ISCTE – INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DO TRABALHO E DA EMPRESA Sheila Santos – n.º 8436 " FACTOR HUMANO – O trabalho e dignidade da pessoa humana: uma análise a partir dos sistemas de organização do trabalho”. Trabalho, elaborado como exigência e pré-requisito na avaliação final na disciplina de Sociologia do Trabalho Primeiro Semestre - Curso de Mestrado em Ciências do Trabalho e Relações Laborais do ISCTE – Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, sob a orientação do Professor Doutor Alan Storeloff. LISBOA – PORTUGAL Janeiro – 2009 Sumário 1- Introdução....................................................................................................................... 3 2 – A importância da Sociologia do Trabalho como Ciência ligada aos fenómenos do trabalho. 5 3 – Principais paradigmas teóricos da Sociologia do Trabalho e o desenvolvimento dos Sistemas de Organização de Trabalho. ................................................................................................ 8 3.1 - “Teoria da Organização Científica do Trabalho”- Frederick W. Taylor ........................ 8 3.2 - “Teoria da Burocraria” - Max Weber ...................................................................... 12 3.3 - ”Teoria Clássica” de Henri Fayol ............................................................................ 13 4 – A importância da Teoria das Relações Humanas ............................................................ 15 5 – Problematização........................................................................................................... 18 5.1 - “Em que medida, nos dias actuais, a“força de trabalho” continua a ser explorada, e, o trabalho humano continua a ser alienado?” ...................................................................... 18 5.2- “Trabalho e Dignidade. Qual a relação?” ................................................................. 19 6 - Conclusão .................................................................................................................... 21 7 – Referências Bibliográficas ............................................................................................ 23 2 1- Introdução Enquanto área Sociológica, a Sociologia do Trabalho pertence à área das ciências sociais e humanas, e, ocupa-se de uma noção de trabalho como posição determinante aos factores e fenómenos ligados ao trabalho, havendo convergências desses factores com a dignidade da pessoa humana. Segundo Friedmann – Tratado de Sociologia do Trabalho – << A Sociologia do trabalho deve ser considerada, em sua mais vasta extensão, como estudo, nos diversos aspectos, de todas as colectividades humanas que se constituem graças ao trabalho>>(1973, v.1, p.37). É sabido que, a “Teoria da Organização Científica do Trabalho”, criada pelo engenheiro Americano Frederick W. Taylor (1856-1915), também denominada “Taylorismo”, a ”Teoria Clássica” de Henri Fayol (1841-1925) e a “Teoria da Burocraria” do sociólogo Alemão Max Weber (1846-1920), foram importantes em sua época histórica, servindo de contributo para novas teorias mais flexibilizadoras e humanistas. Entretanto, não foram os modelos clássicos totalmente abandonados pelas “Organizações”. É facto encontrar-se a aplicação do sistema Taylorista nos dias actuais em diversas estruturas organizacionais, onde <<nova roupagem>> lhe é conferida, ainda que menos drástica e com menor rigor, mas, ainda como forma de maximizar o ¨Factor Capital” em detrimento do <<FACTOR HUMANO>>. É justamente, a partir de novos estudos e pesquisas que surgem as chamadas teorias pós-clássicas - notadamente a das <<Relações Humanas>> - com o reconhecimento dos estudos de Elton Mayo que procurou revelar uma preocupação humanista nas relaçoes de trabalho e novas formas de organização de trabalho, na busca em conferir mais dignidade ao aspecto humanista do trabalhador. Assim, o presente trabalho tem por objectivo a partir de análises históricas de algumas correntes teóricas, abordar e apontar alguns factores influenciadores do desenvolvimento dos sistemas de organização de trabalho e 3 principais paradigmas teóricos da Sociologia do Trabalho, tendentes a interpretar as seguintes questões: 1 - “Em que medida, nos dias atuais, a “força de trabalho” continua a ser explorada, e, o trabalho humano continua a ser alienado? “ 2- “Trabalho e Dignidade. Qual a relação?” Não temos a pretensão de sermos totalmente cépticos e/ou críticos extremados, por certo, tomaremos em conta para os problemas a serem abordados, que nos dias actuais tem-se observado algum equilíbro na tríade – Capital - Homem Máquina. 4 2 – A importância da Sociologia do Trabalho como Ciência ligada aos fenómenos do trabalho. Tão importante quanto entendermos a importância da Sociologia do Trabalho como ciência ligada aos fenómenos do trabalho, não menos importante é antes compreendermos o trabalho como traço específico da espécie humana. Desde os tempos mais remotos da civilização humana, até os dias actuais, o conceito da palavra trabalho tem sido acrescentado com novos valores. Na idade média, o trabalho foi considerado algo desprezível e inferior sendo reservado aos escravos e servos. A palavra trabalho, na sua origem etimológica, significa “tripalium” (instrumento composto por três paus ou varas cruzadas, usado para prender animais e também como instrumento de tortura – que exprime a noção de trabalho e o sacrifício que a realização do mesmo implica). Com a evolução da civilização humana os conceitos foram sendo alterados e o trabalho fonte de tortura, sacrifício e maldição, passou a ter carácter de realização pessoal e social, elevando o trabalho como meio de dignificar a pessoa humana. Entender o termo trabalho e o que ele representa para o homem em sua condição humana, pressupõe ir para além em designá-lo como uma espécie qualquer de acção e de esforço humano. Para Georges Friedman - Tratado de Sociologia do Trabalho - <<O trabalho é um denominador comum e uma condição de toda a vida humana em sociedade>> (1973, v.1, p.19). Friedman, ao tratar sobre o que é trabalho, faz diversas citações, como por exemplo a definição de trabalho sob o ponto de vista de Colson (1924). Colson, economista que era, entendia que a atividade de trabalho se distinguia pelas finalidades, pela utilidade e pelo valor dos produtos que criava; e foi nesta perspectiva que declarou: “ o trabalho é o emprego que faz o homem das suas forças físicas e morais para a produção de riquezas ou serviços.” (1973, v.1, p.20). Vale destacar neste nosso trabalho, o que Marx – O Capital – brilhantemente escreveu sobre o trabalho: << O trabalho, antes de tudo, é um ato que se passa entre o homem e a natureza. Neste ato, o próprio homem representa, em relação à 5 natureza, o papel de uma potência natural. As forças de que o seu corpo é dotado, braços e pernas, cabeças e mãos, ele as põe em movimento a fim de assimilar matérias, dando-lhes uma forma útil à sua vida. Ao mesmo tempo que age, por esse movimento, pela natureza exterior e a modifica, modifica a sua própria natureza e desenvolve faculdades que dela dormitavam>>.(1948, V.1, p.180). Por certo, há muita subjectividade relacionada ao trabalho e as actividades relacionadas com o mesmo, e, é imperioso reflectirmos sobre os processos de apropriação da subjetividade da classe trabalhadora pelo capital. Marx, majestosamente, em sua citação eleva o homem à condição de ser humano, e como tal, age racionalmente como ser pensante transformador da natureza pela utilização de sua força, quer física, quer mental. Marx deixa claro que o trabalho está para além do uso das forças físicas e morais para a produção de riquezas e serviços ( como afirmou Colson ). Em virtude de sua condição humana e como um ser que se insere num meio social, o homem realiza actividades denominadas trabalho, usando sua força física ou intelectual. Parafraseando Freud: “ O trabalho é um fenómeno decisivo na ascensão do homem acima da animalidade”. Segundo Friedmann – Tratado de Sociologia do Trabalho - <<Todo e qualquer trabalho mal escolhido, inadaptado ao indivíduo, acarreta para este efeitos nocivos. Todo o trabalho sentido como algo estranho pelo seu executante, no sentido próprio do termo, é um trabalho “alienado”. [...] Para não ser alienado, como veremos, o trabalho terá de aproveitar condições favoráveis, tanto do ponto de vista técnico e fisiológico, quanto do ponto de vista psicológico. Mas ele se arrisca ainda a ser alienado e da maneira mais penosa possível, se as condições econômicas e sociais em que é levado a efeito acarretarem para o trabalhador a convicção de uma exploração>>(1973, v.1, p.24). O trabalho humano foi e sempre será factor chave e essencial de questões sociais, e é por conta disso que a Sociologia do Trabalho como ciência, e ao longo do tempo, tem-se preocupado em estudar o trabalho e as actividades de trabalho em diversas coletividades humanas, levando em consideração as condições de trabalho, 6 as formas de organização de trabalho e os ambientes onde os trabalhadores se inserem, tendo inclusive a considerar uma outra face do trabalho bem mais complexa, que é a possível exploração e alienação humana. A Sociologia do Trabalho conta com uma enorme gama de trabalhos realizados por estudiosos, investigadores e pesquisadores, uns de predominância Francesa, outros Anglo-Saxões, sendo certo que cada um a seu tempo e modo, e, actuando neste cenário segundo suas convicções e ideologias contribuiram e continuam a contribuir, servindo de base e abrindo caminho para novos estudos e pesquisas, uma vez que a Sociologia do Trabalho como ciência aplicada aos factores e fenómenos ligados ao trabalho e as formas diversas de relações entre seus actores, necessita continuar a ser estudada com dinamismo. Não poderíamos deixar de citar a importante observação feita por Alan D. Storeloff – Sobre a Sociologia do Trabalho em Portugal, Sociologia – Problemas e Práticas. <<Em resumo, a Sociologia do Trabalho no seu desenvolvimento futuro devia ser mais abrangente nos objectos que estuda, mais delimitada nos objectos teóricos e preocupada com a articulação micro-macro na investigação empírica.>>. (11, 1992, p. 149). Corroboramos o sobredito pelo ilustre professor, investigador, pesquisador e Doutor em Sociologia, e, entendemos que com um pouco de otimismo, aguarda-se por uma nova era em que Capital, Máquina e Homem, possam interagir em perfeita sintonia, cada um desempenhando o seu papel com mestria, formando uma tríade perfeita, indissolúvel e uníssona, necessária ao progresso das nações e bem estar da humanidade, onde realmente possa prevalecer trabalho justo (salário justo), trabalho digno (condições humanas no trabalho sem quaisquer constragimentos) e trabalho reconhecido (sentimento do trabalho valorizado). Para encerramento deste tópico, citamos Harry Braverman – Trabalho e Capital Monopolista - <<Pelo contrário, minhas opiniões sobre o trabalho estão dominadas pela nostalgia de uma época que ainda não existe, na qual, para o trabalhador, a satisfação do ofício, originada pelo domínio consciente e proposital do processo de trabalho, será combinada com os prodígios da ciência e poder criativo da engenharia, época em que todos estarão em condições de beneficiar-se de algum modo desta combinação.>>(1974, p.18) 7 3 – Principais paradigmas teóricos da Sociologia do Trabalho e o desenvolvimento dos Sistemas de Organização de Trabalho. Ao longo da história da Sociologia do Trabalho, pesquisadores, cientistas e sociólogos, cada um a seu tempo e modo, ofereceram o seu contributo para repensar as anteriores teorias de organização de trabalho – seja por reler, analisar, comparar ou criticar estudos anteriormente efectuados, quer seja por efectuar novas investigações e estudos empíricos. 3.1 - “Teoria da Organização Científica do Trabalho”- Frederick W. Taylor Iniciaremos nossa abordagem por Frederick W. Taylor(1856-1915), reconhecido como o “pai” da racionalização do trabalho industrial e subsequentemente o responsável pela denominada “Organização Científica do Trabalho”. Suas observações, prácticas e ideologias relacionadas a organização do trabalho, deram origem à teoria cientificamente denominada “Taylorismo”. Muito embora, Taylor tenha sido entitulado “pai” da racionalização científica do trabalho, a racionalização do trabalho lhe precedeu com o desenvolvimento industrial e pela necessidade das indústrias em potenciar sua rentabilidade a fim de se tornarem mais eficazes, produtivas e competitivas, utilizando para isso processos de divisão de trabalho, já identificados e estudados por Durkheim e Adam Smith com o fracionamento das tarefas de execução das fábricas. De acordo com a linha de estudo de Adam Smith, “a riqueza das nações seria fruto da organização e divisão do trabalho.” Em seus estudos, Taylor observou os operários aprendendo uns com os outros através da observação. Descobriu que esse costume natural entre os operários, desenvolvia diferentes métodos de execução da mesma tarefa, variando instrumentos e ferramentas para a mesma operação. A partir dessas constactações, Taylor criou a Organização Racional do Trabalho, substituindo métodos empíricos e rudimentares por métodos científicos. 8 Taylor - engenheiro Americano - observou que as máquinas industriais existentes eram rudimentares, e que os trabalhadores não tinham habilidade em manejá-las. Na medida em que as máquinas iam evoluindo, empregava-se mais trabalhadores, porém sem qualquer qualificação e que eram os próprios trabalhadores responsáveis por organizar o seu trabalho sem receber orientação. Evidenciou também, que trabalhadores sem orientação perdiam muito tempo, tornando habituais os trabalhos suplementares e sem qualquer contrapartida, facto que levava os trabalhadores ao desestímulo, e que, por conta disso, não havia por parte dos trabalhadores motivação para que aumentassem a sua produção. Desta forma, Taylor constactou uma baixa produtividade e concluiu que os trabalhadores deveriam ser organizados de forma hierarquizada e sistematizada, ou seja, cada trabalhador seria orientado a desenvolver uma actividade específica na produção, o trabalhador deveria ser monitorado por tempo de produção, devendo cumprir o seu trabalho no menor tempo possível e em contrapartida e por “compensação”, seriam premiados aqueles que se sobressaissem. Observamos então, que o Taylorismo, foi uma forma de sujeição real do trabalho ao capital. Taylor, que era engenheiro, pensava de forma pragmática e calculista, seu objetivo era solucionar o problema da baixa produtividade na indústria - <<factor capital>>, preocupava-se com a organização científica do trabalho, logo, seu foco era mais eficiência e eficácia para maior rentabilidade, não se preocupava com relevância com o <<factor humano>>, muito embora, tenha elaborado formas de incentivos aos trabalhadores. Conforme Friedmann – O Futuro do Trabalho Humano - <<O Taylorismo apreciava todos os problemas da empresa, incluindo os problemas humanos da mão-de-obra, dum ponto de vista exclusivamente técnico.(1968, p.86) Não podemos deixar de observar e criticar, que Taylor provocou uma forma de exploração do trabalhador. Este, desdobrava-se em cumprir o trabalho no tempo cronometrado (sob stress e fadiga), tentando sobressair-se sobre os demais trabalhadores para ser merecedor da recompensa prometida. A nosso ver, Taylor incutiu nos trabalhadores a falsa idéia de satisfação por recompensas e incentivos (maior empenho da força de trabalho → no menor tempo possível → aumento na produção industrial → recompensa por maior produtividade). 9 Pelos métodos do Taylorismo, nota-se claramente que “ o tempo é uma mercadoria”, e que o trabalhador vende sua mão-de-obra (tempo / mercadoria), cumprindo suas tarefas num menor tempo possível para produzir mais, em prol de uma maior rentabilidade da organização. Um exemplo clássico do Taylorismo, pode ser observado no filme “Tempos Modernos” de Chaplin, onde os trabalhadores efectuam movimentos repetitivos, sob o rítmo que as máquinas os impõe e sob a constante observação de superiores hierárquicos que cronometram o tempo de trabalho para optimizar a produção. Esta sequência ordenada de postos de trabalho constituiu o chamado trabalho em cadeia. Em resumo, Taylor procurou racionalizar a produção, simplificando tarefas, economizando mão-de-obra, cortando gestos e comportamento humano supérfluo dos trabalhadores, acabando com desperdícios de tempo, tudo isso sob controle e observação de superiores hierárquicos. Taylor, naquele tempo, não só conseguiu seu intento em optimizar a produção e aumentar a produtividade da indústria, mas para além disso, conseguiu também a degradação do trabalho operário. Transformou a “força de trabalho” em “factor de produção”, reduziu o homem <<Factor Humano>> em instrumento do Capital, violou as condições humanas do trabalho, tornando o ser humano completamente autômato e patético, o homem acabou por tornar-se um apêndice da máquina, sendo ignorado como ser humano e social. Harry Braverman, em seu livro – Trabalho e Capital Monopolista – faz algumas considerações sobre Taylor, e, com as quais nos perfilamos. <<É verdade que esta é a regra nas relações capitalistas de produção e o emprego do argumento por Taylor no caso mostra com grande clareza onde o poder do capital leva: não apenas o capital é propriedade do capitalista, mas o próprio trabalho tornou-se parte do capital. Não apenas os trabalhadores perdem controle sobre os instrumentos de produção como também devem perder o controle até de seu trabalho e do modo como o executa. Este controle pertence agora àqueles que podem “arcar” com o estudo dele a fim de conhecêlo melhor do que os próprios trabalhadores conhecem sua atividade viva.>>(1974, p.106). 10 Mesmo que em breve relato, é imperioso citar a influência das experiências de Taylor sobre Henry Ford. Este, aplicou na sua fábrica de automóveis fases simples e repetitivas, de modo que os operários aprendiam rapidamente qualquer tarefa. Importante ressaltar que os objetivos de Ford não foram tanto de natureza técnica, mas sim financeira. Como tudo no mundo se transforma, Ford introduziu uma alteração revolucionária: a chamada “esteira transportadora”. O operário que antes para desenvolver seu trabalho precisava mover-se de um carro para o outro a fim de colocar as peças necessárias na montagem do veículo (desperdiçando tempo), passou então a ocupar postos fixos, e, foram os carros que passaram a mover-se em direção aos operários para que estes colocassem as peças necessárias à montagem. Cada operário desenvolvia seu trabalho mais rapidamente, surgindo a linha de montagem (trabalho em cadeia). A administração decidia qual a velocidade de funcionamento da linha de montagem e o ritmo da fábrica. Com os rítmos de produção acelerados os trabalhadores se fatigavam, poucos eram os que aguentavam o extenuante ritmo de trabalho que lhes era determinado, surgindo uma forte tendência ao absenteísmo e ao turnover. Objectivando alterar este quadro, Ford decidiu pagar aos seus operários salários mais elevados e dar-lhes uma percentagem dos lucros. A estratégia de Taylor e consequentemente a de Ford em gerenciar a força de trabalho em troca de incentivos salariais, não alterou o sentimento de rejeição e repugnância por parte dos trabalhadores que ainda eram sujeitos a trabalhos intensos e repetitivos. Nos processos de trabalho dos modelos Taylorista e Fordista, percebese uma crise permanente, que pode-se verificar na obra de Friedmann – O Futuro do Trabalho Humano - Diz, por exemplo, um operário que trabalha na linha de montagem: “a execução de um trabalho esmigalhado torna-se um suplício” (Friedmann, 1968). As considerações acima tratadas, relacionadas a Taylor e de certo modo a Ford, caracterizavam a organização do trabalho sob o aspecto da organização de tarefas, com sistemas racionalizadores de processos aplicados ao conjunto da empresa a partir de suas actividades produtivas. 11 3.2 - “Teoria da Burocraria” - Max Weber Passemos agora, a analisar o denominado “modelo de organização racional”- também princípio racionalizador – porém na perspectiva de que a empresa é uma organização, e como tal, comporta aspectos estructurais e funcionais, que necessitam para o seu funcionamento de uma certa “organização burocrática”, caracterizada por REGRAS. Segundo Friedmann – Tratado de Sociologia do Trabalho - <<Se a existência de regras impessoais, precisas, geralmente escritas, continua sendo o caráter mais aparente de toda burocracia, só é realmente burocrática a organização em que tudo se determina pelas regras de funcionamento, isto é, onde cada função pode ser inteiramente definida em relação as demais funções que compõem a organização.(1973, v.1, p.473). É de autoria do sociólogo alemão Max Weber (1846-1920), a denominada “Teoria da Burocracia”, que procurava alcançar a máxima eficiência e racionalidade da organização formal. A “burocracia” de Max Weber se caracterizava pela formalização, divisão do trabalho, hierarquia, impessoalidade, competência técnica, separação entre propriedade e administração, e profissionalização dos trabalhadores; é uma teoria centrada na estrutura da organização. Todo e qualquer tipo de comunicação deveria ser documentado, para que se obtivesse o máximo de eficiência. Esta é uma das máximas da teoria da burocracia. Mas esta corrente teórica se esqueceu de levar em consideração a organização informal e a variação dos sentimentos humanos. Importa-nos ressaltar as considerações feitas por João Freire – Sociologia do Trabalho: Uma Introdução - <<Max Weber considerava a burocracia tecnicamente superior a outras formas de organização, um pouco como a produção mecânica era superior à manual. A burocracia parecia ser mais precisa, rápida, clara, efectiva e eficiente do que qualquer organização não burocrática. E, para além destes méritos, Weber via nela a vantagem da continuidade, da impessoalidade e da imparcialidade, pelo facto da não apropriação pessoal da função pelo funcionário que a desempenha. O sistema burocrático teorizado por Weber, tenta eliminar os favoritismos, 12 os subjetivismos, os actos discricionários ou as pressões pessoais, através do estabelecimento de regras.>>(2006, pp.67-68). Após as abordagens sobreditas, passemos então a analisar a corrente teórica de Henry Fayol (1841-1925). 3.3 - ”Teoria Clássica” de Henri Fayol Com uma enorme massa de trabalhadores, desesperadamente necessitados de emprego, sem instrução e poder reivindicativo e uma económia fortemente em crescimento, o fundamental naqueles dias era maximizar a produção, tendo como principal preocupação o comando e a hierarquia, face às necessidades de crescimento e competitividade empresas. A abordagem que Henri Fayol propunha em sua “Teoria Clássica” era eminentemente prescritiva e normativa, para conduzir os empresários ao sucesso e aos lucros. O francês Henri Fayol (1841-1925), foi contemporâneo de Taylor e Max Weber. É reconhecido como principal teórico da abordagem racionalizadora das organizações de trabalho, também conhecida como “teoria clássica” ou “ teoria da organização formal”. Fayol concebia a organização exclusivamente no seu aspecto formal, ou seja, no modo como as diferentes partes que compunham a organização se dispunham e se relacionavam. A sua principal preocupação residia nas relações e funções dos diversos órgãos dentro da empresa e identificou as principais funções da empresa (técnicas, comerciais, financeiras, de segurança, de contabilidade e administrativas ou de gestão). Fayol, ao estudar a estrutura da organização, visualizou que a organização do trabalho seria mais eficiente quanto mais elevada fosse a divisão do trabalho, e, que esta divisão de trabalho deveria ser feita em níveis de autoridade e de responsabilidade (níveis hierárquicos), assim, quanto mais elevado o nível de hierarquia, maior seria a autoridade e responsabilidade. A esta autoridade e 13 responsabilidade, e, conforme os níveis hierárquicos pré-determinados, denominou-se cadeia de comando. Importante salientar, que Fayol considerava que a função de gestão estava presente em todos os níveis hierárquicos e que teria o papel de coordenação das demais funções por ele identificadas, o que envolvia prever, organizar, comandar, coordenar e controlar. Há semelhança entre a ”Teoria Clássica” de Henri Fayol (1841-1925) e a “Teoria da Burocraria” do sociólogo Alemão Max Weber (1846-1920) nos aspectos como a divisão do trabalho e a hierarquia. As duas teorias partiram da estrutura formal da organização. No entanto, onde a primeira insiste na disciplina e no comando, a segunda aponta para a impessoalidade e o formalismo. A 'Teoria da Organização Científica do Trabalho', a 'Teoria da Burocracia', e a 'Teoria Clássica', ignoraram a dimensão e importância do <<factor humano>> das organizações, pois cada operário enquanto ser humano, quer fazendo parte elementar de uma organização, quer seja considerado como apêndice da máquina, nunca deixará de se comportar como um indivíduo, cujo desempenho depende da sua motivação. 14 4 – A importância da Teoria das Relações Humanas Nos tópicos anteriores do nosso trabalho, efectuamos abordagens parciais que jamais poderiam deixar de suscitar o seu contraponto com o surgimento de uma outra corrente teórica, denominada “Teoria das Relações Humanas” – pós-clássica - a respeito da qual passaremos a nos debruçar. Segundo João Freire – Sociologia do trabalho: Uma Introdução <<A génese do movimento das relações humanas pode localizar-se nos primeiros estudos de psicologia industrial levados a cabo por alturas da primeira guerra mundial [...] A observação sistemática e as tentativas de medição da fadiga dos operários adstritos a tarefas muito repetitivas [...] e orientaram os investigadores para o estudo da monotonia das actividades produtivas [...] e do ambiente em que essas actividades eram desenvolvidas.>>(2006, p.81) . Os estudiosos observaram que mais tempo de trabalho, nem sempre revelava-se em uma maior produção, e que era possível trabalhar menos e produzir mais, introduzindo na jornada de trabalho pausas para repouso. Vale ressaltar que o conceito de “factor humano” foi decorrente dos estudos acima citados. A “Teoria das Relações Humanas” surgiu nos Estados Unidos como conseqüência imediata das conclusões obtidas na Experiência em Hawthorne, na Western Electric Company , desenvolvida por Elton Mayo e seus colaboradores. Surgiu como reacção aos pressupostos das concepções racionalizadoras da organização de trabalho, que se preocupava com as tarefas e com a estrutura formal da organização. Voltando-se agora para a preocupação com as pessoas surge a expressão “relações humanas”, revelando uma intenção e preocupação humanista. Tem-se a origem da Teoria das Relações Humanas, segundo Mayo, em: → Necessidade de humanizar e democratizar a administração, libertando-a dos conceitos rígidos e mecanicistas da Teoria Clássica e adequando-a aos novos padrões de vida do povo americano; 15 → Desenvolvimento das chamadas ciências humanas, principalmente a psicologia e a sociologia; → Idéias da filosofia pragmática de John Dewey e da Psicologia Dinâmica de Kurt Lewin foram capitais para o humanismo na administração; → Conclusões da Experiência em Hawthorne, desenvolvida entre 1927 e 1932, sob a coordenação de Elton Mayo. As experiências de Mayo em Hawthorne - Los Problemas humanos de una civilización industrial – B.Aires – NuevaVision, 1972 (pp. 65-99) - constituem-se em uma longa série de pesquisas e investigações empíricas. Pelo teor científico da obra, e pelas minúcias com que a experiência é descrita pelo autor, vale a pena ser lida por aqueles que se dedicam aos estudos da Sociologia do Trabalho, notadamente no que se refere aos aspectos humanos que a disciplina se preocupa. Resumidamente, podemos citar alguns pontos importantes da experiência de Mayo em Hawthorne: 1- A integração social e comportamento social dos empregados; 2. As necessidades psicológicas e sociais e a atenção para novas formas de recompensa e sanções não-materiais; 3. O estudo de grupos informais e da chamada organização informal; 4. O despertar para as relações humanas dentro das organizações; 5. Ênfase nos aspectos emocionais e não-racionais do comportamento das pessoas; 6. A importância do conteúdo dos cargos e tarefas para as pessoas; Destas e outras observações, Mayo e seus colaboradores concluíram que as abordagens racionalizadoras da organização formal se preocupavam com a lógica dos custos e eficiência, e, se esqueciam e deixavam de fora um objecto de estudo que era o da lógica dos sentimentos, afectos e sistemas de idéias, que até poderiam ir para 16 além de sentidos diversos ao da racionalidade produtivista, mas, que era de suma importância para o desenvolvimento de uma nova era, qual seja, a da organização informal. Com a organização informal, nasceu o homem social, que desejava uma melhor situação económica, necessitava de ser reconhecido, respeitado, pertencer e se identificar a um grupo humano, contribuindo utilmente para ele. Com o nascimento do homem social, nascia também uma nova concepção de empresa, vista não só pela óptica capitalista e produtivista, mas também vista como fonte de distribuição de satisfação aos seus empregados, despertando um sentimento de humanização no ambiente frio da indústria e enfatizando o factor humano. Foi a partir da Teoria das Relações Humanas de Mayo, bem como de posteriores estudos críticos a ela efectuados, que a abordagem das “relações humanas” foi vista sob a óptica de um sistema, onde, indivíduo - grupos de indivíduos – empresa, se interagem, considerando-se a empresa como um conglomerado, agregando diversas partes. Elton Mayo procurou revelar uma preocupação humanista nas relações de trabalho e novas formas de organização de trabalho, na busca em conferir mais dignidade ao aspecto humanista do trabalhador. Como podemos observar, a Teoria das Relações Humanas foi um marco, um ponto de partida para que outros pesquisadores, estudiosos e investigadores, que não menos importantes, pudessem oferecer seu contributo com novas correntes teóricas, objetivando dignificar o trabalho e o trabalhador, procurando humanizar o Capital através da busca constante pela prevalência de: trabalho justo (salário justo), trabalho digno (condições humanas no trabalho sem quaisquer constragimentos) e trabalho reconhecido (sentimento do trabalho valorizado). 17 5 – Problematização Tentaremos alinhavar de forma objectiva, algumas respostas para os problemas questionados no início deste trabalho. De certa forma, os itens citados objectivamente nas respostas abaixo, já foram tratados directa ou indirectamente ao longo de observações já efetuadas. 5.1 - “Em que medida, nos dias actuais, a “força de trabalho” continua a ser explorada, e, o trabalho humano continua a ser alienado?” Nos dias actuais, verificamos ainda factores que foram e continuam sendo de suma importância para as empresas: capital, estratégias de negócios, novas tecnologia, máxima produtividade e menor custo homem-hora. Mas, subitamente perdem a intensidade e a força quando confrontados com outro factor, o “factor humano”. A “força de trabalho” (devendo ser considerada como “factor humano”) ainda é tão importante e vital para as empresas. Por mais que tenha sido o homem considerado um apêndice da máquina, ele jamais poderia ser substituido por ela, pois, o homem é antes de tudo a própria máquina – a máquina humana. <<É a máquina que se deve adaptar ao homem e não o homem à máquina>> (Georges Friedmann - O Futuro do Trabalho Humano, 1968, p.150) Actualmente, mesmo que de forma mais discreta, os capitalistas ainda procuram aumentar os seus rendimentos/lucros, diminuindo o rendimento/salários dos trabalhadores. É, exactamente esta situação de exploração da força de trabalho pelo Capital (essência do capitalismo) que Marx sempre criticou. Ao longo da história da organização do trabalho, com crescentes pesquisas e investigações científicas tendentes por buscar/tornar o trabalho mais humanizado, livre e factor de satisfação, não se conseguiu alterar o facto da descaracterização humana fundamental do trabalhador. O homem continua, até certo ponto, a não ter liberdades diante dos sistemas de trabalho que lhe são impostos, que 18 determinam o seu espaço, o seu valor de trabalho, o seu tempo, anulam sua formação de idéias, provocando limitações à liberdade da sua inteligência. Sem necessidade de muito pensar, encontramos um exemplo clássico da exploração da força de trabalho e alienação do trabalho humano nos dias actuais, são os sistemas de trabalho adoptados nos “callcenters”. Diante da monotonia de seu trabalho sem objetivo aparente, o trabalhador está voltando aos tempos de outrora, tornando-se cada vez mais peça de uma engrenagem, autômato, escravo e técnico. 5.2- “Trabalho e Dignidade. Qual a relação?” Por certo trabalho e dignidade possuem significados diferentes, mas, também acertadamente os dois conceitos devem convergir, na medida em que “O trabalho dignifica o homem”. Na Antiguidade, o trabalho foi considerado uma atividade vil, própria de servos e escravos. Há muito, o conceito de trabalho ultrapassou a barreira de ser considerado apenas “o emprego que faz o homem das suas forças físicas e morais para a produção de riquezas ou serviços”. Ninguém, se sentiria dignificado como pessoa, por estar integrado ao trabalho considerado desta forma. O trabalho humano é, simultaneamente, necessidade vital e afirmação de liberdade, sinal de dependência e de transcendência em relação à natureza. Só o homem trabalha porque, ao contrário dos outros animais, é sujeito inteligente, capaz de projectar e operar criativamente. Enquanto produz coisas úteis, também desenvolve a sua humanidade e um conjunto de valores importantes, exprime e realiza a sua dignidade de pessoa. Como forma de reflexão, deixaremos aqui, o pensamento de Hannah Arenddt – A Condição Humana - <<Com a expressão vita activa, pretendo designar três actividades humanas fundamentais: labor, trabalho e acção. Trata-se de actividades fundamentais porque a cada uma delas corresponde uma das condições básicas mediante as quais a vida foi dada ao homem na Terra.>>(2001, p.19) 19 Em nosso entender, eis a relação entre trabalho e dignidade: só poderá haver dignidade, e esta no contexto da pessoa humana do trabalhador, na medida em que este esteja integrado num trabalho digno, entendendo-se no sentindo mais amplo do conceito, trabalho justo (salário justo), trabalho digno (condições humanas no trabalho sem quaisquer constragimentos) e trabalho reconhecido (sentimento do trabalho valorizado). 20 6 - Conclusão Os princípios fundamentais das Teorias de Taylor, Weber, Fayol, Mayo, e outros, foram e serão sempre bases da evolução e do desenvolvimento da Sociologia do Trabalho enquanto ciência, e, que têm motivado e impulsionado estudos, pesquisas e investigações como forma de tentar minimizar e até mesmo de superar a subjugação do trabalhador ao sistema capitalista em constante evolução e transformação. É claro o entendimento de que no modelo Taylorista as pessoas eram tratadas como um apêndice da máquina, não havia lugar para a inteligência humana e criatividade dos trabalhadores, preponderava naquela altura a exploração e alienação do trabalhador. A gênese da resistência da classe operária ao método taylorista de “racionalização do trabalho” explica-se, em parte, por esta clara distinção. Para Braverman, a “racionalidade” da organização do trabalho taylorista-fordista caracterizase pelo desejo de transformar o homem em máquina. Com o passar dos tempos, os trabalhadores já não se conformavam mais em serem tratados como “peças da máquina”, começaram por demonstrar que eram seres pensantes e como tais, inteligentes e criativos, factores socio-laborais foram enfatizados, surgindo a luta de classes em prol de melhores condições de trabalho e humanização das organizações do trabalho. Concomitantemente, e na medida em que os avanços tecnológicos foram surgindo, e, em decorrência da própria necessidade de sobrevivência das indústrias frente ao mercado capitalista cada vez mais competitivo, houve uma desestabilização do Taylorismo-Fordismo. As mudanças tecnológicas causaram uma revolução na organização de trabalho, havendo a necessidade de mudanças e adaptações ao modelo de organização de trabalho desenvolvido por Taylor. Na década de 70, surge então, uma forte tenedência de humanização e democratização das empresas, causada por uma nova forma de produção flexível onde o factor humano passa a ser importante em decorrência da complexidade de novos sistemas. Nesta altura, há o apelo ao saber daqueles que estão na linha de produção, uma 21 vez que são eles que conhecem o trabalho na prática. Já é claro o entendimento que são as pessoas (trabalhadores) que resolvem os problemas das máquinas e enquanto seres pensantes passam a ser valorizados por sua capacidade humana. Reconhecemos que os avanços tecnológicos e novas formas de produção mais flexíveis foram importantes na tentativa de superação dos trabalhos repetitivos e alienados, mas, ainda somos cépticos no que diz respeito às formas pelas quais as empresas pretendem humanizar a organização do trabalho e conceder mais dignidade ao trabalho e consequentemente ao trabalhador. Para que esse processo de humanização aconteça torna-se necessária uma constante luta para superação de uma estrutura de opressão/exploração - mesmo que em menor grau, mas, ainda existente nos dias actuais - pois, não há uma ruptura natural dos sistemas de produção e organização capitalistas. 22 7 – Referências Bibliográficas Arendt, Hannah – A Condição Humana – Relógio D’Água Editores, 2001 Braverman, Harry – Trabalho e Capital Monopolista – Rio de Janeiro – Zahar – 1977. Fayol, Henri – Administração Geral e Industrial – Lisboa – Horizonte – 1979. Freire, João – Variações sobre o tema do trabalho – Afrontamento – 1997. Freire, João – Sociologia do Trabalho: Uma Introdução – Afrontamento. 2006 Friedmann, G. – Naville, P. (orgs) – Tratado de Sociologia do Trabalho – São Paulo, Cultrix, 1973, 1v. Friedmann, Georges – O futuro do trabalho humano – Lisboa – Moraes – 1968. Marx, Karl – O Capital - V.l - 1948. Mayo, Elton – Los Problemas humanos de uma civilización industrial – B.Aires – nuevaVision, 1972. Méda, Dominique – O Trabalho - um valor em vias de extinção – Fim do Século Edições – Lisboa – 1999 - Tradução Portuguesa: Miguel Serras Pereira. Schanapper, Dominique – Contre la Fin du Travail – Lés Édition Textuel – 1997 – Tradução Portuguesa: Pedro Lopes D’Azevedo – Terramar 1998. Storeloff, Alan – Sobre a sociologia do trabalho em Portugal – Problemas e Práticas, (11 e 12), 1992. 23