76 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Vol. 11, Edição 18, Ano 2016. NOTAS CRÍTICAS SOBRE O OPERÁRIO EM KARL MARX E O CAMPONÊS EM ERNESTO “CHE” GUEVARA: A POSIÇÃO DE SER AGENTE NA REVOLUÇÃO SOCIALISTA CRITICAL NOTES ON THE WORKER IN KARL MARX AND THE CAMPSON IN ERNESTO "CHE" GUEVARA: THE POSITION OF BEING AN AGENT IN THE SOCIALIST REVOLUTION ALMEIDA, Francisco Ádila Ferreira de1 RESUMO O presente artigo tem por objetivo promover uma análise sobre o pensamento de dois pensadores materialistas que tiveram suas ideias difundidas de forma abrangente junto ao âmbito da filosofia social e politica, e em Lato sensu, nos processos revolucionários e movimentos sociais do século XX: Karl Marx e Ernesto “Che” Guevara. A filosofia marxista é o elo que une esses dois personagens, já que em épocas distintas (Marx século XIX e Guevara Século XX), ambos, apresentaram suas teorias por meio do método dialéticomaterialista. Nossa análise encontra seu objetivo na perspectiva revolucionária encontrada pelos autores acerca de dois indivíduos importantes no processo revolucionário: o Operário e o Camponês. A análise apresenta observações diferentes a cerca da participação destes dois indivíduos no processo revolucionário. Se para Marx o operário é protagonista, em Che Guevara o camponês assume esse papel junto ao rebelde revolucionário de vanguarda. Palavras-chave: Operário. Camponês. Marxismo. Revolução. ABSTRACT his article aims to promote an analysis of the thought of two materialist thinkers who had their widespread comprehensively ideas with the field of social philosophy and policy, and sensu Lato in revolutionary processes and social movements of the twentieth century: Karl Marx and Ernesto "Che" Guevara. The Marxist philosophy is the link that unites these two characters, since at different times (Marx nineteenth and twentieth century Guevara), both presented their theories through the dialectical-materialist method. Our analysis finds its purpose in the revolutionary perspective by the authors found about two important individuals in the revolutionary process: the Workers' and Peasants. The analysis shows different observations about the participation of these two individuals in the revolutionary process. If for Marx the worker's protagonist, in Che Guevara peasant assumes this role with the revolutionary vanguard rebellious. Keywords: Worker. Farmer. Marxism. Revolution. Mestrando em filosofia pela Universidade Estadual do Ceará - UECE. Professor da rede estadual de ensino do estado do Ceará. Graduando em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará, UECE. E-mail: [email protected]. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/1227984374614389. 1 Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 11, n. 18, p. 76-89, jan/dez2016. 77 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Introdução No momento em que o mundo moderno passava por uma transição histórica assentada na maturidade do capitalismo, e o século 18 fechava suas cortinas para a apresentação do turbulento século 19, a luta de classes se assentava sobre duas grandes classes sociais antagônicas: de um lado os exploradores, a alta burguesia (recebendo apoio da pequena burguesia que só a enfrentava em momentos aos quais os seus interesses estavam em jogo) e o seu domínio sobre o capital; do outro lado os explorados, o proletariado possuidor apenas de sua força de trabalho, seu único bem. É nesse contexto que Karl Marx produziu sua teoria social e sua filosofia politica. São essas, teoria social e filosofia politica, quem influenciará Supra modum Ernesto Che Guevara. Karl Marx fundou, ao lado de seu grande amigo e companheiro Friedrich Engels, a corrente de pensamento que promoveu uma ruptura com o pensamento reinante na Alemanha do século XIX (o idealismo alemão que após Hegel passa a ser denominado idealismo hegeliano2). Suas ideias se configuram em um sistema que se move de forma a reconhecer no objeto concreto, sustentado em uma base sólida – uma estrutura – como sendo a verdadeira forma de se chegar a um resultado verdadeiro sobre a história humana. Marx fundou ao lado de Engles, o materialismo histórico. Se no idealismo o espirito ideal, encarnado na consciência do sujeito, é à base da descoberta onde o concreto é o objeto a ser desvendado pelo sujeito; sendo 2 O pensamento de Hegel dominava os círculos intelectuais alemães da época. Tal pensamento propunha uma tentativa de explicação ideal do movimento real do mundo, exposto de forma clara na célebre frase de Hegel: O real é Ideal é o Ideal é Real. Tratava-se, na visão dos críticos de Hegel, inclui-se Marx nesse grupo, de uma relação direta com a dominação do estado prussiano e a perpetuação da chamada miséria alemã. Vol. 11, Edição 18, Ano 2016. então o sujeito detentor do espirito ideal capaz de compreender o objeto a partir de um movimento de abstração, no materialismo o objeto é o ponto de partida e de chegada de qualquer ciência; enquanto no primeiro método a representação conduz a ideia de objeto, no segundo o objeto se apresenta à abstração para que essa o concretize em objeto real, compreende que para que o objeto se mostre como realmente é necessário se apropriar do concreto, do mais complexo ao mais simples. Marx sintetiza então que o concreto é a unidade do diverso pelo fato de ser esse a síntese de todas as objeções; o homem é concreto e vive em um mundo concreto. O método de Marx proporcionou a criação de uma doutrina socialista que passou a defender a ideia de um socialismo real, em oposição ao socialismo utópico francês e ao anarquismo proudhoniano. Tal doutrina passou então a ser denominada de socialismo cientifico e mais tarde de marxismo. Com efeito, as ideias marxistas se sustentam nos escritos dos seus dois fundadores; vale salientar que Marx e Engels produziram suas ideias com base em um processo histórico-real analisado por um sistema de cunho filosóficorevolucionário, onde a dialética é o método utilizado, por tal afirmação Marx é considerado um pensador dialético, com efeito, o marxismo é uma corrente de pensamento baseada em um sistema de negação à realidade existente, dando origem ao que chamamos de Materialismo histórico (por se tratar da análise real do processo de construção histórica a partir do avanço das forças produtivas e das relações de produção). Em síntese, a dialética materialista tem como finalidade compreender o desenvolvimento das sociedades a partir de suas relações de produção guiadas pelos diferentes modos de produção até então existentes. Como resultado de sua análise, o marxismo demonstrará que o mais desenvolvido e mais desigual de todos os Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 11, n. 18, p. 76-89, jan/dez2016. 78 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 modos de produção já existentes é o modo de produção capitalista; o modo de produção da sociedade moderna3. Para Marx, os diferentes modos de produção (com exceção ao comunismo primitivo) produziram classes sociais antagônicas que se encarravam por meio de lutas constantes com base em interesses próprios; são as lutas de classe. Homem livre e escravo, barão e servo, patrício e plebeu, senhor feudal e camponês, burgueses e proletários. Em todos esses casos havia subdivisões dentro das classes o que criava uma grande quantidade de interesses antagônicos. Já na sociedade capitalista a luta de classes foi resumida em uma luta de duas classes: burgueses (e sua extensão, nem sempre homogênea, a pequena burguesia) e proletários. Quanto aos burgueses entende-se a classe dos proprietários dos meios de produção modernos, os detentores de capital. Quanto aos proletários entende-se a classe que produz capital para os burgueses e que nada tem - a não ser sua força de trabalho. Dentro da classe dos proletários4, Marx apresenta o operário de fábrica como sendo o potencial ser agente da revolução socialista, esse operário seria a liderança do proletariado na luta a ser travada contra a dominação social da classe burguesa. Tal afirmativa de Marx se assenta na relação direta do operário com as relações de produção burguesas e por esse ter em suas mãos, como instrumento de trabalho, os meios de produção. São os operários que sofrem as principais consequências da 3 Não encontramos nos escritos originais de Marx e Engels menção a respeito da sociedade contemporânea, tal denominação só passa a ser utilizada no século XX. Marx e Engels chamam a sociedade capitalista de sociedade moderna. Sobre esse fenômeno o próprio Marx afirma em sua celebre Introdução de 1857 que, o mais complexo só se reconhece como evolução do mais simples quando o supera por completo. 4 Em seu Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels denominam como proletariado os modernos trabalhadores assalariados que só possuem sua força de trabalho. Vol. 11, Edição 18, Ano 2016. exploração capitalista, e isso se explica pelo fato de serem esses indivíduos quem produzem as mercadorias que atuam como capital para os burgueses. Com efeito, há uma relação de luta direta, e inevitável, entre explorados e exploradores. Mais de um século após a apresentação das ideias marxistas acerca do inevitável protagonismo revolucionário do operário na promoção da luta anticapitalista, aparece para a história o representante marxista Latino-Americano, que provavelmente seja o de maior relevância no marxismo clássico na América - Latina, Ernesto “Che” Guevara de la Sierna, o Che Guevara. Principal líder teórico da revolução socialista cubana, Che Guevara rejeita a ideia de ser o operário do século XX o ser agente da revolução socialista, para ele esse papel pertencia a uma vanguarda politizada (não propriamente proletária) com a ajuda maciça do camponês. É sobre este assunto que nosso trabalho está assentado; nosso objetivo é promover a análise da posição de ser agente da revolução socialista entre o operário de fábrica (proposto por Karl Marx) e o homem do campo (proposto por Che Guevara). Diferente de Marx, Che Guevara não apresenta os representantes diretos das massas como protagonistas da revolução; para ele a vanguarda que guiaria as massas não necessitava, como regra, ser proletária. O papel das massas era fundamental, porém guiadas e educadas pela vanguarda. Trataremos de apresentar as ideias a respeito do protagonismo revolucionário dentro do proletariado; sem esquecer que o marxismo é uma doutrina dialética e é justamente nessa perspectiva que Che Guevara retirou do operário o protagonismo revolucionário, sem que, com isso, houvesse questionamento sobre a condição do marxismo como verdadeira introdução revolucionária5, já que sua condição 5 Guevara afirmava que o marxismo é a verdadeira introdução ao processo revolucionário, mas seu Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 11, n. 18, p. 76-89, jan/dez2016. 79 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 dialética elimina qualquer ideia fixa de tautologia revolucionária. Para Guevara o marxismo permite que as revoluções atendam as condições históricas e encontrem, por meio de tais condições, o seu próprio método. A oposição de Che Guevara quanto ao protagonismo revolucionário do operário reside em sua critica à socialdemocracia, organização essa que o próprio Engels em seus últimos anos de vida afirmara está impregnada por uma influência pequeno burguesa. A crítica de Che Guevara apresenta a influência direta da socialdemocracia (influência pequeno – burguesa) junto aos partidos comunistas da América – Latina e do mundo todo. Através da difusão do pensamento socialdemocrata por meio da segunda internacional, o marxismo perde sua posição dialética e revolucionária e passa a ser encarado como uma ciência econômica estática; Guevara afirma isso pelo fato de os lideres dos partidos comunistas acreditarem que por meio de regras postas a priori, chagariam a uma revolução social; exemplo disso é a luta pelo estabelecimento do sufrágio universal como alternativa para que pudessem chegar ao poder. Essa influência criou nessas agremiações um sentimento conformista e vacilante, Guevara chamará essa atitude conformista de vida pacífica6. A vida pacifica não pode ser adotada por nenhum revolucionário (afirmação mais uma vez defendida por Engels e apresentada claramente por Marx em seus escritos), e era essa vida pacifica que os partidos comunistas prezavam. Tais partidos estavam impregnados de influência sindical e eram justamente estes sindicatos quem agiam diretamente junto aos desenvolvimento e sua conclusão necessitam da analise histórica de cada sociedade. 6 Sobre a vida pacifica, no pensamento guevarista, entende-se a postura adotada pelos partidos comunista e seus representantes, politizados e sindicalizados. Politizados e sindicalizados, tais partidos e seus representantes se tornam peça do jogo reacionário do governo burguês. Vol. 11, Edição 18, Ano 2016. operários, com efeito, os operários estavam diretamente ligados á vida pacifica, restando como alternativa revolucionária o pequeno homem do campo, o pequeno camponês contemporâneo. Nosso trabalho se divide assim em três etapas: 1) A analise do operário do século XIX, como ser agente da revolução segundo Karl Marx. 2) A analise do homem do campo como principal aliado do rebelde revolucionário, segundo Che Guevara e a experiência cubana. 3) Nossas considerações finais. O operário em Karl Marx Marx viveu o século XIX, um período de intensa atividade politica e revolucionária na Europa. O fim do século XVIII foi marcado pela revolução burguesa na França e o inicio do século XIX apresenta a aliança entre os outrora adversários burgueses e aristocratas, tal aliança proporcionou o surgimento do império burguês na França7, o império napoleônico. Com o fracasso da investidura militar e econômica de Napoleão sobre a Europa e sua queda em 1815, e após um período de tentativa de restauração da monarquia aristocrática surge, nesse período, à monarquia burguesa do rei Luiz Felipe que mesmo sendo substituído em seguida pela república burguesa, preparou o terreno e deu espaço para o surgimento do segundo império, o império de Luiz Napoleão ou o império burguês. Para Marx, a França era o país mais politizado da Europa, com efeito, o campo mais fértil para a produção de teorias revolucionárias, daí reside à minuciosa analise feita por ele sobre as revoluções ocorridas na França no período de 1830 a 1870. Em todos esses acontecimentos acima citados, assim como nas revoluções camponesas da Alemanha e no movimento operário inglês, Marx observou que apenas uma classe era colocada como adversária 7 Falamos do primeiro instaurado em 1808. império Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 11, n. 18, p. 76-89, jan/dez2016. napoleônico 80 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 das revoluções burguesas, a classe dos proletários, aqueles que produzem capital para os burgueses e que não possuem nada além de sua força de trabalho. Em todas as revoluções burguesas só havia uma intenção: a detenção do poder do estado para se manter como classe social dominante. Tal processo assentava a luta de classes como movimento essencial para a manutenção do poder burguês. Em sua análise acerca da luta de classes, Marx observou que só havia um individuo realmente revolucionário: o operário, aquele que era excluído de todas as revoluções burguesas. Isso não afirma que o camponês não era uma força revolucionária, mas afirma sim, que, diferente do operário, o camponês não adquiriu a consciência politica necessária para se afirmar como classe revolucionária. Sobre tal afirmativa podemos ver a posição de Marx em seu célebre texto O 18 Brumário de Luiz Bonaparte, onde afirma categoricamente: Os camponeses detentores de parcelas constituem uma massa imensa, cujos membros vivem em situação idêntica, mas sem que entre eles existam múltiplas relações. O seu modo de produção isolaos uns dos outros, em vez de os levar a um intercâmbio mútuo (MARX, 2008, p. 324). E continua seu raciocínio afirmando: Na medida em que milhões de famílias vivem em condições econômicas de existência que as separam pelo seu modo de viver, pelos seus interesses e pela sua cultura das outras classes e as opõem a estas de um modo hostil, aquelas formam uma classe. Na medida em que subsiste nos camponeses detentores de parcelas uma conexão apenas local e a identidade de seus interesses não gera entre eles nenhuma comunidade, nenhuma união nacional e nenhuma organização política, não formam uma classe. São, portanto, incapazes de fazer valer seu interesse de classe em seu próprio nome, quer por Vol. 11, Edição 18, Ano 2016. meio de um parlamento quer por meio de uma convenção. Não podem representase, antes têm que ser representados (MARX, 2008, p. 325). Marx faz referência primeiramente na posição individualista e egoísta dos camponeses modernos, que recebendo parcelas de terra do estado passam a trabalhar nela e mesmo sendo explorados por meio de taxas alfandegarias e impostos sobre terra, acreditam em seu beneficio próprio por meio da terra a que são proprietários. Segundo ponto de crítica marxiana é o fato de que mesmo compondo uma classe, os camponeses não se reconhecem como tal e não possuem posição política organizada, assim como são facilmente corrompidos pelos souvenirs governamentais. Dessa forma ocorreu quando Luiz Napoleão recebeu o apoio dos camponeses em troca de pequenas parcelas de terra. Em A guerra civil na França, Marx afirma que por não se reconhecer com classe revolucionária, a única esperança para a emancipação camponesa é a emancipação do operário: “Nossa vitória e a vossa única esperança”. Na mesma obra o autor afirma: “O camponês era bonapartista porque a grande revolução8, com todos os benefícios que lhe trouxe, estava personificada, aos seus olhos, em Napoleão” (MARX, 2008, p. 411). O camponês estaria ao lado de quem lhe garantisse maiores compensações individuais, até aquele momento esteve errado: errou quando apoiou os jacobinos, errou quando apoiou Napoleão o tio de seu sobrinho9, errou na restauração, errou na república burguesa de Luiz Felipe, errou no apoio a Napoleão III o sobrinho de seu tio, como presidente e como imperador e errou ao apoiar a república burguesa de Versalhes 8 Marx se refere à revolução burguesa de 1948 que levou, por meio de sufrágio universal, Luiz Napoleão á presidência da república francesa. 9 Alusão feita por Marx ao fato de tio e sobrinho governarem com o mesmo nome. Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 11, n. 18, p. 76-89, jan/dez2016. 81 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 contra a comuna de paris. Outra questão separava camponeses de operários; a questão religiosa. Sobre tal questão Marx afirma: Era na verdade irritante para os rurais que, no próprio momento em que declaravam ser o regresso à igreja o único meio de salvação da França, a comuna infiel desenterrasse os mistérios peculiares do convento de freiras de Picpus e da Igreja de Saint-Laurent10 (MARX, 2008, p. 414). Os operários não possuíam crenças, a não ser em sua própria luta; eram infiéis á tradição religiosa cristã, não seguiam deuses. Já os camponeses eram extremamente religiosos e formavam um dos pilares do poder religioso dentro do estado. Por conta desses fatos, Marx apresenta o camponês como classe dependente do operário. Sua concepção de protagonismo está edificada no fato de ser o operário aquele que junto do burguês participam diretamente do desenvolvimento do sistema capitalista e por ser aquele que mais recebe o impacto social, de forma negativa, desse desenvolvimento. Sua constatação se baseia em especial, nos exemplos das revoltas operárias da Alemanha no ano de 1844, do movimento ludista inglês e na comuna de Paris. Para Marx somente uma classe é capaz de paralisar a produção capitalista e revolucionar o modo de produção; apenas o operário tem tal poder. São os operários das 10 Nota da edição brasileira de Guerra Civil na França, publicada em MARX, Karl. A revolução antes da Revolução. São Paulo: Expressão Popular, 2008. 440 p. (Assim lutam os povos; v. 2): No convento de Picpus foram descobertos casos de reclusão de freiras em celas durante muitos anos; foram encontrados também instrumentos de tortura. Na Igreja de Saint-Lourent foi descoberto um cemitério clandestino, prova de que eram cometidos assassínios. O governo revolucionário da Comuna de Paris divulgou esses fatos no jornal Palavras de Ordem em 5 de maio de 1871, e também na brochura Os crimes nas congregações religiosas. Vol. 11, Edição 18, Ano 2016. fábricas que estão em contato direto com as máquinas que produzem mercadorias para a acumulação de capital pela burguesia. Por estarem diretamente envolvidos no processo de produção, os operários possuem a alternativa de promover a paralisação desse processo; assim fizeram os operários alemães em 184411, quando estes se rebelaram contra a opressão e as péssimas condições de trabalho impostas pelos donos das fábricas da província da Silésia (região ao norte da Prússia). Os operários (tecelões) destruíram máquinas e incendiaram fábricas após não enxergarem nenhuma solução para seu problema já que a monarquia prussiana, reacionária, tecia o manto mortuário das velhas instituições aristocráticas e promovia a ascensão da burguesia, e á aquela prestava suas condolências. Com efeito, a monarquia prussiana defendeu os interesses burgueses esmagando o movimento operário. Na mesma obra em que Marx exalta a revolta dos operários alemães, (Glosas Críticas ao artigo “‘O Rei da Prússia e a reforma social’. De um prussiano”), Marx faz referência ao movimento ludista inglês que aconteceu quase que simultaneamente ao movimento alemão. Apesar de mais organizado politicamente que a revolta silesiana, o movimento ludista tinha por objetivo as mesmas reinvindicações: melhores condições de trabalho e de vida para os operários. Tinham como lema a ideia de que a questão do trabalho transcende a mera condição de trabalhar. Suas alternativas revolucionárias foram às mesmas: a destruição de máquinas e o incendiário das fábricas, e a repressão fora de igual maneira Actio auctoritatis. O terceiro movimento que tomou a atenção de Marx foi a Comuna de Paris. 11 Ver sobre o assunto no artigo de Marx intitulado de Glosas Críticas ao artigo “‘O Rei da Prússia e a reforma social’. De um prussiano”. Disponível em: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Lutas de Classe na Alemanha: [Apresentação de Michael Löwy; tradução Nélio Schineider]. São Paulo: Boitempo, 2010. Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 11, n. 18, p. 76-89, jan/dez2016. 82 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Para o autor esse foi sem dúvidas o maior acontecimento revolucionário da modernidade, até então. Pela primeira vez o proletariado havia se organizado de forma política consciente; sabiam a finalidade de seu ato e planejaram suas consequências. Foi uma revolução contra a ordem burguesa e não apenas uma revolta por melhorias relativas. Houve um governo revolucionário instituído e toda a classe operária havia se unido perante a causa revolucionária. A comuna apresentou ao mundo o poder revolucionário do operário. Os três episódios tiveram o mesmo fim (apesar de a Comuna de Paris ter se estabelecido por um pequeno período de tempo12 como poder de estado), foram esmagados pelas forças reacionárias do estado burguês. O movimento alemão por não ter conseguido se difundir, não teve a adesão da grande massa de trabalhadores e manteve-se como um pequeno foco revolucionário sem organização política. Com o movimento inglês, o desfecho ocorrera de igual maneira, apesar ter atingido um número maior de integrantes, comparados à revolta alemã, não possuía identidade politica definida. Já o movimento francês, organizado politicamente e inicialmente vitorioso, teve em sua ingenuidade (Marx e Engels classificaram como ingenuidade, e tremendo erro, o não ataque a Versalhes13 e a expansão da revolução para toda a França) e pela diferença entre a ideologia de seus integrantes (socialistas blanquianos e anarquistas proudhonianos não se entendiam), como os principais motivos de seu fracasso, aliado á não adesão dos camponeses que temiam apenas imaginar o sabor da carne egípcia14. 12 De março de 1871 a maio de 1871. Após o triunfo da revolução proletária de 1870, o governo reacionário francês presidido por Louis A. Thiers mudou-se para Versalhes onde organizou à contra revolução, apoiado pelos prussianos. 14 Alusão à passagem bíblica em que os Hebreus fugitivos do cativeiro no Egito arrependeram-se e sonhavam com o período em que foram prisioneiros Vol. 11, Edição 18, Ano 2016. O Papel do operário como protagonista revolucionário No manifesto do partido comunista, Marx explica o porquê de, a partir de suas observações, e em sua visão particular, o operário deveria assumir a liderança do proletariado e ser o protagonista da luta revolucionária em direção ao comunismo. Assim o autor D’Capital explica: Com o desenvolvimento da burguesia, isto é, do capital, desenvolve-se também o proletariado, a classe dos trabalhadores modernos, que só vivem se encontram trabalho, e só encontram trabalho se este incrementa o capital. Esses trabalhadores, que são forçados a se vender diariamente, constituem uma mercadoria como outra qualquer, por isso exposta a todas as vicissitudes da concorrência, a todas as turbulências do mercado (MARX; Engels, 2008, p. 19). A burguesia politizou o proletariado urbano e embruteceu o proletariado camponês. Isso se explica pelo fato de a burguesia atuar diretamente nas cidades urbanas. É lá que os burgueses montam seus impérios industriais e é lá que se sente com mais intensidade sua fúria gananciosa: “A burguesia suprime cada vez mais a dispersão dos meios de produção, da propriedade e da população. Ela aglomerou as populações, centralizou os meios de produção e concentrou a propriedade em poucas mãos”. (MARX; ENGELS, 2008, p. 16). Além de politizar o proletariado, a burguesia o jogou na miséria; o operário moderno passa a ser aquele que nada tem, e ao contrário do que aconteceu com a burguesia que com o progresso da indústria ascendia ao posto de classe dominante, o 13 no Egito, onde pelo menos comiam. Assim pensavam os camponeses que pelo menos tinham terras para trabalhar. O governo reacionário de Thiers difundia a ideia de que os camponeses perderiam suas terras caso a comuna não fosse derrotada. Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 11, n. 18, p. 76-89, jan/dez2016. 83 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 proletariado afundava-se cada vez mais em sua condição de classe social dominada. O proletariado é muito extenso, e segundo Marx, em sua maioria passivo, por conta disso são trabalhadores que estão sobre o controle da supervisão burguesa. Além disso, algumas classes autônomas perdem sua autonomia e são jogadas para a condição de proletariado: agricultores, artesãos e pequenos comerciantes são exemplos de classes passivas empurradas para o proletariado. Já o operário é politizado e consequentemente revolucionário. São politizados por estarem organizados nas fábricas e são revolucionários por desejarem a mudança social do modo de produção em que estão inseridos. Citamos mais uma vez uma passagem do Manifesto Comunista como apêndice para nossa explicação: Os trabalhadores começam a formar associações contra a burguesia; lutam juntos para assegurar seu salário. Fundam organizações permanentes, de modo a se prepararem para a ocorrência de ondas esporádicas de sublevações. Em alguns lugares a luta explode em revoltas (MARX; ENGELS, 2008, p. 23). Na visão de Marx, por conta dos avanços tecnológicos e de produção – assim como a intensa politização do operário, o proletariado tomaria, inevitavelmente, o poder do estado que pertence aos burgueses. Tal tomada se daria de forma violenta já que diferente do camponês conservador que só deseja manter suas frações, o operário nada tem para salvaguardar, sua luta e por emancipação e o resultado dessa luta envolve todas as classes que formam o proletariado sob a direção do operário, assim o próprio Marx afirma: “O proletariado funda seu domínio por meio da derrubada violenta da burguesia” (MARX; ENGELS, 2008, p. 28). Vol. 11, Edição 18, Ano 2016. A vanguarda rebelde, o camponês e a guerrilha para a revolução socialista em Che Guevara A análise guevarista acerca do papel das classes sociais junto ao processo revolucionário tem como exemplos históricos (assim como Marx teve seus exemplos históricos) a Revolução cubana, a Revolução chinesa e a resistência vietnamita durante a guerra do Vietnã. Ao se referir ao caso particular da Revolução cubana, Ernesto “Che” Guevara apresenta como protagonistas no processo revolucionário dois indivíduos: o revolucionário rebelde (oriundos de núcleos urbanos, sem necessariamente ser operário) e o camponês (morador da zona rural). Essa analise não elimina a importância do proletário urbano, o “operário moderno”, mas exalta a condição predominante de uma guerra de guerrilhas como alternativa militar na promoção da revolução, guerra essa que o operário não participava, mas que o camponês estava inserido in extenso. Para Guevara a luta urbana comprometia, sobremaneira, a possibilidade de vitória revolucionária, e justifica essa opinião assentado em dois princípios: 1) o operário moderno tinha se politizado demais, com efeito, passara a atuar de forma político - partidário apoiado em partidos comunistas reacionários e sindicatos interesseiros. 2) a guerra urbana não permitia que a força menor (os revolucionários pouco armados) resistisse a um ataque fulminante do poder maior (o exército do estado bem armado e com um aparato militar moderno), além de nas cidades não haver á possibilidades de formar esconderijos. Quanto à primeira premissa, Che Guevara explica que não aderindo à guerrilha, com efeito, a ilegalidade, e lutando por manterem-se na legalidade, os partidos comunistas, totalmente em Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 11, n. 18, p. 76-89, jan/dez2016. 84 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 comunhão com os operários15, cometem o grave erro de tentar por sufrágio universal a conquista do poder. Há isso Guevara explica: Em vez desta estratégia e desta tática continental (a guerrilha)16, lançam-se fórmulas limitadas: luta eleitoral sem grande peso, algum avanço eleitoral aqui, acolá, dois deputados, um senador, quatro prefeitos; uma grande manifestação popular dispersa a tiros; uma eleição que se perde com menos votos que a anterior; uma greve que se ganha, dez que se perdem; um passo a frente; dez atrás; uma vitória localizada aqui, dez derrotas lá. E de repente mudam as regras do jogo e tudo recomeça. (GUEVARA, 2004, p.79). Para Che Guevara o que os partidos comunistas, os operários e seus sindicatos faziam era entrar no jogo político burguês, essa é a mesma constatação que Marx chegou a respeito dos camponeses do século XIX. Tais indivíduos lutavam por interesses próprios sem levar em consideração a verdadeira luta; a luta pela destruição da máquina do estado e não apenas da máquina da fábrica. Guevara afirma agora ser esta a posição do operário: a luta por beneficio próprio. O operário estava disposto a negociar com a burguesia para participar do jogo político do estado burguês e era consciente disso; dentro dessa classe haviam infiltrados entre seus dirigentes, oportunistas camuflados de revolucionários. Outro problema seria a manutenção da legalidade pelos partidos comunistas. Na legalidade seus passos estavam sendo vistos e suas ações eram reguladas, sobremaneira, pelo estado burguês. Inevitavelmente deveriam jogar o jogo segundo as regras do Vol. 11, Edição 18, Ano 2016. poder burguês, já que o estado defende os interesses da classe social dominante. Com efeito, a ilegalidade seria a melhor condição para a organização da luta revolucionária. Seria na ilegalidade que a conspiração revolucionária encontrava eco e permitia uma luta desde os primeiros encontros clandestinos. Enquanto os guerrilheiros lutavam para se manter na ilegalidade, o operário lutava pela legalidade. O segundo ponto seria a tática escolhida pelo operário: a greve geral e a pressão politica sobre a burguesia por meios de eleições apoiadas no sufrágio universal. Para Che Guevara a burguesia não sentia esses golpes, por maior que fosse a adesão das massas no processo eleitoreiro, sem a luta armada não havia saída. Guevara retoma então o pensamento dos dois maiores nomes do materialismo histórico; Marx e Engels afirmavam que a tomada do poder deveria se dar de forma violenta17 e não por sufrágio universal. Sobre a posição adotada pelo operário na luta contra o governo burguês (o processo eleitoreiro), Guevara afirma: Isso não significa que desprezamos as lutas operárias organizadas. Simplesmente analisamos com critérios realistas seus limites em relação à luta armada, na qual as garantias constitucionais são suprimidas ou ignoradas (GUEVARA, 2004, p. 83). A importância dada ao processo eleitoral, dentro da esfera socialista, ganhou força quando da 2° internacional e da influência do pensamento socialdemocrata de Karl Kautsky18, que propunha, indiretamente, uma posição moderada por parte dos partidos revolucionários como alternativa para a superação das contradições de classe e a substituição do modo de produção capitalista por um modo 15 Guevara alerta que os partidos comunistas, a quem tanto levantou polêmicas, surgiam dentro das fábricas, fundados por operários que logo após as atividades politicas deixavam de lado seu propósito para aderir à politicagem. 16 Grifo nosso. 17 Tal afirmativa se encontra no Manifesto do Partido Comunista. 18 Karl Kautsky (1854-1938), um dos fundadores da socialdemocracia alemã. Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 11, n. 18, p. 76-89, jan/dez2016. 85 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 de produção socialista. Assim Löwy (2010), nos afirma que o próprio Kaustsky deixara isso claro: O partido socialista é um partido revolucionário; não um partido que faz revolução. Sabemos que os nossos objetivos não podem ser realizados senão por meio de uma revolução, mas sabemos, igualmente, que não está em nossas mãos fazê-la, assim como não está nas mãos de nossos adversários impedila. Consequentemente, jamais sonhamos provocar ou preparar uma revolução. (LÖWY, apud KAUTSKY, 2010, p. 31). Tal afirmação se opõe diretamente ao que pensava Guevara: “Não há mais reformas a fazer, ou revolução socialista ou caricatura de revolução”. (GUEVARA, 2009, p.77). Para ele o operário havia caído na frágil ilusão de ser guiado pelas leis econômicas inflexíveis que determinam as transformações do mundo de forma inevitável. Mas se caíram nessa ilusão, quem promoveria a revolução? Já que o partido socialista não faz revolução! A revolução necessita, para seu triunfo, da adesão das massas, e se o operário e seus representantes (os partidos comunistas e os sindicatos), não faziam revolução, a revolução fez seus combatentes: o rebelde e o camponês. Após a luta armada e a consolidação da revolução, o camponês cubano estava totalmente ligado ao processo revolucionário, o operário não. Assim Che Guevara afirma com autoridade em seu discurso feito em 18 de junho de 1960, intitulado A classe operária e a industrialização de Cuba: A minha conferência destina-se aos operários, e não aos camponeses. E isso por duas razões. Primeiro, os camponeses cumpriram integralmente sua primeira tarefa histórica; combateram com energia para conquistar o direito à terra e já estão recolhendo os frutos da vitória. Nosso campesinato está inteiramente na esteira da revolução. A classe operária, pelo Vol. 11, Edição 18, Ano 2016. contrário, não colheu ainda os frutos da industrialização. [...] Não se pode dissimular o fato de que o movimento revolucionário teve sua base primeiro entre os camponeses e só em seguida na classe operária. (GUEVARA, 2009, p. 114). Os camponeses lutaram pela terra e a reforma agrária foi à vitória definitiva para os camponeses. Os operários não se envolveram de igual maneira no processo revolucionário, não participaram de forma ativa do processo de industrialização do país; perdem tempo demais fazendo politica. Lutam para conquistar direitos individuais, mas fogem do direito principal do individuo; viver em uma sociedade justa. O sufrágio universal era a arma do operário. A luta no campo político não garantia a manutenção das conquistas obtidas por meio do sufrágio universal, tais conquistas seriam insuficientes e frágeis demais para serem mantidas. A guerrilha era a melhor tática a ser adotada no processo revolucionário, e foi justamente na guerrilha que o camponês, lutando ao lado da vanguarda rebelde, se reconheceu como revolucionário. Guevara legítima essa afirmativa por dois motivos: 1) a maior probabilidade de os revolucionários se camuflarem, no campo, e dessa forma lutar sem maiores prejuízos. 2) o caráter agrário característico da América-Latina empurrava a guerra para o campo. Na guerra de guerrilhas os rebeldes não necessitariam de uma igualdade numérica entre as partes; um grupo menor, consciente da causa a que luta e conhecedor do terreno da luta, enfrentaria um grupo maior sem grandes problemas. As batalhas seriam rápidas (Guevara chama essa tática de morde e foge), dando chance a que grupos pequenos possam se espalhar e combater o inimigo maior. O terreno campestre acidentado e rico em vegetação proporcionava oportunidade de utilização de táticas que se apropriassem desse terreno; uma probabilidade maior de se esconder. Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 11, n. 18, p. 76-89, jan/dez2016. 86 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Vol. 11, Edição 18, Ano 2016. Che Guevara apresentará como segunda afirmação para a utilização da guerrilha, o caráter agrário da AméricaLatina. O Che não abria mão do marxismo como introdução teórica para o processo revolucionário, mas encarrado em sua forma clássica, em sua forma dialética. Com efeito, dever-se-ia compreender as condições históricas da região. A luta dos povos Latino-americanos era a luta por terra e a Reforma agrária, era essa a principal reivindicação revolucionária. Com efeito, a guerrilha rural era uma condição sine qua non, para a vitória da revolução. Por tal motivo, o guerrilheiro era acima de tudo um revolucionário agrário. Foi a partir dessas observações que Che Guevara fez sua analise da participação do camponês como principal aliado da vanguarda rebelde no processo revolucionário cubano. acostumado com as dificuldades da vida no campo. Segundo Guevara o preconceito quanto à condição do camponês19, se dava pela falta de instrução que esse possuía, com efeito, a vanguarda revolucionária passaria a possuir uma dúplice atividade dentro do processo revolucionário: lutar contra o governo burguês e ensinar o camponês, tal vanguarda agiria de igual maneira como exército rebelde e escola comunitária. Assim o próprio Che afirma: O papel do camponês no processo revolucionário A revolução cubana foi uma revolução que adquiriu sua teoria no decorrer da luta armada; se afirmou, como uma revolução marxista20. Para Guevara – o grande teórico da revolução cubana – a educação do guerrilheiro, assentada na teoria descoberta durante o processo revolucionário (o marxismo), seria a chave para a conquista da vitória, uma vez que, aceitando o camponês, o comando rebelde e aderindo a guerrilha, a força do movimento superaria a força do exército de defesa do governo burguês, já que o camponês conhecia, supra modum, o campo de batalha. Educado o camponês se encontraria no processo revolucionário, a partir de sua Ernesto Che Guevara não acreditava ser necessário esperar para que as condições históricas e o desenvolvimento das forças produtivas permitissem o inicio da luta revolucionária, que tais forças produtivas de determinado país atingissem um elevado grau de desenvolvimento. Se assim fosse, em Cuba a revolução não teria acontecido da forma que aconteceu. Acreditava que deveria haver uma vanguarda rebelde, e que essa vanguarda lideraria o processo revolucionário; tal vanguarda não necessitaria ser numerosa mais deveria supra omne ser rebelde e revolucionária. Esse indivíduo agiria como exemplo a ser seguido pelas massas. O grande diferencial, e triunfo revolucionário, seria a adesão das massas. É com essa análise e com esse pensamento que Che Guevara apresentou o papel do camponês junto ao processo revolucionário cubano. Como a tática adotada seria a guerrilha no campo, o camponês era a parcela do povo mais próxima do campo de batalha, além de estar Os homens e mulheres do exército rebelde nunca esqueceram sua função fundamental na Sierra Maestra nem em outros lugares, que era a de ganhar o campesinato para incorporá-lo à luta pela terra e melhorar sua formação através de escolas situadas nos lugares mais inacessíveis dessa região. (GUEVARA, 2004, p. 104). 19 Tal preconceito aparece no próprio Marx que não despreza o camponês, mas desacredita a sua condição de revolucionário, a partir da ideia de que o camponês não possuía organização política. Os seguidores de Marx também promovem tal preconceito e esse pensamento invade a ideologia dos partidos comunistas e sindicatos. 20 Sobre tal assunto ver em Notas para o Estudo da Ideologia da Revolução Cubana. Disponível em: GUEVARA, Che. Política, (Eder Sade org.) 1ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2004. 304p. Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 11, n. 18, p. 76-89, jan/dez2016. 87 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 principal reivindicação, a Reforma Agrária, e mais do que qualquer outra classe defenderia a luta revolucionária, pois estaria lutando por sua existência já que diferente do operário de fábrica o camponês sobrevive da terra; e é a terra o grande motivo da luta camponesa. A adesão dos camponeses na luta armada permitiu um grande trunfo para a guerrilha: um governo rebelde em miniatura havia surgido no campo; seus cidadãos eram os camponeses e seus dirigentes a vanguarda rebelde. Esse governo campesino em miniatura era o modelo ideal de governo socialista para os povos da América-Latina, se levadas em consideração às características agrárias que predominavam na história dos povos latinoamericanos. Guevara apresenta um marxismo verdadeiramente dialético, já que seu pensamento repousa na adaptação das condições dos povos latinos da América, respeitando o poder dialético do marxismo clássico. A luta urbana trazia consigo grandes prejuízos; assim aconteceu com a comuna de paris que teve de enfrentar combates violentos e a custa de muito sangue venceu provisoriamente o adversário21, para logo em seguida tombar de forma ainda mais violenta. Na guerrilha as lutas não necessitariam de tanta violência para atingir o mesmo objetivo, se os camponeses aderissem ao governo do campo haveria maior tranquilidade na luta, já que o governo burguês se encontra na capital e só comparece ao campo, lato sensu, por excursão militar. Se na análise de Marx a adesão dos camponeses foi negativa, a experiência de Guevara é a antítese da primeira. Assim o próprio Che apresenta a adesão camponesa no processo revolucionário: O camponês viu naqueles homens fracos, cuja barba, agora histórica, começava a crescer, um companheiro de infortúnio, um novo perseguido pelas forças 21 Trata-se aqui do governo burguês de Thiers. Vol. 11, Edição 18, Ano 2016. repressivas, e ele nos deu sua ajuda espontânea e desinteressada, sem esperar nada dos vencidos. (GUEVARA, 2004, p. 94). Guevara alertara que os camponeses são, em sua quase totalidade, inexperiente quanto às questões politicas e na maioria dos casos não possuem teoria revolucionária, mas isso não os impede de possuir uma posição revolucionária de protagonismo. Até serem educados haverá desavenças entre a vanguarda e o camponês, a conciliação se dará com o tempo e com o exemplo cada vez mais moral por parte da vanguarda. A adesão em massa dos camponeses fez com que a guerrilha cubana passasse rapidamente a se configurar como guerrilha rural: O nosso exército civil foi se convertendo em exército camponês. Paralelamente a incorporação dos camponeses à luta armada por suas reivindicações de liberdade e justiça social, surgiu a grande palavra mágica que mobilizou as massas oprimidas de Cuba, na luta pela posse de terra: Reforma Agrária. (GUEVARA, 2004, p. 102). A diferença entre o operário e o camponês residia no objetivo concreto da revolução e nos meios para se chegar a tal objetivo: para o camponês o objetivo era terra, para o operário o controle do Estado político. O operário se utilizava da greve, o camponês do fuzil. O camponês combatia até a morte, o operário se entregava com medo da tortura e da prisão. A tática operária (disputa eleitoral e greve geral) encontrava sua força junto ao proletariado urbano, mas não atingia o camponês, era uma tática que vinha de cima e não atingia a base desse proletariado; os dirigentes escolhiam o dia e a hora e o operário apenas cumpria as ordens, não havia educação revolucionária de massas, a unidade dos combatentes era rarefeita e não existia o espirito revolucionário junto aos participantes das táticas urbanas. Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 11, n. 18, p. 76-89, jan/dez2016. 88 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Já a tática guerrilheira atingia a fundo o espirito camponês, assim como todo o proletariado. Longe da burocracia e do sectarismo político existente nos processos eleitorais fantasiosos, a luta direta envolvia aspectos que só poderiam existir em um revolucionário; no caso cubano o camponês se mostrou mais revolucionário do que o operário. Assim Guevara comenta sobre a união entre rebeldes e camponeses: A interligação entre os dirigentes e as massas camponesas havia sido tão grande, que muitas vezes as próprias massas incitavam a Revolução a dar passos que não se imaginavam num determinado momento. Não foi invenção nossa, mas a pressão dos camponeses. (GUEVARA, 2004, p. 107). O camponês queria a Reforma agrária, não havia nada que ele mais desejasse que a terra e viu que por sufrágio universal nunca iria atingir tal objetivo. Já com a luta armada a probabilidade era maior, assim como o risco a ser enfrentado; o camponês aceitou o risco e sua participação foi primordial para a vitória dos rebeldes revolucionários. A violência utilizada pelo exército burguês era muito grande e dentro da guerrilha ele poderia se sentir seguro, estava em jogo sua colheita, sua casa, sua família, e o camponês não pensou duas vezes; tornou-se revolucionário. Se outrora o camponês foi tido como um leigo, na Revolução cubana ele se politizou, não como o operário organizado em sindicatos, mas politizado para a luta armada. Não participou de atos eleitoreiros, participou da lei da Reforma agrária. Não tomou o poder por sufrágio universal, o tomou, junto ao rebelde, de assalto por meio de luta armada. O camponês se transformou em herói de guerra e teve sua recompensa na 3° lei do governo revolucionário22; a lei da Reforma agrária, 22 A lei da reforma agrária foi instituída antes mesmo da vitória armada, no dia 03/11/1958. Pela lei da Reforma agrária as terras deveriam ser Vol. 11, Edição 18, Ano 2016. ele tomou posse da terra agora como sua. Conclusão Marx afirmou que a burguesia, através de seu desenvolvimento, criou as condições necessárias para sua eliminação. Com o desenvolvimento da burguesia desenvolve-se também o proletariado e é justamente com o desenvolvimento do proletariado, a partir das transformações impostas pelo modo de produção capitalista, que a burguesia encontra um adversário de interesses antagônicos que duela com ela por longos períodos de tempo. É essa luta que garante as condições necessárias para a destruição do modo de produção burguês. Assim Marx afirma que a burguesia, como que por encanto, promoveu um fantástico desenvolvimento dos meios de produção e de circulação de mercadorias, alterou as relações de produção e por consequência, alterou as relações sociais, criou uma obra mais perdeu o seu controle sobre essa obra; esse encanto parece ter saído do controle do feiticeiro e agora ele se encontra em apuros. Com o desenvolvimento da indústria, a burguesia submeteu o campo à cidade, além de embrutecer o camponês. Com efeito, o proletariado deveria ter na figura do operário, sua vanguarda, já que esse estava diretamente envolvido com o desenvolvimento da indústria burguesa e era seu principal adversário. O operário é aquele capaz de parar a produção, destruir as máquinas e incendiar as fábricas. Não restam dúvidas que seria esse individuo quem promoveria a revolução socialista. Segundo Marx é na organização dos trabalhadores que o proletariado ganha sua teoria politica: Os trabalhadores começam a formar associações contra a burguesia; lutam juntos para assegurar seu salário. Fundam confiscadas e entregues ao estado sem indenização, o estado entregaria tais terras nas mãos da população. Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 11, n. 18, p. 76-89, jan/dez2016. 89 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 organizações permanentes, de modo a se prepararem para a ocorrência de ondas esporádicas de sublevações. Em alguns lugares a luta explode em revoltas. (MARX; ENGELS, 2008, p. 22). A organização politica do operário lhe proporcionou a condição de classe revolucionária; a burguesia revolucionou o modo de produção feudal, destruiu de forma constante e intensa as relações de produção a ela anterior, os meios de produção foram modificados, tudo isso a partir de sua organização como classe politica. Agora era a vez do proletariado (sempre tendo a frente o operário moderno) como antítese da burguesia, revolucionar o modo de produção burguês. Durante a passagem dos séculos XIX e XX o operário se politizou em escala cada vez maior; essa politização fez com que os sindicatos ganhassem força e passassem a representar o proletariado, tais sindicatos passaram de igual maneira, a dominar os partidos comunistas; em especial os partidos comunistas da América-Latina. É justamente nessa influência sindicalpartidária, que Che Guevara desacreditará da ideia de ser o operário o ser agente da revolução socialista, e trabalhará com a união entre: rebeldes e camponês. Guevara afirma que na Revolução cubana o camponês entendeu o rebelde e o rebelde entendeu o camponês, demonstrando assim a principal característica do marxismo: seu poder dialético. Se a tática de guerra escolhida fora à guerrilha, ninguém melhor que o camponês para combater ao lado do rebelde, o camponês era por origem um guerrilheiro. Quando Che Guevara fala, em sua mensagem aos povos do mundo por meio da tricontinental23, que “não há mais reformas a fazer”, apresenta sua ideia de Vol. 11, Edição 18, Ano 2016. recusa a qualquer tentativa de tomada de poder por meio institucional. E quando afirma que “ou revolução socialista ou caricatura de revolução’’, reafirma seu compromisso de lutar de forma direta contra a opressão promovida no seio da sociedade capitalista; luta essa que consumira sua vida da mesma forma que o Che consumira, de forma intensa, as ideias de Marx. Se Marx e Engels conclamaram a ideia de união proletária encarnada na última frase do Manifesto Comunista, “proletários de todos os países, uni-vos”; Che Guevara proclamou seu desfecho quando de sua célebre frase “até a vitória sempre”. Referências GUEVARA, Che. Política, (Eder Sade org.) 1ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2004. 304p. GUEVARA, Che. Textos econômicos. 1°ed. Edições Populares. - São Paulo: 1982. GUEVARA, Che. Textos políticos, [tradução: Olinto Beckemam].- 4°Ed. – São Paulo: Global, 2009. GUEVARA, Che. Textos revolucionários, [tradução: Olinto Beckemam]. 4°ed. São Paulo: Global, 2009. LÖWY, Michael. O pensamento de Che Guevara. 2° ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012. 144p. MARX, Karl. A revolução antes da Revolução. São Paulo: Expressão Popular, 2008. 440 p. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Lutas de Classe na Alemanha: São Paulo: Boitempo, 2010. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Expressão Popular, 2008. 23 A Conferência de Solidariedade aos Povos da África, Ásia e América Latina (OSPAAAL), mais conhecida como Conferência Tricontinental. Publicada em revista de mesmo nome. Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 11, n. 18, p. 76-89, jan/dez2016.