ANALISE DO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM DE CARTOGRAFIA NA EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL: ESTUDO DE CASO DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE GOIÂNIA (GO) PEREIRA, Bruno Magnum. Graduando em Geografia (licenciatura) do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA), Universidade Federal de Goiás. E-mail: [email protected] OLIVEIRA, Ivanilton José de. Professor do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA), Universidade Federal de Goiás. E-mail: [email protected] INTRODUÇÃO A presente proposta dá continuidade ao projeto PROLICEN submetido e aprovado no Edital de 2008. Baseia-se, entretanto, em um projeto de pesquisa anterior, do ano 2000, intitulado Diagnóstico do ensino de geografia física nas escolas da rede municipal de Goiânia. Naquele momento foram aplicados questionários a todos os professores de Geografia da rede pública municipal acerca das dificuldades e afinidades em relação ao trabalho com conteúdos da área de geografia física – que envolve, no âmbito da Geografia, os estudos sobre clima, relevo, solos, rochas, vegetação, problemas ambientais etc. Os dados desses questionários foram tabulados, analisados e deram origem a uma monografia do curso de pós-graduação lato senso em Geografia do Brasil, sob o título de Decifra-me ou te devoro: as dificuldades com o ensino de Geografia Física. Diagnóstico preliminar no ensino fundamental da rede pública municipal de Goiânia (Duarte, 2001). A grande surpresa na análise dos dados foi que o principal referencial indicado pelos professores como um dos temas com os quais apresentavam “dificuldade” no processo de ensino referia-se à cartografia. Essa foi a motivação para a presente proposta de pesquisa, já que trabalhar os conteúdos relativos à cartografia ainda é um desafio para os professores, que se sentem pouco preparados e habilitados para aprofundar as abordagens e explorar as potencialidades dessa linguagem. Há, no entanto, a necessidade de investigar quais são, especificamente, os maiores problemas apontados pelos professores – já que os dados coletados anteriormente não o faziam. Há todo um instrumental e uma carga teórico-metodológica da cartografia de base, ligados às concepções de escala, projeções, redes de localização, orientação etc., que Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 1 precisam ser abordados concomitantemente à construção da linguagem cartográfica – que envolve os raciocínios acerca da legenda e sua aplicação na construção da imagem do mapa. Da mesma forma, é importante diagnosticar entre os alunos quais são as principais deficiências no processo de aprendizagem desses conteúdos e dessa linguagem da Geografia. Isso nos permitirá cotejar, ainda que preliminarmente, ensino e aprendizagem, e verificar algumas discrepâncias existentes. Enquanto o projeto e o plano de trabalho desenvolvidos em 2008/2009 focaram especificamente na figura do professor – ou seja, no diagnóstico da atividade ensino –, os procedimentos previstos para 2009/2010 estarão voltados para o diagnóstico da aprendizagem, a partir da elaboração e aplicação de questionários e atividades para trabalho com estudantes da rede pública municipal de ensino. OBJETIVOS Analisar os principais problemas relacionados à aprendizagem de conteúdos de Cartografia, detectados na investigação (questionário e atividades) com estudantes da rede pública municipal. Verificar como esses conteúdos são abordados nos livros didáticos adotados pelos professores. Cotejar os problemas de aprendizagem dos estudantes com os problemas de ensino apontados pelos professores (em pesquisa anterior do PROLICEN). Apontar as deficiências no processo de ensino-aprendizagem, resultantes das análises anteriores e indicar temáticas para atividades de ensino e/ou extensão do curso de Geografia da UFG. METODOLOGIA A primeira etapa do trabalho consistiu na análise das informações produzidas no âmbito da pesquisa PROLICEN realizada entre 2008/2009, envolvendo as deficiências no ensino de cartografia entre os professores da rede pública municipal. Também foram consultadas as referências bibliográficas que embasaram a pesquisa citada, além de outras que versem especificamente sobre a aprendizagem da cartografia na atividade escolar. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 2 A segunda etapa envolveu a seleção dos estudantes para aplicação dos questionários e atividades. Os estudantes foram selecionados entre aqueles cursando o 7º ano do ensino fundamental, haja vista que a maior parte dos conteúdos de cartografia se concentra no 6º ano. A amostragem consistiu numa representação do perfil a ser obtido junto à Secretaria Municipal de Educação, no tocante à média de idades e distribuição quanto ao gênero (homens e mulheres). A seleção foi feita entre classes de escolas da rede pública municipal, com índices de avaliação no IDEB abaixo da média prevista para Goiânia em 2007. A escolha das escolas participantes da pesquisa, por sua vez, foi feita após consulta aos dados da Secretaria Municipal de Educação, acerca do total de unidades e sua distribuição geográfica pelo município de Goiânia. Na terceira etapa do trabalho os questionários e atividades foram aplicados aos estudantes selecionados e abrangeram dois eixos principais – conforme proposto por Simielli (1999): o aluno mapeador consciente e o aluno leitor-crítico de mapas. Esses instrumentos de pesquisa foram elaborados no projeto de pesquisa Diagnóstico do processo de ensino-aprendizagem da Cartografia na educação fundamental: estudo de caso da rede municipal de Goiânia-GO, conduzido pelo Prof. Dr. Ivanilton José de Oliveira, A quarta etapa consistiu da tabulação e análise dos resultados. Os índices de erros e acertos foram discriminados por temática e, em seguida, cotejados com resultados obtidos no projeto PROLICEN de 2008/2009, realizado com os professores. Por fim, a última etapa tratou sobre a indicação das temáticas consideradas mais problemáticas no ensino-aprendizagem de cartografia, no processo educacional, para que sejam pensados projetos de ensino e/ou extensão, ligados ao Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação Geográfica (LEPEG) do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA), voltados para professores e alunos da rede pública municipal de ensino. RESULTADOS PRELIMINARES Partindo de uma análise das repostas do questionário aplicado aos professores da rede pública municipal de Goiânia e da tabulação dos dados obtidos no projeto PROLICEN de 2008/2009, ficam evidentes as dificuldades dos professores de Geografia em ensinar Cartografia em sala de aula. E isso os leva a burlar tais conteúdos, como afirma Oliveira (2010). Segundo os professores, matérias como “projeções”, “imagens de satélites” e Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 3 “escalas” são as mais difíceis no ensino de Cartografia, afirmam ainda, que isso ocorre principalmente por problemas na “formação (Graduação)”. Com a intenção inicial de cotejar os dados coletados no projeto desenvolvido em 2008/2009, foram elaborados questionários e exercícios para serem aplicados aos alunos de 7º ano do ensino fundamental das escolas da rede pública municipal de Goiânia. A primeira parte do questionário pretendeu traçar um perfil do aluno estudado, contendo perguntas como sexo e idade. A pesquisa abrangeu um total de 86 alunos, dos quais 86% têm entre 12 a 13 anos de idade, sendo 51,2% do sexo masculino e 47,7% do sexo feminino (1,2% não responderam). A segunda parte desse questionário teve por objetivo resgatar do aluno quais as suas opiniões sobre o processo ensino-aprendizagem de Cartografia na disciplina de Geografia. Questionados sobre quais materiais utilizados pelo seu professor contribuem mais para que ele aprenda cartografia, o mapa ficou em primeiro lugar, com 56% das indicações. Surpreendentemente (ou não), o livro didático foi o segundo item mais indicado, com 53,5%. Já os Globos e Maquetes foram mencionados por apenas 7% dos alunos, cada um (Figura 1), como instrumentos que mais ajudam na aprendizagem da cartografia. Figura 1 – Gráfico que aponta os materiais utilizados pelos professores que mais ajudam. Fonte: Questionário aplicados aos alunos, pelo autor, em 2009. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 4 Algumas das questões aplicadas aos professores no projeto anterior também foram utilizadas com os alunos, pretendendo, então, termos duas visões, já que o objetivo aqui é comparar os problemas do processo de ensino (PROLICEN 2008/2009) com os problemas apontados pelos alunos na aprendizagem. Uma questão adaptada foi sobre as matérias que os alunos tinham mais dificuldades. Os alunos apontaram como matérias mais difíceis as “imagens de satélites” (40,7%) e “fuso horários” (40,7%), seguidas por “Coordenadas Geográficas” (36,2%), matéria apontada por 75% dos professores como sendo fácil. Quando perguntados sobre conteúdos mais fáceis, alunos e professores concordam que é fácil trabalhar com “Leitura/Análise de Mapas”, sendo que 47,7% dos alunos têm facilidade com o tema (Figura 2). Entretanto, pôde-se perceber que não é bem essa a realidade. Figura 2 – Gráfico sobre dificuldades de alunos em matérias de Cartografia. Fonte: Questionário aplicados aos alunos, pelo autor, em 2009. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 5 Um fato que chamou a atenção no momento da aplicação do questionário foram as queixas dos alunos de nunca ter estudado tais matérias, e que não saberiam responder se tinham ou não dificuldades por não conhecerem o conteúdo. Consideramos estas observações importantes, pois os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) prevê que no terceiro ciclo (5ª e 6ª séries) deve-se trabalhar da alfabetização cartográfica à leitura crítica e mapeamento consciente. A terceira parte do questionário compreendia três exercícios, que seguem proposta de Simielli (1999), acerca dos dois eixos para o ensino de Cartografia. O primeiro, de “mapeador consciente”, que indica a necessidade de formar alunos capazes de entender que a escolha do fato a ser cartografado depende de uma perspectiva subjetiva; o segundo, de “leitor crítico de mapas”, que significa uma leitura que analisa e ultrapassa o nível simples da localização dos fenômenos. O primeiro exercício apresentava uma tabela com as porcentagens de crianças de 7 a 14 anos de idade analfabetas nos estados do Brasil. A proposta do exercício era que cada aluno, da maneira que julgasse mais adequada, representasse no mapa os dados da tabela. Poderiam assim, usar representações gráficas como textura, cor, figuras etc. O mapa em branco foi fornecido com campos para preenchimento de título, fonte, e construção temática. O campo da legenda também foi entregue com intervalos agrupados. O objetivo do exercício era então, saber como o aluno representaria os dados no mapa, e como construiria a legenda. Lembrando que segundo o PCN, construção de legendas deve ser ensinada no 6º ano - daí o fato de o questionário ter sido aplicado no 7º ano. Com os dados ordenados, os alunos deveriam construir a legenda com uma noção de valor, ou seja, com uma ordem hierárquica entre os dados. No entanto, nenhum dos 86 alunos que responderam o exercício conseguiu estabelecer tal noção completamente, e apenas 3 (3,49%) conseguiram parcialmente. A relação entre a tabela, mapa e legenda foi avaliada como “completo/correto”, “completo/com erros”, “incompleto” e “em branco” (Figura 3). Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 6 Figura 3 – Gráfico representado o relação feita entre tabela, legenda e mapa. Fonte: Questionário aplicados aos alunos, pelo autor, em 2009. Quanto à utilização do título, 81% não colocaram absolutamente nada, sendo que apenas 1 aluno colocou todo o titulo, ou seja, com recorte espacial, temporal e temático. A fonte também foi pouco indicada, com apenas 26% dos alunos. A construção temática (autoria da construção do mapa) não foi avaliada, visto que a identificação era opcional. O segundo exercício compreendia a análise do mapa temático construído. A leitura e interpretação da distribuição do analfabetismo no Brasil deveriam ser feitas a partir do conhecimento do aluno sobre o assunto. A resposta esperada deveria conter palavras chaves, como por exemplo: região norte, região sul, parte litorânea, interior do país etc. Além do exercício não conter nenhuma resposta de nível alto, apresentou uma grande abstenção dos alunos, ficando 60% sem respostas (Figura 4). Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 7 Figura 4 – Gráfico representado os níveis de respostas. Fonte: Questionário aplicados aos alunos, pelo autor, em 2009. O terceiro exercício aplicado foi de correlação de mapas. Dois mapas do estado de Goiás foram dispostos lado a lado, o primeiro de vegetação original (1988) e o outro de uso do solo de 2002. O enunciado pedia para que fizessem uma comparação entre os dois mapas e apontasse o que ocorreu com as áreas de Cerrado neste intervalo de tempo. Nosso objetivo era avaliar a capacidade de comparação que o aluno detém. Mais uma vez não tivemos respostas com o nível alto, porem tivemos menos respostas em branco. Cerca de 28% dos alunos responderam errado a questão, e 22% responderam com respostas de baixo nível com por exemplo “diminuiu”, que apesar de corretas é insatisfatória. Os resultados das duas pesquisas aqui referenciadas indicam que há problemas tanto no ensino, quanto na aprendizagem dos conteúdos de cartografia. Por sua vez, não há correlação exata entre as dificuldades apontadas pelos docentes e aquelas indicadas pelos estudantes. O mesmo vale para as afinidades ou facilidades no trabalho os temas da cartografia. Entretanto, os resultados das atividades aplicadas aos estudantes demonstram Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 8 uma situação muito preocupante, já que tanto o eixo do “mapeador consciente” quanto o do “leitor crítico” parecem não estar sendo construídos a contento nas escolas. As respostas das consultas aos docentes e aos alunos não são corroboradas pelos resultados das atividades desenvolvidas pelos estudantes. Um exemplo disso é a indicação de facilidade com a leitura e interpretação de mapas, tanto por parte dos professores, quanto dos alunos. Mas as atividades demonstraram resultados medíocres, que não avançam na análise dos produtos cartográficos, como na interpretação ou na realização de correlações. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DUARTE, Lucivaine Carvalho. Decifra-me ou te devoro: as dificuldades com o ensino de Geografia Física. Diagnóstico preliminar no ensino fundamental da rede pública municipal de Goiânia. Monografia (Especialização em Geografia do Brasil) – Instituto de Estudos Socioambientais, Universidade Federal de Goiás. Goiânia, 2001. OLIVEIRA, Ivanilton José de. A cartografia na formação do professor de geografia: análise da rede pública municipal de Goiânia. In: Eliana Marta Barbosa de Morais; Loçandra Borges de Moraes. (Org.). Formação de professores: conteúdos e metodologias no ensino de Geografia. 1 ed. Goiânia-GO: NEPEG/Vieira, 2010, v. 1, p. 123-136. SIMIELLI, Maria Elena Ramos. Cartografia no ensino fundamental e médio. In: CARLOS, Ana Fani Alessandri (Org.). A Geografia na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1999. p. 92-108. (Repensando o Ensino) Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 9