perspectivas do pensamento crítico no serviço social na américa latina

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PERSPECTIVAS DO PENSAMENTO CRÍTICO NO SERVIÇO SOCIAL NA
AMÉRICA LATINA
Monica Marina Cappello1
Cristiana Costa Lima2
Franci Gomes Cardoso3
Juan Pablo Sierra Tapiro4
RESUMO
Debate sobre as perspectivas do pensamento crítico no Serviço Social na América
Latina frente às transformações trazidas pelo capital ao desenvolvimento na região.
Parte-se do pressuposto de que nesse contexto, o modelo de desenvolvimento do
capital na contemporaneidade tem impactado fortemente todas as esferas da vida social:
econômica, social, cultural, ambiental, política e ideológica. No contexto da avalanche
conservadora e do pensamento pós-moderno que coloca em questão as bases da análise
marxiana da realidade e sua reflexão sobre o modo de reprodução do sistema, essas
transformações contemporâneas, nova sociabilidade e forte embate às opções concretas ao
sistema, mesmo em sua crise mundial mais aguda, determinam um crescente isolamento
ideológico aos sujeitos e movimentos em resistência a esse estágio atual do capital.
O que traz, também, um forte impacto sobre o Serviço Social, posto que sua prática
profissional assenta-se no trato das expressões da questão social oriundas desse
movimento geral. Modelo de desenvolvimento desigual, combinado e dependente que
conduz uma configuração social que requer um assistente social “adequado” a essa
realidade.
Nesse plano, busca-se refletir sobre como o pensamento crítico a essa realidade
tem se mantido no Serviço Social na América Latina. Pretende-se problematizar como no
Brasil, Argentina e Colômbia, o Serviço Social tem se constituindo como uma perspectiva
crítica frente ao atual modelo desenvolvimento na região latino americana. Objetiva-se
indicar quais as opções existentes ao pensamento crítico no Serviço Social latino-americano
que mantenha um espaço de resistência ao atual momento do Neoliberalismo na região em
cada um desses países.
1
Universidad Nacional de la Plata. E-mail: [email protected]
2
Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]
3
Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]
4
Doutorando. Universidade Federal do Rio de janeiro UFRJ.
APORTES DA TEORIA SOCIAL DE MARX E DA TRADIÇÃO MARXISTA PARA PENSAR
O SERVIÇO SOCIAL EM SUA CONFIGURAÇÃO TOTALIZANTE NO BRASIL
CONTEMPORÂNEO
Franci Gomes Cardoso5
RESUMO: O objeto de reflexão deste texto refere-se aos
aportes da teoria social de Marx e da tradição marxista, para
pensar o Serviço Social em sua configuração totalizante no
Brasil contemporâneo. Recupera categorias fundamentais da
teoria social de Marx (história, totalidade, contradição e práxis),
além de fazer uma abordagem sobre o ser social, pela
importante relação que esse teórico revolucionário estabelece
entre esse ser e o método utilizado pelo sujeito que se dispõe a
captá-lo no pensamento. Para refletir sobre o Serviço Social
em sua configuração totalizante, privilegia as categorias
história e totalidade, sem dispensar as suas conexões com as
demais.
Palavras-chaves: Ser Social. História. Totalidade.
Contradição. práxis.
ABSTRACT: The object of reflection of this text refers to
contributions of social theory of Marx and the marxist tradition,
to think about Social Work in its totalizing setting in
contemporary Brazil. Recovers fundamental categories of social
theory of Marx (history, totally, contradiction and praxis), in
addition to a discussion of the social being, the important
relationship that the revolutionary theory be established
between this and the method used by the person who is willing
to grasp it does in thought. To reflect on the Social Work in its
totalizing setting, favors categories story and totally, without
missing their connections with others.
Keywords: Being Social. History. Totality. Contradiction.
Praxis.
5
Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]
1 INTRODUÇÃO
Em minha trajetória acadêmica como docente e pesquisadora na área de
Serviço Social, o referencial teórico marxiano e o da tradição marxista tiveram lugar
privilegiado.
A partir do final da década de 1970 e início da década de 1980, até a atualidade,
esses referenciais têm se constituído o sustentáculo da direção teórico-metodológica e
política estabelecida no ensino e na pesquisa, no processo de formação profissional dos
Assistentes Sociais, na minha experiência, onde a interlocução crítica com outras
perspectivas esteve sempre presente.
Desse modo, as reflexões aqui expostas constituem-se fruto do meu trabalho no
processo de formação profissional de Assistentes Sociais e que pretendo socializar, na
perspectiva de suscitar debates e polêmicas, e, sobretudo, trocar experiências que
contribuam para o avanço e a consolidação de uma formação profissional crítica que
possibilite ao profissional de Serviço Social desvendar a realidade e, através de múltiplas
mediações ou processos sociais concretos, construir respostas às demandas das classes
subalternas, como pré-requisito de sua legitimidade profissional.
O referencial de Marx e o da tradição marxista podem garantir a construção de
condições indispensáveis para a apreensão crítica das determinações constitutivas da
realidade social, numa perspectiva de totalidade, para uma intervenção profissional
qualificada, bem como para a ampliação do patrimônio cultural e acervo bibliográfico da
profissão sobre os objetos históricos de intervenção e do próprio Serviço Social em suas
múltiplas dimensões.
Neste trabalho, analiso o Serviço Social como totalidade histórica e expressão
da práxis, com base em fundamentos teórico-metodológicos da dialética materialista de
Marx. Para isso, faço uma abordagem inicial sobre o ser social em Marx, considerando que,
do ponto de vista metodológico, “o autor distingue dois complexos: o ser social que existe
independentemente do fato de que seja ou não conhecido corretamente; e o método para
captá-lo no pensamento, da maneira mais adequada possível” (LUKÁCS, 1979, p. 35). Ou
seja: o objeto tem existência objetiva. Isso reafirma a visão de Marx quanto à anterioridade
do concreto, em relação ao sujeito que se dispõe a captá-lo, cujo objetivo é, na visão de
Marx, apreender a essência (a estrutura e a dinâmica) do objeto. Assim,
[...] alcançando a essência do objeto, isto é: capturando a sua
estrutura e dinâmica, por meio de procedimentos analíticos, e
operando a sua síntese, o pesquisador a reproduz no plano do
pensamento; mediante a pesquisa, viabilizada pelo método, o
pesquisador reproduz, no plano ideal, a essência do objeto que
investigou. (NETTO, 2009, p. 674).
Nessa concepção, o método expressa o movimento da elaboração teórica, não
podendo, portanto, desvincular-se do objeto historicamente determinado; e “a teoria é o
movimento real do objeto transposto para o cérebro do pesquisador – é o real reproduzido e
interpretado no plano ideal (do pensamento)” (NETTO, 2009, p.674).
Como afirmado acima, o objeto da pesquisa tem uma existência objetiva que
independe do sujeito pesquisador. Entretanto,
[...] o objeto de Marx é a sociedade burguesa – um sistema de
relações construído pelos homens, ‘o produto da ação recíproca dos
homens’. (Marx, 2009, p. 244) Isso significa que a relação sujeito
objeto, no processo de produção de conhecimento teórico, não é uma
relação de externalidade; tal como se dá, por exemplo, na citologia ou
na física; antes, é uma relação em que o sujeito está implicado no
objeto (NETTO, 2009, p. 674).
É nessa perspectiva de implicação com o objeto, que exclui qualquer pretensão
de neutralidade, que me disponho a uma breve reflexão sobre Serviço Social em sua
configuração totalizante no Brasil contemporâneo.
2 O SER SOCIAL EM MARX
Num estudo cuidadoso do pensamento marxiano, é impossível não perceber que
suas formulações teóricas referem-se a um determinado tipo de ser, isto é, “são afirmações
ontológicas”, como diz LUKÁCS (1979, p.11); são enunciados que expressam as formas de
ser do ser social na sociedade burguesa. Trata, portanto, das determinações desse ser,
reconstruídas pela sua investigação ontológica. Nesse sentido, LUKÁCS (1979, p.14)
entende que há, na trajetória de Marx, uma clara orientação no “sentido de concretizar, cada
vez mais, as formações, as conexões etc. do ser social, que – em sentido filosófico –
alcançará seu ponto de inflexão nos estudos econômicos marxianos”. Nos manuscritos
econômicos/filosóficos - como resultado dos estudos, feitos por Marx, dos economistas
ingleses e franceses - aparecem, pela primeira vez, as categorias econômicas como
categorias de produção e reprodução humana, o que permite uma descrição do ser social
em bases materialistas.
Na discussão de trabalho alienado, ainda com uma débil compreensão da
sociedade burguesa, mas já iniciando a sua familiarização com a economia política, Marx
trabalha com a noção de homem como ser prático-social, ser ativo. Critica, nos “manuscritos
econômicos e filosóficos de 1844”, a noção parcial da economia política, que coloca o
trabalho apenas como força produtiva, ou como elemento incluído nos custos de produção.
Para Marx, o trabalho é essencialmente atividade humana. E, para criticar os economistas
burgueses e fundamentar uma nova compreensão da relação homem/trabalho, ele busca,
em Hegel, elementos teóricos, que HEGEL fornece em: “A fenomenologia do Espírito”
(1805-6), no qual coloca o trabalho como corolário do problema do homem. Essa ideia, de
origem hegeliana, conduz Marx à descoberta de que todas as contradições da sociedade
burguesa têm sua origem no trabalho alienado. Esse (considerado, aqui, como trabalho que
produz objetos para outros) produz riqueza para burguês, miséria para o trabalhador.
O trabalhador fica mais pobre à medida que cria mais bens. A
desvalorização do mundo humano aumenta na razão direta do
aumento de valor do mundo das coisas. O trabalho não cria apenas
bens; ele também produz a si mesmo e o trabalhador como uma
mercadoria e, deveras, na mesma proporção em que produz bens
(FERNANDES apud MARX, p.90, 1983).
Marx considera o ato de alienação da atividade humana, o trabalho, sob dois
aspectos: 1) o da relação do trabalhador com o produto do trabalho como objeto alheio que
se coloca ao produtor como um poder que o domina; 2) e o da relação do trabalhador com
sua própria atividade como uma atividade não pertencente a ele, alheia a si próprio. São
apontadas, aqui, a autoalienação do homem e a alienação do produto de sua atividade
como determinações do trabalho alienado.
É na sociedade burguesa, evidentemente, que o trabalho aparece em sua forma
alienada. Entretanto, para os economistas burgueses, não interessa a condição humana do
trabalhador, nem a relação deste com o seu trabalho e nem com o produto de sua atividade.
O trabalhador para eles é capital, cujo valor varia no mercado. Portanto, na lógica da
Economia Política burguesa, o homem é reduzido ao nível de um “ser mental e fisicamente
desumanizado” (MARX, 1844, p.111, in Stalcone, 1983).
Examinando a condição de alienação do homem na sociedade capitalista, Marx
expõe, nos manuscritos filosóficos do homem, alguns comentários gerais a respeito da
dialética de Hegel, a partir dos quais faz uma descrição do ser social. Dessa descrição,
recuperam-se, aqui, alguns elementos fornecidos por LUKÁCS (1979), destacando-se que o
ser social pressupõe o ser natural (orgânico e inorgânico) e a supressão deste suprime o
primeiro. Assim, o ser social não é independente do ser da natureza, pois não há entre o
social e o natural uma relação excludente, como quer grande parte da filosofia burguesa, ao
se referir aos “domínios do espírito”. Do mesmo modo, Marx inclui, em sua ontologia do ser
social, a transposição materialista vulgar das leis da natureza, como ocorreu na época do
“darwinismo social”. “As formas de objetividade do ser social desenvolvem-se à medida que
surge e se explica a práxis social, a partir do ser natural, tornando-se cada vez mais
claramente social”. (LUKÁCS, 1979, p.17). Esse é um processo longo e dialético que se
inicia com o trabalho – uma condição de existência humana. Através do trabalho, o homem
se autorrecria, transforma-se e, ao mesmo tempo, transforma a natureza externa sobre a
qual atua. É nesse processo que as propriedades da natureza, suas relações etc. existentes independentemente das consciências do homem – são postas em movimento e
convertem-se em coisas úteis, em valores de uso. Daí ser o primeiro ato histórico a
produção dos meios que permitem a satisfação de necessidades para manter o homem
vivo, ou seja, a produção da própria vida material como condição fundamental de toda
história. A ação desenvolvida para satisfazer essa primeira condição e a produção dos
meios para essa satisfação conduzem a novas necessidades sociais. É na produção dessas
novas necessidades, a partir do atendimento das primeiras, que o homem se separa da
animalidade, socializa-se e se autorrecria como ser social e começa a criar outros homens,
reproduzir.
Essa conversão da natureza em valores de uso é um processo teológico, pois o
ser social não apenas produz e reproduz, mas tem uma intencionalidade, tem um projeto.
No fim do processo de trabalho, emerge um resultado que já estava
presente desde o início na ideia do trabalhador que, portanto, já
estava presente de forma ideal. Ele não efetua apenas uma mudança
de forma no elemento natural; ao mesmo tempo realiza, no elemento
natural, sua própria finalidade, que ele conhece bastante bem, que
determina como lei o modo pelo qual opera e à qual tem de
subordinar a sua vontade. (MARX apud LUKÁCS, 1979, p.16).
Desse modo, o trabalho é traço fundante do ser social, é próprio desse ser, mas
não o esgota, porque o ser social também é consciência, é autoconsciência. Ele percebe a
si, às suas finalidades e à sua relação com sua objetividade. É manifestação do ato
consciente, o elemento que separa o trabalho animal do trabalho humano, o qual vai além
da simples reprodução biológica. Vai além, mas não a suprime, pois a sociabilidade do ser
exige um substrato orgânico e inorgânico, frise-se. Mas o ser social possui uma legalidade
própria; possui traços, construídos historicamente, que lhe são imanentes e específicos. Daí,
o modo de conhecimento do ser natural não pode ser transportado para o conhecimento do
ser social. E é sobre um modo de conhecimento desse ser, que discuto a seguir.
2.1 As categorias e o processo de reconstrução do ser social em Max
Na primeira parte deste trabalho, foi exposto que os enunciados da teoria social
de Marx expressam formas de ser do ser social na sociedade burguesa e foram apontadas
algumas categorias (trabalho, história e o próprio ser social) reconstruídas por Marx no
interior de sua crítica à Economia Política burguesa. No contexto em que foram apontadas,
tais categorias serviram ao autor de elementos para uma descrição sucinta do ser social, em
Marx. Aqui, pretendo retornar à categoria história e incluir, nesse contexto da discussão,
mais duas categorias fundamentais em sua obra – totalidade e contradição – com o objetivo
de expor uma compreensão sobre o processo de reconstrução dessas categorias e sobre
suas determinações no quadro da crítica à Economia Política burguesa.
Mas o que são categorias no pensamento marxiano? Embora, só em 1857, Marx
desenvolva essa noção, já em sua critica a Proudhon (1847) ele explicita o seu
entendimento, tomando as categorias como abstração das relações reais, das relações
sociais. E, estando estas saturadas de história, as categorias que as expressam também
são históricas e só se explicam inseridas numa totalidade histórica. Não são determinantes
do real, como pretende o idealismo de Hegel e o de Proudhon, em que o movimento do real
segue princípios ideais e a história passa a ser reprodução desses princípios. A crítica do
idealismo de Hegel é feita, em 1843, no manuscrito de Kreuznach, no qual Marx, estudando
a lógica interna do pensamento hegeliano, descobre que este pensador faz uma reflexão
teórica invertida: pensa o real como atributo do conceito; o movimento do pensamento – a
ideia – é o determinante da realidade, sendo esta a realização da ideia. Mas, se a critica de
1843 abre caminho para a construção da teoria social, é na miséria da Filosofia -1847-, na
polêmica com Proudhon, que Marx expõe claramente uma nova inteligibilidade do real
histórico, que leva em conta o estudo da Economia Política, isto é, a compreensão
totalizadora da sociedade burguesa. Marx critica a historicidade de Proudhon, mostrando
sua incapacidade de pensar o presente como história. Proudhon não nega a história, mas
não vê o presente como tal. Para ele, há uma eternização das categorias, que, imutáveis,
não são históricas. Daí, a história só existe na ideia. Sobre a eternização das categorias,
Marx faz referência, ainda, na Miséria da Filosofia, aos economistas burgueses, pela
singularidade de procedimentos, ao considerarem apenas duas espécies de instituições: as
artificiais e as naturais. As primeiras, próprias da feudalidade; e as segundas, próprias da
burguesia. Isso leva a crer que as relações de produção burguesa são eternas porque é
nelas que a riqueza se cria e as forças produtivas desenvolvem-se, independentes da
época; mas, segundo as leis da natureza, são elas mesmas leis naturais, leis eternas que
devem reger a sociedade. Desse modo, a história existiu enquanto houve instituições
feudais, mas, hoje, não há mais. E a sociedade burguesa, por ser natural, é eterna, segundo
os economistas.
Na perspectiva materialista de Marx, a história é construída pela relação entre o
homem ativo e real e seu mundo objetivo; é a práxis como atividade humana que
compreende a produção material, reprodução da sociedade e produção de representação,
de ideias; é a reconstrução de processos ontológicos do ser social como totalidade.
Em Marx, a totalidade é uma categoria ontológica que se põe como a própria
realidade social, da qual o sujeito arranca as mediações para determiná-la em totalidade.
Pois o caráter da verdade do conhecimento é o caráter de totalidade. A realidade social,
enquanto complexo de totalidades, dispõe-se segundo graus de maior ou menor
complexidade. Essas complexidades são componentes constitutivos da realidade, mas não
são partes cujas somas formam o todo e, sim, elementos em grau menor de complexidade
que se articulam com a complexidade maior pelas mediações. O individuo (social) é a
menor totalidade da realidade social e vincula-se a outras totalidades mais complexas (a
família, as classes etc.). Nessa vinculação entre as totalidades de maior e menor
complexidade, o sentindo da totalidade abrangente é que situa a dinâmica das totalidades
parciais.
Para Marx, pensar a dinâmica da totalidade social é compreender as
regularidades, as leis que operam na sua estrutura. Parte-se das totalidades mais
complexas, identificando-se o rebatimento nas totalidades menos complexas. Isso não
significa que, necessariamente, temos que trabalhar o macrossocial para obter a
configuração da totalidade, pois a noção de totalidade, em Marx, não infirma os estudos
setoriais, desde que estes níveis não sejam considerados como parte de um todo, mas
como totalidades menos complexas.
Com a noção de que a estrutura da realidade social é a totalidade, Marx tenta
apanhar essa totalidade e desvendar a estrutura da ordem burguesa. O método marxiano
para compreensão dessa ordem é interpretado de forma diferenciada por estudiosos do seu
pensamento, mas, aqui, assumo a posição Lukaciana: o método, em Marx, é o método que
se eleva do abstrato ao concreto.
Nessa perspectiva, o sujeito apropria-se da totalidade e de sua dinâmica pelo
caminho da abstração. Analisa, abstraindo do conjunto, alguns elementos da empiria
(abstratos) para reconstruir o real, pois a empiria é elemento constitutivo do real, mas não é
o próprio real. Nesse processo, que não é simples, o sujeito vai avançando na apreensão de
novas determinações, que não são dadas imediatamente, e reconstrói o real que é concreto
porque é síntese de múltiplas determinações. Atinge-se, portanto, o concreto quando se
compreende o real pelas determinações que o fazem ser como é. O concreto, como unidade
do diverso é, pois, o resultado do processo do pensamento na reprodução do movimento do
real. O concreto aparece no pensamento como resultado, embora seja, segundo o
pensamento marxiano, o verdadeiro ponto de partida. Pois o pensamento parte do concreto
(real), ainda que só se torne verdadeiramente científico quando retorna ao concreto,
pensando-o a partir do abstrato, isto é, das determinações arrancadas do próprio concreto
pelo pensamento. Diz Marx: “o método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto
não é senão a maneira de proceder do pensamento para se apropriar do concreto, para
reproduzi-lo como concreto pensado” (MARX, 1983, p.17).
Reproduzir, portanto, a totalidade que não é dada imediatamente ao
pensamento, mas é a síntese de múltiplas determinações, é unidade de múltiplo.
3 SERVIÇO SOCIAL EM SUA CONFIGURAÇÃO TOTALIZANTE: UMA REFLEXÃO
FUNDAMENTADA NO MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICO
Em estudos históricos da realidade social, numa perspectiva materialista, pensar
a história é pensá-la como relação entre o homem ativo e real e seu mundo objetivo na
produção da vida social. É, portanto, pensar a práxis como atividade humana que comporta
a produção material e imaterial, reprodução da sociedade, produção e reprodução de formas
de pensar e de agir. Como ciência, a história constitui-se quando formula o seu objeto,
reconstruindo, para ele, uma explicação que, ao mesmo tempo, é lógica e racional e dá
conta, efetivamente, de processos históricos reais.
Nessa racionalidade da realidade social o que importa são
[...] as determinações das totalidades concretas que são históricas;
ou seja, o que importa são os elementos constitutivos dessa
totalidade, organizados em conjuntos determinados especificamente
e qualitativamente (Cardoso, M. L. s/d).
Nessa perspectiva de totalidade, a história é pensada como sucessão
descontínua de processos históricos, e não como sucessão linear de fatos; e seu objeto
constitui-se por conjuntos, totalidades ou complexos organizados, configurando uma
formação social específica, particular, uma formação que tem suas determinações próprias.
Admitindo, portanto, que os fatos históricos são determinados, específicos, para
pensar a história é, pois, necessário pensar antes o que são essas totalidades de que a
história se compõe, indagando sobre suas determinações, sobre seus elementos
constitutivos. Determinações estas que, como dissemos, estão nas totalidades concretas,
cuja transformação é a própria história.
Dizendo de outro modo: “a história é a
transformação dessas totalidades concretas” (Cardoso, M. L. s/d).
Ora, se as formações sociais ou totalidades concretas mudam, também mudam
as suas determinações ou elementos constitutivos dessas totalidades. Assim, a
configuração das determinações dessas totalidades históricas concretas é condição para a
explicação da história, e isso só é possível sob a condição de que se configure a própria
totalidade em movimento, em processo de transformação.
É importante ressaltar que, na reconstrução da história de uma dada formação
social, nenhuma dessas categorias – totalidade e determinação – se situa no plano da
evidência. Essas categorias não são dados que a simples observação possa recolher, pois
não se mostram na aparência. Portanto, para apreendê-las, é necessária a utilização de
outra
[...] mediação que não seja o aparato sensorial. É necessário utilizar a
razão, não apenas como capacidade de pensar, mas, principalmente,
como produto do pensamento sistemático já elaborado. Isto é, é
necessário pensar o objeto utilizando o conhecimento disponível
sobre ele (Cardoso, M. L. s/d).
Daí a importância da teoria na elaboração do conhecimento da realidade
histórica.
Os fatos históricos têm uma dimensão subjetiva, individual, mas não se esgotam
nessa subjetividade. Eles são sociais e, como tal, articulam-se entre si de forma organizada
e têm um sentido que é dado por essa articulação. Sentido esse que não é atribuído pelo
sujeito que conhece e ultrapassa a aparência, imediatamente dada, dos fatos. Portanto, a
apreensão do sentido que é dado por essa articulação não é mais imediata, sensorial, mas é
mediada pelas relações que o pensamento elaborou.
Assim, partindo do pressuposto de que há mudanças qualitativas na história e
que de fato a história, como ciência, é a história dessas mudanças, a formulação que é
reproduzida no plano do pensamento para a produção do conhecimento histórico refere-se a
cada uma das diferenças qualitativas; ou seja, a uma sociedade específica, a um tipo
determinado de sociedade e não à sociedade considerada abstratamente.
Desse modo, se o real é histórico e se sua história abrange totalidades
essencialmente diferentes ao longo do seu processo, a configuração dos objetos históricos
tem que dar conta dessas diferenças essenciais.
Nesses termos, a periodização é fundamental para a apreensão e explicação
dessas diferenças. Nesse processo de apreensão e explicação, é indispensável a utilização
de categorias que possibilitem o acesso à generalidade e garantam a apreensão e a
explicação das especificidades históricas. As categorias a que me refiro são expressões de
formas de existência de objetos históricos e são reconstruídas pelo conhecimento que se
formula sobre esses objetos.
Partindo desses pressupostos teórico-metodológicos, é que reconstruo, a seguir,
alguns momentos históricos do Serviço Social no movimento totalizante da formação social
brasileira.
3.1 Reconstrução de momentos históricos do serviço social no movimento totalizante
da formação social brasileira na contemporaneidade
O Serviço Social, como totalidade, define-se por um conjunto ou complexo de
determinações que, inserido no movimento real totalizante de uma determinada formação
social, transforma as suas determinações constitutivas e transforma-se na totalidade como
profissão, ao mesmo tempo em que exerce influência nas transformações qualitativas das
totalidades concretas que se inserem na história. É, portanto, determinado socialmente e
tem uma função na história.
A partir desse entendimento, é que, nesta exposição, periodizamos a história a
partir da metade da década de 1970 e início de 1980, até a atualidade, pensando o Serviço
Social como profissão e expressão da práxis, no movimento real da totalidade social
brasileira, nesse período.
No Brasil, com a crise do milagre econômico, no âmbito da crise mundial do
capitalismo, em 1974/1975, e a insatisfação das classes subalternas expressa no plano
institucional, com as eleições de 1974 – na vitória do MDB6 -, a ditadura vê-se obrigada a
reorientar o seu projeto político ampliando a abertura, embora dentro do limite que lhe
permita não perder o controle.
Dessa forma, o governo toma algumas medidas, tais como: “fim” da censura à
imprensa; revogação do AI 5 – principal instrumento de exceção com que contavam os
generais/presidentes para a administração do arbítrio e dos atos complementares;
restabelecimento do habeas-corpus; o fim das cassações; a extinção do poder presidencial
de decretar o recesso do Congresso Nacional etc. Essas medidas, certamente, são
limitadas por outras que não deixam o Estado sem posse de outros instrumentos adequados
à sua “salvaguarda” diante de situação de crise e de convulsão social (FERNANDES, 1982).
É nesse contexto de abertura controlada, ainda no governo Geisel, que se
iniciam, em 1977, as grandes mobilizações operárias a partir do ABC Paulista e reorganizarse-á a União Nacional dos Estudantes – UNE – com manifestações coletivas.
Nessa conjuntura ambígua, destacam-se, na luta pelas liberdades democráticas:
a presença do movimento estudantil, cujo significado nas lutas do período expressou-se
pela explicitação de solidariedade com os trabalhadores; a presença marcante da Igreja,
com forte atuação das pastorais, através das comunidades eclesiais de base e com
comportamento de franca oposição ao governo militar e ao sistema capitalista; e as grandes
mobilizações da classe operária, iniciadas em 1977, na luta pela reposição salarial e nas
greves ocorridas nos anos subsequentes, na virada da década de 1970 (Cardoso, 1995).
Destacam-se, ainda, movimentos expressivos de organização de categorias
profissionais que, embora criadas e desenvolvidas com vínculos orgânicos com a burguesia,
expressavam, naquele momento, uma perspectiva de construção de práticas alternativas
vinculadas aos interesses das classes subalternas.
6
O MDB era o único partido legal de oposição na década de 1970.
No caso do Serviço Social, movimentos de organização, de resistência e de
rupturas com práticas tradicionais expressaram-se, principalmente, nos organismos de
representação e de organização dos Assistentes Sociais sob o impacto dos movimentos
sociais naquele momento histórico. O III Congresso dos Assistentes Sociais – o chamado
“Congresso da Virada” – realizado em São Paulo, em 1979, e a Convenção da ABESS,
(hoje ABEPSS), realizada no mesmo ano, em Natal, são expressões desses processos de
organização e resistência e de mudanças qualitativas no movimento real da profissão. O
Congresso, organizado pelo então Conselho Federal dos Assistentes Sociais (CFAS), de
tendência conservadora, contou com a participação organizada, ativa e antagônica de um
significativo grupo de profissionais que se vinculavam ao movimento sindical e às lutas
sociais e abriam a perspectiva de organização sindical dos Assistentes Sociais, através do
movimento Pró-APAS.
Na convenção da ABESS, foi aprovado, pela assembleia geral da entidade, um
novo currículo mínimo para o curso de Serviço Social, com perspectiva de compromisso
profissional com os interesses das classes subalternas.
Como podem ser vistas, nesta reflexão, as mudanças qualitativas na profissão
não são isoladas do contexto histórico. Elas se relacionam organicamente com o movimento
concreto da totalidade a que pertencem, seja na mesma direção da ordem vigente, seja na
contra mão da direção hegemônica. Essa relação orgânica da profissão com o contexto
histórico, em qualquer das direções, efetiva-se via movimentos organizativos da categoria
profissional, via modalidades de formação profissional, pela produção acadêmica e pelas
práticas interventivas de ruptura com a ordem, ou de manutenção desta. Ou seja, essa
relação orgânica com o movimento concreto da totalidade a que pertence envolve as
diferentes dimensões que configuram a profissão.
Na conjuntura brasileira da segunda metade da década de 1970, os espaços da
ação profissional ampliaram-se, extrapolando o âmbito institucional, para uma maior
aproximação com o movimento organizativo das classes subalternas. No processo de
redefinição da prática profissional, foi ocorrendo um desligamento da perspectiva
modernizadora que, embasada em referências neopositivistas, caracterizou o Serviço Social
nas décadas anteriores, desenhando-se um projeto de ruptura de compromisso com o poder
burguês que marcou a profissão historicamente. Essa tendência de renovação do Serviço
Social, chamada por José Paulo Netto (1991) de “intenção de ruptura”, é que vai estabelecer
a interlocução do Serviço Social com a tradição marxista tanto no âmbito da formação
profissional – âmbito acadêmico –, quanto em práticas profissionais interventivas.
Essa mudança de direção teórico-metodológica e política está ligada à política
cultural que se gesta na época, no país, recolocando, em debate, diferentes tendências do
marxismo.
Assim, é na virada dos anos 70 e início dos anos 80 que o Serviço Social efetiva
uma significativa inflexão tanto em termos teórico-ideológicos quanto político-profissionais.
Progressivamente, no curso dos anos 80, vão surgindo estudos e práticas
interventivas que se distanciam cada vez mais das tendências conservadoras e tomam
como referências categorias marxistas.
No campo da tradição marxista, as temáticas do debate do Serviço Social,
durante a década de 1980, podem ser aglutinadas em dois grandes eixos: a) a crítica
teórico-metodológica, tanto do conservadorismo quanto do marxismo vulgar, colocando a
polêmica em torno das relações entre teoria, método e história, com claras derivações, no
âmbito da formação profissional; b) e a construção da análise da trajetória histórica do
Serviço Social no Brasil (Netto, 1991). Assim, os eixos do debate brasileiro, constantes da
produção acadêmica do período considerado, incidem sobre a inserção histórica do Serviço
Social
na
sociedade
brasileira,
desdobrando-se
na
reconstrução
histórica
do
desenvolvimento da profissão no país, ou em um aprofundamento das determinações e
efeitos sociais da prática e da formação profissional.
A partir do final da década de 80, com a queda da experiência do socialismo nos
países do leste europeu e, posteriormente, por toda a década de 1990 e início do século
XXI, a ideologia neoliberal firma-se mundialmente.
No Brasil, sobretudo na última década do século XX, a política governamental
apresenta uma acentuada tendência a criar mecanismos facilitadores da transformação dos
serviços públicos de caráter social em atividades rentáveis para o capital. Na medida em
que diferentes governos aderem ao projeto neoliberal, há uma progressiva redução da ação
estatal com políticas públicas.
A perspectiva neoliberal de redução das ações estatais funda-se na concepção
de que o Estado não deve ser agente de proteção social. Cabe à sociedade (familiares,
comunidade, associações voluntárias e a iniciativa privada) significativa parcela de
participação no processo de provisão social.
Nesse contexto, a atuação profissional do Assistente Social assume uma nova
configuração em face das tendências das alterações do perfil do mercado de trabalho.
Essas tendências traduzem requisições formuladas tanto pelo movimento do capital em
crise, quanto pelo processo de reorganização política das classes subalternas diante da
precarização do trabalho e fragmentação da força do trabalho.
O novo perfil do mercado de trabalho profissional deve ser apreendido,
considerando-se: por um lado, perspectivas de redução das demandas postas à profissão,
no âmbito do setor público, em virtude das reformas do Estado parametradas pela política
de desregulamentação do mercado e de corte dos gastos públicos destinados à reprodução
da força do trabalho; e, por outro lado, a expansão das ofertas no setor privado (seja no
âmbito empresarial, seja no âmbito da sociedade civil sem fins lucrativos).
As requisições do trabalho profissional nas esferas estatal e privada, na
sociedade brasileira, a partir da década de 1990, devem ser pensadas no quadro das
transformações tecnológicas e incorporação de novos padrões de produção e organização
do trabalho nos países periféricos, que significam, ao mesmo tempo, o aprofundamento do
processo de exclusão social e o recrudescimento das relações de exploração e alienação da
força de trabalho.
No âmbito empresarial, notadamente em médias e grandes empresas, as
requisições manifestam-se, sobretudo, em alterações nas formas de inserção profissional,
seja em relação às atividades de gerenciamento nas áreas de benefício e Assistência
Social, seja em relação à incorporação de novas funções relacionadas à organização do
trabalho e à administração financeira, que acabam imbricando ainda mais o trabalho
profissional à lógica que preside o processo produtivo e as condições de reprodução social.
Como exemplo dessa modalidade de intervenção, podemos considerar o conjunto de
atividades voltadas para o desenvolvimento do clima organizacional (satisfação no trabalho),
desenvolvimento de qualidade de vida no trabalho, condução de novos modelos de
organização e gestão do processo produtivo (qualidade total etc.), gerência de novas
parcerias entre capitalistas e trabalhadores, dentre outras que, sem dúvida, revelam novas
formas de cooperação entre serviços e produção.
Essas
requisições
nos
espaços
da
produção
configuram
mais
que
desdobramentos e ampliações de funções, que, historicamente, o Assistente Social tem
desempenhado nesse campo; isto é, as funções de controle e de disciplinamento do
operário, tendo em vista a subordinação aos requisitos dos processos de avaliação, pois há
um investimento no plano da subjetividade do trabalhador, para substituí-lo pelo ideário da
empresa, acarretando, consequentemente, a perda de suas referências classistas.
No âmbito do Estado, a redefinição do trabalho profissional é processada pelas
contradições entre lutas populares pela garantia das conquistas constitucionais de 1988
referentes à ampliação de seus direitos sociais e às formas de controle e participação social;
e pela implementação da política de enxugamento do aparelho do Estado, na perspectiva
do chamado Estado Mínimo.
Nessa perspectiva, as reformas do Estado encaminham-se para a destruição
dos serviços públicos ainda existentes, o que representa não só redução drástica dos
espaços de intervenção profissional, como redimensionamento das funções profissionais em
face da limitação da esfera estatal, no que se refere à reprodução da força de trabalho no
campo da Assistência Social.
As mudanças qualitativas no campo profissional do Assistente Social,
determinadas no quadro da crise do capital, refletem também as novas requisições que são
postas pelo movimento de reconstituição das classes subalternas, na perspectiva de um
novo projeto societário.
É nessa mesma perspectiva que se reconstrói a direção social da formação
profissional do Assistente Social, na perspectiva da transformação social, tendo como
horizonte a superação da ordem burguesa. Essa direção movimenta-se na contra mão do
projeto neoliberal hegemônico na sociedade, mundialmente, e impõe essa postura para
continuarmos avançando na perspectiva de ruptura com as velhas práticas profissionais e
com a velha sociedade, contribuindo para a construção de novas relações e condições e
para a emancipação da humanidade.
Assim, no contexto atual das transformações da sociedade brasileira, podemos
evidenciar que no âmbito das políticas públicas de corte social as propostas neoliberais
repercutem de forma perversa, excluindo um grande contingente populacional que já é
expropriado de toda a riqueza material e intelectual produzida socialmente, que não
usufruem dessa riqueza - amplos segmentos constituídos pelas classes subalternas, com os
quais o Serviço Social tem uma vinculação histórica, seja no campo da reprodução da força
de trabalho, via política de Assistência, seja no campo da organização, tendo presente a
conexão entre esses espaços de prática do Assistente Social.
O projeto neoliberal que se expande pelo mundo e, por conseguinte, no Brasil,
amplia e aprofunda as desigualdades e a pobreza, ao mesmo tempo em que retira a
possibilidade do Estado de investir em políticas sociais que atendam, minimamente, as
demandas das classes subalternas, para garantia de sua sobrevivência. Esse projeto
submete as necessidades sociais aos interesses econômicos, cujo objetivo principal é a
maximização dos lucros dos empresários privados. (CARDOSO, 1995).
A perspectiva neoliberal de subsunção das necessidades sociais aos interesses
econômicos e, portanto, de redução do tamanho do Estado no atendimento a essas
necessidades essenciais, se funda na concepção de que não cabe ao Estado a
responsabilidade do processo de provisão social e sim à sociedade e à iniciativa empresarial
privada.
A partir dos anos 1990 vivencia-se um processo de redefinição do vínculo do
Serviço Social às lutas das classes subalternas, o qual se intensificou em todo país, na
segunda metade da década de 1970, com significativo avanço nos anos 1980. Esse avanço
dos anos de 1980 expressou-se, dentre outras formas, pela atuação profissional em
espaços de formação e organização políticas dos trabalhadores: sindicatos, associações
profissionais, movimentos sociais urbanos e rurais entre outros. Nesses espaços e nessas
décadas (1970 e 1980) a perspectiva do trabalho profissional do Assistente Social era de
mobilização social e organização, de modo a contribuir para viabilizar projetos de interesse
dessa classe, na construção de novas relações hegemônicas na sociedade, superando a
sua condição de dominação político-ideológica e econômica.
Tal perspectiva se traduziu pela vinculação do projeto ético-político-profissional a
uma determinada perspectiva societária, cuja construção exige o fortalecimento de
processos emancipatórios das classes subalternas. Trata-se da perspectiva de superação
da sociedade capitalista, tendo como horizonte a emancipação humana.
A tendência atual, a partir de 1990, sobretudo em instituições que operam as
políticas sociais, “é o redirecionamento da perspectiva de mobilização social e organização,
no horizonte da emancipação humana, para o horizonte da subalternidade, buscando a
legitimação, pelas classes subalternas do atual padrão da política social, sob a égide do
neoliberalismo” (CARDOSO; LOPES, 2009, p.469) . Este padrão privilegia a mercantilização
das políticas sociais, transferindo para o setor privado as responsabilidades do Estado
quanto às políticas públicas, em detrimento do atendimento às necessidades como direito; e
investe na cooptação das organizações e lutas das classes subalternas pela intensificação
de programas eminentemente assistencialistas, mas que atendem, mesmo precariamente,
necessidades prementes das classes subalternas.
É importante ressaltar, nesse contexto de hegemonia do neoliberalismo, o
caráter contraditório da atuação profissional do Assistente Social, cuja história é um
processo orgânico da história da sociedade em que se insere a profissão sendo, portanto,
determinada pelas contradições inerentes a esta sociedade. Neste sentido, destacam-se as
implicações econômicas políticas e sociais decorrentes do avanço do capitalismo no mundo
e, em contraposição, a luta das classes subalternas “norteada pelos ideais emancipatórios
da sociedade que repõem a participação como estratégia da politização das relações sociais
e de intervenção critica dessa classe no movimento histórico, nos espaços de produção e
reprodução social” (ABREU, 2004, p. 10).
No movimento contraditório da sociedade e mesmo nos espaços de formação e
de organização política das classes subalternas, há projetos profissionais e projetos
societários diferenciados disputando a hegemonia. Quais são esses projetos, como se dá
essa disputa, quais as tendências da inserção do Assistente Social nesses espaços e quais
os desafios postos ao Serviço Social e à classe trabalhadora no contexto dessa disputa?
Nas instâncias de organização das classes subalternas, o trabalho dos
assistentes sociais tende a assumir duas grandes perspectivas teórico-políticas que
perpassam os projetos profissionais e os projetos societários em disputa na sociedade
brasileira, na atualidade: 1) a perspectiva de superação da sociedade capitalista, tendo
como horizonte a conquista da emancipação humana, passando pelo fortalecimento de
processos emancipatórios das classes subalternas; 2) a perspectiva de manutenção da
ordem capitalista, tendo como exigência a subalternidade dessas classes.
Com essas perspectivas, os projetos profissionais e os projetos societários se
desenvolvem pela ação dos sujeitos das profissões e das classes sociais, disputando a
hegemonia nos espaços de organização das classes subalternas, em particular, e no
movimento social, na sociedade brasileira. “Torna-se hegemônica uma ou outra perspectiva,
conforme vínculos dos projetos profissionais com os projetos societários de emancipação
humana ou de manutenção da ordem capitalista; e conforme a correlação de forças na
disputa da hegemonia na sociedade” ( CARDOSO et LOPES, 2009, p.469).
Com base nos fundamentos históricos e conceituais brevemente explicitados,
ressaltamos como grandes desafios para o Serviço Social nas transformações
contemporâneas da sociedade brasileira: o fortalecimento dos vínculos com as Instituições
de organização da luta social, que permanecem na resistência contra o capital; e avançar na
inserção nos movimentos de rearticulação da organização classista dos trabalhadores.
As transformações ocorridas no mundo, no final do século XX e início do século
XXI, têm colocado grandes desafios aos estudiosos do processo histórico de
desenvolvimento da sociedade, bem como às forças sociais progressistas e de esquerda em
luta. É um processo mundial que apresenta particularidades nos Estados nacionais que
expressam a situação de cada um num contexto global em que se situam. A compreensão
dessa particularidade, no Brasil, é de fundamental importância na perspectiva de: recuperar
historicamente esses desafios até a atualidade; contribuir teórica e politicamente com
pesquisas históricas e publicações sobre a organização de classe trabalhadora e a relação
com o Serviço Social, com destaque aos desafios para o enfrentamento das desigualdades
sociais, sob o neoliberalismo; e subsidiar o debate crítico em torno da temática em estudo, e
as práticas sociais para o enfrentamento aos desafios mais gerais das classes subalternas
na contemporaneidade.
3. CONCLUSÃO
Concluindo minha reflexão, quero reafirmar a atualidade dos fundamentos
teórico-metodológicos marxianos para a análise rigorosa e crítica das determinações
constitutivas da sociedade capitalista, na perspectiva de desvendar as suas contradições e
instrumentar as classes subalternas no seu processo de luta na construção de processos
emancipatórios, bem como instrumentar os Assistentes Sociais, seja desenvolvendo o
trabalho acadêmico na formação profissional, seja em instituições que operam as políticas
Sociais na relação direta com os usuários, na perspectiva de uma formação continuada que
garanta a direção social preconizada no projeto pedagógico nacional dos cursos de Serviço
Social no Brasil.
Considerando os vínculos do Projeto Ético-político-profissional do Serviço Social,
hegemônico na formação dos Assistentes Sociais no Brasil, entendo que é o materialismo
histórico dialético, a perspectiva que pode garantir o avanço da pesquisa na área de Serviço
Social voltada para a análise do processo de produção e reprodução da vida social sob o
capitalismo, em cujo âmbito situa-se o Serviço Social.
Reafirmo, ainda, a importância dessa perspectiva para analisar a própria
profissão como objeto histórico que se move no contexto do capitalismo e sofre os efeitos
perversos de seu avanço. Pois, como profissão que tem uma função social na sociedade,
precisa rever, permanentemente, a sua objetivação como expressão da práxis, na
perspectiva de construir respostas às demandas das classes subalternas, a cujos interesses
o seu projeto ético-político profissional, construído a partir de meados da década de 1970,
no Brasil, vincula-se.
REFERÊNCIAS
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desafios na sociedade brasileira. São Luís, UFMA, 2004, (capítulo de livro no prelo)
CARDOS, F. G. Organização das classes subalternas: um desafio para o Serviço
Social. São Paulo, Cortez Editora / EDUFMA, 1995.
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organizações da classe trabalhadora. In Serviço Social: Direitos Sociais e Competências
Profissionais. Brasília, CFESS/ABEPSS, 2009.
CARDOSO, Miriam Limoeiro. A Periodização e a Ciência da história. Texto mimeografado
s/d.
FERNANDES, Florestan. A ditadura em questão. São Paulo, T. A. Queiroz, 1982.
GUERRA, Yolanda. A dimensão Investigativa no Exercício Profissional. IN Serviço
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MARX, Karl. Introdução e Prefácio para a crítica à economia política e outros escritos.
São Paulo: Abril, 1983 (Coleção os Economistas).
_________. Prefácio da 1ª edição e posfácio da 2ª edição d’ O capital. São Paulo: Abril
1983 (Coleção os Economistas).
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NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social: uma análise do serviço social no Brasil pós
64. São Paulo, Cortez, 1991.
______, José Paulo. Introdução ao método na teoria Social. IN Serviço Social, Direitos e
Competências Profissionais, 2009, Brasília: CFESS/ABEPSS.
O SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO NA ATUAL FASE DO CAPITALISMO: entre o
conservadorismo e a resistência
Cristiana Costa Lima7
RESUMO: Problematização acerca da especificidade do Serviço
Social no atual contexto histórico de desenvolvimento no Brasil.
Apresenta a configuração do processo de constituição da região
latino-americano na estratégia geral de ampliação do sistema do
capital, reservando a essa o papel de fornecedora dos bens primários
necessários ao desenvolvimento dos países capitalistas centrais.
Nesse cenário, evidencia que o Serviço Social surge e se consolida
como profissão responsável por adequar à região a estratégia de
controle social necessária para que o sistema se consolide. Reflete
que, no Brasil, esse processo obteve forte resistência e até
hegemonia na construção de um projeto político alternativo ao do
capital, mas que, nos tempos atuais, enfrenta forte ataque do
conservadorismo que, tendo feito parte da origem do Serviço Social
brasileiro, retoma com força sua influência, agora sob outros
parâmetros teóricos e formativos.
Palavras chaves: Capitalismo. Serviço Social. Conservadorismo.
Resistência.
ABSTRACT: Questioning about the specificity of Social Work in the
current historical context of development in Brazil. It displays the
configuration of the maintenance process of the Latin American region
into the strategy of expansion of the capital system, reserving that the
role of supplier of primary goods needed for the development of the
central capitalist countries. In this scenario, shows that Social Work
emerges and consolidates as a responsible profession of adjusting to
the region social control strategy required for the system to be
consolidated. It reflects that in Brazil, this process received strong
resistance and even hegemony in the construction of an alternative
political project to the capital, but, nowadays, it faces strong attack of
conservatism that, having been part of the origin of the Brazilian
Social Work resumes strongly influence, now under other theoretical
and training parameters.
Keywords: Capitalism. Social Work. Conservatism. Resistance.
7
Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]
1 INTRODUÇÃO
O processo histórico de inserção dos países latino-americanos na estrutura
produtiva capitalista mundial evidencia a relação dependente dos estados nacionais da
região às estratégias dos organismos internacionais, como o Banco Mundial (BM),
Organização Mundial do Comércio (OMC), Fundo Monetário Internacional (FMI), etc.
Sobretudo o BM “[...] tem a atribuição de um grande intelectual orgânico dos interesses
representados pelo G-7, atuando como um 'organizador' das políticas dos países em
desenvolvimento.” (LEHER, 1998, p. 9, grifo do autor).
Organismos que operam no permanente equacionamento das posições a serem
ocupadas na dinâmica mundial do sistema, no qual, como aponta Mészáros (1979, p. 54),
“[...] crescimento e expansão são necessidades imanentes do sistema de produção e,
quando os limites locais são atingidos, não resta outra saída a não ser reajustar
violentamente a relação dominante de forças.” Ajustes na perspectiva desigual e combinada
da expansão do modo de produção.
No Brasil, onde se “[...] reconhece a necessidade de políticas de redução das
desigualdades, porém não faz referência ou dá pouca ênfase às reformas que afetam a
estrutura tributária e a distribuição da riqueza” (GONÇALVES, 2012, p, 661), temos “[...]
mais uma versão do modelo de liberalismo enraizado [...]” (GONÇALVES, 2012, p. 662).
Claramente “[...] um fenômeno recente e localizado, indissociável das particularidades da
economia e da política brasileiras na segunda metade dos anos 2000.” (SAMPAIO JR.,
2012, p. 678), um desenvolvimento apenas como simulacro.
Esse processo ocorre com a presença do Estado, sob a ideologia do
desenvolvimento, desta feita travestida de novo-desenvolvimentismo, que em nada se
assemelha ao velho desenvolvimentismo ocorrido nos anos 1930-1980.
No caso específico do Serviço Social na América Latina sob as profundas
transformações impostas pela lógica do capital, verifica-se um redimensionamento e criação
de novos espaços do exercício profissional, fazendo emergir inéditas requisições de
demandas a esse profissional, novas habilidades, competências e atribuições que
influenciam diretamente a ação e a formação do profissional.
2 O SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL – ENTRE O CONSERVADORISMO E A
RESISTÊNCIA
O surgimento e a institucionalização do Serviço Social na América Latina interrelacionam-se diretamente com a dinâmica econômica, religiosa, social, política e do
movimento das classes sociais, sobretudo a partir da década de 1930. O Serviço Social não
pode ser bem compreendido descolado do contexto que o gera, o que implica desvendar
sua real função no movimento concreto da vida social. Com isso, entendemos que o Serviço
Social surge como estratégia de controle social8 no conjunto das determinações que são
geradas pela sociedade capitalista. O Serviço Social não expressa
[...] mera derivação de exigências e demandas postas pelo
agravamento da questão social, no início deste século, nem uma
consequência lógica de um processo cumulativo no campo da
racionalização da filantropia em bases teórico-científicas. Traduz-se,
então, como síntese de um conjunto de determinações históricas que
reflete o tratamento dado à referida questão pelas classes sociais, a
partir de processos particulares corporificados em mediações
estabelecidas entre a sociedade civil e o Estado no enfrentamento da
mesma questão. (ABREU, 2002, p. 41).
Para garantir a defesa da ordem capitalista instaurada, a burguesia viu-se
compelida a estabelecer estratégias de assistência às camadas pauperizadas da população.
Esse processo, no entanto, possui raízes anteriores, situadas no movimento das classes
sociais na Europa do século XIX, sob ampla interferência das ideias da Igreja Católica.
Temos precisamente no ano de 1848 o marco da disputa entre o avanço das ideias liberais
e nacionalistas pela consolidação da burguesia no poder e a entrada do proletariado
industrial na arena política. Foi o ano de intensas mobilizações, por parte do proletário
urbano industrial como força política organizada, que resultaram em diversos levantes
contra o projeto de restabelecer o Antigo Regime monárquico – movimento histórico que
ficaria conhecido como a Primavera dos Povos. Esse é um dos elementos fundamentais
para compreender a base material e concreta da criação de profissões, a exemplo do
Serviço Social – embora não se restrinja a ela –, especificamente voltada para mecanismos
8
A partir das referências de Mészáros (2002), entendemos que o controle social é uma necessidade
e um fato em qualquer forma de organização social e de produção. Para o autor, a “[...] função do
controle social foi alienada do corpo social e transferida para o capital, que adquiriu assim o poder de
aglutinar os indivíduos num padrão hierárquico estrutural e funcional, segundo o critério de maior ou
menor participação no controle da produção e da distribuição.” (MÉSZÁROS, 2002, p. 991).
de racionalização da assistência e aos processos decorrentes de agudização da pobreza
(LOPES, 2001).
Como aponta Lopes (2001, p. 33), a profissionalização do Serviço Social na
América Latina é um fenômeno do século XX, emergindo sob o signo do conservadorismo e
da reação, pós-Revolução Russa (1917), cujas forças hegemônicas do capitalismo e da
Igreja Católica passaram a agir e a se relacionar com as massas para conter a ameaça do
comunismo em todo o globo.
O modelo de desenvolvimento oligárquico dependente implementado na
América Latina sustentou-se em dois eixos, como nos expõe Cueva (1990, p. 79, tradução
nossa): (1) “[...] o capitalismo não se implanta mediante uma revolução democráticoburguesa que destrói radicalmente os fundamentos da antiga ordem” e (2) “[...] nasce e se
desenvolve subordinado à fase imperialista do capitalismo”.
O desenvolvimento capitalista latino-americano é fruto dessa lógica, expressa na
máxima lampedusiana, registrada em O Leopardo (1974, p. 42), segundo a qual “[...] se
quisermos que tudo fique como está é preciso que tudo mude [...]”, subordinando os países
de maneira dependente à expansão do capitalismo mundial. Processo que é resultante da
constituição da burguesia na América Latina, que “[...] nasce aqui confundida e entrelaçada
em sua origem e sua estrutura com a aristocracia latifundiária”. (CUEVA, 1990, p. 85,
tradução nossa).
Situamos, então, o surgimento do Serviço Social no marco do capitalismo
monopolista9. Essa fase do capitalismo é marcada pela agudização das contradições da
ordem burguesa a partir da acentuação da alienação, da exploração dos trabalhadores,
aumento dos lucros capitalistas pelo aumento do exército industrial de reserva. O
9
No final do século XIX e início do século XX, o imperialismo europeu viu-se ameaçado pela
expansão do capitalismo norte-americano. Nesse período, milhões de imigrantes vindos de regiões
empobrecidas da Europa foram absorvidos pela economia norte-americana. Na primeira fase do
desenvolvimento industrial estadunidense, a agricultura foi desenvolvida em larga escala, houve uma
expansão da siderurgia e da exploração petrolífera, além do aperfeiçoamento dos transportes. Em
verdade, os Estados Unidos beneficiaram-se do crescimento estimulado pela necessidade de
abastecer os aliados da Primeira Guerra Mundial. Com o fim da guerra, os Estados Unidos tornam-se
os maiores credores da Europa, como destaca Aquino, Lemos e Lopes (2008, p. 329): “O protetorado
sobre Cuba, a Questão do Canal do Panamá e inúmeras intervenções armadas na América Latina no
decorrer do século XX consolidaram a influência política e econômica dos Estados Unidos sobre esta
parte do mundo: aplicou-se o Big Stick, justificado pelo corolário Roosevelt.” O imperialismo norteamericano consolidou a sua expansão sobre a América Latina no período compreendido entre as
duas guerras mundiais. À America Latina cabia (e ainda cabe) o papel de exportar alimentos e
matérias-primas e importar bens industrializados.
capitalismo monopolista altera significativamente a dinâmica da sociedade burguesa, como
destaca Netto (1996).
Nesse turbilhão de transformações, os assistentes sociais eram requisitados
para organizar o consenso e a adesão das classes subalternas à nova ordem do capital.
Sua intervenção profissional é vinculada ao conjunto de mediações que caracterizam a
articulação orgânica entre a produção material e a reprodução física e subjetiva da força de
trabalho (ABREU, 2002).
Em síntese: o Serviço Social tem sua origem sob o âmbito da estratégia de
controle social do capital, sendo criado como um instrumento para o enfrentamento da
questão social, com a mediação do Estado e da Igreja para atenuar o conflito capital e
trabalho. Coube ao Serviço Social materializar essa estratégia de controle social que se deu
sob dois movimentos complementares, como nos apresenta Abreu (2002, p. 58):
1) A profissão inscreve-se no conjunto dos processos político-culturais
articulados, assimilados e criados pela burguesia industrial americana, constituindo uma via
de difusão e expansão dos princípios tayloristas, como padrão de racionalidade inerente ao
movimento de reprodução e acumulação do capital; em que o Serviço Social:
1.1) Cumpre o papel de formador dos quadros da tecnocracia fabril e da
burocracia estatal dentro do campo de influência do taylorismo e;
1.2) Tem protagonismo na difusão desse padrão taylorista junto ao
disciplinamento das relações sociais, racionalizando e tecnificando a assistência social;
2) A profissão converte-se numa das frentes mobilizadas pela Igreja Católica
para a recuperação moral do operariado, face às influências consideras maléficas dos ideais
socialistas e do liberalismo econômico (ABREU, 2002).
O projeto profissional do assistente social foi perpassado, portanto, por uma
visão harmoniosa e equilibrada dessa sociedade. Os documentos de Araxá (1967) e
Teresópolis (1970) são referências significativas desse projeto profissional. Eles se
constituem no marco da teorização do Serviço Social brasileiro que influenciou fortemente
outras escolas latino-americanas. Resultaram de seminários (Araxá, em 1967; Teresópolis,
em 1970) convocados pelo Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços
Sociais (CBCISS), cujos objetivos eram refletir sobre a teorização do Serviço Social. Em
continuidade às reflexões de Araxá, o documento de Teresópolis equivale
[...] à plena adequação do Serviço Social à ambiência própria da
“modernização conservadora” conduzida pelo Estado ditatorial em
benefício do grande capital e às características sócio-econômicas e
político-institucionais do desenvolvimento capitalista ocorrente em
seus limites. (NETTO, 2006b, p. 193, grifo do autor).
Porém, a década de 1960 é marcada também pela forte crise do modelo
desenvolvimentista que não conseguiu conter inflação, altos custos de vida, acentuada
concentração de renda e sua má distribuição, crescente endividamento externo, aumento da
exploração da força de trabalho, ocasionando aumento da pobreza e da miséria. Países
como Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Honduras, México, Uruguai e Venezuela
foram fortemente atingidos pela crise. A esse respeito, destaca Cueva (1990, p. 199, grifos
do autor, tradução nossa),
No começo dos anos sessenta, nem mesmo os mais fervorosos
defensores do capitalismo podiam se gabar do curso que este havia
seguido na América Latina. Todos sabiam que o projeto de
desenvolvimento nacional autônomo estava em falência e que o
capital imperialista era o dono e senhor de nossa economia; o estado
semicolonial foi reconhecido inclusive oficialmente, sendo designado
com o eufemismo “situação de dependência”, que logo se difundiria
amplamente. E também não se podia negar que se havia iniciado um
processo de pauperização absoluta das massas, reconhecido através
da fórmula de “redistribuição regressiva da renda”.
Cenário que propicia um substancial avanço na reflexão dos fundamentos
teóricos-metodológicos do Serviço Social, agora sob influência do marxismo.
O Serviço Social na América Latina inicia o questionamento de suas bases de
legitimação sob uma era de extremos, como definiu Hobsbawn (2003), em que a opção por
um projeto de sociedade tornara-se uma escolha concreta a ser definida ante o mundo
bipolar instaurado no planeta. Se os séculos XVIII e XIX foram os séculos das revoluções
burguesas por toda a Europa, o século XX trouxe a palco as revoluções lideradas pelo
Trabalho no Mundo e, especialmente, nos países da América Latina e Caribe, assumindo
um caráter de rompimento com a dominação imperialista dos Estados Unidos e com a
submissão das massas populares às classes dominantes. A vitória da Revolução Cubana,
em 1959, exerceu essa profunda influência nos movimentos e nas lutas sociais. Ela
significou um divisor de águas na América Latina e modificou a qualidade da história e da
consciência histórica dos sujeitos.
Começa então a ser gestado o Movimento de Reconceituação do Serviço Social
que se configura através da crítica e da ação de setores expressivos dos profissionais, que
encontraram nos movimentos progressistas e revolucionários da década de 1950 e 1960
condições de propor e avançar na construção de um projeto profissional alternativo de
Serviço Social (LOPES, 2001).
Destarte,
como analisa José Paulo Netto (2006b),
o Movimento de
Reconceituação brasileiro não representou uma homogeneidade de pensamento no interior
da profissão. Há uma explicitação de correntes e tendências: a perspectiva modernizadora;
a reatualização do conservadorismo10 através de uma nova roupagem, utilizando-se dos
recursos à fenomenologia; e, por fim, o projeto de intenção de ruptura (NETTO, 2006).
O Serviço Social passou por um processo de amadurecimento, alargamento e
expansão jamais visto antes. O mercado de trabalho se amplia e a profissão torna-se cada
vez mais laica. É um momento de crítica às práticas profissionais tradicionais, de
engajamento de profissionais nos movimentos de esquerda nesse país.
O Movimento de Reconceituação, um marco na história do Serviço Social no
continente, teve início na década de 1960, em países como Brasil, Uruguai, Argentina, Chile
e, posteriormente, difundindo-se por toda a América Latina. É nessa década que as bases
conservadoras que sustentam a profissão entram em crise. Isso ocorre impulsionado pelas
mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais na América Latina. Como interpreta
Alayón (2007, p. 12, grifo do autor, tradução nossa),
O Movimento de reconceituação [foi] se movendo em direção a
posições mais radicais, na perspectiva de se posicionar acerca do
que fazer com o Serviço Social no marco da opressão e exploração
sofrida pela América Latina e emergentes e/ou iminentes
experiências “revolucionárias”.
Contudo, é importante reafirmar que as modificações ocorridas no Serviço Social
durante essas décadas são marcadas pelas profundas transformações da sociedade e pelo
avanço das lutas das classes e do movimento social e popular que “[...] colocava a questão
social frente ao capital e a questão nacional frente ao imperialismo na ordem do dia”
(LOPES, 2001, p. 56).
A organização política da categoria, vinculada à luta dos trabalhadores, ganha
importância no processo de ruptura com o Serviço Social tradicional. Portanto, a tarefa de
10
A nova roupagem do conservadorismo insere-se no contexto de que o ethos profissional tradicional
deveria ser contido, ao mesmo tempo em que deveria ser uma proposta alternativa capaz de
neutralizar as novas influências que provinham das referências marxistas. Tal proposta supunha
reatualizar o conservadorismo, dando a ele um caráter de uma nova proposta, que significava uma
recusa aos padrões teórico-metodológicos da tradição positivista. Nesse contexto, a tendência
renovadora lança mão da fenomenologia como instrumento para a reelaboração teórica e prática da
profissão.
construção de um Serviço Social alternativo é uma tarefa coletiva que supõe a consciência
sobre a função imposta pelo capital à profissão, bem como sobre as possibilidades
históricas de destruição da velha sociedade e construção de uma nova como tarefa coletiva
dos trabalhadores organizados politicamente sob diferentes formas (LOPES, 2001).
Diante do exposto, fica claro que as transformações pelas quais o Serviço Social
na região passava, e passa, não podem ser consideradas como um patrimônio exclusivo da
profissão. O processo de formação da consciência dos assistentes sociais acompanha o
movimento histórico da sociedade, como produto das classes em luta, refletindo na disputa
de projetos de profissão a serem implementados. Essa disputa de tendências teóricas e
políticas perpassou, e ainda perpassa, a profissão em todos os seus eixos, seja o
interventivo, o da formação profissional ou o organizativo. Portanto, em conformidade com
Lopes (2001, p. 65),
[...] desde sua deflagração, o Movimento de Reconceituação avança
e se adensa, também sob o impulso da crítica e da luta política em
seu interior, relacionando-se de várias maneiras com os processos de
luta política travados na sociedade (mundial, no continente e no
interior de cada país) na qual o movimento do Serviço Social é
apenas um elemento.
Fruto de correntes contraditórias em seu próprio interior – de um lado a proposta
de modernização conservadora e, do outro, a de um projeto alternativo de sociedade –, o
Movimento de Reconceituação expressou as condições de seu tempo e de lugares. A
questão que se coloca é: em que medida mantém-se como projeto profissional?
A década dos anos 1990, o período da imensa vitória ideológica do
neoliberalismo, ainda que de derrota no plano econômico, como avaliou Perry Anderson,
rebateu duramente sobre o projeto profissional do Serviço Social. Não a ponto de eliminá-lo
ou de levar a cabo sua exaustão, mas de colocá-lo em profundo isolamento ideológico e
político, posto que espraiou-se na sociedade a concepção conservadora pós-moderna de
atomização do indivíduo e afirmação das bases mercadológicas das diversas instâncias da
vida.
Sob esse contexto, o projeto alternativo do Serviço Social tem pautado sua
resistência em: políticas educacionais implementadas no País que impulsionam um ensino
aligeirado, tecnicista, pragmático e desvinculado de qualquer reflexão no horizonte
emancipador; uma ampla gama de possibilidades profissionais no mercado de trabalho em
torno da temática da assistência social, mormente as políticas, também ditadas pelos
organismos internacionais, de redução da miséria e da pobreza, que, mesmo
implementadas por governos progressistas que emergiram no continente latino, em boa
medida não romperam com a perspectiva assistencialista e focalizada dessas políticas, mas
que, ao se constituírem em espaço de atuação dos assistentes sociais, acabaram por
delimitar o espaço de reflexão da categoria às demandas trazidas por essas políticas. É sob
essa nova maré que rema contrariamente o projeto profissional do Serviço Social.
Poderíamos apontar pelo menos duas perspectivas para o Serviço Social na
atualidade: uma reatualização do conservadorismo vinculadas à ajuda psicossocial
individualizada e da participação para o ajustamento; e outra que, com base no Movimento
de Reconceituação, aponta para a construção da emancipação humana. Contudo, como
bem destaca Abreu (2002), essa perspectiva encontra-se entre o horizonte dos
compromissos profissionais com as lutas das classes subalternas no âmbito dos direitos
sociais, civis e políticos, portanto nos limites das conquistas do Estado de Bem-Estar Social,
e o horizonte que ultrapassa o limite das conquistas das classes trabalhadoras no sentido de
construção de uma nova sociabilidade – a socialista.
A primeira vem se delineando desde o período do governo FHC (1995-2002)
onde a política social inicia com a ênfase na dimensão da solidariedade, nos programas
sociais, ainda que dispersos em vários ministérios, enfatizando a focalização, no governo
Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010), essas características aprofundam-se, embora
permutando a dimensão da solidariedade pelo chamamento ao combate à fome. Mas, em
ambos os governos, abandonando-se a dimensão da universalidade e da garantia do direito
ao trabalho.
No governo Lula, o enfrentamento da questão social e, em particular, sua
expressão mais cruel, a pobreza, sustenta-se naquilo que foi um dos núcleos centrais da
gênese do movimento crítico que fundou o projeto ético-político com uma alternativa ao
projeto tradicional da profissão: a luta contra o assistencialismo (LOPES, 2009).
O assistencialismo sob a era “lulista” também reforça o crescimento, entre os
profissionais do Serviço Social, da “[...] perspectiva da luta pela assistência como direito,
cuja centralidade pode obstruir a perspectiva da luta fundamental na sociedade capitalista
que é o direito ao trabalho.” (ABREU, LOPES, 2006, p. 9), reafirmamos.
Mesmo sob o propagandeado avanço da política social brasileira pelo lulismo, o
que temos no Brasil é tal e qual o que é permitido aos países dependentes desenvolverem:
políticas
sociais
focalistas,
setorizadas,
fragmentadas,
autonomizadas,
formalistas,
abstraídas de conteúdos (político-econômicos) concretos, cuja natureza compensatória,
caráter fragmentado e abstrato expressam o seu limite de não objetivar romper e, de fato,
não rompem com a lógica capitalista (GUERRA, 2009).
Assim, “[...] acentua-se a tendência neoconservadora, focalista, controlista,
localista, de abordagem microscópica das questões sociais, transformadas em problemas
ético-morais.” (GUERRA, 2009, p. 16).
Ora, se considerarmos que o conservadorismo foi um elemento constitutivo da
trajetória do Serviço Social, sua emergência no período atual, de pouca mobilização e
residual resistência à cultura neoliberal, é mais que um dado conjuntural. É um fato o qual
as forças do projeto ético-político do Serviço Social precisam anotar com a devida
importância. Embora ainda pouco influente, mas já em significativo crescimento nas escolas,
essa corrente também contribui para o ressurgimento do conservadorismo no Serviço
Social. O que leva a um embate em diversas especificidades do projeto ético-político: no
plano ético – o distanciamento de uma ética intrínseca à configuração do ser social para
uma ética particularista, conforme a visão teocêntrica do mundo dada pela opção religiosa;
no plano ideológico – fortalecimento da perspectiva do abandono da utopia emancipatória;
no plano político – o crescimento de articulações que caem no encanto da pauta objetiva da
realidade profissional acerca das condições de trabalho e salariais, mas crescentemente de
cunho eminentemente corporativista; no plano prático-social – pelo qual cresce a
dicotomização entre prática e teoria, distanciando a realidade da elaboração teóricometodológica, o que leva a duas consequências, como corretamente observa Santos (2007,
p. 111):
[...] o conservadorismo agora tem como pré-requisito para
fortalecer a descredibilização da vertente crítico-dialética e o faz,
ponto de vista teórico, incorporando as críticas pós-modernas
marxismo; e do ponto de vista ideopolítico, investindo
deslegitimação do projeto-ético-político-profissional.
se
do
ao
na
Desses elementos, resulta o seguinte cenário: o projeto ético-político do Serviço
Social e sua hegemonia no interior da formação profissional está sob duplo ataque: de um
lado, pelo conservadorismo metamorfoseado pelo pensamento pós-moderno; e do outro,
pelos setores que aderiram ao neoliberalismo em seu viés novo-desenvolvimentista. No
primeiro, a tese de que o projeto ético-político não dá conta da prática profissional; no
segundo, a flexibilização dos princípios que sustentam o projeto ético-político (BRAZ, 2004).
Ambos, confluindo para o fortalecimento da avalanche conservadora e direitização da
sociedade capitalista que tem hegemonizado a sociedade brasileira (ABREU; LOPES,
2006).
3 CONCLUSÃO
Nesse contexto, a hegemonia do projeto ético-político está sob inédito e forte
combate, mas tem reagido com a fortíssima resistência que o tempo requer. Nesse embate,
o enfrentamento prioritário deve ser à indiscriminada expansão do ensino privado e a
distância, pois é por eles que se dará o tensionamento pela reconfiguração do Serviço
Social e a deslegitimação de seu projeto ético-político pela emancipação humana. Sem,
porém, deixar de atentar ao desmonte e à mercantilização que vem sendo impostos ao
ensino público sob as políticas educacionais preconizadas pelos organismos internacionais.
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A CONSTRUÇÃO DO TRABALHO SOCIAL CRÍTICO NA COLÔMBIA
Juan Pablo Sierra Tapiro11
“Caminante no hay camino,
Se hace camino al andar”
Antonio Machado
Resumo: O processo de construção do Trabalho Social Crítico na
Colômbia surge e se consolida em um momento de acirramento da
luta de classes nesse país. Por isso, introduzimos este trabalho com
uma breve referência ao caráter profundamente reacionário e
antidemocrático do desenvolvimento capitalista-imperialista e a
correspondente luta politica e social pela construção de uma
Colômbia com justiça social, democracia e soberania. A partir dessa
localização histórica, propomo-nos uma reflexão sobre o processo de
consolidação do Trabalho Social Crítico para pensar alguns desafios
políticos e teóricos, em sua articulação nacional e latino-americana,
para continuar na disputa por um projeto ético-político profissional em
face às classes trabalhadoras.
Palavras chaves: Luta de classes. Trabalho Social Crítico.
Marxismo. Colômbia. América Latina.
Abstract: The process of constructing Critical Social Work in
Colombia arises and consolidates at a time of fierce class struggle in
this country. That's why we introduced this work with a brief reference
to the deeply reactionary and undemocratic character of the
imperialist-capitalist development and the corresponding political and
social struggle for the construction of a Colombia with social justice,
democracy and sovereignty. From this historic location, we propose a
reflection about the process of consolidation of the Critical Social
Work to think some political and theoretical challenges, for our
national and Latin American articulation to keep fighting for a
professional ethical-political project in regard to working classes.
Keywords: Class struggle. Critical Social Work. Marxism. Colombia.
Latin America.
11
Doutorando. Universidade Federal de Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: [email protected]
1 INTRODUÇÃO
Partimos do entendimento de que uma aproximação crítica marxista à realidade
social colombiana, latino-americana e/ou mundial, implica aprendê-la como processo geral
em movimento, na dialética da luta de classes, no capitalismo-imperialismo vigente.
Mas consequentemente com a perspectiva proposta é necessário reconhecer as
particularidades
do
desenvolvimento
capitalista
na
região,
prevalecendo
um
desenvolvimento desigual, combinado e dependente sob a hegemonia política-militar e
econômica dos Estados Unidos da América (EUA). O que não implica homogeneidade nem
ausência de resistências, lutas, e tentativas de construir alternativas ou projetos de
superação das relações de produção social capitalista.
Na particularidade da Colômbia temos, da mão da consolidação do
desenvolvimento capitalista sob a hegemonia do capital transnacional-monopolista, a
conformação de um Estado oligárquico-burguês, cuja dominação se tem baseado na
violência e nas práticas sistemáticas de terrorismo de Estado. Nesse sentido o bloco
dominante na Colômbia não se constituiu de uma mudança das oligarquias criolas
dominantes
para
contraditoriamente
burguesias
interesses
nacionais,
senão
numa
latifundiário-oligárquicos
simbiose
com
tímidos
que
reproduz
interesses
de
desenvolvimento capitalista próprio de burguesias historicamente servis à principal potencia
capitalista-imperialista (EUA).
O que tem confluído para não realizar os mínimos necessários para reformas
políticas, sociais e econômicas, próprios de uma sociedade burguesa; pelo contrário com o
desenvolvimento da economia ilegal do narcotráfico, ligada aos processos legais (não por
isso legítimos) de financeirização da economia, o que temos nas últimas décadas é uma
expansão e aprofundamento do autoritarismo e o uso da violência estatal (incluída a
estratégia paramilitar) para garantir as condições da sua reprodução.
Mas
por
outra
parte,
também
encontramos
uma
classe
trabalhadora
profundamente combativa e diversa, que é impossível de reduzir em termos do típico
operariado industrial, o que coloca acentos diferentes na organização e nas respostas das
lutas das classes trabalhadoras, urbanas e rurais. Com um protagonismo ainda vigente dos
camponeses na resistência à dominação e violência oligárquico-burguesa, onde um
importante setor encontrou na luta armada sua única via de sobrevivência e possibilidade de
luta pelas reformas políticas, sociais e econômicas necessárias ou inclusive na construção
de uma alternativa de superação da sociedade burguesa numa perspectiva revolucionária.
Na América Latina em geral as reformas democrático-burguesas não foram, nem
serão, plenamente feitas pelas burguesias nacionais, já que o próprio desenvolvimento
capitalista está subordinado às potencias imperialistas.
No caso da Colômbia isso é ainda mais grave dada a falta de condições mínimas
para a realização da disputa pelo poder político, inclusive na limitada democracia burguesa,
com sistemáticas e reiteradas experiências de perseguição e extermínio aos processos
democráticos de esquerda e de oposição (não exclusivamente marxistas, socialistas ou
comunistas) à hegemonia vigente; com uma grande concentração da terra, aprofundada
com permanentes processos de despojo via deslocamentos forçados armados por parte de
forças legais ou ilegais do Estado e ligadas às classes dominantes e aos interesses
transnacionais monopolistas; e consequentemente sob condições do maior servilismo às
potencias imperialistas, especialmente dos EUA.
Por isso a luta pela paz na Colômbia, onde atualmente conflui uma ampla
diversidade das organizações e movimentos das classes trabalhadoras historicamente
expropriadas e exploradas, assim como de diversos setores sociais que têm sofrido as
práticas de opressão do terrorismo de Estado, tem como bandeiras principais que essa paz
deve ser com justiça social, democracia e soberania.
O que implica uma reforma agrária e urbana para um uso da terra respeitando a
diversidade cultural e colocando no centro a soberania alimentar; garantias para a luta
política sem armas e sem ingerência nos assuntos internos por parte dos EUA; e reformas
soberanas que possibilitem a efetivação de direitos sociais por via de políticas sociais.
Historicamente, o Trabalho Social12 na Colômbia tem virado às costas a
realidade da guerra, como expressão da luta de classes, consolidando-se uma hegemonia
onde confluem diversas perspectivas com traços de endogonismo e o seu consequente
epistemologismo13. O que ficou ainda mais evidente no silêncio ou tímida analise crítica
durante os anos de terror dos governos de Uribe Vélez (2002-2006 e 2006-2010), na
consolidação de um projeto reacionário de ultradireita e na materialização mais radical da
12
Para este trabalho optamos pela nominação de Trabalho Social, que seria a tradução textual,
retomando a forma que se nomeia a profissão em geral, e não Serviço Social, como se mantêm a
nominação particularmente no Brasil dados os seus debates profissionais.
13
Na dissertação de mestrado “O Serviço Social na Colômbia: uma proposta de renovação desde
uma crítica marxista” defendida em fevereiro de 2012, achamos elementos de analise que
possibilitam sustentar essa hipótese, embora seja necessário um maior aprofundamento da mesma.
Em Tapiro (2013) achamos uma síntese dessa hipótese.
estratégia neoliberal do capitalismo-imperialismo nas últimas décadas e seus rebatimentos
nas políticas sociais, e a continuidade com matizes e contradições do atual governo de
Santos Calderón (2010-2014 e 2014-2016).
Nesse contexto surge e se consolida o processo de Trabalho Social Crítico da
Colômbia, como experiência organizativa estudantil-profissional, que se coloca em
contradição com o Trabalho Social conservador que historicamente tem sido hegemônico. O
Trabalho Social Crítico propõe-se recuperar a herança teórico-metodológica de Marx, para
as analises críticas da sociedade, e para fundamentar a construção de um projeto éticopolítico profissional, assim como na articulação com outros processos em uma perspectiva
de assumir-se profissionalmente na luta de classes.
Após 11 anos do surgimento do Coletivo Trabalho Social Crítico, faremos uma
breve apresentação do seu processo e tendo como base de analise o processo do
movimento atual da realidade social colombiana, com destaque do processo de paz,
concluímos com alguns desafios para esse Coletivo, na sua articulação nacional e latinoamericana.
2
SURGIMENTO
E
CONSOLIDAÇÃO
DO
TRABALHO
SOCIAL
CRÍTICO
DA
14
COLÔMBIA .
Em um contexto nacional marcado pela intensificação do terrorismo de Estado
sob o primeiro Governo de Uribe Veléz15; mas por sua vez, contraditoriamente, marcado
pelos ares de uma virada (diversa e diferenciada) à esquerda no continente, com governos
progressistas que ante as nefastas consequências do neoliberalismo se constituíam (alguns,
mas em aparência que em essência) em alternativas de soberania, autodeterminação e antineoliberalismo; o processo de Trabalho Social Crítico da Colômbia surge como uma
14
A continuação faremos uma breve apresentação desse processo, destacando alguns elementos
que consideramos chaves para entendê-lo, mas sem nenhuma pretensão de esgotar a recuperação
histórica do mesmo e uma analise coletiva e sistemática que está pendente e pautada no Coletivo.
Esta localização será a base para pensar os desafios do Serviço Social Crítico da Colômbia.
15
Uribe Veléz chegou ao poder em 2002, após o fracasso do diálogo de paz entre o Governo de
Andrés Pastrana e as FARC-EP (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo).
Prometendo o vencimento e fim das guerrilhas pela via militar (principalmente das FARC-EP, mas
também do ELN –Exército de Libertação Nacional- e do EPL –Exército Popular de Libertação-), para
o qual daria continuidade e aprofundaria o chamado Plano Colômbia, que foi implementado pelo
Governo Pastrana paralelo ao diálogo de paz. Nesse plano, ideado, orientado e financiado pelos EUA
na suposta luta contra o narcotráfico e posteriormente contra o terrorismo, se tem dado uma das
maiores escaladas da guerra não só contra as organizações guerrilheiras, mas contra todas as
expressões de organização e mobilização social e política de esquerda, de oposição, ou de
reivindicação de direitos humanos, sociais, políticos, etc.
expressão da luta de classes, na batalha das ideias de uma categoria profissional,
pretendendo a superação de um Trabalho Social tradicional e conservador de costas à
realidade social colombiana.
Ante o fracasso das tentativas de uma organização colombiana de estudantes
de Trabalho Social16, estudantes e recém-formados da Universidade Nacional da Colômbia
(Unal) decidem, em 2004, conformar um grupo de estudo: Trabalho Social Crítico, e a partir
desse processo organizam em 2005 o I Encontro Latino-americano de Trabalho Social
Crítico, onde convocam acadêmicos representativos do debate profissional na região
continental17, com o intuito de ter uma visão panorâmica das diversas tendências teóricopolíticas que se assumissem como críticas, em uma perspectiva de transformação social,
assim como tentar identificar uns mínimos comuns que permitissem continuar um processo
de articulação continental.
Nesse sentido, propõe-se uma reflexão crítica entorno à formação, pesquisa e
ação profissional, baseada num posicionamento ético e político que superasse o suposto da
neutralidade profissional e que entendendo a função reprodutora do Trabalho Social na
divisão social do trabalho se colocasse numa perspectiva dos interesses das classes
trabalhadoras.
O grupo da Unal reafirma sua opção por assumir o materialismo dialético como
perspectiva teórico-metodológica e política para seu processo de auto-formação e
consequentemente o socialismo como projeto societário ao que se pretenderia contribuir.
Para isso a principal referência no debate profissional seria o acumulo na construção de um
projeto ético-político no Brasil.
A partir desse momento começa um processo de tentativa de articular iniciativas
de grupos de Trabalho Social Crítico em outras universidades, pelo que o perfil que vai se
reafirmar é principalmente estudantil. Assim se conformam grupos ou coletivos em
16
Tentativa que surge no marco dos Encontros Nacionais de Estudantes de Trabalho Social (ENETS)
desde finais da década de 1990 e inicio de década de 2000, que vai se estender até 2007, mas que
não se consolida. Já em 2004 estudantes da Universidade Nacional da Colômbia protagonistas na
construção dessa proposta decidem abortá-la, e em plenário do ENETS se decide não continuar essa
construção, mas em 2005 novamente se pauta o debate, o que leva a decisão de avançar nessa
construção por fora do espaço ENETS e dos consultivos (espaço preparatório dos mesmos), assim
entre 2006 e 2007 se realizam reuniões preparatórias da OCETS, avançando numa proposta formal
de organização, descartando os acúmulos anteriores, finalmente em 2008 esta dinâmica fica
completamente interrompida. Está pendente uma analise sobre esse processo, seus avanços, limites
e contradições, especialmente pensando na necessidade da organização estudantil.
17
Participaram como convidados desse I Encontro: Carlos Montaño pelo Brasil, César Barrantes pela
Venezuela, Gloria Cuartas pela Colômbia, Marcos Chinchilla pela Costa Rica e Natalio Kisnerman
pela Argentina.
Bucaramanga na Universidade Industrial de Santander (UIS) -2006-, em Cali na
Universidade del Valle (Univalle) -2007-, em Manizales na Universidade de Caldas (Caldas)
-2007-.
Só que cada processo teve suas particularidades, enquanto na UIS assumiramse plenamente as propostas da Unal, na Univalle e Caldas se colocava um debate em
termos de como se entendia “o crítico”, não assumindo a-priori o acumulo do debate e do
processo da Unal, problematizando que a única vertente crítica fosse fundamentada no
marxismo, e que o projeto societário fosse o socialismo.
Essas diferenças se fundavam basicamente em três elementos:
1) Uma ideia autonomista da Univalle e Caldas, que percebiam uma postura vertical por
parte da Unal. Univalle e Caldas queriam ser parte de uma articulação nacional de
Trabalho Social Crítico sem perder a sua autonomia e sem ter uma apropriação dos
acúmulos de já três anos da Unal. Esta por sua parte queria conseguir aglutinar os
segmentos estudantis que se assumissem como “críticos”, colocando como ponto de
partida o seu acumulo.
2) Uma pluralidade na composição interna dos coletivos da Univalle e Caldas, de diferentes
experiências e afinidades teóricas e políticas (além da evidente insuficiência e muito
superficial formação em uma perspectiva marxista), que em um contexto de
aprofundamento da guerra e do terrorismo de Estado (já no segundo Governo de Uribe
Vélez), implicava mais prevenções ainda para assumir os pressupostos colocados como
pilares do processo por parte da Unal e assumidos também pela UIS.
3) Em consequência dos dois elementos anteriores foi crescendo uma certa desconfiança e
uma discussão em torno da unidade na diferença, e da necessidade de construir um
acumulo coletivo nacionalmente por parte de todos os coletivos.
Como resultado se conseguiu avançar na articulação dos processos a nível
nacional, mas se teve um retrocesso em termos do acumulo teórico-político que já tinha
conseguido a Unal, o que implicou necessariamente uma retomada de debates que eles
consideravam superados; mas como veremos isso terminou por fortalecer o processo como
um todo, no sentido que se construiu um acumulo coletivo no qual se assumiu efetivamente
a perspectiva já proposta pela Unal.
Em 2007 o grupo da Unal (já nesse momento com mais recém-formados que
estudantes) e o grupo da UIS, começaram a organização do I Congresso Latino-americano
de Trabalho Social Crítico18, no qual se pretendia, diferente do I Encontro, um
aprofundamento no debate profissional desde uma crítica marxista, mas por diversos
motivos não foi isso exatamente o que aconteceu.
Inicialmente pretendeu-se a participação internacional de um convidado do Brasil
e um da Argentina19, que assumissem como perspectiva teórico-política o marxismo, mas
finalmente os convidados foram os argentinos Marcelo Cortizzo (na época diretor da Escola
de Trabalho Social da Universidade das Mães da Praça de Maio) e Norberto Alayón
(destacado acadêmico e referência do debate profissional na região continental desde o
processo de Reconceptualização); o primeiro efetivamente se assumia desde o marxismo,
enquanto o segundo historicamente tem tido uma perspectiva de diálogo com o marxismo,
mas com claras diferenças teóricas, metodológicas e políticas.
Além disso, vários dos trabalhos que foram apresentados, mesmo que se
colocavam desde uma perspectiva crítica com respeito ao Trabalho Social tradicional e
conservador na Colômbia, assumiam um diálogo com o marxismo, mas destacando a
necessidade de articulação com o pensamento de Paulo Freire ou de Foucault, desde uma
apreensão mais eclética que profunda sobre os possíveis pontes e as distâncias dessas
perspectivas.
Por tanto o I Congresso não consegue o objetivo de aprofundar desde uma
analise exclusivamente marxista a apreensão da realidade social colombiana e latinoamericana em face aos processos de dolarização do social20, das consequências da
estratégia neoliberal vigente e das possibilidades e estratégias de resistência e luta social e
profissional.
Mas por outra parte, novamente o evento conseguiu uma importante participação
estudantil, e o processo ganho visibilidade como alternativa organizativa com uma proposta
de crítica ao Trabalho Social tradicional e conservador.
Após o I congresso em 2008, em Bogotá se conforma sob tutela do grupo da
Unal um novo grupo na Universidade Republicana (primeiro coletivo conformado em uma
18
O Coletivo da Univalle é somado no processo de organização na reta final em 2008, participando
na revisão e aprovação dos trabalhos inscritos e colaborando na logística do evento. Será também no
marco desse I Congresso que será conhecido o processo que se estava levando em Caldas, e a
partir dai sua aproximação e articulação com o processo nacional.
19
Além da participação novamente de Gloria Cuartas pela Colômbia. Cuartas é formada em Trabalho
Social, mas se tem destacado como defensora de direitos humanos e como lutadora social e política.
Foi prefeita de Apartadó-Antioquia, um município fortemente golpeado pelo exército nacional e pelo
paramilitarismo (principalmente quando, não por acaso, Uribe Vélez era Governador de Antioquia),
onde se tem uma importante experiência de “Comunidade de Paz", numa tentativa de neutralizar a
ação de todos os atores armados sobre a população.
20
Tema central desse I Congresso.
universidade privada). Também em 2008 começam as primeiras aproximações e tentativas
de conformar coletivos em Armenia na Universidade de Quindío e em Medellín na
Universidade de Antioquia, os quais se conformaram efetivamente em 2009.
No primeiro semestre de 2009 pretendia-se começar a organização do II
Congresso Latino-americano para esse ano, mas as diferenças entre os coletivos, que cada
vez se faziam mais fortes, respeito a assumir, ou não, a perspectiva crítica exclusivamente
desde o marxismo, e o vazio que se sentia por parte da maioria de coletivos conformados
entre 2007 e 2009 respeito à construção de um projeto ético-político, levaram a adiar a
organização desse congresso, e priorizar um I Encontro e Assembleia de Trabalho Social
Crítico da Colômbia.
A partir desse I Encontro e Assembleia, onde se fez uma discussão teóricopolítica sobre marxismo, socialismo e o projeto ético-político profissional, se constroem os
princípios do processo a nível nacional, que seriam entendidos como os mínimos comuns, a
partir dos quais cada coletivo manteria sua autonomia e que igualmente deveriam ser
assumidos por novos possíveis coletivos, para evitar o que tinha acontecido anteriormente
de um retrocesso dos acúmulos teórico-políticos do processo como um todo.
Esses princípios atualmente estão escritos assim:
• Impulsionar um projeto ético-político colombiano desde o Trabalho Social Crítico,
em contra do conservadorismo profissional.
• Assumir os fundamentos teórico-metodológicos do materialismo dialético e histórico
como método para a compreensão da realidade social.
• Aprofundar nas análises críticas do sistema capitalista, contribuindo à superação do
mesmo.
• Articular, desde uma consciência de classe, ações do Trabalho Social Crítico com
as lutas de organizações e movimentos sociais.”
Embora tenham sido revisados de forma permanente nas assembleias,
mantendo-se em essência, mas com alguns ajustes; e ainda que se fizessem alguns fóruns
de debate, e está em construção a fundamentação dos mesmos; falta um debate de maior
profundidade não só do seu conteúdo senão do que implicam em termos práticos, para
pensar sua materialização e desdobramentos.
Em termos organizativos em 2009 se decidiu manter uma coordenação dos
coletivos regionais e assumir-se como processo articulado nacionalmente. Neste ano são
suspendidos os trabalhos em Armenia e Bucaramanga, os quais se têm tentado reativar em
diversos momentos sem sucesso21.
Retoma-se a organização do II Congresso Latino-americano de Trabalho Social
Crítico, o qual será realizado em 2010, novamente com a intenção de aprofundar em uma
perspectiva marxista de analise e debate sobre o tema da construção de projetos éticopolíticos profissionais. Conta-se com a participação internacional, como convidados, de
Alejandro Casas (Uruguai), Carlos Montaño (Brasil), e Lorena Molina (Costa Rica). Nos
casos de Montaño e Molina claramente se assumem desde uma perspectiva marxista, já
Casas dialoga com essa perspectiva, mas faz uma ênfase na necessidade de recuperar o
pensamento latino-americano e pensar em chave da descolonização do saber, valorizando
também processos autônomos de luta no continente, não necessariamente baseados numa
perspectiva marxista.
Na maioria dos trabalhos apresentados também se retomou uma aproximação
às perspectivas marxistas de analises. Em definitiva foi um congresso que logrou uma maior
consistência em termos teóricos e políticos. E se logrou a participação de estudantes e
profissionais de outros países como Argentina, Brasil e Equador.
Nesse ano se decide que a referência dos coletivos não seria mais pelas
universidades e sim pelos municípios, isso dada a possibilidade de ter diversos processos
em um mesmo município (Bogotá, por exemplo, começa a ter coletivos em diversas
universidade privadas) e dado que cada vez se tinham e se teriam mais membros recémformados, alguns que atuariam como profissionais, outras/os como docentes e outras/os
que continuariam seus estudos de pós-graduação no país ou por fora (especialmente no
Brasil), o que por uma parte fortaleceria o debate teórico-político do Coletivo mas que por
outra parte implicava processos de renovação geracional que em geral não se conseguiu
planejar da melhor maneira para afetar o menos possível as dinâmicas locais.
Em 2012 foi conformado o Coletivo de Rio de Janeiro, com militantes que
vinham do processo na Colômbia que estão fazendo estudos de pós-graduação nessa
cidade, o que tem fortalecido a projeção internacional do processo22. Também se tentou a
conformação de um coletivo em Buenos Aires e La Plata Argentina, mas não se logrou
consolidar essa iniciativa.
21
Está pendente uma analise mais coletiva sobre as dificuldades (e suas causas) que se têm
apresentado para a continuidade em esses e outros processos.
22
Desde o ano 2009 se tem uma marcada participação internacional, principalmente na presença
como Coletivo no XIX Seminário Latino-americano de Escolas de Trabalho Social e na Assembleia da
ALAEITS (experiência que se repetiu em 2012), e a partir dai a participação em eventos em diversos
países, muitas das quais foram como convidados e outras apresentando trabalhos.
De 2009 a 2014 se teve um importante fortalecimento e amadurecimento em
reflexões coletivas, especialmente nos coletivos locais nos seus processos de autoformação, com diversas atividades de fóruns, com participação em eventos locais, nacionais
e internacionais, com produções acadêmicas que começaram a mobilizar debates desde a
proposta do Trabalho Social Crítico da Colômbia, entre outros.
Mas, além disso, uma característica que cada vez se tem feito mais forte é que
os membros do Coletivo na sua maioria participam ou são militantes em outros processos
organizativos como movimentos sociais, movimentos e/ou partidos políticos, entre outros,
não se limitando ao movimento estudantil universitário; o que por sua vez também tem
influído em uma maior qualificação do Coletivo, que na pluralidade tem conseguido manter
sua unidade com base nos princípios acordados assumidos como mínimos comuns.
Esse fortalecimento e mudança de perfil claramente se correspondem com auge
da luta social na Colômbia, com um importante triunfo do movimento estudantil universitário
em 2011 ao esbarrar uma reforma à Lei de Educação Superior que pretendia aprofundar o
seu fundamento neoliberal; e sobretudo com o fortalecimento e consolidação de movimentos
como a Marcha Patriótica, o Congresso dos Povos, entre outras plataformas de unidade
social e política, que têm mobilizado uma agenda de luta pela paz com justiça social, pelos
direitos humanos, pela reforma agrária, pela soberania e a democracia; e especialmente a
partir da abertura do diálogo de paz entre o Governo de Santos Calderón e as FARC-EP
desde 2012, o que tem possibilitado outro cenário para a organização e mobilização social,
diferente ao estado de terror e de práticas ditatórias do Governo de Uribe Vélez (com Santos
Calderón no seu segundo período como Ministro de Defesa), ao reconhecer a existência do
denominado “conflito armado” e por tanto reconhecer as guerrilhas como atores políticos em
armas; mesmo que as práticas de perseguição e repressão se mantém.
Entre 2012 e 2014 foi organizado o III Congresso Latino-americano de Trabalho
Social Crítico, comemorativo dos dez anos do processo de Trabalho Social Crítico da
Colômbia. Nesse evento se debateu sobre as lutas sociais no contexto latino-americano
onde mantém vigência, com matizes e processos de resistência permanentes, a ofensiva
neoliberal, num momento onde fica mais evidente os limites da maioria de processos da
denominada virada à esquerda da década anterior e as contradições ao seu interior para
consolidar um bloco anti-neoliberal e anti-imperialista23.
23
Alguns dos trabalhos de membros do Coletivo apresentados no 3eiro Congresso Latino-americano
de Trabalho Social Crítico que possibilitam uma aproximação a esta reflexão são os de Andrés
Contreras, Diana Ramirez, e Sergio Quintero.
Os convidados internacionais e nacionais24, assim como a maioria de trabalhos
apresentados25, se assumiam desde uma perspectiva marxista, com matizes entre si, o que
já também permitiu começar de maneira mais clara evidenciar a heterogeneidade no
marxismo e na apreensão da realidade latino-americana, das lutas sociais e de classes e
das possibilidades e limites profissionais de contribuir nessas lutas.
Desta vez propositalmente foram aceitos trabalhos que se propondo como
críticos não se assumiam desde uma perspectiva marxista, ainda que dialogassem com
esta, assim, houve trabalhos que incorporavam elementos de perspectivas do “paradigma
da complexidade”, do pós-estruturalismo, do pós-modernismo, entre outras.
Isto possibilitou assumir um debate importante entre perspectivas diversas, onde
foi clara a diferenciação entre a produção do Coletivo (fundamentada no marxismo) e outras
perspectivas (marcadamente ecléticas), o que é muito necessário para tentar construir na
diferença, e de somar com todas as forças que no debate profissional se pretendem críticas
ao Trabalho Social tradicional e conservador, mais ainda tendo em conta os limites da
produção teórica na Colômbia.
Mas na avaliação de alguns militantes e/ou coletivos essa participação pode ter
provocado confusões por parte do público em geral (que na sua maioria seguiram sendo
estudantes), pelo que teria sido um erro aceitarem tais trabalhos.
Por fim, analisando o processo descrito de surgimento e consolidação do
Trabalho Social Crítico da Colômbia, poderíamos sintetiza-lo da seguinte maneira: 20042005 Surgimento. 2005-2007 Primeiro processo de consolidação. 2007-2009 Contradições e
fraturas. 2009-2014 Segundo processo de consolidação.
Entendendo o momento atual (2015) como parte do processo de consolidação, é
necessário pensar e agir sobre os diversos desafios que o Coletivo tem para enfrentar, os
quais têm surgido ao longo desses 11 anos. Tanto para uma consolidação maior do
24
Carlos Montaño e Ramiro Dulcich Piccolo (Brasil) –ainda que Montaño seja uruguaio e Piccolo
argentino, os dois fizeram estudos de pós-graudação no Brasil e atualmente são professores efetivos
nas universidades Federal de Rio de Janeiro e na Federal Fluminense respetivamente- os dois sendo
marxistas propuseram analises diferenciadas. Pela Colômbia foram convidados: Gloria Cuartas,
Miguel Ángel Beltrán (professor universitário que foi preso político por dois anos, criminalizado por
sua produção intelectual sob sofismas de suposta vinculação com a insurgência armada das FARCEP, em liberdade foi destituído do seu cargo como professor e posteriormente está sendo novamente
perseguido pelo aparelho judicial da Colômbia insistindo no seu suposto vínculo com as FARC-EP);
Roberth Salamanca (um dos fundadores do processo de Trabalho Social Crítico da Colômbia em
2004, atualmente é professor e diretor da Escola de Serviço Social na Universidade privada
Externado de Bogotá) e Sergio Quintero (membro de Trabalho Social Crítico desde 2007, inicialmente
em Caldas e atualmente no Rio de Janeiro).
25
Esse foi também o congresso com uma participação mais qualificada em termos dos trabalhos de
estudantes, professores e profissionais, inclusive não só do Trabalho Social e não só da Colômbia.
processo na Colômbia, mas também na articulação com outros processos irmãos na
América Latina. Não pretendemos aqui esgota-los, mas sim indicar os que consideramos
mais urgentes para continuar dita consolidação26.
3 DESAFIOS DO TRABALHO SOCIAL CRÍTICO DA COLÔMBIA.
A Colômbia atualmente está em um processo de paz que implica não só o
diálogo com as insurgências armadas das FARC-EP, ELN e EPL, mas também a
participação efetiva do conjunto das organizações e dos movimentos sociais e políticos dos
sujeitos historicamente expropriados, explorados, perseguidos e exterminados27.
A construção e consolidação de um Trabalho Social Crítico na atual conjuntura
da Colômbia coloca o acento na luta pela paz com justiça social, democracia e soberania;
na construção da memoria histórica para a garantia de não repetição; e no fortalecimento da
organização e mobilização social no acirramento das lutas de classes e nas disputas de
projetos de país. São sobre essas bases que precisamos pensar os nossos desafios.
Entendemos os desafios do Trabalho Social Crítico da Colômbia na necessidade
de tratar e mobilizar debates teórico-políticos e práticos ao interior do Coletivo e também por
fora deste. Entre alguns dos temas que historicamente têm surgido temos:
- Teoria(s) crítica(s). Esse é um debate que tem surgido em diversos momentos
do processo, é necessário aprofundar a reflexão das teorias que se colocam como “críticas”,
analisar criticamente as mesmas, destacando os elementos que possam ser resgatados e
apontando seus limites e contradições. Sobretudo demonstrando a pertinência e
necessidade da apreensão teórico-metodológica e política que se encontra na herança de
Marx, na crítica da economia política, no método materialista dialético e numa perspectiva
revolucionária da classe trabalhadora, para as analises das realidades concretas e nas
perspectivas de ação profissional.
26
Já em outros trabalhos temos também tentando contribuir nesse sentido. Uma síntese pode ser
encontrada em artigo por publicar Tapiro (2015). Também encontramos elementos na dissertação de
mestrado de Salamanca (2010). Entre outras produções de membros do Coletivo.
27
Texto chave para uma aproximação diversa sobre a guerra na Colômbia é o texto da Comissão
Histórica do Conflito e sus Vítimas (2015), surgida do processo de diálogo em Havana, onde
intelectuais de diversas perspectivas teórico-políticas apresentam suas teses sobre o denominado
“conflito armado” e contribuem para pensar encaminhamentos no processo da paz. Este documento
por sua vez será a base de uma eventual comissão histórica da verdade.
- Marxismo(s). Assumir o marxismo não pode ficar como uma palavra de ordem,
é necessário o estudo para sua apreensão, e nesse caminho é importante identificar e
entender as diferentes correntes da tradição marxista, assim como realizar analises
concretas da nossa realidade social e da profissão.
- Lutas de classes, guerra e imperialismo na Colômbia. Assumindo a herança
teórico-metodológica e política do Marx e Engels, é preciso analisar em termos concretos os
processos das lutas de classes na Colômbia, suas particularidades a partir da guerra,
consequência da estratégia imperialista-militarista de um desenvolvimento capitalista
baseado na violência aberta (oficial e paramilitar), na opressão e repressão das vozes
dissidentes, opositoras, subversivas, e seu extermínio físico. Está também aqui a chave
para contribuir no processo de paz, desde as analises teóricas, mas também desde a ação
profissional fundamentada na apreensão do movimento da realidade social.
- Projetos políticos anticapitalistas. No interior do Coletivo está clara e
assumida uma perspectiva anticapitalista, embora desde 2011 se tenha assumido o
socialismo como projeto societário, não se tem feito público em documentos (nem nos
princípios), por isso é necessário um debate que possibilite amadurecer coletivamente ao
respeito, inclusive porque em vários momentos surgem novamente inquietudes respeito a
outros possíveis projetos anticapitalistas diferentes ao socialismo. E mais ainda para pensar
os novos projetos de país, possíveis em um novo cenário de paz, o que possibilitaria
aprofundar a reflexão coletiva sobre projeto profissional.
- Perspectivas no Trabalho Social na Colômbia e América Latina: A proposta
do Trabalho Social Crítico precisa uma apreensão das tendências que se apresentam no
país e na região continental, passando pelas propostas de renovação conservadora (em
toda sua diversidade), até as propostas que se colocam como “alternativas” e/ou “críticas”.
Assim como identificar os processos onde se esteja construindo também uma perspectiva
de renovação profissional crítica baseada no marxismo como fundamento. Esta apreensão é
chave para a construção de um projeto ético-político profissional, para entender as
possibilidades e limites, baseados nas confluências e diferenças entre diversas perspectivas
profissionais. Isto também é chave para analisar a história escrita da profissão e propor
novas chaves interpretativas do surgimento, desenvolvimento e atualidade do Trabalho
Social na Colômbia e América Latina.
Mas para conseguir o trato e a mobilização desses debates é claro que o
Coletivo precisa fortalecer seus processos locais, e o processo nacional, de auto-formação,
onde evidentemente é importante o diálogo com outros profissionais por fora do Coletivo e
da categoria, que compartilhem as inquietações e propostas e/ou que tenham um acumulo
ao respeito.
Outro desafio tem a ver com o necessário fortalecimento organizativo do
Trabalho Social Crítico da Colômbia, construindo uma proposta estratégica que possibilite
realmente projetar a disputa da hegemonia de um novo projeto profissional. Esse
fortalecimento também passa pela possibilidade de permanência no processo dos
profissionais e docentes, assim como a chegada de novos estudantes.
Nesse sentido é importante lograr cada vez uma maior presença no debate
profissional. Ao respeito existe uma discussão em aberto sobre necessidade e/ou
pertinência, ou não, da atuação como Coletivo nos diversos espaços institucionais, desde os
processos locais de representação ou organização estudantil, a participação nos Encontros
Nacionais de Estudantes de Trabalho Social, nos Congressos Colombianos de Trabalho
Social, e inclusive nas entidades da categoria como Conselho Nacional para a Educação em
Trabalho Social (CONETS), na Federação Colombiana de Trabalhadores Sociais (FECTS) e
as respetivas associações regionais, e no Conselho Nacional de Trabalho Social.
Independente da decisão com que seja encerrada essa discussão, o Coletivo
não pode conformar-se como um gueto isolado, se é verdadeira sua vocação de renovação
profissional precisa afetar de maneira efetiva a institucionalidade, e para isso é necessário o
fortalecimento organizativo, não só do Coletivo mas da categoria (estudantes, profissionais e
docentes), e articular com quem, mesmo por fora do Coletivo, seja próximo teórica e
politicamente, e que possam ser aliados na construção do projeto ético-político profissional e
na disputa pela hegemonia, nesse sentido propostas como a conformação de novas
entidades, por exemplo sindicais, devem ser também avaliadas28.
Assim mesmo é importante pensar a possibilidade de recuperar duas propostas
que não são excludentes, mas que efetivamente devem ser diferenciadas. A realização de
encontros entre perspectivas que se coloquem como críticas, ainda que não se assumam
exclusivamente desde o marxismo; e a realização de encontros onde confluam não só
profissionais do Trabalho Social, mas que se assumam sim desde essa perspectiva teóricometodológica e política. Nesse sentido é evidente que é preciso repensar os chamados
congressos latino-americanos de Trabalho Social Crítico, os quais deveriam apontar mais a
reflexões coletivas e construção de propostas concretas de articulação da profissão na
região continental, desde a perspectiva proposta.
28
No passado 3er Congresso Latino-americano de Trabalho Social Crítico esta foi uma proposta
apresentada de maneira introdutória por Alexandra Torres e Ricardo Plazas (quem são membros do
Coletivo de Bogotá).
Desta maneira é importante definir uma estratégia de atuação internacional que
possibilite consolidar a articulação e aprendizagem com outros processos irmãos na
América Latina que estão, com acúmulos diferenciados, na mesma aposta de construção.
Para isso os intercâmbios em todos os eventos onde seja possível (próprios ou não), o
fortalecimento comunicativo nas redes virtuais, e a pesquisa e produção acadêmica própria
(sobretudo coletiva) e sua difusão, são fundamentais.
Finalmente, o Coletivo tem como desafio a analise dos processos organizativos
sociais e políticos em luta, com os quais considere que pode ter articulação (onde inclusive
já tem militâncias compartilhadas), e nesse sentido contribuir desde suas possibilidades e
limites nas lutas sociais e de classes no país, especialmente neste momento de construção
de uma grande frente na luta pela paz com justiça social, democracia e soberania, momento
tático fundamental na possibilidade da luta pela construção do socialismo.
REFERÊNCIAS
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Colômbia.
COMISIÓN HISTÓRICA DEL CONFLICTO Y SUS VÍCTIMAS
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“Contribución
al
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PLAZAS, Ricardo e TORRES, Alexandra (2014). “La organización profesional como
clase asalariada y la construcción de un proyecto ético-político profesional crítico:
una propuesta desde el trabajo social para la articulación con las fuerzas sociales de las
clases subalternas en la lucha de clases en Colombia”. Trabalho apresentado no 3eiro
Congresso Latino-americano de Trabalho Social Crítico. Cali.
RAMIREZ, Diana (2014). “Las luchas de resistencia y los gobiernos de izquierda en
América Latina: el papel de Colombia en el periodo 2002-2010”. Trabalho apresentado no
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luchas de clases”. Trabalho apresentado no 3eiro Congresso Latino-americano de
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contexto Latinoamericano”. Dissertação de Mestrado em Serviço Social. UFRJ. Rio de
Janeiro.
TAPIRO, Juan Pablo S. (2015). “A vigência da luta de classes e a construção de um
Serviço Social crítico na América Latina”. Artigo apresentado para avaliação da Revista
Praia Vermelha da UFRJ. Vol. 24 No. 2 Rio de Janeiro.
__________________ (2013). “Posibilidades de un Trabajo Social Crítico en Colombia”.
Em: Revista Prospectiva No. 18. Cali.
__________________ (2012). “Trabajo Social en Colombia: una propuesta de renovación
desde una crítica marxista”. Dissertação de Mestrado em Serviço Social. UFRJ. Rio de
Janeiro.
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