a estrada e a paisagem: como a antropização atua sobre o relevo

Propaganda
A ESTRADA E A PAISAGEM: COMO A ANTROPIZAÇÃO ATUA SOBRE O
RELEVO (UM ENSAIO DE GEOMORFOLOGIA AMBIENTAL)
Antônio Carlos Ribeiro Araújo Júnior
Programa de Educação Tutorial do curso de Geografia da UFPA
AGB-Belém
[email protected]
Estêvão José da Silva Barbosa
Pesquisador independente
[email protected]
1 - INTRODUÇÃO
O presente ensaio contém discussões feitas a partir de observações de campo
realizadas pelos autores em diversos municípios da Amazônia oriental, na porção nordeste do
Estado do Pará, abrangendo as faixas de influência das rodovias BR-316 (Pará-Maranhão) e
BR-010 (Belém-Brasília), que constituem importantes eixos de integração intra e interregional.
As estradas, como elementos da dinâmica e da organização do espaço, permitem visualizar
em suas áreas de influência direta e indireta interações entre fatores bio-físicos e
antropogênicos, onde não somente os trabalhos de infraestrutura, mas todo o conjunto de
atividades socioeconômicas do entorno geram impactos e mudanças na paisagem e no
ambiente.
Neste contexto, o relevo aparece como síntese de formas e processos, que se pode
apreender na paisagem por meio da observação. Indo além de fatores meramente
fisiográficos, o relevo aparece como objeto de estudo sob uma abordagem integrada
(sociedade e natureza) – matriz da chamada Geomorfologia Ambiental. O ensaio pretende,
assim, contribuir para a elaboração de estudos futuros neste tema, indicando processos e
formas gerados sob influência antropogênica.
Analisar a geomorfologia da paisagem se faz necessário para que se possa entender
melhor como, por que e para que (intenção) ocorrem as alterações no relevo. A abordagem
segue o conceito de paisagem, não sendo esta uma simples adição de elementos geográficos,
Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3
1
2
os quais nada possuem de consonantes; e sim, conforme definiu Bertrand (1971, p. 2), “[...]
uma determinada porção do espaço, o resultado da composição dinâmica, portanto instável,
de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre os
outros, fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em perpétua evolução”.
2 - GEOMORFOLOGIA AMBIENTAL: ELEMENTOS TEÓRICO-CONCEITUAIS
Não se trata de algo muito recente a consideração da sociedade como agente
geomórfico, no que teve grande contribuição a Teoria Geral dos Sistemas (TGS) e seus
efeitos analíticos na Geografia Física, sobretudo a partir dos anos 1950 e 1960 (GREGORY,
1992). Contudo, antes do advento da TGS, geólogos e geógrafos já consideravam a
influência humana sobre o relevo, a exemplo de Charles Lyell (PELOGGIA, 2005). No
Brasil, Ab’Sáber (1969) fez no final da década de 1960 alguns apontamentos sobre a
importância das ações humanas cumulativas nos conjuntos regionais e locais do relevo no
território intertropical brasileiro.
De acordo com uma visão mais humanizada nos estudos sobre o relevo, o termo
Geomorfologia Ambiental foi introduzido por Coates (1971), que o definiu como o “[...] uso
prático da geomorfologia para a solução de problemas onde o homem intenta transformar, ou
usar e mudar processos [e formas] superficiais” (PANIZZA, 1996, p. 4, tradução nossa). Seu
objeto de estudo considera as questões ambientais (relações sociedade/natureza), o uso do
solo e o trabalho, associados à utilização das técnicas, na transformação e produção do
relevo do presente e do passado, com especial atenção para os impactos das ações
antropogênicas no meio bio-físico e nas formas que compõem a paisagem.
A definição mais corrente de Geomorfologia Ambiental é a que remete ao seu caráter
prático, sua utilidade às atividades humanas, a exemplo do planejamento e da gestão
ambientais (GUERRA, GUERRA, 2009, p. 315). Quando esta disciplina se preocupa com o
papel das sociedades na criação ou modificação das formas de relevo, com ações diretas (ou
imediatas) e indiretas (ou mediatas), e efeitos de desnudação ou erosão e de acumulação, tem
lugar a chamada Geomorfologia Antropogenética (GUERRA, GUERRA, 2009, p. 315-317).
Summerfield (1991, p. 25, tradução nossa) trabalha com a noção de Geomorfologia
Aplicada, que abrange tanto a ação humana sobre o relevo como a importância da disciplina
para a gestão ambiental. Para ele, “a ação humana pode afetar a paisagem em dois sentidos:
Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3
2
3
pela ação direta de criação de novas formas, e pela alteração da taxa na qual os processos
geomórficos operam”.
Neste ensaio, admite-se a noção de Geomorfologia Ambiental com sentido genético
(análise da gênese das formas de relevo) e aplicado (análise das mudanças do relevo e das
intenções humanas sobre ele). O relevo, como totalidade de formas e processos, é entendido
ao mesmo tempo como elemento da paisagem, recurso e risco para as sociedades
(SUMMERFIELD, 1991; PANIZZA, 1996).
A respeito deste tema, novos esforços foram feitos no Brasil em princípios dos anos
1990 por Cassetti (1991), que buscou aliar a abordagem dialética à análise do relevo. Ross
(1990, 1992) discutiu a ação humana nas escalas mais locais da taxonomia do relevo, que
incide, por exemplo, na dinâmica das vertentes. Nos anos 2000 se destacam as contribuições
teóricas (explicita ou implicitamente assumidas como Geomorfologia Ambiental) dos
geógrafos do sul e sudeste do país, como Ross (2003), Suertegaray (2002) e Coltrinari
(2000, 2001), e Sales (2004), da Universidade Federal do Ceará (UFCE). A interação
relevo/solo/degradação humana foi abordada, dentre outros autores, por Guerra (1999).
Dentre os geólogos o principal trabalho é o de Peloggia (1998), que forneceu contribuições
acerca dos depósitos “tecnogênicos” e do relevo “tecnogênico” como objeto de estudo.
O tema em questão tem se expandido, sobretudo, por meio de estudos em espaços
urbanos, de geomorfologia fluvial e aqueles que enfatizam desastres e riscos em áreas
costeiras ou de relevo mais acidentado (PANIZZA, 1996). Há, também, estudos de caráter
morfogenético/histórico que identificam formas de relevo e processos geomorfológicos
pretéritos com base na análise do conteúdo de depósitos de origem “tectogênica” (artificial),
mapas e textos antigos, dentre outras fontes (ROSSATO, SUERTEGARAY, 2002;
PELOGGIA, 2005).
3 - FORMAS E DINÂMICA DO RELEVO NAS FAIXAS SOB INFLUÊNCIA DE
ESTRADAS NO NORDESTE DO ESTADO DO PARÁ
Os fatos geomórficos observados foram agrupados em dois tipos principais: erosivos
e deposicionais. A escala de trabalho, conforme adaptação feita a partir de Summerfield
(1991, p. 16) e Perillo e Codignotto (1989), considera formas em micro e meso espaços
(escala local), sujeitas a processos exogenéticos cuja temporalidade é imanente, isto é,
Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3
3
4
operam na atualidade, ou deixaram de operar em um tempo muito recente, medido à luz da
dinâmica histórica ou social.
Sendo de difícil classificação quanto à sua gênese, aqueles fatos se apresentam como
formas e processos criados pela ação humana, e que não existiriam sem a intervenção
antropogênica; e/ou formas e processos induzidos, em que a ação da sociedade acelera ou
evoca o potencial do relevo aos fenômenos de degradação ou agradação (Quadro 1). Os
principais conjuntos de atividades associados à dinâmica do relevo sob influência
antropogênica são, na área estudada: a) obras de engenharia e construção civil; b) empréstimo
de terras (mineração); c) agropecuária, e; d) indústria (exceto mineração industrial).
Os fatos geomórficos das áreas urbanas formadas em espaços sob influência das
estradas de rodagem não estão sendo considerados em virtude de sua diversidade e
complexidade, e demandam, a nosso ver, um trabalho específico.
3.1 - FORMAS E PROCESSOS EROSIVOS
3.1.1. Plainos e raspagens de terra
São executados com o objetivo de “aplainar” o terreno para a instalação de
edificações, plantas industriais, estradas, equipamentos de lazer etc., para preparar o solo
para as atividades agropecuárias, ou para a mineração. Provoca não somente a supressão do
solo e de parte do subsolo, mas também da cobertura vegetal. O impacto mais visível da
execução de plainos e das raspagens de terra é sobre a topografia, com a eliminação dos
declives do terreno e, lateralmente, criação de aclives ou mesmo declives que podem
ultrapassar alguns metros de altura. Ocorrem como formas pontuais, de escala métrica, por
toda a área estudada.
3.1.2. Cortes de planalto
Os “cortes” de planalto são semelhantes, em sua configuração e gênese, aos plainos.
Servem, igualmente, para “aplainar” a superfície e ocorrem mais comumente ao longo das
estradas de rodagem que percorrem terrenos com topografia médio a forte ondulado, e nos
sítios de extração mineral. Apresentam escala métrica e manifestação pontual. Ao expor as
camadas subjacentes do substrato ao escoamento superficial, associado ao fluxo de água
subterrânea, os “cortes” provocam erosão em sulcos, ravinas, voçorocas, além de
Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3
4
5
remobilização de material depositado em terraplenos, e movimentação de terras com o
desmoronamento de material inconsolidado, chegando a constituir blocos.
Quadro 1: Síntese de formas de relevo e processos geomorfológicos identificados.
ATIVIDADES
RELACIONADAS
Obras de
engenharia e
construção civil
Empréstimo de
terras (mineração)
P
l
a
i
n
o
s
e
r
a
s
p
a
g
e
n
s
d
e
t
e
r
r
a
FORMAS E PROCES S OS
EROS IVOS
C
V
E
D
E
o
e
r
e
l
r
r
o
p
e
t
t
s
r
v
e
e
ã
e
a
s
n
o
s
ç
d
t
s
s
õ
e
e
u
õ
e
p
s
p
e
s
l
(
e
s
i
a
r
r
i
s
n
a
f
s
o
a
m
i
o
l
l
p
c
l
a
t
a
i
a
d
o
s
a
d
a
)
l
a
s
e
(
s
e
s
s
o
c
l
a
o
r
s
p
)
a
s
S
o
l
a
p
a
m
e
n
t
o
d
e
m
a
r
g
e
m
d
e
c
a
n
a
l
R
e
t
i
f
i
c
a
ç
ã
o
/
c
a
n
a
li
z
a
ç
ã
o
d
e
c
u
r
s
o
s
d
’
á
g
u
a
E
l
e
v
a
ç
õ
e
s
a
r
t
i
f
i
c
i
a
i
s
FORMAS E PROCES S OS
DEPOS ICIONAIS
A
D
B
B
t
e
a
a
e
p
n
c
r
ó
c
i
r
s
o
a
o
i
s
s
s
t
f
d
(
o
l
e
t
s
u
d
e
i
v
e
r
n
i
p
r
d
a
o
a
i
i
s
ç
f
s
i
o
e
e
ç
s
r
c
ã
a
e
a
o
r
n
r
l
t
c
g
a
i
i
a
c
f
a
s
u
i
d
d
s
c
o
e
t
i
s
f
r
a
d
u
e
i
e
n
s
c
d
)
o
o
b
e
r
t
u
r
a
C
a
o
s
d
e
b
l
o
c
o
s
,
d
e
p
ó
s
i
t
o
s
d
e
p
i
e
m
o
n
t
e
■
■
■
♦
■
■
♦
■
■
■
♦
♦
■
-
■
■
■
♦
■
■
♦
-
■
-
♦
♦
■
♦
■
-
■
♦
-
-
♦
■
■
■
♦
♦
■
-
Indústria (exceto
mineração
industrial)
■
-
■
-
-
-
♦
■
■
■
♦
♦
■
-
LEGENDA
■
Agropecuária
Processos e
♦
Processos e
-
Não observado, sem ou
Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3
5
6
formas criados
e/ou induzidos
Fonte: elaborado pelos autores a partir de trabalhos de campo.
formas criados
com pouca expressão
espacial/ temporal
3.1.3. Vertentes (rampas) e escarpas
Estão associadas a diversas formas de relevo com influência antropogênica. Ocorrem
pontual ou linearmente como segmentos de forma, de escala e perfil métricos, raramente
ultrapassando 2 km. Delimitam terraplenos, cortes de planalto, depressões e elevações
isoladas. A mineração é o fator que mais têm contribuído para a geração de vertentes e
escarpas, sob a forma de “taludes” ou rampas que rebaixam o terreno e permitem o acesso às
substâncias minerais de interesse econômico. Nas margens de canal e nos setores de falésias,
a ocupação humana, associada à retirada da vegetação ciliar, de material do solo ou subsolo e
ao fluxo das águas superficiais e subterrâneas acentua a tendência à erosão, o que tem
provocado prejuízos materiais, financeiros e casos de degradação ambiental.
3.1.4. Erosão superficial (solos)
A agropecuária é o fator principal que contribui para a erosão dos solos, como efeito
imediato do desmatamento. Sem a proteção oferecida pela vegetação, o solo fica exposto à
ação das águas superficiais (escoamento superficial), que remobiliza material de cobertura.
Outras atividades, como a mineração, obras de engenharia e construção civil provocam
fenômenos semelhantes. A erosão superficial conduz à lixiviação do solo, e atua de modo
mais agressivo quando forma ravinas, as quais podem evoluir para voçorocas em substrato
mais inconsolidado, aliado à inclinação do terreno. Em conjunto, tais fenômenos ocorrem em
diversas escalas, abrangendo desde poucos m² até áreas quilométricas. Os maiores prejuízos
da erosão superficial são o empobrecimento dos solos em nutrientes úteis às plantas, e a
perda de terra agricultável ou para a implantação de pastagens.
3.1.5. Depressões e elevações isoladas
São formadas a partir da fragmentação da superfície original por ação de obras de
engenharia, ou aquelas relacionadas com a mineração. A escala destas formas é métrica, e sua
ocorrência pontual. Verifica-se o rebaixamento do terreno, com a acentuação dos desníveis
topográficos e isolamento de fragmentos de superfície em relação ao entorno, o que origina
Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3
6
7
depressões (“cavas”, “poços” etc.) e elevações geralmente de configuração geométrica ou
irregular.
3.1.6. Solapamento de margem de canal, retificação e canalização de cursos d’água
Em diversos locais, as margens de canais fluviais, ou de canais em setores internos de
estuário, têm sido expostas a fenômenos erosivos. Estes ocorrem pontual ou linearmente
gerando segmentos de forma, de escala e perfil métricos, por vezes com escala quilométrica.
A erosão de margens tanto pode ser acelerada como induzida por efeito da retirada da
vegetação ciliar e instalação de construções, em locais instáveis do ponto de vista geotécnico.
Também participa deste processo o fluxo das águas superficiais e subterrâneas. Em alguns
locais, verifica-se uma erosão remontante que atinge as cabeceiras de drenagem. Os canais
são afetados, ainda, por obras de retificação e canalização (inclusive dragagem), que
produzem mudanças no traçado dos cursos d’água, e o revestimento das margens ou leitos
(fluviais ou estuarinos) em concreto ou madeira. Estas intervenções atendem à realização de
atividades portuárias, balneárias, industriais, e controle da drenagem.
3.2 - FORMAS E PROCESSOS DEPOSICIONAIS
3.2.1. Elevações artificiais
São criadas a partir do acúmulo de material em superfície, seja remobilizado de solos
ou do subsolo, seja aquele gerado a partir de rejeitos da mineração (artesanal ou industrial),
da indústria, ou de atividades rurais e urbanas diversas que geram detritos e lixo de origem
orgânica ou inorgânica. A configuração delas é muito diversa, com formas que lembram
colinas, morrotes, dunas e montículos de formato geométrico ou irregular. Apresentam escala
e perfil métricos, e sua manifestação é pontual. A criação de elevações artificiais modifica a
topografia da superfície e altera o regime de circulação das águas superficiais.
3.2.2. Aterros (terraços artificiais)
Os aterros estão comumente associados à ocupação das planícies inundáveis e
margens de cursos d’água, à instalação de equipamentos industriais e portuários, e à
construção de terraplenos, a exemplo dos realizados para a abertura e manutenção de
estradas de rodagem. Ao produzir terrenos a salvo de inundações, podem ser entendidos
como terraços artificiais. Como nas elevações artificiais, utiliza-se material remobilizado de
Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3
7
8
solo e subsolo (empréstimo de terras), rejeitos de indústrias ou de atividades rurais e urbanas.
A escala dos aterros é métrica, raramente ultrapassando 1 km, e sua ocorrência pontual ou
linear. Além de alterar a topografia da superfície, geralmente sob a forma de plainos, eles
modificam os limites entre planícies e planaltos.
3.2.3. Depósitos indiferenciados de cobertura
Com escala métrica e manifestação geralmente pontual, estes depósitos possuem
menor expressão espacial que as elevações artificiais, envolvendo material depositado sobre a
superfície a partir de escoamento superficial, ação dos ventos ou mesmo por ação humana.
Tal material é diverso em sua composição, e envolve tanto substâncias artificiais (lixo e
detritos) quanto proveniente de empréstimo de terras. A mudança que eles provocam na
topografia do terreno é quase imperceptível, e seus efeitos maiores são verificados em relação
à circulação superficial das águas.
3.2.4. Bancos fluviais e cargas de fundo
São originados a partir de processos de assoreamento dos cursos d’água, o que pode
ser tanto induzido como acelerado pela ação antropogênica. Envolve o transporte e a
deposição de material de origem diversa: rejeitos da mineração e da indústria, sedimentos de
solos e margens de canal erodidos, lixo e detritos. Em conjunto com a erosão lateral dos
canais, o aumento, expansão e migração de bancos fluviais e cargas de fundo ocorrem,
sobretudo, em rios de baixa hierarquia, que têm sua geometria fortemente modificada. Por
efeito do assoreamento, diminui a profundidade dos canais e, em muitos casos, aumenta a
largura dos mesmos, isto é, a área abrangida pela várzea maior é expandida. As inundações
atingem, assim, terrenos outrora não afetados por elas. Infere-se que, como resultado das
mudanças ambientais como um todo, o fluxo/vazão de água é diminuído, o que contribui para
agravar o entulhamento dos canais. A escala destes fenômenos é métrica a quilométrica, e sua
ocorrência pontual ou linear.
3.2.5. Bacias de deposição lacustre
Envolvem formas e processos que lembram a ação de lagos, estando associados à
construção de barragens para atender a fins diversos (agropecuária, piscicultura, geração de
energia elétrica, atividades balneárias e paisagísticas etc.), à instalação de canalizações
Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3
8
9
inadequadas à vazão dos rios, além de terraplenos e outras obras de engenharia. A
construção de barragens altera e oblitera (total ou parcialmente) o fluxo das águas fluviais, ou
mesmo o escoamento superficial, estagnando águas e induzindo uma colmatação tipicamente
lacustre. A estagnação das águas pode ocorrer, também, por efeito da compactação do solo
por pisoteio de animais, laterização e acúmulo de vegetação. Estas formas e processos têm
escala métrica, raramente ultrapassando 1 km, e manifestação pontual ou linear.
3.2.6. Caos de blocos, depósitos de piemonte
Surge a partir da deposição de sedimentos erodidos em margens erosivas, em laterais
de “cavas” e setores de vertentes onde é feita extração mineral. Este processo ocorre por
efeito mecânico, pressão exercida por máquinas, e de modo associado à desestruturação do
substrato e ao fluxo das águas superficiais e subterrâneas, gerando na maior parte dos casos
sedimentos com granulometria grosseira (cascalhos, blocos, ou mais raramente matacões). A
escala destas formas é métrica, e sua manifestação pontual.
4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
As alterações na paisagem provocadas pela ação antropogênica, sejam temporárias
ou cumulativas, induzem um remodelamento parcial do relevo, cujos efeitos atuam e são
percebidos de modo pontual ou linear. Assim, não é permitido falar que a ação das
sociedades, à luz de um tempo social-histórico, tenha tido expressão suficiente para criar
unidades de relevo na escala regional, em que atuam fatores morfoestruturais e
morfoclimáticos mais amplos no tempo e no espaço. Neste sentido, a Geomorfologia
Ambiental aplica-se às escalas locais, e é deste modo que ela deve ser entendida. A ação
antropogênica gera feições e formas de relevo locais, relacionadas à ação humana na história
(até alguns poucos milhares de anos) e por intermédio do trabalho e das técnicas disponíveis.
No Nordeste Paraense, muitas formas e processos geomórficos foram criados ou
induzidos pela ação humana. A abertura de estradas de rodagem viabilizou, ao longo do
século XX, a ocupação de vastas superfícies Foram importantes para a dinâmica do relevo
desta área, sob forte influência antropogênica, as obras de engenharia e de construção civil, a
mineração, a agropecuária e a indústria. Com intensidade variada conforme os diversos
espaços são observados fatos geomórficos tanto de agradação quanto de degradação, em
que se integram elementos de caráter bio-físico e artificial.
Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3
9
10
REFERÊNCIAS
AB’SÁBER, A. N. Um conceito de Geomorfologia a serviço das pesquisas sobre o
Quaternário. Geomorfologia. São Paulo, IGEO-USP, n.º 18, 1969. 13p.
BERTRAND, G. Paisagem e Geografia Física Global: esboço metodológico. Caderno de
Ciências da Terra. São Paulo: Instituto de geografia, USP, 1971.
CASSETI, V. Ambiente e apropriação do relevo. São Paulo: Contexto, 1991.
COLTRINARI, L. Mudanças ambientais globais e geoindicadores. Pesquisas em
Geociências. Porto Alegre, UFRGS, v. 28, n. 2, p. 307-314, 2001.
______. Geomorfologia: caminhos e perspectivas. Revista Brasileira de Geomorfologia.
Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 44-47, 2000.
COATES, D. R. (ed.). Environmental Geomorphology. Binghamton: State University of
New York Publications in Geomorphology, 1971.
GREGORY, K. J. A natureza da Geografia Física. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992.
GUERRA, A. J. T. Erosão e conservação dos solos: conceitos, temas e aplicações. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
GUERRA, A. T.; GUERRA, A. J. T. Novo Dicionário Geológico-Geomorfológico. 7. ed.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.
PANIZZA, M. Environmental Geomorphology. Amsterdan: Elsevier, 1996.
PELOGGIA, A. U. G. A cidade, as vertentes e as várzeas: a transformação do relevo pela
ação do homem no município de São Paulo. Revista do Departamento de Geografia. São
Paulo, n.º 16, 2005, p. 24-31.
______. O homem e o ambiente geológico: geologia, sociedade e ocupação urbana no
município de São Paulo. São Paulo: Xamã, 1998.
PERILLO, G. E.; CODIGNOTTO, J. O. Ambientes costeros. In: BOSSI, G. E. (edit.).
Simposio de Ambientes Costeros y Modelos Sedimentares. Bol. Sediment., nº. 4, p.
137-159, 1989.
ROSS, J. L. Geomorfologia Ambiental. In: GUERRA, A. J. T.; CUNHA, S. B (orgs.).
Geomorfologia do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
______. O registro cartográfico dos fatos geomórficos e a questão da taxonomia do relevo.
Revista do Departamento de Geografia. São Paulo, FFLCH-USP, n.º 6, 1992, p.17-29.
______. Geomorfologia: ambiente e planejamento. São Paulo: Contexto, 1990.
ROSSATO, M. S.; SUERTEGARAY, D. Repensando o tempo da natureza em
transformação. 2002. Disponível em: > http://www.ufrgs.br/nega/Textos%20e%20
artigos/Repensando%20o%20tempo
%20da%20natureza%20em%20transforma%E7% E3o.pdf<. Acesso em: 20 jun. 2009.
SALES, V. C. Geografia, sistemas e análise ambiental: abordagem crítica. Geousp: espaço e
tempo. São Paulo, n.º 16, 2004, p. 125-141.
SUERTEGARAY, D. Geografia Física (?) Geografia Ambiental (?) ou Geografia e Ambiente
(?). In: MENDONÇA, F.; KOSEL, S. (orgs.). Elementos de Epistemologia da
Geografia Contemporânea. Curitiba: Ed. da UFPR, 2002, p.111-20.
SUMMERFIELD, M. A. Global Geomorphology: an introduction to the study of
landforms. Harlow – England: Pearson Prentice Hall, 1991.
Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3
10
Download