadas causais. Considera-se causal a sentença a cujo conteúdo
proposicional está associado um efeito ou consequência, verbalizado na sentença principal”. O
autor apresenta os seguintes exemplos:
a) A rua está molhada porque choveu.96
b) Choveu, porque a rua está molhada.
Castilho explica que, na frase (a) “temos uma sentença complexa com ordem não
marcada, isto é, a senteça matriz de consequência é seguida pela sentença subordinada de causa”.
A interpretação semântica deve ser feita da direita para a esquerda. Na frase (a) temos uma
subordinada adverbial causal (sublinhada). Castilho explica a situação da frase (b):
Ao dar [à frase (b)] um tratamento pautado pela relação lógica entre sentenças,
torna-se difícil aceitar que rua molhada seja a causa que tenha por efeito chover.
Nesta sentença há muito mais uma explicação do que uma causação: a rua estar
96
O autor não usou vírgula antes da conjunção porque.
237
molhada se explica pelo fato de ter chovido. A tradição gramatical optou por
considerá-la explicativa [...].
Ernani Terra (2007, p. 295) explica que as orações coordenadas sindéticas explicativas
“exprimem ideia de explicação, justificação, confirmação”. Suas principais conjunções são pois
(quando anteposto ao verbo), porque e que. As conjunções porque e que introduzirão o referido
tipo de coordenada quando:
 a oração que formarem transmitir uma ideia de confirmação a respeito do que é dito na oração a
que estiver ligada. É o caso da frase (b) de Ataliba de Castilho: a rua está molhada é uma
confirmação de que choveu;
 o verbo da oração anterior estiver no imperativo: Não saia daí, que eu volto logo.
É esse segundo caso que proporciona a correspondência entre proposizione subordinata
avverbiale causale e oração coordenada sindética explicativa. Encontramos frases-exemplo em
Dardano e Trifone (2003) e em Salvatore Battaglia e Vincenzo Perinicone (1994). Vejamos as
sentenças.
AUTORES
EXEMPLOS
ESPLICITE (desenvolvidas):
Dardano e
Trifone
(2003)
1) Avvicinati, ché voglio vederti meglio. (p. 453; Aproxime-se, que quero te ver
melhor.)
2) Smettila, perché potrei stancarmi. (p. 454; Pare com isso, porque eu poderia me
cansar.)
3) Passate a casa mia, perché vorrei vedervi. (p. 454; Passem na minha casa,
porque eu queria ver vocês.97)
IMPLICITE (reduzidas): Não apresentam.
97
Na tradução da frase italiana, preferimos queria no lugar de quereria, porque na linguagem informal queria é a
forma mais usada.
238
ESPLICITE (desenvolvidas):
Salvatore
Battaglia e
Vincenzo
Pernicone
(1994)
1) Ricordamelo, perché potrei dimenticarmene. (p. 337; Lembre-me disso, porque
eu poderia me esquecer.)
2) Avvertitemi del vostro ritorno, perché vorrei vedervi. (p. 337; Avisem-me do
retorno de vocês, porque eu queria vê-los.)
IMPLICITE (reduzidas): Não apresentam.
Todas as frases italianas do quadro são compostas por reggente e proposizione causale,
nesta ordem. Já em português, todas as frases têm uma oração coordenada assindética e uma
oração coordenada sindética explicativa, também nesta ordem. O que determina, portanto, essa
classificação oracional no português é o verbo da primeira oração estar no imperativo.
Acompanhemos a análise completa de uma das frases.
ITALIANO:
Frase: Smettila, perché potrei stancarmi. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 454)
Análise segundo a gramática italiana:
Smettila, / perché potrei stancarmi.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: subordinata avverbiale causale
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Pare com isso, / porque eu poderia me cansar.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: coordenada assindética
2ª oração: coordenada sindética explicativa
239
6.3.5.2. Proposizione temporale
A correspondência entre proposizione temporale e a oração sobordinada adverbial
temporal é simples. Ambas exprimem uma relação de tempo entre a subordinada e a
reggente/principal.
Segundo Dardano e Trifone (2003, p. 457), “É possível [...] distinguir três categorias de
relações temporais com base na colocação cronológica da ação expressa pela reggente em relação
àquela expressa pela subordinada: contemporaneidade, posterioridade e anterioridade98”.
A temporale pode se apresentar tanto na forma esplicita quanto na implicita e pode vir
antes ou depois da proposizione reggente. Vejamos os exemplos.
AUTORES
EXEMPLOS
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Quando c’è il sole, mi piace passeggiare. (p. 457; Quando faz sol, gosto de
passear.)
2) Mentre lo ascoltavo, prendevo appunti. (p. 457; Enquanto eu o escutava, eu
fazia anotações.)
3) Andiamo via prima che torni. (p. 460; Vamos embora, antes que volte.)
Dardano e
Trifone
(2003)
4) Dopo che l’ebbi visto, mi ricordai di lui. (p. 459; Depois que o vi, me lembrei
dele.)
IMPLICITE (reduzidas):
5) Passeggiando discutevamo. (p. 458; tradução: Passeando, discutíamos.)
6) Al primo vederlo, l’ho riconosciuto. (p. 458; Logo ao vê-lo, eu o reconheci.)
7) Prima di uscire, voglio finire quel lavoro. (p. 460; Antes de sair, quero terminar
aquele trabalho.)
8) (Una volta) superato questo problema, tutto si aggiusterà. (p. 460; (Uma vez)
superado este problema, tudo vai se ajustar.)
Francesco
Sabatini
(1994)
98
ESPLICITA (desenvolvida):
1) Mi piace ascoltare musica mentre mi lavo. (p. 467; Gosto de ouvir música,
enquanto me lavo.)
Não detalharemos aqui cada tipo, porque não convém.
240
2) Non appena bussai, mi fu aperto. (p. 467; Assim que eu bati, abriu-se para
mim.)
Francesco
Sabatini
(1994)
IMPLICITE (reduzidas):
3) Nell’andare da lui, ho incontrato Valeria. (p. 468; Ao ir à casa dele, encontrei
Valéria.)
4) Dopo aver cenato, sono uscito di casa. (p. 468; Depois de ter jantado, saí de
casa.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Quando piove, le strade sono un pantano. (p. 603; Quando chove, as estradas
ficam um pântano.)
Luca
Serianni
(1999)
2) Che cosa farai dopo aver preso il diploma? (p. 604; O que você vai fazer, depois
que tiver pegado o diploma?)
IMPLICITE (reduzidas):
3) Camminando guardavo le vetrine. (p. 608; Caminhando, eu olhava as vitrines.)
4) Appena arrivato, andò subito a dormire. (p. 609; Recém chegado, foi
imediatamente dormir.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
Salvatore
Battaglia e
Vincenzo
Pernicone
(1994)
1) Non appena tu guarisca, partiremo per la montagna. (p. 336; Assim que você se
curar, partiremos para a montanha.)
2) Lavorerò finché tu venga. (p. 337; Trabalharei, até que você venha.)
IMPLICITE (reduzidas):
3) Dopo aver camminato ci sedemmo. (p. 337; Depois de ter caminhado, nós nos
sentamos.)
4) Ho letto prima di dormire. (p. 337; Li antes de dormir.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
Giuseppe
Pittano
(1974, p. 507)
1) La vedrò prima che parta. (Eu vou vê-la, antes que ela parta.)
2) L’ho visto mentre usciva di casa. (Eu o vi, enquanto saía de casa.)
IMPLICITE (reduzidas):
241
Giuseppe
Pittano
(1974, p. 507)
3) Entrando ho incontrato Fabio. (Entrando, encontrei Fábio.)
4) Arrivato a Roma mi ammalai. (Chegado em Roma, adoeci.)
5) Prima di partire passerò da te. (Antes de partir, passarei na tua casa.)
Todos os autores italianos do quadro apresentam, em suas gramáticas, muitos exemplos
para a proposizione temporale; selecionamos os que consideramos mais interessantes. Há uma
grande variedade de conjunções e locuções conjuntivas para esse tipo de oração. Além disso, a
mesma pode se apresentar nas três formas nominais.
Considerando as três categorias de relações temporais a que nos referimos, podemos
classificar as frases que têm as proposizioni temporali, apresentadas no quadro, da seguinte
maneira:
 Expressam contemporaneidade: as frases 1, 2, 5 e 6 de Dardano e Trifone; 1 e 3 de Sabatini;
frase 3 de Serianni; e 2 e 3 de Pittano;
 Expressam posterioridade: as frases 4 e 8 de Dardano e Trifone; 2 e 4 de Sabatini; 1, 2 e 4 de
Serianni; 1 e 3 de Battaglia e Pernicone; e frase 4 de Pittano;
 Expressam anterioridade: as frases 3 e 7 de Dardano e Trifone; 2 e 4 de Battaglia e Pernicone; e
1 e 5 de Pittano;
Observamos que todos os autores deixam de usar vírgula entre a reggente e a subordinata.
Isso ocorre nas frases 3 e 4 de Dardano e Trifone; na frase 1 de Sabatini; nas frases 2 e 3 de Luca
Serianni; nas sentenças 2, 3 e 4 de Battaglia e Pernicone; e em todas as cinco frases de Giuseppe
Pittano. Parece não haver obrigatoriedade do uso da vírgula nesses casos. Em português, a vírgula
é obrigatória.
6.3.5.3. Proposizione finale
A proposizione subordinata avverbiale finale indica a finalidade ou o objetivo da ação
expressa pela proposizione reggente. Battaglia e Pernicone (1994, p. 338) apontam a conjunção
242
affinché como a principal conjunção final; Dardano e Trifone (2003, p. 455) afirmam que afinché
e perché são as mais usadas.
Francesco Sabatini (1994, p. 464) apresenta um importante esclarecimento em relação à
conjunção perché: esta só terá valor final se vier seguida de verbo no congiuntivo. “Se o verbo da
dependente vier no indicativo, perché adquire valor causal e toda a dependente terá um outro
significado”. O autor resume esse princípio com o seguinte esquema:
Perché + indicativo: ha valore causale ( = ‘per il fatto che’)
Perché + congiuntivo: ha valore finale ( = ‘allo scopo di’)
Conforme já vimos, a conjunção perché também pode introduzir proposizione
subordinata sostantiva interrogativa indiretta, mas a estrutura desta oração é muito diferente;
esta completa verbo transitivo direto.
A forma implicita da proposizione finale tem o verbo no infinitivo; pode ser introduzida
por várias preposições e locuções prepositivas, tais como: per, di, a, da, al fine di, allo scopo di,
con l’intenzione di.
Vejamos alguns dos exemplos, apresentados pelos autores das cinco principais gramáticas
italianas que consultamos. As subordinate finali estão sublinhadas.
AUTORES
EXEMPLOS
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Te lo dico perché tu possa trarne un insegnamento. (p. 455; Eu te digo isso, para
que você possa tirar disso um aprendizado.)
2) Sottrasse il documento, affinché non si potesse divulgarlo. (p. 455; Subtraiu o
documento, a fim de que não se pudesse divulgá-lo.)
Dardano e
Trifone
(2003)
IMPLICITE (reduzidas):
3) Sono venuto per parlarti. (p. 455; Eu vim para falar com você.)
4) Preparatevi a partire. (p. 455; Preparem-se para partir.)
5) Dammi un libro da leggere. (p. 455; Dê-me um livro para ler.)
6) Per fare questi esercizi ho bisogno di mezz’ora. (p. 456; Para fazer estes
exercícios, preciso de meia hora.)
243
ESPLICITA (desenvolvida):
Francesco
Sabatini
(1994, p.464)
1) Ho regalato un libro a Francesca perché si ricordi di me. (Presenteei um livro à
Francesca, para que se lembre de mim.)
IMPLICITE (reduzidas):
2) Apro la porta per chiamare mia sorella. (Abro a porta para chamar minha irmã.)
3) Ho comprato alcuni romanzi da leggere durante le vacanze. (Comprei alguns
livros para ler durante as férias.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Te lo dico perché tu ci vada. (p. 581; Eu te digo isso, para que você vá embora.)
2) Prego di pregare fervorosamente per me affinché mi siano abbreviate le pene del
Purgatorio. (p. 581; Peço para rezar fervorosamente por mim, a fim de que me
sejam abreviadas as penas do Purgatório.)
Luca
Serianni
(1999)
IMPLICITE (reduzidas):
3) È emigrato per fare fortuna. (p. 580; Ele emigrou para fazer fortuna.)
4) Andava lui stesso a fare la spesa ogni mattina. (p. 582; Ia ele mesmo fazer
compras toda manhã.)
5) Il Consiglio dei ministri ha aprovato il pacchetto-Giustizia (...) allo scopo di
evitare il referendum. (p. 583; O Conselho dos ministros aprovou o pacote-Justiça
(...) com o objetivo de evitar o plebiscito.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
Salvatore
Battaglia e
Vincenzo
Pernicone
(1994, p.338)
1) Studiate affinché siate promossi. (Estudem, a fim de que vocês sejam
aprovados.)
2) Studiate perché siate promossi. (Estudem, para que vocês sejam promovidos.)
IMPLICITA (reduzida):
3) Partimmo per essere presenti. (Partimos, para estarmos presentes.)
Giuseppe
Pittano
ESPLICITE (desenvolvidas):
(1974, p.512)
1) Ti dico questo affinché tu ti regoli. (Eu te digo isso, a fim de que você se
regule.)
244
Giuseppe
Pittano
2) Io faccio perché tu impari. (Eu faço, para que você aprenda.)
(1974, p.512)
IMPLICITE (reduzidas):
3) Ti scrivo per informarti di ciò. (Eu te escrevo para te informar disto.)
4) Ci chiamarono ad aiutarli. (Chamaram-nos para ajudá-los.)
Em praticamente todas as frases, a subordinada final vem depois da reggente; a exceção é
a frase 6 de Dardano e Trifone.
Mais uma vez, o uso da vírula entre reggente e subordinata não parece ser obrigatório. A
única frase em que há vírgula separando as duas referidas orações é a frase 2 de Dardano e
Trifone: Sottrasse il documento, affinché non si potesse divulgarlo (Subtraiu o documento, a fim
de que não se pudesse divulgá-lo). Em português o uso da vírgula é obrigatório.
Acompanhemos a análise mais detalhada de uma das frases do quadro de exemplos.
ITALIANO:
Frase: Sono venuto per parlarti. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 455)
Análise segundo a gramática italiana:
Sono venuto / per parlarti.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: subordinata avverbiale finale implicita d’infinito
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Vim , / para falar-te.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada adverbial final reduzida de infinitivo
245
6.3.5.4. Proposizione consecutiva
A proposizione consecutiva indica a consequência do que se afirma na proposizione
reggente. Sua correspondente em português é a oração subordinada adverbial consecutiva; essa
oração italiana não oferece, portanto, dificuldade para estudantes brasileiros.
Na forma esplicita, pode ser introduzida por conjunções e locuções conjuntivas como:
che, a tal punto che, in modo che; a reggente terá advérbios, adjetivos ou pronomes como: così,
tanto, talmente, tale. Reggente e subordinata consecutiva formam uma correlação.
Conforme Dardano e Trifone (2003, p. 456), a forma implicita traz o verbo no infinitivo e
é introduzida pelas preposições da ou per, ou por expressões como degno di, atto a, indegno di,
inetto a.
Destacamos uma importante observação dos autores acima a respeito da proposizione
consecutiva. Eles afirmam que a mesma deve vir obrigatoriamente após a proposizione reggente,
mas há exceção:
Tal ordem pode ser invertida, por motivos expressivos, realizando uma relação
de justaposição: a frase faceva tanto freddo che la mattina trovavano l’acqua dei
catini congelata torna-se la mattina trovavano l’acqua dei catini congelata,
tanto faceva freddo.
Vejamos alguns exemplos desse tipo de oração italiana nas frases selecionadas.
AUTORES
EXEMPLOS
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Parlava così piano che non riuscivo a sentirlo. (Falava tão baixo, que eu não
conseguia ouvi-lo.)
Dardano e
Trifone
2) Sono arrivato in anticipo, di modo che devo aspettare. (Cheguei adiantado, de
modo que devo esperar.)
(2003, p. 456)
3) Gli parlerò in modo che non si faccia troppe illusioni. (Vou falar-lhe de modo
que não tenha ilusões demais.)
IMPLICITA (reduzida):
4) Ho una fame da morire. (Estou com uma fome de matar.)
246
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Paolo ha mangiato tanto che si è fatto venire il mal di pancia. (Paulo comeu
tanto, que ficou com dor de barriga.)
2) Ero talmente stanco che andai subito a dormire. (Eu estava tão cansado, que fui
logo dormir.)
Francesco
Sabatini
(1994, p.463)
3) Era arrivato a tal punto di ubriachezza che dovettero riaccompagnarlo a casa.
(Tinha chegado a tal ponto de embriaguez, que tiveram que acompanhá-lo em
casa.)
4) Diglielo con parole tali che non si offenda. (Diga-lhe com palavras tais, que não
se ofenda.)
IMPLICITA (reduzida):
5) Non sono così stupido da credere a tutto quello che mi dicono. (Não sou tão
estúpido de acreditar em tudo aquilo que me dizem.
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) È così alto che deve farsi fare tutto su misura. (p. 584; É tão alto, que deve
mandar fazer tudo sob medida.)
Luca
Serianni
(1999)
2) La vita psichica inconscia è talmente forte che può dominare la nostra vita
cosciente. (p. 586; tradução: A vida psíquica inconsciente é de tal forma forte que
pode dominar a nossa vida consciente.)
IMPLICITA (reduzida):
3) Padre santo, hai tanto amato il mondo da mandare a noi, nella pianezza dei
tempi, il tuo unico figlio como salvatore. (p. 587; Pai santo, amaste tanto o mundo
a ponto de mandar para nós, na planície dos tempos, o teu único filho como
salvador.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
Salvatore
Battaglia e
Vincenzo
Pernicone
(1994, p. 340)
1) È così presto, che non c’è ancora nessuno. (É tão cedo, que ainda não tem
ninguém.)
2) Siamo in tanti che potremmo vincere. (Somos tantos, que poderíamos vencer.)
IMPLICITA (reduzida):
3) Mi sentivo così sfinito da non poter camminare. (Eu me sentia tão enfraquecido,
a ponto de não poder caminhar.)
247
ESPLICITA (desenvolvida):
Giuseppe
Pittano
(1974, p. 512)
1) Ero così stanco che mi addormentai. (Eu estava tão cansado que dormi.)
IMPLICITE (reduzidas):
2) Era così facilone da credere a tutti. (Era tão imprudente, de acreditar em todos.)
3) Mi annoiavo al punto di addormentarmi. (Eu me entediava, ao ponto de dormir.)
Em todas as frases, as proposizioni consecutive vêm após as reggenti. O uso da vírgula
para separar a reggente da proposizione consecutiva, também com esse tipo de subordinata,
parece não ser obrigatório. Apenas a frase 2 de Dardano e Trifone, e a frase 1 de Battaglia e
Pernicone têm a vírgula com a referida função.
Passemos à análise mais detalhada de uma frase do quadro de exemplos.
ITALIANO:
Frase 1: Parlava così piano che non riuscivo a sentirlo. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 456)
Análise segundo a gramática italiana:
Parlava così piano / che non riuscivo a sentirlo.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: consecutiva
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Falava tão baixo, / que eu não conseguia ouvi-lo.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada adverbial consecutiva
248
6.3.5.5. Proposizione concessiva
A proposizione concessiva expressa concessão; através dela, admite-se uma ideia
contrária ao que é exposto na reggente. Essa oração italiana corresponde à oração subordinada
adverbial concessiva.
Essa subordinata pode ser introduzida por várias conjunções e locuções conjuntivas, tais
como benché, sebbene, nonostante, malgrado, per quanto, nonostante che, malgrado che, anche
se, quand’anche; também pode ser introduzida por pronomes e adjetivos indefinidos como
chiunque e qualunque. A reggente à qual a concessiva se liga pode ter palavras que reforçam o
valor da subordinada, tais como tuttavia, nondimeno, pure, ugualmente, lo stesso.
A forma implicita pode apresentar o verbo no gerúndio presente precedido por pur(e), ou
no particípio passado, precedido por benché, pur(e), per quanto. Vejamos
os
exemplos
selecionados.
AUTORES
EXEMPLOS
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Benché abbia fame, non mangerò. (p. 464; Embora esteja com fome, não
comerei.)
2) Sebbene avessi ragione, tuttavia non ho voluto insistere. (p. 464; Embora tivesse
razão, eu não quis insistir.)
Dardano e
Trifone
(2003)
3) Anche se avevo ragione, non ho voluto insistere. (p. 464; Mesmo que eu tivesse
razão, não quis insistir.)
4) Per quanto io faccia, non riesco a ricordarlo. (p. 472; Por mais que eu faça, não
consigo lembrar.)
IMPLICITE (reduzidas):
4) Per essere (sebbene sia) così magro ha una bella forza. (p. 465; Apesar de ser
(embora seja) tão magro, ele tem uma bela força.)
5) Pur avendo fatto una corsa, perdemmo il treno. (p. 465; Mesmo tendo dado uma
corrida, perdemos o trem.)
6) Non si trova un posto in aereo nemmeno a pagarlo oro! (p. 456; Não se encontra
um lugar no avião nem mesmo pagando em ouro!)
249
ESPLICITE (desenvolvidas):
Francesco
Sabatini
(1994, p. 471)
1) Sebbene sia anziano, tuttavia è ancora agile. (Embora seja idoso, todavia ainda é
ágil.)
2) Nonostante (che) avesse il piede gonfio, è andato lo stesso a giocare a pallone.
(Não obstante (que) tivesse o pé inchado, foi assim mesmo jogar bola.)
IMPLICITA (reduzida):
3) Pur essendo freddo, faccio ugualmente una paseggiata. (Mesmo estando frio,
faço sim um passeio.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Benché sia ricco, vive poveramente. (p. 598; Embora seja rico, vive
pobremente.)
Luca
Serianni
(1999)
2) Malgrado l’attore abbia fatto tagliare una scena [...], il film sta ottenendo un
enorme successo. (p. 600; Ainda que o ator tenha feito cortar uma cena [...], o
filme está obtendo um enorme sucesso.)
IMPLICITE (reduzidas):
3) Per quanto festeggiato, non era del tutto sereno. (p. 603; Por quanto festejado,
não estava de todo sereno.)
4) Pure non rinunziando ancora alla prassi tradizionale (...), l’amministrazione
Coleridge giungeva ad un soddisfacente compromesso col Messico. (p. 603;
Mesmo não renunciado ainda à praxe tradicional (...), a administração Coleridge
alcançava um satisfatório compromisso com o México.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Benché sia stanco, continuerò il lavoro. (p. 340; Ainda que esteja cansado,
continuarei o trabalho.)
Salvatore
Battaglia e
Vincenzo
Pernicone
(1994)
2) Sebbene sia tardi, ti aspetterò ancora. (p. 340; Embora esteja tarde, ainda vou te
esperar.)
3) Chiunque mi cerchi, non farlo entrare. (p. 340; Qualquer um que me procure,
não o faça entrar.)
IMPLICITA (reduzida):
4) Pur avendo lavorato tanto, non mi sento stanco. (p. 341; Mesmo tendo
trabalhado tanto, não me sinto cansado.)
250
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Benché fossi stanco, continuai il lavoro. (p. 517; Embora estivesse cansado,
continuei o trabalho.)
2) Anche se vedo, non ci credo. (p. 517; Mesmo que eu veja, não acredito.)
Giuseppe
Pittano
(1974)
3) Sebbene viaggiasse con una macchina ultimo modello, era pieno di debiti. (p.
517 e 518; Embora viajasse com um carro último modelo, ele estava cheio de
dívidas.)
IMPLICITE (reduzidas):
4) Pur avendo ragione, hai sbagliato. (p. 517; Mesmo tendo razão, você errou.)
5) Benché avvertito, ha fatto di testa sua. (p. 517; Embora advertido, agiu de
acordo com a sua cabeça.)
Praticamente todas as frases trazem a proposizione concessiva antes da reggente; apenas
na frase 6 de Dardano e Trifone, que é implicita, ocorre o inverso.
Em relação à pontuação, notamos que a maioria das frases tem a reggente e a
proposizione concessiva separadas por vírgula. Apenas nas frases 4 e 6 de Dardano e Trifone isso
não acontece.
Observamos que, em algumas sentenças em que reggente e subordinata têm o mesmo
sujeito, a identificação da pessoa do verbo da subordinada é feita pela proposizione reggente.
Analisemos as frases abaixo:
 Benché abbia fame, non mangerò. (frase 1 de Dardano e Trifone)
 Benché sia ricco, vive poveramente. (frase 1 de Luca Serianni)
Nas duas sentenças, as orações subordinadas trazem seus verbos no congiuntivo presente,
e não é possível identificar a pessoa verbal, porque as formas abbia e sia podem se referir a 1ª, 2ª
ou 3ª pessoas do singular. Somente através da oração principal é possível a identificação. Nas
traduções, em português, mantivemos a omissão do pronome pessoal reto nas subordinadas. As
duas frases italianas acima foram traduzidas respectivamente da seguinte forma: Embora esteja
com fome, não comerei; Embora seja rico, vive pobremente. Analisemos agora duas frases do
quadro de exemplos.
251
ITALIANO:
Frase 1: Chiunque mi cerchi, non farlo entrare. (BATTAGLIA E PERNICONE, 1994, p. 340)
Análise segundo a gramática italiana:
Chiunque mi cerchi, / non farlo entrare.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: concessiva
2ª proposizione: reggente
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Qualquer um que me procure, / não o faça entrar.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: subordinada adverbial concessiva
2ª oração: principal
Trata-se de uma oração subordinada adverbial concessiva incomum de se encontrar nas
gramáticas tradicionais. Encontramos caso semelhante em Azeredo (2010, p. 335):
Qualquer que, onde quer que: trata-se de um pronome indefinido e de um
advérbio que eventualmente encabeçam orações adverbiais. O caráter
concessivo dessas orações está em que elas exprimem a ausência absoluta de
restrições ao conteúdo da oração principal:
 Esse cachorro me acompanha aonde quer que eu vá.
 Qualquer que seja o resultado da partida, os torcedores vão comemorar.
A segunda frase de Azeredo é semelhante à frase italiana que estamos analisando.
Chiunque e qualquer que são pronomes indefinidos e estão introduzindo orações subordinadas
adverbiais concessivas.Analisemos outra frase do quadro de exemplos.
ITALIANO:
Frase 2: Per essere così magro ha una bella forza. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 465)
Análise segundo a gramática italiana:
252
Per essere così magro / ha una bella forza.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: concessiva implicita d’infinito
2ª proposizione: reggente
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Apesar de ser tão magro, / ele tem uma bela força.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: subordinada adverbial concessiva reduzida de infinitivo
2ª oração: principal
Já comentamos esta frase no tópico 5.5.1 desta tese, que trata da tradução das frasesexemplo. Na ocasião, afirmamos que esta frase não poderia ser traduzida “ao pé da letra”, do
contrário não teria sentido algum. Para mantermos o sentido expresso pela sentença italiana, a
preposição per, nesse caso, deve corresponder à locução prepositiva apesar de. Assim, também
pudemos manter a subordinada como reduzida de infinitivo.
6.3.5.6. Proposizione comparativa
A proposizione comparativa expressa uma comparação com o que se afirma na reggente.
Segundo Serianni (1999, p. 611), há dois tipos de comparação: di grado e di analogia (reale ou
ipotetica). O primeiro tipo pode ser di uguaglianza (così ... come, tanto ... quanto, tale ... quale);
di maggioranza (più ... di quanto, più ... che, più ... di come, più ... di quello che) ou di minoranza
(meno ... di quanto, meno ... che, meno ... di come, meno ... di quello che). Dardano e Trifone
(2003, p. 461) explicam que as palavras più e meno, que figuram na reggente, podem ser
substituídas respectivamente por meglio e peggio; più também pode ceder lugar para
maggiormente.
A comparazione di analogia ocorre quando se estabelece uma relação de semelhança:
Comportati come hai sempre fatto (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 461). Dardano e Trifone
consideram esse tipo de comparação como sendo parte da proposizione modale. Em português,
253
Azeredo (2010, p. 339) fala em comparação assimilativa; esta corresponde à comparazione di
analogia.
Luca Serianni fala também de comparative incidentali o parentetiche, introduzidas por
come, sem elemento correlativo na oração principal. Nesse caso, a estrutura comparativa têm a
função de apresentar comentário dentro do discurso. Por exemplo: [Era rimasta] celibe, per aver
rifiutati tutti i partiti che le si erano offerti, come diceva lei, o per non aver mai trovato un cane
che la volesse, come dicevan le sue amiche. (Promessi Sposi, I). Azeredo chama esse caso de
comparação conformativa.
A forma implicita da proposizione comparativa é formada pelo infinitivo precedido de
piuttosto che, piuttosto di ou più che. Essa oração italiana corresponde a pelo menos dois tipos de
orações do português: oração subordinada adverbial comparativa e oração subordinada adverbial
proporcional. Vejamos cada caso individualmente.
A) Proposizione subordinata avverbiale comparativa como oração subordinada adverbial
comparativa
Essa é a correspondência mais simples entre a proposizione comparativa e uma oração do
português. Vejamos exemplos.
AUTORES
EXEMPLOS
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Il diavolo non è così brutto come si dipinge. (O diabo não é tão feio como se
pinta.)
Dardano e
Trifone
(2003, p. 461)
2) Il problema è più complesso di quanto pensavo. (O problema é mais complexo
do que eu pensava.)
3) Abbiamo meno tempo di quello che sarebbe necessario. (Temos menos tempo
do que seria necessário.)
IMPLICITE (reduzidas):
4) Più che parlare, gridava. (Mais que falar, gritava.)
254
5) Morirebbe, piuttosto di riconoscere uno sbaglio. (Morreria, antes mesmo de
reconhecer um erro.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
Francesco
Sabatini
(1994)
1) Hai speso in un giorno tanti soldi quanti ne servivano (o servirebbero) in una
settimana. (p. 471; Você gastou em um dia tanto dinheiro quanto utilizava (ou
utilizaria) em uma semana.)
2) Non è così ignorante come sembra. (p. 472; Não é tão ignorante como parece.)
3) È stata una giornata più faticosa di quanto immaginavo. (p. 472; Foi um dia
mais cansativo do que eu imaginava.)
IMPLICITE (reduzidas): Não apresenta.
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) È un tipo più sveglio di quel che sembri. (p. 611; É um tipo mais atento do que
parece.)
2) Si comporta come se la colpa fosse mia. (p. 611; Comporta-se como se a culpa
fosse minha.)
Luca
Serianni
(1999)
3) La situazione era meno nera di come sembrava. (p. 616; A situação era menos
negra, do que parecia.)
4) Si svegliò più stanco di quando era andato a dormire. (p. 616; Acordou mais
cansado do que quando tinha ido dormir.)
IMPLICITE (reduzidas):
5) Niente le faceva tanto piacere come sentirmi sbagliare. (p. 615; Nada lhe dava
tanto prazer como ouvir-me errar.)
6) È meglio [...] soffrire operando il bene piuttosto che fare il male. (p. 617; É
melhor sofrer, operando o bem, do que fazer o mal.)
Salvatore
Battaglia e
Vincenzo
Pernicone
(1994)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Io lavoro come ho fatto sempre. (p. 344; Eu trabalho como sempre fiz.)
2) Abbiamo studiato più che tu non voglia ammettere. (p. 345; Estudamos mais do
que você queira admitir.)
3) Ho risposto meglio che tu non creda. (p. 345; Respondi melhor do que você
acredita.)
255
Salvatore
Battaglia e
Vincenzo
Pernicone
(1994)
4) Ha parlato meno di quel che prevedevamo. (p. 345; Ele/Ela falou menos daquilo
que prevíamos.)
5) S’è comportato peggio di come avevamo pensato. (p. 345; Comportou-se pior
do que tínhamos pensado.)
IMPLICITE (reduzidas): Não apresentam.
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Studio più di quanto tu creda. (p. 525; Estudo mais do que você acredita.)
Giuseppe
Pittano
(1974)
2) Studio meno di quanto vorrei. (p. 525; Estudo menos do que eu gostaria.)
3) Non studio come tu credi. (Não estudo como você acredita.)
IMPLICITA (reduzida):
4) Piuttosto che studiare, vado a lavorare. (Ao invés de estudar, vou trabalhar.)
A proposizione comparativa, como subordinada comparativa, é fácil de se identificar.
Passemos à análise de uma das frases do quadro de exemplos.
ITALIANO:
Frase 1: Il diavolo non è così brutto come si dipinge. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 461)
Análise segundo a gramática italiana:
Il diavolo non è così brutto / come si dipinge.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: comparativa
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
O diabo não é tão feio / como parece.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada adverbial comparativa
256
B) Proposizione subordinata avverbiale comparativa como oração subordinada adverbial
proporcional
Consideramos inusitada a correspondência entre a proposizione comparativa e a oração
subordinada adverbial proporcional. Nós a encontramos somente em Luca Serianni (1999, p.
617). O autor distingue dois tipos de comparação de proporcionalidade: de proporção direta e de
proporção inversa. Analisemos cada caso.
PROPORÇÃO DIRETA:
 de equivalência (via via che... —, di mano in mano che... —, man mano che... —, a misura
che... —);
 de progressão crescente (più... più, quanto più... tanto più);
 de progressão decrescente (meno... meno, quanto meno... tanto meno).
Serianni (ibid., tradução nossa) explica que “nas relações de progressão, as duas frases
podem ser ligadas mediante e (em tal caso, a comparativa perde a sua qualidade de subordinada,
tornando-se coordenada à reggente)”. Vejamos os exemplos apresentados pelo gramático:
1) Dapprincipio agì come suo luogotenente; ma poi, via via che la sua forza cresceva e gli
entusiasmi per Fiume s’intiepidivano, cominciò a prendere da lui le distanze.
(No início, agiu como seu tenente; mas depois, à medida que a sua força crescia e os
entusiasmos por Fiume amornavam, começou a tomar distância dele.)
2) L’Istmo di Gibilterra ingigantisce, va su, man mano che ci avviciniamo.
(O Istmo de Gibraltar se agiganta, vem para cima, à proporção que nos aproximamos.)
3) La signora andava ripigliando fiato a misura che ne perdeva il vento.
(A senhora ia retomando o fôlego, à medida que perdia o vento.)
4) Devi sapere che l’Io è come le mosche: più lo scacci e più ti ronza d’intorno.
(Você deve saber que o Eu é como as moscas: quanto mais o expulsar, mais zumbe em volta
de você.)
Façamos a análise oracional de duas das frases acima.
257
Frase 1: Dapprincipio agì come suo luogotenente; ma poi, via via che la sua forza cresceva e
gli entusiasmi per Fiume s’intiepidivano, cominciò a prendere da lui le distanze.
Dapprincipio agì come suo luogotenente; / ma poi, [via via che la sua forza cresceva] [e gli
entusiasmi per Fiume s’intiepidivano], cominciò a prendere da lui le distanze.
1ª proposizione: Dapprincipio agì come suo luogotenente. Proposizione indipendente
2ª proposizione: ma poi, cominciò a prendere da lui le distanze. Proposizione reggente
3ª proposizione: via via che la sua forza cresceva. Proposizione comparativa di 1º grado
(proporzione diretta di equivalenza)
4ª proposizione: e gli entusiasmi per Fiume s’intiepidivano. Proposizione comparativa di 1º
grado; e proposizione coordinata copulativa di 2º grado
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
No início, agiu como seu tenente; / mas depois, [à medida que a sua força crescia] [e os
entusiasmos por Fiume amornavam], começou a tomar distância dele.
1ª oração: No início agiu como seu tenente. Oração coordenada assindética
2ª oração: mas depois começou a tomar distância dele. Oração principal
3ª oração: à medida que a sua força crescia. Oração subordinada adverbial proporcional de 1º
grau
4ª oração: e os entusiasmos por Fiume amornavam. Oração subordinada adverbial
proporcional de 1º grau, e oração coordenada sindética aditiva de 2º grau
Frase 2: L’Istmo di Gibilterra ingigantisce, va su, man mano che ci avviciniamo.
L’Istmo di Gibilterra ingigantisce, / va su, / man mano che ci avviciniamo.
1ªproposizione
2ª prop.
3ª proposizione
1ª proposizione: principale della 2ª proposizione e reggente della 3ª proposizione
2ª proposizione: coordinata per giustapposizione alla 1ª proposizione
3ª proposizione: subordinata avverbiale comparativa (proporzione diretta di equivalenza)
258
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
O Istmo de Gibraltar se agiganta, / vem para cima, / à proporção que nos aproximamos.
1ª oração: Oração coordenada assindética, em relação à 2ª oração, e principal, em relação à 3ª
oração
2ª oração: Oração coordenada assindética, ligada à 1ª oração por justaposição
3ª oração: Oração subordinada adverbial proporcional, ligada à 1ª oração
PROPORÇÃO INVERSA: Ocorre quando più... meno, tanto più... quanto meno, meno... più,
tanto meno... quanto più.
1) Più l’umanità si fa grossa [...] meno diventa trasparente per se stessa.
(Quanto mais a humanidade aumenta [...] menos se torna transparente para si mesma.)
2) Tanto più si travagliano con questo desiderio da se medesimi, quanto meno sono affliti dagli
altri mali.
(Quanto mais se afligem com este desejo por si mesmos, quanto menos ficam aflitos pelos outros
males.)
Luca Serianni (1999, p. 617, tradução nossa) esclarece que “a relação de
proporcionalidade pode variar em um dos seus termos através de um advérbio não-quantitativo
(como più ou meno), mas qualitativo: meno ci vedono insieme, meglio è ”.
6.3.5.7. Proposizione condizionale
A proposizione condizionale, chamada por Luca Serianni (1999, p. 588) de proposizione
ipotetica, por formar o periodo ipotetico, expressa condição em relação ao que é dito na reggente.
Segundo Dardano e Trifone (2003, p. 462), essa subordinata é chamada de protasi (do grego
prótasis, “premissa”), e a sua reggente é chamada de apodosi (do grego apódosis,
“consequência”).
259
A conjunção mais usada é se, mas, como já vimos, também são usadas conjunções e
locuções conjuntivas condicionais: qualora, purché, posto che, ammesso che, a condizione che, a
patto che, nel caso che, nell’eventualità che, nell’ipotesi che.
Segundo Dardano e Trifone, “existem possibilidades diversas de correlação dos modos
verbais, que dão lugar a períodos hipotéticos ‘mistos’ [...]”. Não estudaremos aqui as possíveis
combinações dos tempos e modos verbais, porque consideramos isso detalhe, frente ao nosso
objetivo, que é realizarmos uma análise contrastiva para chegarmos à correspondência entre os
tipos de orações coordenadas e subordinadas do italiano e do português.
Luca Serianni (1999, p. 588-597) dedica nove páginas da sua Grammatica italiana
somente para tratar da proposizione condizionale. Segundo o autor, essa oração, quando
introduzida pela conjunção se seguida de verbo no indicativo, pode assumir valores específicos,
não-hipotéticos, tais como: temporale-iterativo, causale, concessivo, completivo, avversativo,
restrittivo, ipotetico apparente, fraseológico.
A forma implicita da condizionale pode apresentar o verbo no infinitivo, precedido da
preposição a, no gerúndio ou no particípio.
Analisando a condizionale, identificamos duas orações do português como suas
correspondentes: a oração subordinada adverbial condicional e a oração subordinada adverbial
proporcional. Verifiquemos cada caso a seguir.
A) Proposizione condizionale como oração subordinada adverbial condicional
Essa é a principal correspondência entre a condizionale e uma oração do português.
Vejamos alguns exemplos.
AUTORES
EXEMPLOS
ESPLICITE (desenvolvidas):
Dardano e
Trifone
(2003)
1) Se comincia a parlare, non la finisce più. (p. 462; Se começa a falar, não para
mais.)
2) Mi farebbe piacere se ci fossi anche tu. (p. 462; Eu iria gostar, se você também
estivesse.)
260
IMPLICITE (reduzidas):
Dardano e
Trifone
(2003)
3) Applicandoti, potresti rendere molto di più. (p. 463; Aplicando-se, você poderia
render muito mais.)
4) Sviluppata meglio, sarebbe un’ottima idea. (p. 463; Desenvolvida melhor, seria
uma ótima ideia.)
5) A vederlo, non penseresti che è ricco. (p. 463; Ao vê-lo, você não pensaria que é
rico.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Avrò in regalo gli sci se sarò promosso. (p. 468; Terei de presente os esquis, se
eu for promovido.)
2) Qualora tu ti alzassi prima, potresti essere più puntuale. (p. 470; Se você se
lenvantasse mais cedo, poderia ser mais pontual.)
Francesco
Sabatini
(1994)
IMPLICITE (reduzidas):
3) Ad avere più soldi, avrei comprato quell’altro paio di sci. (p. 470; Ao ter mais
dinheiro, teria comprado aquele outro par de esqui.)
4) Ritardando ancora, perderai il treno. (p. 470; Atrasando mais um pouco, você
perderá o trem.)
5) Ascoltato con attenzione, Giulio potrebbe far capire le sue ragioni. (p. 470;
Ouvido com atenção, Júlio poderia fazer entender as razões.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Se mi toccate, chiamo gente. (p. 589; Se vocês tocarem em mim, chamo as
pessoas.)
2) Se hai sbagliato, devi correggerti. (p. 589; Se você errou, tem que se corrigir.)
Luca
Serianni
(1999)
3) Di queste galline, sette le mangeremo noi, e una la daremo a te, a condizione
[...] che tu faccia finta di dormire. (p.596; Destas galinhas, sete comeremos nós, e
uma daremos a você, com a condição [...] que você finja dormir.)
IMPLICITE (reduzidas):
4) A sentire gli storici l’impero romano fu distrutto dalle tasse più che dai barbari.
(p. 597; Ao ouvir os historiadores, o império romano foi destruído pelos impostos
mais do que pelos bárbaros.)
5) Speravo, ottenendo quel rinvio, di poter poi restare a Grassano definitivamente.
(p. 597; Eu esperava, obtendo aquela restituição, poder depois ficar em Grassano
definitivamente.)
261
ESPLICITE (desenvolvidas):
Salvatore
Battaglia e
Vincenzo
Pernicone
(1994, p.
342)
1) Se dirai la verità, sarai perdonato. (Se você disser a verdade, você será
perdoado.)
2) Sarebbe una fortuna, se fossimo promossi. (Seria uma sorte, se fôssemos
promovidos.)
3) Se tu avessi avuto pazienza, saresti riuscito. (Se você tivesse tido paciência, teria
conseguido.)
IMPLICITE (reduzidas): Não apresenta.
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Se dici questo sbagli. (p. 519; Se você diz isto, você erra.)
2) Qualora non si dimostri degno della nostra fiducia, non gli daremo più incarichi.
(p. 521; Se ele não se mostrar digno da nossa confiança, não lhe daremos mais
encargos.)
Giuseppe
Pittano
(1974)
IMPLICITE (reduzidas):
3) Dicendo questo, sbagli. (p. 519; Dizendo isto, você erra.)
4) A dire questo sbagli. (p. 519; Ao dizer isto, você erra.)
5) Detto questo, hai certamente sbagliato. (p. 519; Dito isto, você certamente
errou.)
Todos os autores apresentam exemplos com a conjunção se, pois segundo eles, é a mais
frequente das conjunções condicionais. A subordinata condizionale tanto pode vir antes quanto
após a reggente. Praticamente todas as implicite do quadro se antepõem à oração principal. Em
relação à pontuação, parece não haver obrigatoriedade no uso da vírgula para separar subordinata
e reggente, pois há frases, esplicite e implicite, com vírgula e frases sem ela. A maioria das frases
têm a vírgula com essa função. Acompanhemos a seguir a análise oracional de uma das frases do
quadro.
262
ITALIANO:
Frase: Applicandoti, potresti rendere molto più. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 463)
Análise segundo a gramática italiana:
Applicandoti, / potresti rendere molto più.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: condizionale implicita di gerundio
2ª proposizione: reggente
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Aplicando-se, / você poderia render muito mais.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: subordinada adverbial condicional reduzida de gerúndio
2ª oração: principal
B) Proposizione condizionale como oração subordinada adverbial proporcional
Luca Serianni (1999, p. 596), ao tratar da proposizione condizionale, apresenta uma lista
grande de congiunzioni e locuzioni congiuntive que ele chama de ipotetiche e condizionalirestrittive. Entre as referidas locuções, o autor cita nella misura in cui, que, com base na sua
tradução — na medida em que ou à medida que —, estabelece correspondência entre a
condizionale e a oração subordinada adverbial proporcional do português. Serianni (ibid.,
tradução nossa) esclarece: “A expressão nella misura in cui [...] indica propriamente a correlação
proporcional entre uma hipótese e o efeito que dela depende (mas no abuso que se fez dela em
anos recentes, foi frequentemente adotada como simples variante de se)”. Analisemos o exemplo
apresentado pelo autor.
ITALIANO:
Frase: È possibile che la proibizione dell’incesto un giorno scompaia, nella misura in cui si
saranno trovati nuovi mezzi per assicurare la coesione sociale.
Análise segundo a gramática italiana:
263
È possibile / che la proibizione dell’incesto un giorno scompaia, / nella misura in cui si
saranno trovati nuovi mezzi / per assicurare la coesione sociale.
1ª proposizione: reggente della 2ª proposizione
2ª proposizione: subordinata sostantiva soggettiva di 1º grado e reggente della 3ª proposizione
3ª proposizione: subordinata avverbiale condizionale di 2º grado e reggente della 4ª proposizione
4ª proposizione: subordinata relativa restrittiva finale implicita d’infinito di 3º grado
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
É possível / que a proibição do incesto um dia desapareça, / à medida que serão encontrados
novos meios / para assegurar a coesão social.
1ª oração: principal da 2ª oração
2ª oração: subordinada substantiva subjetiva de 1º grau e principal da 3ª oração
3ª oração: subordinada adverbial proporcional de 2º grau e principal da 4ª oração
4ª oração: subordinada adjetiva restritiva final de 3º grau, reduzida de infinitivo
Como podemos ver, a proposizione condizionale como oração subordinada adverbial
proporcional é um caso muito particular de correspondência entre uma oração italiana e uma
oração do português, visto que essa correspondência se apoia em apenas uma locução conjuntiva.
6.3.5.8. Proposizione aggiuntiva
Luca Serianni (1999, p. 618) é o único, entre os gramáticos italianos considerados nesta
tese, que descreve esse tipo de oração subordinada. O autor a define como a oração
essencialmente implicita que acrescenta uma circunstância acessória ao período. A aggiuntiva
pode ser introduzida por oltre a (forma implicita) ou oltre che (forma esplicita). A forma
reduzida traz o verbo no infinitivo. Vejamos os exemplos apresentados por Serianni.
264
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Oltre che io non pretendo dare ispirazioni, ben mi parrebbe peccato lo staccare anche per un
momento il vostro pennello da quelle tele. (Além de que eu não pretendo dar inspirações, bem
me pareceria pecado o afastar, mesmo por um momento, o vosso pincel daquelas telas.)
2) Passeggiare innanzi e indietro, tutto quel tempo, oltre che sarebbe stato poco efficace aiuto
contro il rigore del sereno, era un richieder troppo da quelle povere gambe. (Passear para cima
e para baixo, todo aquele tempo, além de que teria sido ajuda pouco eficaz contra o rigor do
sereno, era pedir demais daquelas pobres pernas.)
IMPLICITE (reduzidas):
3) Cos’altro ti ha detto, oltre che dichiarare le sue generalità? (O que mais te disse, além de
declarar as suas generalidades?)
4) Desideravo rivedere James Ensor, che, oltre ad esser un grande pittore, è un uomo curioso e
istruttivo. (Eu desejava rever James Ensor, que, além de ser um grande pintor, é um homem
curioso e instrutivo.)
Analisemos abaixo um desses exemplos.
ITALIANO:
Desideravo rivedere James Ensor, che, oltre ad esser un grande pittore, è un uomo curioso e
istruttivo.
Análise segundo a gramática italiana:
Desideravo rivedere James Ensor, / che, [oltre ad esser un grande pittore], è un uomo curioso e
istruttivo.
1ª proposizione: Desideravo rivedere James Ensor. Proposizione reggente della 2ª
proposizione
2ª proposizione: che è un uomo curioso e istruttivo. Proposizione subordinata relativa
appositiva, in rapporto alla 1ª proposizione, e proposizione reggente della 3ª
proposizione
3ª proposizione: oltre ad esser un grande pittore. Proposizione subordinata avverbiale
aggiuntiva implicita d’infinito
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Eu desejava rever James Ensor, / que , [além de ser um grande pintor], é um homem curioso e
instrutivo.
265
1ª oração: Eu desejava rever James Ensor. Oração principal em relação à 2ª oração
2ª oração: que é um homem curioso e instrutivo. Oração subordinada adjetiva explicativa, em
relação à 1ª oração, e oração principal da 3ª oração
3ª oração: além de ser um grande pintor. Oração subordinada adverbial aditiva, reduzida de
infinitivo
Encontramos a correspondente para a proposizione aggiuntiva em Azeredo (2010, p. 336).
O autor não fala abertamente em oração subordinada adverbial aditiva, mas fala em conteúdo
adverbial de adição. Em sua Gramática Houaiss da Língua Portuguesa, no tópico 14.13, o autor
trata das orações adverbiais; no subtópico 14.13.5, intitulado Um par à parte: adição e
preterição, Azeredo afirma o seguinte: “Adição e preterição são conteúdos adverbiais expressos
pelas locuções prepositivas além de e em vez de/em lugar de, respectivamente. Além de
estabelece a mesma relação expressa pela dupla não só...como/mas também [...]. Com em vez de
pretere-se ou descarta-se algo”. Azeredo apresenta os seguintes exemplos:
a) Além de xingar o adversário, desafiou-o para um duelo.
b) Em vez de chutar em gol, preferiu passar a bola.
De acordo com Azeredo, a possibilidade de deslocamento dessas contruções comprova a
natureza adverbial das mesmas:
a) Desafiou o adversário para um duelo além de xingá-lo.
b) Preferiu passar a bola em vez de chutar em gol.
Assim, com base no exposto, podemos fazer a seguinte análise oracional dos exemplos de
Azeredo:
a) Além de xingar o adversário, / desafiou-o para um duelo.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: subordinada adverbial aditiva reduzida de infinitivo
2ª oração: principal
266
b) Em vez de chutar em gol, / preferiu passar a bola.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: subordinada adverbial de preterição reduzida de infinitivo
2ª oração: principal
Como sabemos, a NGB não reconhece esses tipos de orações subordinadas adverbiais,
mas preferimos adotar aqui as denominações que apresentamos, devido à força da necessidade,
qual seja, encontrar uma oração correspondente para a proposizione aggiuntiva; essa
correspondente é, então, a oração subordinada adverbial aditiva.
6.3.5.9. Proposizione eccettuativa
Segundo Francesco Sabatini (1994, p. 472), a proposizione eccettuativa “exprime um
conceito que limita o significado da reggente”. Na forma esplicita, pode ser introduzida por
eccetto che, tranne che, salvo che, fuorché, a meno che non, se non che. Na forma implicita, essa
oração é introduzida praticamente pelas mesmas conjunções e locuções conjuntivas e traz o verbo
no infinitivo.
Do estudo que realizamos sobre a proposizione eccettuativa, concluímos que esta
corresponde a três orações subordinadas adverbiais do português: as duas primeiras são a
condicional e a concessiva, ambas reconhecidas pela NGB; a terceira nós chamamos de
eccettuativa, por não termos encontrado correspondente entre as orações descritas pela NGB.
Vejamos cada caso individualmente.
A) Proposizione subordinata avverbiale eccettuativa como oração subordinada adverbial
condicional
Vejamos primeiro os exemplos apresentados pelos autores italianos, para depois fazermos
as nossas considerações.
267
AUTORES
EXEMPLOS
ESPLICITE (desenvolvidas):
Dardano e
Trifone
(2003, p. 471)
1) Verrò a trovarti, a meno che qualcosa non me lo impedisca. (Virei te encontrar,
a menos que alguma coisa me impeça.)
2) Non dirò niente, tranne che non sia costretto. (Não direi nada, exceto se eu for
obrigado.)
Francesco
Sabatini
ESPLICITA (desenvolvida):
(1994, p. 472)
Partiremo, a meno che non piova. (Partiremos, a menos que chova.)
Luca
Serianni
ESPLICITA (desenvolvida):
(1999, p. 619)
Salvatore
Battaglia e
Vincenzo
Pernicone
(1994)
Giuseppe
Pittano
(1974, p. 533)
Puoi ripassare domani, a meno che tu non abbia già qualche impegno. (Você pode
passar de novo amanhã, a menos que você já tenha algum compromisso.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Lo troveremo a casa tranne (o salvo) che non sia già partito. (p. 345; Nós vamos
encontrá-lo em casa, exceto (ou salvo) que já tenha partido.)
2) Verrò a trovarti, a meno che (o eccetto che) non si faccia tardi. (p. 346;
Irei/Virei te encontrar, a menos que (ou exceto que) fique tarde.)
ESPLICITA (desenvolvida):
Verrò domani, salvo che non piova. (Irei/Virei amanhã, a menos que chova.)
Luca Serianni (1999, p. 619-621) é o autor que dá maior atenção à proposizione
eccettuativa, descrevendo-a detalhadamente, e o único que apresenta essa oração na forma
implicita, além da esplicita.
As eccettuative dos exemplos do quadro vêm todas após a reggente. De fato, conforme
afirma Serianni, essa oração vem preferivelmente nessa posição. Em relação à pontuação, em
praticamentente todas as frases, há uma vírgula, separando a reggente da proposizione
eccettuativa.
268
Encontramos na Gramática Houaiss da Língua Portuguesa, de José Carlos de Azeredo
(2010, p. 327), a oração do português, a qual é correspondente à oração italiana de que estamos
tratando. O autor afirma o seguinte: “A condição expressa pelos conectivos a menos que, a não
ser que e exceto se é imperiosa. O enunciador se serve da oração condicional para indicar a única
situação capaz de reverter o que vem expresso na oração principal”. Destacamos os seguintes
exemplos apresentados por Azeredo:
a) O senador não aceitará o cargo de ministro, a não ser que disponha de dinheiro para novos
investimentos.
b) A advogada disse que seu cliente não tem nada o que fazer do ponto de vista jurídico, a menos
que o laudo técnico o responsabilize nominalmente pelo desabamento do prédio.
Como podemos verificar, são exemplos parecidos com as frases em português do quadro
que apresentamos, as quais são traduções das frases italianas. Em português, portanto, as orações
sublinhadas nas frases acima são subordinadas adverbiais condicionais. Analisemos uma das
sentenças italianas.
ITALIANO:
Frase: Partiremo, a meno che non piova. (SABATINI, 1994, p. 472)
Análise segundo a gramática italiana:
Partiremo, / a meno che non piova.
1ª prop.
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: eccettuativa
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Partiremos, / a menos que chova.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada adverbial condicional
269
A observação a fazer sobre a frase em italiano acima é que, por uma questão idiomática,
há um advérbio de negação na 2ª oração: non; se traduzirmos “ao pé da letra”, a frase seria
contraditória. Para que a frase, em português, seja coerente, precisamos suprimir esse advérbio de
negação.
B) Proposizione subordinata avverbiale eccettuativa como oração subordinada adverbial
concessiva
Encontramos um único exemplo com uma proposizione eccettuativa, cuja correspondente,
em português, é uma oração subordinada adverbial concessiva. Vejamos abaixo.
Dardano e
Trifone
(2003, p. 471)
ESPLICITA (desenvolvida):
Ci conosciamo da molti anni, se non che ci vediamo raramente. (Nós nos
conhecemos há muitos anos, ainda que nos vejamos raramente.)
Como podemos verificar, a tradução da frase italiana determina a classificação das
orações em português e, no exemplo acima, temos uma eccettuativa correspondendo a uma
concessiva.
C) Proposizione subordinata avverbiale eccettuativa como oração subordinada adverbial
excetuativa
Observemos agora, nos exemplos abaixo, eccettuative cujas orações correspondentes do
português nós chamamos de orações subordinadas adverbiais excetuativas. Optamos por essa
classificação, porque, entre as orações subordinadas adverbiais reconhecidas pela NGB, nenhuma
serve como correspondente para o tipo de eccettuativa apresentado aqui. Vejamos os exemplos.
AUTORES
EXEMPLOS
Dardano e
Trifone
IMPLICITA (reduzida):
(2003, p. 471)
Sono disposto a tutto, fuorché chiedergli scusa. (Estou disposto a tudo, fora pedirlhe desculpa.)
270
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Potrebbe vivere come tutti in una grande città, tranne che si sentirebbe troppo
solo. (p. 619; Ele/O Sr. poderia viver como todos em uma grande cidade, exceto
pelo fato de que se sentiria sozinho demais.)
2) Non chiedevano altro, in fondo, se non che se ne ricordassero. (p. 620; Não
pediam outra coisa, no fundo, a não ser que se lembrassem.)
Luca
Serianni
(1999)
IMPLICITA (reduzida):
3) Sono disposto a tutto, tranne che a tradire un amico. (p. 620; Estou disposto a
tudo, exceto a trair um amigo.)
4) Non rimpiango nulla della mia giovinezza, tranne (che) di avere interrotto gli
studi. (p. 620; Eu não lamento nada da minha juventude, exceto ter interrompido os
estudos.)
5) Posso ammettere qualunque cosa tranne che mancare di parola. (p. 620; Posso
admitir qualquer coisa, exceto faltar com a palavra.)
ESPLICITA (desenvolvida):
Francesco
Sabatini
(1994, p. 472)
1) Tutto posso credere, tranne che Giorgio sia innocente. (Em tudo posso acreditar,
exceto que Jorge seja inocente.)
IMPLICITA (reduzida):
2) Sono disposto a tutto, fuorché a perdonarlo. (Estou disposto a tudo, fora perdoálo.)
ESPLICITA (desenvolvida):
Giuseppe
Pittano
(1974, p. 533)
1) Non dico nulla, tranne che l’ho visto. (Não digo nada, exceto que eu o vi.)
IMPLICITE (reduzidas):
2) Sa far tutto, tranne che mentire. (Sabe fazer tudo, exceto mentir.)
3) Non sa far altro che parlare. (Não sabe fazer outra coisa, a não ser falar.)
Como podemos ver, é clara a ideia de exceção nas orações subordinadas, tanto das frases
italianas quanto das frases em português. Evanildo Bechara (1999, p. 526) na obra Moderna
271
gramática portuguesa (1999, p. 523-524), ao tratar das orações que ele chama de reduzidas fixas,
fala das que expressam exceção, cujo verbo vem no infinitivo. Bechara apresenta o seguinte
exemplo:
A filha estava com quatorze anos; mas era muito fraquinha, e não fazia nada, a não ser namorar
os capadócios.
A oração sublinhada, na frase acima, é uma subordinada adverbial que denota exceção,
por isso, nós vamos chamá-la de excetuativa, seguindo a classificação italiana.
6.3.5.10. Proposizione avversativa
A proposizione avversativa expressa um fato que se opõe a um outro fato apresentado
pela proposizione reggente. Na forma esplicita, pode ser introduzida pelas seguintes conjunções
ou locuções conjuntivas: quando, mentre, quando mentre e mentre invece. Na forma implicita, é
introduzida por invece di, in luogo di ou anziché, com o verbo no infinitivo.
Segundo Luca Serianni (1999, p. 609), as avversative apresentam certa afinidade com as
temporali no que diz respeito à forma, tanto que esses dois tipos de orações adverbiais italianas
compartilham das mesmas conjunções quando e mentre. Segundo Dardano e Trifone (2003, p.
471), a diferença entre o valor avversativo e o temporale dessas conjunções pode ser marcada
pelo uso de vírgula. Analisemos os exemplos que Dardano e Trifone apresentam:
a) Luigi studia mentre io lavoro.
b) Luigi studia, mentre io lavoro.
De acordo com os referidos gramáticos italianos, na primeira frase, mentre tem valor
temporale, e na segunda, tem valor avversativo. Esses gramáticos afirmam que “o diferente
significado da segunda frase é obtido por meio da pausa mais longa entre studia e mentre”.
Azeredo (2010, p. 331) afirma o seguinte a respeito da conjunção quando do português:
Quando é a conjunção temporal padrão, apta a exprimir uma variedade de
valores que, quando necessário, são especificados por outras conjunções [...].
272
Exprimindo concomitância de dois fatos ou ideias, quando é passível de
substituição por enquanto e ao passo que, que se empregam com valor muito
semelhante ao das proporcionais [...]. Nesta situação de simultaneidade,
frequentemente o que sobressai é o caráter contrastivo dos fatos e ideias [...], de
modo que a relação temporal se torna secundária ou mesmo se esvazia.
O autor apresenta alguns exemplos, entre os quais destacamos o seguinte:
“Eu digo que muito veículo parece estar conduzindo passageiros apanhados ao acaso, quando na
verdade estão levando verdadeiras combinações de passageiros.” [MACHADO, 1957, p. 211212]
Azeredo não apresenta uma classificação para a conjunção quando na oração adverbial
quando na verdade estão levando verdadeiras combinações de passageiros, do exemplo acima.
O autor também não classifica a oração adverbial; explica apenas que “o que sobressai é o caráter
contrastivo dos fatos e ideias [...], de modo que a relação temporal se torna secundária ou mesmo
se esvazia” (AZEREDO, 2010, p. 331).
Em relação ao valor lógico-semântico, Luca Serianni (1999, p. 609) afirma que as
avversative aproximam-se das coordinate avversative: tu insisti, mentre dovresti tacere
corresponde a tu insisti, ma dovresti tacere.
Assim, considerando o que afirmam autores como Azeredo e Luca Serianni, optamos por
chamar de oração subordinada adverbial adversativa a oração do português, a qual é
correspondente à proposizione avversativa. Esta classificação que apresentamos em português
não é reconhecida pela NGB, mas optamos por ela, porque nenhuma das classificações que a
referida Nomenclatura apresenta para as adverbiais, a nosso ver, pode ser apontada como
correspondente da proposizione avversativa. Vejamos, a seguir, os exemplos de frases com esta
oração italiana.
AUTORES
EXEMPLOS
ESPLICITE (desenvolvidas):
Dardano e
Trifone
(2003, p. 471)
1) Lo aspettavamo oggi, mentre invece arriverà domani. (Nós o esperávamos hoje,
mas ao invés disso chegará amanhã.)
2) Ha voluto restare in casa, mentre io avrei preferito uscire. (Quis ficar em casa,
enquanto eu teria preferido sair.)
273
Dardano e
Trifone
(2003, p. 471)
3) Cristina addossa tutte le colpe a Marco, quando è lei la vera responsabile
dell’accaduto. (Cristina atribui todas as culpas a Marcos, quando é ela a verdadeira
responsável pelo acontecido.)
IMPLICITA (reduzida):
4) Invece di ringraziarmi, fa l’offeso. (Ao invés de me agradecer, se faz de
ofendido.)
ESPLICITA (desenvolvida):
Francesco
Sabatini
1) Ti sei entusiasmato al primo annuncio, mentre dovevi essere prudente. (Você se
entusiasmou com o primeiro anúncio, enquanto você devia ser prudente.)
(1994, p. 472)
IMPLICITA (reduzida):
2) Ti sei entusiasmato al primo annuncio, invece di (o anziché) essere prudente.
(Você se entusiasmou com o primeiro anúncio, ao invés de ser prudente.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Tu insisti, mentre dovresti tacere. (p. 609; Você insiste, quando deveria calar.)
Luca
Serianni
(1999)
2) Su questo punto abbiamo avuto una polemica con il Psi, che ci rimprovera di
cercare scorciatoie nell’eurosinistra, quando il problema sarebbe soprattutto
italiano. (p. 610; Sobre este ponto, tivemos uma polêmica com o Psi, que nos
repreendeu por procurar atalhos na esquerda europeia, quando o problema seria
sobretudo italiano.)
IMPLICITE (reduzidas):
3) Fatto sta che i tre torsoli, invece di esser gettati fuori dalla finestra, vennero
posati sull’angolo della tavola. (p. 610; Fato é que os três caroços, ao invés de
serem atirados para fora da janela, foram pousados no canto da mesa.)
4) In luogo di migliorare le coltivazioni [i nobili] si stremavano a esigere diritti di
passaggio su vecchie strade e su guadi abbandonati. (p. 610; No lugar de melhorar
os cultivos, [os nobres] se extenuavam a exigir direitos de passagem em velhas
estradas e em vaus abandonados.)
Giuseppe
Pittano
(1974, p. 542)
ESPLICITA (desenvolvida):
Lo credevo sincero, mentre (= e invece) lui mentiva. (Eu o considerava sincero,
enquanto (e ao invés disso) ele mentia.)
274
Em geral, as avversative vêm após as orações principais. No quadro, todas as sete esplicite
vêm após as reggenti; das quatro implicite, duas vêm antes, e duas vêm após as reggenti. Em
praticamente todas as frases, as avversative são separadas das reggenti por vírgula; a exceção é a
frase 4 de Luca Serianni. Em português, a vírgula separa os dois referidos tipos de orações em
todas as frases.
Vejamos a análise oracional mais detalhada de duas das frases do quadro.
ITALIANO:
Frase 1: Ha voluto restare in casa, mentre io avrei preferito uscire.
(DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 471)
Análise segundo a gramática italiana:
Ha voluto restare in casa, / mentre io avrei preferito uscire.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: avversativa
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Quis ficar em casa, / enquanto eu teria preferido sair.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada adverbial adversativa
ITALIANO:
Frase 2: Invece di ringraziarmi, fa l’offeso. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 471)
Análise segundo a gramática italiana:
Invece di ringraziarmi, / fa l’offeso.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: avversativa implicita d’infinito
2ª proposizione: reggente
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
275
Ao invés de me agradecer, / se faz de ofendido.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: subordinada adverbial adversativa reduzida de infinitivo
2ª oração: principal
6.3.5.11. Proposizione esclusiva
A proposizione esclusiva expressa uma exclusão em relação ao que se afirma na
proposizione reggente. Na forma esplicita, é introduzida pela locução conjuntiva senza che e traz
o verbo no congiuntivo. A forma implicita, considerada a mais comum, é introduzida por senza e
traz o verbo no infinitivo. Dardano e Trifone (2003, p. 471, tradução nossa) consideram a
proposizione esclusiva “quase uma variante negativa da modale”; segundo esses gramáticos, a
locução conjuntiva senza che equivale a come se non.
Em português, segundo Evanildo Bechara (1999, p. 506-507), a locução sem que “assume
variados sentidos contextuais”, entre os quais modo e concessão. Bechara apresenta os seguintes
exemplos:
a) Ele é responsável, sem que o saiba, por todas essas coisas erradas.
Bechara classifica a oração sublinhada como uma subordinada adverbial concessiva; esta
corresponde a embora não saiba.
b) Estudou sem que seus pais lho pedissem.
Bechara explica esse exemplo da seguinte forma: “Nega-se a causa ou uma das causas do estudo:
o pedido dos pais, e vale quase por: estudou ainda que seus pais não lho pedissem”. Segundo o
gramático, a oração sublinhada pode ser classificada como subordinada adverbial causal ou
concessiva.
c) Entrou em casa sem que tomasse nenhum alimento.
De acordo com Bechara, a oração em destaque “denota simplesmente que tal ou qual
circunstância não se deu, aproximando-se da ideia de modo; segundo o gramático, a oração
sublinhada é, portanto, uma subordinada adverbial modal.
276
De acordo com Luiz Antonio Sacconi (1990, p. 328), as adverbiais modais são iniciadas
por sem que e expressam o modo como se realiza o fato descrito pela oração principal: Ifigênia
ria sem que mostrasse os dentes.
Bechara afirma que a NGB “desprezou as orações modais”. Sacconi, a esse respeito,
afirma o seguinte: “A Nomenclatura Gramatical Brasileira não agasalha as orações modais.
Prefere distribuí-las entre as conformativas, consecutivas e comparativas. Curiosamente, porém,
admite a oração reduzida modal”.
Após analisarmos cuidadosamente as frases com as proposizioni esclusive, suas traduções
para o português e o posicionamento de gramáticos como Bechara e Sacconi em relação à
locução sem que, optamos por apontar, como correspondente da proposizione esclusiva, a oração
subordinada adverbial modal. Vejamos os exemplos do italiano.
AUTORES
EXEMPLOS
ESPLICITA (desenvolvida):
Dardano e
Trifone
1) Abbiamo fatto tardi, senza che ce ne rendessimo conto. (Nós nos atrasamos, sem
que nos déssemos conta.)
(2003, p. 471)
IMPLICITA (reduzida):
2) Abbiamo fatto tardi, senza rendercene conto. (Nós nos atrasamos, sem nos
darmos conta.)
ESPLICITA (desenvolvida):
Francesco
Sabatini
1) Ci siamo trovati d’accordo, senza che ne avessimo parlato prima. (Encontramonos de acordo, sem que tivéssemos falado disso antes.)
(1994, p. 472)
IMPLICITA (reduzida):
2) Ci siamo trovati d’accordo senza averne parlato prima. (Encontramo-nos de
acordo, sem termos falado disso antes.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
Luca
Serianni
(1999)
1) Senza che me ne accorgessi mi rendeva allegra. (p. 618; Sem que me desse
conta, fazia-me alegre.)
2) Non mi stancavo di domandarmelo, senza che bastasse l’impazienza a
277
svegliarmi. (p. 618; Eu não me cansava de me perguntar, sem que bastasse a
impaciência a me acordar.)
IMPLICITE (reduzidas):
Luca
Serianni
(1999)
3) Viaggiò tutta la notte senza fermarsi mai. (p. 618; Viajou toda a noite, sem
nunca parar.)
4) Ritornò nella stessa casa senza aver parlato col figlio. (p. 619; Retornou para a
mesma casa, sem ter falado com o filho.)
5) La carozza attendeva lì davanti al portone del ‘Guarini’, ore e ore, non
spostandosi che per cercare l’ombra. (p. 619; A carruagem esperava ali em frente
ao portão do ‘Guarini’, horas e horas, não se afastando a não ser para procurar a
sombra.)
Salvatore
Battaglia e
Vincenzo
Pernicone
(1994, p. 345)
ESPLICITA (desenvolvida):
1) Sono caduto senza che mi sia fatto male. (Caí, sem que eu me machucasse.)
IMPLICITA (reduzida):
2) Sono caduto senza farmi male. (Caí, sem me machucar.)
ESPLICITA (desenvolvida):
Giuseppe
Pittano
1) L’ho fatto senza che tu lo comandassi. (Eu fiz sem que você mandasse.)
(1974, p. 533)
IMPLICITA (reduzida):
2) L’ho fatto senza saperlo. (Eu fiz sem saber.)
Com exceção da frase 1 de Luca Serianni, em todas as frases do quadro, as proposizioni
esclusive vêm após as proposizioni reggenti. Na maioria das frases, não há vírgula, separando os
dois tipos de orações.
Apenas Luca Serianni apresenta um caso de esclusiva implicita di gerundio: trata-se da
oração sublinhada da frase La carozza attendeva lì davanti al portone del ‘Guarini’, ore e ore,
non spostandosi [...]; essa subordinada poderia ser transformada em esclusiva implicita d’infinito:
La carozza attendeva lì davanti al portone del ‘Guarini’, ore e ore, senza spostarsi [...].
Vejamos a análise mais detalhada de duas frases do quadro.
278
ITALIANO:
Frase 1: Abbiamo fatto tardi, senza che ce ne rendessimo conto.
(DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 471)
Análise segundo a gramática italiana:
Abbiamo fatto tardi, / senza che ce ne rendessimo conto.
1ª proposizione
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: esclusiva
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Nós nos atrasamos, / sem que nos déssemos conta.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada adverbial modal
ITALIANO:
Frase 2: Sono caduto senza farmi male. (BATTAGLIA E PERNICONE, 1994, p. 345)
Análise segundo a gramática italiana:
Sono caduto / senza farmi male.
1ª prop.
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: esclusiva implicita d’infinito
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Caí, / sem me machucar.
1ª or.
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada adverbial modal, reduzida de infinitivo
279
6.3.5.12. Proposizione limitativa
A proposizione limitativa expressa uma limitação em relação ao que é dito na reggente. A
forma esplicita é introduzida pelas locuções per quanto e per quello che. A forma implicita, em
geral, é introduzida por in quanto a ou somente por quanto a, com o verbo no infinitivo.
Segundo Dardano e Trifone (2003, p. 472), é comum que as limitative tenham expressões como
per quanto riguarda..., per quanto concerne..., per quanto si riferisce a... De acordo com esses
gramáticos, as limitative também podem se apresentar com a preposição per ou a e o verbo no
infinitivo.
Depois de termos analisado diversas frases com proposizioni limitative, identificamos,
como correspondentes destas orações italianas, as seguintes orações do português: subordinada
adverbial limitativa e subordinada substantiva completiva nominal, reduzida de infinitivo.
Entre as orações subordinadas adverbiais descritas pela NGB (HENRIQUES, 2009, p.
164), não há a limitativa; porém, nenhuma das que a NGB descreve corresponde à proposizione
limitativa do italiano. Por isso, resolvemos assumir a oração subordinada adverbial limitativa.
Além disso, Luiz Antonio Sacconi (1999, p. 312) descreve o adjunto adverbial de limitação ou
referência; para este termo, esse gramático apresenta os seguintes exemplos:
Em esperteza você não perde de ninguém.
Ninguém a iguala em formosura.
Era paulista de nascimento, mas carioca de coração.
Conforme afirma Sacconi (1999, p. 325), a oração subordinada adverbial funciona como
adjunto adverbial da oração principal. Em português, há muitos tipos de adjuntos adverbiais;
Sacconi (1999, p. 311-314) descreve 25 tipos; mas as classificações das orações subordinadas
adverbiais são em número bem menor; a NGB só cita nove: causal, comparativa, consecutiva,
concessiva, condicional, conformativa, final, proporcional e temporal. Sacconi (1999, p. 325-328)
reconhece todas essas nove e mais a modal. Bechara (1999, p. 501) assume 11 tipos: os nove
citados pela NGB, a modal e a locativa. Assim, usamos da mesma liberdade que os referidos
gramáticos usaram, para, no contexto desta tese, falarmos em mais uma oração não reconhecida
280
pela NGB: a subordinada adverbial limitativa. Passemos agora aos dois casos de correspondência
da proposizione limitativa.
A) Proposizione limitativa como oração subordinada adverbial limitativa
Vejamos primeiramente os exemplos de proposizioni limitative e suas traduções para o
português no quadro abaixo, para posteriormente passarmos às considerações.
AUTORES
EXEMPLOS
ESPLICITA (desenvolvida):
Dardano e
Trifone
1) Per quanto ne so, stanno tutti bene. (Até onde sei, estão todos bem.)
(2003, p. 472)
IMPLICITA (reduzida):
2) (In) quanto a venirti incontro, mi sembra di averlo già fatto abbastanza. (Quanto
a eu ir ao teu encontro, parece-me já ter feito isso o suficiente.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
Francesco
Sabatini
Per quello che (o Per quanto) ne dicono gli esperti, le risorse di petrolio si
esauriranno. (Por aquilo que (ou Pelo que) dizem os especialistas, as reservas de
petrólio vão se exaurir.)
(1994, p. 472)
IMPLICITE (reduzidas):
Quanto a parlarne con Giulio, non è stato possibile. (Quanto a falar disso com
Júlio, não foi possível.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
Luca
Serianni
(1999)
1) Per quanto ne so, non ci sono più treni per Napoli a quest’ora. (p. 621; Até onde
eu sei, não há mais trens para Nápoles há esta hora.)
2) Per quel che so (per quel ch’io sappia, per quel poco che ne so, a quel che vedo),
di soldi ce ne sono abbastanza. (P. 621; Pelo que sei (que eu saiba, pelo pouco que
sei, pelo que vejo), dinheiro tem bastante.)
3) Per quel che concerne la materia e l’istrumento letterario, [...] apparisce [...] il
dialetto che si parlava in Firenze. (p. 621; Pelo que concerne à matéria e ao
instrumento literário, [...] aparece [...] o dialeto que se falava em Forença.)
281
4) Che si sappia, soltanto una famiglia, di origine ucraina, ci ha ripensato. (p. 621;
Que se saiba, somente uma família, de origem ucraniana, repensou isso.)
Luca
Serianni
(1999)
IMPLICITE (reduzidas):
5) In quanto allo scappare, pensate se aveva bisogno di consigli. (p. 621; Quanto a
escapar, pensem se (ele/ela) tinha necessidade de conselhos.)
6) Quanto a sposare, non mi passerebbe nemmeno per l’anticamera del cervello. (p.
621; Quanto a casar, não me passaria nem mesmo pela antecâmara do cérebro.)
7) A vederlo pareva morto [...]. (p. 622; Ao vê-lo, parecia morto [...].)
ESPLICITA (desenvolvida):
Salvatore
Battaglia e
Vincenzo
Pernicone
(1994, p. 346)
1) A quanto pare, il nostro amico non ha intenzione di ritornare. (Pelo que parece,
o nosso amigo não tem intenção de retornar.)
IMPLICITA (reduzida):
2) Quanto a pagare, c’è sempre tempo. (Quanto a pagar, sempre há tempo.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
Giuseppe
Pittano
1) Per quanto mi riguarda, io ho finito. (p. 533; No que me diz respeito, eu
terminei.)
2) Per quanto io sappia, Mario ha ragione. (Pelo que eu sei, Mário tem razão.)
(1974, p. 533)
IMPLICITA (reduzida):
3) In quanto a crederci, è affare tuo. (Quanto a acreditar, é problema seu.)
Todas as frases acima trazem a proposizione limitativa como primeira oração. A maioria
das limitative esplicite do quadro tem o verbo no modo indicativo, mas, segundo Luca Serianni
(1999, p. 621) a limitativa pode apresentar verbo em qualquer um dos três modos verbais, ou
seja, no indicativo, no congiuntivo ou no condizionale.
Para traduzirmos, para o português, algumas das limitative, foi necessário fazermos
adaptações, privilegiando as expressões mais usadas na língua portuguesa. Assim, per quanto ne
so traduzimos como até onde eu sei; per quanto mi riguarda, como no que me diz respeito; per
quanto io sappia, como pelo que eu sei.
282
A frase 5 de Luca Serianni (ibid.) apresenta um diferencial, em relação às outras: o verbo
da limitativa está substantivado. A frase é a seguinte: In quanto allo scappare, pensate se aveva
bisogno di consigli. A presença do artigo lo, articulado com a preposição a, na frente de
scappare, tornaria esta palavra um substantivo; porém, Serianni a considera verbo, porque esse
gramático indica o trecho sublinhado como uma proposizione limitativa; como toda oração tem
que ter um predicado, ou seja, um verbo, na oração que estamos analisando, o verbo só pode ser
scappare. Na tradução para o português, desconsideramos o referido artigo, do contrário o
enunciado não teria sentido; assim, a frase em português ficou: Quanto a escapar, pensem se
(ele/ela) tinha necessidade de conselhos.
Em todas as sentenças há vírgula separando as proposizioni limitative e as reggenti.
Vejamos abaixo a análise oracional de uma das frases do quadro.
ITALIANO:
1) Per quanto ne so, stanno tutti bene. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 472)
Análise segundo a gramática italiana:
Per quanto ne so, / stanno tutti bene.
1ª prop.
2ª proposizione
1ª proposizione: limitativa
2ª proposizione: reggente
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Até onde sei, / estão todos bem.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: subordinada adverbial limitativa
2ª oração: principal
283
B) Proposizione limitativa como oração subordinada substantiva completiva nominal
reduzida de infinitivo
Encontramos, em Luca Serianni (1999, p. 621-622), algumas construções com valor
limitativo as quais merecem atenção especial. São limitative com o verbo no infinitivo que, em
português, corresponderão a uma oração subordinada substantiva completiva nominal reduzida de
infinitivo.
Analisemos essas limitative, observando, em relação aos exemplos que
apresentaremos, que:
a) todas as orações italianas sublinhadas são proposizioni limitative;
b) todas as orações do português sublinhadas no caso 1 são orações subordinadas substantivas
completivas nominais reduzidas de infinitivo;
c) todas as orações do português sublinhadas nos casos 2, 3 e 4 são orações subordinadas
adverbiais limitativas reduzidas de infinitivo.
CASO 1:
O primeiro caso é formado por adjetivo + a (ou per ou in) + infinitivo de forma ativa. Vejamos
um exemplo: Sono abituato a mangiare presto. (Estou habituado a comer cedo.)
Serianni afirma que alguns adjetivos, como bello, brutto, facile, difficile, strano, podem
reger um verbo com valor passivo, introduzido pelas preposições a ou da. O gramático aponta
quatro construções desse tipo:
 adjetivo + a + infinitivo, como no seguinte exemplo: Gli orsi sono belli ad accarezzare. Em
português, temos: Os ursos são bons de se acariciar.
 adjetivo + a + infinitivo composto com si passivante: Sono cose difficili a spiegarsi. Em
português, temos: São coisas difíceis de se explicar.
 adjetivo + da + infinitivo: Quell’uva tanto brutta da vedere quanto buona da mangiare. Em
português: Aquela uva (é) tão feia de se ver, quanto boa de se comer.
284
 adjetivo + da + infinitivo composto com si passivante: Il disegno era più facile da concepirsi
che da eseguirsi. Em português: O desenho era mais fácil de se conceber, do que de se executar.
CASO 2:
Formado por preposição a + infinitivo (com ou sem artigo): A vederlo pareva morto [...]. Ao vêlo, parecia morto [...].
CASO 3:
Formado por preposição per + infinitivo, em correspondência com uma subordinada que
contenha uma forma do mesmo verbo: E le resistenze ci sono? — Per esserci, ci sono. Em
português: E as resistências, existem? — Existir, existem. Classificamos a oração sublinhada em
português como subordinada adverbial limitativa reduzida de infinitivo.
CASO 4:
Formado por infinitivo simples, em algumas fórmulas próprias do registro coloquial: Ballare non
ballava ancora. Em português: Dançar, não dançava ainda. É o mesmo caso 3; a oração
sublinhada em português é uma subordinada adverbial limitativa reduzida de infinitivo.
6.3.5.13. Proposizione modale
A proposizione modale indica o modo como a ação expressa pela reggente se realiza. Na
forma esplicita, é introduzida principalmente por come, secondo che, nel modo che, quase che,
come se. Na forma implicita, traz o verbo no gerúndio.
Dardano e Trifone (2003, p. 470) afirmam que as orações reduzidas de gerúndio podem
ter valore modale ou valore strumentale; segundo os autores, do ponto de vista lógico, é difícil
distinguir os dois tipos de valores, quer se expressem como orações, quer como simples
complementi di modo e di mezzo o strumento. Sabatini (1994, p. 472) e Serianni (1999, p. 618)
também comentam a dificuldade dessa distinção.
285
Uma observação importante feita por Serianni (ibid.) é que, quando a implicita di
gerundio é negativa, não teremos uma modale, mas sim uma esclusiva. O referido gramático
apresenta o seguinte exemplo 99 (a proposizione esclusiva está sublinhada):
La carrozza attendeva lì davanti al portone del ‘Guarini’, ore e ore, non spostandosi che per
cercare l’ombra.
A oração do português correspondente à proposizione modale do italiano é a subordinada
adverbial conformativa. Esta oração do português pode ser introduzida por conforme, como,
segundo, consoante. Passemos aos exemplos.
AUTORES
EXEMPLOS
ESPLICITE (desenvolvidas):
Dardano e
Trifone
1) Comportati nel modo che ritiene più opportuno. (Comporte-se do modo que
você achar mais conveniente.)
2) Fai come se niente fosse. (Você age como se não fosse nada.)
(2003, p. 470)
IMPLICITA (reduzida):
3) Scappò via correndo. (Escapou, correndo.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
1) Giudicalo come la tua coscienza ti detta. (Julgue-o como a tua consciência te
dita.)
Francesco
Sabatini
(1994, p. 472)
2) Mi guardò come se mi odiasse. (Olhou-me como se me odiasse.)
IMPLICITE (reduzidas):
3) Mi guardò sorridendo. (Olhou-me, sorrindo.)
4) Passa le serrate giocando a carte. (Passa as noitadas, jogando cartas.)
5) Lo ha convinto discutendo a lungo. (Convenceu-o, discutindo longamente.)
Luca
Serianni
IMPLICITE (reduzidas):
(1999, p. 617)
1) Camminava appoggiandosi al bastone. (Caminhava, apoiando-se ao bastão.)
99
Já vimos esse exemplo, quando tratamos das proposizioni esclusive.
286
Luca Serianni
(1999, p. 617)
2) Il maestro cercava di radunare i bandisti col battere la bacchetta sopra uno dei
leggii a stecche. (O maestro procurava reunir os músicos com o bater da baqueta
sobre um dos cavaletes de madeira.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
Salvatore
Battaglia e
Vincenzo
Pernicone
(1994, p. 345)
1) Abbiamo fatto come sta scritto. (Fizemos como está escrito.)
2) Comunque si comporti, è sempre sgradevole. (De qualquer modo que se
comporte, é sempre desagradável.)
3) In qualunque modo tu viva, avrai motivo di lagnarti. (De qualquer modo que
você viva, você terá sempre motivo para lamentar-se.)
IMPLICITA (reduzida):
4) Si allontanò gridando. (Afastou-se, gritando.)
ESPLICITE (desenvolvidas):
Giuseppe
Pittano
(1974, p. 523)
1) Ho fatto come tu volevi. (Fiz como você queria.)
2) Comunque tu faccia, fai bene. (De qualquer maneira que você faça, você faz
bem.)
IMPLICITA (reduzida):
3) Giunse correndo. (Alcançou, correndo.)
Pelo que pudemos observar nos exemplos do quadro, a tendência é que a proposizione
modale venha após a reggente; Luca Serianni (1999, p. 618, tradução nossa) afirma que essa
oração “tem grande liberdade de colocação no interior do período”.
Somente Battaglia e Pernicone (1994) e Pittano (1974) apresentam exemplos com vírgula
separando as modali das reggenti. Em português, usamos vírgula com esse fim nas frases com
orações conformativas reduzidas.
Analisemos, com mais detalhes, duas das frases do quadro de exemplos.
ITALIANO:
Frase 1: Comportati nel modo che ritiene più opportuno. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 470)
Análise segundo a gramática italiana:
287
Comportati / nel modo che ritiene più opportuno.
1ª prop.
2ª proposizione
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: modale
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Comporte-se / do modo que você achar mais conveniente.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada adverbial conformativa
ITALIANO:
Frase 2: Scappò via correndo. (DARDANO E TRIFONE, 2003, p. 471)
Análise segundo a gramática italiana:
Scappò via / correndo.
1ª prop.
2ª prop.
1ª proposizione: reggente
2ª proposizione: modale implicita di gerundio
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
Escapou, / correndo.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: principal
2ª oração: subordinada adverbial conformativa reduzida de gerúndio
6.3.5.14. Proposizione strumentale
Entre os autores italianos que estamos considerando na análise realizada neste capítulo da
tese, o único que trata da proposizione strumentale separadamente é Giuseppe Pittano (1974, p.
523). Segundo esse gramático, a strumentale é somente implicita di gerundio e d’infinito e
288
responde à seguinte pergunta: con che cosa? Equivale a um complemento di mezzo ou di
strumento. O autor apresenta os exemplos abaixo:
1) Dormendo, le forze si ritemprano. (Dormindo, as forças se revigoram.)
2) Col piangere, riuscì a commuoverlo. (Ao chorar, conseguiu comovê-lo.)
Segundo Pittano, para que fique claro que a proposizione strumentale equivale a um
complemento di mezzo ou di strumento, basta substituirmos a referida oração por uma expressão
iniciada por per mezzo di. Assim, na primeira frase, dormendo seria substituído por per mezzo del
dormire, e, na segunda frase, col piangere viria substituído por per mezzo del piangere.
Nenhuma das classificações da NGB para as orações adverbiais corresponde à
proposizione strumentale do italiano. Evanildo Bechara, na obra Moderna gramática portuguesa
(1999, p. 523-524), trata detalhadamente das orações reduzidas. Esse gramático afirma o seguinte
a respeito do que ele chama de orações reduzidas fixas: “A nossa língua possui certo número de
orações reduzidas que normalmente não aparecem sob forma desenvolvida”. Segundo Bechara,
entre essas orações, estão “as que denotam pensamentos para cuja expressão não existem
conjunções subordinativas”; são orações que indicam exclusão, exceção e meio ou instrumento.
A nosso ver, a proposizione strumentale corresponde exatamente a esse terceiro tipo, ou seja, à
oração que indica meio ou instrumento, por isso a chamaremos de oração subordinada adverbial
instrumental.
Vejamos agora a análise mais detalhada do primeiro exemplo de Pittano.
ITALIANO:
Dormendo, le forze si ritemprano. (PITTANO, 1974, p. 523)
Análise segundo a gramática italiana:
Dormendo, / le forze si ritemprano.
1ª prop.
2ª prop.
1ª proposizione: strumentale implicita di gerundio
2ª proposizione: reggente
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS E ANÁLISE ORACIONAL:
289
Dormindo, / as forças se revigoram.
1ª oração
2ª oração
1ª oração: subordinada adverbial instrumental reduzida de gerúndio
2ª oração: principal
6.3.6. Quadro resumitivo da proposta de correspondência entre as orações subordinadas
adverbiais do italiano e do português do Brasil
Ao longo do tópico 6.3.5, analisamos, uma a uma, as 14 proposizioni avverbiali ou
circostanziali da língua italiana, procurando verificar a quais orações do português essas orações
italianas correspondem.
Conforme afirmamos no tópico 6.3.5.12, em que tratamos da proposizione limitativa, a
NGB só descreve nove tipos de oração subordinada adverbial: causal, comparativa, consecutiva,
concessiva, condicional, conformativa, final, proporcional e temporal. Alguns gramáticos
brasileiros, como Luiz Antonio Sacconi (1999, p. 325-328) e Evanildo Bechara (1999, p. 501),
descrevem, além dos nove tipos citados, pelo menos outros dois tipos: a modal e a locativa.
Como podemos observar, comparando italiano e português, há menos tipos de orações
subordinadas adverbiais em português. Vejamos como ficou o quadro de correspondência 100.
100
ITALIANO
PORTUGUÊS
causale
causal e coordenada sindética explicativa
temporale
temporal
finale
final
consecutiva
consecutiva
concessiva
concessiva
No quadro, na coluna referente ao italiano, indicamos somente o tipo de proposizione avverbiale; na coluna
referente ao português, quando a correspondência é com uma subordinada adverbial, indicamos somente o seu tipo
— com exceção das orações subordinadas adverbiais aditiva e adversativa —; quando a correspondência é com outro
tipo de orações, damos a classificação completa.
290
comparativa
comparativa e proporcional
condizionale
condicional e proporcional
aggiuntiva
oração subordinada adverbial aditiva
eccettuativa
condicional, concessiva e excetuativa
avversativa
oração subordinada adverbial adversativa
esclusiva
modal
modale
limitativa e oração subordinada substantiva completiva
nominal reduzida de infinitivo
conformativa
strumentale
instrumental
limitativa
Como podemos conferir no quadro, quatro tipos de orações subordinadas adverbiais
italianas correspondem aos mesmos tipos em português; assim, a proposizione temporale
corresponde à temporal; a proposizione finale, à final; a proposizione consecutiva, à consecutiva;
e a proposizione concessiva corresponde à concessiva. A nosso ver, esse tipo de correspondência
faz com que as referidas orações italianas sejam de fácil aprendizagem por parte de estudantes
brasileiros. A maioria das proposizioni avverbiali, porém, não apresenta essa facilidade. A
causale, a comparativa e a condizionale correspondem respectivamente à causal, à comparativa e
à condicional do português, mas surpreenderam, por corresponderem também a outros tipos de
orações. Como vimos, a causale também corresponde à oração coordenada sindética explicativa;
a comparativa e a condizionale também correspondem à adverbial proporcional.
As proposizioni aggiuntiva, eccettuativa, avversativa, esclusiva, limitativa e strumentale
não existem em português com esses nomes. Decidimos “batizar” a oração do português
correspondente à aggiuntiva de subordinada adverbial aditiva; a eccettuativa, de adverbial
excetuativa; a limitativa, de adverbial limitativa; e a strumentale, de adverbial instrumental. A
proposizione avversativa corresponde a um caso específico da adverbial concessiva. A
eccettuativa pode ainda corresponder, dependendo dos casos, à condicional e à concessiva.
Antes de falarmos da esclusiva, tratemos primeiro da proposizione modale, com a qual é
preciso ter cuidado; levando em conta somente o termo modale, poderíamos pensar, em princípio,
que essa oração italiana corresponde à modal do português, mas, na verdade, ela corresponde à
291
conformativa. É a proposizione esclusiva que corresponde à nossa modal, que, como dissemos,
não é reconhecida, na forma desenvolvida, pela NGB. Destacamos, portanto, que, ao
estabelecermos correspondência entre as orações italianas e as do português, não podemos nos
deixar levar pelas aparências.
292
7. ORAÇÕES COORDENADAS E SUBORDINADAS DO ITALIANO QUE
APRESENTAM MAIOR DIFICULDADE PARA ESTUDANTES BRASILEIROS DE
ITALIANO COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA
Apoiando-nos sobretudo na análise que realizamos ao longo do capítulo 6 desta tese,
destacaremos, neste presente capítulo, as orações coordenadas e subordinadas do italiano que
podem apresentar maior dificuldade de interpretação e de aprendizagem por parte de estudantes
brasileiros. Não daremos definições detalhadas sobre as referidas orações, porque isso nós já
fizemos; nossa intenção aqui é apresentar um resultado da análise de que falamos, chamando a
atenção para as orações italianas que precisam ser estudadas com mais cuidado; essas orações
são, em geral, as que têm correspondência com duas ou mais orações do português.
7.1. Proposizioni coordinate
Entre as proposizioni coordinate, as que destacamos são a disgiuntiva, a sostitutiva e a
esplicativa. Vejamos cada caso a seguir.
A) Proposizione disgiuntiva
Conforme vimos, a proposizione coordinata disgiuntiva corresponde à oração coordenada
sindética alternativa do português somente quando esta dá ideia de exclusão. Essa oração italiana
é introduzida por o, oppure, ovvero (respectivamente ou, ou mesmo, ou bem).
A oração coordenada sindética alternativa expressa não só exclusão de uma ideia
apresentada pela oração ligada a esta; apresenta também ideia de alternância. Traz as conjunções
ou e ou...ou, para exprimir o primeiro sentido; e traz ora...ora, quer...quer, já...já, seja...seja, para
expressar o segundo sentido. Quando denotar alternância, a referida oração corresponderá à
proposizione copulativa do italiano. Os casos de correlazione / correlação foram tratados à parte
neste tese.
B) Proposizione sostitutiva
A proposizione sostitutiva corresponde a um caso específico de oração coordenada
sindética adversativa. Expressa um contraste total entre principale e coordinata; suas principais
293
conjunções são ma, bensì, anzi e invece. O termo sostitutiva denota justamente a substituição da
ideia contida na principale pela ideia expressa pela proposizione coordinata.
Destacamos, neste tópico, esse tipo de proposizione coordinata italiana, porque o mesmo
pode ser confundido com a proposizione avversativa.
C) Proposizione esplicativa o dimostrativa o dichiarativa
Conforme já dissemos, consideramos a proposizione esplicativa um desafio para
estudantes brasileiros de italiano como língua estrangeira. Em princípio, nós a ligamos à oração
coordenada sindética explicativa, porém, é preciso saber que essas duas orações têm diferenças
significativas entre si, a começar que elas não têm nenhuma conjunção em comum. Ainda assim,
optamos por considerá-las correspondentes, porque as principais conjunções da esplicativa, cioè,
infatti e ossia, são classificadas, no português, como expressões denotativas de explicação.
Defendemos que as orações do português introduzidas por essas expressões — isto é, de fato, ou
seja — deveriam ser classificadas como coordenadas sindéticas explicativas.
7.2. Proposizioni subordinate
Entre as proposizioni subordinate, muitas precisam de atenção especial. Destacamos aqui
todos os cinco tipos de proposizioni sostantive; entre as proposizioni relative, destacamos apenas
a relativa esplicativa com valor temporal; e entre as quatorze proposizioni avverbiali, chamamos
a atenção para nove delas.
7.2.1. Proposizioni subordinate sostantive
Consideramos todos os cinco tipos de proposizione sostantiva difíceis para estudantes
brasileiros de italiano como língua estrangeira, principalmente porque cada um desses tipos tem
mais de uma oração correspondente em português. Há caso de sostantiva com três orações
correspondentes. Vejamos as orações.
294
A) Proposizione soggettiva
Conforme vimos, a soggettiva, dependendo do caso, pode corresponder à oração
subordinada substantiva subjetiva, à predicativa ou à oração subordinada adjetiva. A
correspondência com a subjetiva é a mais óbvia. Ocorre tanto com a forma esplicita da
soggettiva, quanto com a forma implicita dela.
A dificuldade que esta oração italiana apresenta é quando a correspondência é com a
oração subordinada substantiva predicativa e com a subordinada adjetiva. Os dois casos
acontecem quando a reggente da soggettiva é composta por um sintagma nominal, mais o verbo
essere.
Assim, a soggettiva será a predicativa do português, quando a reggente tiver a seguinte
estrutura: sintagma nominal + verbo essere; são exemplos: il guaio è (+ che o + inf.) e il fatto è
che. A soggettiva corresponderá à adjetiva do português, quando a sua reggente apresentar uma
estrutura como a dos seguintes exemplos: è il caso (+ di e infinito), è un peccato, una fortuna,
una vergogna, ecc. (+ inf.), è tempo, è ora (+ di e inf.).
B) Proposizione oggettiva diretta
A oggettiva diretta pode corresponder a pelo menos três tipos de orações do português: à
subordinada substantiva objetiva direta, à subordinada substantiva completiva nominal e à
subordinada adjetiva. A correspondência que se estabelece com a objetiva direta não apresenta
dificuldade, mas a que se forma com a completiva nominal e com a adjetiva demandam mais
atenção. Esses dois casos acontecem, porque, conforme vimos, a oggettiva pode ser regida por
substantivos e por adjetivos. Ela corresponderá à adjetiva do português, quando exercer a função
de um adjunto adnominal, ligando-se a um nome da oração principal, especificando-o ou
explicando-o.
A oggettiva será a completiva nominal do português, quando, ao ser traduzida, exercer a
função sintática de complemento nominal de um termo da oração principal.
295
C) Proposizione oggettiva indiretta
A oggettiva indiretta pode corresponder à oração subordinada substantiva objetiva
indireta e à completiva nominal. Essa oração italiana não é introduzida por preposição; esse fato
faz com que ela seja frequentemente confundida com a oggettiva diretta. Para se evitar esse
problema, deve-se observar a regência do verbo da oração principal. Se isso for feito, a oggettiva
indiretta será identificada sem problema.
A correspondência da oggettiva indiretta com a completiva nominal é um caso muito
particular. Encontramos um único exemplo desse caso; nele, a oggettiva indiretta era regida pela
locução verbal rendersi conto, que pede complemento indiretto, iniciado pela preposição di.
D) Proposizione interrogativa indiretta
A proposizione interrogativa indiretta é novidade para brasileiros. Esse tipo de oração
italiana não existe em português com essa denominação. Conforme vimos, a interrogativa
indiretta expressa uma pergunta — direta ou indireta — ou uma dúvida. Pode ser confundida
com três orações: a soggettiva, a oggettiva e a dichiarativa. Corresponde a pelo menos três
orações subordinadas substantivas do português: a objetiva direta, à apositiva e à completiva
nominal. Por essas razões acreditamos que esse tipo de oração ofereça certa dificuldade para
brasileiros.
E) Proposizione dichiarativa
Conforme vimos, a proposizione dichiarativa explica, esclarece ou especifica um termo
presente na proposizione reggente. Essa oração não ofereceria dificuldade para brasileiros, se
correspondesse apenas à oração apositiva do português; ambas funcionam como aposto. O
problema é que a dichiarativa pode corresponder também à oração completiva nominal, ligandose a um substantivo da reggente, sem ser introduzida por preposição. Em português, a completiva
nominal vem introduzida por preposição.
296
7.2.2. Proposizioni subordinate relative
De um modo geral, as proposizioni relative não oferecem dificuldade; porém, é preciso
mais atenção à relativa com valor temporal, pois esta pode corresponder a pelo menos três tipos
diferentes de orações do português.
Proposizione relativa con valore temporale
A proposizione relativa con valore temporale pode corresponder a três tipos bem
diferentes de oração subordinada do português: à substantiva subjetiva, à adjetiva restritiva e à
adverbial temporal. São três casos muito particulares de correspondência. Verificamos o primeiro
caso em frases italianas cujas traduções para o português tinham, na oração principal, o verbo
fazer como unipessoal, indicando tempo decorrido. O segundo caso — o da adjetiva restritiva —
ocorreu com uma frase-tradução cuja subordinada exercia a função de adjunto adnominal da
oração principal, ligando-se a um substantivo da principal, especificando-o. Por fim, a relativa
temporale corresponde à subordinada adverbial temporal se, na frase-tradução, indicar
simplesmente uma circunstância de tempo, ao referir-se à ação expressa na oração principal.
7.2.3. Proposizioni subordinate avverbiali
Dos 14 tipos de proposizioni avverbiali do italiano, consideramos nove como sendo as
mais difíceis; são as seguintes: causale, comparativa, strumentale, eccettuativa, avversativa,
aggiuntiva, esclusiva, limitativa e modale.
A) Proposizione causale
A proposizione causale pode corresponder a dois tipos de oração do português: a
subordinada adverbial causal e a coordenada sindética explicativa. A correspondência com a
adverbial causal é a mais simples. Já a que se estabelece entre a causale e a coordenada sindética
explicativa demanda maior atenção. A maioria das frases-exemplo — em italiano — deste caso
297
trazem duas orações: a primeira com o verbo no modo imperativo; a segunda, introduzida ou por
ché ou por perché. Essas são algumas das características que determinaram a referida
correspondência.
B) Proposizione comparativa
De acordo com a nossa análise, a proposizione comparativa pode corresponder a dois
tipos de oração subordinada adverbial: a comparativa e a proporcional. A nosso ver, não há
dificuldade na correspondência entre a referida oração italiana e a nossa adverbial comparativa. O
problema é quando a comparativa corresponde à nossa adverbial proporcional. Encontramos esse
caso somente em Luca Serianni (1999, p. 617). Esse gramático fala em dois tipos de comparação
de proporcionalidade: de proporção direta e de proporção inversa.
C) Proposizione strumentale
A dificuldade em relação à proposizione strumentale — que só existe como oração
reduzida — é que não há oficialmente uma oração do português correspondente a ela. Nenhum
dos tipos de orações subordinadas adverbiais descritos pela NGB corresponde à strumentale. Por
isso, resolvemos “batizá-la” de oração subordinada adverbial instrumental, apoiando-nos em uma
explicação de Evanildo Bechara sobre um tipo de oração reduzida do português.
D). Proposizione eccettuativa
A proposizione eccettuativa oferece dificuldade, porque pode corresponder a três tipos
diferente de orações subordinadas do português: a adverbial condicional, a adverbial concessiva e
a que nós denominamos adverbial excetuativa.
Para sustentarmos a correspondência entre a eccettuativa do italiano e a condicional do
português, apoiamo-nos em José Carlos de Azeredo (2010, p. 327), que analisa os conectivos a
menos que, a não ser que e exceto que; alguns dos conectivos que introduzem a proposizione
eccettuativa são justamente a meno che e tranne che.
298
A correspondência entre a referida oração italiana e a adverbial concessiva foi observada
em um único exemplo apresentado por Dardano e Trifone (2003, p. 471), no qual a subordinada é
introduzida por se non che, cuja melhor tradução para o português, no contexto frasal em que foi
usada, a nosso ver, é ainda que; esta é uma locução que introduz oração subordinada adverbial
concessiva.
Apoiamo-nos em Bechara (1999, p. 526) para sustentarmos a correspondência que
estabelecemos entre a eccettuativa e uma oração do português que chamamos de adverbial
excetuativa.
E) Proposizione avversativa
A proposizione avversativa pode ser confundida com a avverbiale temporale, por causa
das conjunções e locuções conjuntivas que introduzem a avversativa; na forma esplicita, são
quando, mentre, quando mentre e mentre invece; e na implicita, são invece di, in luogo di ou
anziché, com o verbo no infinitivo.
Como não há, entre as orações reconhecidas pela NGB, nenhuma oração que corresponda
à avversativa, optamos por chamar de adverbial adversativa a oração do português
correspondente à referida oração italiana.
F) Proposizione aggiuntiva
Das cinco gramáticas italianas usadas na análise contrastiva realizada nesta tese, somente
a de Luca Serianni (1999, p. 618) dá atenção à proposizione aggiuntiva. Encontramos em
Azeredo (2010, p. 336) os argumentos para chamarmos de oração subordinada adverbial aditiva a
oração do português a qual é correspondente à aggiuntiva.
G) Proposizione esclusiva
A proposizione esclusiva é introduzida por senza che. Em português, a oração introduzida
pela locução conjuntiva sem que é a subordinada adverbial modal, que não é reconhecida, na
forma desenvolvida, pela NGB. A esclusiva e a modal são correspondentes.
299
H) Proposizione limitativa
A proposizione limitativa oferece dificuldade, porque não existe em português com essa
denominação e porque pode corresponder a duas orações subordinadas do português; a primeira é
a substantiva completiva nominal reduzida de infinitivo; a segunda oração, nós chamamos de
adverbial limitativa. Esta classificação, como dissemos, não existe em português; decidimos
assumi-la, porque nenhuma das orações subordinadas descritas pela NGB corresponde ao tipo de
limitativa que identificamos.
I) Proposizione modale
Levando em conta a denominação proposizione modale, poderíamos pensar se tratar da
oração subordinada adverbial modal do português, que não é reconhecida pela NGB, mas é
descrita por alguns gramáticos; porém, essa oração italiana não corresponde à modal do
português, mas sim à oração subordinada adverbial conformativa. A possibilidade de haver esse
tipo de confusão nos fez incluir a modale na lista das orações italianas mais difíceis.
300
8) CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme afirmamos na introdução desta tese, o fenômeno de interferência linguística,
observado em aulas sobre o período composto italiano, as quais ministramos a estudantes
brasileiros, incentivou-nos a realizarmos um estudo de Análise Contrastiva das orações
coordenadas e subordinadas do italiano e do português do Brasil.
O referido fenômeno, definido como uma influência negativa da língua materna (LM)
sobre a língua estrangeira (LE), é considerado natural e corriqueiro. Alunos de língua estrangeira
fazem, consciente ou inconscientemente, comparações entre a língua-mãe e a estrangeira,
buscando pontos em comum e pontos divergentes.
Ao longo do capítulo 2 desta tese, tratamos da Linguística Contrastiva, ciência da
linguagem que tem como modelos a Análise Contrastiva, a Análise de Erros e a Interlíngua.
Discorremos sobre esses três modelos, defendendo o ponto de vista de que os mesmos são
complementares. No capítulo citado, tratamos da interferência linguística, principal fundamento
da Análise Contrastiva.
Assim como Isabel Gretel Maria Eres Fernández (2003), defendemos, nesta tese, a ideia
de que a Linguística Contrastiva, deve ser considerada uma aliada no trabalho em sala de aula de
língua estrangeira. Não se trata, como vimos, de se ministrar aulas de idiomas via língua
materna, como no método gramatical, mas sim sabermos, através do uso do bom senso, tirar
proveito do contato praticamente inevitável entre a língua materna e a língua estrangeira.
Conforme vimos, o objetivo principal dos estudos contrastivos é melhorar o processo de
ensino-aprendizagem
de
idiomas.
Com
base
teórica
no
Estruturalismo
e
no
Comportamentalismo, a Análise Contrastiva tem uma finalidade claramente didática à medida
que procura identificar semelhanças e diferenças entre uma língua estrangeira e a língua-mãe dos
estudantes, para tentar controlar as possíveis interferências. Estas são apontadas pela Análise
Contrastiva como a principal causa de erros, vistos como fator negativo dentro do processo de
aprendizagem de uma LE. Identificamos como vantagens desse modelo da Linguística
Contrastiva, por exemplo, o auxílio no planejamento de cursos de idiomas, o suporte na
produção e na avaliação de materiais didáticos, e o desenvolvimento de técnicas de ensino.
No capítulo 3 do presente trabalho, estabelecemos relação entre a Linguística Contrastiva
e teorias gramaticais. Apontamos os tipos de gramáticas ligados aos três modelos da referida
301
Ciência e tratamos das nomenclaturas gramaticais da língua portuguesa (NGB) e da língua
italiana. Verificamos que a NGB é um importante documento, mas é muito limitada no que diz
respeito à descrição do português e, de acordo com gramáticos e especialistas brasileiros, precisa
ser reformulada. Representante do modelo culto da língua, uma reforma da NGB facilitaria a
compreensão desse registro linguístico por parte de estudantes.
Em relação à nomenclatura gramatical italiana, no estudo que desenvolvemos sobre a
mesma, verificamos que esta não enfrenta problema como o ligado à NGB; pelo contrário, a
terminologia gramatical da Itália descreve o idioma italiano com uma riqueza de detalhes muito
maior do que a NGB em relação ao português. Na história do desenvolvimento da gramática
italiana, afirmamos que não houve embates significativos entre teóricos da língua. A Accademia
della Crusca, instituição cultural linguística italiana fundada no século XVI, é o principal órgão
regulador do desenvolvimento linguístico italiano. Acompanha e promove pesquisas científicas
na referida área.
Devido sobretudo a essas questões sobre a NGB e a nomenclatura gramatical italiana, no
estudo de Análise Contrastiva das orações coordenadas e subordinadas do italiano e do português
do Brasil — estudo esse que realizamos nesta tese —, encontramos grande desequilíbrio. A NGB
não foi capaz de apresentar tipos de orações que correspondessem a vários tipos de orações
italianas. Evidenciamos isso através dos quadros resumitivos da proposta de correspondência
entre as orações coordenadas e subordinadas das duas línguas tratadas aqui.
Por muitas vezes, vimo-nos em uma situação delicada, em que precisávamos de um termo
para classificarmos determinada oração do português e este simplesmente não existia, porque
não fora descrito pela NGB. Optamos por assumir certas classificações de orações em português
com base na nomenclatura gramatical italiana. Assim ocorreu, por exemplo, com algumas
orações subordinadas adverbiais, como a que chamamos de aditiva e a que denominamos
excetuativa. Através deste artifício, pudemos responder de maneira mais completa aos
questionamentos levantados nesta tese, os quais apresentamos na introdução da mesma.
No capítulo 4, tratamos da Sintaxe e da Semântica, procurando destacar a importância
dessas partes da gramática. Abordamos também a relação entre a sintaxe do período composto e
a Semântica, partindo do princípio de que não há como classificarmos orações que formam
período composto sem considerarmos o aspecto semântico.
302
No capítulo 5, o de Metodologia de Pesquisa, procuramos explicar detalhadamente como
constituímos o corpus da tese, apontando inclusive as obras utilizadas para esse fim e para o
estudo que realizamos. Apresentamos o passo-a-passo da análise dos dados. No tópico 5.5.1,
tratamos de um procedimento-chave usado no processo dessa análise: a tradução das frasesexemplo. A classificação das orações em português — que possibilitava o posterior
estabelecimento de uma correspondência entre oração italiana e oração do português — dependia
da qualidade dessa tradução. Na realização do referido procedimento, houve situações
desafiadoras, em que tivemos de lidar com expressões idiomáticas difíceis de se traduzir de
maneira precisa para a língua portuguesa, ou mesmo com frases com estruturas diferentes desta
língua. Destacamos aqui, como exemplo, a seguinte sentença:
Verrò domani, salvo che non piova. (PITTANO, 1974, p. 533)
A frase acima foi apresentada e analisada na parte em que estabelecemos a
correspondência entre a proposizione subordinata avverbiale eccettuativa do italiano e a oração
subordinada adverbial condicional do português. A dificuldade que a frase apresenta está
relacionada à presença do advérbio de negação non na segunda oração da sentença (salvo che
non piova). Se traduzíssemos “ao pé da letra”, a frase em português seria incoerente: “Irei/Virei
amanhã, salvo que não chova”. A lógica diz que, geralmente, a chuva pode impedir que alguém
vá a algum lugar, e não a ausência dela. Mesmo estruturalmente a frase-tradução que acabamos
de apresentar não estaria adequada. Usando o bom senso e a flexibilidade que o fazer tradutório
fornece, suprimimos o referido advérbio e assumimos a seguinte tradução para a sentença
apresentada: “Irei/Virei amanhã, a menos que chova”. Vale destacar que a forma verbal Verrò é
a 1ª pessoa do singular do futuro do presente do verbo venire, que pode significar, em português,
tanto “ir”, quanto “vir”, dependendo do contexto. Por isso, na tradução da frase italiana em
questão, usamos “Irei/Virei”. Este foi um dos vários desafios que tivemos com a tradução das
frases-exemplo do corpus.
No capítulo 6, realizamos o estudo, propriamente dito, de Análise Contrastiva dos dados.
Após uma breve exposição sobre a sintaxe do período composto do italiano e a do português do
Brasil, analisamos uma a uma as classificações das orações coordenadas e subordinadas do
303
italiano, buscando orações correspondentes no português brasileiro. Foi um trabalho árduo, mas
que gerou resultados surpreendentes.
Durante o referido estudo contrastivo, sobressaíram-se algumas características
interessantes de ambas as línguas em análise. Verificamos, por exemplo, que o uso da vírgula
para separar orações é muito mais frequente — e, em muitos casos, obrigatório — no português
do que na língua italiana. Este fato poderia perfeitamente ser objeto de uma futura pesquisa.
O processo de análise dos dados evidenciou um fato importante: cada sentença produzida
em uma língua é uma realidade única. Para comprovarmos isso, basta lembrarmos que as línguas
possuem um conjunto finito de elementos que permitem a produção de um conjunto infinito de
enunciados, ou seja, a possibilidade de elaboração de enunciados em um idioma é infinita, já
que, em princípio, toda língua é essencialmente variável. As línguas são organismos complexos
em contante processo de evolução; elas se diversificam ao longo do tempo. Nenhuma gramática
é capaz de descrever e analisar todas as possibilidade de produção de sentenças de uma língua.
Partindo desses princípios, esclarecemos que os resultados da Análise Contrastiva que
realizamos nesta tese têm um caráter flexível, porque não analisamos — isso não seria possível
— todas as possibilidades de apresentação dos tipos de orações coordenadas e subordinadas das
línguas italiana e portuguesa. Assim, se apontamos, por exemplo, três tipos de orações do
português como correspondentes de um tipo de oração do italiano, essa conclusão só pode ser
considerada “fechada” no contexto do corpus que analisamos para chegarmos a ela. Se
continuássemos analisando sentenças com o mesmo tipo específico de oração italiana, é possível
que o leque de correspondência se ampliasse.
Assim, termos realizado, nesta tese, um estudo de Análise Contrastiva das orações
coordenadas e subordinadas da língua italiana e do português do Brasil contribuiu
significativamente para o nosso aprimoramento enquanto professora-pesquisadora. Acreditamos
termos respondido satisfatoriamente às questões levantadas, porém, durante o referido estudo,
salientamos que outras questões surgiram. Continuaremos buscando respostas para essas e
quaisquer outras que surgirem durante estudos que realizarmos ou na nossa prática pedagógica,
uma vez que, como docente de língua italiana e de língua portuguesa, temos o compromisso de
buscar o aperfeiçoamento contínuo, através sobretudo da pesquisa linguística e didática.
304
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