Camila_Regina_Delacroix

Propaganda
1830: sob o olhar de Delacroix.
Camila A. Jourdan e Regina de C. Ribeiro
Durante o século XIX, a Europa vivia em constante estado de tensão, o que
levava a eclosão de diversas revoltas caracterizadas pela construção de nações. Nos
países onde havia uma “consciência nacional e movimentos de libertação ou de
unificação nacional”, os assuntos públicos e as artes estavam intrinsecamente
relacionados. 1
Desde 1789, a França efervescia com movimentos revolucionários, pefeitamente
demarcados pelo seu caráter político e social. Dentre diversas revoltas, destaca-se a
ocorrida em julho de 1830.
Após a realização do Congresso de Viena (1815), a dinastia dos Bourbon
reassumiu o poder monárquico na França, que sofreu diversas penalidades, tais como
indenizações e redução de fronteiras. O reinado de Carlos X (1824 – 1830) foi marcado
por inúmeras crises internas, devido à opção do rei pela retomada ao absolutismo e às
tentativas de reprimir a ação da burguesia.
As realizações feitas por Carlos X no poder seguiam em oposição aos ideais da
Revolução Francesa de 1789, quando a burguesia buscava o liberalismo e o fim da
centralização do poder real.
O conflito de julho de 1830 ocorreu, acentuadamente nos Três Dias Gloriosos
(26, 27 e 28 de julho), quando a população saiu às ruas de Paris, fazendo reivindicações
e protestos violentos.
Neste período, a arte encontrava-se em extrema interação com os movimentos
históricos. O Romantismo, estilo artístico que predominou durante o século XIX,
adquiriu na França de 1830 uma faceta bastante política.
Tal estilo, considerando sua pluralidade de características, tende a utilizar
caracteres “do passado” para legitimar as vivências do presente. Assim, é próprio do
romantismo trazer consigo a questão da nacionalidade, da identidade nacional e da
nação, efetuando sutis críticas a sociedade burguesa e estabelecendo uma tipologia
anticapitalista.
1
HOBSBAWN, Erick.
Nesse contexto, torna-se necessário perceber, como “as práticas artísticas,
modernidade e modernização estão intimamente relacionadas e inseparáveis das
transformações sócio-econômicas que acontecem na França sob um capitalismo em
desenvolvimento”. 2
As concepções de nação, povo, massa, opinião pública, dentre outros agentes
históricos, tanto no campo político, quanto no social, ideológico, cultural e econômico
podem ser vislumbradas através de obras artísticas. Os artistas remetem, em suas
produções, aos acontecimentos nacionais, de cunho social.
Um dos quadros em que se pode observar a expressão do caráter romântico e do
“revolucionarismo ativo” 3 é “Liberdade guiando o povo” (1830), de Eugène Delacroix.
Nesta tela, vê-se o povo, jovens melancólicos, trabalhadores, cercados por bandeiras
tricolores4.
A liberdade guiando o povo. Pintado em 1830. (Óleo sobre Tela, 260 x 325,
Museu do Louvre -Paris)
Esta pintura de Delacroix pode ser interpretada como um verdadeiro manifesto
em forma de propaganda, rememorando os conceitos de identidade nacional.
2
3
FRASCINA, Francis.
Idem 1.
4 Marca do sentimento revolucionário de 1793, ano em que o movimento da Revolução Francesa assumiu uma atitude
mais violenta no combate ao Antigo Regime, no qual se erguiam barricadas em diversas cidades.
O caráter popular da Revolução, tanto no contexto histórico, quanto no
movimento romântico, pode ser explicado a partir da noção de “consciência nacional”
de Benedict Anderson.
A condição de nação, valor de maior legitimidade universal, encontra origem no
lento desfazer das redes de proteção do Antigo Regime, ao mesmo tempo em que vai
consolidando “nações imaginadas” com profunda legitimidade emocional.
A nação é apresentada como uma criação soberana e limitada a certos
indivíduos, sinônimo de uma comunidade, na qual a fraternidade entre seus
componentes é característica, apesar dos conflitos entre agentes históricos. 5
A arte, no contexto da Revolução de 1830 na França, assume o papel de unificar
o sentimento nacional. A coesão em discussão é largamente percebida através do quadro
analisado, onde a mulher, ao centro, representa o espírito de liberdade que conduz o
povo, sendo uma força abstrata; a bandeira representa o símbolo francês revolucionário;
a luta armada, que caracterizou a luta civil nas ruas de Paris; a participação popular, que
ao unir a pequena burguesia e o proletariado urbano, organizou as barricadas. Com este
trabalho, Delacroix apresenta a construção deste momento como obra de indivíduos
anônimos, sendo ele mesmo retratado no quadro (figura na esquerda com o altochapéu).
A caracterização da liberdade como uma mulher e dos demais personagens
causaram grandes críticas à época. O quadro foi adquirido pelo Estado, porém poucas
foram as vezes que foi exibido em salões de arte, dada a consideração de ser
extremamente panfletário.
Segundo Martha D’Angelo, “os trabalhadores que haviam deixado suas oficinas
para pegar em armas e derrubar a monarquia absoluta de Carlos X (1824-1830) foram
os iniciadores do grande avanço na participação política da população industrial
francesa”.
A alta burguesia, preocupada com o avanço da revolta, pôs no poder
governamental um novo rei. Luis Filipe I, chamado de o “rei burguês”, assumiu o trono
francês, acalmando, ao menos momentaneamente, a população revoltosa.
O pintor Delacroix, um aristocrata, retratou diversas temáticas, a saber, as
cruzadas, os marroquinos e marroquinas, as imagens de caráter religioso e lutas/batalhas
“Nação é uma comunidade política imaginada e imaginada como implicitamente, limitada e soberana.”
(BENEDICT, Anderson.).
5
diversas. Dado isto, pode-se comparar duas pinturas do mesmo pintor: “A liberdade
guiando o povo” e “O Massacre de Quios”, respectivamente representadas abaixo.
No ano de 1830, e em suas proximidades, houve a ebulição de revoluções em
diversos lugares da Europa. Dentre estas se encontra a tentativa de independência da
Grécia do Império Otomano (retratada no segundo quadro).
A Liberdade guiando o povo (1830)
O massacre de Quios (1824)
Em ambas as telas, Delacroix representa o povo, sendo que no primeiro quadro,
o povo francês está na luta por sua liberdade; no segundo, são representadas as mazelas
que o povo grego sofreu pelos turcos. Em comum, tem-se a figura da população mais
pobre, os mortos e feridos provenientes de suas batalhas, o caráter político e panfletário
de tais movimentos.
Conclusão
A obra de Delacroix retrata um momento histórico, no qual a arte e a política
estavam correlacionadas. Na Revolução de 1830, ocorrida na França, atribui-se a
participação popular o mérito de fomentar a substituição do rei: a deposição de Carlos X
e a ascensão de Luis Filipe I. Nesta revolução, predominaram os ideais revolucionários
pregados na Revolução francesa e o caráter de coesão relativo à questão de nação e
identidade nacional.
Finalmente, deve-se entender que tais respostas e explicações sobre o quadro
não são fixas. O constante movimento das ideias e as novas interpretações são, portanto,
o motor da História.
Imagens:
Luis XVIII
Autor e Ano: Não disponíveis
O rei governou a França nas circunstâncias das questões napoleônicas. Foi o primeiro
Bourbon a assumir o trono após a Revolução Francesa e Napoleão Bonaparte.
Louis-Philippe de Bourbon
Autor:Franz Xaver Winterhalter Ano: 1841
Luís Filipe foi aclamado rei dos franceses pela Assembléia Nacional Francesa, sendo
apoiado pela alta burguesia.
Ferdinand-Victor-Eugène Delacroix (1798 – 1863 )
Autor: Eugène Delacroix
Ano: 1837
O pintor decorou o Salão do Rei no palácio Bourbon (1836), a biblioteca do palácio de
Luxemburgo (1861) e a capela dos anjos da igreja de Saint-Sulpice (1861).
Carlos X (1757-1836)
Autor e ano: não disponíveis
Rei francês entre 1824-1830. Conservador, com a Revolução de 1789 emigrou para a
Inglaterra. Retornando a França após 1815.
Linha Cronológica:
1789  Revolução Francesa.
1814 – 1815  Governo de Luis XVIII. Governou como rei constitucional, assim que
Napoleão foi preso. Quando este retornou ao poder, no conhecido governo dos 100 dias,
Luis XVIII exilou-se na Bélgica.
1815  Congresso de Viena
1815 – 1824  Luis XVIII é reposto no trono após a derrota definitiva de Napoleão
Bonaparte, ocorrida em Waterloo.
1821–1829 Guerra de independência da Grécia. A luta foi contra a dominação dos
Turcos-Otomanos ( Império Otomano.)
1824  Delacroix pinta o quadro O massacre de Quios.
1824 – 1830  Reinado de Carlos X
1830  * Eclosão da Revolução. Sendo os Três Dias Gloriosos 26, 27 e 28 de julho.
* Início do Governo de Luis Filipe I.
* Pintura do quadro A liberdade guiando o povo.
1832  Assinatura do Tratado de Constantinopla, no qual se garantia a independência
da Grécia.
Trechos de época:
“Uma vida inteira não me basta para produzir tudo o que tenho em mente” – Delacroix
“Tenho assunto para ocupar o espírito e as mãos por mais de quatrocentos anos.” –
Delacroix
Filmografia:
*Os
Miseráveis (Les Misérables) - Obra escrita pelo francês Victor Hugo em 3/4/1862, mas
que foi lançado como filme em 1998, dirigido por Billie August, nos EUA. Atualmente é
musical teatral em cartaz em Londres.
Conta a história de um trabalhador desempregado
que é preso após roubar um pedaço de pão para alimentar a família, na França do século
XIX.
*A Inglesa e o Duque (L'Anglaise et le Duc) - lançado em 2001, na França, baseado em livro
de Grace Elliot. Filme dirigido por Eric Rohmer. Grace Elliot é uma jovem aristocrata escocesa
que vive em Paris durante a Revolução Francesa e tem um romance com o Duque de
Orleans, primo do rei da França. O relacionamento do casal é bastante complicado e, quanto
mais os acontecimentos políticos se agravam, mais ele se torna complexo.
Sites:
www.revistacontemporaneos.com.br  artigo sobre a obra A liberdade guiando o povo.
www.historianet.com.br  diversos campos da História.
Bibliografia:
BENEDICT, Anderson. Nação e Consciência Nacional. São Paulo: Ática, 1989.
FRASCINA, Francis. Modernidade e Modernismo – A pintura francesa no século XIX.
Cosac e Naify, 1998.
GAY, Peter. O Estilo na História. São Paulo: Cia.das Letras, 1990.
GUINSBURG, J. O Romantismo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1993.
HOBSBAWN , Erick. A Era das Revoluções : Europa 1789-1848. São Paulo: Paz e
terra, 2005.
LOWY, Michel; SAYRE, Robert. Revolta e Melancolia – O romantismo na contramão
da modernidade. Rio de Janeiro : Vozes, 1995.
LÖWY, Michael; SAYRE, Robert. . Romantismo e Política. São Paulo: Paz e Terra,
1993.
www.scielo.br/pdf/%od/ea/v20n56/28637.pdf . Data:7 de junho de 2009. Hora : 15:39.
Título do artigo: A modernidade pelo olhar de Walter Benjamim.
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