Durante muito tempo o estudo da moda e das roupas foi

Propaganda
Durante muito tempo o estudo da moda e das roupas foi marginalizado
no meio acadêmico e científico, bem como em outros campos como o da arte,
das imagens, da psicologia, etc. Sua função era aparentemente estética e não
se lançavam vínculos a uma ordem de significância para tal.
Segundo Diane Crane, a moda foi primeiramente analisada por teóricos
dos campos artísticos e cultural, que queriam desvendar as novas construções
da modernidade, sobretudo as advindas da sociedade industrial emergente,
que transformou as ruas e os espaços de consumo, tornando-os pilares dos
novos enredos sociais, nos quais a aparência se destacava. Somente após a
Segunda Guerra Mundial e dos movimentos culturalistas da década de 60 que
o mundo da moda passou a fazer parte das preocupações sociológicas
enquanto esfera de produção de valores e simbolismos.
Para Gilda Mello e Souza, a moda é um fenômeno próprio de algumas
sociedades. Os povos primitivos a desconheciam; entre os gregos e romanos
foi limitada e na Idade Média também não foi atuante da maneira expressiva
como o é agora. É a partir do Renascimento, com a expansão das cidades e a
intensificação da vida na Corte que os interesses pelos trajes e mudanças se
acentuam.
É no século XIX, quando os privilégios de sangue deixam de ser
classificadores que a moda se espalha por todas as camadas. Nas sociedades
pré-industriais as formas como as pessoas se vestiam indicavam a posição
destes dentro da rígida estrutura social vigente, uma vez que o vestuário era
relativo as suas posições sociais e demonstrativo das relações interpessoais
entre pessoas de classes diferentes. Assim a moda era sinônimo de status
econômico e posição social ocupada dentro de uma rígida sociedade
estruturada.
Com a industrialização e transformações decorrentes deste processo,
muitas relações sofreram alterações substanciais, os códigos de classe ainda
permaneceram presentes por um longo período, mas outros discursos foram
incorporados às práticas sociais, sobretudo os de gênero. A natureza desta
sociedade emergente é em parte decorrente da reestruturação do conceito de
trabalho e da relação dos indivíduos com o lazer, que passam a superestimálo.
Com o decorrer dos processos industriais e das transformações
sociais, houve um afrouxamento das relações entre as classes, que, segundo
historiadores da indumentária, pôde ser expresso através da democratização
do vestuário, com roupas industrializadas e acessíveis. Nas décadas de 70 e
80, com as sociedades alterando-se a todo o momento e com a globalização
acentuando-se enquanto uma nova ordem social, o mundo da moda também
foi tornando-se mais complexo e sua importância social aumentando
gradativamente. “O que no séc. XIX era privilégio das elites converteu-se num
universo altamente segmentado, esfera de construção de identidades e estilos
de vida, por onde passaram a transitar indivíduos de diferentes camadas
sociais.” (Lipovetsky, 1989 p.11). A complexidade de tal sistema é fruto das
mudanças constantes de relações – sociais, econômicas e culturais - de grupos
distintos. A moda passa a discursar sobre outras características que não o
pertencimento de classes, mas a perspectivas relativas a faixa etária, sexo,
ideologias e inúmeras outras classificações.
Passa a perceber-se que mudanças no mundo da moda são fruto de
mudanças nas estruturas sociais ao mesmo tempo em que são as primeiras
formas de visibilidades destas. Desta forma, mudanças no mundo da moda e
em suas estruturas podem ser instrumentos de reconhecimento e interpretação
de transformações sociais, culturais e políticas. Segundo Dorfles, “[...] a moda
não é apenas um dos mais importantes fenômenos sociais – e econômicos - do
nosso tempo; é também um dos padrões mais seguros para medir as
motivações psicológicas, psicanalíticas, socioeconômicas da humanidade.”
(1984, p.14). As variações de vestuário tornam-se indicadores sutis de
diferentes vivências sociais, tanto horizontais como verticais. As posições de
classe perderam significativamente seu papel, tornando-se bem menos
importantes na formação da auto-imagem dos indivíduos. Posturas sobre
questões sociais, valores e preferências, estilos de vida, etc., são formuladas a
partir de outros caracteres de interesses culturais, como a imposição de uma
identidade subjetiva. As diferentes concepções da natureza da estrutura social
partilhada e da relação desta com a cultura levam a diferentes construções na
compreensão das relações de consumo de bens culturais.
Assim a moda ganha novos papéis e novos alcances. Lipovetsky
afirma que é preciso re-questionar a moda, problematizando-a a partir de
outras preocupações que na somente as diferenças de classe. E mesmo
enquanto denotativa destas, é preciso atentar para a importância dessa
desigualdade dentro da formação social, podendo a moda, mesmo que se
demonstrasse somente isso, ser fundamental para a compreensão destas
estruturas.
Neste sentido, Retondar (2007) realiza um estudo em que analisa o
papel do consumo nas sociedades contemporâneas, em que este deixa de ser
uma variável dependente para se tornar autônomo e fonte de significados
bastante representativos. A tomada do consumo como fonte de subjetivação
dos sujeitos é produto da descentralização do trabalho e da profissão enquanto
definidores de identidades bem como da flexibilização e diversificação da
produção. Assim o consumidor passa a dispor de uma variedade de bens para
se expressar, minando a massificação da homogeneização da produção.
As práticas consumistas passam a ser práticas significativas de uma
experiência cultural emergente, em que a fragmentação de significados reforça
os movimentos de individualização. “Vista sob uma ótica puramente
fenomenológica, a experiência contemporânea do consumo refletiria, de
maneira objetiva, esta forma de individualização por intermédio do ato
consumista” (idem, p.142). Assim sendo o ato de consumo passa a ser uma
escolha refletida e estratégica para que as identidades e gostos se tornem
visíveis e simbolizados.
Este trabalho está articulado a partir do pressuposto de que todos
esses foram processos interligados a subjetividade dos indivíduos e a
“percepção” – consciente ou não - destes da realidade em que vivem. Esta
subjetividade encontra-se calcada na concepção de sociedade partilhada pelos
indivíduos e nas ambições que tem, sobre os grupos em que buscam se inserir.
Assim a moda é a expressão das vivencias dos indivíduos dentro dos grupos a
que pertencem e da maneira como interpretam a realidade, ou seja, é a
expressão de identidade destes.
E somado a isso a recorrente questão da moda ser uma das
expressões mais visíveis da estrutura social e suas relações.
O estudo da moda e de seu consumo se revela como uma ferramenta
capaz de demonstrar e delimitar relações entre grupos e formas de
sociabilidade.
Portanto tal estudo se justifica a partir de uma possibilidade de se
levantar percepções através de discursos de moda sobre uma possível
valoração social emergente.
Como objeto de pesquisa, o presente trabalho buscará analisar a moda
alternativa de Curitiba. Trata-se de um grupo de estilistas que vêm crescendo
no cenário local e nacional, que se caracterizam por possuírem carreiras
relativamente recentes e que procuram produzir peças individuais, quase
exclusivas, fugindo das tendências das grandes magazines.
A maioria dos estilistas possui lojas próprias, ocupando a região do
São Francisco e Batel na cidade de Curitiba, mas alguns ainda vendem apenas
em sites ou em coletivos e bazares, ou quando alugam espaços em eventos
para demonstrarem suas peças e produções. Suas produções giram em torno
do exclusivo, do individual, da arte e da cultura. Suas lojas aliam às peças de
roupa, música, obras de arte, diversão, criando novos conceitos de
atendimento e de produtos.
Assim, através de análises de seus discursos sobre o papel da moda e,
sobretudo de suas modas, caberá analisar se novas tendências de relações
podem estar sendo expressas por esta instância.
Tal pesquisa encontra-se em fase de realização das entrevistas semiestruturadas em profundidade, estando previsto para junho a conclusão das
análises iniciais.
ALVES, Emiliano Rivello. Pierre Bourdieu: a distinção de um legado de praticas e
valores culturais. Revista Sociedade e estado, Brasília, v.23, n.1, p.137-160, jan/abr
2008.
BOURDIEU, Pierre. Alta Costura e Alta Cultura. In: Questões de Sociologia. Rio de
Janeiro: Marco Zero, 1983, p.154-161.
_____________. A distinção: critica social do julgamento. São Paulo: Edusp, 2007.
CANCLINI, Nestor G. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da
globalização. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1996.
CRANE, Diana. A moda e seu papel social. Classe, gênero e identidade das roupas.
São Paulo: Editora Senac – SP, 2006.
DORFLES, Gillo. Modas e modos. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades
modernas. 2°ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
MOTA, Dolores. Moda e Identidade: Aspectos psicossociais da roupa na
contemporaneidade. In: Congreso de Disenõ. Buenos Aires, 2006. Disponível em:
<http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=23905>.
Acesso em: 25
nov.2006.
RETONDAR, Anderson Moebus. A (re)construção do individuo: a sociedade de
consumo como “contexto social” de produção de subjetividades. Revista Sociedade e
estado, Brasília, v.23, n.1, p.137-160, jan/abr 2008.
SOUZA, Gilda Mello. O espírito das roupas: a moda no século XIX. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987.
Download