Gralha Azul numero 6 artigos

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Revista Literária
―O Voo da Gralha
Azul‖
n0. 8 – Paraná, setembro/outubro/novembro 2011
Idealização, seleção e edição:
José Feldman
Contatos, sugestões, colaborações:
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http://singrandohorizontes.blogspot.com
Endereço para correspondencia:
Rua das Mangueiras, 296-A
Cep.87080-680
Maringá/PR
Que a humanidade possa aprender com a nossa Gralha-azul e entender que o equilíbrio e o respeito
ecológico entre fauna e flora é fundamental para a existência do Homem na face da Terra!!!
Prezado Leitor
Este almanaque não tem a pretensão e nunca poderá ser considerada como substituição aos livros, jornais, colunas, etc. que circulam virtualmente ou
não, mas sim como mola propulsora de incentivo ao cidadão para buscar novos conhecimentos, ou relembrar aqueles perdidos na névoa do passado.
Por que o Voo da Gralha Azul? A Gralha Azul, que assim como semeia o pinheiro, ela alça voo e semeia no coração de cada um que alcançar, o pinhão
da cultura, em todas as suas manifestações.
Ao leitor, novos conhecimentos.
Ao escritor ou aspirante a tal, sejam poetas, trovadores, romancistas, dramaturgos, compositores, etc., um caminho de conhecimento e inspiração.
Obrigado por me permitir dividir consigo estes breves momentos,
José Feldman
SUMÁRIO
ACADEMIAS
ESTANTE DE LIVROS
ACADEMIA CAMPINENSE DE LETRAS ......................................... 155
ANTONIO BRÁS CONSTANTE
Hoje é seu Aniversário! "Prepare-se".......................................122
ÁTILA JOSÉ BORGES
Matando o Porco. Eu Contos .....................................................166
BRANQUINHO DA FONSECA
O Barão ..................................................................................... 43
CAROLINA RAMOS
Lançamento do Livro de Poesias ―Destino‖ ................................. 3
GUIMARÃES ROSA
7 Contos do Livro Primeiras Histórias
Sorôco, sua mãe, sua filha ........................................................ 74
A menina de lá .......................................................................... 75
Os irmãos Dagobé ...................................................................... 76
Pirlimpsiquice........................................................................... 77
Fatalidade ................................................................................. 78
Substância................................................................................. 79
A partida do audaz navegante ................................................... 80
ISABEL FURINI (ORGANIZADORA)
Passageiros do Espelho (Antologia de Contos) ..........................164
JOÃO UBALDO RIBEIRO
O Sorriso do Lagarto.................................................................168
JOSÉ MARINS (ORGANIZADOR)
A brisa é você: Mini contos.......................................................101
LYA LUFT
A Asa Esquerda do Anjo ............................................................ 89
MARIO QUINTANA
80 anos de poesia ...................................................................... 72
ADEMAR MACEDO
MENSAGENS POÉTICAS N. 399
Uma Trova Nacional ................................................................ 163
Uma Trova Potiguar ................................................................ 164
Uma Trova Premiada ............................................................... 164
Uma Trova de Ademar ............................................................. 164
...E Suas Trovas Ficaram ......................................................... 164
Estrofe do Dia .......................................................................... 164
Soneto do Dia .......................................................................... 164
BIOGRAFIAS
Abílio César Borges ...................................................................29
Adalcinda Camarão ....................................................................25
Adelto Gonçalves .......................................................................18
Anderson Braga Horta ............................................................. 142
Antonio Brás Constante ............................................................ 122
Antônio Cândido da Silva ...........................................................67
Branquinho da Fonseca .............................................................45
Carlos Reverbel ..........................................................................88
Cláudio Batista Feitosa ...............................................................69
Emilia Pardo Barzón ............................................................... 137
Fernando Campanella .............................................................. 154
Glorinha Rattes ........................................................................ 134
Jardel Estevão Barbosa Silva ................................................... 150
Jussára C. Godinho ....................................................................59
Lafcádio Hearn ―Koizumi Yakumo‖............................................86
Laurindo Rabelo ........................................................................48
Lya Luft ......................................................................................90
Natália Correia ........................................................................ 101
Nilton da Costa Teixeira ........................................................... 130
Nilton Manoel.............................................................................10
Raul de Leoni .......................................................................... 160
Valdeck Almeida de Jesus .........................................................96
Victor Giudice ......................................................................... 125
CINEMA
Obras de Shakespeare no Cinema ............................................. 120
CURIOSIDADES DE NOSSA LÍNGUA
VÍCIOS DE LINGUAGEM
Tautologia ................................................................................ 147
ENTREVISTA
IALMAR PIO SCHNEIDER
O Homem atrás do escritor, o Escritor atrás do homem .............55
FOLCLORE
O Amigo da Onça ......................................................................145
HAICAIS
NILTON MANOEL
Poesia Magica (haicais)................................................................ 5
MENSAGEM
ARISTÓTELES ONASSIS
Talvez ........................................................................................ 1
O ESCRITOR COM A PALAVRA
A. A. DE ASSIS
A Moça do Jipe .......................................................................... 27
ALBERTO PACO
Uma Estranha Mulher ...............................................................162
ANTONIO BRÁS CONSTANTE
A Partida Do Homem Mais Veloz Do Mundo ..............................118
Contos da Delegacia Brasil ........................................................121
Mamãe, a Professora Sumiu!.....................................................110
Uma Feira de Doces para Alimentar o Pensamento .................... 81
ANTÔNIO CÂNDIDO DA SILVA
Bar do Zizi ................................................................................ 66
APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA
Celulares ....................................................................................52
ARTHUR RIMBAUD
Aurora — XXII ....................................................................... 106
ARTUR DE AZEVEDO
A Ama-Seca ................................................................................12
A "Não-me-toques!‖ ..................................................................32
CAROLINA RAMOS
Do Cotidiano ................................................................................ 2
CINTIAN MORAES
A diferença entre Viver Bem e Viver Melhor ...............................93
DIEGO OLIVEIRA
Um Minuto ............................................................................... 102
EMILIA PARDO BAZÁN
Oito Nozes ................................................................................ 135
FERNANDO CAMPANELLA
Conversa de Compadres ............................................................ 150
HUMBERTO DE CAMPOS
A Rosa Azul ................................................................................. 4
O Filósofo ...................................................................................40
INGLÊS DE SOUSA
A Quadrilha de Jacob Patacho ....................................................59
JARDEL ESTEVÃO BARBOSA SILVA
O Perfume ................................................................................ 148
J.B.XAVIER
A Espera .....................................................................................11
JORGE LUIS BORGES
O Outro .................................................................................... 106
JUSSARA C. GODINHO
Meninos de rua ..........................................................................51
LAFCÁDIO HEARN
A Promessa ................................................................................83
LUIS FERNANDO VERÍSSIMO
Metamorfose............................................................................. 123
MIGUEL FALABELLA
Saudade .....................................................................................97
NILTO MACIEL
Vou ser herói, Maria ..................................................................31
OTTO MELANDER
A Mulher e o Cachorro ................................................................70
PETRUS ALPHONSUS
Humor do Século XII ................................................................ 144
SAMUEL CASTIEL JR.
Noturnas ....................................................................................68
VICÊNCIA JAGUARIBE
Mas a vida...A vida não se passa a limpo ....................................22
VICTOR GIUDICE
O Arquivo ................................................................................. 124
POESIAS
ADALCINDA CAMARÃO
Bom dia, Belém ..........................................................................24
Espaço-tempo .............................................................................25
ANDERSON BRAGA HORTA
Salmo para Célia ..................................................................... 139
A tartaruga............................................................................... 140
Sísifo ........................................................................................ 141
Rio ........................................................................................... 141
(A)mar(o) ................................................................................. 141
Ciranda .................................................................................... 141
Ode à água ...............................................................................142
ARTHUR RIMBAUD
O barco ébrio ...........................................................................104
Vogais ......................................................................................105
Minha boêmia (Fantasia) ..........................................................105
BRANQUINHO DA FONSECA
Naufrágio .................................................................................. 42
Arquipélago das sereias ............................................................ 42
Castanheiros, irmãos… .............................................................. 42
FERNANDO CAMPANELLA
Ao vento ...................................................................................151
Ninféias ....................................................................................152
Luz cadente ..............................................................................152
Refabulando .............................................................................152
Capela dos ossos .......................................................................152
La Campanella ..........................................................................152
A media luz ..............................................................................153
Alquimia ..................................................................................153
Olhos ........................................................................................153
Tua beleza................................................................................153
Consummatum .........................................................................153
Frutos da terra .........................................................................153
Pássaros ...................................................................................154
GLORINHA RATTES
Desabafo ...................................................................................133
Espelho ....................................................................................133
Exemplo de vida.......................................................................133
O que fica .................................................................................134
Sublime amor .........................................................................134
JUSSARA C GODINHO
Amor, sentimento estranho ....................................................... 59
LAURINDO RABELO
―O que fazes, ó minh’alma?‖ .................................................... 46
Dois impossíveis ........................................................................ 47
LYA LUFT
Canção na plenitude .................................................................. 82
NATÁLIA CORREIA
―A defesa do poeta‖ ................................................................. 98
Fiz um conto para me embalar .................................................. 99
Auto retrato .............................................................................. 99
Queixa das almas jovens censuradas ......................................... 99
Ode à paz .................................................................................100
A alma......................................................................................100
Falavam me de amor ................................................................100
NILTON DA COSTA TEIXEIRA
A fonte luminosa ......................................................................132
PADRE CELSO DE CARVALHO
A lenda dos caminhos ..............................................................102
Soneto .....................................................................................103
Diamantina em serenata ...........................................................103
RAUL DE LEONI ..............................................................................
A hora cinzenta ........................................................................158
Argila .......................................................................................158
Decadência ...............................................................................158
Transubstanciação ...................................................................158
Desconfiando ............................................................................159
― Almas desoladoramente frias…‖ ...........................................159
Crepuscular ..............................................................................159
Unidade ....................................................................................159
Pudor .......................................................................................159
Prudência .................................................................................160
Aos que sonham ....................................................................... 160
SAMUEL CASTIEL JR.
Flor Tropical .............................................................................67
VALDECK ALMEIDA DE JESUS
A vida pulsa ..............................................................................95
Coração de pedra ........................................................................95
Cicatrizes ...................................................................................95
SOPA DE LETRAS
ADELTO GONÇALVES
Cinco séculos de poesia brasileira ..............................................15
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL ...............................................50
TROVAS
A. A. DE ASSIS
Tábua de Trovas ........................................................................35
BAÚ DE TROVAS
Nova Friburgo 1960 ................................................................. 111
ELIANA RUIZ JIMENEZ
Trova-Legenda (Participe!) ....................................................... 175
Trovas de 9 a 15 de outubro .................................................... 176
IALMAR PIO SCHNEIDER
Trovas ........................................................................................58
JUSSARA C. GODINHO
Trovas ....................................................................................... 52
NILTON DA COSTA TEIXEIRA
Trovas dispersas ......................................................................132
NILTON MANOEL (SP)
Trovas ....................................................................................... 10
TROVAS
Tema: Paciência ........................................................................ 19
TROVAS EM IMAGEM
A. A. de Assis (PR) ..................................... 12,18, 35, 89, 104, 110
Ademar Macedo (RN) ................................................................. 55
Alberto Paco (PR) ...................................................................... 95
Austregésilo de Miranda Alves (BA) ........................................... 41
Dáguima Verônica (MG) ............................................................. 66
Élbea Priscila de Souza e Silva (SP)........................................... 15
Francisco Pessoa Reis (CE) .............................................................
Hermoclydes S. Franco (RJ) ...................................................... 21
Nemésio Prata Crisóstomo (CE) .............................................. 9, 31
Wagner Marques Lopes (MG) ...................................... 5, 27, 50, 70
WALDIR NEVES
Trovas ......................................................................................177
XVII JOGOS FLORAIS DE CURITIBA
Regulamento ............................................................................174
Este Almanaque não pode ser comercializado em hipótese alguma.
Caso assim o desejar, deve-se contatar o/s autor/es para obter
autorização.
Respeite os Direitos do Autor.
1
Mensagem
ARISTÓTELES ONASSIS
TALVEZ
Talvez eu venha a envelhecer rápido demais.
Mas lutarei para que cada dia tenha valido a pena.
Talvez eu sofra inúmeras desilusões no decorrer de
minha vida.
Mas farei que elas percam a importância diante dos
gestos de amor que encontrei.
Talvez eu não tenha forças para realizar todos os meus
ideais.
Mas jamais irei me considerar um derrotado.
Talvez em algum instante eu sofra uma terrível queda.
Mas não ficarei por muito tempo olhando para o chão.
Talvez um dia o sol deixe de brilhar.
Mas então irei me banhar na chuva.
Talvez um dia eu sofra alguma injustiça.
Mas jamais irei assumir o papel de vítima.
Talvez eu tenha que enfrentar alguns inimigos.
Mas terei humildade para aceitar as mãos que se
estenderão em minha direção.
Talvez numa dessas noites frias, eu derrame muitas
lágrimas.
Mas não terei vergonha por esse gesto.
Talvez eu seja enganado inúmeras vezes.
Mas não deixarei de acreditar que em algum lugar alguém
merece a minha confiança.
Talvez com o tempo eu perceba que cometi grandes
erros.
Mas não desistirei de continuar trilhando meu caminho.
Talvez com o decorrer dos anos eu perca grandes
amizades.
Mas irei aprender que aqueles que realmente são meus
verdadeiros amigos nunca estarão perdidos.
Talvez algumas pessoas queiram o meu mal.
Mas irei continuar plantando a semente da fraternidade
por onde passar.
Talvez eu fique triste ao concluir que não consigo seguir o
ritmo da música.
Mas então, farei que a música siga o compasso dos meus
passos.
Talvez eu nunca consiga enxergar um arco-íris.
Mas aprenderei a desenhar um, nem que seja dentro do
meu coração.
Talvez hoje eu me sinta fraco.
Mas amanhã irei recomeçar, nem que seja de uma
maneira diferente.
Talvez eu não aprenda todas as lições necessárias.
Mas terei a consciência que os verdadeiros ensinamentos
já estão gravados em minha alma.
Talvez eu me deprima por não ser capaz de saber a letra
daquela música.
Mas ficarei feliz com as outras capacidades que possuo.
Talvez eu não tenha motivos para grandes
comemorações.
Mas não deixarei de me alegrar com as pequenas
conquistas.
Talvez a vontade de abandonar tudo torne-se a minha
companheira.
Mas ao invés de fugir, irei correr atrás do que almejo.
Talvez eu não seja exatamente quem gostaria de ser.
Mas passarei a admirar quem sou.
Porque no final saberei que, mesmo com incontáveis
dúvidas, eu sou capaz de construir uma vida melhor.
E se ainda não me convenci disso, é porque como diz
aquele ditado: “ainda não chegou o fim”
Porque no final não haverá nenhum “talvez” e sim a
certeza de que a minha vida valeu a pena e eu fiz o
melhor que podia.
2
Carolina Ramos
Do Cotidiano
Fim de tarde. Friozinho abelhudo penetrava
por onde quer que lhe fosse permitido entrar,
encolhendo ombros e aconchegando corpos.
Disfarçou, fingindo não vê-lo. Foi puxado pela
manga.
– Moço, me dá um dinheirinho? Tô cum fome.
Pressa. Pressa de voltar para casa. De rever a
esposa, os filhos, os entes queridos. Pressa de
trocar os sapatos pela comodidade dos chinelos
velhos, das meias de lã, ma maioria das vezes
furadas no dedão. Pressa de sumir dentro do
pijama quentinho. De saborear o jantar
fumegante e depois esparramar-se na
poltrona, frente à TV para cochilar e falar mal
dela.
Fim de tarde fria. Noite a insinuar-se, mais fria
ainda.
Sem esposa, nem filhos, sem aquela pressa que
movia tantas pernas, Reginaldo caminhava
sem motivação maior, arrastando os passos
até a lanchonete mais próxima, menos cheia
de gente descompromissada, como ele, e,
portanto, menos tumultuada pelo vozerio das
massas.
Roído de fome, passou a perna por sobre a
banqueta redonda, repousando os cotovelos
no balcão de formica. Consultou os bolsos. Eles
é que ditavam o pedido. Os apelos do
estômago eram secundários. Fim de mês.
Minguava, no fundo da algibeira, a carteira
murcha. Não dava para muito. E, justamente
naquele início frio de uma noite que prometia
ser gélida, sentia uma fome de cão vadio!
– Um hamburger com fritas. Ah… e um
cafezinho pingado.
– Bebida?
Era tudo que não queria ouvir! Engoliu a
saliva que o reflexo, condicionado à chegada
do hamburger, lhe fizera crescer na boca.
– Hoje não, meu filho…Não tenho trocado. –
Procurou ignorar a presença incômoda do
menino, saboreando, com os olhos, a iguaria,
cujo aroma lhe excitava as glândulas salivares.
Apertou o hamburger com volúpia, fazendo o
―catchup‖ escorrer pelas bordas. Chegou a
abrir a boca para a primeira mordida, não
consumada.
Ao seu lado, o garoto permanecia fascinado
pelo petisco fumegante, entre fritas e folhas de
alface.
Reginaldo engoliu em seco. Tivesse dinheiro no
bolso e tudo estaria resolvido. O remorso
antecipou-se à consumação, importunando-o
mais do que a própria fome. Pensou em divir o
pitéu. Lambuzou-se todo! Os olhos do garoto
continuavam,
gulosos,
namorando
o
hamburger.
Capitulou. Pediu um saquinho de papel e
encheu-o de batatas fritas. Embrulhou o
hamburger num guardanapo e entregou-o,
inteiro, à fome que se estampava na carinha
esquálida. E achou que seria pouco!
Alegria e surpresa coloriram a face ´pálida do
menino que balbuciou qualquer coisa
ininteligível e disparou porta afora, temeroso
de possível arrependimento.
Lembrou-se da carteira murcha.
– Não…obrigado. Só o cafezinho.
Aguardou, impaciente.
Chegaram juntos: – o hamburger e o garoto
de olhos tristes. Seis ou sete anos, no máximo.
Sobraram para Reginaldo, desapontamento e
frustração total!
Perdera o jantar! A fome continuava firme. E
a fuga precipitada roubava-lhe, ainda, a
modesta
satisfação
do
espetáculo
proporcionado pela sua renúncia. Queria ver
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
morrer a fome do guri! Fome a ser morta por
ele! Morte da qual não se arrependeria,
jamais! Direito seu!
Contentou-se com o cafezinho morno e duas
fritas sobradas no prato. E enfrentou
novamente a noite, mais fria do que antes,
ignorando os reclamos do estômago vazio.
Meio quarteirão adiante, uma surpresa.
Sentado na calçada, encostado à parede, o
mesmo garoto, olhos menos tristes, dividia com
a mãe, maltrapilha, e com mais duas crianças,
sua finada refeição.
O sorriso do menino foi, sem dúvida, o que de
mais gratificante recebera da vida!
A caminho da modesta vaga que ocupava,
numa casa de cômodos, esqueceu-se da fome.
Chegou mesmo a envergonhar-se dela!.
Fonte:
RAMOS, Carolina. Interlúdio: contos.SP: EditorAção, abril 1993.
Carolina Ramos
Lançamento do Livro
de Poesias ―Destino‖,
em 23 de Novembro
3
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Humberto de Campos
A Rosa Azul
O
comendador Luiz de Faria
acabava de fechar os olhos à velha
marquesa de São Justino, adoçando-lhe o
momento da morte com a noticia alvissareira
e mentirosa da completa regeneração do seu
neto, o estudante Guilherme de Araújo,
quando o encontrei à porta da casa funerária,
à espera do seu automóvel. Abalado, ainda,
pela emoção daquele instante, em que tivera
de lançar mão de uma falsidade para
perfumar o último sopro de uma vida de
virtudes e sofrimentos, o antigo par do reino
português aceitou um lugar no meu ―taxi‖, e
confessou-me, em viagem:
- A mentira, meu amigo, é, às vezes, uma
necessidade. Aquela de que me socorri há
meia hora, para suavizar a morte de uma
santa, de uma senhora cuja maior esperança
consistia no futuro de um neto que se
desgarrara do lar, era tão necessária como a
do prior da Cartuxa para alegrar a agonia
daquele célebre monge do Bussaco.
Eu olhei, interrogativamente, o meu
companheiro de viagem, e ele, percebendo a
ignorância, indagou, com admiração:
- Não conhece, então, a lenda da rosa azul?
À minha afirmativa, que lhe pareceu estranha,
o comendador apoiou as mãos robustas no
castão de ouro da bengala, e contou:
- No Mosteiro da Cartuxa, no Bussaco, em
Portugal, vivia, em séculos que já se foram, um
piedoso e santo monge, cuja vida se consumia,
inteira, entre a oração e as rosas. Jardineiro da
alma e das flores, passava ele as manhãs de
joelhos, no silencio da nave, aos pés de um
Cristo crucificado, e as tardes, no pequeno
jardim da ordem, curvado diante das roseiras,
que ele próprio plantava e regava.
O comendador interrompeu um momento a
narrativa, recostou-se na almofada, e
continuou:
A sua paciência de jardineiro era absorvida,
entretanto, por uma idéia, que era um sonho:
encontrar a rosa azul das legendas do Oriente,
de que tivera noticia, uma noite, ao ler os
poemas latinos dos velhos monges medievais.
Para isso, casava ele as sementes, os brotos,
fundia os enxertos, combinando as terras, com
que as cobria, e as águas, com que as regava,
esperando, ansioso, o aparecimento, no topo
da haste, do sonhado botão azul! Ao fim de
setenta anos de experiências e sonhos, em que
se lhe misturavam na imaginação as chagas
vermelhas de Cristo e as manchas celestes da
sua rosa encantada, surgiu, afinal, no
coroamento de um galho de roseira, um botão
azul, como o céu. Centenário e curvado, o
velhinho não resistiu à emoção; adoeceu, e,
conduzido à cela, ajoelhou-se diante do
Crucificado, pedindo-lhe, entre soluços
pungentes, que, como prêmio à santidade da
sua vida, não lhe cerrasse os olhos sem que eles
vissem, contentes, o desabrochar da sua rosa
azul.
Uma nova pausa, e o meu companheiro
tornou:
- Em volta do santo velhinho, no catre do
mosteiro, todos choravam, compungidos. E foi,
então, que, divulgada de boca em boca, foi a
noticia ter a um convento das proximidades,
onde jazia, orando e sonhando, uma linda
infanta de Portugal. Moça e formosa, e, além
de formosa e moça, – fidalga e portuguesa,
compreendeu a pequenina freira, no jardim
do seu sonho, o valor daquela ilusão, e correu
à sua cela, consumindo toda uma noite a
fazer, com os seus dedos de neve, uma viçosa
flor de seda azul, que perfumou, ela própria,
com essência de gerânio. E no dia seguinte,
pela manhã, morria no seu catre, sorrindo
entre lágrimas de alegria, por ter nas mãos
4
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
tremulas, por um milagre do céu, a sua rosa
azul!
O ―taxi‖ parava no meio-fio da calçada, o
comendador acrescentou, estendendo-me a
mão agradecida:
- Feliz, meu amigo, aquele que morre, como
esse monge e a marquesa, apertando nas
mãos a rosa, mesmo mentirosa, de uma roseira
de que cuidou toda a vida.
Fonte:
Domínio Público
Nilton Manoel
Poesia Magica
(haicais)
1
Chove… Noite longa!
Insone faço barquinhos
e a aurora não chega.
2
No céu estrelado,
a bola redonda, agita,
o dia das bruxas.
3
É noite. Os barulhos
são tantos… e um pernilongo,
deixa-me acordado.
4
Muro antigo, os bichos,
movimentam-se, com medo
de uma lagartixa.
5
Famintos de espaço,
cupins, mudam de lugar,
nas tábuas da mesa,
6
Na cômoda antiga,
um jornaleiro de louça!
O guri se foi.
7
Música na rua!
O caminhão passa e vejo
meu fogão sem gás!
8
Menino de rua,
- dorme e sonha à porta da igreja -,
sem família e escola.
9
Dois corpos inertes.
Sangue escorrendo no chão!
Há droga no crime?
10
Na estreita calçada,
o bípede e o quadrúpede,
desfilam na corrente.
11
Calça desbotada,
rasgada, cós baixo… é a moda!
Quanta mulher linda!
12
Rua descalça:
- o povo clama e reclama,
e o prefeito? Viaja!
5
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
13
No escuro da rua,
alguém corre e agita a mão,
ao táxi que passa.
14
Na grama verdinha
a perereca faz cooper
e assusta a madame.
15
No verão há menos
fofoqueiros que, no inverno.;
o sorvete acalma!
16
A ágil libélula,
voa e sobrevoa, a fonte.
da praça da escola.
17
Na praça, a menina,
namora, entre belas flores.
É um buquê de sonhos!
18
Em céu de bons ventos
e a meninada feliz,
solta pipa e canta.
19
A mosca chateia,
o corpo suado do chapa,
na usina de açúcar.
20
Deitados na grama
da praça, um casal namora
e, o Sol nem se foi.
21
Na fria manhã,
o entregador de jornal,
traz notícias de ontem.
22
Em banca de feira,
o preço do feijão jalo,
vende mais arroz.
23
Friagem na rua,
sob a marquise, o homem só,
põe jornais no tênis.
24
Na estreita calçada,
portões, folhagem, floreiras…
pedestres, na rua!
25
Na coleta, o lixo,
nem pesa na mão sofrida,
do rapaz cansado.
26
Um tiro no escuro.
A estrela sai de cartaz
e a platéia chora.
27
Boteco de esquina,
o pai ausente, acredita
que, a família, é chope.
28
Brisa leve. Velas
aromáticas nos ares…
Rituais diversos.
29
Na ausência da lua,
namorados de esquina,
se esquecem do mundo.
30
Na manhã de Sol,
a libélula descansa,
num varal de roupas.
31
Campo Santo, a brisa
da madrugada, clareia,
idéias macabras.
32
Delicia de vida!
Quando há cravo e canela,
o arroz é doce.
33
Cheia de cupins,
morre aos poucos, a figueira,
da praça sem nome.
34
Sopa quente… as letras
do macarrão, revelam-me
palavras e idéias.
35
A cigarra canta
na palmeira sem parar
e nem todos a ouve.
36
No xaxim do alpendre,
a samambaia desfolha,
folhinhas no chão.
37
Saudade: – mão única.;
campas, estátuas, fantasmas.
Desfecho da vida.
38
Na areia macia,
a juventude faz festa,
com as ondas do mar.
6
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
39
Fogos de fim de ano
e, o poeta, cheio de versos,
sonha com bonança.
40
Venta e chove forte ,
vejo da vidraça, na rua,
os ônibus lotados.
41
Real na pele,
o rico chupa sorvete,
e o pobre gelinho.=
42
Natal! Luzes… lojas…
Sonhos… Novas esperanças!
e o homem só, esmola!
43
Na falha da folha
da goiabeira, o sol crava,
lâminas de luz.
44
Máscaras, confetes,
pelas ruas quanto samba!
Carnaval é festa!
45
O homem com a pá,
cava a cova e guarda os restos.
Com o fim vive a vida.
46
No xaxim de areia,
a robusta samambaia
quer dengo sem dengue.
47
Cantigas, bandeiras,
batatas, quentões, fogueiras…
é junho na roça.
48
No fogão de lenha,
o gosto do bom café,
tem casa de campo.
49
Chapéus de lã, ventos
de frente fria, caem
folhas secas no chão.
50
A lua cheia e redonda,
toma conta das estrelas.;
e o poeta, versa.
51
Na folha branquinha,
consoantes e vogais,
ondeiam meus sonhos.
52
Céus azuis. Planícies!
Cidades. Sonhos. Poder.
Quadros sociais.
53
Sete de setembro.
Independência ou morte. Sorte.
Um bem-te-vi canta.
54
É carnaval. Festa
do povo que sonha e sua
em paz com alegria.
55
Os flocos dengosos
do algodão caem no chão…
Tapetes plumosos.
56
O poeta olha o céu,
Sonha, sonha, sonha e sonha…
Desperta e escreve!
57
A inveja lateja
na alma abatida e sem calma.
Espinhos daninhos.
58
Primavera, festa
da natureza. A beleza
está da alma da gente.
59
Na mata, o perfume,
revela os mistérios lindos
que a natureza tem.
60
Nos galhos secos,
as aves pintam a tarde,
e o canto é saudade.
61
Há uva na parreira
e o néctar de cada cacho
tornam-me um eterno.
62
Na rua o homem só
não pesa na minha consciência.
Virou postal.
63
Saudade é a avenida
dos que vão antes de mim!
E eu vou pra onde.
64
Na rua do empório,
em dias de promoção,
o povo faz fila .
7
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
65
A velha senhora,
entra no mercado, na farmácia…
Não ri nem chora.
66
O sapo coaxa,
no lago da fazenda,
em noite estrelada.
67
Os campos se vão
e as aves silvestres ficam,
mais urbanizadas.
68
No verde minguado
de aves e animais, os homens,
plantam mais cinzas…
78
Sentado no chão,
o menino, sem destino,
mastiga um filão.
79
Lua baça, esfria!
É frente fria na gente
e rua vazia.
80
Como a vida é bela!
Fartura! Há arroz com mistura.
Viva a mortadela.
81
Venta. É primavera.;
perfume em todos os lares, lume
de nova quimera.
69
Escureceu e o campo
revela as luzes singelas
de mil pirilampos.
70
Luzes estelares
de abril… sutil poesia
em todos os lares.
71
Na lã do chapéu
De leve flocos de neve
Invernam meu céu.
72
Junho. A lua brilha.
Na roça qualquer palhoça
faz fogo e quadrilha.
73
Comédia medonha,
o salário do operário,
não paga o que sonha.
74
Tapete de flores,
no chão a emoção
de perfuma em cores.
75
Na clara manhã
canta um galo e numa planta
salta e salta a rã…
76
Na porta da firma,
por salário, o operário,
faz greve e se afirma.
77
Fim de tarde… o Sol
movimenta-se e inventa
as cores do arrebol.
82
No pé de abacate,
o bem-te-vi canta bem…
Um cachorro late.
83
Queimada de cana!
Venta e a palha atormenta
o fim de semana!
84
Tarde sossegada,
na rede, eu mato a sede
com limonada.
85
Em noite de vento
tem sempre o vulto de alguém
procurando alento.
86
A beira do rio
verde e robusto o arbusto
balança macio.
87
Rua longa, fria,
muito pó… O homem vai só,
sem lar, na agonia!
88
Pobre e sem afeto,
nada de novo para o povo,
sem terra e sem teto.
89
O mínimo vem!
O salário do operário,
faz sofrer? Amém!
90
Escura noite. O céu
estrelado me vê calado
com sonhos ao léu.
8
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
91
No sótão, guardados
dos antigos da família,
dão vida aos cupins.
92
Na rua devassa,
cenas constantes, obscenas,
assustam quem passa.
93
Na quadra de esporte
a bola rola, rola e enrola,
o atleta sem sorte.
94
Férias escolares
nas noites de lua, a rua,
têm bolas nos ares.
95
Folhas no chão.
Grilos. Sombras. Espantalhos
mexem com a visão.;
96
Na gaiola, canta
o canário e o hinário,
é encanto e vida
97
O grão de feijão,
descobre, na mesa do pobre,
que é ouro-tesouro.
98
Seca, mansamente,
cai a folha e o vento lento
faz formas no chão.
99
Magro o gato persa,
no canto da sala, embala,
muita conversa.
100
Sentadas no chão
crianças batem mansas
figuras com a mão.
101
Chove forte e o rio
de baixa borda transborda.
e a vida num fio.
102
Pula, corcoveia…
no embalo pára o cavalo
e o peão, na areia.
103
Flor branca e bela.
visão de impacto o cacto
de minha janela.
104
Rua molhada,
a parada brusca de um fusca,
traz confusão danada.
105
Balcão de perfumes.
Rosa Maria, formosa,
é meiguice e ciúmes.
Fonte:
Usina de Letras
9
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Nilton Manoel
Trovas
1
Quem tem vida vive atento
pêlos caminhos que enfrenta;
brinda as farpas do momento
com chocolate e pimenta.
2
O chifre em terra rachada
em bucolismo infernal,
é o adorno que traça a estrada
da carência de água e sal.
3
Florestas? – Quero espigões!
e a fauna toda enjaulada!
… e a moda de altos portões,
esconde a noite estrelada.
4
Depois dos cinqüenta, creio,
tudo é lucro e coerência;
homem que não faz rodeio,
sabe o que vale a existência.
5
Homem é o que sabe ser
companheiro, amigo e irmão;
Quem preza o Bem, sabe ter
da vida toda a emoção.
6
Meu pai, exemplo perfeito
de luta e vitalidade;
ao partir, por ser direito,
deixou sincera saudade.
7
Quando o homem é Homem não chora,
enfrenta as farpas da vida,
vence a fauna hostil com a flora
tornando a estrada florida.
8
O amante da Filomena,
se encontra o ex-marido dela,
treme tanto de dar pena…
e geme sem dor com ela!
9
Solteiro? – Querida! Ó vida
de prazeres… sonhos tantos!
Casados? ? Os nós da lida,
cegam os reais encantos!?
10
No lirismo de meu povo
sonho e tenho sempre fé
que num dia de sol novo
será plena a paz.. de pé!
11
Enfim dono dos saberes
da vida, em música e dança,
concluo que, o fim dos seres
é o limite da esperança.
12
Corre-se tanto, mas tanto,
pelo pódio e sua glória
que, o enfim é o fúnebre pranto,
de um troféu ao fim da história!
13
Quando há morte programada
pelos quadrantes da terra,
homens que não valem nada
sentem paz plantando guerra.
14
Cavalgando sem rodeios
por galáxias estreladas,
o poeta, em seus anseios
tece trovas requintadas.
Nilton Manoel
N
ilton Manoel Teixeira, capricorniano
de 3 de janeiro, nasceu em Ribeirão
Preto-SP, onde vive.
10
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Professor e contabilista.
Começou nos anos sessenta publicando
seus textos no mimeógrafo à álcool e escrevendo
para jornais. Com apoio de Luiz Otávio
(fundador da União Brasileira de Trovadores)
implantou os Jogos Florais em sua cidade e como
presidente da secção ubeteana de Ribeirão
Preto, realiza eventos locais e nacionais.
Na área da Literatura, esteve no
Conselho Municipal de Cultura, por três gestões.
Tem editados:-Trovas da Juventude;
Cantigas do meu terreiro; Caviar, gororoba e sal
de frutas, Poesia Mágica (haicais) e folhetos de
Cordel ao estilo tradicional.
Pertence a:
Academia Anapolina de Filosofia, Ciências e
Letras.
Academia Brasileira de Trova.
Academia de Letras de Uruguaiana,
Academia de Letras Fronteira Sudoeste do Rio
Grande do Sul.
Academia Friburguense de Letras.
Academia Goianiense de Letras.
Academia
Internacional
de
Ciências
Humanísticas.
Academia Internacional de Heráldica e
Genealogia.
Academia de Letras de Ribeirão Preto.
Academia Petropolitana de Poesia.
Academia Poços-caldense de Letras.
Academia Ribeirãopretana de Poesia.
Academia Santista de Letras.
Academia Virtual Brasileira de Letras.
Casa do Poeta e do Escritor de Ribeirão Preto (
fundador e 1º presidente),
Clube Internacional da Boa Leitura.
Instituto Histórico e Geográfico de Uruguaiana.
Instituto Histórico e Geográfico do Distrito
Federal.
Ordem dos Velhos Jornalistas.
The International Academy of Letters of England.
União Brasileira de Escritores.
Usina de Letras etc.
Tem o título de Magnífico Trovador pela
Ordem Brasileira dos Poetas da Literatura de
Cordel;
Mérito Cultural pelo Instituto Histórico e
Geográfico de Uruguaiana,
Medalha de Ouro, no I Aniversário do
Clube dos Trovadores Capixabas,
Honra ao Mérito pela Ordem Brasileira
dos Poetas da Literatura de Cordel.
Mérito Cultural Pablo Neruda, em 2004
No
http://www.movimentodasartes.com.br/
assina a coluna Trovador
Fontes:
Usina das Letras
Portal CEN
J.B.Xavier
A Espera
Por sobre o banco onde eu estava
sentado, pendiam galhos de chorões que
iam até o chão, mas ainda assim, por
entre essa maravilhosa prisão verde, eu
podia ver os ônibus que chegavam,
vindos de todos os Estados do país.
Coloridos, eles se misturavam num
caleidoscópio maravilhoso de cores e
formas,num magnífico balé de titãs.
Às seis horas da manhã lá estava eu,
sentado num banco da pequena praça
que havia em frente à área de
desembarque do terminal rodoviário de
uma das maiores cidades do país.
Muitos bons dias dei, muito acenei para
os passageiros que ansiavam por
liberdade, por fugir da clausura de horas
e horas de viagens claustrofóbicas.
Sorri um riso amarelo, e acenei
claudicante para os sorrisos das crianças,
filhos de migrantes que vinham tentar a
sorte na cidade grande. Mas não tive
tempo de ficar triste, porque os galhos
verdes, gentilmente manipulados pela
brisa da manhã, acariciaram meu rosto
ternamente, alisaram meus cabelos e
farfalharam alegres, certamente gratos
pelo sol que surgia por trás dos edifícios,
11
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
numa promessa de um cálido banho de
vida.
Reflexos vívidos e faiscantes lascas de luz
transformavam as poças da chuva da
noite anterior em bateias repletas de
esfuziantes diamantes.
Como garimpeiro cuidadoso, toquei
uma dessas jóias que pendiam frágeis na
ponta de uma delicada folhinha que
balouçava suavemente à minha frente.
Gentilmente ela aceitou meu convite e,
assim, de repente, eu tinha uma obra de
arte na ponta dos dedos. Olhei atônito
aquele universo minúsculo, aquela esfera
perfeita, na qual Deus faz demonstrações
magistrais de engenharia celestial e pude
ver seus espelhos refletindo o mundo ao
meu redor, como a lembrar-me de
minha própria pequenez diante da
beleza universal.
Frágil, e com a certeza de já ter vivido o
suficiente para tocar-me a alma, a
pequenina gotícula chegou ao fim de
sua eternidade e desfez-se diante de
mim, restando apenas uma umidade em
meus dedos, único sinal de que ela
existira e ensinara-me algo sobre a
seqüência eterna dos ciclos.
Uma brisa mais ousada veio me dar seu
bom dia e o galho estremeceu num
frenesi de prazer, feliz pela visita bem
vinda.
Apenas por observar esse encontro
maravilhoso, fui ungido com a bênção de
ter sobre mim as lágrimas de felicidade
do orvalho remanescente. Então um
grande e multicolorido ônibus surgiu
entre os demais, e, numa janela
ocasional senti, antes de ver, teu sorriso
maravilhoso e as doces promessas de
amor que dele rescendiam.
Olhei
durante
aquela
pequena
eternidade que durou tua chegada e
lembrando de Louis Armstrong, pensei
comigo mesmo:
Que mundo maravilhoso!
Fonte:
http://www.jbxavier.com.br/visualizar.php?idt=4572
Artur de Azevedo
A Ama-Seca
O
Romualdo, marido de D.
Eufêmia, era um rapaz sério, lá
isso era, e tão incapaz de cometer
a mais leve infidelidade conjugal como
de roubar o sino de São Francisco de
Paula; mas – vejam como o diabo as
arma! Um dia D. Eufêmia foi chamada,
12
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
a toda a pressa, a Juiz de Fora, para ver
o pai que estava gravemente enfermo, e
como o Romualdo não podia naquela
ocasião deixar a casa comercial de que
era guarda-livros (estavam a dar
balanço), resignou-se a ver partir a
senhora acompanhada pelos três
meninos, o Zeca, o Cazuza, o Bibi, e a
ama-seca deste último, que era ainda de
colo.
Foi a primeira vez que o Romualdo se
separou da família. Custou-lhe muito,
coitado, e mais lhe custou quando, ao
cabo de uma semana, D. Eufêmia lhe
escreveu, dizendo que o velho estava
livre de perigo, mas a convalescença
seria longa, e o seu dever de filha era
ficar junto dele um mês pelo menos.
O Romualdo resignou-se. Que remédio!…
Durante os primeiros tempos saía do
escritório e metia-se em casa, mas no fim
de alguns dias entendeu que devia dar
alguns passeios pelos arrabaldes, hoje
este, amanhã aquele. Era um meio,
como outro qualquer, de iludir a
saudade.
Uma noite coube a vez ao Andaraí
Grande. O Romualdo tomou o bonde do
Leopoldo, e teve a fortuna ou a desgraça
de se sentar ao lado da mulatinha mais
dengosa e bonita que ainda tentou um
marido, cuja mulher estivesse em Juiz de
Fora.
- Boa noite.
- Como se chama?
- Antonieta.
- Pode dar-me uma palavra?
- Por que não falou no bonde?
- Era impossível… estava tanta gente… e
estes elétricos são tão iluminados.
- Mas o sinhô bolinou que não foi graça!
vamos, diga: que deseja?
- Desejo saber onde mora.
- Não tenho casa minha; tou empregada
numa famia ali mais adiente, por siná
que não stou satisfeita, e ando
procurando outra arrumação.
- Onde poderemos falar em particular?
- Não sei.
- Você sai amanhã à noite?
- Amanhã não, porque saí hoje, e não
quero abusá.
- Então, depois de amanhã?
- Pois sim.
- Onde a espero?
Nessa noite fatal a virtude do Romualdo
deu em pantanas: tencionando ele ir até
o fim da linha, como fazia todas as
noites, apeou-se na Rua Mariz e Barros,
ali pelas alturas da Travessa de São
Salvador. A mulata havia se apeado
algumas braças antes.
E ele viu, à luz de um lampião, o vulto
dela saltitante e esquivo, e apressou o
passo para apanhá-la, o que conseguiu
facilmente, porque, pelos modos, ela já
contava com isso.
- Onde o sinhô quisé.
- Na Praça Tiradentes, no ponto dos
bondes. As oito horas.
- Na porta do armazém do Derby?
- Isso!
- Tá dito! Inté depois d‘amanhã às oito
hora.
- Não falte!
- Boa noite!
13
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
- Não farto não!
No dia seguinte, o Romualdo contou a
sua aventura a um companheiro de
escritório que era useiro e vezeiro nessas
cavalarias… baixas, e o camarada levou
a condescendência ao ponto de confiarlhe a chave de um ninho que tinha
preparado adrede para os contrabandos
do amor.
Antonieta foi pontual; à hora marcada
lá estava à porta do Derby, com ares de
quem esperava o bonde.
O Romualdo aproximou-se, fez um sinal,
afastou-se e ela seguiu-o…
14
- Que homens sem-vergonha!… Não
podem ver uma mulata!…
O
Romualdo
perturbou-se,
disfarçou, perguntando:
mas
- E agora? E preciso anunciar! Não
podemos ficar sem ama-seca!
- Já mandei o Zeca pôr um anúncio no
Jornal do Brasil.
No dia seguinte, o Romualdo saiu muito
cedo; ao voltar para casa, a primeira
coisa que perguntou à senhora foi:
- Então? Já temos ama-seca?. .
Dez
dias
depois,
estava
ele
arrependidíssimo da sua conquista fácil, e
com remorsos de haver enganado D.
Eufêmia, aquela santa! Procurava agora
meios e modos de se ver livre da mulata,
cuja prosódia era capaz de lançar água
na fervura da mais violenta paixão.
- Já; é uma mulatinha bem jeitosa, mas
tem cara de sapeca. Chama-se
Antonieta.
Vendo que não podia evitá-la, tomou o
Romualdo a deliberação de fugir-lhe, e
uma noite deixou-a à porta do ninho,
esperando debalde por ele. Lembrou-se,
mas era tarde, que havia prometido
dar-lhe uni anel, justamente nessa noite.
- Nada; não tenho nada… E jeitosa?…
Tem cara de sapeca?… Manda-a
embora! Não serve! Nem quero vê-la!…
- Diabo! pensou ele, Antonieta vai supor
que lhe fugi por causa do anel!
Voltou, afinal, D. Eufêmia de Juiz de
Fora. Veio no trem da manhã,
inesperadamente, e já não encontrou o
marido em casa.
Estava furiosa, porque a ama-seca de
Bibi deixara-se ficar na estação da
Barra. Podia ser que não fosse de
propósito. O mais certo, porém, era o ter
sido desencaminhada por um sujeito que
vinha no trem a namorá-la desde
Paraíbuna.
Quando D. Eufêmia contou isso ao
marido, acrescentou indignada:
- Hem? Antonieta?
- Que tens, homem?
- Ora essa! Por quê? Olha, ela aí vem.
Antonieta chegou, efetivamente, com o
Bibi ao colo; mas o Romualdo tinha
fechado os olhos, dizendo consigo:
- Que escândalo!… rebenta a bomba!…
este diabo vai reclamar o anel!.
Mas como nada ouvisse, o mísero abriu
os olhos e – oh! milagre! – era outra
Antonieta!.
Ele pensou, os leitores também pensaram
que fosse a mesma; não era.
Decididamente, há um Deus para os
maridos que enganam as suas mulheres.
Fonte:
Domínio Público
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Adelto Gonçalves
Cinco séculos de
poesia brasileira
I
Os
professores
de
Literatura
Brasileira tanto do ensino médio
como do ensino universitário já não
precisam se preocupar tanto para
elaborar seus planos de ensino nem
consultar uma grande quantidade de
livros nem sempre disponíveis nas
bibliotecas de escolas ou mesmo de
universidades públicas ou privadas. Foi
pensando nisso que a Companhia
Editora Nacional e a Lazuli Editora
decidiram editar uma série de cinco livros
sobre a poesia brasileira desde a
formação do País até o começo do século
XX, entregando a tarefa a uma equipe
de jovens críticos e professores já com
experiência em sala de aula, todos
ligados à Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp).
O resultado é uma edição que merece
toda a confiança do leitor e que permite
―pensar a história da poesia no Brasil e
suas principais linhas de força, ao longo
de cinco séculos‖, como assinala na
apresentação do primeiro dos cinco
volumes Paulo Franchetti, professor
titular de Teoria Literária na Unicamp,
responsável também pela apresentação
dos demais livros.
O primeiro volume da série, Antologia
da poesia barroca brasileira, traz poemas
de Gregório de Matos (1636-1696), Bento
Teixeira (c.1561-1600), Manuel Botelho de
Oliveira (1636-1711) e Sebastião da Rocha
Pita (1660-1738), selecionados por
Emerson Tin, doutorando em Literatura
Brasileira pela Unicamp, responsável
também pelo prefácio, por notas
explicativas e de natureza literária,
contextual e lexical e por uma pequena
notícia biográfica de cada autor que
ajudam a tornar cada poema mais
legível ao leitor pouco versado na
produção barroca luso-brasileira.
Não é preciso dizer que na produção
poética do período a primazia é de
Gregório de Matos, o que levou o
organizador da antologia a selecionar 40
de seus poemas. Seu contemporâneo
Botelho de Oliveira aparece com 20
poemas,
enquanto
Rocha
Pita,
consagrado autor da História da
América portuguesa, tem resgatada a
sua um tanto esquecida produção na
Academia Brasílica dos Esquecidos.
Quem, porém, abre a antologia é Bento
Teixeira, conhecido especialmente pelo
poema épico ―Prosopopéia‖, que tem
como modelo ―Os Lusíadas‖, de Luís de
Camões (1524?-1580).
15
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
II
C
om seleção e notas de Pablo
Simpson, o segundo volume da série,
Antologia da poesia árcade brasileira,
dedica os maiores espaços, como não
poderia deixar de ser, a Cláudio Manuel
da Costa (1729-1789) e Tomás Antônio
Gonzaga (1744-1810), mas também
contempla parte da produção de Santa
Rita Durão (1822?-1784), Domingos
Caldas Barbosa (1738-1800), Basílio da
Gama (1741-1795), Alvarenga Peixoto
(1744-1793) e Silva Alvarenga (1749-1814).
Reúne o que de melhor produziu a
poesia árcade e, de certo modo, ajuda-a
a recuperar um lugar que nem sempre
lhe foi reconhecido pela crítica,
especialmente a da primeira metade do
século XX, que viu com prevenção a
estilização e o apego de seus poetas a
cânones não só portugueses como
italianos, esquecendo-se de que, à época,
o Brasil não existia como nação
organizada e, na verdade, éramos todos
portugueses.
Como assinala Paulo Franchetti na
apresentação, o Arcadismo, embora não
tenha recebido a fortuna crítica e a
recepção entusiasmada com que o
Barroco tem sido contemplado nos
últimos anos, já pode ser visto de modo
mais favorável. Além disso, o próprio
movimento
de
constituição
de
agremiações intelectuais, as famosas
academias, diz o professor, ―parece mais
simpático, quando se considera que o uso
dos pseudônimos e a valorização do
talento como único requisito para
admissão dos membros encenavam, na
sociedade estratificada do século XVIII, o
ideal de uma aristocracia de espírito e
não de sangue‖.
Para isso, muito contribuíram os recentes
estudos de Jorge Ruedas de la Serna,
Vania Pinheiro Chaves, Ivan Teixeira,
Alcir Pécora, Melânia Silva de Aguiar,
Sérgio Alcides, Ronald Polito, Joaci
Pereira Furtado, José Ramos Tinhorão,
Luís André Nepomuceno e, se permitem
a pouca modéstia, a biografia de Tomás
Antônio Gonzaga que este articulista
escreveu.
III
J
á Antologia da poesia romântica
brasileira, com seleção e notas de Pablo
Simpson, Pedro Marques e Cristiane
Escolastico Siniscalchi, é um volume mais
encorpado, em razão mesmo da
necessidade de abranger maior número
de autores. O período, a rigor, vai de
1836, quando o poeta Gonçalves de
Magalhães (1811-1882) publicou um ensaio
na revista Niterói, editada em Paris,
lançando as idéias de um programa
para a edificação de uma literatura
genuinamente brasileira, sob a influência
da natureza americana, até meados da
segunda metade do século XIX. E
configura a presença do Romantismo em
terras brasileiras.
Além do citado Gonçalves de Magalhães,
o volume abrange autores díspares como
Sousândrade (1832-1902), autor de ―O
Guesa Errante―, poema redescoberto
pelos concretistas Augusto e Haroldo de
Campos (1929-2003) a partir da década
de 60 do século passado, e Gonçalves
Dias (1823-1864), autor da antológica
―Canção do exílio‖ e de alguns dos mais
importantes poemas da lírica indianista
brasileira.
Reúne ainda Luís Gama (1830-1882), com
suas sátiras aos comportamentos, tipos e
situações de sua época, Bernardo
Guimarães (1825-1884), com sua poesia
erótica e, às vezes, até pornográfica,
Álvares de Azevedo (1831-1952), com sua
fina e sepulcral poesia, Laurindo Rabelo
(1826-1864), com sua poesia satírica e
fescenina, Casimiro de Abreu (1839-1860),
com sua lírica de tons suaves, Castro
Alves (1847-1871), com seus versos
grandiloqüentes em favor dos escravos,
Fagundes Varela (1841-1875), com seus
poemas religiosos uns, amorosos outros,
de inspiração regional ou sertaneja,
Juvenal Galeno (1836-1931), com seus
versos
francamente
populares,
e
16
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Junqueira Freire (1832-1855), com seus
poemas de monge atormentado.
IV
C
om seleção e notas de Pedro
Marques, Antologia da poesia
parnasiana brasileira apresenta poemas
de 14 poetas, entre consagrados e outros
menos conhecidos do grande público,
mas não menos representativos do
parnasianismo. Entre os consagrados,
estão Olavo Bilac (1865-1918) e Machado
de Assis (1839-1908), cuja produção como
poeta acabou abafada pelo êxito de
seus romances da última fase. Entre os
menos afamados, estão Luís Delfino
(1834-1910), B.Lopes (1859-1916) e
Francisca Júlia (1870-1920), única mulher
entre os poetas reunidos.
Lembra Franchetti na apresentação que
o parnasianismo, em seu grande
momento, ocupou lugar proeminente
em jornais, revistas, conferências públicas
e saraus burgueses, atraindo grande
público para a poesia, o que, aliás, nunca
haveria de se repetir, guardadas as
devidas proporções no tempo. É de
ressaltar ainda que, desde os primeiros
tempos do Brasil independente, a
literatura esteve comprometida com as
questões vitais da nação, tendo assumido
a bandeira da causa abolicionista.
Encerrada a questão da abolição da
escravatura — embora a situação dos
ex-escravos nunca tenha efetivamente
preocupado o governo e as classes
dirigentes –, e estabelecida a República,
desapareceram os grandes temas épicos.
Assim, a poesia refluiu a um exclusivo
cultivo artístico, calcado em movimentos
europeus posteriores ao Romantismo.
Embora fique clara a influência do
movimento francês, os parnasianos
brasileiros procuraram um caminho
próprio, o que explica o fato de terem
caído no gosto da população ou pelo
menos daquele público letrado que se
interessava pelas coisas do espírito. Com
certeza, tal foi a importância do lugar
que essa geração ocupou na sociedade
de seu tempo que a ela se deve a criação
da Academia Brasileira de Letras, como
lembra Pedro Marques na sua
introdução.
Se muitas vezes os modernistas atacaram
sem medidas o parnasianismo, isso se deu
por conta da necessidade que tinham de
oferecer alternativas para o que
consideravam fórmulas gastas dos
parnasianos. Mas nunca deixaram de
reconhecer a importância histórica do
movimento.
V
C
om seleção e notas da professora
Francine Ricieri, doutora em Teoria e
História Literária na área de Literatura
Brasileira pela Unicamp, Antologia da
poesia simbolista e decadente brasileira
reúne nove poetas de um movimento
que, ao não alcançar a repercussão do
parnasianismo, agrupa nomes ainda
pouco conhecidos do público. Diz a
organizadora em aprofundado estudo
introdutório à guisa de prefácio que esses
poetas, como jamais pretenderam servir
à causa nacional, ―foram usualmente
representados
como
alienados,
desenraizados, fúteis, irracionalistas,
incompreensíveis, colonizados‖.
Seja como for, como observa Franchetti
na apresentação, a poesia simbolista
reserva muitas surpresas ―e a leitura
desta antologia por certo ajudará a
reverter a idéia de desinteresse que se
colou à produção simbolista‖. Para que
esta frase não fique aqui assim um tanto
solta, é de lembrar que Franchetti, autor
de As aves que aqui gorjeiam — a poesia
do Romantismo ao Simbolismo (Lisboa,
Cotovia, 2005), navega por estas águas
com mão de mestre, como diria Massaud
Moisés.
Missal e Broquéis, publicados no Rio de
Janeiro em 1893, por Cruz e Sousa (18611898),
teriam
sido
a
primeira
manifestação em livro no Brasil do
Simbolismo ou Decadentismo. Por isso,
17
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
além de peças de Cruz e Sousa, que
abrem o volume, a organizadora
recolheu poemas de Alphonsus de
Guimaraens (1870-1921), B.Lopes (18591916), Eduardo Guimaraens (1892-1928),
Maranhão Sobrinho (1879-1915), Pedro
Kilkerry (1885-1917), Da Costa e Silva
(1885-1950), Emiliano Perneta (1866-1921)
e Alceu Wamosy (1895-1923). É de notar
que B.Lopes aparece aqui também
porque sua poesia tanto tem traços
parnasianos como simbolistas.
Desses, o mais visível nos dias de hoje é
Da Costa e Silva, em razão do trabalho
de resgate de sua poesia encetado por
seu filho, o poeta Alberto da Costa e
Silva, ex-presidente da Academia
Brasileira de Letras, que tratou de
republicar a produção do pai, embora
Alphonsus de Guimaraens e Emiliano
Perneta também sejam frequëntemente
lembrados em estudos acadêmicos.
Outro bem conhecido seria Augusto dos
Anjos (1884-1914), cuja poesia apresenta
recursos e temas relacionados à poesia
simbolista, mas a organizadora preferiu
deixá-lo de fora da antologia,
argumentando que incluí-lo seria
fornecer do poeta ―uma visão que não
condiz com a linha peculiar e tão
característica em que sua poesia se
definiu‖. Até porque a produção de
Augusto dos Anjos guarda igualmente
traços parnasianos e até mesmo prémodernistas.
Por isso, seria aceitável que alguns
especialistas viessem a questionar a sua
exclusão, mas a verdade é que o estudo
introdutório de Francine Ricieri é tão
bem embasado e didático e suas
extensas
notas
de
leitura
tão
esclarecedoras que essa se torna uma
tarefa extremamente difícil e ingrata.
_______________________
Antologia da Poesia Barroca Brasileira,
157 Págs., 2007
Antologia da Poesia Árcade Brasileira,
126 Págs., 2007
Antologia
da
Poesia
Romântica
Brasileira, 286 Págs., 2007
Antologia
da
Poesia
Parnasiana
Brasileira, 227 Págs., 2007
Antologia da Poesia Simbolista E
Decadente Brasileira, 223 Págs., 2008
Apresentação De Paulo Franchetti. São
Paulo:
Companhia
Editora
Nacional/Lazuli Editora.
Site: http://www.editoranacional.com.br/
E-mail: [email protected]
A
delto Gonçalves é doutor em Literatura
Portuguesa pela Universidade de São Paulo
e autor de Gonzaga, um Poeta do
Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada,
1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage
– o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). Email: [email protected]
Fonte:
Literatura sem fronteiras
18
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Trovas
Tema: Paciência
Ante as agruras da vida,
que nos chegam com freqüência,
a conduta mais contida
é seguir com paciência.
HÉLIO PEDRO SOUZA
NATAL/RN
A Paciência é uma virtude
que, junto à perseverança,
de nós, afasta a inquietude,
e traz de volta a esperança!
DELCY RODRIGUES CANALLES
PORTO ALEGRE/ RS
Só com paciência se alcança
o que se espera da vida.
Siga com mais esperança
a cada meta vencida!
LEONILDA YVONNETI SPINA
LONDRINA/PR
Dá-me, Deus, com certa urgência,
a graça que aqui rabisco:
dez por cento da paciência
que puseste em São Francisco!
HUMBERTO RODRIGUES NETO
PIRITUBA/SP
Motorista, paciência…
Calma lá, meu companheiro!
Não se esqueça: competência
nem sempre é chegar primeiro!
ANTONIO AUGUSTO DE ASSIS
MARINGÁ/PR
Não há nada que se negue
ao homem manso e cortês:
a paciência consegue
muito mais do que a altivez!
RENATA PACCOLA FRISCHKORN
SÃO PAULO/SP
É na sua deficiência,
que o cego, na escuridão,
acende a luz da paciência
no altar do seu coração…
ERCY MARIA MARQUES DE FARIA
BAURU/SP
―Quando a dor chega a seu lar
paciência é uma virtude
que se deve cultivar
com amor em plenitude!‖
SÔNIA DITZEL MARTELO
PONTA GROSSA/PR
Quem pratica a paciência,
como virtude na vida
supera toda ciência
vence a mais perversa lida.
WILTON DI CARLI
GUARULHOS/SP
Paciência tem limite,
eu sempre pensei assim;
embora não acredite,
nosso amor chegou ao fim.
NEIVA FERNANDES
CAMPOS DOS GOYTACAZES/RJ
A virtude da paciência
nos traz equilíbrio e paz
ao evitar a imprudência
de uma atitude fugaz.
ALFREDO BARBIERI
TAUBATÉ/SP
Um desafio na vida
é vencer tribulações
e a paciência nos convida
a refrear emoções.
MARINA GOMES DE SOUZA VALENTE
BRAGANÇA PAULISTA/SP
Quando a dor desta existência
torna-se um fardo pesado,
a Deus peço a Paciência
e na fé sigo amparado!
MARIA EMÍLIA LEITÃO MEDEIROS REDI
PIRACICABA/SP
19
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Contra a grande violência
e a total insegurança,
é melhor ter paciência
e uma dose de esperança,
ILZE SOARES
SÃO PAULO/SP
Paciência teve Jó
que tantas dores sofreu,
perdeu tudo, ficou só
mas, sua fé não morreu.
MIFORI
MOGI DAS CRUZES/SP
Tenha a calma de um regato,
da criança a inocência;
você verá que, de fato,
a tudo vence a paciência.
ADAMO PASQUARELLI
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS/SP
Neste mundo em que vivemos,
de tanta pressa e aflição
que paciência nós temos
para ajudar um irmão?!
DIAMANTINO FERREIRA
CAMPOS DOS GOYTACAZES/RJ
Loja de conveniência,
farmácia e lanchonete
ofereçam ―Paciência‖
em comprimido ou tablete.
GISLENO FEITOSA
TERESINA/PI
Todas as dores do mundo,
tem uma causa, uma essência.
Mas, com fé e amor profundo,
Deus nos provê Paciência!
DILMA RIBEIRO SUERO
ESTÁCIO/RJ
Paciência é um preceito
de quem tem fé, confiança,
e acredita no conceito:
―Quem espera sempre alcança‖
DECIO RODRIGUES LOPES
MOGI DAS CRUZES/SP
Tenha paciência, senhora,
na vida tem recomeço;
quando um amor vai embora,
outro amor manda endereço.
CLÊNIO BORGES
PORTO ALEGRE/RS
Diante de tanta violência,
serena, medita e ora;
espera com paciência
e vive no aqui e agora.
ELISA SANTOS
PONTA GROSSA/PR
Se teu viver é exemplar,
com paciência e união,
tua vida há de brilhar,
como uma bela lição!
ARLENE LIMA
MARINGÁ/PR
A paciência na dor
é virtude de alma forte.
Vislumbra tão grande Amor,
vai vencer até a morte.
ELISA ALDERANI
RIBEIRÃO PRETO/SP
Paciência!… Paciência!…
Oh meu Deus, me dá um pouco…
Pois se dela, há carência,
fico agindo como um louco.
RAQUEL DELVAJE
PIRACICABA/SP
Houve pedras no caminho…
Em que eu tanto tropecei,
com paciência e carinho,
na esperança confiei!
CÉLIA APPARECIDA SILLI BARBOSA
RIBEIRÃO PRETO/SP
Paciência é uma virtude
que se tem, mas que se gasta
quando se toma a atitude
de, para alguém, dizer: – Basta!
ANTÓNIO JOSÉ BARRADAS BARROSO
PORTUGAL
Tanta era a sua pobreza
com humildade e decência,
que, faltando o pão na mesa,
lhe sobrava a paciência.
OLÍVIA ALVAREZ MIGUEZ BARROSO
PORTUGAL
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Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Que Deus me dê paciência
para sofrer esta dor
de ver que a inconsciência
mata e diz que é por amor!
GISELA ALVES SINFRÓNIO
OLHÃO/PORTUGAL
Em teus braços meu amor
me sinto plena e feliz,
tua paciência é calor,
dá a minha vida matiz.
NORA LANZIERI
BUENOS AIRES/ARGENTINA
Os avanços da ciência,
por vezes vão devagar,
preciso ter paciência
para uma cura aguardar…
ACIOLINDA SPRANGER
LAGOS/PORTUGAL
MARIA JOSÉ FRAQUEZA
FUZETA/OLHÃO/PORTUGAL
Se a paciência faltar
nas penas, que hão-de ser luz…
Lembra Deus a carregar
por nós, o peso da Cruz!
CLARISSE BARATA SANCHES
GÓIS/PORTUGAL
Se na dor, por excelência,
O amor é primordial…
Há o sofrer, com paciência,
De quem sofre d‘algum mal!
FERNANDO REIS COSTA
COIMBRA/PORTUGAL
Um homem sem paciência,
nem na dor tira vantagem;
e vê na sua existência
uma vida sem coragem!
JORGE A. G. VICENTE
SUIÇA
Se diz não ter paciência
pra ler, da Bíblia, conselhos;
use da sua valência:
Fale com Deus, de joelhos…
MARIA DA CONCEIÇÃO CUSTÓDIO
SANCHES
GOIS/PORTUGAL
No sofrimento e na dor
rogo a Deus Sua clemência,
resarei com mais fervor,
para me dar paciência…
ANTÓNIO BOAVIDA PINHEIRO
LISBOA/PORTUGAL
Com positiva paciência
obra boa descortina,
te diz a minha consciência
que sempre Deus ilumina.
JAMIL WILLIAM PISCOYA AYALA
FERREÑAFE/PERU
Paciência é virtude
que no mundo pouco abunda;
hoje em qualquer latitude
está quase moribunda.
EUCLIDES CAVACO
CANADÁ
Para todo o sofrimento
É preciso Paciência
Um olhar com sentimento
A quem vive na indigência.
Fonte:
Projeto de Trovas Para Uma Vida Melhor (Resultados da 2a. Etapa)
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Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Vicência Jaguaribe
Mas a vida...A vida não se
passa a limpo
A
velha
senhora
entrou
no
compartimento que sempre lhe servira
de biblioteca e de gabinete. Em um
tempo em que a maioria das mulheres se
dedicava às tarefas domésticas, aos
cuidados com os filhos e com o marido,
ela passava horas naquela sala lendo e
escrevendo. Quando o noivo mandara
construir a casa onde morariam depois
de casados, ela só fizera uma exigência:
um aposento onde pudesse guardar seus
livros, onde pudesse isolar-se para ler e
escrever. Nem ao menos perguntara
quantos quartos ou quantos banheiros
teria a casa, nem quisera saber o
tamanho da cozinha. A casa tinha
quintal, ficava do lado da sombra ou do
sol? Disso ela não quisera saber. Não
desperdiçaria seu tempo com coisas desse
tipo.
Puxou a cadeira do birô, sentou-se e
aproximou o porta-retrato com uma
fotografia do dia do casamento: ela e o
noivo... não, ela e o marido. Quando
tiraram aquela foto já eram marido e
mulher, fora logo depois da cerimônia.
Passou a mão sobre a imagem do
marido e recordou como ele fora
apaixonado por ela. Uma paixão que a
rotina do casamento não conseguira
esfriar. Diante do desinteresse dela pelos
assuntos domésticos, das horas que
roubava da convivência com ele e com
os filhos para dedicar à leitura e à
composição de seus textos, sua paciência
era uma fonte inesgotável, que parecia
renovar-se todos os dias.
Sabia não ter sido uma boa mãe. Não
se enquadrava nos parâmetros que
determinavam se uma mulher era uma
boa mãe. Nunca se entusiasmara com a
maternidade e não escondera isso do
noivo. Chegara mesmo a dizer, para
escândalo dos futuros sogros, que não
pretendia ter filhos. Seus pais não se
horrorizavam mais com suas opiniões e
posições fora dos eixos, conforme diziam.
Ela fora assim desde pequena. Fazia
tudo diferente das irmãs. Não obedecia
ao horário convencional de dormir nem
de comer, nunca se adaptou às
imposições da escola, não gostava do
que as outras meninas de sua idade
gostavam.
Era
um
astro
que
determinava sua própria rotação, não
lhe importando se as leis da Física
mandavam ir para a direita ou para a
esquerda. Diante do inexorável, os pais
tiveram que capitular.
Ele, o marido, nunca reclamara de seus
desvios do eixo da rotina. Amara-a
incondicionalmente até o fim da vida.
Ela lhe davaa impressão de que estava
sempre na expectativa de que algo
acontecesse. A si mesmo ele dizia que a
mulher vivia sempre de véspera; para
ela nunca chegava o dia D. Sabia que
escrevia muito, mas nunca conseguira
que ela lhe mostrasse – a ele ou a outra
pessoa – os textos que produzia. Quando
entrava no gabinete e surpreendia-a
escrevendo, pedia-lhe permissão para ler
o produto da vez. A resposta era sempre
a mesma:
- Não, agora não. Ainda está no
rascunho, quando passar a limpo, você o
lerá.
E ele não insistia. Respeitava-a e
amava-a demais para forçá-la a fazer
qualquer coisa que a deixasse
contrariada ou constrangida.
A velha senhora levantou-se e passou
em revista as estantes com seus livros.
Diante dos seus preferidos, parava.
22
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Retirava um ou outro, folheava-o
rapidamente e recolocava-o no lugar.
Aproximou-se da estante em que
guardava os livros infantis – alguns de
seu tempo de criança, outros comprados
para os filhos. Era uma das poucas coisas
que a incomodavam na vida. Falhara
com as suas duas crianças, porque não
conseguira passar-lhes seu amor pelos
livros, sua devoção à literatura, seu gosto
pela prática da escrita. Parece até que
trabalhara no sentido contrário – fizeraos afastar-se dos livros. Era como se,
agindo assim, eles se vingassem das horas
que ela lhes roubava para dedicar à
leitura e à escrita.
independente, não aceitava imposição
de ninguém. Que mistério era esse que só
existia quando se tratava de sua
produção literária? Depois que o marido
morrera, ela jurara a si mesma que faria
o que ele tanto lhe pedira: daria a forma
definitiva a alguns contos, a algum
romance, isto é, os arrancaria da
condição de rascunho, e os levaria a uma
editora. Mas, quando pegava uma pasta
e tentava fazer a versão final de um
texto, por mais simples que fosse, fazia
não a versão final, mas uma nova
versão, cheia de emendas, cheia de
palavras riscadas e substituídas. Produzia
outro rascunho.
A família inteira – a dela e a do marido
– ironizava o seu comportamento. De
vez em quando, em tom de chacota,
perguntavam pelos livros que ela sempre
dissera que, um dia, publicaria. Quando
pediam que lhes mostrasse algo escrito
por ela, qualquer coisa que fosse – um
conto, um poema –, nem que estivesse
inacabado, ela dava a mesma resposta:
E o tempo foi passando. E a cada dia
ela se sentia mais angustiada, mais
insatisfeita, mais incompleta. Enquanto
era nova, achava que daria tempo. Um
rascunho a mais, um a menos... teria
muito tempo ainda. O que a levava a
agir dessa maneira? perguntava-se com
frequência. Agora, nos últimos anos, mais
do que antes. Nunca exigira dela mesma
– nem dos outros – que fizessem as coisas
com perfeição. Não era nem um pouco
perfeccionista. Não, pelo menos nas
outras esferas de sua vida. Ao contrário,
era até meio desleixada. Mas também
nunca se entusiasmara realmente por
nada, a não ser pelos seus livros e pelos
seus escritos. Não amara o marido como
ele merecia ter sido amado; não agira
como uma boa mãe;não fora nem era
uma mulher feliz; nunca se sentira plena,
realizada. Sabia que sua realização
dependia de sua capacidade de vencer o
medo – o medo da opinião dos outros,
das críticas especializadas e não
especializadas, sobre o que produzia.
Dependia da ousadia de desengavetar
seus escritos e expô-los. Enquanto não
tivesse a coragem suficiente de tirá-los
da condição de rascunho, enquanto não
lhes desse uma versão final, seria como se
estivesse esperando também da vida
uma versão definitiva.
- Ainda está no rascunho. Quando
passar a limpo, eu mostro.
Aproximou-se do arquivo – grande e
trancado a chave – onde todo mundo
sabia que ela guardava as produções
literárias que ninguém nunca lera. Tirou
do bolso a chave e abriu-o. Dentro,
inúmeras pastas, todas elas identificadas
e datadas. Sabia que muitas pessoas
duvidavam de que ela, algum dia,
houvesse realmente escrito alguma coisa.
Quem escreve, escreve para ser lido. Ela,
não. Nunca tivera coragem de mostrar a
alguém um texto seu. Quantas vezes o
marido não tentara convencê-la a
selecionar
uns
manuscritos
para
publicação. Ele financiaria. Mas ela tinha
a mesma resposta:
- Não. Ainda não está na hora. Ainda
está no rascunho, ainda tenho que passar
a limpo.
Por que agia assim? Não sabia ao certo.
Nos outros setores da vida era resolvida,
Será que, se conseguisse a façanha de
sair da estação do rascunho, estaria
realizada, chegaria à conclusão de que a
23
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
vida valera a pena? Resgataria alguma
coisa que se perdera no tempo?
Tentou abrir a segunda gaveta do
arquivo e alcançar uma pasta que
ostentava, em letras grandes, o rótulo
Minha vida em rascunho. Foi esforço
demais.Ela sentiu uma pontada no peito
e uma forte dor espalhando-se pelo
braço esquerdo. Ainda conseguiu puxar
a pesada pasta, mas desequilibrou-se e
caiu. Não de uma vez, mas lentamente.
Tentou evitar que os papéis guardados
na pasta se espalhassem, mas não
conseguiu. Já meio inconsciente, ela via
um livro em cada folha que caía da
pasta – eram livros de várias cores e
tamanhos, que se acumulavam ao seu
redor. E esboçou um sorriso quando o
último livro se abriu diante de seus olhos,
como se alguém o estivesse segurando
para que o visse – e era ela a autora.
Seu último pensamento traduziu algo
que ela sempre soubera, mas nunca
tivera coragem de admitir – seus escritos
em rascunho eram a representação de
sua vida incompleta. Tirar da forma de
rascunho aquilo a que dedicara toda a
existência seria uma maneira de dar
plenitude à vida. Seria transformar em
realidade um sonho por meio do qual
sua vida adquiriria sentido. Nesse
momento, no entanto, um diabinho
pulou no seu ombro e soprou no seu
ouvido: Um texto pode ficar em forma
de rascunho até alcançar sua forma
definitiva. Com a vida é diferente. A vida
não nos oferece uma chance de passá-la
a limpo. A vida fica sempre no rascunho.
Algumas horas depois, quando a
empregada entrou no gabinete para
fazer a arrumação diária, encontrou-a
coberta por folhas de papel, cheias de
emendas e de riscos, umas escritas a lápis,
outras a caneta. Por baixo daqueles
rascunhos, a empregada perscrutou o
semblante da velha senhora – nem ela
nem ninguém poderiam dizer se havia
em seu rosto sinais de um sorriso ou de
um esgar.
Fonte:
Texto enviado pela autora
Adalcinda Camarão
Poesias
BOM DIA, BELÉM
Há muito que aqui no meu peito
Murmuram saudades azuis do teu céu
Respingos de ausência me acordam
Luando telhados que a chuva cantou
O que é que tens feito
Que estás tão faceira
Mais jovem que os jovens irmãos que
deixei
Mais sábia que toda a ciência da terra
Mais terra, mais dona do amor que te
dei
Onde anda meu povo, meu rio, meu
peixe
Meu sol, minha rêde, meu tamba-tajá
A sesta o sossego da tarde descalça
O sono suado do amor que se dá
E o orvalho invisível na flôr se
embrulhando
Com medo das asas do galo cantando
Um novo dia vai anunciando
Cantando e varando silêncios de lar
Me abraça apertado, que eu venho
chegando
Sem sol e sem lua, sem rima e sem mar
Coberta de neve, lavada no pranto
Dos ventos que engolem cidades no ar
Procuro o meu barco de vela azulada
Que foi de panada sumindo sem dó
Procuro a lembrança da infância na
grama
Dos campos tranquilos do meu Marajó
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Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Belém minha terra, minha casa, meu
chão
Meu sol de janeiro a janeiro a suar
Me beija, me abraça que quero matar
A doída saudade que quer me acabar
Sem círio da virgem, sem cheiro cheiroso
Sem a ―chuva das duas ‖ que não pode
faltar
Cochilo saudades na noite abanando
Teu leque de estrelas, Belém do Pará!
ESPAÇO-TEMPO
Quero-te mesmo, amor, na ausência ou
na presença,
com rumores de sombra, alarde ou
desafios.
―Dormir num chão de luar à sombra de
roseiras
ou sob os pirisais na baixada dos rios…
Assim te amo e te sei amando dia-a-dia,
acordada ou dormindo o germinal
segredo.
E te abraço sem ter teu corpo ao meu,
beijando
a saudade sem ser de quem se tem sem
medo.
Amo-te mesmo, amor, no madrigal do
tempo,
derrubando androceus e gineceus se
amando
nas pálpebras do estio que o sono não
acorda.
No teu dorso eu descanso a caminhada
enorme
que fiz pra te encontrar ― lábios
ardendo em busca
da tua noite azul onde minh‘alma
dorme.
Amo-te mesmo, amor. Se me vens ou te
vais.
Sinto-te à flor da pele e à superfície da
água
que dessedenta o bem que nos lava o
mal.
Amo-te e não sei quem és ― teu nome
nem origem.
Só sei que és homem são e me sabes
mulher.
Que beleza este amor sem pranto nem
vertigem,
sem princípio nem fim, nem dimensão
sequer!
Adalcinda Camarão
(1914 – 2005)
A
dalcinda Magno Camarão Luxardo
(Muaná, Ilha de Marajó, 18 de julho
de 1914 – Belém, Pará, 17 de janeiro de
2005) foi uma poetisa e compositora
paraense.
Estudou em Belém no colégio D. Pedro II
e no Instituto de Educação e nessa
cidade desenvolveu todo o seu trabalho
cultural. É autora de vários livros de
versos como: ―Baladas de Monte Alegre‖,
―Entre Espelho e Estrelas‖, ―Folhas‖,
―Vidências‖, escreveu para rádio, teatro e
jornais e revistas da Amazônia desde os
dez anos de idade.
No ano de 1938, Cléo Bernardo e um
grupo de colegas de faculdade de
Direito, fundaram Terra Imatura, revista
mensal de estudantes, cujo título foram
buscar em um romance regionalista de
Alfredo Ladislau. Terra Imatura ganhou
importância nas letras paraenses, onde
despontavam Adalcinda e sua irmã
Celeste Camarão, Dulcinéia Paraense,
Mirian Morais, Paulo Plínio Abreu, Ruy
Barata e outros mais, na poesia, alguns
formando a redação da revista.
Em 1956, Adalcinda viajou para os EUA,
com Bolsa de Estudo oferecida pelo
Departamento de Estado, com o
Departamento
de
Educação
e
recomendada
pela
Embaixada
Americana no Brasil. Fez mestrado em
Educação e lingüística (American
Univerity e Catholic University, EUA, de
1956 a 1959).
Recebida como membro efetiva e
perpétua da Academia Paraense de
Letras em janeiro de 1959, ocupou a
25
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
cadeira nº 17 e teve como patrono Felipe
Patroni. Casou-se com o cineasta Líbero
Luxardo, também da Academia
Paraense de Letras, com quem teve um
filho. Fixou residência nos Estados Unidos,
em Washington, sem esquecer a sua
academia, mandando de quando em
vez, seus belos poemas para a revista.
A poetisa dos Anos Trinta, aquela que
escrevia em Terra Imatura, muito jovem
ainda,
continuou
florescendo
e
encantando a todos. Na Terra Imatura,
número de março de 1939, encontramos
o Poema ―Bujarronas do Guamá‖.
Adalcinda, muito embora ausente,
nunca pensou em abandonar ou deixar
a sua Academia. Seus versos mais
recentes, cada vez mais untados de
amor, são mandados para divulgação.
Na revista, volumes xxviii, de 1987,
podem encontrar ―três poemas‖, um
dedicado ao filho: ―Trinta de Abril‖.
Voltando à Terra Imatura do saudoso
Cléo Bernardo, lê-se muitas outras
produções de Adalcinda, produzidas nos
anos trinta, quando já era selecionada
entre ―os poetas modernos da
Amazônia‖, ao lado de Bruno, do
Dalcídio, do Nunes Pereira, do Ruy
Barata, todos pondo o maior vigor e
vida à corrente modernista da poesia,
desencadeada em 1922, em São Paulo e
que alcançava as margens do Rio-Mar.
No número 13, referente a dezembro de
1940, a revista agrupou vários poetas,
transcrevendo, de cada um, magníficos
versos da escola moderna. Adalcinda lá
está. Aparece com ―Explicação Inútil‖.
A revista Terra Imatura, naqueles anos
distantes, teve grande papel no
aprimoramento cultural dos jovens, ela e
outras mais, como o Pará Ilustrado, de
Edgar Proença, A Semana, do Ernestino
Sousa Filho, Brasileis, de Silvio Meira, com
a característica de serem mensais, a A
Semana a única semanal. Hermógenes
Barra, na Revista da Veterinária,
também prestou relevante serviço as
letras do Pará, não somente através da
revista, como principalmente, pela
tipografia que possuía e que acolhia a
todos.
Publicou, durante muitos anos, todas as
teses de concurso de cátedra ou
docência, livros de Antônio Tavernard,
Augusto Meira, Bruno de Menezes e
tantos outros.
Adalcinda Camarão, ou simplesmente
Adalcinda, é desse tempo, uma das
grandes animadoras da PRC-5, a rádio
de Edgar Proença, Lorival Penálber e
Eriberto Pio. ―A voz que fala e canta
para a planície‖.
Adalcinda
sintetiza
uma
época,
merecendo
ser
lembrada,
ou
relembrada, distante que está na terra
de Tio Sam. Mas, Adalcinda não parou,
sua pena e sua lira continuaram a emitir
belos sons em terra distante, não
esquecendo jamais o torrão natal, de
que são prova os belos versos, mandados
de Washington, D.C.,Divulgados pela A
Província de 7 de março de 1989,
extraído do livro Folhas: ―Voz‖. De 1956 a
58, trabalhou em conferência e
entrevistas para a Voice of América, em
Washington, D.C., onde permaneceu
radicada.
De 1957 a 60, ensinou Português para
estrangeiros, na La Case Academy of
Languages e Sanz School. Em 1960, abriu
o Departamento de Português da
Georgetown University (Institute of
Languages and Linguístics), onde
também ensinou Literatura do Brasil e
de Portugal, de 1960 a 1965.
Lecionou Português na American
University em 1974 e 1975; na Graduate
School of the Agriculture Department, de
1966 a 1977; na Casa Branca, para
assistentes dos presidentes Nixon e Ford,
em 1974 e 1975; na Arlington Adult
Education, 1986, 1987 e 1988. Trabalhou
na Embaixada do Brasil, em Washington,
D.C., de 1961 a 1988.
Em 2000, retornou para Belém, depois
de 44 anos morando nos Estados Unidos
26
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
e no dia 17 de janeiro de 2005, às 17h,
morre por complicações em decorrência
pela idade avançada. Aos 91 anos,
Adalcinda faleceu em casa.
É detentora de inúmeras medalhas
condecorativas e diplomas. Dos EUA,
colaborou com os jornais paraenses. A
Província do Pará, O Estado do Pará e O
Liberal.
Obra
Livros:
Despetalei a Rosa. Poesia, 1941;
Vidência. Poesia, 1943;
Baladas de Monte Alegre. Poesia, 1949;
Entre Espelhos e Estrelas. Poesia, 1953
(Premiado como o melhor livro do ano
pelo Governo do Estado);
Caminho do Vento. Poesia, 1968;
Folhas. Poesia, 1979;
A Sombra das Cerejeiras. Poesia, 1989; e
Antologia Poética. Poesia, Belém, CEJUP,
1995.
Teatro
Um Reflexo de Aço, 1955; e
O Mar e a Praia, 1956)
Folclore
Lendas da Terra Verde, 1956
Educação
Brasil Fala Português. Livro Escolar, 1964
e
Comentários no Espaço e no Ar (At the
Red Lights, em inglês, 1977).
Fonte:
Wikipedia
http://cliente.argo.com.br/
A. A. de Assis
A Moça do Jipe
Seu Nando vivia ali pacato e bom,
baixinho, redondo, discreta calva,
solteirão encalhado, atendendo a
aldeia na vendinha de secos e
molhados. Se deu que porém a moça
passante brecou o jipe lhe passando
um susto, não muito pelo de-repente
do impacto, mas pela explosão da
imagem. Aquela coisa louca, aquele
jeitão de rir. Seu Nando tremeu total.
Queria a moça informação sobre a
estrada que levava a uma praia
próxima, onde haveria reunião de
surfistas e de agitadas meninas que
27
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
nem ela, a que parecendo vir das
nuvens caíra na porta dele.
– Tem de voltar até o trevo e
repegar o rumo.
– Será que acerto?
– Se quiser vou junto. Posso mostrar
o caminho. Preciso mesmo ir lá, volto
de ônibus. Me dá carona?
– Sobe aí, tiozão!
Zuuuuuuuuuuuuummmmmmmm...
Tremeu de novo Seu Nando. Agora
sim de medo. Moça maluca, 140 por
hora naquele jipe trotão. Só não
pediu pra descer por encabulação.
Olhando as pernas dela, se distraiu.
De agradecimento, ela deu-lhe na
chegada um beijo. Na boca. Seu
Nando ensandeceu de vez. Retribuiu
grudando a moça, que todavia
gostou. Rolaram na areia, rolaram no
mar, a noite chegou.
Na aldeia, no dia seguinte, o
bochicho. Sumiu Seu Nando. Os
vizinhos estranharam aquela coisa de
ele na véspera haver fechado a
venda cedo. Uns, que o viram entrar
no jipe da moça, se espantaram mais
ainda. Agora já era meio-dia, e de
Seu Nando nada. Seria acidente?
Seria acaso aquela moça alguma
parenta dele? Um galho dele?
Seria?...
Mandaram o aviso a um compadre
que vivia em cidade próxima, único
mais-íntimo que se sabia dele.
Comunicaram
às
autoridades,
botaram
notícia
no
rádio,
espalharam de boca em boca o
misterioso evento.
Ele tão bom homem, nunca
perturbara
ninguém,
vendeiro
prestativo. Chegaram a supor que a
moça do jipe fosse extraterrestre.
Quase um mês mais tarde, já davam
Seu Nando por inencontrável:
afogado, engolido por tubarão,
levado para um planeta distante...
Até
que
noutro
de-repente
reapareceu ele, a barba crescida, a
roupa em trapos, a cara de quem
andara
metido
em
muito
complicada encrenca.
– Depois eu conto o que aconteceu.
Agora quero é tomar um banho,
comer um bife enorme, dormir umas
24 horas. Avisem por aí que estou
vivo.
Geral curiosidade, só satisfeita no
outro dia, com a presença de
repórteres, fotógrafos, e os ouvidos
atentos da aldeia inteira. Seu Nando
tinha ido com a tal garota litoral
acima, até a Bahia. Nem chegara a
saber o nome dela, dizia apenas
―Coisinha‖, o resto era o fascínio.
– Voltei de carona num caminhão,
ajudando a carregar-descarregar em
troca da comida. Desci no trevo e de
lá vim caminhando.
Os cartões de crédito que havia
levado, duas semanas depois já
acusavam ultrapassagem de limite.
Foi a grana acabar e a moça sumir,
sem ele imaginar para que destino
nem se ela era gente mesmo, talvez
fosse irreal. Sabia só que nas alegrias
era mulher ao máximo.
Sorte dele que o gerente do banco
entendeu a história, refez-lhe o
crédito. E o bom homem se reinstalou
atrás do balcão, de onde oito meses
passados ouviu outra freada.
– Olhe aqui, tiozão! Trouxe pra você
a sua obra.
Ela desceu do jipe mostrando a
barriga prenha. Voltara para ter o
bebê onde ele começara a ser feito.
Seu Nando acolheu-a, guloso dela,
pouco se importava se a criança era
28
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
sua ou não. Pagou as despesas do
parto, do berço, das roupinhas.
Porém
cadê
a
―Coisinha‖?...
Ninguém sabe, ninguém viu. Do jeito
que rechegou, de novo magicamente
sumiu.
Criou-se a criança engatinhando ali
na venda, assistida pela bondade de
umas senhoras vizinhas. Ele um
homem de tão generoso coração,
baixinho, redondo, discreta calva,
pela segunda vez abandonado no
pique dos seus melhores sonhos.
Se valeu? Ora se...
Fonte:
ASSIS, A. A. De. Vida, verso e prosa. Maringá/PR:
EDUEM, 2010.
Abílio César Borges
(1824 – 1891)
A
expressivos nomes da literatura baiana
da época.
Biografia e formação
Realizou diversas viagens à Europa, a
fim de aperfeiçoar seus métodos
pedagógicos, de forma a torná-los
aplicáveis aos seus trabalhos.
bílio César Borges, primeiro e único
barão de Macaúbas, (Rio de Contas,
9 de setembro de 1824 — 17 de janeiro de
1891) foi um médico e educador
brasileiro.
Era filho de Miguel Borges de Carvalho e
de Mafalda Maria da Paixão. Nasceu no
povoado
de
Macaúbas,
então
pertencente à pequena Vila de Rio de
Contas, ao sul da Chapada Diamantina,
exatamente quando esta completava
cem anos de emancipada. Ali efetua os
primeiros estudos e, em 1838 muda-se
para a capital baiana (Salvador), a fim
de completar sua formação.
Em 1841, depois de haver interrompido os
estudos por causa da saúde, entra para a
Faculdade de Medicina da Bahia,
transferindo-se em seguida para o Rio de
Janeiro, onde diplomou-se em 1847 –
tendo realizado o curso de forma
brilhante.
Voltando para a Bahia, dedica-se ao
magistério por quatro anos. Em 1845,
funda, junto a outros, o Instituto Literário
da Bahia, uma espécie de prelúdio de
Academia de Letras, onde são realizados
saraus, discutidas idéias e reunia os mais
Era casado, desde 1848, com Francisca
Antônia
Wanderley,
oriunda
de
importante família pernambucana, com
quem teve vários filhos.
O formador de gênios
Em Salvador, ainda sem o baronato,
Abílio César Borges fundou o Ginásio
Bahiano, no ano de 1858. Ali, mais que
um professor e diretor, aplicava as
novidades pedagógicas que incorporava
em seus estudos.
Esta instituição, assim como o também
famoso e contemporâneo ―Colégio
Sebrão‖,
foi
responsável
pelos
fundamentos educacionais de futuras
genialidades da Bahia, como Rui
Barbosa, Aristides Spínola, Castro Alves,
Plínio de Lima, Cezar Zama, dentre
outros. Conservou-se à frente da
instituição por quase quatorze anos.
Viajou ao Velho Mundo com o próposito
de melhorar os seus conhecimentos sobre
os problemas pedagógicos.
29
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
De volta da Europa, em 1871 muda-se
para o Rio de Janeiro, fundando ali o
Colégio Abílio. Onze anos depois, graças
à fama alcançada por sua instituição, foi
nomeado como representante do Brasil
em congresso pedagógico internacional
de Buenos Aires. Em Barbacena, Minas
Gerais, em 1881 instalou uma filial do
colégio do Rio de Janeiro, por onde
passaram ilustres personalidades da vida
pública mineira (o prédio, que ainda
hoje
preserva
características
da
construção original, serviu de sede para o
antigo Colégio Militar de Minas Gerais e
hoje é a sede do comando da Escola
Preparatória de Cadetes-do-Ar).
Suas idéias, na época, eram inovadoras
na
educação
brasileira:
abolia
completamente qualquer espécie de
castigo físico; realizava torneios literários;
culto ao civismo, etc. Imaginou um
método de aprendizagem de leitura que
denominou de Leitura Universal, para
facilitar o estudo das primeiras letras,
abriu vários cursos públicos gratuitos de
leitura, convencido de que assim
prestava o melhor serviço ao país.
A fim de poder ministrar as lições aos
seus alunos, sem ofender entretanto os
rígidos costumes da época, chegou até a
mandar publicar, na Bélgica, um volume
especial, adaptado para ―menores‖, de
Os Lusíadas.
Algumas obras publicadas
Proposições sobre Ciências Médicas, (tese
de doutoramento – 1847)
Vinte anos de propaganda contra o
emprego da palmatória e outros castigos
aviltantes no ensino da mocidade
Desenho linear ou Geometria prática
popular
Memória sobre a mineração da
Província da Bahia (1858)
Discursos sobre a educação
Gramática Portuguesa
Gramática Francesa
Epítome de Geografia
Livros e Leitura
Vinte e dois anos em prol da elevaçãod
dos estudos no Brasil
Os Lusíadas de Camões
A Lei Nova do ensino infantil
Conferência sobre o Aparelho Escolar
Múltiplo e o Fracionamento
Civista extremado e Grande do Império
Ainda na Bahia, por ocasião da Guerra
do
Paraguai,
manifestava-se
exaltadamente
pela
imprensa,
conclamando ao povo à luta em defesa
da soberania brasileira. Mas, não
restringiu-se a isto: chegou mesmo a
patrocinar, de suas próprias rendas, o
batalhão dos ―Zuavos Baianos‖. Pioneiro
do Abolicionismo, fundou a ―Sociedade
Libertadora 7 de Setembro‖, que
publicava o jornal ―Abolicionista‖. A 30
de julho de 1881, foi agraciado com o
título de Barão de Macaúbas, depois
elevado com a honra de Grande do
Império, em 3 de junho de 1882. Além
dessa honraria, foi comendador da
Imperial Ordem da Rosa, da Ordem de
Cristo e da de São Gregório,o Magno.
D. Pedro II demonstrava, através do
reconhecimento dos méritos do Barão,
sua preocupação com a educação no
país, Imperador que valorizava o
magistério e que declarava que, se não
fosse o rei, queria ser ―mestre-escola‖…
O Barão de Macaúbas foi um homem à
frente do seu tempo, que amava o seu
país. Como educador, manteve-se
sempre afeito às novidades quanto aos
métodos de ensino, sem nunca perder o
aprendizado próprio. Não tivesse
deixado vestígios, bastaria o fato de ter
sido o alicerce de Castro Alves e Rui
Barbosa, dentre muitos outros.
Pertenceu à Academia Filomática, foi
diretor geral do ensino na Bahia (1856),
membro do Instituto Histórico e
Geográfico da Bahia, além de muitas
outras entidades lítero-científicas no
Brasil e na Europa.
Fontes:
Wikipedia
Brasil Escola
30
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Nilto Maciel
Vou ser herói, Maria
Transtornado, o homem recusava abrir a
porta do elevador. Se do lado de fora
estivesse um tigre à sua espreita? Vários
tigres? Um horror! E tremia todo. Não
conseguia nem sequer se manter em pé.
Melhor sentar-se. E esperar, esperar,
esperar. Passaria toda a noite, e quantas
noites fosse preciso passar, dentro do
elevador. Não, morreria de inanição e
tédio. E se o tigre, os tigres abrissem a
porta? De manhã os vizinhos, sua mulher
só encontrariam alguns ossos. Nunca
saberiam como e por que sumira tão
misteriosamente. A ossada poderia ser de
outro. Talvez de um cachorro grande.
Nunca de um homem, dele. Não havia
canibais na cidade. Nenhuma notícia
deles.
Sossegou, buscou uma brecha na porta,
olhos e ouvidos de caçador. Nenhum
sinal de tigre. O bicho não chegara
àquelas alturas. Com certeza continuava
na rua.
Abriu um pouquinho a porta. Puxou-a
para si. Melhor não confiar em nada.
Felino é bicho traiçoeiro. Empurrou de
novo a porta. E, de um pulo, lançou-se
contra a porta do apartamento. Socorro,
Maria, socorro! Do outro lado gritaram
espere, espere. Até abrirem a porta o
tigre o devoraria. Bateu com força as
mãos na porta. Deu outro pulo e caiu no
meio da sala. Bêbado, sem-vergonha,
desgraçado. Fechassem a porta logo. O
tigre podia entrar.
Não, não havia bebido nada? E o que
era aquilo então? Ficara maluco de vez?
Maluco é a mãe. Mais um minuto, e
nunca mais o teriam visto. Comido, comi-do por um tigre, Dona Maria. Ela se
pôs a rir. Riso de deboche. Depois
gargalhou. As crianças também riram. O
pai delirava? Ergueu-se do chão, ainda
aflito. Prestassem atenção, muita
atenção. Havia um tigre na rua. Debaixo
do prédio. A mulher riu de novo. Não
risse. Se não acreditasse e quisesse virar
comida de tigre, abrisse a porta e
descesse. As crianças já não riam e
correram para a mãe.
Na televisão o locutor falava de crises,
abacaxis e pepinos. Alta do trigo. O
homem correu a apertar o botão do
aparelho. Nada de barulho. O tigre
poderia se irritar. De onde surgiu esse
31
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
tigre, homem? Sei lá. Deve ter vindo da
África. Não, pai, ele fugiu do circo. Deu
na televisão. Mentira, gritou o outro filho.
O tigre estava doente e teve alta. Então
é mais perigoso ainda. Tigre ferido é uma
fera.
Onde estava o revólver? Não tinham
revólver nenhum. Só os de brinquedo.
Então buscassem as facas, todas as facas.
Se o tigre se atrevesse a entrar, ele o
esfolaria. Vou ser herói, Maria.
E apagou as luzes.
Maria deu um gritinho, as crianças se
puseram a chorar. O homem criou
coragem — foi trancar a porta já
trancada. Arrastou os sofás para a porta.
Fonte:
Nilto Maciel. Pescoço de girafa na poeira. Brasília: Secretaria
de Cultura do DF, 1999.
Artur de Azevedo
A "Não-me-toques!"
I
P
assavam-se os anos, e Antonieta ia
ficando para tia, – não que lhe
faltassem candidatos, mas – infeliz moça!
– naquela capital de província não
havia um homem, um só, que ela
considerasse digno de ser seu marido.
Ao Comendador Costa começavam a
inquietar seriamente as exigências da
filha, que repelira, já, com desdenhosos
muxoxos,
uma
boa
dúzia
de
pretendentes cobiçados pelas principais
donzelas da cidade. Nenhuma destas se
casou com rapaz que não fosse
primeiramente enjeitado pela altiva
Antonieta.
- Que diabo! dizia o comendador à sua
mulher, D. Guilhermina, – estou vendo
que será preciso encomendar-lhe um
príncipe!
Ou
então,
acrescentava
D.
Guilhermina, esperar que algum
estrangeiro ilustre, de passagem nesta
cidade..
- Está você bem aviada! Em quarenta
anos que aqui estou, só dois estrangeiros
ilustres cá têm vindo: o Agassiz e o
Herman.
Entretanto, eram os pais os culpados
daquele
orgulho
indomável.
Suficientemente ricos tinham dado à
filha uma educação de fidalga,
habituando-a desde pequenina a ver
imediatamente satisfeitos os seus mais
custosos e extravagantes caprichos.
Bonita, rica, elegante, vestindo-se pelo
último figurino, falando correntemente o
francês e o inglês, tocando muito bem o
piano, cantando que nem uma primadona, tinha Antonieta razões sobejas
para se julgar um avis rara na sociedade
em que vivia, e não encontrar em
nenhuma classe homem que merecesse a
honra insigne de acompanhá-la ao altar.
Uma grande viagem à Europa,
empreendida pelo comendador em
companhia da esposa e da filha,
completara a obra. Ter estado em Paris
constituía, naquela boa terra, um título
de superioridade.
Ao cabo de algum tempo, ninguém mais
se atrevia a erguer os olhos para a filha
do Comendador Costa, contra a qual se
estabeleceu pouco a pouco certa
corrente de animadversão.
Começaram todos a notar-lhe defeitos
parecidos com os das uvas de La
32
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Fontaine, e, como a qualquer indivíduo,
macho ou fêmea, que estivesse em tal ou
qual evidência, era difícil escapar ali a
uma alcunha, em breve Antonieta se
tornou conhecida pela ―Não-me-toques‖.
II
T
eria sido realmente amada? Não,
mas apenas desejada, – tanto assim
que todos os seus namorados se
esqueceram dela…
Comendador Costa; entretanto, depois
de tantos anos de dedicação e amizade,
a sua situação era ainda a de um simples
empregado; o patrão, ingrato e egoísta,
pagava-lhe em consideração e elogios o
que lhe devia em fortuna. Mais de uma
vez apareceram a Seu José ocasiões de
trocar aquele emprego por uma situação
mais vantajosa; ele, porém, não tinha
ânimo de deixar a casa onde ao seu lado
Antonieta nascera e crescera.
III
Todos, menos o mais discreto, o mais
humilde, o único talvez, que jamais se
atrevera a revelar os seus sentimentos.
Chamava-se José Fernandes, e era o
primeiro empregado da casa do
Comendador Costa, onde entrara aos
dez anos de idade, no mesmo dia em
que chegara de Portugal.
Por esse tempo veio ao mundo
Antonieta. Ele vira-a nascer, crescer,
instruir-se, fazer-se altiva e bela.
Quantas vezes a trouxera ao colo,
quantas vezes a acalentara nos braços
ou a embalara no berço! E, alguns anos
depois, era ainda ele quem todas as
manhãs a levava e todas as tardes ia
buscá-la no colégio.
Quando Antonieta chegou aos quinze
anos e ele aos vinte e cinco, ―Seu José‖
(era assim que lhe chamavam) notou
que a sua afeição por aquela menina se
transformava, tomando um caráter
estranho e indefinível; mas calou-se, e
começou de então por diante a viver do
seu sonho e do seu tormento Mais tarde,
todas as vezes que aparecia um novo
pretendente à mão da moça, ele
assustava-se, tremia, tinha acessos de
ciúmes, que lhe causavam febre, mas o
pretendente era, como todos os outros,
repelido, e ele exultava na solidão e no
silêncio do seu platonismo.
Materialmente, Seu José sacrificara-se
pelo seu amor. Era ele, como se costuma
dizer (não sei com que propriedade) o
―tombo‖ da casa comercial do
U
m dia, tudo mudou de repente.
Sem dar ouvidos a Seu José, que lhe
aconselhava o contrário, o Comendador
Costa empenhou a sua casa numa
grande especulação, cujos efeitos foram
desastrosos, e, para não fechar a porta,
viu-se obrigado a fazer uma concordata
com os credores. Foi este o primeiro golpe
atirado pelo destino contra a altivez da
―Não-me-toques‖.
A casa ia de novo se levantando, e já
estava quase livre dos seus compromissos
de honra, quando o Comendador Costa,
adoecendo
gravemente,
faleceu,
deixando a família numa situação
embaraçosa.
Um verdadeiro deus ex machina
apareceu então na figura de Seu José
que, reunindo as suadas economias que
ajuntara durante trinta anos, e
associando-se a D. Guilhermina, fundou
a firma Viúva Costa & Fernandes, e
salvou de uma ruína iminente a casa do
seu finado patrão.
IV
O
estabelecimento prosperava a olhos
vistos e era apontado como uma
prova eloqüente de quanto podem a
inteligência, a boa fé e a força de
vontade, quando o falecimento da viúva
D. Guilhermina veio colocar a filha numa
situação difícil…
33
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Sozinha, sem pai nem mãe, nem amigos,
aos trinta e dois anos de idade, sempre
bela e arrogante em que pesasse a todos
os seus dissabores, aonde iria a ―Não-metoques‖?
Antonieta foi a primeira a pensar que o
seu casamento com José Fernandes era
um
ato
que
as
circunstâncias
impunham…
Antes da sua orfandade, jamais
semelhante coisa lhe passaria pela
cabeça. Não que Seu José lhe
repugnasse: bem sabia quanto esse
homem era digno e honrado; estimavao, porém, como a um tio, ou a um irmão
mais velho, – e ela, que recusara a mão
de tantos doutores, não podia afazer-se
a idéia de se casar com ele.
Entretanto,
esse
casamento
era
necessário, era fatal. Demais, a ―Nãome-toques‖ lembrava-se de que o pai,
irritado contra os seus contínuos e
impertinentes muxoxos, um dia lhe
dissera:
- Nã0 sei o que supões que tu és, ou o
que nós somos! Culpa tive eu em dar-te
a educação que te dei! Sabes qual é o
marido que te convinha? Seu José! Seria
um continuador da minha casa e da
minha raça!
Tratava-se
por
conseguinte,
de
homologar uma sentença paterna. A
continuação da casa já estava confiada
a Seu José: era preciso confiar-lhe
também a continuação da raça.
Assim, pois, uma noite ela chamou-o e,
com muita gravidade, pesando as
palavras, mas friamente, como se se
tratasse de uma simples operação
comercial, lhe deu a entender que
desejava ser sua mulher, e ele, que
secretamente alimentava a esperança
desse desenlace, confessou-lhe trêmulo, e
com os olhos inundados de pranto, que
esse tinha sido o sonho de toda a sua
vida.
V
C
asaram-se.
Nunca
um
marido
amou
tão
apaixonadamente a sua esposa. Seu José
levou à Antonieta um coração virgem de
outra mulher que não fosse ela; fora das
suas obrigações materiais, amá-la,
adorá-la, idolatrá-la, tinha sempre sido e
continuava a ser a única preocupação
do seu espírito…
Entretanto, não era feliz; sentia que ela o
não amava, que se entregara a ele
apenas para satisfazer a uma
conveniência doméstica: era apática;
sem querer, fazia-lhe sentir a cada
instante a superioridade terrível das suas
prendas. Ninguém melhor que ele, tendo
sido, aliás, até então, o único homem que
lhe tocara, se convenceu de quanto era
bem aplicada aquela ridícula alcunha de
―Não-me-toques‖.
O pobre diabo tinha agora saudades do
tempo em que a amava em silêncio, sem
que ninguém o soubesse, sem que ela
própria o suspeitasse.
VI
A
ntonieta aborrecia-se mortalmente
naquele casarão onde nascera, e
onde ninguém a visitava, porque o seu
caráter a incompatibilizara com toda a
gente.
O marido, avisado e solícito, bem o
percebeu. Admitiu um bom sócio na sua
casa comercial, que prosperava sempre,
e
levou
Antonieta
à
Europa,
atordoando-a com o bulício das
primeiras capitais do Velho Mundo.
De volta, ao cabo de um ano, construiu
uma bela casa no bairro mais elegante
da cidade, encheu-a de mobílias e
adornos trazidos de Paris, e inaugurou-a
com um baile para o qual convidou as
famílias mais distintas.
34
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Começou então uma nova existência
para Antonieta, que, não obstante
aproximar-se da medonha casa dos
quarenta, era sempre formosa, com o
seu porte de rainha e o seu colo
opulento, de uma brandura de cisne.
conseguiu uma entrevista – Esse primeiro
amante foi prontamente substituído.
Seguiu-se outro, mais outro, seguiram-se
muitos…
As suas salas, profundamente iluminadas,
abriam-se quase todas as noites para
grandes e pequenas recepções: eram
festas sobre festas.
E
Agora já lhe não chamavam a ―Nãome-toques‖; ela tornara-se acessível,
amável, insinuante, com um sorriso
sempre novo e espontâneo para cada
visita.
―Enquanto foi solteira, achava minha
mulher que nenhum homem era digno
de ser seu marido; depois de casada (por
conveniência) achou que todos eles eram
dignos de ser seus amantes. Mato-me.‖
Fizeram-lhe a corte, e ela, outrora
impassível diante dos galanteios,
escutava-os agora com prazer.
(Correio da Manhã, 12 de outubro de
1902)
Um galã, mais atrevido que os outros,
aproveitou o momento psicológico e
VII
quando Seu José, desesperado, fez
saltar os miolos com uma bala,
deixou esta frase escrita num pedaço de
papel:
Fonte:
Domínio Público
A. A. de Assis
Tábua de Trovas
1.
Sorria, amigo, sorria!
Pois, neste tempo de tédio,
qualquer sinal de alegria
é sempre um santo remédio!
2.
Sorriso não paga imposto;
esbanja, portanto, o teu.
Sorrindo com graça e gosto,
acendes também o meu!
35
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
3.
Irmanemos nossas vidas
em comunhão generosa,
tal como vivem unidas
as pétalas de uma rosa!
4.
Sonho um mundo redimido,
que, movido a coração,
lance flechas de Cupido,
não petardos de canhão!
5.
Eu tenho fé nas pessoas,
em todas, sem exceção,
que todas elas são boas,
quando lhes damos a mão!
06.
De quantas bênçãos se tecem
as vidas fortes, sofridas,
que de si mesmas se esquecem
para cuidar de outras vidas!
07.
Criado por Deus, o rio
nasce limpo e, como nós,
traz consigo o desafio
de limpo chegar à foz.
08.
Jardineiro, que me encantas,
que bonito é o teu labor!
Tens o dom de com mãos santas
do esterco extrair a flor!
09.
Bem-te-vi que bem me vês,
bem-visto sejas também,
hoje e sempre e toda vez
que bem me vires… Amém!
10.
Eu sei por que o passarinho
canta gostoso e se inflama:
é que ele tem no seu ninho
uma família que o ama!
11.
Valente, o verde resiste
à foice, ao fogo, ao trator.
– É a vida que, dedo em riste,
enfrenta o seu matador!
12.
Quem ama não mata a mata;
quem ama planta, recria.
Quem ama protege e acata
o verde, a vida, a alegria!
13.
Dói muito ver um canário
cantando humilhado e triste
em troca do vil salário
de um punhadinho de alpiste!
14.
Treme o mundo e se consome
ao som de um terrível brado:
– o grito que sai com fome
da boca do injustiçado!
15
Jogado no mundo, ao léu,
rezava o orfãozinho assim:
– Cuida bem, Papai do Céu,
dos que não cuidam de mim!
16.
Matam crianças na rua,
hoje ainda, que que é isto?
– É que Herodes continua
caçando o Menino-Cristo!
17.
―Bem-vinda à vida, criança!‖,
diz o parteiro sorrindo.
E a frase é um hino à esperança,
no seu momento mais lindo!
18.
É mais que um beijo, é uma prece,
aquele beijo miudinho
com que a mãe afaga e aquece
os seus filhotes no ninho!
19.
Ouvi um menino uma vez
mandar aos pais um recado:
– Eu sou o amor de vocês
que se fez carne… Obrigado!
20.
Cuide bem do seu bebê;
forme-o forte, sábio e puro.
Ele é a porção de você
que vai viver no futuro!
21.
Brincam na praça os pequenos:
castelos, canções, corrida…
São seus primeiros acenos
aos grandes sonhos da vida!
22.
Nas costas, leva a criança
seus livros numa sacola;
nos olhos, leva a esperança
como colega de escola!
23.
O agricultor que semeia
o arroz, o milho, o feijão
trabalha com Deus à meia
na Obra da Criação.
36
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
24.
O sol engravida a chuva,
e a terra se faz seu ninho;
no ninho se faz a uva,
e a uva desfaz-se em vinho!
25.
O fruto é um santo produto
do mais generoso amor.
Por isso é que antes de fruto
quis Deus que ele fosse flor.
26.
Numa harmonia perfeita,
completam-se o fruto e a flor:
ele alimenta, ela enfeita;
ele dá força, ela o amor!
27.
Deus fez a Terra… e, ao fazê-la,
deu-lhe o toque comovente:
fez o céu para envolvê-la
num pacote de presente!
28.
Belo sonho o que aproxima
estrelas e pirilampos…
– Elas são eles lá em cima;
eles são elas nos campos!
29.
Mesmo soltas e espalhadas,
as pétalas são formosas;
porém somente abraçadas
é que elas se tornam rosas!
30.
Ó Deus, que nos deste a flor,
e as crianças e as estrelas,
dá-nos agora, Senhor,
a graça de merecê-las!
31.
De dia caleja a palma
o irmão que cultiva o chão.
De noite alivia a alma
nas cordas de um violão!
32.
A vida jamais se encerra…
e é bom sermos imortais.
– Amar você só na Terra
seria pouco demais!
33.
– Quantas águas, canoeiro,
o senhor já canoou?…
– Talvez menos, seresteiro,
que as que o senhor já chorou!
34.
As almas, se generosas,
percorrem árduos caminhos…
Só no céu elas e as rosas
ficam livres dos espinhos!
35.
É quando a ofensa mais dói
que o perdão tem mais encanto:
– nele há a nobreza do herói
e a fortaleza do santo!
36.
Feliz o idoso que, esperto,
se ampara nesta verdade:
quanto mais velho, mais perto
das bênçãos da eternidade!
37.
Trate o velho com respeito;
dê-lhe o amor que possa dar.
Mas não lhe roube o direito
de a si mesmo governar!
38.
Todo idoso é um professor;
curvo-me e beijo-lhe a mão.
No mínimo, ensina amor,
hoje máxima lição!
39.
Certeza só têm os rios
sobre aonde vão chegar…
Por mais que sofram desvios,
seu destino é sempre o mar!
40.
Ismo, ismo, ismo, ismo…
e o medo está sempre em alta…
– Experimentem lirismo,
que talvez seja o que falta!
41.
O lírio, a lira, o lirismo;
o amor, a festa, a canção…
Que pena que o consumismo
transforma tudo em cifrão!
42.
Anoitece… Bela e nua,
a rosa põe-se a orvalhar-se…
– Um raiozinho de lua
virá com ela deitar-se!
43.
Astronauta, não destrua
meu direito de sonhar…
Deite e role sobre a Lua,
porém me deixe o luar!
44.
Tem muito mais graça a vida
quando a gente tem com quem
repartir bem repartida
a graça que a vida tem!
37
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
45.
De barro se faz o homem,
e de luz principalmente.
O barro, os anos consomem;
a luz eterniza a gente!
46.
Na porta da eternidade,
documento não tem vez.
– O cartão de identidade
é o bem que em vida se fez!
47.
O livro mudou o enredo
da história da humanidade:
– Antes dele, a treva e o medo;
depois dele a liberdade.
48.
Na biblioteca há mil sábios
a nosso inteiro dispor.
– Sem sequer abrir os lábios,
cada livro é um professor!
49.
Vai, riozinho, sem pressa…
lembra ao mar, sem raiva ou mágoa,
que ele é grande, mas começa
num modesto olhinho d‘água!
50.
Acaso fizeste a Lua?
Acaso fizeste a rosa?
Então que ciência é a tua,
tão solene e presunçosa…
51.
Milhões e milhões de estrelas…
Que utilidade terão?
– Só sei, meu irmão, que ao vê-las
sinto Deus no coração!
52.
Olhem a rosa os que ainda
costumam dizer-se ateus.
– Ela é a resposta mais linda
quanto à existência de Deus!
53.
Quem tem amigos leais
tem muito o que agradecer:
bons amigos valem mais
que o mais que se possa ter.
54.
Coragem de gente grande
é aquela em que se distingue
alguém assim como Gandhi,
São Francisco, Luther King!
55.
Ave-Maria, uma prece
tão gostosa de rezar,
que às vezes mais me parece
cantiguinha de ninar!
56.
Ouço ainda, ao longe, o canto
de um velho carro de boi…
– Lembrança de um tempo e tanto,
que há tanto tempo se foi!
57.
Vestem-se as águas de prata,
saltam no espaço vazio.
Findo o show da catarata,
sereno refaz-se o rio…
58.
Olha lá o ipê florindo,
ele sozinho, na praça…
Florindo, lindo, se rindo
para a cidade que passa!
59.
Leves, ao longe, ora em bando,
ora dispersas, esparsas,
parecem anjos brincando
de lenços brancos – as garças!
60.
Curvada ao peso da idade,
a vovó, serena e bela,
distrai o tempo e a saudade
entre o novelo e a novela…
61.
Ah, meu rio, de repente,
o que foi feito de nós?
Ficou tão longe a nascente…
vemos tão próxima a foz!
62.
Como é bom saber que o filho
vida afora alegre vai,
dando forma, força e brilho
aos sonhos do velho pai!
63.
A bênção, queridos pais,
que às vezes sois mães também.
Em nome de Deus cuidais
dos filhos que d‘Ele vêm!
64.
Quanto mais rápido passa
o tempo a mim concedido,
mais grato eu sou pela graça
de cada instante vivido!
65.
Vem, vem, onda bela, vem
nossas lágrimas lavar…
Leva-as todas, lava-as bem,
faz delas um novo mar!
38
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
66.
Em resposta à ofensa e à intriga,
ensina o amor: ―Faça o bem!‖
– O amor é sábio: não briga,
perdoa cem vezes cem!
67.
Num lugar pequenininho,
fez o amor uma capela.
Veio a fé e fez um ninho
de esperanças dentro dela!
68.
Se aos heróis e aos grandes sábios
devemos tão bela herança,
muito mais a quem nos lábios
traz o canto da esperança!
69.
O grande tenor se cala
ante o pássaro silvestre.
– É o discípulo de gala
querendo escutar o mestre!
70.
Quantas bênçãos traz a chuva
quando rega a plantação:
benze o trigo, benze a uva,
benze a vida em cada grão!
71.
Importa pouco a mobília,
importa pouco a fachada…
O amor que envolve a família
é só o que importa, e mais nada!
72.
Não ―Pai meu‖; ―Pai nosso‖ eu digo,
e ao próximo estendo a mão.
Lembro assim que, mais que amigo,
o próximo é amigo e irmão!
73.
Morre o sábio… enorme bem
perde o mundo em tal momento.
O que ele tinha, herda alguém;
não no entanto o seu talento!
74.
Palavras produzem fartas
e tão belas construções:
com elas fez Paulo as Cartas,
fez os seus versos Camões!
75.
A palavra acalma e instiga;
a palavra adoça e inflama.
– Com ela é que a gente briga;
com ela é que a gente ama!
76.
Há de chegar o momento
da correção dos papéis:
mais valor terá o talento
do que as pedras dos anéis!
77.
Trabalhas tanto, formiga,
enquanto, ó cigarra, cantas.
No entanto, basta de intriga:
– são duas tarefas santas!
78.
Se alguém se torna importante,
por certo alguém o ajudou.
Mesmo o Amazonas, gigante,
de afluentes precisou!
79.
Ninguém se julgue o primeiro
a fazer seja o que for.
Bem antes do jardineiro,
já havia no mundo a flor!
80.
Hoje é simples ir à Lua,
fica ali… basta um voozinho…
Proeza é cruzar a rua
para abraçar o vizinho!
81.
Cidadania é civismo,
sobretudo é comunhão;
é ajuda mútua, é altruísmo,
partilha justa do pão.
82.
Grande mesmo é quem descobre
que ser grande é ser alguém
que abre espaço para o pobre
tornar-se grande também.
83.
Que alegre alívio provoca,
na alma e no coração,
o abraço que a gente troca
numa troca de perdão!
84.
Um vaga-lume, isolado,
é só uma pobre luzinha;
no entanto, aos outros somado,
clareia a roça inteirinha!
85.
Deus não vem na grande nave;
Deus não vem no furacão.
Deus vem qual brisa suave,
e entra em nosso coração!
86.
Terno, amigo e generoso,
quis Deus se configurar
no abraço do pai saudoso
no filho que volta ao lar!
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Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
87.
Deus não põe ponto final
na biografia da gente.
– Quer nossa alma, imortal,
junto à d‘Ele, eternamente!
88.
A vida no mundo é um treino,
a etapa em que o Treinador
nos prepara para o reino
definitivo do amor!
90.
Quando criança eu queria
ser piloto de avião…
Fiz-me poeta, e hoje em dia
meus vôos bem mais alto vão!
90.
Olhe os poetas e as aves…
Veja que, embora não plantem,
Deus lhes retira os entraves
e apenas pede-lhes: – Cantem!
91.
Tão bela, tão generosa,
símbolo eterno da paz,
pede desculpas a rosa
pelos espinhos que traz!
92.
Se lhe derem mais apoio;
se ele vir que o bem faz bem,
tenha certeza: há de o joio
tornar-se trigo também!
93.
Com que suave ternura
tece a canária o seu ninho!
– Mãe é assim, dengosa e pura…
a nossa e a do passarinho.
94.
Hoje eu sei qual a razão
de a planta gerar a flor:
É a sua retribuição
a quantos lhe dão amor!
95.
O verbo se faz beleza:
faz-se estrela e chuva e flor;
faz chamar-se Natureza,
e nela se faz expor!
96.
Quem preza a vida divide-a,
como o cedro acolhedor
que adota por filha a orquídea,
e dá-lhe suporte e amor!
97.
Benditas sejam as vidas
que, alegres, serenas, santas,
vivem a vida envolvidas
em levar vida a outras tantas!
98.
Todos vós que estais cansados,
vinde a mim – diz o Senhor.
Vinde e vede, irmãos amados,
como é grande o meu amor!
99.
Vem vindo um tempo sem bombas,
sem tanques e sem canhões.
Falcões darão vez às pombas,
e os fuzis aos violões!
100.
Dirá Deus: ―Faça-se a paz,
e todos dêem-se as mãos!‖
E então, meu filho, verás
que lindo é um mundo de irmãos!
Fonte:
ASSIS, Antonio Augusto de. Tábua de trovas. Maringá –
2004.
Humberto de Campos
(O Filósofo)
E
ducado no Colégio Caraça, o coronel
Venâncio Figueira, fazendeiro em
Uberaba, havia se contaminado, pouco
a pouco, de filosofia e de latim, de modo
a preocupar-se, mais do que o
necessário, com os graves problemas da
vida. Manuseador quotidiano de certos
autores profanos, ele se punha, às vezes,
a pensar, no alpendre da sua casa de
fazenda:
- Sim, senhor! Esses filósofos têm razão!
Este mundo é tão desigual, tão cheio de
injustiças, de irregularidades clamorosas,
que qualquer mortal, encarregado de
fazê-lo, o teria feito melhor!
40
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
E acentuava, melancólico:
- Este mundo está muito mal feito!…
À noite, porém, reunida a família na sala
de
jantar,
o
velho
fazendeiro
arreganhava os óculos no nariz, tomava
a ―Bíblia‖, chegava para mais perto o
lampião de querosene, e punha-se a ler,
pausado, o ―Livro de Jó‖. E começava, de
novo, a meditar, diante destas palavras
do capitulo 38:
―4. Onde estavas tu, quando eu fundava
a terra? Faze-mo saber, se tens
inteligência.
―25 – Quem abriu para a inundação um
leito, e um caminho para os relâmpagos
e trovões?
―41 – Quem prepara aos corvos o seu
alimento, quando os seus filhotes
implumes gritam a Deus, e andam
vagueando por não terem de comer?‖
- É isso mesmo, não há duvida! O mundo
é muito mal arranjado. Aqui está, por
exemplo; este boi. Porque, tendo ele
chifres, patas, orelhas, e sendo tão forte,
há de viver sempre na terra, a arrastarse pelo solo, quando aquela andorinha,
que não tem nada disso, se locomove,
rápida, ligeira, dominando os ares?
Nesse momento, porém, uma andorinha
que lhe passava por cima, deixou
escapar alguma cousa que lhe fazia
sobrecarga, e que foi cair, certeira, na
cabeça descoberta do coronel. Este levou
a mão instintivamente à calva, e,
olhando os dedos brancos daquela
indignidade, caiu de joelhos, clamando,
arrependido:
- Perdoai-me, Senhor, perdoai-me! O
mundo está muito bem organizado! O
que nele há, o que nele vive, o que nele
existe, foi feito com perfeição, com
acerto, com sabedoria!
E levantando-se, limpando a mão:
Certo dia, dominado pelas idéias
reacionárias
bebidas
em autores
modernos, passeava o coronel pelo pátio
da fazenda, quando, ao ver as
andorinhas que voejavam por cima do
gado, voltou novamente a raciocinar:
- Imagine-se que fosse um boi….
Fonte:
Domínio Público
41
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Branquinho da Fonseca
Caravelas da Poesia
NAUFRÁGIO
A rua cheia de luar
Lembrava uma noiva morta
Deitada no chão, à porta
De quem a não soube amar.
Já não passava ninguém…
Era um mundo abandonado…
E à janela, eu, tão Além,
Subia ressuscitado…
Vi-me o corpo morto, em cruz,
Debruçado lá no Fundo…
E a alma como uma luz
Dispersa em volta do mundo…
Mas, à tona do mar morto,
Um resto de caravela
Subia… E chegava ao porto
Com a aragem da janela.
ARQUIPÉLAGO DAS SEREIAS
Ó nau Catrineta
Em que andei no mar
Por caminhos de ir,
Nunca de voltar!
Veio a tempestade
Perder-se do mundo,
Fez-se o céu infindo,
Fez-se o mar sem fundo!
Ai como era grande
O mundo e a vida
Se a nau, tendo estrela,
Vogava perdida!
E que lindas eram
Lá em Portugal
Aquelas meninas
No seu laranjal!
E o cavalo branco
Também lá o via
Que tão belo e alado
Nenhum outro havia!
Mundo que não era,
Terras nunca vistas!
Tive eu de perder-me
Pra que tu existas.
Ó nau Catrineta
Perdida no mar,
Não te percas ainda,
Vem-me cá buscar!
CASTANHEIROS, IRMÃOS…
Ó castanheiros de folhas de ouro,
Carregados de ouriços que são ninhos
Onde as castanhas dormem como noivos!
Troncos abertos,
Casas abertas,
Ao vosso abrigo
Dormem os pobres,
Pegam no sono,
Passam as noites
Quando cai neve!
Peitos vazios,
Escancarados,
Sem nada dentro,
Nem coração!
Dais lume, calor
E dais sustento para a mesa,
E dais o mais que eu não sei!…
Ó castanheiros de folhas de ouro,
Apenas sou vosso irmão
Em que a terra vos criou
E criou-me a mim também;
Em que vós ergueis os braços
Suplicantes para os céus
E eu também levanto os meus…
Ah! Castanheiros, mas eu
Grito e vós ficais calados!
Seremos, por isto só,
Irmãos? Seremos? Não sei:
Vós tendes roupas de rei,
Eu tenho roupas de Job;
Vós só gritais quando o vento
Vos abre a boca e fustiga:
42
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Então ergueis um clamor…
— Não calo nunca no peito
A dor do meu sofrimento
E nunca chego a dize-la,
Nem há ninguém que me diga.
Não,
Eu não sou vosso irmão!…
Fontes:
Mundo Cultural
Jornal de Poesia
Ó castanheiros de folha de ouro,
Branquinho da Fonseca
(O Barão)
António José Branquinho da Fonseca
(1905-1974) é um dos fundadores da
revista Presença, em 1927, o que deu
origem à segunda geração modernista
em Portugal, juntamente com Miguel
Torga e José Régio. Ao movimento
advindo daí chamou-se Presencismo,
cujo interesse é dirigido à chamada
análise interior ou psicológica das
personagens.
magníficas da novela portuguesa do
século XX.
Além da prosa por que é conhecido,
Branquinho da Fonseca fez também
poesia; sua novela O Barão foi lançada
em 1942.
O inspetor representa o mundo
contemporâneo e vivenciará um outro,
antigo, através de uma estratégia
simples: o encontro com uma criatura
que vive, ainda, num tempo passado,
cujos valores certamente já se perderam:
o Barão, personagem também sem
nome, mas rica, intensa e de força
pessoal poderosa e transformadora.
O Barão é uma novela inquietante, cuja
base é uma grande metáfora: o encontro
de duas criaturas, dois tempos e duas
maneiras de estar no mundo.
Estruturalmente, não há divisões em
episódios ou capítulos: é contada em
primeira pessoa e o tempo, nela,
transfunde-se numa tentativa de juntar
o passado ( o Barão) e o presente ( o
inspetor de alunos).
O Dicionário de Literatura de Jacinto do
Prado Coelho observa que O Barão é a
obra-prima de Branquinho da Fonseca e
que, antes de tudo, é também ―uma das
mais notáveis espécimes da novelística
portuguesa de todos os tempos.‖. Não
deixa de ter razão o comentário: O
Barão é uma das alegorias mais
Um inspetor de escolas sem nome e que
não gosta de viagens, mas que é
obrigado a fazê-lo é a personagemnarradora. Não se pode dizer que ele
seja
também
a
personagemprotagonista
pelos
motivos
que
explicaremos adiante.
História: O inspetor sem nome, nosso
narrador em primeira pessoa, é
chamado à Serra do Barroso para
proceder uma sindicância na escola da
pequena vila. Lá, encontra-se com uma
professora e fica penalizado com sua
aparência e o seu suposto sentir,
observando seus modos e tentando
entender-lhe o que vai na alma,
julgando-a em contraste com o mundo
exterior que habita, naquele lugar de
ninguém, distante da ―civilização‖.
Mas suas preocupações parecem, no
entanto, ser desmentidas quando
43
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
observa-a integrada àquilo tudo,
tomando seu ―café-ruim‖ como se
coubesse perfeitamente naquele universo
estático, sem cor.
Ainda na hospedaria onde ambos se
encontram, a professora apresenta-o ao
Barão:
Era uma figura que intimidava. Ainda
novo, com pouco mais de quarenta anos,
tinha um aspecto brutal, os gestos lentos
como se tudo parasse à sua volta
durante o tempo que fosse preciso. O ar
de dono de tudo.
contava. Por sua vez, o Barão também
não se importava em ser ouvido ou não,
o que dava à ―conversa‖ um tom
grandioso de solidão e desacerto com o
mundo. Impaciência por parte do
inspetor; desacerto por parte do Barão…
Até que, já passadas as 10 horas, o
Inspetor acaba vencendo a sua timidez e
diz ao Barão que tem fome. O Barão
interrompe aos gritos a narrativa e
chama sua criada, Idalina, a fim de que
ela sirva ao hóspede um belo galo
assado com batatas louras.
Mas,
observando-o
detidamente,
bebendo-lhe as palavras, os gestos
inquietos ou brutais, o inspetor de escolas
descobre
nele,
o
Barão,
um
encantamento, uma simpatia que não
fosse,
talvez,
observado
ou
compartilhado pelos demais habitantes
da pequena vila. Saem da hospedaria e
se dirigem ao castelo do Barão.
O Inspetor observa que ela o faz com
―ares de dona da casa‖. Comem na mesa
enorme, como tudo lá era e, saciada a
fome, o Inspetor passa a ver na conversa
daquele homem um motivo de prazer
intenso: há naquele homem uma mistura
de todas as circunstância: o passado e o
presente, a ferocidade e a brandura de
caráter, a sofisticação dos modos e a
rudeza.
No caminho, este lhe conta , excitado, a
história de seu cavalo Melro, doutorado
em Direito pela Universidade de
Coimbra, numa clara alusão à burrice
estar no mundo, morar em qualquer
canto e que a estupidez de alguns é,
muitas
vezes,
transformada
em
―doutoramento‖. Mesmo que esse
alguém seja metaforicamente um
cavalo. Observe que o cavalo tem nome
de pássaro…
Ao se referir a Ela, sua amada, a Bela
Adormecida, o Barão deixa ver sua
emoção mais funda e chora. No entanto,
é interessante que ele considera as
mulheres todas umas animalescas.
Apenas Ela é digna de todo amor. Só a
bela Adormecida ( veja aqui a
conotação do tempo: a que adormecida
espera pelo ser amado, alienado dos
acontecimentos e do mundo que a
cerca).
Anoitece e chegam ao castelo, um solar
medieval, rústico e denso, atmosfera de
um tempo perdido. Os cães os recebem;
estão em festa porque seu dono chegou
e, surpreso, o narrador percebe que o
Barão é delicado e carinhoso com cada
um deles.
A conversa entre ambos chega ao
máximo da emoção. Neste instante, o
Barão pede que Idalina chame a Tuna,
ou seja, um bando de 50 homens ou
mais, todos de rosto semi-escondido, de
tamancos, que retiram de seus capotes os
instrumentos mais inesperados: violinos,
bandolins, gaitas, grandes tambores,
violões.
O Barão começa a contar histórias sem
parar. E bebe também sem parar
enquanto conta. Ocorre que o Inspetor
não bebia a não ser durante as refeições
e, morto de fome, sentia-se incomodado
com aquilo tudo, sem ao menos poder
prestar atenção às histórias que o barão
A música é tão intensa que contagia
Idalina, o hóspede e o Barão; eles
passam, então, a dançar em ritmo
desenfreado, acercando-se de um
grande êxtase. O Barão toma, como se
44
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
num ritual sem explicação, um banho de
vinho branco, a fim de purificar-se e
poder visitar sua amada Bela
Adormecida.
O Inspetor, embriagado, vaga pelo
castelo.
Sozinho,
perde-se
pelos
corredores. Encontra , entre o sonho e a
fantasia, Idalina e a convida para ir ao
quarto com ele. Mas acorda aos berros
do Barão que o salva de um pequeno
incêndio ocasionado pelo cigarro que o
Inspetor fumava quando adormecera
sem querer.
Depois que lhe salva a vida, o Barão
escuta os detalhes da vida amorosa do
Inspetor que havia, durante o jantar,
confessado que jamais amara nenhuma
mulher ou tivera um grande amor. Saem
ambos do castelo e o Inspetor ajuda o
barão a colher rosas brancas que este
quer levar à Bela Adormecida ( Ela).
O Barão começou a procurar, agora,
uma rosa. Eu fui também cortando rosas
e ensangüentando as mãos nos espinhos,
sem intenção nenhuma, pois não tinha
ninguém a quem oferecer aquelas flores.
Comecei uma longa divagação sobre as
mulheres e o amor, uma espécie de
monólogo trágico e delirante. Ele
continuava a procurar, silencioso e
indiferente às minhas explicações. De
súbito, interrompeu-me como quem
continua um pensamento:
- Já quis fugir com Ela… Mas agora já
não quero… ( Fez uma pausa e
continuou, com a voz mais triste): Tem
medo… tem medo de mim…
No meio da madrugada, longe do
castelo, perdem-se um do outro, o que
faz o Inspetor sentir raiva do Barão que,
de certo modo, o abandonara.
Dorme e , quando amanhece, aluga um
burro para voltar ao castelo. Ao chegar,
fica sabendo que o Barão tinha recebido
um tiro no ombro e que batera a cabeça
com tanta força que se imaginava uma
fratura. Mas pode contar-lhe, ainda que
monossilabicamente, que deixara uma
rosa na janela da Bela Adormecida, seu
único e grande amor.
A narrativa se encerra quando o Inspetor
anuncia que voltará a visitar o Barão e
que vem ajuda-lo a depositar a rosa na
janela de sua amada.
Sim, Barão! Hei de voltar um dia. E
haveremos de tornar a perdermo-nos
pelos caminhos sombrios do nosso sonho e
da nossa loucura: e mais uma vez
haveremos de cantar às estrelas e de dar
a vida para ires depor outro botão de
rosa lá na alta janela da tua Bela
Adormecida!
De qualquer modo, você concluiu que
esta ―viagem‖ do Inspetor, sempre avesso
a elas, diz respeito à sua própria viagem,
o desmascaramento de um ser que se faz
de duro, mas que, ao encontrar o Barão,
reconhece que dentro de si moram
criaturas outras tão distintas dele mesmo.
Ambas as personagens se completam,
embora pertençam a mundos e épocas
completamente distintas, de certo modo
formam um único ser onde passado e
presente moram.
Em tempo: A bela Adormecida e o
Barão não podiam estar juntos por
motivos de rixas familiares.
Fonte:
Artigo da profa Esther PS Rosado .
Branquinho da Fonseca
(1905 – 1974)
Antes seja afastado do que já alcancei que o seja
daquilo para que vou. A posse é um declínio.
Antes um pássaro a voar que dois na mão. Dois
pássaros na mão são o que já não falta. Um
pássaro a voar: é ir com os olhos a voar com ele;
ir sobre os montes, sobre os rios, sobre os mares;
dar a volta ao mundo e continuar; é ter um
motivo de viver — é não ter chegado ainda.
(As Viagens – Branquinho da Fonseca)
Filho de D. Clotilde Branquinho e do
escritor Tomás da Fonseca, Antônio José
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Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Branquinho da Fonseca nasceu em
Mortágua, Portugal, no dia 4 de maio de
1905.
Depois de cursar os primeiros anos do
Liceu em Lisboa, parte para Coimbra,
onde termina os seus estudos secundários.
Em seguida matricula-se na Faculdade
de Direito. Ainda como estudante
participa da fundação da revista
―Triplico‖ (1924 – 1925), que teve 9
números publicados.
Em 1926 passa a exercer a função de
Conservador no Museu Biblioteca Conde
de Castro Guimarães – Cascais. Ainda
nesse ano faz sua estréia literária com a
obra ―Poemas‖. No ano seguinte, mais
precisamente no dia 10 de março,
quando ainda era estudante de Direito,
funda, juntamente com Adolfo Casais
Monteiro, José Régio e João Gaspar
Simões, a revista Presença, que é
considerada o marco inicial da segunda
fase do modernismo português.
A revista Presença foi dirigida por
Branquinho da Fonseca até o ano 1930.
Quando a revista estava no seu 27º
número, Branquinho da Fonseca, por
considerar haver imposição de limites à
liberdade criativa, abandona a direção,
que fica a cargo de Adolfo Casais
Monteiro. Ainda Nesse ano Branquinho
da Fonseca Licencia-se em Direito e,
junto com Miguel Torga, funda a revista
Sinal, que teve apenas um número
publicado.
Falece em Lisboa no dia 16 de maio de
1974.
A enciclopédia Barsa define Branquinho
da Fonseca como ―um dos fundadores e
principais colaboradores da revista
Presença, porta-voz do modernismo no
país‖.
Os primeiros textos de Branquinho da
Fonseca foram assinados com o
pseudônimo António Madeira. Abaixo
temos algumas de suas obras mais
importantes:
Poesia
Poemas – 1926;
Mar Coalhado – 1932;
Teatro
Posição de Guerra – 1928;
Teatro I – 1939.
Contos
Zonas – 1931;
Caminhos Magnéticos – 1938;
Bandeira Preta – 1956.
Romances
Porta de Minerva – 1947;
Mar Santo – 1952.
Fonte:
Mundo Cultural
Laurindo Rabelo
Poesias Escolhidas
O que fazes, ó minh‘alma?
Coração, por que te agitas?
Coração, por que palpitas?
Por que palpitas em vão?
Se aquele que tanto adoras
Te despreza, como ingrato,
Coração sê mais sensato,
Busca outro coração!
Corre o ribeiro suave
Pela terra brandamente,
Se o plano condescendente
Dele se deixa regar;
Mas, se encontra algum tropeço
Que o leve curso lhe prive,
Busca logo outro declive,
Vai correr noutro lugar.
Segue o exemplo das águas,
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Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Coração, por que te agitas?
Coração, por que palpitas?
Por que palpitas em vão?
Se aquele que tanto adoras
Te despreza, como ingrato,
Coração, sê mais sensato,
Busca outro coração!
Nasce a planta, a planta cresce,
Vai contente vegetando,
Só por onde vai achando
Terra própria a seu viver;
Mas, se acaso a terra estéril
As raízes lhe é veneno.
Ela vai noutro terreno
As raízes esconder.
Segue o exemplo da planta,
Coração, por que te agitas?
Coração, por que palpitas?
Por que palpitas em vão?
Se aquele que tanto adoras
Te despreza, como ingrato,
Coração, sê mais sensato,
Busca outro coração!
Saiba a ingrata que punir
Também sei tamanho agravo:
Se me trata como escravo,
Mostrarei que sou senhor;
Como as águas, como a planta,
Fugirei dessa homicida;
Quero dar a um‘alma fida
Minha vida e meu amor.
DOIS IMPOSSÍVEIS
Jamais! Quando a razão e o sentimento
Disputam-se o domínio da vontade,
Se uma nobre altivez nos alimenta
Não perde de todo a liberdade.
A luta é forte: o coração sucumbe
Quase nas ânsias do lutar terrível;
A paixão o devora quase inteiro,
Devorá-lo de todo é impossível!
Jamais! a chama crepitante lastra,
Em curso impetuoso se propaga,
Lancem-lhe embora prantos sobre
prantos,
É inútil, que o fogo não se apaga.
Mas chega um ponto em que lhe acena
o ímpeto
Em que não queima já, mas martiriza,
Em que tristeza branda e não loucura
À razão se sujeita e harmoniza.
É nesse ponto de indizível tempo
Onde, por misterioso encantamento,
O sentir à razão vencer não pode,
Nem a razão vencer ao sentimento.
No fundo de noss‘alma um espetáculo
Se levanta de triste majestade,
Se de um lado a razão seu facho acende
Do outro os lírios seus planta a saudade.
Melancólica paz domina o sítio,
Só da razão o facho bruxuleia
Quando por entre os lírios da saudade
Do zelo semimorto a serpe ondeia!
Dois limites então na atividade
Conhece o ser pensante, o ser sensível:
Um impossível – a razão escreve,
Escreve o sentimento outro impossível!
Amei-te! os meus extremos compensaste
Com tanta ingratidão, tanta dureza,
Que assim como adorar-te foi loucura,
Mais extremos te dar fora baixeza.
Minh‘alma nos seus brios ofendida
De pronto a seus extremos pôs remate,
Que, mesmo apaixonada, uma alma
nobre,
Desespera-se, morre, não se abate.
Pode queixar-se inteira felicidade
De teu olhar de fogo inextinguível,
Acabar minha crença, meu futuro,
Aviltar-me! jamais! É impossível!
Mas a razão que salva da baixeza
O coração depois de idolatrar-te,
Me anima a abandonar-te, a não
querer-te,
Mas a esquecer-te, não: sempre hei de
amar-te!
Porém amar-te desse amor latente,
Raio de luz celeste e sempre puro
Que tem no seu passado o seu presente,
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Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
E tem no seu presente o seu futuro.
Tão livre, tão despido de interesse,
Que para nunca abandonar seu posto,
Para nunca esquecer-te, nem precisa
Beber, te vendo, vida no teu rosto.
Que, desprezando altivo quantas graças
No teu semblante, no teu porte via
Adora respeitoso aquela imagem
Que delas copiou na fantasia.
(Obras completas, 1946.)
Laurindo Rabelo
(8 julho 1826 – 28 setembro 1864)
Laurindo José da Silva Rabelo (Rio de
Janeiro, 8 de julho de 1826 — Rio de
Janeiro, 28 de setembro de 1864), foi um
médico, professor e poeta romântico
brasileiro,
patrono
na Academia
Brasileira de Letras.
Nasceu Laurindo Rabelo de família
pobre, afro-descendente, filho do
miliciano Ricardo José da Silva Rabelo e
de Luísa Maria da Conceição.
Cresceu nas maiores privações, das quais
só veio a se libertar nos últimos anos de
sua vida. Pretendendo seguir a carreira
eclesiástica, cursou as aulas do Seminário
São José e recebeu as ordens, mas
abandonou o seminário por intrigas de
colegas. Fez estudos na Escola Militar,
outra vez tentando em vão fazer
carreira. Ingressou no curso de Medicina
no Rio, concluindo-o na Bahia, em 1856,
vindo porém defender tese na cidade
natal. Em 1857, ingressou como oficialmédico no Corpo de Saúde do Exército,
servindo no Rio Grande do Sul, até 1863.
Neste ano voltou ao Rio, como professor
de história, geografia e português no
curso preparatório à Escola Militar.
Em 1860 tinha se casado com Adelaide
Luísa Cordeiro. De volta ao Rio, leciona
no curso preparatório para a Escola
Militar as disciplinas de História,
Geografia e Português.
Apreciava a vida boêmia, gozando de
grande talento satírico e capacidade de
improviso,
fazendo
repentes
e
composições de modinhas – o que lhe
granjeou grande popularidade e a
alcunha de ―Poeta Lagartixa‖ – dada
sua constituição física, ―magro e
desengonçado‖, como informa Manuel
Bandeira .
Como poeta satírico, era justamente
temido e respeitado; teve amigos e,
também, inimigos acérrimos, por causa
dessa feição do seu talento, chegando a
ser perseguido. Como repentista e
improvisador, era popular e bem
recebido em todos os salões. Fechavam
os olhos à sua indumentária desleixada,
só para ouvir o poeta e ver as cintilações
daquele espírito. Em muitas das suas
composições vibra também a nota de
melancolia.
Rabelo teve morte prematura, de
problemas cardíacos, com apenas trinta
e oito anos de vida.
Composições
Fez Rabelo famosa, à época, parceria
com João Luís de Almeida Cunha –
conhecido por Cunha dos Passarinhos,
compondo com este diversos lundus e
modinhas, como ―A Despedida‖ e ―Foi
em Manhã de Estio‖
Literatura
Integrou a chamada segunda fase do
romantismo brasileiro. Publicou em vida
apenas um livro, intitulado ―Trovas‖, que
foi reeditado postumamente, com
acréscimo de outros trabalhos inéditos, e
intitulado ―Poesias‖.
Excertos
O trechos a seguir ilustram o estilo e o
trabalho do poeta (domínio público):
―Deus pede estrita conta de meu tempo,
É forçoso do tempo já dar conta;
Mas, como dar sem tempo tanta conta,
Eu que gastei sem conta tanto tempo?‖
48
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
(estrofe de ―O Tempo‖)
―Quando eu morrer, não chorem minha
morte,
Entreguem meu corpo à sepultura;
Pobre, sem pompas, sejam-lhe a
mortalha
Os andrajos que deu-me a desventura.‖
(estrofe de ―O Último Canto do Cisne‖)
―No cume daquela serra
Eu plantei uma roseira.
Quanto mais as rosas brotam,
Tanto mais o cume cheira.
À tarde, quando o sol posto,
E o cume o vento adeja,
Vem travessa borboleta
E as rosas do cume beija.
No tempo das invernadas,
Que as plantas do cume lavam,
Quanto mais molhadas eram,
Tanto mais no cume davam.
Mas se as aguas vêm correntes,
E o sujo do cume limpam,
Os botões do cume abrem,
As rosas do cume grimpam.
Tenho, pois, certeza agora
Que no tempo de tal rega,
Arbusto por mais cheiroso
Plantado no cume pega.
Ah! Porém o sol brilhante
Logo seca a catadupa;
O calor que a terra abrasa
As águas do cume chupa.‖
(―As Rosas do Cume‖)
Crítica e análises
É considerado por José Marques da Cruz
como um dos 4 poetas maiores da
segunda geração do Romantismo no
Brasil, ao lado Álvares de Azevedo,
Junqueira Freire e Casimiro de Abreu.
Marques da Cruz assinala: ―Autor das
―Meditações‖ , poesias sentimentais onde
chora a perda de pessoas queridas, e de
versos satíricos de grande merecimento,
que lhe valeram muitas inimizades.‖ (in:
História da Literatura, Melhoramentos,
São Paulo, 8ª. ed.)
Manuel Bandeira (in: ―Apresentação da
Poesia Brasileira‖, Ediouro), regista que
sua ―alegria exterior escondia porém
uma funda mágoa das dificuldades e
desdéns que encontrava na vida, e essa
tristeza se reflete em acentos comoventes
no poema ―Adeus ao mundo‖.‖
José Veríssimo (em ―A Literatura
Brasileira‖,
ed.
PDF,
http://www.dominiopublico.gov.br/
,
Brasília), consigna que a primeira fase do
romantismo ―pode dizer-se findo pelos
anos seguintes a 1850, quando surge uma
nova geração de poetas que dão ao
nosso romantismo outra direcção, com
inspiração despreocupada de patriotismo
ou sequer de nacionalismo, porém por
isso mesmo talvez mais pessoal, de um
sentimentalismo mais de raiz, e menos
religioso ou moralizante, admirador de
Byron e de Musset e dos poetas satânicos,
como em Franca lhe chamaram, do
segundo romantismo europeu. Desses
poetas, quatro ao menos, Laurindo
Rabelo (1826-1864); Álvares de Azevedo
(1831-1852); Junqueira Freire (1832-1855);
Casimiro de Abreu (1837-1860), todos
publicados de 1853 a 1860, são
verdadeiramente notáveis por dons de
sensibilidade e de expressão que sem ter
o acabado artístico dos futuros
parnasianos, lhes traduzia com esquisita
felicidade os sentimentos.‖
Mais adiante, o mesmo autor consigna
que ―Os mais populares poemas
brasileiros, alguns quase adoptados pelo
nosso povo como sua poesia, na qual
parece rever-se, são destes poetas
incluindo (…) Dois Impossíveis, A Minha
Resolução, Saudade Branca, de Laurindo
Rabelo;‖.
Por sua obra satírica recebeu, ainda, o
epíteto de ―Bocage Brasileiro‖.
Fontes:
Wikipedia
Academia Brasileira de Letras
49
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Fundação Biblioteca
Nacional
A
Biblioteca do Mosteiro de São
Bento, fundada em 1581, em
Salvador, Bahia, é a biblioteca mais
antiga do Brasil. A Biblioteca Nacional,
contudo, é a primeira oficial e pública.
Foi trazida de Lisboa para o Brasil pela
Corte portuguesa, a pedido de D. João,
em 1808, e instalada em uma das salas
do Hospital do Convento da Ordem
Terceira do Carmo, contendo sessenta mil
peças (livros, manuscritos, mapas,
medalhas e estampas). A época,
chamava-se Real Biblioteca.
Em 1810, foi transferida para sua sede
atual, no Rio de Janeiro, e recebeu o
nome de Biblioteca, hoje, Fundação
Biblioteca Nacional (FBN). Tornou-se
propriedade do Estado em 1825.
Atualmente, a FBN é considerada a 8ª.
Biblioteca do mundo. Guarda a mais rica
coleção bibliográfica da América Latina
e conta com mais de nove milhões de
itens catalogados, realizando, com êxito,
a sua missão de captar e preservar o
acervo da memória nacional, disposto
em: obras gerais, referência, iconografia,
música,
periódicos,
obras
raras,
manuscritos e cartografia.
Os chamados Tesouros da Biblioteca
Nacional constituem um acervo em
formato digital, do qual fazem parte a
Carta de abertura dos portos, a Bíblia da
Mogúncia, o Livro das horas e a primeira
gramática em língua portuguesa, entre
outras peças (iconografia, manuscritos,
música e obras raras).
A FBN presta importantes serviços aos
usuários, não só atendendo in bloco,
como também on-line ou por via
telefônica e portal. Visite o Site Oficial da
FBN. Há, também, o serviço do Escritório
de Direitos Autorais (EDA), que funciona
desde 1898 (e-mail: [email protected]).
Além do laboratório da restauração e
conservação, a FBN possui o maior
laboratório de digitalização da América
Latina, para que o leitor tenha acesso à
biblioteca virtual.
Atendimento a Distância
A Divisão de Informação Documental
(DINF) oferece aos usuários que residem
fora do município do Rio de Janeiro e do
Grande Rio serviços de informação, tais
como:
50
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
- pesquisa e compilação de registros
bibliográficos no acervo da BN;
- reprodução do acervo;
- obtenção de cópias de textos de
periódicos, através do Programa
COMUT;
exaustiva, que reflete as pesquisas
realizadas. São referências compiladas
nos catálogos da Biblioteca Nacional,
que, em sua maioria, podem ser
complementadas com o acesso aos
Catálogos on line.
Presta também, por correio eletrônico ou
telefone, atendimento local para
demandas de pronta-resposta
(informações sobre o acervo, informações
bibliográficas, etc.)
Essa base, embora não esteja totalmente
revisada, está disponível para consulta.
http://catalogos.bn.br/ .
Para solicitar este serviço preencha o
Formulário de Solicitação de Pesquisa
em
http://www.bn.br/portal/index.jsp?nu_pa
gina=78
Base de Bibliografias Especiais
A DINF organizou, a partir de solicitações
de usuários, uma base de dados, não
Fundação Biblioteca Nacional
Divisão de Informação Documental
Av. Rio Branco 219, 2o. andar – Rio de
Janeiro, RJ – 20040-008
tel: (0xx21) 2220-1330
tel/fax: (0xx21) 2220-1326
e-mail: [email protected]
Fontes:
Biblioteca Nacional
Quiosque Azul
Jussara C. Godinho
Meninos de rua
O dia era frio, muito frio, chuvoso,
nublado e escuro, a sensação era de que
o vento cortava, sangrando a pele.
Poucas pessoas arriscavam sair às ruas. O
mês de junho, no extremo sul do país,
maltrata alguns cidadãos.
Envolvida em mantas de tricô, os
famosos cachecóis, luvas e botas de couro
legítimo, a Madame pára seu carro
importado no sinal vermelho. Surge à
sua frente um menino adolescente, quase
moço, muito magro, corpo quase nu,
coberto com tinta prateada, mexendo
seus malabares. Mal podia acreditar que
alguém pudesse suportar aquele frio em
pêlo. Misérias do mundo! A Madame tira
da bolsa, etiquetada com marca
internacional, algumas moedas — que
sobraram, talvez, do cabeleireiro, da
massagem, da manicure? — para pagar
o show.
Na quadra seguinte, outro sinal
vermelho, fechado, gritando Pare, Olhe,
Atenção! Outro menino, agora criança,
vendendo balas, no carro se encosta. Nas
costas o peso de ser diferente, carente,
tão pequeninho, lutando sozinho,
vendendo bala, cheirando cola, sem
escola, pedindo esmola. Mas quem dá
bola para um vendedorzinho de bala
que só precisa de colo, de carinho, de
uma boa escola, de um prato de feijão e
de um pouquinho de atenção?
Enquanto a Madame seguia seu
caminho sem olhar para trás, o menino
seguia sua espera, espera, espera…
Fonte:
Projeto Releituras
51
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Jussara C. Godinho
Trovas
Arranjei um namorado
Que era lindo, milionário.
O safado era casado,
Um tremendo salafrário.
Sou gaúcha de verdade
Verdadeira Rio-grandense
Eu prezo minha cidade
Digo mais: sou Caxiense
Está sempre de pileque
Cambaleando pela rua
Quero te dizer moleque
Troca o gole por charrua.
Vou te oferecer amigo
Um bom churrasco no espeto
E com orgulho te digo:
Faço Trova e até Soneto
Vinho e uva de montão
Morro abaixo, morro acima
Não estranhe, amigo, não
É a festa da vindima
(Menção Honrosa no I jogos Florais de
Caxias do Sul, tema Vindima – 2008)
Um bom churrasco no espeto
Para amigo saborear
Muita Trova e até Soneto
Só vendo pra acreditar!
Só vendo pra acreditar
gente boa de montão
Vim aqui te convidar
Pra tomar um chimarrão!
Esta escola é tão querida
Sempre muito organizada,
Que alegria nesta vida
Ensinar a meninada!
Vem tomar um chimarrão
Amigos e companheiros
Um forte aperto de mão
Sentimentos verdadeiros
O coração da mulher
É recheado de intuição
E sabe sempre o que quer,
Pois ela é pura emoção.
Uma rosa tão pequena
Com perfume de jasmim
Cada pétala serena
Traz seu cheiro para mim.
Fontes:
Jú Virginiana
Para Ler e Pensar
Aparecido Raimundo de
Souza
Celulares
NO ÔNIBUS LOTADO, O CELULAR do
passageiro, sentado ao lado da porta da
saída, entoa a 9ª Sinfonia de Beethoven.
No terceiro toque o sujeito decide.
-Alô?Alô?Alô?...
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Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Diante da mudez do aparelho, o
cidadão espia, meio desconcertado, para
um lado e outro, a fim de averiguar se
alguém olha para ele. Ninguém parece
preocupado, embora todas as atenções
estejam discretamente voltadas para sua
pessoa. Nova chamada. Dessa vez,
espera uns segundos. Atende, ansioso.
-Alô?Alô?Droga!Alôooa?...
Nada.
Gesticula e fala alto o suficiente para
irritar um defunto. Sem um pingo de
decência, age como se perto dele não
houvesse uma leva de pessoas que
merecesse, ao menos, respeito e
educação.
-Até que enfim. Então você está indo pra
Portugal? Faça uma boa viagem, meu
amigo. O Pedro te manda um abraço. A
Luíza um beijo, o Carlos um puxão de
orelhas...
Uma moça trajando conjunto verde parece um abacate amarrado pelo meio
- viaja logo atrás. O telefone dela, com o
―Vamos fugir‖ também resolve se fazer
presente. Ao atender, seu
rosto se ilumina num sorriso mágico.
―Vamos fugir‖ volta a disparar no
telefone da moça de verde. Ela
prontamente atende:
- Tô chegando, amor...
Há uma pequena pausa.
De repente, a coisa toma proporções
descomunais. A colegial pisa em ovos de
tão indignada e irritada.
- Você já está no ponto? Devo pintar aí
dentro de uns cinco ou seis minutos...
- Vá pro inferno, Rodriguinho. Não me
racha a cara!
Novo intervalo.
O sujeito no banco ao lado da porta
parece um lunático.
-Amor, tenha um pouco de paciência.
Que loucura! O quê? Fala mais alto...
- Te amo. Beijos.
Um terceiro celular começa a encher com
a Pantera Cor de Rosa. A colegial com o
rosto abarrotado de espinhas emite uns
gritinhos estridentes antes de iniciar a
conversação.
- Rodriguinho, seu sem vergonha. Isso lá
é hora de ligar?
A 9ª Sinfonia de Beethoven volta à baila
e se mistura com a voz da adolescente.
-Alô?Alô?Alô?
Desta vez a ligação se completa. O
passageiro ao lado da porta da saída
consegue, finalmente, manter o diálogo
com seu interlocutor.
- Legal, cara. Parabéns!
- Seu avião sai a que horas? As 19?De
onde? Eu...O quê?
Lado esquerdo do coletivo, um casal
assiste a tudo com os olhos arregalados.
A certa altura, o rapaz comenta, num
cochicho:
- É mole ou quer mais?
-As pessoas – observa a moça
igualmente aos murmúrios - perderam o
senso do ridículo. A sensatez foi pro brejo.
Ninguém
respeita
mais
a
individualidade.
-Virou febre esse negócio. Todo mundo
agora tem celular. Li, ontem, no jornal,
que estão à venda, no mercado,
aparelhos celulares de última geração
para cachorros.
Risos.
53
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
- Fala sério? Qual o quê! Isso é piada!
- Não é não. Agora, além de hospitais,
hotéis e restaurantes, os cachorros
poderão contar com mais essa
vantagem. Celular para cães e gatos.
- Com licença, meu senhor... Com
licença...
-Calma, senhorita. Vou ficar aqui
também. Deixe ao menos o motorista
parar e liberar a traseira.
- Se for verdade o que está me dizendo,
minha nossa. Será o cúmulo do absurdo.
A que ponto chegamos. Olhe só para
essa gente. Parece um bando de
alucinados. Ninguém se entende.
-... De Lisboa? Que droga!!
Um homenzarrão puxa a campainha.
Pessoas se levantam. Outras tantas
tomam posição para apear.
-...Amor, amor, estou descendo...
- Vá se danar, Ro...
- Olhe, se lá em Portugal não tiver
mulher que sirva, volta e leva uma
brasileira. As mais bonitas do mundo
estão aqui, meu chapa...
- Rodriguinho, eu pensava, até agora,
que você fosse do conceito. Me enganei
redondamente. Vá pro inferno, ta
ligado?
A moça de verde pula do banco ao ver o
rapaz que a espera, na calçada defronte
à porta de acesso de uma loja de
departamentos. Passa a mão no telefone
e disca um número da memória.
- Ei, amor, olha euzinha aqui. Cheguei.
Já me enxergou? Estou te vendo. Me dê
adeusinho!
Nessa hora, então...
-A mãe te manda umabraço. Vá com
Deus. Chegando em Lisboa, ligue...
Entendeu? Ligue, ligue, ligue, surdo!...
No mesmo clima.
-Rodriguinho, ô, sem noção, o bagulho
por aqui tá tenso. Meu namorado não
vai gostar. Com certeza levará um ―lero‖
contigo, e, depois, com certeza, te
comerá na porrada, meu...
A moça de verde, afoita:
-... Ro, Ro, cuidado com a tribo,
malandro. Quer saber? Estou injuriada.
Vá se danar de verde e amarelo...
Sobra o casal acomodado no lado
esquerdo, rindo da galera a mais não
poder.
– Odeio celular – pondera a jovem,
depois que todos saem - parece que esses
trocinhos controlam nossa vida. Aliás,
dominam, vivem no nosso pé. Jogaram,
definitivamente, para o ralo a nossa
intimidade.
- Estou com você – completa o rapaz –O
negocio é bom, mas, em certas horas, se
torna deselegante, cai no vulgar. Tira a
privacidade. Imagine, daqui a algum
tempo, como lhe falei, ainda há pouco, a
gente cruzando na rua, com essas
madames, metidas à besta, atendendo
ao telefone. ―É pra você, Fifizinha!‖. E o
animal, posudo: ―– Agora não posso,
estou ocupada, lendo Os Melhores Contos
de Cães e Gatos do meu amigo Flavio
Moreira da Costa. Peça para me ligar
mais tarde‖.
A jovem se abre num sorriso contagiante.
Pensa em responder alguma coisa.
Entretanto,
seu
celular
estronda
Tchaikovsky.
- Desculpe. Meu marido...
Pede licença, baixa a cabeça. Sem tirar o
aparelho do ouvido se acomoda num
banco lá na frente, ao lado do cobrador.
Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. A Outra Perna do Saci. São
Paulo: Ed. Sucesso, 2009.
54
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Ialmar Pio Schneider
O Homem atrás do escritor, o
Escritor atrás do homem
Dando continuidade à série O Homem
atrás do escritor, o escritor atrás do
homem, o entrevistado é o poeta e
trovador gaúcho, o Menestrel dos
Pampas, Ialmar Pio Schneider, grande
colaborador
do
blog
Singrando
Horizontes.
O HOMEM IALMAR PIO SCHNEIDER:
AUTOBIOGRAFIA
JF: Conte um pouco de sua trajetória de
vida, onde nasceu, onde cresceu, o que
estudou, sua trajetória literária.
Nasci no município de Sertão/RS em 2608-1942. Filho de Henrique Schneider
Filho e dona Amábile Tressino Schneider,
ambos falecidos.
Cursei o primário em minha terra natal
na Escola Pio XII das Irmãs Franciscanas
onde
diplomei-me
inclusive
em
datilografia com 13 anos de idade.
Ingressei no Ginásio Cristo Rei dos Irmãos
Maristas em Getúlio Vargas/RS que
conclui após 4 anos, em 1959, período em
que iniciei a compor poesias.
Daí transferi-me para Passo Fundo/RS
onde ingressei no Colégio N. Sra. da
Conceição dos Irmãos Maristas cursando
então
simultaneamente
o
Curso
Científico e a Escola Técnica de
Contabilidade por um ano e meio,
continuando a escrever poesias inclusive
gauchescas, algumas das quais foram
publicadas no Jornal do Dia, de Porto
Alegre, até que um concurso público
para o Banco do Brasil S.A. me levou a
Cruz Alta/RS, onde assumi em 1961,
poucos dias antes de completar 19 anos
de idade.
Posteriormente integrei o corpo de
funcionários da agência de Soledade/RS,
que estava em Instalação, o que ocorreu
em 1962. Completei o curso em Técnico
de
Contabilidade
em
1962,
permanecendo por 5 anos na cidade,
onde exerci o cargo de Fiscal da Carteira
Agrícola do Banco até ser transferido
para a Metr. Tiradentes do Rio onde não
cheguei a tomar posse, tendo feito uma
55
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
permuta tríplice com outros dois colegas,
vindo a assumir em Canoas/RS, em 1967,
para logo após um ano se transferir para
São Leopoldo/RS em nova permuta com
outro colega, onde tencionava tirar o
Curso de Direito da Unissinos, o que não
se concretizou.
Casei-me em 1968 com Helena Dias
Hilário, de Soledade/RS e transferi-me
para a Agência Centro do Banco do
Brasil S.A de Porto Alegre, em 1969.
Residindo em Canoas, nasceu minha filha
Ana
Cristina
Hilário
Schneider.
Permaneceu por 3 ou 4 anos compondo
poesias diversas inclusive a maior parte
de seus poemas gauchescos ainda
inéditos bem como muitos sonetos então
com 30 anos de idade. Resolvi
novamente transferir-me de cidade a
fim de ficar mais próximo dos meus
parentes e os de minha esposa e pleiteei
uma permuta, que consegui para a
cidade de Passo Fundo, tendo lá
permanecido por cerca de 3 anos,
ocasião na qual requeri e fui transferido
para a agência do Banco em Palmas/
PR, onde residiam minha mãe e irmãos,
de cuja remoção desisti pelo motivo de
minha esposa ser professora estadual e
não ter conseguido aproveitamento
naquela cidade. Com dificuldade em
adquirir casa de moradia retornei a
Canoas voltando a residir e a trabalhar
no Banco até que em uma concorrência
nacional para fiscal da Carteira Agrícola
do Banco fui nomeado para a cidade de
Antônio Prado/RS, onde permaneci por 2
anos e meio aproximadamente.
Em 1980, regressei a Canoas onde adquiri
um apartamento em que resido até
hoje, na rua que leva o nome do grande
pintor Pedro Weingartner tendo feito
vestibular para a Faculdade de Direito
do Instituto Ritter dos Reis, classificado
em segundo lugar de que também
participou o ilustre jogador de futebol do
Internacional Paulo Roberto Falcão, que
logo depois transferiu-se para a Itália.
Trabalhando no Banco do Brasilagência de Canoas e estudando, só
consegui formar-me em Direito nas
Faculdades Integradas do Instituto Ritter
dos Reis em 1990, após 10 anos de curso
superior. Enfim, antes tarde do que
nunca.
Transferi-me para o CESEC do Banco do
Brasil Sete de Setembro em Porto Alegre,
onde trabalhei até 1991, tendo
completado 30 anos e alguns dias de
serviço no Banco quando me aposentei
por tempo de serviço.
Por enquanto, resido na cidade de Porto
Alegre/RS, no Bairro Tristeza, com uma
vista maravilhosa para o Rio Guaíba, em
uma janela do qual até um joão-debarro já fez um ninho há uns dois anos.
Como diz o inigualável poeta
gauchescoo saudoso Jayme Caetano
Braun: ―Eu até fiquei contente/ Dizem
que dás muita sorte !‖em seu poema
―João Barreiro‖.
Atualmente minha filha é casada, ambos
advogados, com escritório.
Durante os meses de verão, dezembro
até fevereiro, permaneço em Capão da
Canoa/ RS, cidade praiana, onde
produzo diversas poesias: poemas,
sonetos e trovas. Nos últimos dois anos
desloquei-me com a família por uns dez
dias em final de temporada para a praia
de Canasvieiras, precisamente Cachoeira
do Bom Jesus, em Florianópolis/SC.
Eis em rápidas pinceladas a sucinta
biografia rotineira de um poeta menor.
JF: Ialmar, se é poeta menor, então eu
nem existo, precisaria um ultra
microscópio para me encontrar (risos).
Recebeu estímulo na casa da sua
infância?
Total estímulo e incentivo inclusive
éramos 6 filhos, 4 irmãos e 2 irmãs e
nossos pais só tinham como meta o nosso
estudo.
JF: Quais livros foram marcantes antes de
começar a escrever.
Muitos livros de poesias: Fagundes
Varela, Casemiro de Abreu, romances de
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Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Paulo Setúbal, os grandes romances do
Cristianismo, trovas de Adelmar Tavares
e diversos outros. Mas o romancista que
mais me agradou foi Lima Barreto, antes
Dostoiewski, Érico Veríssimo, Dyonélio
Machado, Cronin, uma infinidade de
autores, enfim. Desculpe se não cito
todos, nem um por cento talvez.
JF: Teve a influência de alguém para
começar a escrever?
Foi naturalmente através das leituras
escolares.
JF: Tem Home Page própria (não são
consideradas outras que simplesmente
tenham trabalhos seus)?
Tenho diversos blogs que podem ser
encontrados procurando por IALMAR
PIO SCHNEIDER no Google, como
http://ialmar.pio.schneider.zip.net/
;
http://ialmarpioschneider.blogspot.com/ ;
http://ial123.blog.terra.com.br/
JF: Você encontra muitas dificuldades em
viver de literatura em um país que está
bem longe de ser um apreciador de
livros?
Nunca pensei nisto. No Brasil acho que só
meia dúzia o consegue.
SEUS TEXTOS E PREMIOS
JF: Como começou a tomar gosto pela
escrita?
Para conhecer e aprender, pois acho que
todo o livro é de auto-ajuda.
JF: Você possui livros? Se sim em que você
se inspirou em seus livros?
Fiz a estréia editorial na obra
TROVADORES DO RIO GRANDE DO
SUL, org. por Nelson Fachinelli, em 1982.
Publiquei a obra poética SONETOS E
CÂNTICOS DISPERSOS, em 1987. Figuro
em outras coletâneas. A última obra,
POESIAS ESPARSAS DIVERSAS, de
2000.
JF: Como definiria seu estilo literário?
Eclético para poesia e crônicas também.
JF: Que acha de seus textos: O que
representam para si? E para os leitores?
Acho que são a expressão do meu
pensamento. A maioria dos leitores
dizem gostar.
JF: Qual a sua opinião a respeito da
Internet? Tem contribuído para a difusão
do seu trabalho?
Tem contribuído muito e eu considero o
mais valioso meio de publicação atual,
ainda mais para quem não tem a
grande mídia ao seu dispor.
JF: Tem prêmios literários?
Alguns.
JF: Participa de Concursos Literários?
Qual sua visão sobre eles? Acha que eles
tem ―marmelada‖?
Participo às vezes. Tenho visto trovas sem
nenhum fundamento serem premiadas.
CRIAÇÃO LITERÁRIA
JF: Você precisa ter uma situação
psicologicamente muito definida ou já
chegou num ponto em que é só fazer um
―clic‖ e a musa pinta de lá de dentro?
Para se inspirar literariamenteprecisa de
algum ambiente especial ?
Surge de repente, não sei de onde nem
quando.
JF: Você acredita que para ser poeta ou
trovador basta somente exercitar a
escrita ou vocação é essencial?
Tudo é essencial, principalmente muita
leitura.
JF: No processo de formação do escritor é
preciso que ele leia porcaria?
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Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
É preciso distinguir.
O ESCRITOR E A LITERATURA
Continuar escrevendo nos blogs e talvez
preparar um livro de poemas e poesias
gauchescas.
JF: Mas existe uma constelação de
escritores que nos é desconhecida. Para
nós chega apenas o que a mídia divulga.
Na sua opinião que livro ou livros da
literatura
da
língua
portuguesa
deveriam ser leitura obrigatória?
JF: De que forma você vê a cultura
popular nos tempos atuais de
globalização?
Os clássicos: Machado de Assis, Lima
Barreto, Euclides da Cunha, Rui Barbosa.
Paulo Setúbal, Érico Veríssimo, Dyonélio
Machado, Lya Luft e outros. Os bons
escritores. A lista é infindável. Poesias de
Vinicius de Moraes, Guilherme de
Almeida e os clássicos também Castro
Alves, Fagundes Varela, Alvares de
Azevedo, Olavo Bilac, tantos e tantos.
CONSELHOS PARA OS ESCRITORES
JF: Qual o papel do escritor na
sociedade?
Muita leitura e perspicácia.
Ensinar e divertir também.
JF: Há lugar para a poesia em nossos
tempos?
Há sim. Aqui no sul principalmente a
poesia gauchesca, os sonetos românticos.
Basta declamar uma poesia atraente
todos gostam.
A PESSOA POR TRÁS DO ESCRITOR
Um bancário aposentado, um advogado
não militante e um diletante em
literatura.
JF: O que o choca hoje em dia?
A violência e a falta de saúde pública.
JF: O que lê hoje?
Romances e poesias. Estou curtindo um
ócio criativo. Nada de muito profundo.
JF: Você possui algum projeto que
pretende ainda desenvolver?
Vai andando aos trancos e barrancos,
mas com o andar da carroça as
abóboras se ajeitam na caixa.
JF: Que conselho daria a uma pessoa que
começasse agora a escrever ?
Ler bastante e escrever mesmo errando.
JF: O que é preciso para ser um bom
poeta ou/e trovador?
JF: Finalmente, se Deus parasse na tua
frente e lhe concedesse três desejos quais
seriam?
Boa saúde, meios para continuar
vivendo e a felicidade da Humanidade
inteira.
TROVAS DE IALMAR
Cada paixão que me invade
surge do amor que não tive;
e representa a saudade
de quem neste mundo vive.
Eu não sou navegador,
mas enfrento o mar da vida,
por causa do nosso amor
que não teve despedida.
Foste a morena brejeira
que surgiu em meu amor
como o botão da roseira
que agora não dá mais flor.
Não foram horas perdidas
as que passei junto a ti;
são lembranças bem vividas
que nunca mais esqueci...
58
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Perambulando sozinho
pelas ruas da cidade,
procuro achar o caminho
que leva à felicidade.
Fonte:
Entrevista realizada virtualmente (por e-mail) por José
Feldman (PR) com o poeta e trovador Ialmar Pio Schneider
(RS).
Jussara C Godinho
Amor, Sentimento estranho
Que sentimento é esse
Que derrete coração
Emociona sem aparente razão
E faz tremer de emoção?
Que sentimento é esse
Que prende, mas satisfaz
Que amordaça e não se desfaz?
Que sentimento é esse
Que tudo dá, nada pede e não impede
Que o outro lhe tome inteira
De qualquer maneira sem nenhuma
barreira?
Que sentimento é esse
Que envaidece, entristece
Às vezes, até emburrece
E nos desestrutura inteira?
Que sentimento é esse
Que abala
E ao mesmo tempo acalma?
Que sentimento é esse
Que grita e nunca se cala
E quando sussurra, desperta a alma?
Que sentimento é esse
Que se entrega e faz tremer
Que emociona e endoidece
E nos faz viver?
(Poema integrante da Antologia ―Poeta,
mostra a tua cara‖ – Volume 5 – XVI
CONGRESSO BRASILEIRO DE POESIA –
BENTO GONÇALVES – RS)
Jussára C. Godinho
(Ju Virginiana), 1957, já participou em
mais de trinta antologias poéticas e
agendas literárias, sits, e blogs. É membro
do IBT de Caxias do Sul (RS) associada à
AGES – Associação Gaúcha de Escritores
e Cônsul do Movimento Poetas del
Mundo de Caxias do Sul (RS). Não tem
livros editados.
Fontes:
Jú Virginiana
Projeto Releituras
Que sentimento é esse
Que nele se resvala
E ainda se bate palma?
Inglês de Sousa
A Quadrilha de Jacob
Patacho
Eram sete horas, a noite estava escura, e
o céu ameaçava chuva.
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Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Terminara a ceia, composta de cebola
cozida e pirarucu assado, o velho
Salvaterra dera graças a Deus pelos
favores recebidos; a sora Maria dos
Prazeres tomava pontos em umas velhas
meias de algodão muito remendadas; a
Anica enfiava umas contas destinadas a
formar um par de braceletes, e os dois
rapazes, espreguiçando-se, conversavam
em voz baixa sobre a última caçada.
Alumiava as paredes negras da sala uma
candeia de azeite, reinava um ar tépido
de tranqüilidade e sossego, convidativo
do sono. Só se ouviam o murmúrio
brando do Tapajós e o ciciar do vento
nas folhas das pacoveiras. De repente, a
Anica inclinou a linda cabeça, e pôs-se a
escutar um ruído surdo que se
aproximava lentamente.
não escapassem à morte os moradores.
Enchia as narrativas populares a
personalidade do terrível Saraiva, o
tenente da quadrilha cujo nome não se
pronunciava sem fazer arrepiar as carnes
aos pacíficos habitantes do Amazonas.
Félix Salvaterra tinha fama de rico e era
português, duas qualidades perigosas em
tempo de cabanagem. O sítio era muito
isolado e grande a audácia dos bandidos.
E a mulher tinha lágrimas na voz
lembrando estes fatos ao marido.
Mas o ruído do bater dos remos n‘água
cessou, denotando que a canoa abicara
ao porto do sítio. Ergueu-se Salvaterra,
mas a mulher agarrou-o com ambas as
mãos:
- Onde vais, ó Felix?
- Ouvem? – perguntou.
O pai e os irmãos escutaram também
por alguns instantes, mas logo
concordaram, com a segurança dos
habitantes de lugares ermos:
- É uma canoa que sobe o rio.
Os rapazes lançaram vistas cheias de
confiança
às
suas
espingardas,
penduradas na parede e carregadas com
bom chumbo, segundo o hábito de
precaução naqueles tempos infelizes; e
seguiram o movimento, do pai. A Anica,
silenciosa, olhava alternativamente para
o pai e para os irmãos.
- Quem há de ser?
- A estas horas, – opinou a sora Maria
dos Prazeres, – não pode ser gente de
bem.
- E por que não, mulher? – repreendeu o
marido, – isto é alguém que segue para
Irituia.
Ouviram-se passos pesados no terreiro, e
o cão ladrou fortemente. Salvaterra
desprendeu-se dos braços da mulher e
abriu a porta. A escuridão da noite não
deixava ver coisa alguma, mas uma voz
rústica saiu das trevas.
- Boa-noite, meu branco.
- Mas quem viaja a estas horas? – insistiu
a timorata mulher.
Quem está aí? – indagou o português. –
Se é de paz, entre com Deus.
- Vem pedir-nos agasalho, redargüiu. –
A chuva não tarda, e esses cristãos hão
de querer abrigar-se.
Então dois caboclos apareceram no
círculo de luz projetado fora da porta
pela candeia de azeite. Trajavam calças
e camisa de riscado e traziam na cabeça
grande chapéu de palha. O seu aspecto
nada oferecia de peculiar e distinto dos
habitantes dos sítios do Tapajós.
A sora Maria continuou a mostrar-se
apreensiva. Muito se falava então nas
façanhas de Jacob Patacho, nos
assassinatos que a miúdo cometia; casos
estupendos se contavam de um horror
indizível: incêndios de casas depois de
pregadas as portas e janelas para que
Tranqüilo, o português afastou-se para
dar entrada nos noturnos visitantes.
Ofereceu-lhes da sua modesta ceia,
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Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
perguntou-lhes donde vinham e para
onde iam.
Vinham de Santarém, e iam a Irituia, à
casa do tenente Prestes levar uma carga
de fazendas e molhados por conta do
negociante Joaquim Pinto; tinham
largado do sítio de Avintes às quatro
horas da tarde, contando amanhecer em
Irituia, mas o tempo se transtornara à
boca da noite, e eles, receando a
escuridão e a pouca prática que tinham
daquela parte do rio, haviam deliberado
parar no sítio de Salvaterra, e pedir-lhe
agasalho por uma noite. Se a chuva não
desse, ou passasse com saída da lua para
a meia-noite, continuariam a sua
viagem.
Os dois homens falavam serenamente,
arrastando as palavras no compasso
preguiçoso do caboclo que parece não
ter pressa de acabar de dizer. O seu
aspecto nada oferecia de extraordinário.
Um, alto e magro, tinha a aparência
doentia; o outro reforçado, baixo, e de
cara bexigosa, não era simpático à dona
da casa, mas afora o olhar de lascívia
torpe que dirigia a Anica, quando
julgava que o não viam, parecia a
criatura mais inofensiva deste mundo.
Depois que a sora Maria mostrou ter
perdido os seus receios, e que a Anica
serviu aos caboclos os restos da ceia
frugal daquela
honrada
família,
Salvaterra disse que eram horas de
dormir. O dia seguinte era de trabalho e
convinha levantar cedo para ir em busca
da pequena e mais da malhada, duas
vacas que lhe haviam desaparecido
naquele dia. Então um dos tapuios, o
alto, a quem o companheiro chamava
cerimoniosamente – seu João –
levantou-se e declarou que iria dormir
na canoa, a qual posto que muito
carregada, dava acomodação a uma
pessoa, pois era uma galeota grande.
Salvaterra e os filhos tentaram dissuadilo do projeto, fazendo ver que a noite
estava má e que a chuva não tardava,
mas
o
tapuio,
apoiado
pelo
companheiro, insistiu. Nada, que as
fazendas não eram dele e seu Pinto era
um branco muito rusguento, e sabia lá
Deus o que podia acontecer; os tempos
não andavam bons, havia muito tapuio
ladrão aí por esse, acrescentava como
um riso alvar, e de mais ele embirrava
com esta história de dormir dentro de
uma gaiola. Quanto à chuva pouco se
importava, queria segurança e agasalho
para as fazendas: ele tinha o couro duro
e um excelente japá na tolda da
galeota.
No fundo quadrava perfeitamente à
sora Maria a resolução do seu João, não
só porque pensava que mais vale um
hóspede do que dois, como também por
lhe ser difícil acomodar os dois viajantes
na sua modesta casinha. Assim não
duvidou aplaudir a lembrança, dizendo
ao marido:
- Deixa lá, homem, cada um sabe de si e
Deus de todos.
O caboclo abriu a porta e saiu
acompanhado pelo cão de guarda, cuja
cabeça amimava, convidando-o para
lhe fazer companhia, por via das
dúvidas. A noite continuava escura como
breu. Lufadas de um vento quente,
prenúncio de tempestade, açoutavam
nuvens negras que corriam para o sul
como fantasmas em disparada. As
árvores da beirada soluçavam, vergadas
pelo vento, e grossas gotas de águas
começavam a cair sobre o chão
ressequido, de onde subia um cheiro
ativo de barro molhado.
- Agasalhe-se bem, patrício, – gritou o
português ao caboclo que saía. E,
fechando a porta com a tranca de pau,
veio ter com a família.
Logo depois desejavam boa-noite uns
aos outros; o hóspede que deu o nome
de Manuel, afundou-se numa rede, que
lhe armaram na sala, e ainda não havia
meia hora que saíra seu João, já a sora
Maria, o marido e os filhos dormiam o
sono reparador das fadigas do dia,
61
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
acalentado pela calma
consciência honesta.
de
uma
A Anica depois de rezar à Virgem das
Dores, sua padroeira, não pudera fechar
os olhos. Impressionara-a muito o
desaparecimento da pequena e da
malhada, que acreditava filho de um
roubo, e sem querer associava na sua
mente a esse fato as histórias terríveis
que lhe lembrara a mãe pouco antes,
sobre os crimes diariamente praticados
pela quadrilha de Jacob Patacho. Eram
donzelas raptadas para saciar as paixões
dos tapuios; pais de família assassinados
barbaramente; crianças atiradas ao rio
com uma pedra ao pescoço, herdades
incendiadas, um quatro interminável de
atrocidades inauditas que lhe dançava
diante dos olhos, e parecia reproduzido
nas sombras fugitivas projetadas nas
paredes de barro escuro do seu
quartinho pela luz vacilante da candeia
de azeite de mamona.
E por uma singularidade, que a rapariga
não sabia explicar, em todos aqueles
dramas de sangue e de fogo havia uma
figura saliente, o chefe, o matador, o
incendiário,
demônio
vivo
que
tripudiava sobre os cadáveres quentes
das vítimas, no meio das chamas dos
incêndios, e, produto de um cérebro
enfermo, agitado pela vigília, as feições
desse monstro eram as do pacífico tapuio
que ela ouvia roncar placidamente no
fundo da rede na sala vizinha. Mas por
maiores esforços que a moça fizesse para
apagar da sua imaginação a figura
baixa e bexigosa do hóspede, rindo
nervosamente da sua loucura, mal
fechava os olhos, lá lhe apareciam as
cenas de desolação e de morte, no meio
das quais progrediam os olhos ardentes,
o nariz chato e a boca desdentada do
tapuio,
cuja
figura,
entretanto,
desenrolava-se inteira na sua mente
espavorida, absorvendo-lhe a atenção e
resumindo a tragédia feroz que o
cérebro imaginava.
Pouco a pouco, procurando provar a si
mesma que o hóspede nada tinha de
comum com o personagem que sonhara,
e que a sua aparência era toda pacífica,
de um pobre tapuio honrado e
inofensivo,
examinando-lhe
mentalmente uma a uma as feições, foilhe chegando a convicção de que não
fora aquela noite a primeira vez que o
vira, convicção que se arraigava no seu
espírito, à medida que se lhe esclarecia a
memória. Sim, era aquele mesmo; não
era a primeira vez que via aquele nariz
roído de bexigas, aquela boca imunda e
servil, a cor azinhavrada, a estatura
baixa e vigorosa, sobretudo aquele olhar
indigno, desaforado, torpe que a
incomodara tanto na sala, queimandolhe os seios. Já uma vez fora insultada
por aquele olhar. Onde? Como? Não
podia lembrar-se, mas com certeza não
era a primeira vez que o sentia.
Invocava as suas reminiscências. No
Funchal não podia ser; no sítio também
não fora; seria no Pará quando chegara
com a mãe, ainda menina, e
acomodaram-se em uma casinha da rua
das Mercês? Não; era mais recente, muito
mais recente. Bem; parecia recordar-se
agora. Fora em Santarém, havia coisa
de dois anos ou três, quando ali estivera
com o pai para assistir a uma festa
popular, o sahiré. Hospedara-se então na
casa do negociante Joaquim Pinto,
patrício e protetor de seu pai, e foi ali,
em uma noite de festa, quando se
achava em companhia de outras
raparigas sentada à porta da rua, a ver
passar a gente que voltava de igreja,
que se sentiu atormentada por aquele
olhar lascivo e tenaz, a ponto de retirarse para a cozinha trêmula e chorosa.
Sim, nenhuma dúvida mais podia haver,
o homem era um agregado de Joaquim
Pinto, um camarada antigo da casa, por
sinal que, segundo lhe disseram as
mucamas da mulher do Pinto, era de
Cametá e se chamava Manuel Saraiva.
Neste ponto de suas reminiscências, a
Anica foi assaltada por uma idéia
medonha que lhe fez correr um frio
glacial pela espinha dorsal, ressecou-lhe
a garganta, e inundou-lhe de suor a
fronte. Saraiva! Mas era este o nome do
62
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
famigerado tenente de Jacob Patacho,
cuja reputação de malvadez chegara
aos recônditos sertões do Amazonas, e
cuja atroz e brutal lascívia excedia em
horror aos cruéis tormentos que o chefe
da quadrilha inflingia às suas vítimas.
Seria aquele tapuio de cara bexigosa e
ar pacífico o mesmo salteador da baía
do Sol e das águas dos Amazonas, o
bárbaro violador de virgens indefesas, o
bandido, cujo nome mal se pronunciava
nos serões das famílias pobres e
honradas, tal o medo que incutia? Seria
aquele homem de maneiras sossegadas e
corteses, de falar arrastado e humilde o
herói dos estupros e dos incêndios, a fera
em cujo coração de bronze jamais
pudera germinar o sentimento da
piedade?
ela talvez a primeira vítima, sem que o
sacrifício pudesse aproveitar à sua
família.
Um silvo agudo, imitante do canto do
urutaí, arrancou-a a estas reflexões, e
pondo os ouvidos à escuta, pareceu-lhe
que o tapuio da sala vizinha cessara de
ressonar. Não havia tempo a perder, se
queria salvar os seus. Lembrou-se então
de saltar pela janela, rodear a casa e ir
bater à janela do quarto do pai. Já ia
realizar esse plano quando cogitou de
estar o outro tapuio, o seu João, perto da
casa para responder ao sinal do
companheiro, e entreabriu com toda
precaução a janela, espreitando pelo
vão.
A noite estava belíssima.
A idéia da identidade do tapuio que
dormia na sala vizinha com o tenente de
Jacob Patacho, gelou-a de terror. Perdeu
os movimentos e ficou por algum tempo
fria, com a cabeça inclinada para trás, a
boca entreaberta e os olhos arregalados,
fixos na porta da sala; mas de repente o
clarão de um pensamento salvador
iluminou-lhe o cérebro; convinha não
perder tempo, avisar o pai e os irmãos,
dar o grito de alarma; eram todos
homens possantes e decididos, tinham
boas espingardas; os bandidos eram dois
apenas, seriam prevenidos, presos antes
de poderem oferecer séria resistência. Em
todo o caso, fossem ou não fossem
assassinos e ladrões, mais valia estarem os
de casa avisados, passarem uma noite
em claro do que correrem o risco de
serem assassinados a dormir. Saltou da
cama, enfiou as saias e correu para a
porta, mas a reflexão fê-la estacar cheia
de desânimo. Como prevenir o pai, sem
correr a eventualidade de acordar o
tapuio? A sala em que este se aboletara
interpunha-se entre o seu quarto e o de
seus pais; para chegar ao dormitório dos
velhos era forçoso passar por baixo da
rede do caboclo, que não podia deixar
de acordar, principalmente ao ruído dos
gonzos enferrujados da porta que, por
exceção e natural recato da moça, se
fechara aquela noite. E se acordasse seria
O vento forte afugentara as nuvens para
o sul, e a lua subia lentamente no
firmamento, prateando as águas do rio e
as clareiras da floresta. A chuva cessara
inteiramente, e do chão molhado subia
uma evaporação de umidade, que,
misturada ao cheiro ativo das laranjeiras
em flor, dava aos sentidos uma sensação
de odorosa frescura.
A princípio a rapariga, deslumbrada
pelo luar, nada viu, mas afirmando a
vista percebeu umas sombras que se
esgueiravam por entre as árvores do
porto, e logo depois distinguiu vultos de
tapuios cobertos de grandes chapéus de
palha, e armados de terçados, que se
dirigiam para a casa.
Eram quinze ou vinte, mas à rapariga de
susto pareceu uma centena, porque de
cada tronco de árvore a sua imaginação
fazia um homem.
Não havia que duvidar. Era a quadrilha
de Jacob Patacho que assaltava o sítio.
Todo o desespero da situação em que se
achava apresentou-se claramente à
inteligência da rapariga. Saltar pela
janela e fugir, além de impossível,
porque a claridade da lua a denunciaria
63
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
aos bandidos, seria abandonar seus pais
e irmãos, cuja existência preciosa seria
cortada pelo punhal dos sicários de
Patacho durante o sono, e sem que
pudessem defender-se ao menos. Ir
acordá-los seria entregar-se às mãos do
feroz Saraiva, e sucumbir aos seus golpes
antes de realizar o intento salvador. Que
fazer? A donzela ficou algum tempo
indecisa, gelada de terror, com o olhar
fixo nas árvores do porto, abrigo dos
bandidos, mas de súbito, tomando uma
resolução heróica, resumindo todas as
forças em um supremo esforço, fechou
rapidamente a janela e gritou com todo
o vigor dos seus pulmões juvenis:
- Aqui d‘el-rei! Os de Jacob Patacho!
A sua voz nervosa repercutiu como um
brado de suprema angústia pela
modesta casinha, e o eco foi perder-se
dolorosamente, ao longe, na outra
margem do rio, dominando o ruído da
corrente e os murmúrios noturnos da
floresta. Súbito rumor fez-se na casa até
então silenciosa, rumor de espanto e de
sobressalto em que se denunciava a voz
rouca e mal segura de pessoas
arrancadas violentamente a um sono
pacífico; a rapariga voltou-se para o
lado da porta da sala, mas sentiu-se
presa por braços de ferro, ao passo que
um asqueroso beijo, mordedura de réptil
antes do que humana carícia, tapou-lhe
a boca. O tapuio bexigoso, Saraiva, sem
que a moça o pudesse explicar, entrara
sorrateiramente no quarto, e se
aproximara dela sem ser pressentido.
A indignação do pudor ofendido e a
repugnância indizível que se apoderou
da moça ao sentir o contato dos lábios e
do corpo do bandido, determinaram
uma resistência que o seu físico delicado
parecia não poder admitir. Uma luta
incrível se travou entre aquela branca e
rosada criatura seminua e o tapuio que
a enlaçava com os braços cor de cobre,
dobrando-lhe o talhe flexível sob a
ameaça de novo contato de sua boca
desdentada e negra, e procurando atirála ao chão. Mas a rapariga segurara-se
ao pescoço do homem com as mãos
crispadas pelo esforço espantoso do
pudor e do asco, e o tapuio, que julgara
fácil a vitória, e tinha as mãos ocupadas
em apertar-lhe a cintura em um círculo
de ferro, sentiu faltar-lhe o ar, opresso
pelos desejos brutais que tanto o
afogavam quanto a pressão dos dedos
nervosos e afilados da vítima.
Mas se a sensualidade feroz do Saraiva,
unida à audácia que lhe inspirara a
consciência de terror causado por sua
presença lhe fazia esquecer a prudência
que tanto o distinguia antes do ataque,
o brado de alarma solto pela rapariga
dera aos quadrilheiros de Patacho um
momento de indecisão. Ignorando o que
se passava na casa, e as circunstâncias
em que se achava o tenente
comandante da expedição, cederam a
um movimento de reserva, da índole do
caboclo, e voltaram a esconder-se por
detrás dos troncos de árvores que
ensombravam a ribanceira. A moça ia
cair exausta de forças, mas teve ainda
ânimo para gritar com suprema energia:
- Acudam, acudam, que me matam!
Bruscamente o Saraiva largou a mão da
Anica, e atirou-se para a janela,
naturalmente para abri-la, e chamar os
companheiros, percebendo que era
tempo de agir com resolução, mas a
moça
advertindo-se
do
intento,
atravessou-se no caminho, com inaudita
coragem, opondo-lhe com o corpo um
obstáculo que de fácil remoção seria
para o tapuio, se nesse momento,
abrindo-se de par em par, a porta da
sala não desse entrada a Félix
Salvaterra, seguido por dois filhos, todos
armados de espingardas. Antes que o
tenente de Jacob Patacho tivesse podido
defender-se, caía banhado em sangue
com uma valente pancada no crânio
que lhe deu o velho com a coronha da
arma.
O português e os filhos mal despertos do
sono, com as roupas em desalinho, não se
deixaram tomar do susto e da surpresa,
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Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
expressa em dolorosos gemidos pela sora
Maria dos Prazeres, que abraçada à
filha, cobria-a de lágrimas quentes. Pai e
filhos compreenderam perfeitamente a
gravidade da situação em que se
achavam; o silêncio e ausência do cão de
guarda, sem dúvida morto à traição, e a
audácia do tapuio bexigoso, mais ainda
do que o primeiro grito da filha, do qual
apenas haviam ouvido ao despertar o
nome do terrível pirata paraense, os
convenceram de que não haviam
vencido o último inimigo, e enquanto um
dos moços apontava a espingarda ao
peito do tapuio que banhado em sangue
tinha gravados na moça os olhos
ardentes de volúpia, Salvaterra e o outro
filho voltaram à sala, com o fim de
guardar a porta de entrada. Esta porta
tinha sido aberta, achava-se apenas
cerrada apesar de havê-la trancado o
dono da casa quando despediu o
caboclo alto. Foram os dois homens para
pôr-lhe novamente a tranca, mas já era
tarde.
Seu João, o companheiro de Saraiva
mais afoito do que os outros tapuios,
chegara à casa, e percebendo que o seu
chefe corria grande perigo, assobiou de
um modo peculiar, e em seguida,
voltando-se para os homens que se
destacavam das árvores do porto, como
visões de febre, emitiu na voz cultural do
caboclo o brado que depois se tornou o
grito de guerra da cabanagem:
- Mata marinheiro! Mata! Mata!
Os bandidos correram e penetraram na
casa. Travou-se então uma luta horrível
entre aqueles tapuios armados de
terçados e de grandes cacetes quinados
de massaranduba, e os três portugueses
que heroicamente defendiam o seu lar,
valendo-se das espingardas de caça, que,
depois de descarregados, serviram-lhes
de formidáveis maças.
O Saraiva recebeu um tiro à queimaroupa, o primeiro tiro, pois que o rapaz
que o ameaçava, sentindo entrarem na
sala os tapuios, procurara livrar-se logo
do pior deles, ainda que por terra e
ferido: mas não foi longo o combate;
enquanto mãe e filha, agarradas uma à
outra, se lamentavam desesperada e
ruidosamente, o pai e os filhos caíam
banhados em sangue, e nos seus brancos
cadáveres a quadrilha de Jacob Patacho
vingava a morte de seu feroz tenente,
mutilando-os de um modo selvagem.
Quando passei com meu tio Antônio em
junho de 1932 pelo sítio de Félix
Salveterra, o lúgubre aspecto da
habitação abandonada, sob cuja
cumeeira um bando de urubus secava as
asas ao sol, chamou-me a atenção; uma
curiosidade doentia fez-me saltar em
terra e entrei na casa. Ainda estavam
bem recentes os vestígios da luta. A
tranqüila morada do bom português
tinha um ar sinistro. Aberta, despida de
todos os modestos trastes que a ornavam
outrora, denotava que fora vítima do
saque unido ao instinto selvagem da
destruição. Sobre o chão úmido da sala
principal, os restos de cinco ou seis
cadáveres, quase totalmente devorados
pelos urubus, enchiam a atmosfera de
emanações deletérias. Era medonho de
ver-se.
Só muito tempo depois conheci os
pormenores desta horrível tragédia, tão
comum, aliás, naqueles tempos da
desgraça.
A sora Maria dos Prazeres e a Anica
haviam sido levadas pelos bandidos,
depois do saque de sua casa. A Anica
tocara em partilha a Jacob Patacho, e
ainda o ano passado, a velha Ana,
lavadeira de Santarém, contava,
estremecendo de horror, os cruéis
tormentos que sofrera em sua atribulada
existência.
======================
Vocabulário
Sora – senhora
Alumiava – iluminava
Ciciar – sibilar, sussurrar
Pacoveira – bananeira
Cabanagem – violência, selvageria
Galeota – canoa provida de toldo onde se fazem
comércio itinerante
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Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Japá – esteira tecida de folhas de palmeira, que
serve como toldo em pequenas embarcações,
para cobrir barracas, alpendres etc. ou para
fechar portas e janelas
Herdades – fazendas; quintas
Azinhavrada – coberto de azinhavre, camada
esverdeada que se forma em objetos de cobre ou
latão devido à umidade.
Mucama – no Brasil e na África portuguesa,
escrava ou criada negra, ger. jovem, que vivia
mais próxima dos senhores, ajudava nos serviços
caseiros e acompanhava sua senhora em passeios;
ama de leite dos filhos dos seus senhores.
Aboletara – acomodara-se, instalara-se
Cumeeira – parte mais elevada de um telhado.
Deletéria – insalubre, nociva
Fonte:
SOUZA, Inglês de. Contos Amazônicos. São Paulo: Martin Claret,
2006.
Antônio Cândido da
Silva
Bar do Zizi
A última telha importada de Marselha
virou pó na dureza do cimento.
Resta somente o espaço, o pó e o tempo
levando tudo para o esquecimento.
E a tristeza nos arquivos da memória
guarda mais um registro de saudade
misturada com indignação e o
sentimento de impotência diante de que
tem nas mãos a força do poder.
Levanta do silêncio Guapindaia, Doutor
Tanajura, Mario Monteiro e Bohemundo
Álvares Afonso. Protesta Professor Carlos
Mendonça, Doutor Celso Pinheiro e Rui
Brasil Cantanhede que o prédio
finalmente concluiu.
Venham ver o que fizeram do mercado e
da luta de vocês que foi em vão.
Ninguém se levantou pra defender o
pedaço de nossa história que teimava
em não cair. Segismundo se calou, nem
Zé Catraka botou ―Lenha na Fogueira‖ e
se apagou. Zizi, nosso velho Zizi, tombou
cansado depois de tanto tempo resistir.
A última telha de Marselha virou pó.
Guarde a sua lembrança com carinho
pois o passado perdeu a realeza. Só nos
resta mandar nossa saudade convocar
Ernesto Melo pra cantar nossa tristeza.
Do livro inédito: ―Passarela de Emoções‖
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Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Antônio Cândido da Silva
(5 Novembro 1941)
Nasceu no dia 5 de novembro de 1941, na
cidade Amazonense de Humaitá. Filho
de Artur Elpídio da Silva e Raimunda
Cândida da Silva. Foi para Porto Velho
em 10 de maio de 1945.
Iniciou seus estudos no Colégio Dom
Bosco e passou pela Escola Normal
Carmela Dutra. Em 1980 concluiu o 2º
Grau no Colégio Dom Bosco.
Como o próprio autor auto-biografa-se,
alguém escreveu:
―Antônio Cândido nasceu num seringal
meio perdido lá para as bandas do
―Igarapé dos Botos‖ no Município de
Humaitá – AM, mudando-se para Porto
Velho ainda criança, onde fixou
residência e permanece até hoje.
Sua primeira experiência artística foi no
teatro, com apenas 10 anos de idade.
Logo em seguida mergulhou pela poesia
e dela nunca emergiu. Tornou-se a
própria.
Considerado o poeta de Porto Velho,
tanto nas suas colaborações literárias
publicadas no jornal Alto Madeira, como
no seu livro ―Marcas do Tempo‖, Antônio
Cândido canta Porto Velho com seus
bairros, ruas, travessas, vielas e outros
logradouros.
Antônio Cândido criou a bandeira e o
brasão do município de Porto Velho; a
bandeira e hino do município de Costa
Marques e os hinos dos municípios de
Jarú e Cerejeiras.
Recebeu homenagens da Câmara
Municipal com o Título – Amigo de Porto
Velho, e a comenda José do Patrocínio,
alusiva aos 100 anos da Abolição da
Escravatura.
Intelectual com rara capacidade de
percepção, bem antes de a Ecologia
―entrar na moda‖, o poeta, nas rodas de
amigos, já defendia o meio ambiente‖.
Sua grande paixão pela cidade de Porto
Velho é demonstrada no poema que tem
seu nome, além da história da
legendária Estrada de Ferro MadeiraMamoré, toda contada em poesia, no
livro ―Madeira-Mamoré – O Vagão dos
Esquecidos‖.
É membro efetivo da Academia de
Letras de Rondônia.
Além de inúmeros trabalhos publicados
nos jornais literários, escreveu os livros
―Marcas do Tempo‖ e ―Madeira-Mamoré
– O Vagão dos Esquecidos‖ (1ª Edição,
1998; 2ª Edição, 2000).
Fonte:
Academia de Letras de Rondônia
Samuel Castiel Jr.
Flor Tropical
Noturnas
FLOR TROPICAL
Flor tropical, soberba e encantadora
Como brisa que soprou todas as vidas
Que cresce e floresce em terrenos hostis
Nascestes bela, livre e agreste,
Como guardiã desafiadora
Repartindo-te em pétalas coloridas
Do belo nativo e essências sutis!…
Invejam-te o crisântemo e o cipreste…
Não queiras nunca te tornar rainha
67
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Pois sempre foste à preferida minha!
Fascinam-me teu porte, tua cor…
Como um livro escrito em verso e prosa
Como a mulher que me ensinou o amor!
Quero- te sempre assim bela e formosa
NOTURNAS
Altas horas, madrugada em curso! Noite nem vencidos nem vencedores. Para este
cálida de um verão tórrido e abrasador, mundo todos estaremos mortos!…
aqui, abaixo dos trópicos! Só, da sacada
de meu apartamento, espreito o silêncio No início da rua surge o vulto de um
desta madrugada, quebrado vez por homem, que vem a passos lentos, com se
outra pelo ronco e os faróis de um carro estivesse cansado. Aproxima-se cada vez
que passa….A brisa úmida que começa mais, então, pára e bate a porta do
soprar levanta folhas secas e papéis que Colégio Dom Bosco. São batidas
dormiam atirados ao solo. Um cachorro insistentes, fortes, quase incomodativas.
vem de longe, sem latir, sozinho, e Sob a luz do poste poderia ver o seu
desaparece no final da rua. A cidade rosto, não fosse o boné que usava. Sua
inteira parece adormecida! Milhares de roupa bastante amarrotada, como se
lâmpadas piscam em todas as direções. viesse de sua rotina de trabalho que
O céu estrelado completa essa harmonia terminara àquela hora. As batidas à
silente!
porta daquele estabelecimento não
São nessas horas mortas que a insônia tiveram nenhuma resposta, e seus ecos
me leva a refletir sobre a origem e ficaram reverberando nos meus ouvidos.
objetivos da vida, sobre o destino e a O homem então, solitário, parte
trajetória dos seres humanos. Nada mais desaparecendo no final da rua, na
patético! Logo mais, ao amanhecer, escuridão!
todos estarão em mais um dia de rotina,
fazendo sempre as mesmas coisas, Fico então a pensar que aquele homem
desafiando e sendo desafiados a novas sou eu, em busca de tantas respostas que
conquistas, numa competitividade cada jamais obterei. As portas não se abriram
vez mais acirrada, sem fim. Logo, alguns e mesmo que tivessem se aberto, não
vão morrer, vão se matar ou serem teria eu as respostas para meus enigmas
mortos, tendo conquistado ou não seus e fantasmas.
objetivos, acumulados de conquistas,
vitórias e derrotas. E daí surge mais uma Fecho então a minha sacada e volto
elocubração: e no pós-morte tudo se para tentar conciliar o sono perdido, com
acaba, vira pó, ou entramos em uma a mesma angústia que aflige todo ser
outra dimensão, outro mundo melhor humano que se debruça sobre a vida e a
(ou pior)?. Em outras palavras: vai dar morte! Apago a luz!
Allan Kardec ou Sir Charles Darwin!
Infelizmente esta questão não é tão
Samuel Castiel Jr.
simplória assim, não se pode ―pagar-pra- Médico Radiologista
ver‖ como no pôquer. Não podemos Membro das Academias de Letras e
blefar! Em nenhuma das teorias tanto no Medicina de Rondônia
espiritismo como na seleção natural,
jamais poderemos saber quem foi o Fonte:
vencedor. Até porque não vão restar Academia de Letras de Rondônia
68
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Cláudio Batista Feitosa
(12 Agosto 1933)
Cláudio Batista Feitosa é amazonense,
nascido na cidade de Porto Velho no dia
12 de agosto de 1933.
Ainda
muito
jovem,
participou
ativamente dos movimentos culturais
promovidos pelo Colégio Dom Bosco em
Porto Velho, onde fez o Primeiro Grau
em 1949, concluindo o Segundo Grau em
Fortaleza/CE onde residiu por alguns
anos, seguindo dali para São Paulo,
retornando em 1956 para Porto Velho à
partir de quando exerceu diversas
atividades nos setores público e privado,
tendo
participado
de
inúmeras
atividades comunitárias com destaque
para o Movimento Brasileiro de
Alfabetização
–
MOBRAL
como
presidente da Comissão Municipal de
Porto Velho, no período de agosto de
1971 até abril de 1976, época em que o
Movimento conseguiu alfabetizar de
mais dez mil pessoas.
É de sua autoria a Canção da Brigada
Príncipe da Beira (17ªBrigada de
Infantaria de Selva) com sede em Porto
Velho (1982), homologada pela Portaria
nº63 de 14/09/1982 da Chefia/E.M.E. ; o
Hino do Município de Porto Velho (1983),
homologado pela Câmara Municipal de
Porto Velho; as Canções da Base Aérea
de Porto Velho (1986) e da Polícia Militar
do Estado de Rondônia (1994), assim
como o Brasão do Grande Oriente
Estadual de Rondônia -GOER.
O dia 12 de agosto de 1994 marcou sua
participação definitiva no campo
literário (prosa) com a publicação de um
pequeno ensaio do que considerava
―anedotário‖ de Porto Velho sob o título
de ―O Bloco da Cobra‖ e o ―O Bote da
Boiuna, Primeiro e Último‖, incluídos na
Antologia Da Prosa E Do Verso
Rondoniense (pgs.19 a 30) lançada
naquela data pela FUNCER- Fundação
Cultural do Estado de Rondônia, após
compilar os melhores textos de um
Concurso Literário que promoveu em
1993.
Na Antologia Da Prosa E Do Verso
Rondoniense -Vol.II – FUNCER/Set-94,
Cláudio está também presente (pgs.13 a
24) com o conto intitulado ― O Enterro
do Balbino‖.
Registre-se também sua co-autoria do
livro Porto Velho Em Prosa E Verso
lançado pela Secretaria Municipal de
Cultura, Esporte e Turismo-SEMCE da
Prefeitura do Município de Porto Velho,
em 25/11/1998; co-autoria do livro Escritos
De Rondônia lançado pela Secretaria de
Estado de Esportes, Cultura e Lazer –
SECEL – Ano 2000 – (pg. 170);
co-autoria do livro Gente De RondôniaPersonagens Da Nossa História –
(coletânea) lançado pela SECEL e
Instituto Histórico e Geográfico de
Rondônia – Ano 2001 (pg. 88).
É de sua autoria o livro Gente Da Gente
lançado, no dia 7 de agosto de 2005.
Cláudio Batista Feitosa é Membro da
Academia Maçônica De Letras Do
Estado De Rondônia – AML, ocupando a
cadeira Nº 12 e também Membro da
Academia De Letras De Rondônia
(ACLER), tendo sido eleito para a
cadeira nº 26 em 14/10/2003 e
solenemente empossado no dia 01 de
dezembro de 2003.
Sua atividade principal, atualmente, é a
prestação de serviços como Leiloeiro
Público Oficial (Matrícula nº 002/92JUCER), com jurisdição no território do
Estado de Rondônia.
Cláudio Batista Feitosa é casado com a
guajaramirense Sílvia Carvajal Feitosa,
havendo nascido, do enlace, os seguintes
69
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
filhos: Ricardo (Eng.Eletricista), Sérgio
(Geólogo), Sílvio (Arquiteto) e Cláudia
(Médica). É, também, avô de Diego,
Daniel, Eduardo, Amanda, Julius, Hector
e Katharina.
O Acadêmico Cláudio Batista Feitosa foi
eleito, no dia 04 de janeiro de 2008,
compondo a nova Diretoria da
70
Academia -biênio 2008/2009 – para o
cargo de Diretor Financeiro.
É, portanto, o Acadêmico responsável
pelas finanças da Academia.
Fonte:
Academia de Letras de Rondônia
Otto Melander
A Mulher e o Cachorro
O alemão Melander (1571 – 1640) sabia
latim tão bem quanto seus colegas italianos
e franceses. Protestante, quando podia
alfinetava frades e freiras. Ele inclui-se no
grupo de humanistas do Renascença,
Escrevendo num gênero típico da época, que
constituía em coletâneas ao mesmo tempo
instrutivas
e
recreativas,
misturando
anedotas e fatos curiosos. O conto em
questão faz porte de Joco-Seria (Coisas
Jocosas e Sérias) e inclui-se dentro da
tradição boccaciana.
Costumava certo fidalgo da Vestefália
convidar para o almoço domingueiro o seu
presbítero, homem moço, conversador e
faceto, conduzido havia pouco ao leme da
Igreja.
Um dia teve de viajar para o estrangeiro.
Estando já a meia milha de seu castelo, disse
ao escudeiro, de repente:
- Lembro-me agora de uma coisa de que faço
muita questão que minha esposa seja
advertida; para ela também é muito
importante. Volta, pois, imediatamente, e
adverte-a em meu nome, de modo grave e
solene, que não dê ao presbítero, em minha
ausência, nem almoço nem jantar; não o deixe
entrar em casa durante todo o tempo em que
eu não estiver lá; e, principalmente, não ponha
os pés em casa dele, e se abstenha de qualquer
conversa com ele.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
O escudeiro prometeu a seu amo cumprir a
ordem, e regressou ao castelo. Mas, apenas se
afastara um pouco, pôs-se a meditar e a
resmungar: – ―Decerto o meu amo assustou-se
com a idéia de que esse nosso presbítero
novato, cheio de seiva como é natural em um
moço, rapaz forte, formoso e lúbrico, se pusesse
a assaltar o pudor da senhora.
Deve ser por isso que lhe proibiu toda espécie
de familiaridade com ele. Mas eu, por
Hércules, conheço os costumes dessas
mulherezinhas. Elas praticam de preferência
justamente as coisas de que têm ordem de se
abster. Portanto, para que em nossa ausência
ela não tenha ligações com o tal acólito, nada
lhe direi, absolutamente, sobre a ordem do
meu amo, mas inventarei algum outro recado
por ele dado a mim.‖
Mal entrara o escudeiro no castelo, já à
senhora acudia, e, com lágrimas nos olhos,
perguntou-lhe:
- Que significa a tua volta tão apressada? Será
que os negócios de meu marido não andam
bem?
- Andam, sim, muito bem – respondeu o
criado, – Meu senhor mandou-me voltar para,
em seu nome, advertir-vos de uma coisa. Quer
e manda o meu nobre senhor que em sua
ausência não vos ponhais a brincar com
aquele nosso grande molosso, acostumado a
rédeas, nem o monteis. Teme que aquele
cachorro irritável e sempre disposto a morder
venha a morder-vos, por acaso.
71
dize-lhe que fique tranqüilo, não se preocupe
comigo, pois farei todo o possível para lhe
provar, pelo meu procedimento, quanto lhe
estou submissa neste ponto, como em outro
qualquer.
Mal o escudeiro tinha virado as costas, eis que
a mulher começa a matutar: – ―Não posso
imaginar por que razão meu marido me
proíbe de acariciar o molosso ou montar nele.
Deve haver aí algum motivo oculto. Não me
lembro, por Castor, de o ter o feito ou mesmo
tentado. Bem, de qualquer maneira está certo:
morra eu se tocar o cão com um dedo sequer!‖
Depois de tais reflexões, vai buscar alguns
pedaços de pão e joga-os ao cachorro.
Verificando que este os devora avidamente e
vem lisonjeá-la depois, traz mais pão e repasta
o animal até saciá-lo. Acaba acariciando-o,
sem dúvida para experimentar se é tão
irritável como pretende o marido. Vendo que
o animal suporta bem o tratamento, exclama:
- Vejam só como é tratável o nosso molosso!
Nisto, senta-se no cão, apertando-lhe um
tanto as costas com as nádegas. O cachorro se
enfurece, arreganha os dentes e crava-os no
braço da mulher.
Ensangüentada, agoniada pela dor, ela vê-se
forçada a chamar um médico para tratar-lhe
da ferida.
Passam-se os dias. Retorna o fidalgo, e
encontra a esposa de cama, com ar abatido,
muito pálida.
- Não entendo muito bem esta proibição –
respondeu a mulher. – Por Hércules, nunca
tive a idéia de acariciar o molosso, ainda
menos de montá-lo. Digo mais: não há
ninguém no mundo que me haja visto brincar
com ele. Por tudo isso, esta recomendação era
inteiramente supérflua.
- Que desgraça te aconteceu, minha luz? –
pergunta-lhe, alarmado.
Mas o escudeiro, antes de se ir, insistiu:
O fidalgo, surpreendido, procura justificar-se
por todos os meios e jura por Júpiter não ter
mandado dizer pelo escudeiro nada de
semelhante; depois, chama-o:
- Compreendestes, então, minha senhora, o
recado de vosso marido? Ponde, pois, todo o
empenho em lhe obedecer.
- Volta a meu marido – respondeu a mulher -,
transmite-lhe os meus votos de felicidade, e
- Tudo isto é por tua causa – respondeu ela. –
Se não me houvesses recomendado, pelo
escudeiro, que não brincasse com o molosso,
nunca me haveria atrevido a tocá-lo.
- Então, patife, eu mandei dizer a minha
mulher que não acariciasse o molosso?
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
- Nada disso – responde o criado. –
Mandastes-me proibi-la de introduzir o
presbítero em vossa casa enquanto estivésseis
ausente. Eu, porém, inventei outro recado, por
saber do costume que têm as mulheres de
fazer precisamente o que se lhes proíbe. Se de
fato eu lhe tivesse vedado todo e qualquer
contato com o padrezinho, sem nenhuma
dúvida ela o haveria introduzido em casa, e
agora, em vez de terdes uma esposa honesta,
teríeis o vosso lar transformado em hediondo
prostíbulo. Foi isso que eu quis evitar,
convencido de que a mulher procura sempre o
que se lhe proíbe; e podeis ver a prova
72
manifesta disso no fato de ela ter acariciado o
cachorro e tê-lo montado, embora eu lho
houvesse vedado com a maior insistência.
O fidalgo não deixou de aprovar a atitude do
prudente criado, a quem daí em diante teve
em melhor conceito, e encerrou o incidente
com as palavras:
- Prefiro ver minha mulher mordida pelo
cachorro a sabê-la desonrada pelo acólito.
Fonte:
COSTA, Flávio Moreira da (organizador). Os 100 Melhores Contos de
Humor da Literatura Universal. 5.ed. RJ: Ediouro, 2001.
Mario Quintana
80 anos de poesia
A coletânea 80 anos de poesia, é uma
antologia publicada pela Editora Globo para
homenagear os 80 anos de vida de Mário
Quintana. Com organização de Tânia Franco
Carvalhal, a obra contém poemas que
mostram as várias facetas do poeta.
Apresentados em ordem cronológica, eles
atestam a procura de diferentes maneiras de
dizer e indicam como o poeta vai optando por
uma expressão próxima do coloquialismo,
vizinha da prosa. Isto permite ao leitor uma
visão geral do percurso poético de Quintana,
mestre em estabelecer uma comunicação
imediata e efetiva com quem o lê: ao dizer o
humano em suas múltiplas facetas, ele fala a
todos nós.
São poesias pertencentes ao Segundo Tempo
Modernista (1930-1945), onde aparecem temas
constantes de suas obras como a infância (que
é tratada com certo lirismo), os meninos, as
ruas de Porto Alegre e a velhice.
Suas poesias, aparentemente simples, trazem a
complexidade de quem viveu intensamente o
sentimento de mundo. A vasta percepção
possibilita uma engenharia sólida no que toca
à compreensão da natureza humana.
Convicto com relação à sua capacidade
criadora, manteve-se distante dos modismos
literários, cultuando forte independência com
relação a qualquer tipo de classificação que
viesse a rotulá-lo, ou à sua obra. Esse
individualismo creditou-lhe um orgulho
persistente, haja visto a sua autenticidade,
instigando-lhe a dividir grandes lições de vida
com o leitor que vier a prestigiá-lo.
Fere de leve a frase… E esquece… Nada
Convém que se repita…
Só em linguagem amorosa agrada
A mesma coisa cem mil vezes dita.
O interessante com relação à obra de
Quintana é a sua natureza múltipla. Apesar
da postura crítica e da ironia refinada, há uma
ternura explícita coexistindo, assim como uma
envolvente honestidade conceitual.
Ainda que Mário Quintana inicie muitos de
seus versos com uma fina ironia, a densidade
de suas questões não permite ocultar que fazer
poesia é refugiar-se do incômodo existencial e
filosófico que sua extrema sensibilidade insiste
em sacudir.
Da primeira vez em que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha…
Depois, de cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha…
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
A postura encontrada diante da compreensão
da morte, da religião ou da existência divina
não deixa dúvidas quanto ao recurso da
poesia
como
uma
tentativa
de
apaziguamento com a ausência de respostas
de um ser humano intenso,comprometido e
intrigado com a grandeza da vida. Apesar
disso, ele luta bravamente para não se
considerar diminuído por ela.
73
Ao ar dos melhores ares,
Pois são simples, invulgares.
Quintana, os teus quintanares.
Por isso peço não pares,
Quintana, nos teus cantares…
Perdão! digo quintanares
(BANDEIRA, Manuel)
Quintanares
Das utopias
Meu Quintana, os teus cantares
Não são, Quintana, cantares:
São, Quintana, quintanares.
Se as coisas são inatingíveis… ora!
Não é motivo para não querê-las…
Que tristes os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas!
Quinta-essência de cantares…
Insólitos, singulares…
Cantares? Não! Quintanares!
Canção da janela aberta
Quer livres, quer regulares,
Abrem sempre os teus cantares
Como flor de quintanares.
Passa nuvem, passa estrela,
Passa a lua na janela…
Sem mais cuidados na terra,
Preguei meus olhos no Céu.
São cantigas sem esgares.
Onde as lágrimas são mares
De amor, os teus quintanares.
E o meu quarto, pela noite
Imensa e triste, navega…
São feitos esses cantares
De um tudo-nada: ao falares,
Luzem estrelas luares.
Deito-me ao fundo do barco,
Sob os silêncios do Céu.
São para dizer em bares
Como em mansões seculares
Quintana, os teus quintanares.
Sim, em bares, onde os pares
Se beijam sem que repares
Que são casais exemplares.
E quer no pudor dos lares.
Quer no horror dos lupanares.
Cheiram sempre os teus cantares
Adeus, Cidade Maldita,
Que lá se vai o teu Poeta.
Adeus para sempre, Amigos…
Vou sepultar-me no Céu!
—
Fonte:
Todas as poesias selecionadas de Mário Quintana e Manuel Bandeira
– In: Coletânea 80 anos de Poesia. Organizada por Tânia Carvalhal.
Editora Globo, 1986
Portal de Estudos Passeiweb
Coração que bate-bate...
Antes deixes de bater!
Só num relógio é que as horas
Vão passando sem sofrer.
Mário Quintana (RS)
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
74
Guimarães Rosa
7 Contos do Livro Primeiras
Histórias
Composto por 21 contos, analisaremos os 7 a
seguir:
SORÔCO, SUA MÃE, SUA FILHA
Conto narrado em terceira pessoa, mas com a
participação ambígua do narrador como
personagem. Isto se dá pelo fato do narrador
ser um observador dos fatos, mas também
fazer parte do povo: ―A gente se esfriou (…)‖
―A gente estava levando agora o Sorôco (…)‖
Ou seja, ―a gente ―, no conto, pode ser a gente,
o povo da estação, como também o marcador
oral ―a gente‖ enquanto nós.
O conto tem uma temática triste, trabalha
com o sentido circular de passar a angústia do
personagem Sorôco com sua solidão e
desespero ao ter que deixar ir para longe as
únicas pessoas que tem no mundo, ficando
mais solitário ainda. Tudo gira em torno da
separação, da perda, da ausência e da
distância.
A grande temática do conto é a solidariedade.
Há a compaixão do povo para com Sorôco e
sua dor. O povo se solidariza com Sorôco. A
irracionalidade entoada na cantiga da mãe e
da filha loucas realiza o elo de ligação entre as
dores de todos os homens. É uma cantiga
compreendida só por aqueles que possuem
sentimento, a razão de ser do humano. Esta
cantiga metaforiza a união entre os homens
por meio da solidariedade.
É possível imaginar o sofrimento de Soroco, o
vazio dolorido sentido e a profunda solidão na
alma. A solidão só não é absoluta, porque
existe a solidariedade do povo acalentando
seu coração.
Pode-se observar também as sugestões sonoras
oferecidas pelo nome do personagem: Sorôco –
só louco; Sorôco – socorro, como compreensão
do forte sentido do contexto do texto. Por
outro lado, é interessante perceber a gradação
do título, sugerindo a união da família como
vagões que se engatam no trem da existência
e se desengatam no destino. Cada vagão
carrega sua própria solidão e dor, mas forma o
trem da solidão e da dor coletivas, na
metáfora de uma cantiga.
Sorôco é comparado a Jó, personagem da
Bíblia, por causa de seu sofrimento. Passado e
futuro, ele, no meio. Ele, a terceira margem. A
eternidade. E as proporções gigantescas dele
lembram as personagens grotescas que são
castigadas, eliminadas em outros contos. O
padecimento a que foi submetido ao cuidar
das duas, no entanto, redimiu-o.
ENREDO
O conto inicia com a descrição de um vagão
diferente, gradeado, que seria levado pelo
―trem do sertão‖. A população sabia que ele
levaria ―duas mulheres, para longe, para
sempre‖: a mãe e a filha de Sorôco. ―A mãe de
Sorôco era de idade, com para mais de uns
setenta. A filha, ele só tinha aquela. Sorôco era
viúvo.‖ Homem simples e rude, vivia com sua
mãe e sua filha:
A mãe de Sorôco era de idade, com para mais
de uns setenta. A filha, ele só tinha aquela.
Sorôco era viúvo. Afora essas, não se conhecia
dele o parente nenhum.
Mãe e filha eram loucas. Sorôco tentou ficar
com as duas ao seu lado, mas não foi possível.
Tomou a decisão mais difícil de sua existência:
interná-las. O governo mandaria o trem para
levá-las para Barbacena, longe. ―Para o
pobre, os lugares são mais longe.‖ Sorôco
deveria encaminhá-las à estação, pois ―o trem
do sertão passava às 12h45m.‖
Sorôco seguiu para a estação acompanhando
as duas, uma de cada lado, ―parecia entrada
em igreja, num casório.‖ O povo esperava,
protegendo-se do sol. ―As pessoas não queriam
poder ficar se entristecendo, conversavam (…)
Sempre chegava mais povo – o movimento.‖
Alguém avisa que Sorôco aponta da Rua de
Baixo, onde mora. Ele vestia a sua melhor
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
roupa para a despedida, que a população
acompanhava com pesar – ―Todos diziam a
ele seus respeitos, de dó.‖ Diziam palavras que
tentavam consolá-lo e ele muito humilde
respondia: – ―Deus vos pague essa despesa...‖
Todos compreendiam a atitude de Sorôco, pois
não havia outro jeito.Porém todos pensavam
que a partida delas seria bom para ele, visto
não haver cura para a doença e também pelo
fato de elas terem piorado nos últimos 2 anos,
a ponto de Sorôco pedir ajuda médica para
elas.
Em frente ao trem, a filha de Sorôco começa a
cantar uma cantiga que ninguém entende. A
mãe de Sorôco começa a cantar também a
cantiga entoada pela moça, antes de serem
alojadas dentro do trem. Principia o
embarque das duas. E o canto ecoa longe.
Sorôco não espera o trem desaparecer de vez,
nem olha, fica de chapéu na mão calado. ―De
repente, todos gostavam demais de Sorôco.‖
O trem partiu e ―Sorôco não esperou tudo se
sumir. Nem olhou. Só ficou de chapéu na mão,
mais de barba quadrada, surdo – o que nele
mais espantava.‖ Todos os presentes ficaram
condoídos com o sofrimento do homem.
Entretanto, Sorôco pára e ―num rompido – ele
começou a cantar. Alteado, forte, mas sozinho
para si – e era a cantiga, mesma, de desatino,
que as duas tanto tinham cantado. Cantava
continuando.‖ E eis que ―todos, de uma vez, de
dó de Sorôco, principiaram também a
acompanhar aquele canto sem razão. E com
vozes tão altas! (…) A gente estava levando
agora o Sorôco para a casa dele, de verdade.
A gente, com ele, ia até aonde que ia aquela
cantiga.‖
A MENINA DE LÁ
A menina de lá , conto de Guimarães Rosa, da
obra Primeiras estórias, é narrado em terceira
pessoa.
Em um momento do texto, o narrador
também
passa
a
ser
personagem
(―Conversávamos,
agora‖),
em outros,
funciona como um narrador testemunha dos
fatos, ora mais próximo, ora distanciado. Sabe
de todos os acontecimentos por presenciá-los e
por ouvir falar deles, porém, não diz a
revelação que Nininha fez para Tiantônia,
75
quando apareceu o arco-íris. Isso só acontecerá
depois da morte da menina.
Semanticamente é possível perceber que a
menina não pertence ao cá (terra), mas sim ao
lá (céu), pela presença de palavras ligadas ao
universo do mundo do lá: lua, estrelinhas, céu,
alturas, aves, mortos, saudade, milagre, a mãe
não tirava o terço da mão, e a menina mora
no ―Temor-de-Deus‖ e principalmente a
palavra arco-íris, dentre outras. Arco-íris é a
palavra-chave, pois remete ao imaginário
coletivo de fazer um pedido ao arco-íris
quando este aparece no céu. Pela metonímia
―caixão colorido‖, Nininha pede a morte e
metaforicamente, o que ela deseja, acontece.
Há, nesse momento, o clímax do conto, pois é o
confronto entre os dois mundos: o cá (mundo
terreno), de Tiantônia, em que a morte é vista
como ruim, repreendendo a menina versus o
lá, que para Ninhinha é a alegria , a
libertação de um mundo que não é o seu,
esperando cumprir o seu destino e realizar o
seu desejo de ser ―a menina de lá‖. Desta
forma, fecha-se o círculo do universo
premonitório traçado pelo conto, calcado no
destino fatídico de uma menina que não
pertence ao mundo de cá, entretanto possui a
magia de um outro mundo encantado: o
mundo da criação artística.
É uma menina ―com seus nem quatro anos‖,
franzina, filha de um pai sitiante e de uma
mulher que não tirava o terço das mãos para
nada, mesmo quando dava bronca nos
empregados.. Vivia em Temor-de-Deus, por
trás da Serra do Mim. Seu nome era Maria, ou
apenas Nininha.
Era muito quieta, ficava sempre sentada em
um canto (e ninguém entendia muito bem o
que ela dizia).
Nininha (seu nome, o sufixo diminutivo
triplicado, reforça sua fragilidade), louca
(provavelmente tem hidrocefalia), é sensitiva,
dotada de contatos místicos, poderes
paranormais: seus desejos, por mais estranhos
que fossem sempre se realizavam.
A menina começa a falar mais, e coisas
estranhas começam a acontecer. Um dia, em
meio à seca, ela diz que gostaria de ver um
sapo em sua casa – momentos depois um sapo
entra pulando pela porta; outro dia ela
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
comenta que gostaria de comer ―pamonhinha
de goiaba‖ – nem meia hora depois chega
uma senhora trazendo o doce. Quando sua
mãe fica doente, pedem que a faça melhorar,
mas a menina simplesmente diz que não pode.
No entanto, abraça-a e, coincidência ou não,
a cura chega.―O que ela queria, que falava,
súbito acontecia.‖
A menina era marcada por inventar histórias
absurdas e por se calar subitamente em
diversos momentos: ―Não se importava com os
acontecimentos. Tranqüila, mas viçosa em
saúde. Ninguém tinha real poder sobre ela,
não se sabiam suas preferências. Como punila? E, bater-lhe, não ousassem; nem havia
motivo. (…) E Nininha gostava de mim.‖
Seus poderes começam a dar uma mostra de
maior intensidade quando a menina cura a
doença de sua mãe e também quando ela
atende o pedido de seu pai e faz chover. ―Pai
e Mãe cochichavam, contentes: que, quando
ela crescesse e tomasse juízo, ia poder ajudar
muito a eles, conforme à Providência decerto
prazia que fosse.‖
Pouco tempo depois deseja ver o arco-íris. A
chuva chega e, junto, o arco. A visão dele no
céu proporciona uma alegria que ela nunca
tinha expressado em sua vida. Mas, fica quieta
quando recebe uma bronca de Tiantônia, que
xinga e repreende a menina, que, a partir daí,
volta a ficar quieta. Nininha adoece e morre
pouco tempo depois. Tiântonia explica, então,
a razão para ter xingado a menina naquele
dia em que ela fizera chover: ―Nininha tinha
falado despropositado desatino, por isso ela
ralhara. O que fora: que queria um
caixãozinho cor-de-rosa, com enfeites verdes
brilhantes.‖ Os pais discutem se deveriam ou
não encomendar o caixão como a filha havia
solicitado.
Como explicar para o pessoal do arraial que
quem tinha pedido o caixão assim tinha sido
Nininha? No meio de uma discussão sobre isso,
seus pais percebem que não seria preciso
explicar nada para ninguém, pois Nininha
queria daquele jeito (e daquele jeito seria).
Mas a mãe percebe que ―não era preciso
encomendar, nem explicar, pois havia de sair
bem assim, do jeito, cor-de-rosa com verdes
funebrilhos, porque era, tinha de ser! – pelo
76
milagre, o de sua filhinha em glória, Santa
Nininha.‖
Nota: O que de fato aconteceu: o arco-íris era
o aviso de Deus de que Nininha voltaria ao
seio d‘Ele. E isso já vinha sendo anunciado nas
entrelinhas desde o início do conto: o dedinho
dela quase alcançava o céu, quando se falava
de parentes mortos, ela dizia que ia visitá-los,
sem mencionar o próprio título do texto, entre
outros elementos. Esses aspectos místicos
acabam transforma-a em mais uma
milagreira, como tantas crianças que povoam
o imaginário popular.
OS IRMÃOS DAGOBÉ
Análise da obra
Os irmãos Dagobé, conto de Primeiras estórias,
obra de Guimarães Rosa, tem narração em
primeira pessoa (alguém do arraial, presente
no velório e no enterro, que registra suas
impressões sobre os irmãos Dagobé e possíveis
acontecimentos futuros).
Não há marcação de tempo e espaço (velório
e o enterro) e traz a violência como tema.
Seus personagens são: Damastor (morto),
Derval (caçula), Dismundo, Doricão e Liojorge.
Em sua linguagem o autor usa aliterações
(repetição da letra D nos nomes dos irmãos
Dagobé); frases incompletas: ―Aquilo era
quando as onças.‖ e aglutinação de palavras:
―perguntidade‖.
Este conto confirma a idéia popular de que
Deus escreve certo por linhas tortas. Damastor
Dagobé, bandido extremamente feroz, foi
surpreendentemente assassinado por um
sujeito
aparentemente
fraco,
Liojorge,
pressionado por legítima defesa. É em meio ao
velório que o narrador se coloca, para captar
mais vivamente a reação das pessoas
presentes, todos com inúmeras conjecturas
sobre como será a vingança dos irmãos
Dagobé.
O mais surpreendente é que chega o recado
de Liojorge, querendo deixar claro que havia
matado com respeito e que queria estar na
presença dos irmãos, para mostrar sua boa
vontade. Se isso já deixou todos sobressaltados,
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
muito mais quando se fica sabendo que o bom
moço queria ajudar a carregar o caixão de
Damastor. Parecia que o medo havia feito do
rapaz um maluco.
Surpreendentemente os irmãos Dagobé
concordam, mas impõem uma condição: só
depois do caixão ser fechado. Os presentes
imaginam algum plano malévolo e traiçoeiro
dos bandidos. No entanto, a narrativa
apresenta frustração após frustração. Liojorge
chega e não é assassinado. Conduz o caixão.
No caminho, tropeça e quase derruba o
féretro. Para os espectadores é um prenúncio
de desgraça. E comentam que os irmãos
Dagobé estão na realidade realizando o pior
dos planos: usar o homem como carregador e
no cemitério dar cabo dele.
No entanto, este é outro conto a lidar com
anticlímax. Enterrado Damastor, seus irmãos
agradecem a atenção dos acompanhantes,
mostram compreensão em relação a Liojorge e
reconhecem que o falecido, em vida, era
mesmo muito ruim. Comunicam que estão de
mudança para a cidade, o que indica
evolução.
O conto é uma alusão irônica: ―Viviam em
estreita desunião…‖ É a imaginação popular
versus o real: Liojorge vai sofrer a vingança dos
três irmãos mais novos. Todos acreditam nisso.
Vitória da justiça: matara em legítima defesa.
Damastor que era mau e perverso. Merecia
morrer. ―Damastor, o grande pior.‖ Alegria dos
três irmãos remanescentes, einfim livres do
grande pior.
Enredo
O conto inicia com durante o velório de
―Damastor Dagobé, o mais velho dos quatro
irmãos, absolutamente facínoras. (…) Todos
preferiam ficar perto do defunto, todos
temiam mais ou menos os três vivos. Demos, os
Dagobés, gente que não prestava.‖ Damastor
era tido como o ―grande pior, o cabeça,
ferrabrás e mestre, que botara na obrigação
da ruim fama os mais moços – ‗os meninos‘,
segundo seu rude dizer.‖ Os outros irmãos
eram Derval, Doricão e Dismundo.
Damastor fora morto em legítima defesa por
Liojorge, homem pacato e honesto, que fora
ameaçado pelo Dagobé. Após o fato, tudo
77
indicava, e todos acreditavam, que os irmãos
vivos buscariam imediatamente a vingança.
Entretanto, eles iniciam os preparativos para o
enterro do irmão. O narrador acentua este
sentimento: ―Sangue por sangue; mas, por
uma noite, umas horas, enquanto honravam o
falecido, podiam suspender as armas, no falso
fiar. Depois do cemitério, sim, pegavam o
Liojorge, com ele terminavam.‖
Durante o velório, os irmãos confabulavam em
voz baixa. Neste momento chega a
informação de que Liojorge gostaria de ir até
o velório para provar que seu ato não fora
desleal. O narrador expõe a surpresa da
notícia: ―Viesse: pular da frigideira para as
brasas. E em fato até de arrepios – o quanto se
sabia – que, presente o matador, torna a
botar sangue o matado.‖ Os irmãos não se
opõem a esta idéia.
Após o velório, Liojorge chega e se propõe a
carregar o caixão. O narrador nos estimula a
idéia de que os irmãos acabariam por se
vingar: ―E, agora, já se sabia: baixado o caixão
na cova, à queima-bucha o matavam.‖
Damastor é enterrado. Entretanto, Doricão
fala a Liojorge: ―Moço, o senhor vá, se recolha.
Sucede que o meu saudoso irmão é que era
um diabo de danado...‖ Ele ainda agradece a
presença de todos antes de dizer o que a
família faria: ―A gente, vamos‘embora, morar
em cidade grande...‖
PIRLIMPSIQUICE
Conto narrado em primeira pessoa,
apresentando um narrador protagonista.
O período a que o autor nos remete é o tempo
prazeroso da infância, repleto de aventuras e
de experiências inéditas, como a da arte de
representar.
O nome desse conto parece uma união de
duas idéias, Pirlimpimpim, o pó de faz de
conta do Sítio do Picapau Amarelo e psique,
que tanto pode significar ―alma‖, ―espírito‖,
―mente‖. É a história de onze ou doze crianças
que estão ensaiando uma peça, Os Filhos do
Dr. Famoso, para ser encenada diante da
escola. É notável como crianças, símbolo da
liberdade, agem no rigor dos ensaios
constantes. Chama a atenção também como
os adultos têm uma linguagem tão empolada,
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
próxima do vazio. O pior é que um grupo de
crianças, liderado pelo Gamboa, ficou de fora
de todo esse processo e começa a espalhar que
tem conhecimento da obra que os meninos
ensaiam tão em segredo. Então, como disfarce,
os atores criam uma terceira história.
Tudo perfeitamente programado, mas em
cima da hora o Ataualpa, quem iria abrir a
peça, tem um parente que está para morrer e,
por isso, precisa ir embora. Quem assume o seu
lugar é o narrador, que sabia todas as falas de
cor, pois era o ponto. No entanto, na estréia é
que perceberam que a peça devia ser aberta
por um poema conhecido só pelo Ataualpa. O
narrador fica parado, sem saber o que fazer. A
gafe é paga com vaias monstruosas.
A situação é salva por Zé Boné, garoto
limítrofe que teve sua participação limitada a
um papel sem fala. Inesperadamente começa
a encenar a própria peça do Gamboa, no que
é seguido pelos demais garotos, como se
estivessem num transe, que se transfere para a
platéia, paralisando-a. Esse transe coletivo
pode ser entendido como o poder da Arte.
Em Pirlimpsiquice, a invencionice infantil é
lembrada com saudades pelo narrador
levantando um tênue limite entre o real e a
imaginação.
No conto, o narrador-personagem, já adulto,
narra um episódio transcorrido em sua
infância, quando estudava interno em um
colégio:
Um grupo de alunos é convocado para
encenar uma peça teatral [Os filhos do doutor
Famoso]. Entusiasmados, os meninos ouvem o
resumo do drama, lido pelo Dr. Perdigão
―lente de corografia e história-pátria‖. O
narrador é escalado para ser apenas o ponto.
Passam a ensaiar todo o final de tarde, depois
do jantar, enquanto os outros cumprem horas
obrigatórias de estudo e prometem badernas e
vaias durante a apresentação e sovas depois.
No dia da apresentação, Ataualpa, o menino
que representaria o papel mais importante – o
Dr. Famoso – tem de viajar às pressas, pois seu
pai está à morte. O ponto, por conhecer todas
as falas das personagens, é escalado para
substituí-lo.
78
Quando já está frente ao público, o menino se
dá conta de que deveria iniciar com a
declamação de um poema que falava na
―Virgem Padroeira e na Pátria!‖, mas este era
conhecido somente por Ataualpa. Diante da
hesitação e do silêncio do menino em cena, o
público ri.
Este, por fim, diz trêmulo: ―-Viva a Virgem e
viva a Pátria‖. Porém a confusão não para aí.
Mandam abaixar as cortinas do palco, mas
elas não descem. Entram as crianças para a
próxima cena, mas ―apalermados‖ não
proferem palavra. Como conseqüência: ―- A
vaia, que ninguém imaginava. O que era um
mar – patuléia, todos em mios, zurros, urros,
assobios: pateada. A gente, nada‖.
No meio da confusão, Zé Boné, um que
―regulava de papalvo [indivíduo simplório,
pateta] começa a representar; só que não a
história prevista, mas uma outra, inventada
por um colega – Gamboa – com quem os
atores tinham rixas. A partir daí, os meninos
passam a improvisar e conquistam o respeito
da platéia que os aplaude.
A história vai se tornando tão envolvente que
eles não percebem que têm de concluí-la:
―Entendi. Cada um de nós se esquecera de seu
mesmo,
e
estávamos
transvivendo,
sobrecrentes disto: que era o verdadeiro viver?
E era bom demais, bonito – milmaravilhoso –
a gente voava, num amor, nas palavras: no
que se ouvia dos outros e no nosso próprio
falar. E como terminar?‖
O narrador é o único a perceber que a ilusão
havia tomado o lugar da realidade e que isso
teria de ter um fim. Então resolve dar uma
cambalhota, para cair, de propósito. Perde os
sentido e a peça é interrompida.
FATALIDADE
Conto
narrado
em
primeira
pessoa
(testemunha), cujos personagens são: Meu
Amigo, delegado filósofo, que já foi de tudo na
vida, e Zé Centeralfe, caboclo perseguido por
um valentão que lhe quer roubar a esposa.
Os recursos de linguagem utilizados são
barbarismos e elipses (―adonde‖ barbarismo
popular).
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
O conto contrapõe o poder da autoridade ao
poder do homem comum, submetido às leis e
tematiza, em última instância, a violência
arbitrária existente no sertão. Esta, por sua
vez, justifica o título, pois assume um caráter
de fatalidade. Portanto, a fatalidade (a
morte) é o tema do conto, sem associação com
o cômico, mas com o místico.
Trata-se da história de Zé Centeralfe, que vive
acochado, pois sua esposa desonrosamente
está sendo cortejada por um facínora,
Herculinão. O casal, para evitar problemas,
mudou-se do Pai-do-Padre para Amparo.
Mas o bandido segue-os. Mudam-se então
para a cidade, onde deveria haver lei, ordem,
segurança, mas continuam sendo seguidos. É
por isso que o pobre homem vai pedir ajuda
ao delegado, chamado pelo narrador de Meu
Amigo, figura que cita intensamente os
filósofos gregos. A intenção é obter o apoio da
justiça dos homens. No entanto, Zé Centeralfe
é induzido a outro tipo de moral.
Aparentemente, é a justiça pelas próprias
mãos, pois o delegado convence Centeralfe,
apenas com o olhar, a pegar as armas. Assim
que saem, encontram Herculinão, que é
assassinado com um tiro no peito (coração) e
outro na cabeça (mente).
Em Fatalidade, aprende-se a viver, não
debaixo da lei do determinismo de um destino
alheio e estranho aos reclamos do coração,
mas sob a graça da liberdade de transformar
a inexorabilidade de uma sentença fatal na
maleabilidade de uma disposição vital capaz
de não desperdiçar a ocasião oportuna de
reespiritar-se.
79
Sionésio. A palavra pode também estar ligada
à idéia de alguns textos místicos medievais,
que diziam que os anjos eram todos iguais –
assim como o moço muito branco, de Um
Moço Muito Branco, que é indefinido por ser
feito de uma substância divina. Pode ainda
estar
ligada
ao
polvilho,
material
extremamente branco que Maria Exita,
empregada de Sionésio, manipula.
Este conto apresenta uma bela metáfora sobre
a pureza de sentimento decorrente da retidão
e do sofrimento. Há trabalho incessante, e o
cotidiano de uma menina dedicada a bater o
polvilho, num movimento incansável, é
descrito nos planos objetivo e subjetivo. No
enredo, vemos a descrição do trabalho, da lida
e da luta pela sobrevivência, e temos um
valioso retrato dos costumes de uma
comunidade que tem como uma das formas
de subsistência o fabrico e o depuramento do
polvilho, bem como as condições precárias e
primitivas em que este trabalho é realizado.
Em Substância os contrários aparecem
harmonizados ao final do conto. Os
personagens transcenderam assim o nível
imediato de uma realidade, superando a cisão
dos opostos. Para falar deste outro estágio em
que eles se encontram Guimarães Rosa lança
mão de estruturas lingüísticas carregadas de
paradoxos: ―acontecia o não-fato‖, ―em-sijuntos‖, ―avançavam, parados‖.
Deve-se também observar no conto a notação
fonética dos nomes: Maria Exita (Mariasita),
Sionésio (senhor Onésio) e Nhatiaga (senhora
Tiaga). Essa é uma das marcas de Guimarães
Rosa.
SUBSTÂNCIA
Enredo
Este conto, Substância, tem como personagem
principal Sionésio, homem simples, trabalhador
e calado. O vocabulário reduzido limita-lhe a
expressão, não a sensibilidade. O narrador, em
terceira pessoa, onisciente, fala por ele,
transformando
seus
sentimentos
em
linguagem.
É a história de amor entre Maria Exita e
Sionésio. Maria Exita havia chegado à fazenda
de Sionésio, trazida por ele por pena: a mãe
havia abandonado a casa, seus dois irmãos
eram criminosos e seu pai, leproso, também
havia partido. Ela era ainda menina, feia e
desengonçada.
O título desse texto, um verdadeiro conto de
fadas, estaria relacionado a três fatos.
Substância pode significar ―o essencial‖. Seria
um conselho para que nos atenhamos apenas
ao que é importante. É a lição aprendida por
Na fazenda, aceitaram-na porque a velha
Nhatiaga,
peneirinha
de
polvilho,
compadecera-se dela. À Maria Exita deram
porém ingrato serviço, de todos o pior: o de
quebrar, à mão, o polvilho, nas lajes.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
A fazenda mantinha-se do plantio da
mandioca e da produção de farinha e
polvilho. Sionésio herdou-a. Prazer era ver,
aberto, sob o fim do sol, o mandiocal de verdes
mãos. Amava o que era seu – o que seus fortes
olhos aprisionavam.
Não havia reparado nela enquanto, quieta e
imperturbável,
crescia,
transformando-se
numa linda moça – ela, flor.
Sionésio vai-se apaixonando por Maria Exita.
Todo esse tempo. Sua beleza, donde vinha?
Sua própria, tão firme pessoa? A imensidão do
olhar – doçuras. Se um sorriso, artes como de
um descer de anjos. Sionésio nem entendia.
Somente era bom, a saber feliz, apesar dos
ásperos.
Surpreendentemente, tornara-se aos seus
olhos, deslumbrante, dona de uma beleza
radiante digna das musas de Petrarca e
Camões. Essa luminosidade é reforçada pela
matéria com a qual lida, o polvilho, e para a
qual é a única que está acostumada, mesmo
sob o forte sol do sertão, que torna essa
substância dotada de um brilho cegante. Essa
familiaridade a torna divina.
No entanto, Sionésio tem medo. Ele preocupase com o fato de que alguém pudesse afastar
sua quente presença para longe dele. A mãe
de Maria Exita era leviana, tendo
abandonado o lar. O pai estava num lazareto
(lugar para leprosos). Seus irmãos eram
bandidos, um preso e outro foragido. O
fazendeiro tem, portanto, teme que em sua
amada exista a marca de algumas dessas
malignidades.
Sionésio sente que a paixão é maior que o
preconceito, vence todos esses receios e pede-a
em casamento. Atingir a realização, a
felicidade plena exige a coragem de suplantar
obstáculos. Caminha para a eternidade, para
a luz, para o ―não tempo‖ e o ―não fato‖.
A PARTIDA DO AUDAZ NAVEGANTE
Conto narrado em terceira pessoa, onde há
duas histórias justapostas: a que nos conta o
narrador, envolvendo as crianças; e a que
Brejeirinha
inventa
sobre
o
―Audaz
Navegante‖. O conto desenvolve, portanto,
80
duas narrativas absolutamente simétricas e
correspondentes, a do narrador onisciente e a
de Brejeirinha sobre as mesmas personagens e
ações, Zito, a namorada, a separação e o
reencontro. A intenção é privilegiar a
linguagem e o universo infantil, seus jogos e
brincadeiras.
Guimarães Rosa olha o mundo neste conto
através de Brejeirinha, personagem central.
Neste conto os barbarismos são explorados
poeticamente.
Logo no início do conto, quando o narrador
procura situar o leitor dentro do ―espaço‖, é
apresentada a personagem ―Mamãe‖. Pelo
tratamento, pode-se compreender que o
narrador se inclui como personagem da cena,
sem manter um distanciamento de quem
narra fatos experimentados por outros.
Zito é o elemento ―de fora‖; portanto aquele
que rompe a harmonia. Metáfora do desejo,
Zito é símbolo do pai ausente e desdobra-se na
figura do ―audaz navegante‖. Pode-se, então,
compreender que a narrativa de Brejeirinha
como uma construção que, a um só tempo,
denuncia a falta (do pai) e tenta, pela
linguagem, pela fantasia, reverter a perda em
conquista, uma situação na qual a passividade
(sofrer a perda) transforma-se em poder:
impor a saída (do navegante).
Enredo
Os acontecimentos giram em torno de quatro
crianças: três meninas – Pele, Ciganinha e
Brejeirinha, irmãs – e um menino – Zito.
É de manhã e a mãe das meninas está às
voltas com as lides da casa. Nurka, a
cachorrinha, dorme. As crianças ainda estão
em casa, porque, lá fora, chove.
O narrador nos informa a respeito das crianças:
Pele, meiga e prestativa; Ciganinha, linda, o
retrato da mãe; Zito, imaginativo, ―sonhava irse embora, teatral‖; Brejeirinha, a menor e
mais arteira.
Brejeirinha, como se pressentisse os sonhos de
Zito, diz -Zito, você podia ser o pirata, inglório
marujo, num navio intacto, para longe, longe
no mar, navegante que o nunca-mais, de
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
todos? Empolgada, a menina começa a contar
sua história: narra a partida de um ―Audaz
Navegante‖ que deixa a todos que ama para
descobrir os lugares, que nós não vamos nunca
descobrir. A história termina com todos
chorando por causa da partida do ―Aldaz‖.
A história é interrompida por Pele: -Você é
uma analfabetinha ―aldaz‖, referindo a
pronúncia inadequada da menina. Ciganinha
não gostou da história: Por que você inventou
essa história de tolice, boba, boba?
Brejeirinha responde: – Porque depois pode
ficar bonito, ué!
Mas o tempo melhorou, a mãe ia visitar uma
doente e as crianças pediram para ir riacho.
Mamãe deixava, elas não eram mais meninas
de agarra-a-saia. Zito devia acompanhá-las,
pois já era um ‗meiozinho‘ – homem, leal de
responsabilidades.
81
Mas a menina perde o fio da história, e Pele,
impaciente, aponta um estrume seco de vaca,
dizendo eha o seu aldaz navegante, ali. É
aquele…
Em cima do estrume ressequido – chamado
por Brejeirinha de ―bovino‖, crescera um
cogumelo.
A menina enfeita o ―bovino‖ com florezinhas.
Todos riem e batem palmas: -Pronto. É o
Aldaz Navegante…
Depois disso, Brejeirinha ainda continua a
história. Conta que o ―Aldaz‖ sozinho e
temeroso deu um pulo onipotente…Agarrou,
de longe a moça, em seus braços…Então,
pronto [...] Agora, acabou-se, mesmo: eu
escrevi – ―Fim‖.
As crianças dirigem-se alegres para o riacho:
Zito dando o braço a Ciganinha, por vezes,
muito, as mãos se encontravam. Pele se
crescia, elegante. E ágil ia Brejeirinha com seu
casaquinho coleóptero. Ela andava pés-paradentro, feito periquitinho, impávido.
A chuva recomeçava e cercava o ―bovino‖. O
―Aldaz‖ logo partiria, levado pelas águas. As
crianças decidem mandar recados por ele: Zito põe um moeda. Ciganinha, um grampo.
Pele, um chicle. Brejeirinha – um cuspinho, é o
seu estilo. E a estória? Haverá, ainda tempo
para recontar a verdadeira estória?
Brejeirinha ainda inventa outro final. Dessa
vez, o Aldaz e sua amada partem juntos,
desde o início.
Já no riacho e em meio a brincadeiras,
Brejeirinha pede a atenção de Zito e
Ciganinha. Queria continuar sua história. Dessa
vez, o ―Aldaz‖ é pego de surpresa pelo mar,
que leva seu navio.
A chuva aumentava e Brejeirinha, assustada,
tranqüiliza-se quando vê a mãe, ―fada,
inesperada, surgia, ali de contraflor‖. Juntos
observam a partida do ―bovino‖: Olha! Lá se
vai o ―Aldaz Navegante‖.
Fonte:
Portal de Estudos Passeiweb
Antonio Brás Constante
Uma Feira de Doces
para Alimentar o Pensamento
Todos os anos acontecem em diversas partes
do mundo as chamadas feiras do livro. Essas
feiras mais parecem feiras de quitutes de
vários sabores, que atendem a todos os gostos
dos leitores. São iguarias que alimentam o
espírito e a mente, sem engordar.
As obras podem ser devoradas a qualquer
momento e em qualquer lugar, em dias frios
ou noites quentes e vice-versa. Os livros já vêm
embalados em belas capas. Para consumi-los,
basta adquirir um exemplar e sair provando
seu recheio literário, sem se preocupar em sujar
os dedos. Suas deliciosas páginas podem passar
de mil folhas, fazendo alguns se perguntarem:
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
―será que dou conta de ler tudo isso?‖. São
dúvidas que desaparecem, quando a magia
da leitura acontece.
Cada livro é um doce diferente que guarda
um gostinho cheio de novidades a espera de
olhares ávidos pelos mistérios e encantos de
suas páginas. Podemos degustar sem pressa,
pois o livro não derrete, ao contrário, incendeia
nossa imaginação à medida que vamos
experimentando o sabor e o saber de suas
histórias. A leitura transpassa os nossos olhos,
invadindo nossas mentes e alterando nossas
percepções sobre o mundo e sobre nós mesmos.
Dispõe de características que lhe tornam um
tipo de alimento não perecível, desde que se
tomem alguns cuidados no seu manuseio e
guarda. Cada volume possui um tempero
diferente, proveniente de todos os recantos
deste gigantesco globo azul. O bom de um
livro é que um único exemplar pode saciar a
fome literária de várias pessoas, sendo uma
fonte de alimento praticamente inesgotável.
As feiras do livro conseguem demonstrar que
existem opções para a televisão e o
videogame, bastando para isso que as pessoas
tirem um pouquinho de seu tempo para sorver
o néctar extasiante da leitura, exercitando e
excitando suas mentes a cada parágrafo, pois
o livro é uma academia de bolso.
Tudo acontece na velocidade de um olhar. Ao
tocar em um volume com seus olhos, a pessoa
imediatamente deixa de estar onde estava,
passando a viver em outro mundo, em outra
dimensão, pois a feira do livro é um portal de
passagem para múltiplos universos. Lá você
alcança o livro e o livro alcança sua alma. Mas
do que um amigo imaginário trata-se de um
82
amigo que invade nosso imaginário, com
quem passamos a nos relacionar e conviver.
Por isso é importante que seja incutido desde
cedo nas crianças o gosto pela leitura, para
que depois elas não passem a encarar o livro
como quem encara um pedaço de brócolis ou
uma salada de beterraba e diga: ―eu não
gosto disso, eu não vou ler isso‖ (a propósito, eu
gosto de brócolis e adoro beterraba).
A feira do livro é um lugar onde muitas vezes
autores e leitores se encontram, ligados por um
mesmo elo que é a obra literária ali exposta,
fazendo com que suas vidas passem a ficar
eternamente ligadas pelos livros que
compartilham. Estas feiras são ótimos lugares
para alguém se perder e ao mesmo tempo se
encontrar, se perdendo em mil histórias e se
encontrando no hábito saudável da leitura.
Espero que este texto tenha conseguido abrir
seu apetite literário, pois quero encerrar
deixando um convite para os leitores
prestigiarem as feiras que vão surgindo como
jardins floridos de livros pelas cidades e escolas,
entre elas a minha jovem e bela cidade de
Canoas no Rio Grande do Sul, que está
lançando sua 25º feira do livro de 20 de junho
a 04 de julho de 2009, a cidade também
comemora os 70 anos de sua história, com
inúmeras atrações que deixarão muitas
recordações. Mas as feiras não param por aí,
depois haverá eventos do livro em Porto
Alegre, Jaraguá do Sul (julho), em Arroio dos
Ratos (outubro) entre outras tantas cidades.
Participe de quantas feiras você puder, afinal
a sede de leitura não enfastia, e ainda é 100%
sadia.
Fonte:
Texto enviado pelo autor.
Lya Luft
Canção na plenitude
Não tenho mais os olhos de menina
nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos
bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com
rebeldia.)
O que te posso dar é mais que tudo
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais
paciência
e não menos ardor, a entender-te
83
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força — que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés — mesmo se fogem — retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.
Fonte:
LUFT, Lya. Secreta Mirada. SP: Editora Mandarim, 1997.
Lafcádio Hearn
A Promessa
Não temo a morte – disse a esposa
agonizante. – Só tenho uma preocupação
neste momento: Quisera saber quem ocupará
meu lugar nesta casa.
Minha querida – replicou o marido aflito –
ninguém ocupará jamais teu lugar na minha
casa. Nunca, nunca tornarei a casar-me.
assim o teu mal para que tenhamos perdido a
esperança.
- Eu a perdi; – replicou ela – morrerei
amanhã… Mas, enterrar-me-ás no jardim?
- Sim; – disse ele – à sombra das ameixeiras
que plantamos, e terás um belo sepulcro.
Ao dizer isto, dizia-o com o coração, porque
amava a mulher que estava a ponto de
perder.
- Dar-me-ás uma campainha?
- Jura pela fé do samurai? – perguntou ela,
com um sorriso apagado.
- Sim, quero que, no ataúde, ponhas uma
campainha, como essas que levam os
peregrinos budistas. Prometes?
- Pela fé do samurai – respondeu ele,
acariciando-lhe o rosto consumido e pálido.
- Então, amado meu, – continuou ela –
sepultar-me-ás perto daquelas ameixeiras que
plantamos a um canto do jardim. Havia muito
que queria pedir-te isso, mas pensei que, se
voltasses a casar-te, não gostarias de ter meu
sepulcro tão perto. Agora que prometeste que
nenhuma mulher ocupará o meu lugar, não é
mais necessário que eu titubeie em formular
meu desejo… tenho tanta vontade de ser
sepultada no meu jardim! Imagino que ali
ainda ouvirei, às vezes, tua voz e que verei as
flores na primavera.
- Far-se-á como desejas, – respondeu o marido
– mas não fales agora disso; não é tão grave
- Uma campainha?
- Terás a campainha… e tudo quanto mais
desejares.
- Nada mais desejo… amado meu, sempre
foste muito bom para mim. Agora posso
morrer feliz.
Fechou os olhos e expirou com a mesma
facilidade com que as crianças cansadas
adormecem. Mesmo morta, continuava bela, e
havia um sorriso em seu rosto.
Enterraram-na no jardim, à sombra das
árvores que amara, e colocaram uma
campainha dentro do seu esquife. Sobre a
sepultura erigiu-se um formoso monumento,
ornado com o escudo da família e ostentando
o seguinte Kaymio: Grande Irmã Maior,
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Sombra Luminosa da Câmara da Flor de
Ameixeira, moras na Casa do Grande Mar da
Compaixão.
Todavia antes que transcorresse um ano da
morte de sua esposa, os parentes e amigos do
samurai começaram a instá-lo que contraísse
novo matrimônio.
- Ainda és jovem, – diziam-lhe – és filho único
e não tens descendentes. Um samurai tem o
dever de tomar esposa. Se morres sem filhos,
quem fará as oferendas? Quem recordará os
antepassados?
Com muitos argumentos dessa índole,
persuadiram-no, por fim, a casar-se
novamente. A nova esposa tinha apenas
dezessete anos; e o samurai a amou
ternamente, apesar do mudo protesto da
tumba no jardim.
II
Nos seis primeiros dias que se seguiram ao
casamento, nada turvou a felicidade da jovem
esposa. No sétimo, o samurai recebeu ordem
de cumprir certos deveres, que requeriam sua
presença, à noite, no castelo. Na primeira noite
em que se viu obrigado a deixar só a esposa,
ela sentiu-se amedrontada, sem poder explicar
por quê. Deitou-se, mas não pôde dormir.
Havia uma estranha opressão no ambiente,
um peso indefinível na atmosfera, como o que
precede uma tormenta.
À hora do Boi, ouviu ela, no silêncio noturno,
uma campainha… uma campainha de
peregrino budista, e perguntou quem seria o
peregrino que atravessava as possessões do
samurai a tal hora. Depois de uma pausa, a
campainha soou de novo, mas muito mais
próxima; mas por que se aproximava pelo
fundo, onde não havia caminho algum?… De
repente os cachorros começaram a gemer e a
latir e modo estranho e horrível e um temor,
como o que se experimenta em certos
pesadelos, apossou-se da jovem… Era
indubitável que a campainha soava no
jardim… Tratou de levantar-se para chamar
um criado, mas compreendeu que não podia
mover-se nem falar… E o som da campainha
se ouvia cada vez mais próximo, mais
próximo… E como ladravam os cachorros!… De
repente, com a ligeireza com que desliza uma
84
sombra, entrou no aposento uma mulher –
ainda que todas as portas estivessem fechadas
e todas as cortinas descidas – uma mulher
envolta em um sudário, trazendo uma
campainha de peregrino. Não tinha olhos…
porque, desde havia muito, estava morta; seus
cabelos soltos caíam-lhe em cascata sobre o
rosto e ela olhava sem olhos através do
emaranhado dos cabelos e falava sem língua:
- Nesta casa, não; nesta casa não ficarás! Aqui
ainda sou eu a dona. Vai-te! A ninguém dirás
o motivo de tua partida. Se o disseres a ele,
far-te-ei em pedaços.
Assim dizendo, o fantasma desapareceu. A
jovem esposa desmaiou de terror e, até ao
amanhecer, permaneceu inconsciente.
À alegre luz do dia, duvidou da realidade do
que havia visto e ouvido. Ainda que a
recordação da advertência pesasse tanto em
seu coração que não se atreveu a falar a seu
esposo, nem a pessoa alguma sobre a visão da
noite, esteve a ponto de convencer-se de que
havia sido vítima de um pesadelo que a fizera
doente.
Na noite seguinte, no entanto, suas dúvidas se
dissiparam. Uma vez mais, à Hora do Boi, os
cachorros começaram a uivar e gemer; uma
vez mais ouviu-se o som da campainha
aproximando-se lentamente pelo jardim; uma
vez mais, a jovem tentou, em vão, levantar-se
e chamar por socorro; uma vez mais a morta
entrou no aposento e disse, com voz sibilante:
- Vai-te. A ninguém dirás por que deves ir-te.
Sim, se o disseres a ele, mesmo que num
sussurro, far-te-ei em pedaços.
Desta vez a aparição aproximou-se do leito e
inclinou-se sobre a moça, resmungando e
fazendo caretas…
Na manhã seguinte, quando o samurai
regressou do castelo, sua jovem esposa se
prostrou diante dele, implorante:
- Suplico-te – disse – que perdoes minha
ingratidão e minha grande descortesia ao
falar-te deste modo, mas quero voltar para
casa; quero ir-me imediatamente.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
85
- Não és feliz aqui? – perguntou ele
sinceramente surpreso. – Alguém se atreveu a
ser pouco cortês contigo durante minha
ausência?
Mandarei dois de meus soldados montarem
guarda aos teus aposentos, assim poderás
dormir em paz. São bons homens, e saberão
cuidar de ti.
- Não se trata disso – respondeu ela,
soluçando. – Todos têm sido bons comigo… Mas
não posso continuar a ser tua esposa. Devo irme.
E falou-lhe com tanta segurança, com tanto
carinho, que ela quase sentiu vergonha de seus
temores e resolveu continuar na casa.
III
- Minha querida – exclamou ele – é
tremendamente
doloroso
saber
que
encontraste nesta casa motivo para ser infeliz.
Mas não posso sequer imaginar por que queres
ir-te… a menos que alguém tenha sido muito
descortês contigo… Naturalmente, não queres
dizer que desejas o divórcio?
Ela respondeu temerosa, chorando:
- Se não me concedes o divórcio, morrerei.
O samurai permaneceu um instante em
silêncio, tratando em vão de adivinhar o
motivo daquela assombrosa declaração. Por
fim, sem revelar qualquer emoção, respondeu:
- Devolver-te à tua casa, sem que hajas
cometido falta alguma, seria um ato
vergonhoso. Se me revelares o motivo do teu
desejo – qualquer motivo que me permita
explicar as coisas honradamente – dar-te-ei o
divórcio. Mas se não me ofereceres motivo, um
motivo razoável – não to darei, porque a
honra de nossa casa deve manter-se
invulnerável a qualquer censura.
Então, ela se sentiu obrigada a falar, e lhe
contou tudo, acrescentando no auge do terror:
- Agora que contei tudo, ela me matará! Me
matará!
Embora homem valente e pouco propenso a
acreditar em fantasmas, o samurai sentiu-se,
no primeiro instante, consideravelmente
alarmado. Porém, logo veio-lhe ao espírito
uma explicação fácil e natural para o caso.
- Minha querida – disse – estás muito nervosa
e temo que alguém tenha estado a contar-te
histórias tolas. Não posso conceder-te o
divórcio apenas porque tiveste um pesadelo.
Mas lamento muito que tenhas sofrido tanto
durante a minha ausência. Esta noite também
deverei ir ao castelo, mas não te deixarei só.
Os dois soldados encarregados eram homens
robustos, valentes e simples, experimentados
guardiães de mulheres e crianças. Contaram à
jovem histórias agradáveis para mantê-la
alegre. Ela conversou com eles durante muito
tempo, festejando-lhes as tiradas isentas de
malícia, e quase esqueceu seus temores.
Quando por fim se recolheu para dormir,
postaram-se eles a um canto do aposento,
atrás de um biombo, e começaram a jogar
uma partida de go(1), falando em voz baixa,
para não despertar a jovem, que dormia como
uma criança.
Porém, uma vez mais, à Hora do Boi,
despertou ela com um gemido de terror… A
campainha! Já estava próxima e se
aproximava cada vez mais. Ergueu-se; deu
um grito, mas no quarto não se ouvia nada…
só um silêncio de morte, um silêncio que
crescia, um silêncio que se avolumava. Correu
para os soldados; estavam sentados diante do
tabuleiro, imóveis, olhando-se com os olhos
fixos. Gritou-lhes, sacudiu-os: estavam como
que gelados…
Depois, contaram os guardas que haviam
ouvido a campainha e o grito da jovem, e que
havia mesmo sentido quando ela os sacudira
para despertá-los; todavia, não haviam
podido mover-se nem falar. A partir desse
momento, deixaram de ouvir e de ver: um
sono negro havia-se apoderado deles.
Ao amanhecer, quando na câmara nupcial, o
samurai viu, à difusa luz de uma candeia, o
cadáver decapitado de sua jovem esposa, que
jazia num charco de sangue. Os dois guerreiros
dormiam ainda, acocorados, diante da partida
inconclusa. Ao ouvirem o grito de seu amo,
acordaram num átimo e ficaram a olhar
estupidificados aqueles horror que jazia a seus
pés.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
A cabeça desaparecera e a espantosa ferida
mostrava que não havia sido cortada, e sim
arrancada. Um caminho de sangue ia desde a
câmara até um canto da galeria exterior,
onde as cortinas pareciam haver sido rasgadas.
Os três homens seguiram o rastro;
embrenharam-se pelo jardim, atravessaram
grupos de ciprestes e caminhos aquosos,
contornaram um tanque bordejado de lírios,
passaram sob densas ramagens de cedros e
bambus. E de repente, em um recanto,
repararam com uma figura de pesadelo, que
guinchava como um morcego: a figura de
uma mulher, sepultada havia muito, de pé,
diante de sua tumba; numa das mãos trazia
uma campainha e, na outra, a cabeça
ensangüentada.
Por
um
instante,
permaneceram os três aturdidos. Depois, um
dos soldados desembainhou a espada,
pronunciando uma oração budista, e assentou
um golpe na aparição, que se desfez
instantaneamente num desarticulado montão
de panos de sudário, cabelos e ossos, ao mesmo
tempo em que, dessa ruína, se desprendia a
campainha, rodando e tilintando.
Mas a descarnada mão esquerda, mesmo
depois de cortada, continuava a se retorcer, os
dedos
segurando
ainda
a
cabeça
ensangüentada, rasgando-a, lacerando-a
como as pinças de um caranguejo amarelo,
tenazmente cravado a uma fruta caída…
(Essa é uma história perversa – disse eu ao
amigo que ma havia contado. – A vingança
da morta, no caso de cumprir-se, deveria
recair sobre o homem.
- Isso é o que crêem os homens – respondeume. – Mas não é o que sente uma mulher.
E tinha razão.)
================
Nota:
(1) Go, Weiqi ou Baduk se trata de um jogo estratégico
de soma zero e de informação perfeita para tabuleiro ,
em que duas pessoas posicionam pedras de cores
opostas. Sua origem vem da antiga China, entre 2000
aC e 200 aC. O jogo é popular no leste da Ásia. O
desenvolvimento do jogo pela internet aumentou muito
a sua popularidade no resto do mundo. É reconhecido
como um jogo que envolve grande capacidade
estratégica, tendo grande número de praticantes na
Coréia, na China, no Japão, nos EUA e na Europa. Em
outros lugares, como Brasil, é praticado basicamente
pelos da diáspora asiática e curiosos.
86
Lafcádio Hearn “Koizumi
Yakumo”
(27 Junho 1850 – 26 Setembro 1904)
Patrick Lafcádio Hearn (27 de junho de 1850 –
26 de setembro de 1904), também conhecido
como Koizumi Yakumo, nome que adotou
após adquirir cidadania japonesa, foi um
jornalista e escritor conhecido por seus livros a
respeito do Japão. Ele é especialmente
conhecido pelos japoneses devido às suas
coleções de contos de fadas, um dos quais foi
transformado em filme por Masaki Kobayashi
(Kwaidan (1965)). Viveu muito tempo no
Japão e conquistou, com sua obra, grande
renome internacional.
–––––––––––
Hearn nasceu na Grécia, na ilha de Leocádio,
uma das ilhas jônicas (Em grego a ilha se
chama Lefkas – de onde se origina seu nome).
Filho do major cirurgião Charles Hearn,
nascido em King‘s County na Irlanda e de Rosa
Antonia Kassimati nascida em Leocádio. Seu
pai estava servindo na ilha durante a
ocupação inglesa das ilhas jônicas. Aos seis anos
de idade Lafcádio Hearn mudou-se para a
Irlanda. O gosto pelas artes e pela Boemia
estava no sangue de Hearn. O irmão de seu
pai, Richard, foi um membro renomado do
grupo de artistas Barbizon, embora não tenha
feito fama como pintor devido à sua falta de
energia.
O jovem Hearn teve uma educação casual,
mas estudou por um curto período (1865) no
Ushaw Roman Catholic College em Durham. A
fé religiosa na qual ele foi criado, foi logo
perdida e, aos 19, ele foi enviado para viver
nos Estados Unidos da América, se instalando
na cidade de Cincinnati, Ohio. Lá ele
desenvolveu uma amizade que durou toda a
sua vida com o impressor inglês Henry Watkin.
Com a ajuda de Watkin, iniciou uma carreira
no baixo escalão do jornalismo. Devido ao seu
talento como escritor, subiu rapidamente e se
tornou repórter no Cincinnati Daily Enquirer,
onde permaneceu de 1872 a 1875. Com
liberdade criativa em um dos maiores jornais
em circulação na cidade, ele desenvolveu uma
reputação pelos sensíveis, sombrios e
fascinantes relatos sobre os desfavorecidos de
Cincinnati. Ele continuou a se ocupar do
jornalismo, leituras e observações da sociedade
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
local, enquanto suas idiosincrasias românticas e
por vezes mórbidas se desenvolviam.
Ainda em Cincinnati, casou-se com Mattie,
uma mulher negra, o que na época era uma
prática ilegal. Quando o escândalo foi
descoberto e tornado público, ele foi demitido
do Enquirer e foi trabalhar no jornal rival, o
Cincinnati Commercial, mas a poluição da
cidade irritava seus olhos sensíveis e ele se
mudou para New Orleans, Luisiana em 1877
De 1877 a 1888 permaneceu em New Orleans
escrevendo para o Times Democrat. Seus
escritos nessa cidade se concentravam na
história creole da cidade, sua culinária
peculiar, a marginalidade e o Vodu. Seus
artigos para publicações como a Harper‘s
Weekly e Scribner‘s Magazine ajudaram a
moldar a imagem de New Orleans como um
colorido reduto da decadência e do
hedonismo. Seu livro mais conhecido sobre a
Luisiana é Gombo Zhebes (1885).
O Times Democrat enviou Hearn para as
Índias Ocidentais como correspondente em
1889. Ele passou dois anos nas ilhas e lá
produziu Two Years in the French West Indies
(Dois Anos nas Índias Ocidentais Francesas) e
Youma, The Story of a West-Indian Slave
(Youma, a História de um Escravo das Índias
Ocidentais), ambos em 1890.
Em 1891 foi ao Japão comissionado como
correspondente em um jornal, mas o contrato
foi logo rompido. Foi no Japão, no entanto,
que encontrou seu lar definitivo e sua maior
fonte de inspiração.
Durante a década de 1890, ele se tornou
professor de literatura inglesa na Universidade
Imperial de Tóquio e logo se viu totalmente
enfeitiçado pelo Japão. Casou-se com uma
japonesa, filha de um samurai, se naturalizou
japonês sob o nome de Koizumi Yakumo e
adotou o budismo. Sua saúde tornou-se frágil
nos últimos anos de sua vida, forçando-o a
87
parar de dar aulas na Universidade. Morreu
em 26 de setembro de 1904 vítima de um
ataque cardíaco.
No fim do século XIX o Japão era ainda
desconhecido e exótico para o mundo
ocidental. Com a introdução da estética
japonesa, particularmente na Exposição
Universal de 1900, em Paris, o Ocidente
adquiriu um apetite insaciável pelo Japão e
Hearn se tornou mundialmente conhecido
pela profundidade, originalidade e sinceridade
dos seus contos. Em seus últimos anos, alguns
críticos, como George Orwell, acusaram Hearn
de transferir seu nacionalismo e fazer o Japão
parecer mais exótico, mas, como o homem que
ofereceu ao Ocidente alguns de seus primeiros
lampejos do Japão pré-industrial e do Período
Meiji, seu trabalho ainda é valioso até hoje.
Livros sobre temas japoneses
Glimpses of Unfamiliar Japan (1894)
Out of the East: Reveries and Studies in New
Japan (1895)
Kokoro: Hints and Echoes of Japanese Inner
Life (1896)
Gleanings in Buddha-Fields: Studies of Hand
and Soul in the Far East (1897)
Exotics and Retrospectives (1898)
Japanese Fairy Tales – Contos de fadas
japoneses (1898) e seqüências
In Ghostly Japan (1899)
Shadowings (1900)
A Japanese Miscellany (1901)
Kottō: Being Japanese Curios, with Sundry
Cobwebs (1902)
Kwaidan: Stories and Studies of Strange Things
(1903)
Japan: An Attempt at Interpretation (1904;
publicado logo após sua morte)
The Romance of the Milky Way and other
studies
and
stories
(1905;
publicado
postumamente)
Fonte:
Wikipedia
http://victorian.fortunecity.com/postmodern/135/hearn.htm
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
88
Carlos Reverbel
21 Julho 1912 – 27 Junho 1997
Carlos de Macedo Reverbel (Quaraí, 21 de
julho de 1912 — Porto Alegre, 27 de junho de
1997) foi um jornalista, cronista e historiador
brasileiro.
Reverbel nasceu em 1912, em Quaraí. Criou-se
numa vida de fazendeiro, em família de largas
posses e bastante ilustrada, coincidência que
era relativamente comum até certo tempo
atrás. Veio a Porto Alegre, para estudar, em
1927, e seguiu estudando no antigo Anchieta
até 1933, quando abandonou os estudos
formais sem formar-se e sem habilitar-se,
portanto, para qualquer curso superior, para
desgosto de sua família. Resolveu ingressar no
jornalismo, vocação rara em sua geração e
classe; para começo de carreira, preferiu
trabalhar num jornal de cidade acanhada, a
Florianópolis de 1934. Depois disso retornou ao
Rio Grande do Sul, onde fez carreira de sucesso
no Correio do Povo. Militou na Livraria do
Globo, como secretário burocrata e como
jornalista, nas duas revistas da época, a
popular Revista do Globo e a superintelectualizada Província de São Pedro.
Na altura de 45, intensificou a convivência
(que jamais terminaria) com a obra de Simões
Lopes Neto. Primeiro, numa extensa
reportagem com a viúva, que ainda vivia;
depois com a redescoberta dos textos que
viriam a compor o livro Casos de Romualdo;
tempos adiante, com a biografia que agora se
reproduz. Em suas memórias, fez questão de
apor título alusivo ao escritor pelotense:
aquela ―arca de Blau‖, que é o tesouro das
memórias
de
Reverbel,
evocava
o
personagem-narrador dos Contos gauchescos.
Em 47, vendeu quase tudo que tinha para
viver por dois anos em Paris, já casado. Na
volta, viria a ser um dos mais importantes,
senão o mais importante, dos jornalistas
culturais de século 20 no estado, ao
protagonizar uma seção de literatura e cultura
no Correio, a partir de 1954. Não apenas
editou, escreveu, resenhou e fez reportagens
ali; também inventou pautas, propôs textos
para escritores daqui e de fora, promoveu
enquetes, fez andar a fila da vida cultural
letrada.
Viveu até 1997. Sua presença faz uma falta
enorme: para além da figura gentil e
acolhedora que era, tratava-se de um
daqueles sujeitos que tinha, já de moço, a
perspectiva da história e o gosto das
reminiscências, motivo por que soube desde
cedo aproveitar idéias que os jornalistas nem
sempre percebem como importantes. Exemplo:
em 1948, se lançou a Santana do Livramento
entrevistar uma senhora de 93 anos que tinha
conhecido, adolescente, naquela cidade,
ninguém menos que José Hernández, o autor
do Martin Fierro, clássico escrito em parte ali
mesmo, na fronteira brasileiro-uruguaia.
Seu faro histórico o fazia igualmente detectar
valores no presente. É o caso de uma extensa
reportagem que faz, no calor da hora de 48,
sobre os jovens gravuristas de Bagé, terra que,
segundo o bem humorado mas nunca nihilista
Reverbel (o nihilismo é uma das flores fáceis do
jornalismo cultural, garantindo sucesso junto
aos impressionáveis e aos tolos de todos os
tempos mas improdutivo a longo prazo — o
prazo mental com que Reverbel e os bons
trabalham), seria uma das mais improváveis
para a eclosão de movimento artístico de tipo
moderno.
Na crônica propriamente dita, é um dos
bambas da língua portuguesa, sem favor
algum. Com estilo agradável na linha de
Rubem Braga (ou, no campo da memória, de
Pedro Nava), brincando com o tema e consigo
mesmo, manejando a alta cultura letrada e
com a vivência profunda da cidade —
especialmente a cidade de Porto Alegre, que
ele retratou em detalhes e minúcias a que os
amantes do tema devemos agradecer
penhorados —, ele soube comentar o miúdo
recente, como a estranha mania do ―chispa‖,
nos anos 70 do Parcão, tanto quanto o graúdo
das questões profundas, em particular as
mudanças na paisagem da cidade, tudo
sempre tomado de um ângulo capaz de
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
mostrar o
solenidade.
ridículo
que
se
esconde
na
Maragato de família, antigetulista nos anos 30,
espantado com o sucesso do Tradicionalismo
mas capaz de elogiar a importância das
pesquisas de Paixão Cortes; apreciador de
intelectuais lusófilos como Gilberto Freyre ou
Moysés Vellinho, amigo de Erico Verissimo e
admirador de Darcy Azambuja; incorformado
com o barulho em Porto Alegre e envolvido
sempre com a divulgação das leituras antigas
da terra, que ele cultivava com requintes de
colecionador de livros e o paladar refinado dos
grandes leitores — Reverbel é daquelas figuras
que engrandeciam o interlocutor, ao vivo, e
fazem o bem do leitor, por escrito.
89
Foi escolhido como o patrono da Feira do Livro
de Porto Alegre de 1993.
Obra literária
Barco de papel (crônicas), 1978;
Saudações aftosas (crônicas), 1980;
Um capitão da Guarda Nacional (biografia de
Simões Lopes Neto), 1981;
Diário de Cecília de Assis Brasil, 1984;
Pedras Altas – A vida no campo segundo Assis
Brasil, 1984;
Maragatos e Pica-paus, 1985;
O gaúcho, 1986;
Arca de Blau (memórias), 1993.
Fontes:
Luís Augusto Fischer. In Cafezinho na Net
Wikipedia
Lya Luft
A Asa Esquerda do Anjo
A escritora Lia Luft escreveu o romance A Asa
Esquerda do Anjo nos anos 70, baseada no
cotidiano dos descendentes de alemães de
Santa Cruz do Sul.
Segundo romance, Lya Luft, mostra que a
vida patética da personagem Gisela se
desenvolve entre frustrações que se acumulam
a ponto de a encaminharem para a
autodestruição. O orgulho, a hipocrisia, o
ressentimento são componentes fatais do
universo familiar e social em que dia a dia se
constrói o sofrimento de Gisela. Sem reticências
e com destemor, Lya Luft desce às dobras mais
recônditas da opressão, ou seja, do
aniquilamento do ser humano. E é a própria
condição humana que passa a ser objeto de
relfexão, uma reflexão que traz à tona, de
forma vigorosa e implacável, as fraquezas e os
anseios, os desalentos e os impulsos mais
obscuros, presentes inapelavelmente na vida
de todas as pessoas.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Sem reticências e com destemor, Lya Luft
desce às dobras mais recônditas da opressão,
ou seja, do aniquilamento do ser humano. E é
a própria condição humana que passa a ser
objeto de reflexão, uma reflexão que traz à
tona, de forma vigorosa e implacável, as
fraquezas e os anseios, os desalentos e os
impulsos
mais
obscuros,
presentes
inapelavelmente na vida de todas as pessoas.
A personagem Gisela é criada em uma rígida
família alemã, e sofre por se sentir exilada em
um mundo comandado por sua avó, a temida
e autoritária matriarca Frau Wolf. Dividida
entre a obrigação de seguir as duras normas
da educação alemã e a vontade de ser como
as outras crianças, admirando a mãe, uma
―intrusa‖ que tenta se integrar na família
―germânica‖, a menina cresce ambivalente,
censurada pelo olhar crítico da avó e sentindose à sombra da prima, a preferida e perfeita
Anemarie. Gisela sofre por ser a imagem da
exclusão e pelo autoritarismo da matriarca da
família e depois de adulta refaz sua trajetória
em busca de sua identidade.
Em A Asa Esquerda do Anjo, Gisela conta a
história de sua família, seus segredos –
escondidos metaforicamente em uma portinha
no porão; as mortes dolorosas e o anjo que
guarda o mausoléu dos Wolf, os anseios e a
culpa que a impedem de viver uma relação
amorosa; a busca incessante pela aprovação
em um lugar onde elas jamais seria igual aos
outros.
O romance aborda, principalmente, a luta
contínua entre o princípio da vida e da morte,
entre Eros e Tanatos. A criação das
personagens esta ligada à sua visão de mundo,
não aceita mais a perpetuação do poder
masculino, embora aponte para a decadência
do patriarcado. A contestação aos valores
patriarcais se revela, em Lya Luft, de forma
cortante, mostrando o drama da mulher,
educada dentro de rígidos padrões moralistas.
As protagonistas continuam presas à família,
presas às regras do jogo social. A situação social
da personagem tem importância à medida
que representa condicionamentos impostos por
práticas sociais.
As personagens femininas são flagradas num
determinado momento de sua trajetória: o
momento em que o mundo, carecendo de
90
sentido, se esvazia sob a ótica feminina. Lya
Luft constrói em suas obras um mundo
decadente que se desagrega e se desmancha,
compondo um universo feminino marcado
pela loucura, pela doença e pela morte; o jogo
e o grotesco, o trágico e o grotesco se articulam
para desvelar as regras, desvendando os
absurdos de uma sociedade repressora e
injusta, em que a mulher é o ―lado esquerdo‖,
que fica sempre à margem da sociedade.
Na obra romanesca de Luft a narrativa é
sempre feita por uma mulher que relata sua
problemática, partindo de um universo
fragmentado, procurando sua verdadeira
identidade.
Lya Luft
(15 Setembro 1938)
―Não existe isso de homem escrever com vigor e mulher
escrever com fragilidade. (…) É um erro pensar assim. Eu
sou uma mulher. Faço tudo de mulher, como mulher.
Mas não sou uma mulher que necessita de ajuda de um
homem. Não necessito de proteção de homem nenhum.
Essas mulheres frageizinhas, que fazem esse gênero,
querem mesmo é explorar seus maridos. Isso entra
também na questão literária. Não existe isso de homens
com escrita vigorosa, enquanto as mulheres se perdem
na doçura. (…) Eu quero escrever com o vigor de uma
mulher. Não me interessa escrever como homem.‖
Lya Luft nasceu no dia 15 de setembro de 1938,
em Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul.
Por se tratar de cidade de colonização alemã,
as crianças, em quase sua totalidade, falavam
alemão, e os livros utilizados nas escolas
vinham da Alemanha. Com onze anos, Lya
decorava poemas de Goethe e Schiller.
Posteriormente, estudou em Porto Alegre (RS),
onde se formou em pedagogia e letras anglogermânicas.
Iniciou sua vida literária nos anos 60, como
tradutora de literaturas em alemão e inglês.
Lya Luft já traduziu para o português mais de
cem livros. Entre outros, destacam-se traduções
de Virginia Wolf, Reiner Maria Rilke, Hermann
Hesse, Doris Lessing, Günter Grass, Botho
Strauss e Thomas Mann. Ela diz que traduzir é
sua verdadeira profissão. E que faz tradução
para ganhar dinheiro. Mas também porque
gosta. Um trabalho que exige respeito. Seu
desejo é aproximar o escritor estrangeiro do
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
leitor brasileiro. Confessa que não pode ser
inteiramente fiel, porque pode-se correr o risco
de ninguém entender nada. Mas não faz um
carnaval em cima do texto alheio, não
inventa, não cria frases que não existem.
Conheceu Celso Pedro Luft, seu primeiro
marido, quando tinha 21 anos. Ele tinha
quarenta. Era irmão marista. Foi numa prova
de vestibular. Achou-se ridícula quando
pensou: esse é o homem da minha vida! O
irmão marista tirou a batina para casar com
ela em 1963.
Nessa paixão, começou a escrever poesia. Os
primeiros poemas foram reunidos no livro
―Canções de Limiar‖ (1964).
Tiveram três filhos: Suzana, em 1965; André,
em 1966; e Eduardo, em 1969.
Em 1972 lança mais um livro de poemas,
―Flauta Doce‖.
Em 1976, escreveu alguns contos e mandou
para Pedro Paulo Sena Madureira, que era
editor da Nova Fronteira. Pedro Paulo
respondeu dizendo que os contos eram todos
―publicáveis‖. Pedro Paulo, no entanto,
aconselhou Lya a escrever um romance,
dizendo que ela era romancista. Dois anos
depois ela escreveu ―As Parceiras‖.
Em 1978 lança seu primeiro livro de contos,
―Matéria do Cotidiano‖.
A ficção entrou em sua vida dois anos depois
de um acidente automobilístico quase fatal
em 1979. Como teve uma visão mais próxima
da morte, diz a autora que começou a fazer
tudo que evitava.
Primeiro foram crônicas, com o lançamento de
―As Parceiras‖, em 1980, e ―A Asa Esquerda do
Anjo‖, em 1981. Textos amenos. Uma espécie de
fingimento de que na vida tudo é bom. A
morte é encarada como uma coisa normal.
Mas gostaria que todos os seus amigos fossem
eternos. Mesmo assim, acha a morte uma coisa
mágica.
Em apenas oito anos Lya Luft sofreu duas
perdas grandes demais. Dos 25 aos 47 anos foi
casada com Celso Pedro Luft. Separou-se dele
em 1985 e foi viver com o psicanalista e escritor
91
Hélio Pellegrino, que morreu três anos depois.
Em 1992 voltou a casar-se com o primeiro
marido, de quem ficou viúva em 1995.
A escritora é conhecida por sua luta contra os
estereótipos sociais. ―Essas coisas que obrigam
as pessoas a ser atletas. Hoje é quase uma
imposição: a ordem é fazer sexo sem parar, o
tempo todo. A ordem é não fumar, não beber.
É essa loucura o dia inteiro na cabeça. Quem
não for resistente acaba enlouquecendo. E a
vida fica para trás. Hoje as pessoas estão
sofrendo muito. Um sofrimento absolutamente
desnecessário. Especialmente as mulheres que
fazem plástica logo que vêem uma ruga no
rosto. Plásticas de inteira inutilidade―.
Lya Luft deixa claro que nada tem contra as
cirurgias plásticas, mas contra o rumo disso
tudo. A autora diz ser uma constatação
precária dizer que ela escreve sobre mulheres.
Mulheres não são seus personagens exclusivos.
―Escrevo sobre o que me assombra‖, observa. E
nisso está a infância. O importante é o
compromisso com a dignidade. Toda a sua
obra poderia ser resumida — como afirma —
num livro de indagações.
Em 1982 publica ―Reunião de Família‖, e em
1984 outros dois livros: ―O Quarto Fechado‖ e
―Mulher no Palco‖. ―O Quarto Fechado‖ foi
lançado nos E.U.A. sob o título ―The Island of
the Dead‖.
Quem é Lya Luft?
Uma mulher gaúcha, brasileira, que faz cada
vez mais, aos sessenta e um anos, o que desde
os três ou quatro desejava fazer: jogar com as
palavras e com personagens, criar, inventar,
cismar, tramar, sondar o insondável.
―Tento entender a vida, o mundo e o mistério
e para isso escrevo. Não conseguirei jamais
entender, mas tentar me dá uma enorme
alegria. Além disso, sou uma mulher simples,
em busca cada vez mais de mais simplicidade.
Amo a vida, os amigos, os filhos, a arte, minha
casa, o amanhecer. Sou uma amadora da
vida. O que você nunca vai esquecer? Escutar
o vento e a chuva nas árvores do imenso
jardim que cercava a casa de meu pai, na
minha infância‖.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Puro maravilhamento. O que lhe causa
repugnância? Preconceito, hipocrisia. Vale a
pena escrever?
―Não escrevo porque ―valha a pena‖, mas
porque me faz feliz, simplesmente‖.
O que falta à literatura brasileira?
―Nada, não falta nada. Ela é o que é,
simplesmente, cheia de graça, desgraça,
florescente, múltipla, lutando com a crise
econômica que atinge também as editoras,
mas, como não se escreve para ficar rico, tudo
bem‖.
E Deus?
―Deus eu imagino como força de vida:
luminosa, positiva, imperscrutável‖.
E o Brasil? Brasil cujo jeito é parecer não ter
jeito.
―Não quero jamais ter de morar longe dele.
Aqui tudo é possível. E tanto está ainda por
fazer‖.
O que fazer para reverter esse quadro de
miséria?
―Que os responsáveis por isso criem vergonha
na cara‖.
Quem não
ninguém?
merece
respeito
algum
de
―Todos merecem algum respeito, no mínimo
compaixão‖.
Você costuma rezar?
―Não tenho nenhuma religião instituída, mas
tenho uma profunda visão ―religiosa‖, sagrada,
da natureza, das pessoas, do outro‖.
Qual é seu momento ideal para escrever?
―O momento em que meu livro quer ser
escrito. Mas normalmente produzo mais de
manhã bem cedo. Gosto de ver o dia nascer,
aqui na minha mesa de trabalho e do meu
computador―.
Se confessa uma mulher tímida, embora não
pareça.
92
Em 1987 lança ―Exílio‖; em 1989 o livro de
poemas ―O Lado Fatal‖ e, em 1996, o
premiado ―O Rio do Meio‖ (ensaios),
considerado a melhor obra de ficção do ano.
Lya Luft afirma que hoje prefere ficar quieta
consigo mesma. Já casou demais. Já enviuvou
demais. Não se imagina mais vivendo ao lado
de ninguém. Mas não quer desprezar os
encantamentos que surgem por seu caminho.
Lya afirma ter sido um privilégio ter conhecido
e vivido com dois homens que muito lhe
ensinaram. Sua visão do masculino é muito
positiva. Foram três homens, na verdade, que
a influenciaram e percorreram sua vida,
erguendo seu rosto, seu percurso, abrindo seus
rumos: seu pai, Arthur Germano Fett, que
considerava um homem culto, amigo e
também solitário; seu cúmplice, Celso Pedro
Luft, de quem herdou o sobrenome; e Hélio
Pellegrino. Três homens inesquecíveis. Que
sempre vão permanecer nas palavras, nos
pensamentos, nos acenos possíveis.
Não faz tarde de autógrafos, sente-se
desconfortável com isso. Não gosta de discutir
teorias literárias, especialmente quando se
referem à sua obra. Nunca pensou em
tradição literária ou, especialmente, em
tradição literária gaúcha. Não quer fazer
literatura regional. Não quer ser representante
de descendentes. Não quer pertencer a grupo
nenhum. Quer mesmo é ser livre. Quer ficar
quieta no seu canto. No livro ―Secreta Mirada‖,
lançado em 1997, ela se deixou com ela mesma
e discorreu sobre temas que nunca fala em
discussões
literárias,
em
entrevistas,
depoimentos.
―Sou dos escritores que não sabem dizer coisas
inteligentes sobre seus personagens, suas
técnicas ou seus recursos. Naturalmente, tudo
que faço hoje é fruto de minha experiência de
ontem: na vida, na maneira de me vestir e me
portar, no meu trabalho e na minha arte.
Não escrevo muito sobre a morte: na verdade
ela é que escreve sobre nós – desde que
nascemos vai elaborando o roteiro de nossa
vida.
O medo de perder o que se ama faz com que
avaliemos melhor muitas coisas.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Assim como a doença nos leva a apreciar o
que antes achávamos banal e desimportante,
diante de uma dor pessoal compreendemos o
valor de afetos e interesses que até então
pareciam apenas naturais: nós os merecíamos,
só isso. Eram parte de nós.
O amor nos tira o sono, nos tira do sério, tira o
tapete debaixo dos nossos pés, faz com que nos
defrontemos com medos e fraquezas
aparentemente superados, mas também com
insuspeitada audácia e generosidade. E como
habitualmente tem um fim – que é dor –
complica a vida. Por outro lado, é um
maravilhoso ladrão da nossa arrogância.
Quem nos quiser amar agora terá de vir com
calma, terá de vir com jeito. Somos um
território mais difícil de invadir, porque
levantamos muros, inseguros de nossas forças
disfarçamos a fragilidade com altas torres e
ares imponentes.
A maturidade me permite olhar com menos
ilusões, aceitar com menos sofrimento,
entender com mais tranqüilidade, querer com
mais doçura.
Às vezes é preciso recolher-se―.
Em 1999 a escritora lança o livro ―O Ponto
Cego‖.
93
―A vida é maravilhosa, mesmo quando
dolorida. Eu gostaria que na correria da época
atual a gente pudesse se permitir, criar, uma
pequena
ilha
de
contemplação,
de
autocontemplação, de onde se pudesse ver
melhor todas as coisas: com mais generosidade,
mais otimismo, mais respeito, mais silêncio,
mais prazer. Mais senso da própria dignidade,
não importando idade, dinheiro, cor, posição,
crença. Não importando nada‖.
Bibliografia:
- Canções de Limiar, 1964
- Flauta Doce, 1972
- Matéria do Cotidiano, 1978
- As Parceiras, 1980
- A Asa Esquerda do Anjo, 1981
- Reunião de Família, 1982
- O Quarto Fechado, 1984
- Mulher no Palco, 1984
- Exílio, 1987
- O Lado Fatal, 1989
- O Rio do Meio, 1996
- Secreta Mirada, 1997
- O Ponto Cego, 1999
- Histórias do Tempo, 2000
- Mar de dentro, 2000
(Todos os livros foram publicados pelas Edições
Siciliano e Mandarim, São Paulo – SP)
- Perdas e ganhos, 2003 – Editora Record
Fontes:
Arnaldo Nogueira Jr. In Projeto Releituras
Portal de Estudos Passeiweb
Cintian Moraes
A diferença entre Viver Bem e
Viver Melhor
Hoje dei um descanso a minha mente
agitada e aos meus dedos cansados de digitar
no teclado do computador, por um momento
respirei e passei a me interessar pelo que via
nas ruas.
O que vi foram meninos brincando de
pés descalços na rua de asfalto, morrendo de
rir e exaustos por correrem atrás da bola.
Naquele momento, eu transferi para
mim a felicidade que eles sentiam. A felicidade
deles me alegrava completamente.
Parei e também ouvi os pássaros que
faziam festa na árvore da casa do vizinho da
frente. Olhei um carro que passava, passou tão
rápido que quase atropelou os meninos que
distraídos jogavam bola. Alguns minutos
depois, eis que surge um caminhão na esquina
que dizia pelo auto falante…
- Hei, você que está aí dentro de casa,
venha conhecer o artesanato nordestino,
vendemos tapetes artesanais, redes, colchas,
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
esculturas feitas em barro, jogos de cozinha,
tudo para a sua casa.
Impossível não rir, no caminhão que
passava, todos os artesanatos estavam
pendurado nas portas, até os que estavam
dentro do baú do pequeno caminhão dava
para ver. As portas estavam abertas, tinham
tantas coisas lá dentro que era difícil saber o
que exatamente estavam carregando. A cena
me impressionou, fiquei observando aquilo
que era tão diferente. Senti inveja da
criatividade que tiveram. A mercadoria cobria
todo o caminhãozinho que ficou lindo, me
senti no nordeste. O sotaque arrastado no auto
falante me fez rir e senti muita felicidade.
Depois de admirar o caminhão, os
meninos olharam para mim, com ar de
estranhisse e voltaram a jogar, certamente eles
também nunca tinham visto coisa parecida.
Alguns vizinhos curiosos também saíram na
rua para ver o tal do caminhão. Era bizarro e
pitoresco.
Olhei para o lado de cima da rua e vi
duas vizinhas conversando, de certo estavam
botando a fofoca em dia, esse encontro sempre
acontecia no mínimo uma vez por semana.
Em um outro dia…
Precisei ir até a casa de uma amiga em
um condomínio fechado em um bairro
distante do meu.
Ao chegar, me identifiquei na portaria,
o porteiro ficou atrapalhado, não olhou para
mim enquanto eu dizia o meu nome, olhou
para o carro que estava chegando no portão
principal do condomínio. Só depois de abrir o
portão é que ele foi olhar para o meu rosto.
Então, repeti o meu nome e disse que a minha
amiga estava me aguardando.
Ele me fez esperar uns 10 minutos e
depois eu entrei.
Eu andava a pé, ainda bem, porque
pude ver com todos os detalhes as belíssimas
casas do condomínio. Me senti muito bem lá,
era confortável, mas não era como na rua de
casa. Depois de andar e observar, o isolamento
me incomodou, não vi nenhum vizinho,
crianças fazendo barulho – para atrapalhar os
vizinhos, é claro – vi somente imagens
paradas. Se não fossem os ventos, seriam
estáticas.
Me senti sozinha, como se fizesse parte
de uma bela imagem pregada em um quadro
na parede da sala. Havia vida no lugar,
belíssimos jardins, moldados pelas mãos
humanas, bem diferente do jardim da minha
94
casa, cheia de matos entre as cebolinhas para
o tempero da minha mãe, hortelã para meu
chá da noite, e de onde colho acerolas e
morangos.
Quando cheguei, minha amiga me
esperava com a porta semiaberta. Ela me
convidou para entrar, o silêncio era
predominante na casa, ela estava sozinha com
a empregada. Me senti novamente na bela
imagem pregada em um quadro na parede
da sala e me perguntei:
- Para que tanto isolamento? O
barulho faz mal? Os vizinhos do condomínio
nem ao menos se cumprimentavam quando se
viam, os jovens e a garotada tinham o seu
canto reservado nos fundos do condomínio, um
campo, uma quadra e uma piscina, onde não
vi ninguém.
Sai de lá sem sentir felicidade e fui
embora recordando do meu tempo de criança,
onde o meu mundo era perfeito e ria todos os
dias. Lembro de quando eu me juntava com
as meninas da rua de casa para brincar de
fazer perfumes com as pétalas de rosa que
nasciam no meu jardim. Às vezes pegávamos
caramujos e brincávamos de experiências.
Quando sentia cheiro de bolo, logo sabia que a
minha vizinha mais tarde apareceria no muro
de casa chamando a minha mãe para lhe
entregar o pedaço de bolo que acabava de
sair do forno. Os meus vizinhos nem batiam
palma no portão, entravam e chamavam da
garagem. Não tinha vergonha nenhuma de
comer na casa de algum vizinho e depois
voltar de barriga cheia para a casa. Quando
minha mãe precisava sair, fazia um trato com
alguma vizinha para cuidar de mim e dos
meus irmãos e ia tranquila resolver os
problemas no centro da cidade. Depois falava:
– quando precisar pode deixar os seus meninos
aqui que eu cuido também.
Que tempos diferentes que parecem
nem fazer parte de uma só vida. Não faz
tanto tempo assim, apenas 20 anos e nem
consigo imaginar o que será daqui mais 20. As
coisas mudam tão depressa que a minha
felicidade caminha, se acostuma e se adapta
com essa nova vida que às vezes me perco
nela.
Não entendo se é porque estou
vivenciando isso, mas o que sei, é que a minha
geração está passando por sérias mudanças de
tecnologias que nos cutucam por todos os lados
e sei que essas mudanças ainda serão
grandiosas e bastante significativas para
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
pessoas divididas entre viver bem e viver
melhor.
Fonte:
Cenário Cultural
Valdeck Almeida de Jesus
Poesias
A VIDA PULSA
Moro no mesmo lugar
Há mais de dez anos
E todos os dias vejo
Ouço, Sinto, Respiro
Todas as manhã
Os mesmos movimentos.
Não há mais árvores
Não há mais sombras
Tampouco água corrente.
Só o canto mavioso
Das aves diurnas
Ecoa de alegria
Pelo nascer do dia.
Comemoram a chegada
Do sol que vivifica
No entanto, eu não via
Nem mesmo percebia
Que a vida mágica e frágil
Em se mostrar insistia.
Com o passar do tempo
Do alto da soberbia
Através de um olhar
A vida passando eu via
Sem que nada daquilo
Me fizesse ter alegria…
CORAÇÃO DE PEDRA
Vivi traições e mentiras,
Alegrias e tristezas.
Com você, surge no horizonte
O amor que me tira da torpeza.
Sensação boa, gratificante,
Vivifica o corpo e a alma,
Desperta o humano,
Revive o poeta.
Os versos retornam,
A sensibilidade aflora,
Quando a paixão me devora.
O amor faz rir ao triste,
Dá sorriso a quem chora
E quebra o coração de pedra.
CICATRIZES
A vida é uma sucessão
95
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Sucessão de cicatrizes
Cicatrizes do amor
Cicatrizes da alegria
Cicatrizes da dor
Cicatrizes da euforia.
Não quero viver
Sem cicatrizes
Alegres os tristes
Quase felizes
Meus dias terão
Várias cicatrizes
Valdeck Almeida De Jesus
(1966)
Funcionário público federal, nasceu a 15 de
fevereiro de 1966 em Jequié/BA, onde viveu
até aos seis anos de idade, quando foi residir
na Fazenda Turmalina (região de Itagibá/BA),
onde continuou a estudar em escola pública
até os 12 anos de idade. Aluno exemplar
retornou a Jequié/Ba para se matricular na 5ª
série do primeiro grau, em escola pública.
Ingressou nas Faculdades de Enfermagem e de
Letras, da Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia em 1990; na Faculdade de Turismo,
na Faculdade São Salvador, não concluindo os
cursos. Reside em Salvador, desde fevereiro de
1993. Atualmente faz o curso de Jornalismo na
Faculdade Social da Bahia.
Prêmios Literários:
– Menção Honrosa em 1989 no 1° Concurso
Nacional de Poesia, promovido pelo Instituto
Internacional da Poesia, de Porto Alegre/RS
– Menção Honrosa no Concurso Literário
Oswald de Andrade, promovido pela
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia,
em 1990, na cidade de Jequié/BA
– Classificação no concurso literário Bahia de
Todas as Letras, promovido pela Universidade
Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus/Ba, no ano
de 2007, com o conto ―Eu e o Word‖, com nota
7 (sete)
– Classificação no concurso literário realizado
pelo Sindicato dos Trabalhadores no Poder
Judiciário Federal da Bahia, com a crônica
―Alice‖, no ano de 2007, em Salvador/BA
– Destaque no XII Concurso de Poesias, Contos
e Crônicas realizado em 2007 pela ALPAS XXI,
96
em Cruz Alta/RS com o texto ―Minha paixão
por livros‖.
Livros publicados
―Heartache Poems. A Brazilian Gay Man
Coming Out from the Closet‖, iUniverse, New
York, USA, 2004; poesias
―Feitiço Contra o Feiticeiro‖, Scortecci, São
Paulo, 2005; Livro de poesias.
―Memorial do Inferno. A Saga da Família
Almeida no Jardim do Éden‖, Scortecci, São
Paulo, 2005;
―Memorial do Inferno. A Saga da Família
Almeida no Jardim do Éden‖, Giz, São Paulo,
2007;
Editor da ―1ª Antologia Poética Valdeck
Almeida de Jesus‖, Casa do Novo Autor, São
Paulo, 2006;
―Jamais Esquecerei do Brother Jean Wyllys‖,
Casa do Novo Autor, São Paulo, 2005;
―Poemas Que Falam‖, Casa no Novo Autor,
São Paulo, 2007.
―Valdeck é Prosa, Vanise é Poesia‖, Câmara
Brasileira do Jovem Escritor, Rio de Janeiro,
2007.
Editor da ―2ª Antologia Poética Valdeck
Almeida de Jesus‖, Casa do Novo Autor, São
Paulo, 2007;
―30 Anos de Poesia‖, Câmara Brasileira do
Jovem Escritor, Rio de Janeiro, 2008;
Editor da ―3ª Antologia Poética Valdeck
Almeida de Jesus‖, Giz Editorial, São Paulo,
2008.
―Memories from Brazilian Hell: The Saga of
Almeida Family in the Garden of Éden‖,
iUniverse, Nova York (USA), 2008.
Trabalhos
Pertence
Realizados
e
Entidades
que
Expositor, como escritor independente, na
Bienal do Livro da Bahia, em 2005, 2007 e
2009.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Expositor no III Corredor Literário da Paulista,
de 09 a 14 de outubro de 2007, em São
Paulo/SP
Participação no V Fórum Social Mundial, em
Porto Alegre/RS, de 26 a 31 de janeiro de 2005;
Participação, como organizador da Mostra de
Arte e Cultura, no II Congresso Estadual do
Sindjufe-BA, de 01 a 03.06.2007, no Hotel Sol
Bahia Atlântico, em Salvador/BA
97
Membro da Associação Artes e Letras (França)
desde 2005.
Membro da União Brasileira de Escritores –
UBE, desde março de 2006.
Colaborador
do
Café
Literário
de
Camaçari/BA,
evento
realizado
pela
coordenação do PROLER – vários anos.
Participação na Feira do Livro Internacional
de Paraty (FLIP), 2008.
Tem poemas publicados nos jornais de grande
circulação da capital e do interior do estado
da Bahia, além de jornais de Brasília/DF;
Colaborador, desde 1985, do jornal A PROSA,
de Brasília/DF.
Lançamento de três livros na
Internacional de São Paulo, 2008.
Bienal
Colaborador da revista cultural Art‘Poesia, de
Salvador, editada por Carlos Alberto Barreto,
que publica poemas de autores do mundo
inteiro.
Palestra na ONG Vento em Popa, no bairro
Jardim Gaivotas, em São Paulo, em 2007, com
o tema ―Motivação através da leitura‖.
Participante da ―Mostra Poética: Cores das
Letras no Brasil‖, realizado como atividade
paralela do 4° Encontro Açoriano da
Lusofonia,, promovido pela Sociedade dos
Poetas Advogados de Santa Catarina –
SPA/SC, de 31 de março a 04 de abril de 2009,
na Biblioteca da Escola Secundária de Lagoa,
Açores, Portugal.
Colunista dos sites www.zonamix.com.br,
www.radarmix.com e www.portalvilas.com.br,
desde março de 2006.
Palestra e oficina de poesias na Biblioteca
Comunitária do Calabar, bairro remanescente
de quilombo, em Salvador/BA
Membro da Federação Canadense de Poetas
desde 2004.
Membro da Real Academia de Letras, Ordem
da Confraria dos Poetas.
Membro Correspondente da Academia de
Letras de Jequié.
Fontes:
http://www.galinhapulando.com/
Miguel Falabella
Saudade
“Em alguma outra vida, devemos ter feito algo de muito grave,
para sentirmos tanta saudade…”
Trancar o dedo numa porta dói.
Bater com o queixo no chão dói.
Torcer o tornozelo dói.
Um tapa, um soco, um pontapé, doem.
Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói
morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no
rim.
Mas o que mais dói é a saudade.
Saudade de um irmão que mora longe.
Saudade de uma cachoeira da infância.
Saudade do gosto de uma fruta que não se
encontra mais.
Saudade do pai que morreu, do amigo
imaginário que nunca existiu.
Saudade de uma cidade.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Saudade da gente mesmo, que o tempo não
perdoa.
Doem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de
quem se ama.
Saudade da pele, do cheiro, dos beijos.
Saudade da presença, e até da ausência
consentida.
98
página do Diário Oficial, se ela aprendeu a
estacionar entre dois carros, se ele continua
preferindo Skol, se ela continua preferindo
suco, se ele continua sorrindo com aqueles
olhinhos apertados, se ele continua cantando
tão bem, se ela continua adorando o Mac
Donald‘s, se ele continua amando, se ela
continua a chorar até nas comédias.
Saudade é não saber mesmo!
Você podia ficar na sala e ela no quarto, sem
se verem, mas sabiam se lá.
Você podia ir para o dentista e ela para a
faculdade, mas sabiam se onde.
Você podia ficar o dia sem vê la, ela o dia sem
vê lo, mas sabiam se amanhã.
Contudo, quando o amor de um acaba, ou
torna se menor, o outro sobra uma saudade
que ninguém sabe como deter.
Saudade é basicamente não saber. Não saber
mais se ela continua fungando num ambiente
mais frio.
Não saber se ele continua sem fazer a barba
por causa daquela alergia.
Não saber se ela ainda usa aquela saia.
Não saber se ele foi na consulta com o
dermatologista como prometeu.
Não saber se ela tem comido bem por causa
daquela mania de estar sempre ocupada, se
ele tem assistido às aulas de inglês, se
aprendeu a entrar na Internet e encontrar a
Não saber o que fazer com os dias que ficaram
mais compridos, não saber como encontrar
tarefas que lhe cessem o pensamento, não
saber como frear as páginas diante de uma
música, não saber como vencer a dor de um
silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber se ela está com
outro, e ao mesmo tempo querer.
É não saber se ele está feliz, e ao mesmo
tempo perguntar a todos os amigos por isso…
É não querer saber se ele está mais magro, se
ela está mais bela.
Saudade é nunca mais saber de quem se ama,
e ainda assim doer.
Saudade é isso que senti enquanto estive
escrevendo e o que você, provavelmente, está
sentindo agora depois que acabou de ler.
Fonte:
Estudio Raposa
Natália Correia
Caravela de Poesias
“A DEFESA DO POETA”
na maquineta dos felizes.
Senhores jurados sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto.
Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei.
Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim.
Senhores professores que pusestes
a prêmio minha rara edição
de raptar-me em crianças que salvo
do incêndio da vossa lição.
Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
ganho as paisagens que não vereis.
Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além.
Senhores três quatro cinco e sete
que medo vos pôs por ordem?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem?
Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa.
Sou um instantâneo das coisas
apanhadas em delito de perdão
a raiz quadrada da flor
que espalmais em apertos de mão.
Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever
Ó subalimentados do sonho!
a poesia é para comer.
Molusco. Esponja
Embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
Presa na teia dos seus ardis.
(1955)
QUEIXA DAS ALMAS JOVENS
CENSURADAS
Dão nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola
Dão nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade
Dão nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão nos um prêmio de ser assim
sem pecado e sem inocência
FIZ UM CONTO PARA ME EMBALAR
Dão nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro
Fiz com as fadas uma aliança.
A deste conto nunca contar.
Mas como ainda sou criança
Quero a mim própria embalar.
Penteiam nos os crânios ermos
com as cabeleiras dos avós
para jamais nos parecermos
conosco quando estamos sós
Estavam na praia três donzelas
Como três laranjas num pomar.
Nenhuma sabia para qual delas
Cantava o príncipe do mar.
Dão nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo
Rosas fatais, as três donzelas
A mão de espuma as desfolhou.
Nenhum soube para qual delas
O príncipe do mar cantou.
Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro
AUTO RETRATO
Dão nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco
Espáduas brancas palpitantes:
Asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
Para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vozes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Dão nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura
99
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Dão nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante
Dão nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino
Dão nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte.
ODE À PAZ
Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela
dança,
pela branda melodia do rumor dos regatos,
Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo
sossego, dos pastos,
Pela exatidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos
amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas
radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens
sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz,
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da
ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História,
deixa passar a Vida!
–––––––––––––––––––––––––(durante o debate da Lei contra o alcoolismo)
Num país de beberrões
Em que reina o velho Baco
Se nos tiram os canjirões
Ficamos feitos num caco.
E querem os deputados
Com um ar de beatério
Que fiquemos desmamados
Quais anjos num baptistério.
Se o verde e o tinto são
As cores da nossa bandeira,
Ai, lá se vai a nação
Se acabar a bebedeira.
De abstemia não se faça
A lex neste plenário
Que o direito à vinhaça
Esse é consuetudinário.
A ALMA
Votada ao fogo obediente ao perigo
feroz do amor ser muito e o tempo pouco,
Chegas ébrio de sonho, ó estranho amigo
E eu não sei se por mim és anjo ou louco
Num beijo infindo queres morrer comigo.
Nesse extremo és sagrado e eu não te toco
Esquivo me. o teu sonho mais instigo.
Fujo te: a tua chama mais provoco.
A incêndio do teu sangue me condenas
E com ciumentas ervas te envenenas
Dizendo às nuvens que só tu me viste.
Bebendo o vinho de amantes mortos queres
Que eu seja a mais prateada das mulheres.
E de ser tão amada eu fico triste.
FALAVAM ME DE AMOR
Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,
menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.
Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.
O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.
100
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Natália Correia
(1923 – 1993)
Natália de Oliveira Correia nasceu na ilha de
São Miguel – Açores, em 1923.
Veio ainda criança estudar para Lisboa,
iniciando muito cedo a sua atividade literária.
Importante figura da cultura portuguesa da
segunda metade do século XX, notabilizou se
como poetisa, ensaísta, romancista, passando
pelo teatro e investigação literária, Natália foi
também uma figura destacada da luta contra
o fascismo. Vários livros seus foram
apreendidos pela censura, tendo sido
condenada a três anos de prisão com pena
suspensa, por abuso de liberdade de imprensa.
Foi também deputada depois do 25 de Abril e
também nesse papel foi uma figura marcante
e inesquecível.
Colaborou com frequência em diversas
publicações portuguesas e estrangeiras.
Faleceu em Lisboa em 1993.
A sua obra está traduzida em várias línguas.
Obras poéticas:
―Rio de Nuvens‖ (1947),
―Poemas‖ (1955),
―Dimensão Encontrada‖ (1957),
101
―Passaporte‖ (1958),
―Comunicação‖ (1959),
―Cântico do País Imerso‖ (1961),
―O Vinho e a Lira‖ (1966),
―Mátria‖ (1968),
―As Maçãs de Orestes‖ (1970),
―Mosca Iluminada‖ (1972),
―O Anjo do Ocidente à Entrada do Ferro‖
(1973),
―Poemas a Rebate‖ (1975),
―Epístola aos Iamitas‖ (1976),
―O Dilúvio e a Pomba‖ (1979),
―Sonetos Românticos‖ (1990),
―O Armistício‖ (1985),
―O Sol das Noites e o Luar nos Dias‖ (1993),
―Memória da Sombra‖ (1994).
Ficção:
―Anoiteceu no Bairro‖ (1946),
―A Madona‖ (1968),
―A Ilha de Circe‖ (1983).
Teatro:
―O Progresso de Édipo‖ (1957),
―O Homúnculo‖ (1965),
―O Encoberto‖ (1969),
―Erros meus, má fortuna, amor ardente‖ (1981),
―A Pécora‖ (1983).
Ensaio:
―Poesia de arte e realismo poético‖ (1958),
―Uma estátua para Herodes‖ (1974).
Fonte:
Estúdio Raposa
José Marins (org.)
A Brisa é Você
Minicontos
Trata-se de uma antologia de minicontos
composta por 200 mininarrativas escritas por
10 autores, editada pela Araucária Cultural.
O título do livro é em homenagem a Dalton
Trevisan.
Aguardamos a presença de todos!
Esta coletânea teve um longo processo de
elaboração, desde o feitio de cada conto ao
projeto final.
Organizada por José Marins e publicada pela
editora Araucária Cultural
* A brisa é você – parte da frase da ministória
52, do livro ―Ah, é?‖, p.42, de Dalton Trevisan.
Os autores:
Alvaro Posselt
Consolação Buzelin
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Daniel Zanella
Diego Oliveira
Eumar Sicuro
Geraldo Magela Cardoso
José Marins (também organizador e editor)
Luís Ronconi
Regina Bostulim
Rodrigo Araújo
capazes de fisgar o leitor e transformar brisa
em ventania‖.
O miniconto é um gênero que surgiu na
literatura latino-americana e se firmou no
Brasil com Dalton Trevisan, Marina Colasanti,
Marcelino Freire, João Gilberto Noll entre
outros. Os dez autores de A BRISA É VOCÊ
querem mostrar que aprenderam com seus
mestres, e apresentam textos que vão do
humor ao drama urbano, guardando sempre
um efeito seja o da surpresa ou do impacto.
―Dez autores, 200 minicontos, dez estilos
diferentes de narrar 200 histórias. A leitura
deste livro é um passeio por uma nova
paisagem literária, onde realismo e fantasia se
encontram nos vislumbres do miniconto‖,
afirma José Marins, organizador da coletânea.
Marcelo Spalding, um dos maiores estudiosos
do gênero no país, autor de dissertação de
mestrado sobre minicontos, é o apresentador
de ―A BRISA É VOCÊ‖, e diz: ―… construindo
narrativas com personagens, conflitos, enredos
E prossegue, registrando um toque de cada
autor: ―Abacaxi Dourado‖, de Consolação
Buzelin, e ―Cãozinho cego‖, de Regina
Bostulim, são exemplares neste sentido: brisas
que movem moinhos. E há várias formas de se
fazer mover esse moinho, o humor de Alvaro
Posselt em ―Vestida‖, e de Eumar Sicuro em
―Admiração‖, o coloquial de Luís Ronconi em
―Barrado no baile‖, a epístola de Rodrigo
Araújo em ―Apelo‖, o lirismo de José Marins em
―Pipa‖. Trevisan, o grande mestre, em ―Uma
coisa‖, de Daniel Zanella,a intertextualidade
com ―Kafka‖, de Geraldo Magela, e com a
Bíblia, em ―Não roubarás‖, de Diego Oliveira‖.
UM MINUTO
por Diego Oliveira
Um minuto é o que separa, dezessete andares
do chão de concreto. Chama-se ―Liberdade‖.
Agora pense, viva, respire devagar. Pronto?
Pule.
Fontes:
A Ilha
Simultaneidades
Alvaro Posselt
Padre Celso de Carvalho
Poesias
A LENDA DOS CAMINHOS
No sertão muitas estradas
102
Foram e são mal medidas,
Umas de léguas mirradas,
Outras de léguas compridas.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Para explicar-me este fato
Na volta de uma fazenda
Um homem simples do mato
Contou-me um dia esta lenda.
A medição dos caminhos
Por estes matos rasgados
Foi sempre entregue aos carinhos
De pares enamorados.
Iria o casal andando,
andando sem trégua
para abraçar-se só quando
tivesse andando uma légua.
Havia casais velhinhos,
Havia-os jovens em flor,
Sofrem, por isso, os caminhos,
Das diferenças do amor.
Casais de velhos, suspensos,
Em recordar o passado,
Deixavam trechos imensos
Sem o sinal combinado.
Os jovens, não iam avante,
vendo que a légua aprazada
estava muito distante,
marcavam outras na estrada.
Isto explica medidas
de estradas tão desiguais:
às vezes léguas compridas,
às vezes curtas demais..
SONETO (*)
Beth, não tenho luneta
como você imagina
que corajosa se meta
pela morada divina.
Vejo a lua, borboleta,
no céu-jardim, ou campina,
103
vejo mais longe um planeta,
uma estrela pequenina…
Mas ver a Nossa Senhora,
ver o céu onde Deus mora,
ou ver os anjos de Deus…
Ver isso, Beth, somente
um coração inocente
e olhos puros com os seus.
(*) Para Maria Elisabeth Becaccini, de Curvelo.
DIAMANTINA EM SERENATA
Quando a noite alinda lua
Torna as pedras cor de prata
Diamantina sai à rua
Transformada em serenata
Seresteiros indomados
Dedilhando violões
Levam música aos ouvidos
E saudade aos corações.
A seresta apaixonada
Corre as ruas do Macau
Capistrana Cavalhada
São Francisco, Burgalhau
Essas ruas serpeantes
É tão fácil entendê-las
Descem doidas por diamantes
Sobem ávidas de estrelas.
O Itambé mesmo de longe
Ouve os sons quase em surdina
Ergue as mãos azuis de monge
E abençoe Diamantina
Se de um sonho nada resta
Só saudade, só, mais nada,
Como é linda uma seresta,
Numa noite enluarada.
Fontes:
http://www.descubraminas.com.br/
http://www.ismardiasdematos.com.br/celso.htm
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
104
Arthur Rimbaud
Poesias
O BARCO ÉBRIO
Como descesse ao léu nos Rios impassíveis,
Não me sentia mais atado aos sirgadores;
Tomaram-nos por alvo os Índios irascíveis,
Depois de atá-los nus em postes multicores.
Estava indiferente às minhas equipagens,
Fossem trigo flamengo ou algodão inglês.
Quando morreu com a gente a grita dos
selvagens,
Pelos Rios segui, liberto desta vez.
No iroso marulhar dessa maré revolta,
Eu, que mais lerdo fui que o cérebro de
infantes,
Corria agora! e nem Penínsulas à solta
Sofreram convulsões que fossem mais
triunfantes.
A borrasca abençoou minhas manhãs
marítimas.
Como uma rolha andei das vagas nos lençóis
Que dizem transportar eternamente as
vítimas,
Dez noites sem lembrar o olho mau dos faróis!
Mais doce que ao menino os frutos não
maduros,
A água verde estranhou-se em meu madeiro,
e então
De azuis manchas de vinho e vômitos escuros
Lavou-me, dispersando a fateixa e o timão.
Eis que a partir daí eu me banhei no Poema
Do Mar que, latescente e infuso de astros,
traga
O verde-azul, por onde, aparição extrema
E lívida, um cadáver pensativo vaga;
Onde, tingindo em cheio a colcha azulecida,
Sob as rutilações do dia em estertor,
Maior que a inspiração, mais forte que a
bebida,
Fermenta esse amargoso enrubescer do amor.
Sei de céus a estourar de relâmpagos, trombas,
Ressacas e marés; eu sei do entardecer,
Da Aurora a crepitar como um bando de
pombas,
E vi alguma vez o que o homem pensou ver!
Eu vi o sol baixar, sujo de horrores místicos,
Para se iluminar de coagulações cianas,
E como um velho ator de dramas inartísticos
As ondas a rolar quais trêmulas persianas!
Sonhei com a noite verde em neves infinitas,
Beijo a subir do mar aos olhos com langores,
Toda a circulação das seivas inauditas
E a explosão auriazul dos fósforos cantores!
Segui, meses a fio, iguais a vacarias
Histéricas, a vaga a avançar os rochedos,
Sem cogitar que os pés piedosos das Marias
Pudessem forcejar a fauce aos Mares tredos!
Bati, ficai sabendo, em Flóridas perdidas
Ante os olhos em flor de feras disfarçadas
De homens! Eu vi abrir-se o arco-íris como
bridas
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Refreando, no horizonte, às gláucicas
manadas!
E vi o fermentar de enormes charcos, ansas
Onde apodrece, nos juncais, em Leviatã!
E catadupas dágua em meio das bonanças;
Longes cataratando em golfos de titãs!
Geleiras, sóis de prata, os bráseos céus!
Abrolhos
Onde encalhes fatais fervilham de esqueletos;
Serpentes colossais devoradas de piolhos
A tombar dos cipós com seus perfumes pretos!
Bem quisera mostrar às crianças as douradas
Da onda azul, peixes de ouro, esses peixes
cantantes.
A espuma em flor berçou-me à saída de
enseadas
E inefável o vento alçou-me por instantes.
Mártir que se cansou das zonas perigosas,
Aos soluços do mar em balouços parelhos,
Vi-o erguer para mim negra flor de ventosas
E ali fiquei qual fosse uma mulher de joelhos…
Quase ilha, a sacudir das bordas as arruaças,
E o excremento a tombar dos pássaros burlões,
Vogava a ver passar, entre as cordagens lassas,
Afogados dormindo a descer aos recuões!…
Ora eu, barco perdido entre as comas das
ansas,
Jogado por tufões no éter de aves ausente,
Sem ter um Monitor ou veleiro das Hansas
Que pescasse a carcaça, ébria de água, à
corrente;
Livre, a fumar, surgindo entre as brumas
violetas,
Eu que rasguei os rúbeos céus qual muro hostil
Que ostentasse, iguaria invulgar aos bons
poetas,
Os líquenes do sol e as excreções do anil;
Que ia, de lúnulas elétricas manchado,
Prancha doida, a arrastar hipocampos servis,
Quando o verão baixava a golpes de cajado
O céu ultramarino em árdegos funis.
Que tremia, de ouvir, a distâncias incríveis,
O cio dos Behemots e os Maelstroms suspeitos,
Eterno tecelão de azuis inamovíveis,
Da Europa eu desejava os velhos parapeitos!
105
Vislumbrei siderais arquipélagos! ilhas
De delirantes céus se abrindo ao vogador:
Nessas noites sem fundo é que dormes e
brilhas,
Ó Milhão de aves de ouro, ó futuro Vigor? –
Certo, chorei demais! As albas são cruciantes.
Amargo é todo sol e atroz é todo luar!
Agre amor embebeu-me em torpores
ebriantes:
Que minha quilha estale! e que eu jaza no
mar!
Se há na Europa uma água a que eu aspire, é
a mansa,
Fria e escura poça, ao crepúsculo em desmaio,
A que um menino chega e tristemente lança
Um barco frágil como a borboleta em maio.
Não posso mais, banhado em teu langor, ó
vagas,
A esteira perseguir dos barcos de algodões,
Nem fender a altivez das flâmulas pressagas,
Nem vogar sob a vista horrível dos pontões.
VOGAIS
A negro, E branco, I rubro, U verde, O azul:
vogais.
Explico um dia vossas origens latentes:
A, negro corpete é um pelo em moscas
luzentes
Que zumbem ao redor de fedores brutais,
Golfo de sombra; E, albor de vapores e tendas,
Lanças de alto gelo, alvos reis, tremor de
umbelas;
I, lacre, sangue em cuspe e rir de lábios belos
Dentro da cólera ou do torpor penitente;
U, ciclos, vibração divina em verde mar,
Paz de animais no pasto, paz desse enrugar
Alquímico na fronte de quem muito leu;
O, supremo Clarim de estranhos sons diversos,
Silêncio atravessado em Anjos e Universos;
- O Ômega, raio roxo entre esses olhos Seus!
MINHA BOÊMIA
(Fantasia)
Eu andava com punhos em bolsos rasgados;
Também meu paletó tornava-se ideal;
Andava sob o céu, Musa! e a ti leal;
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Oh! lá lá! amores lindos eu tenho sonhado!
Minhas únicas calças com um grande furo.
— Pequeno Polegar sonhador, em meu curso
De rimas. Meu albergue era lá na GrandeUrsa.
— As estrelas no céu num frufru de doçura.
E as ouvia sentado à margem destas rotas,
Setembro em belas noites ao sentir as gotas
De orvalho em minha fronte, como um vinho
são;
Onde, rimando em meio as sombras
fantásticas,
Tal como as liras, eu arrancava os elásticos
Dos sapatos feridos, pé no coração!
AURORA — XXII (de: As iluminações)
Abracei a aurora do verão.
Nada ainda se movia à frente dos palácios. A
água estava morta. Os acampamentos de
sombra não abandonavam o caminho do
106
bosque. Andei, despertando os sopros vivos e
tépidos, e as pedrarias olharam, e as asas se
levantaram sem ruído.
O primeiro objetivo foi, na vereda já cheia de
lívidos e recentes lampejos, uma flor que me
disse seu nome.
Eu ri diante da fulva queda d‘água que se
desgrenhava através dos abetos: no cimo
prateado, reconheci a deusa.
Então, eu levantava os véus, um a um. Na
alameda, agitando os braços. Pela planície,
onde mostrei-a para o gato. Na grande
cidade, ela fugia entre as cúpulas e
campanários, e, correndo como um mendigo
sobre as plataformas de mármore, eu a
perseguia.
No alto do caminho, perto de um bosque de
loureiros. envolvi-a com seus véus amontoados
e senti um pouco seu corpo imenso. A aurora e
a criança tombaram no bosque.
No despertar, era meio-dia.
Fonte:
RIMBAUD, Arthur. Poesia completa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.
Jorge Luis Borges
O Outro
O fato ocorreu no mês de fevereiro de 1969, ao
norte de Boston, em Cambridge. Não o escrevi
imediatamente, porque meu primeiro
propósito foi esquecê-lo para não perder a
razão. Agora, em 1972, penso que, se o escrevo,
os outros o lerão como um conto e, com os
anos, o será talvez para mim.
Sei que foi quase atroz enquanto durou e mais
ainda durante as noites desveladas que o
seguiram. Isto não significa que seu relato
possa comover a um terceiro.
Seriam dez da manhã. Eu estava recostado
em um banco, defronte ao rio Charles. A uns
quinhentos metros à minha direita havia um
alto edifício cujo nome nunca soube. A água
cinzenta carregava grandes pedaços de gelo.
Inevitavelmente, o rio fez com que eu pensasse
no tempo. A milenar imagem de Heráclito. Eu
havia dormido bem; minha aula da tarde
anterior havia conseguido, creio, interessar aos
alunos. Não havia ninguém à vista.
Senti, de repente, a impressão (que, segundo
os psicólogos, corresponde aos estados de
fadiga) de já ter vivido aquele momento. Na
outra ponta de meu banco, alguém se havia
sentado.
Teria preferido estar só, mas não quis levantar
em seguida, para não me mostrar descortês. O
outro se havia posto a assobiar. Foi então que
ocorreu a primeira das muitas inquietações
dessa manhã. O que assobiava, o que tentava
assobiar (nunca fui muito entoado), era o
estilo crioulo de La Tapera de Elias Regules. O
estilo me reconduziu a um pátio lá
desaparecido e à memória de Álvaro Mellián
Lafinur, morto há muitos anos. Logo vieram as
palavras. Eram as da décima do princípio. A
voz não era a de Álvaro, mas queria parecerse com a de Álvaro. Reconheci-a com horror.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Aproximei-me e disse-lhe:
- O senhor é oriental ou argentino?
- Argentino, mas desde o ano de 1914 vivo em
Genebra – foi a resposta.
Houve um silêncio longo. Perguntei-lhe:
- No número dezessete da Malagnou, em
frente à igreja russa?
Respondeu-me que sim.
- Neste caso – disse-lhe resolutamente – o
senhor se chama Jorge Luis Borges. Eu também
sou Jorge Luis Borges. Estamos em 1969, na
cidade de Cambridge.
- Não – respondeu-me com a minha própria
voz um pouco distante.
Ao fim de um tempo insistiu:
- Eu estou aqui em Genebra, em um banco, a
alguns passos do Ródano. 0 estranho é que nos
parecemos, mas o senhor é muito mais velho,
com a cabeça grisalha.
Respondi:
- Posso te provar que não minto. Vou te dizer
coisas que um desconhecido não pode saber.
Lá em casa há uma cuia de prata com um pé
de serpentes, que nosso bisavô trouxe do Peru.
Há também uma bacia de prata que pendia
do arção. No armário do teu quarto, há duas
filas de livros. Os três volumes das Mil e Uma
Noites de Lane, com gravações em aço e notas
em corpo menor entre os capítulos, o
dicionário latino de Quicherat, a Germania de
Tácito em latim e na versão de Gordon, um
Dom Quixote da casa Garnier, as Tábuas de
Sangue de Rivera Indarte, o Sartor Resartus de
Carlyle, uma biografia de Amiel e, escondido
atrás dos demais, um livro em brochura sobre
os costumes sexuais dos povos balcânicos. Não
esqueci tampouco um entardecer em um
primeiro andar da praça Dubourg.
- Dufour – corrigiu.
107
- Não – respondeu. -Essas provas não provam
nada. Se eu estou sonhando, é natural que eu
saiba o que sei. Seu catálogo prolixo é
totalmente vão.
A objeção era justa. Respondi:
- Se esta manhã e este encontro são sonhos,
cada um de nós dois tem que pensar que o
sonhador é ele. Talvez deixemos de sonhar,
talvez não. Nossa evidente obrigação,
enquanto isto, é aceitar o sonho, como
aceitamos o universo e termos sido
engendrados e olharmos com os olhos e
respirarmos.
- E se o sonho durasse? – disse com ansiedade.
Para tranqüilizá-lo e me tranqüilizar, fingi
uma serenidade que certamente eu não
sentia. Disse-lhe:
- Meu sonho já durou setenta anos. Afinal de
contas, ao rememorar, não há pessoa que não
se encontre consigo mesma. É o que nos está,
acontecendo agora, só que somos dois. Não
queres saber alguma coisa de meu passado,
que é o futuro que te espera?
Assentiu sem uma palavra. Prossegui, um
pouco perdido:
- A mão está saudável e bem, em sua casa de
Charcas y Maipú, em Buenos Aires, mas o pai
morreu há uns trinta anos. Morreu do coração.
Uma hemiplegia o liquidou; a mão esquerda
posta sobre a mão direita era como a mão de
uma criança posta sobre a mão de um
gigante. Morreu com impaciência de morrer,
mas sem uma queixa. Nossa avó havia
morrido na mesma casa. Alguns dias antes do
fim chamou-nos a todos e disse-nos: ‗‖Sou uma
mulher muito velha que está morrendo muito
devagar. Que ninguém se perturbe por uma
coisa tão comum e corrente‖. Norah, tua irmã,
se casou e tem dois filhos. A propósito, em casa
como estão?
- Bem. O pai sempre com seus gracejos contra
a fé. Ontem à noite disse que Jesus era como os
gaúchos que não querem se comprometer e
que, por isto, pregava através de parábolas.
- Está bem. Dufour. Te basta, tudo isto?
Vacilou e disse:
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
- E o senhor?
- Não sei o número de livros que escreverás,
mas sei que são demasiados. Escreverás poesias
que te darão uma satisfação não partilhada e
contos de índole fantástica. Darás aulas como
teu pai e como tantos outros de nosso sangue.
Agradou-me que nada perguntasse sobre o
fracasso ou êxito dos livros. Mudei de tom e
prossegui:
- No que se refere à História… Houve outra
guerra, quase entre os mesmos antagonistas. A
França não tardou a capitular; a Inglaterra e
a América travaram contra um ditador
alemão, que se chamava Hitler, a cíclica
batalha de Waterloo. Buenos Aires, ao redor
de mil novecentos e quarenta e seis,
engendrou outro Rosas, bastante parecido com
nosso parente. Em cinqüenta e cinco, a
província de Córdoba nos salvou, como antes
Entre Rios. Agora, as coisas andam mal. A
Rússia está se apoderando do planeta; a
América, travada pela superstição da
democracia, não se resolve a ser um império.
Cada dia que passa nosso país está mais
provinciano, Mais provinciano e mais
presunçoso, como se fechasse os olhos. Não me
surpreenderia se o ensino do latim fosse
substituído pelo do guarani.
Notei que mal me prestava atenção. O medo
elementar do impossível, e no entanto certo, o
aterrorizava. Eu, que não fui pai, senti por esse
pobre moço, mais íntimo que um filho da
minha carne, uma onda de amor. Vi que
apertava entre as mãos um livro. Pergunteilhe o que era.
- Os possessos ou, segundo creio, Os Demônios,
de Feodor Dostoiewski – me replicou não sem
vaidade.
- Já o esqueci. Que tal é?
Nem bem o disse, senti que a pergunta era
uma blasfêmia.
- O mestre russo – sentenciou – penetrou mais
que ninguém nos labirintos da alma eslava.
Essa tentativa retórica me pareceu uma prova
de que se havia acalmado.
108
Perguntei-lhe que outros volumes do mestre
havia percorrido. Enumerou dois ou três, entre
eles O Sósia.
Perguntei-lhe se, ao lê-los, distinguia bem as
personagens, como no caso de Joseph Conrad,
e se pensava prosseguir o exame da obra
completa.
- A verdade é que não – respondeu-me com
uma certa surpresa.
Perguntei-lhe o que estava escrevendo e disse
que preparava um livro de versos que se
chamaria Os hinos vermelhos. Também havia
pensado em Os ritmos vermelhos.
- Por que não? – disse-lhe. – Podes alegar
bons antecedentes. O verso azul de Rubén
Darío e a canção gris de Verlaine.
Sem me fazer caso, esclareceu que seu livro
contaria a fraternidade entre todos os homens.
O poeta de nosso tempo não pode voltar as
costas à sua época.
Fiquei pensando e
perguntei-lhe
se
verdadeiramente se sentia irmão de todos. Por
exemplo, de todos os empresários de pompas
fúnebres, de todos os carteiros, de todos os
escafandristas, de todos os que vivem nas casas
de números pares, de todos os afônicos, etc.
Disse-me que seu livro se referia à grande
massa dos oprimidos e dos párias.
- Tua massa de oprimidos e párias – respondi
– não é mais que uma abstração. Só os
indivíduos existem, se é que existe alguém. O
homem de ontem não é o homem de hoje,
sentenciou algum grego. Nós dois, neste banco
de Genebra ou Cambridge, somos talvez a
prova.
Salvo nas severas páginas da História, os fatos
memoráveis prescindem de frases memoráveis.
Um homem a ponto de morrer quer se
lembrar de uma gravura entrevista na
infância; os soldados que estão por entrar na
batalha falam do barro ou do sargento. Nossa
situação era única e, francamente, não
estávamos preparados. Falamos, fatalmente,
de literatura; temo não haver dito outras
coisas que as que costumo dizer aos jornalistas.
Meu alter ego acreditava na invenção ou
descobrimento de metáforas novas; eu, nas
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
que correspondem a afinidades íntimas e
notórias e que nossa imaginação já aceitou. A
velhice dos homens e o acaso, os sonhos e a
vida, o correr do tempo e da água. Expus-lhe
esta opinião que haveria de expor em um livro
anos depois.
Quase não me escutava. De repente, disse:
- Se o senhor foi eu, como explicar que tenha
esquecido seu encontro com um senhor de
idade que, em 1918, lhe disse que ele também
era Borges?
Não havia pensado nessa
Respondi, sem convicção:
109
Antes, ele havia repetido com fervor, agora
recordo, aquela breve peça em que Walt
Whitman rememora uma noite compartilhada
diante do mar em que foi realmente feliz.
- Se Whitman a cantou – observei – é porque
a desejava e não aconteceu. O poema ganha
se não adivinhamos que é a manifestação de
um anelo. Não a história de um fato.
Ficou a me olhar.
- O senhor não o conhece – exclamou. –
Whitman é incapaz de mentir.
dificuldade.
- Talvez o fato tenha sido tão estranho que eu
tenha tratado de esquecê-lo.
Aventurou uma tímida pergunta:
- Como anda sua memória?
Compreendi que, para um moço que não
havia feito vinte anos, um homem de mais de
setenta era quase um morto. Respondi:
- Costuma parecer-se com o esquecimento,
mas ainda encontra o que lhe pedem. Estou
estudando anglo-saxão e não sou o último da
classe.
Meio século não passa em vão. Sob nossa
conversação de pessoas de leitura miscelânea e
de gostos diversos, compreendi que não
podíamos nos entender. Éramos demasiado
diferentes e demasiado parecidos. Não
podíamos nos enganar, o que torna o diálogo
difícil. Cada um de nós dois era o arremedo
caricaturesco do outro. A situação era anormal
demais para durar muito mais tempo.
Aconselhar ou discutir era inútil, porque seu
inevitável destino era ser o que sou.
De repente, lembrei uma fantasia de
Coleridge. Alguém sonha que atravessa o
paraíso e lhe dão como prova uma flor. Ao
despertar, ali esta a flor.
Ocorreu-me artifício semelhante.
Nossa conversação já havia durado demais
para ser a de um sonho. Uma súbita idéia me
ocorreu.
- Eu posso te provar imediatamente – disselhe – que não estás sonhando comigo. Ouve
bem este verso, que nunca leste, que eu me
lembre.
Lentamente entoei o famoso verso:
L‘hydre – univers tordant son corps ecaillé
d‘astres.
Senti seu quase temeroso estupor. Repetiu-o
em
voz
baixa
saboreando
cada
resplandescente palavra.
- É verdade – balbuciou – Eu não poderei
nunca escrever um verso como este.
- Ouve – disse-lhe -, tens algum dinheiro?
- Sim me replicou. – Tenho uns vinte francos.
Esta noite convidei Simón Jichlinski ao
Crocodile.
- Diz a Simón que exercerá a medicina em
Carouge e que fará muito bem… agora, me dá
uma de tua moedas.
Tirou três escudos de poeta e umas peças
menores. Sem compreender, me ofereceu um
dos primeiros.
Eu lhe estendi uma dessas imprudentes notas
americanas que têm valor muito diferente e o
mesmo tamanho. Examinou-a com avidez.
- Não pode ser – gritou. – Leva a data de mil
novecentos e sessenta e quatro.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
(Meses depois, alguém me disse que as notas
de banco não levam data.)
- Tudo isto é um milagre – conseguiu dizer – e
o milagroso dá medo. Os que foram
testemunhas da ressurreição de Lázaro terão
ficado horrorizados.
Não mudamos nada, pensei. Sempre as
referências livrescas.
Fez a nota em pedaços e guardou a moeda.
Eu resolvi lançá-la ao rio. O arco do escudo de
praia perdendo-se no rio de prata teria
conferido à minha história uma imagem
vivida, mas a sorte não quis assim.
Respondi que o sobrenatural, se ocorre duas
vezes, deixa de ser aterrador. Propus a ele que
nos víssemos no dia seguinte, nesse mesmo
banco que está em dois tempos e dois lugares.
Assentiu logo e me disse, sem olhar o relógio,
que já era tarde. Os dois mentíamos e cada
qual sabia que seu interlocutor estava
mentindo. Disse-lhe que viriam me buscar.
110
- Buscá-lo? – interrogou.
- Sim. Quando alcançares a minha idade, terás
perdido a visão quase por completo. Verás a
cor amarela, sombras e luzes. Não te
preocupes. A cegueira gradual não é uma
coisa trágica. É como um lento entardecer de
verão.
Despedimo-nos sem nos termos tocado. No dia
seguinte, não fui. O outro tampouco terá ido.
Meditei muito sobe esse encontro, que não
contei a ninguém. Creio ter descoberto a
chave. O encontro foi real, mas o outro
conversou comigo em um sonho e foi assim
que pude me esquecer. Eu conversei com ele
na vigília e a lembrança ainda me atormenta.
O outro me sonhou, mas não me sonhou
rigorosamente. Sonhou, agora o entendo, a
impossível data no dólar.
Fonte:
BORGES, Jorge Luis. O Livro de Areia. Porto Alegre: Editora Globo,
1978.
Antonio Brás Constante
Mamãe, a Professora Sumiu!
Quantas pessoas já não pensaram em como
seria bom conciliar o prazer de continuar na
cama quentinha com o dever de estudar. Pois
essas pessoas provavelmente terão suas preces
atendidas, visto que é cada vez mais forte o
movimento em prol do estudo à distância.
Uma nova forma de aprendizado que
promete trazer vantagens (mas também
desvantagens), algumas delas descritas neste
texto.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Podemos imaginar que mudarão as desculpas
para matar a aula: ―não estava sem guardachuva‖, ―estava sem conexão‖. O aluno não
poderá mais dar uma maçã para professora,
mas poderá enviar uma mensagem para seu
avaliador, cheia de anjinhos, florzinhas e até
fotos de maçã. Também não terá mais graça
arremessar bolinhas de papel (atirar em
quem?).
Os trotes escolares serão resumidos a algum
tipo de vírus baixado no computador do
calouro. Você não terá mais o endereço
residencial de seus colegas, terá apenas o
eletrônico, e eles serão reconhecidos pelo IP
que usam. Todos os alunos terão carinhas de
―smales‖ e não haverá mais problemas de
distância na educação (poderá dizer para sua
mãe que seu coleginha é japonês, e ele será
mesmo, inclusive vivendo no Japão), porém,
toda esta tecnologia tornará mais distantes as
relações no mundo real (este lugar quase
obsoleto, onde ainda vivemos).
Os ruídos de comunicação darão lugar aos
erros de comunicação. Ao invés de não
entender seu professor, você não entenderá o
software educacional instalado em seu
computador, achando que ele não gosta de
você, e criando comunidades no orkut do tipo:
―Eu odeio meu computador‖. As discussões
acaloradas de outrora, onde todos falavam e
ninguém escutava, serão substituídas por
discussões acaloradas em chats onde todos
escrevem, mas ninguém lê.
As diferenças entre as classes sociais (ricos e
pobres) não serão mais evidenciadas pelas
roupas de grife (você poderá assistir às aulas
pelado, que ninguém notará), e carros
importados, mas poderão ser observadas pela
potência de processamento e armazenamento
das máquinas, e a velocidade da banda larga
de cada um. Para que este tipo de ensino
possa contemplar também públicos de renda
mais baixa, haverá planos sociais de inclusão
disponibilizados em lan houses.
Seu histórico escolar passará a ser chamado de
log, registrando todos os seus erros em uma
memória tão boa quanto à de qualquer
esposa. A televisão que era, em muitos casos,
utilizada como forma de entretenimento e
aprendizado de inúmeras crianças quando
não estavam estudando, terá no computador
um reforço desta técnica, criando indivíduos
literalmente através de caixas pseudoeducativas.
Enfim, a figura ultrapassada do professor
fatalmente será substituída por uma
programação de ensino e avaliação à
distância, produzida por uma equipe técnica e
pedagógica, que encapsulará tudo de forma
fria e competente, parametrizando resultados
e potencializando rendimentos, visando tornar
seu público-alvo uma perfeita máquina
biológica de aprendizado, mais eficiente e
mais… Humana?
Fontes:
Recanto das Letras
Baú de Trovas
Nova Friburgo 1960
I Jogos Florais de Nova Friburgo, no ano de
1960
não sou senhor. . . nem de mim!
RODRIGUES CRESPO (Belo Horizonte)
TEMA NACIONAL/INTERNACIONAL = AMOR
2º lugar
Eu amo a vida, querida,
com todo o mal que ela tem!
Só pelo bem – que há na vida,
de se poder querer bem.
ANIS MURAD (Rio de Janeiro)
VENCEDORES:
1º lugar
Não me chames de senhor
que não sou tão velho assim,
e a teu lado, meu amor,
111
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
3º lugar
Eu sigo na minha rota,
vencido, cheio de dor.
Causaram minha derrota
minhas vitórias no amor.
COLBERT RANGEL COELHO (Rio de Janeiro)
4º lugar
Duvidas que numa trova
eu encerre o nosso amor?
Na hóstia tu tens a prova:
Não cabe Nosso Senhor?
JESY BARBOSA (Campos)
5º lugar
Tua visão permanece
no meu olhar. Não fugiu.
O lago nunca se esquece
da estrela que refletiu.
RAUL SERRANO (Rio de Janeiro)
6º lugar
És rico… Mas que tristeza!
Tens vazio o coração…
Não ter amor é pobreza
mais triste que não ter pão.
JESY BARBOSA (Campos)
7º lugar
Se toda gente soubesse
como custa querer bem,
quanta gente gostaria
de não gostar de ninguém.
OCTAVIO BABO FILHO (Rio de Janeiro)
8º lugar
Não te prendas mais à dor
nem lembres quem te esqueceu
pois quem quer morrer de amor
vive do amor que morreu.
WALTER WAENY JUNIOR (Santos)
9º lugar
Toda a beleza da vida,
todo o encanto dela, vem
de a gente saber, querida,
que é toda a vida de alguém.
LEMA RIBEIRO FERREIRA (Belo Horizonte)
10º lugar
Busquei no amor, não me iludo,
a desventura que quis.
Nesta vida, amar é tudo,
é mais do que ser feliz!
CLÉA MARINA CUNHA DE MENESES
112
MENÇÕES HONROSAS
11º
Em seus olhos procurei
o amor que tanto queria.
Não fui feliz. Encontrei
o que a outro pertencia …
VERA MILWARD DE CARVALHO (Caxambu)
12º
Fizemos, na vida ingrata,
do nosso amor um tesouro:
os filhos nos deram prata!
Os netos nos deram ouro!
JOSÉ MARIA MACHADO
(Português) (Rio de Janeiro)
DE
ARAÚJO
13º
Amor! Não podem dizer
os versos mais inspirados
o que dizem a tremer
nossos dedos enlaçados …
ANA ROLÃO PRETO M. ABANO (Benguela –
Angola – África)
14º
Esta profunda tristeza
que fica, quando te vais,
não é amor, com certeza:
com certeza, é muito mais.
ANTÔNIO NILO BORGES (Rio de Janeiro)
15º
Dá meus olhos, morto, Amada,
ao cego da nossa rua .
Se o morto não vê mais nada,
veja o cego a graça tua …
CICERO COSTA (Rio de Janeiro)
16º
Vou chegando ao fim da estrada
e agora não mais me iludo;
sem amor a vida é nada,
com amor a vida é tudo.
ALVARO DINIZ (Osório Dutra) (Rio de Janeiro)
17º
Mal do amor ninguém me fale.
Seu cativo eu fui, é certo.
Libertei-me… De que vale
liberdade num deserto?
ORLANDO BRITO (S. Paulo)
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
18º
―Tudo envelhece na vida‖
doutrinava o professor.
Replica a aluna sabida:
―Exceção feita no amor.. .
AMÉLIA TOMAS (Cantagalo)
25
Bem sei que amor é tormento,
mas a Deus peço um favor:
ir morrendo, em fogo lento,
na doce chama do amor.
LÚCIA LOBO FADIGAS (Rio de Janeiro)
19º
É teu amor ouro puro,
por isso sou rica assim,
e as outras todas, te juro,
morrem de inveja de mim.
ODÉLIA BELEM BONESCHI (Niterói)
26
Se amor se paga com amor,
como diz ditado antigo,
meu benzinho, por favor,
acerte as contas comigo.
JORGE MURAD (Rio de Janeiro)
20º
Sei que não foge à verdade,
você também pode crer;
em amor, felicidade
é dar mais que receber.
NICE NASCIMENTO (Rio de janeiro)
27
O amor todo o mundo canta:
uns falam mal, outros bem.
Da mulher faz uma santa,
faz um demônio também.
AMÉLIA TOMAS (Cantagalo)
A seguir, das 2.500 recebidas, mais 80 trovas
selecionadas por Luiz Otávio e J.G. de Araújo
Jorge, não por ordem de classificação, que
compuseram as 100 finalistas:
28
Amor é gozo e tormento,
mas pelo bem que me fez,
de novo sofrer eu tento,
desejo amar outra vez.
ALIPIO PORTES (Niterói)
21
Do amor, a definição
varia conforme a idade.
Diz o moço: é sedução.
Dirá o velho: é saudade.
IRACI DO NASCIMENTO SILVA (Rio de
Janeiro)
22
Amor é simples afeto,
mas de poder tão profundo
que torna as almas unidas
nos desertos deste mundo.
HÉLIO GARCIA DE MATTOS (Rio de Janeiro)
23
Não há meio de esquecer
este amor que anda comigo:
se acordada, penso em ti,
dormindo, sonho contigo.
ALICE DE PAULA MORAES (S. Paulo)
24
Dentre os destinos diversos,
eu prefiro o do cantor
que através de lindos versos
conta o mal que causa o amor.
S. SUANNES (S. Paulo)
113
29
A verdade está contida
nas fracas linhas da sorte:
- Com amor, a morte é vida;
sem amor, a vida é morte.
JANUÁRIO DA SILVA FERNANDES (Rio de
Janeiro)
30
Amor é sorriso e pranto,
sofrimento, inspiração. . .
alegria, desencanto,
luz em meio à escuridão …
MARIA DE LOURDES LORETTI MOTTA (Rio de
Janeiro)
31
O amor chega sem aviso,
sem mesmo a gente esperar.
Vem nas asas de um sorriso
ou na flecha de um olhar.
MENANDRO THOMAZ WHATELY (Rio de
Janeiro)
32
Vivem um drama completo
de desespero e de dor,
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
os que têm sede de afeto,
os que têm fome de amor.
ALVARO PARIA (Rio de Janeiro)
33
Um dia abri a janela:
achei mais bonito o dia
e a vida radiosa e bela…
Era o amor… eu não sabia…
ZAIRA DE AZEVEDO CONRADO LEITE (Rio de
Janeiro)
34
Passarinho que me encantas,
não cantarias assim
se tivesses penas tantas
como as de amor sobre mim.
ODETTE TOLEDO (Rio de Janeiro)
41
Amei alguém – que desdita!
Morri de tanto sofrer.
Ó Deus do amor, me permita
Reviver, amar, morrer…
GUARACY LOURENÇO COSTA
Janeiro)
(Rio
43
Em amor eu sou cigana,
não divido com ninguém …
E sendo, dele, tirana,
sou dele escrava também …
AIDA RODRIGUES FRANGO (Petrópolis)
36
Quem não souber com certeza
do seu amor a extensão,
consulte o grau de tristeza
que causa a separação.
ADÁLIA LIMA TORRES (Rio de Janeiro)
44
Que importa a mágoa, o ciúme
e essa angústia que te invade?
Morre a flor, fica o perfume,
morre o amor, fica a saudade.
RAUL SERRANO (Rio de Janeiro)
37
Amor, veneno em mistura,
de conseqüência imediata:
medindo a dose, ele cura,
mas não medindo, ele mata!
ALFREDO DE CASTRO (Pouso Alegre)
39
Seria a vida um inferno
e a humanidade um horror,
se ao mundo, em seu giro eterno,
faltasse o impulso do amor!
AZEVEDO ROLIM (Niterói)
40
Não peço o céu numa prece,
nem temo o inferno, querida,
pois quem te amou já conhece
inferno e céu nesta vida.
ORLANDO BRITO (S. Paulo)
42
Andei na vida tão cego
por amores, que não sei
quantas saudades carrego,
quantas saudades deixei.
CÉLIO BASTOS (Campo Belo – MG)
35
Há nos destinos humanos
diferenças capitais.
Se muito sofre quem ama
quem não ama sofre mais.
OSORIO DUTRA (Rio de Janeiro)
38
Dizem que o amor traz tristeza.
A mim, só traz alegria.
Quem ama sente a beleza
que há em tudo que Deus cria.
NIEDDY BEZERRIL FREDERICK
Janeiro)
114
(Rio
45
Para a fome do desejo,
neste amor que me consome,
há teu beijo; mas teu beijo
não mata, incrementa a fome.
BITTENCOURT DE SÁ (Rio de Janeiro)
de
46
Sofro e choro resignado,
tu nem ouves minha dor!
Quanto amor desperdiçado
por tanta falta de amor! …
JUNQUILHO LOURIVAL (Niterói)
47
Maior que o amor mais fecundo
poder na terra não há:
retire-se o amor ao mundo
e o mundo estacionará.
de
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
AZEVEDO ROLIM (Niterói)
48
O amor que às vezes nos mata
outras vezes vivifica,
é a loucura mais sensata
que o mundo inteiro pratica.
LEOPOLDINA DIAS SARAIVA (Rio de Janeiro)
49
Se acaso eu fosse rainha,
dava a você meu reinado;
e se fosse uma andorinha,
- o meu ninho no telhado COLOMBINA (S. Paulo)
50
Não penses que estou pensando
que em mim pensas com fervor:
bem sei onde, como e quando
tens pensamentos de amor…
JOSÉ AUGUSTO DA SILVA (Rio de Janeiro)
51
No sobe-e-desce da vida,
o amor, na vida da gente,
é o bastão para a subida
e o freio para a vertente.
LÉDA DIAS DE CARVALHO (Rio de Janeiro)
52
Duas simples palavrinhas
Podem formar um conceito:
―‗Eu‖ e ―tu‖, mesmo sozinhas,
exprimem ―amor perfeito‖.
ANTÔNIO JOSÉ AYRES (Rio de Janeiro)
53
Sobre o Amor já se tem dito
muita coisa de valor;
mas bem poucos, acredito,
sabem mesmo o que é o Amor!
A. ISAIAS RAMIRES (Rio de Janeiro)
54
Quem ama nunca está certo
de amar com tranqüilidade.
Tem ciúmes, se está perto;
se está longe… tem saudade!
AFONSO SOLANO DE OLIVEIRA (Niterói)
55
Amor me prende e maltrata,
me faz sofrer noite dia,
mas sem ele que me mata
115
mais infeliz eu seria.
AGMAR MURGEL DUTRA (Rio de Janeiro)
56
Sofri… Fui cego. . . Fui louco,
amando como te amei.
Dei-te amor, fizeste pouco
de todo o amor que te dei! …
ANTONIO J. COURI (Juiz de Fora)
57
Meu amor, minha alegria,
perguntas o que é sofrer!
Sofrer é passar um dia
inteirinho sem te ver.
ANTÔNIO RIBEIRO (São Gonçalo)
58
Quando os olhares se encontram,
trazendo à face o rubor,
se o coração bate forte,
que sorte! Nasceu o amor!
ANTÔNIO SÈVEN-AVLIS PERES DOS SANTOS
(Nova Friburgo)
59
O amor pra ser mais gostoso
não pode ser tão pamonha:
tem de ser escandaloso,
cego e surdo e sem-vergonha.
A. A. DE ASSIS (S. Fidélis)
60
A crer em feitiço chego,
pois desde, ó flor, que te vi,
nunca mais tive sossego,
só vivo pensando em ti!
ARIPIO FORTES (Niterói)
61
Pedi a Deus que me desse
um grande amor nesta vida;
Ele ouviu a minha prece.
Apareceste, querida!
ARMANDO PERCIVAL (Rio de Janeiro)
62
Levando a felicidade
de meus passados amores,
Ievo o esquife da saudade
todo enfeitado de flores.
BITTENCOURT DE SÁ (Rio de Janeiro)
63
É mudo, tristonho e frio
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
um coração sem amor,
é como o ninho vazio,
igual à jarra sem flor.
CARLOS ALBERTO DA COSTA GUEDES
(Niterói)
64
Bons tempos, quando eu sorria
dos que choravam de amor,
sem prever que ele seria
o meu futuro senhor.
CLÉO CARVALHO GOMES (Rio de Janeiro)
(S.
67
Felizes os trovadores,
romancistas de quadrinhas,
que fazem de seus Amores
romances de quatro linhas.
DURVAL MENDONÇA (Rio de Janeiro)
68
Viver sem amor, bobagem,
é como missa sem vinho,
capelinha sem imagem
e mato sem passarinho.
EDIGAR DE ALENCAR (Rio de Janeiro)
69
Vós tendes na mão, Senhora,
a chave da minha sorte:
vosso amor é minha vida
e vosso desprezo, a morte.
ESDRAS ACIOLI (Rio de Janeiro)
70
Amor – sentir que nasceu
de oculto poder eterno,
possuindo algo de céu
com pedacinhos de inferno…
Luís
GERALDO PIMENTA DE MORAIS (Pouso
Alegre)
71
Vive-se pobre, algemado
à vida, em pleno declive,
vive-se ao léu, maltratado,
mas sem amor ninguém vive!
GILBERTO DE SOUZA LIMA (Rio de Janeiro)
72
Se o mal do amor, algum dia,
não mais prendesse ninguém,
muita dor se apagaria…
mas quanto riso também!
HÉLIO N. MARTINS (Rio de Janeiro)
65
Se nunca eu te conhecesse,
como eu iria supor
que o meu destino fosse esse
de fazer versos de amor?
CLODOALDO D‘ALINCOURT (Rio de Janeiro)
66
Não me digas que não amas,
que jamais amaste alguém!
Amor é tal qual a Morte…
É mal de todos, também!
CONCEIÇÃO DE OLIVEIRA
Maranhão)
116
73
Meu amor eu te asseguro
que estou tão bem a teu lado
que lamento que o Futuro
mude o Presente em Passado.
HERMÊ LUZ (Rio de Janeiro)
–
74
Coração que tanto bates
por alguém que muito queres:
não te canses, não te mates,
nem te fies nas mulheres!
HUGO DE ALVARENGA PEIXOTO (Rio de
Janeiro)
75
Amor se dá, não se vende,
não se compra, não se empresta…
Quem o compra, se arrepende
e, quem o vende, não presta.
IRACI DO NASCIMENTO E SILVA (Rio de
Janeiro)
76
O amor (que a todos nivela)
nos tornou tão desiguais:
fez-se fútil, tagarela,
e a mim – fez triste demais!
IVAN VON WREDENN DIAS (Rio de Janeiro)
77
O céu te deu a beleza,
o sol te deu o fulgor,
o mundo te deu riqueza,
eu, porém, te dei amor!
J. GOMES VIANNA (Rio de Janeiro)
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
78
O beijo que tu me deste
teve tão grande sabor,
que pude sentir nos lábios
o gosto de teu amor!
JADIR VILELA DE SOUZA (Divinópolis – MG)
79
Amor – é doce de coco,
nunca a ninguém satisfaz …
Quem prova, gosta e acha pouco,
pede outra vez … e quer mais.
JAMIL EL-JAICX (Nova Friburgo)
80
Amor, palavra encantada
que nasce de um gesto mudo,
é o tudo que é quase nada …
é o nada que é quase tudo …
JOÃO FELICIO DOS SANTOS (Rio de Janeiro)
81
Canção da vida, beleza,
saudade, mistério e dor,
sendo alegria ou tristeza
quem vive sem ter amor?
JOSÉ HENRIQUE GIRÃO (Rio de Janeiro)
82
Um dia – Deus sabe quando
terminará minha dor,
a dor de viver chorando
por amor do meu amor!
JOÃO MATTOSO (Juiz de Fora)
83
As flechas do amor perfeito
Cupido nos apontou:
- a minha atingiu-me o peito;
a tua se desviou…
JOÃO VICENTE DA COSTA (Rio de Janeiro)
84
Sem ti, não vivo tristonho,
nem minha sorte maldigo…
Pelo milagre do sonho
eu passo as noites contigo.
JOSÉ LOURENÇO (Barra Mansa – RJ.)
85
Achar amor não nos custa,
como perder, também não.
Amor é qual flor de estufa,
conservá-lo, eis a questão!
117
MARIA HELENA ALVES PORTILHO (Rio de
Janeiro)
86
Grande contraste, de fato,
há na história de nós dois:
o amor – passou como um jato…
Saudade – em carro de bois. . .
MARIA DE LOURDES LORETTI MOTTA (Rio de
Janeiro)
87
Amor que trazes tristeza,
Amor que fazes cantar.
Se és toda a minha riqueza,
por que vivo a mendigar?
MARIA ISABEL MIRANDA (Rio de Janeiro)
88
Amor – eu não te sabia
espreitando os passos meus.
Descuidei-me um certo dia …
Acordei nos braços teus!
MARIA SAMPAIO PRUDENTE DE MORAIS
(Rio de Janeiro)
89
Nos cabelos de meu bem
é sempre noite fechada.
Há no seu rosto, porém,
uma eterna madrugada.
MENANDRO WHATELY (Rio de Janeiro)
90
Amor é luz de candeia,
é festa de encantamento.
Parece um sino de aldeia
num dia de casamento.
MERCÊS MARIA MOREIRA (Belo Horizonte)
91
Amor no peito entranhado
extirpar não queiras não.
Pois o amor traz, se arrancado,
pedaços do coração.
MILVIO MARCIO PIACESI (Rio de Janeiro)
92
De dois modos pode a gente,
quando ama, ser mais feliz:
- guardando aquilo que sente,
- medindo aquilo que diz…
OCTAVIO ISMAELINO (Rio de Janeiro)
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
118
93
Palavra bem pequenina,
de mistério tão profundo,
o amor é a força que anima
tudo que existe no mundo.
OSWALDO FRANCISCO COSTA (Niterói)
97
Nosso amor foi certo dia
tão sincero, tão profundo,
que toda gente dizia
não ser coisa deste mundo.
REMY PRATES PINHEIRO (Rio de Janeiro)
94
Amor é paz e clemência,
sol na Terra-Prometida,
a bênção da Providência
e a razão de nossa vida.
PAULA FARIA (Rio de Janeiro)
98
As trovinhas que te envio,
pobre presente de um triste,
são pedaços arrancados
do coração que partiste…
SEBASTIÃO PAULO DO VALLE (Vitória)
95
Tento esquecer teu amor.
Mas, confesso, tento em vão:
- Querer é desejo meu,
poder é do coração!
PEDRO MANHÃES (Campos)
99
Dizem que o amor cega a gente,
não creio neste gracejo,
pois comigo é diferente:
mesmo sonhando te vejo.
VICENTE GUIMARÃES (Rio de Janeiro)
96
Meu amor é tão profundo
que você mesma nem crê;
é tanto, meu bem, que o mundo,
para mim, é só você.
REGINALDO SILVA (Rio de Janeiro)
100
Quando desperto contente
e às coisas serias não ligo,
adivinha toda gente
que é porque sonhei contigo.
LEOPOLDINA DIAS SARAIVA (Rio de Janeiro)
Fonte:
Blog Vendaval das Letras
Antonio Brás Constante
A Partida Do Homem Mais
Veloz Do Mundo
Ele era considerado o melhor maratonista do
mundo. Possuía diversos títulos, medalhas e
troféus. Nunca havia perdido uma única
corrida. Era tão veloz que não havia
adversários que pudessem acompanha-lo. Foi
ficando arrogante. Não encontrava desafios
dignos de sua pessoa.
Dentre os prêmios conquistados, ganhou uma
viagem para uma cidadezinha do interior. A
cidade era localizada em um país distante,
com hospedagem em um hotel de luxo,
utilizado para conferencias internacionais.
Como estava cansado e entediado, resolveu
aceitar a viagem.
Ao chegar ao vilarejo da cidade onde se
localizava o hotel, ficou sabendo que aquele
lugar era rodeado por crenças e superstições.
Um lugar místico. ―Um monte de bobagens‖
ele pensou, pois não acreditava em nada.
Após se registrar no hotel, foi direto para seu
quarto. Jogou-se na cama, percebendo que
havia deitado em cima de alguma coisa. Era
um panfleto sobre uma corrida que iria
acontecer na cidade. Um sorriso cruel
preencheu seus lábios, ao imaginar a
humilhação que poderia causar aqueles
caipiras se resolvesse participar da corrida e
deixar todos os demais competidores a
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
quilômetros de distância. Pensou que seria
divertido aquilo e resolveu se inscrever.
O evento era patrocinado pelo Hotel. Todos os
competidores receberam um abrigo com
capuz para corrida, com o número do corredor
na frente e o nome do hotel escrito nas costas.
A corrida seria por dentro de uma trilha que
cruzava a floresta. Não haveria risco de se
perderem, pois era uma única trilha, bastante
regular e ampla o suficiente para comportar
os corredores.
Dada a largada ele foi passando com
facilidade por todos os outros atletas, até
conseguir ficar a uma boa distância deles,
sumindo por entre as árvores. A floresta era
fechada. Um ar suave penetrava por suas
narinas enquanto ia vencendo os quilômetros
do trajeto.
Foi então que percebeu alguém correndo na
sua frente. Ele de inicio não acreditou. Achara
que já havia passado por todos os demais
competidores. Aquele corredor devia ter
entrado na competição em alguma parte do
caminho, achando que assim poderia levar
vantagem sobre os outros. Isto até seria
possível se ele não fosse um dos competidores.
Passaria pelo trapaceiro e no final da corrida
avisaria os organizadores sobre o caso.
O homem a sua frente era muito veloz. Por
mais que aumentasse seu ritmo não conseguia
alcança-lo. Aquele corredor era incrível. Nunca
tinha visto alguém correr tão rápido,
conseguindo se manter à frente dele por tanto
tempo. O corredor misterioso só poderia estar
drogado para se manter correndo tão rápido.
Mas sua determinação era mais forte. Foi
forçando suas passadas, e aos poucos se
aproximando do outro corredor. O coração se
acelerando com o esforço. O suor escorrendo
pelo seu rosto.
Começou a escutar passos atrás de si. Seria
outro corredor? Sim, e era alguém que ia se
aproximando dele aos poucos. Que loucura. Se
não bastasse ter encontrado um corredor tão
rápido quanto ele, agora aparecia outro
tentando ultrapassa-lo.
A floresta passou a ficar ainda mais escura e
assustadora. Um calafrio percorreu todo seu
119
corpo, sinalizando o medo de encontrar
alguém melhor do que ele. De perder sua
fama de invencível. De ser derrotado por
meros camponeses de um lugarejo perdido no
mapa.
Não poderia aceitar aquela humilhação. Ele
venceria aquela competição a qualquer custo.
Já estava a poucos metros do homem a sua
frente. Infelizmente sentia a aproximação do
outro nas suas costas ensopadas de suor.
O ar parecia estar faltando em seus pulmões.
O excesso de esforço trazendo cãibras nas suas
pernas. Dores nas costelas. O suor aflorando
como uma vertente que escorria por todo seu
corpo.
A cada passada a distância diminuía, e os três
mais próximos ficavam. A visão passou a ficar
embaçada. O coração parecia querer explodir
em seu peito. Não podia parar. Tinha que
vencer.
Já estava tão perto que quase podia ver o
rosto do outro corredor. Intensificou ainda mais
seu ritmo. Mas, por incrível que pareça quando
ele fazia isto os outros dois faziam o mesmo.
Quase como se lessem seus pensamentos.
A luta do homem contra seus limites estava
sendo travada a cada momento. Nunca em
todas as suas outras disputas havia corrido tão
rápido. Parecia voar pelo caminho. A distância
do primeiro corredor era agora tão pequena
que podia toca-lo com o braço se assim
desejasse e foi o que tentou fazer.
Ao longe se podia vislumbrar o final do
percurso e os sons distantes das pessoas que
gritavam em torcida. Esticou o braço e pousou
a mão no competidor que seguia em primeiro
lugar. Já se encontrava praticamente ao seu
lado. Foi neste momento que também sentiu
algo em seu ombro. Por reflexo se virou. Mas
ainda pôde ver de relance o rosto do homem
na sua frente, para enfim enxergar o homem
atrás de si que também se virava e ao lado
dele havia outros.
Seus olhos se arregalaram de horror ao ver sua
própria face nos rostos daqueles homens, como
se estivesse em uma sala de espelhos. O
coração falhou. O ar abandonou de vez seus
pulmões. Suas passadas, porém continuaram.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
A floresta se abriu. Tudo girava ao seu redor.
Sentiu a faixa da linha de chegada rasgar em
contato com seu peito.
Caiu no chão. Aos poucos foi perdendo a
consciência. Já quase desmaiado, escutou
passos de pessoas correndo ao seu encontro.
Sua vista escureceu. A respiração parou.
120
Ele morreu, mas entrou para a história, por ter
batido seu próprio recorde, um recorde
praticamente impossível de se vencer. Ganhou
de si mesmo, consagrando-se o homem mais
veloz do mundo. O preço da vitória, porém, foi
alto, já que para ganhar de si mesmo, teve
que perder a vida…
Fonte:
Recanto das Letras
Obras de Shakespeare no
Cinema
Seus textos literários são verdadeiras obras de
arte e permaneceram vivas até hoje, onde são
retratadas freqüentemente pelo teatro,
televisão, literatura e cinema. As principais
obras do bardo inglês foram transpostas para
o cinema – segundo o ―Guinness Book‖ é o
autor com maior número de adaptações para
a tela (para o cinema e tv são 736
adaptações) -, principalmente ―Hamlet‖ e
―Romeu e Julieta‖.
Até o cinema brasileiro já se inspirou nele,
justamente com a tragédia ―Romeu e Julieta―,
que serviu de paródia na chanchada ―Um
Candango na Belacap―, de Roberto Farias,
1961; na comédia ―O Casamento de Romeu e
Julieta―, de Bruno Barreto, 2005, com Luana
Piovani e Marco Ricca; e no drama ―A
Herança―, 1970, de Ozualdo Candeias.
Baseados na tragédia ―Romeu e Julieta‖:
―Amor Sublime Amor―, de Robert Wise, 1961,
com Richard Beymer e Natalie Wood;
―Romeu e Julieta―, de George Cukor, 1936, com
Norma Shearer e Leslie Howard;
―Romeu e Julieta―, de Renato Castellani, 1954
com Laurence Harvey;
―Romanoff e Julieta―, de Peter Ustinov, 1961,
com Sandra Dee e John Gavin;
―Romeu e Julieta―, de Franco Zeffirelli, 1968,
com Olivia Hussey e Leonard Whiting;
―Romeo + Juliet―, de Baz Luhrmann, 1996, com
Leonardo di Caprio e Claire Danes.
Baseados na tragédia ―Hamlet‖:
―Hamlet―, de Laurence Olivier, 1948, com
Laurence Olivier;
―Homem Mau Dorme Bem―, de Akira
Kurosawa, 1960;
―Hamlet―, de Grigori Kozintsev, 1964, com
Innokenti Smoktunovski;
―Hamlet―, de Bill Colleran e John Gielgud, 1964,
com Richard Burton;
―Hamlet―, de Tony Richardson, 1969;
―Hamlet―, de Franco Zeffirelli, 1990, com Mel
Gibson e Glenn Close;
―Rosencrantz e Guilderstern Estão Mortos‖, de
Tom Stoppard, 1990, com Gary Oldman e
Richard Dreyfuss;
―Hamlet―, de Kenneth Branagh, 1996, com
Kenneth Branagh e Kate Winslet;
―Hamlet―, de Michael Almereyda, 2000, com
Ethan Hawke e Julia Stiles;
―O Banquete―, de Feng Xiaogang, 2006.
Baseados na comédia ―A Megera Domada‖:
―A Megera Domada―, de 1929, com Mary
Pickford e Douglas Fairbanks;
―A Megera Domada―, de Franco Zeffirelli, 1967,
com Elizabeth Taylor e Richard Burton;
―Dá-me um Beijo―, de George Sidney, 1953,
com Howard Keel e Kathryn Grayson;
―Dez Coisas Que Eu Odeio em Você―, de Gil
Junger, 1999, com Julia Stiles;
―A Megera Domada―, de David Richards,
2005.
Baseado na comédia ―A Tempestade‖:
―Céu Amarelo―, de William A. Wellman, 195
com Gregory Peck;
―Planeta Proibido―, de Fred M. Wilcox, de 1956,
com Walter Pidgeon e Anne Francis;
―A Tempestade―, de Derek Jarman, 1979,
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
―A Tempestade―, de Paul Mazursky, 1982, com
Gena Rowlands e John Cassavetes;
―A Última Tempestade―, de Peter Greenaway,
1991, com John Gielgud.
Baseados na tragédia ―Otelo, o Mouro de
Veneza‖:
―Othello―, 1952, de Orson Welles, 1952, com
Orson Welles;
―Otelo―, de Sergei Yutkevich, 1955, com Sergei
Bondarchuk;
―Othello―, de Oliver Parker, 1995, com
Laurence Fishburne;
―Jogo de Intrigas―, de Tim Blake Nelson, 2001,
com Josh Artnett e Julia Stiles.
Baseados na comédia ―Sonho de uma Noite de
Verão‖:
―Sonho de uma Noite de Verão―, de William
Dieterle e Max Reinhardt, 1935, com James
Cagney e Olivia de Havilland;
―Sonho de uma Noite de Verão―, de Woody
Allen, 1982, com Woody Allen e Mia Farrow;
―Sonho de uma Noite de Verão―, de Michael
Hoffman, 1999, com Kevin Kline e Michelle
Pfeiffer.
Baseados na tragédia ―Macbeth‖:
―Macbeth―, de Orson Welles, 1948, com Orson
Welles;
―Trono Manchado de Sangue―, de Akira
Kurosawa, 1957;
―Macbeth―, de Roman Polanski, 1971, com Jon
Finch
―Homens de Respeito―, de William Reilly, 1991,
com John Turturro.
Baseado na tragédia ―Rei Lear‖:
―Rei Lear―, de Petrer Brook, 1971, com Paul
Scoffield;
―Rei Lear―, de Grigori Kozintsev, 1971;
―Ran―, de Akira Kurosawa, 1958;
121
―Terras Perdidas―, de Jocelyn Moorhouse, 1997,
com Michelle Pfeiffer, Jessica Lange e Colin
Firth.
Baseados na tragédia ―Júlio César‖:
―Júlio César―, de David Bradley, 1950, com
Charlton Heston;
―Júlio César―, de Joseph L. Mankiewicz, 1953,
com Marlon Brando;
―Júlio César―, de Stuart Burge, 1970, com John
Gielgud.
Baseados na comédia ―O Mercador de
Veneza‖:
―O Mercador de Veneza―, de John Sichel, 1973,
com Laurence Olivier;
―O Mercador de Veneza―, de Michael Radford,
2004, com Jeremy Irons e Al Pacino.
Baseados na comédia ―Como Gostais‖:
―Como Gostais―, 1936, de Paul Czinner, 1936,
com Laurence Olivier;
―Como Quiser―, de Kenneth Branagh, 2006,
com Kevin Kline.
Baseado na comédia ―Muito Barulho Por
Nada‖:
―Muito Barulho Por Nada―, de Kenneth
Branagh, 1993, com Emma Thompson e Keanu
Reeves.
Baseado na tragédia ―Antônio e Cleópatra‖:
―À Sombra das Pirâmides―, de Charlton
Heston, 1972, com Charlton Heston.
Baseado na comédia ―Noite de Reis‖:
―Ela É o Cara―, de Andy Fickman, 2006, com
Amanda Bynes.
Shakespeare ainda foi personagem em
―Shakespeare Apaixonado―, de John Madden,
1982, interpretado por Joseph Fiennes.
Fonte:
Blog Demais
Antonio Brás Constante
Contos da Delegacia Brasil
- Alô? Aqui é da Delegacia Brasil, policial
Farrapos falando.
- Socorro! Ladrões estão tentando arrombar a
minha casa.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
- Nossa que horror. Acabei de atender outro
cidadão que tinha o mesmo problema da
senhora. Que mundo violento…
122
- O senhor é um louco?! Vou negociar com eles
sim. E dizer para irem até aí, assaltar o senhor
e levarem a sua arma, Que pelo visto não
serve para nada mesmo.
- Olha, preciso de uma viatura aqui e agora!
- Infelizmente não posso lhe ajudar. É que a
única viatura que temos está estragada. E
mesmo que funcionasse, faz tempo que o
tanque dela está vazio. Mas o pior é que como
não temos garagem aqui, a viatura tem que
ficar na rua. A senhora acredita que outro dia
roubaram as rodas dela? Hoje em dia não
respeitam nem a policia…
- A única arma que eu tinha, doei para a
campanha do desarmamento, pois estava
enferrujada e sem munição. Com esta atitude
espero estar fazendo a minha parte para um
mundo menos violento. Se lhe serve de consolo,
alguns meliantes já vieram aqui e levaram
tudo que tinha na delegacia. Só sobrou um
banquinho que trouxe de casa, e este telefone
velho, que de tão velho foi deixado para trás.
- O senhor tem que me ajudar! Mande os
policiais de táxi então. Eu pago.
- Ao menos então anote a ocorrência, para
que eu possa acionar o seguro depois.
- Mandaria, se houvesse outros policiais, mas
com os cortes públicos na área de segurança,
eu sou o único policial de plantão aqui hoje
aqui. E se abandonar meu posto, quem vai
atender as ocorrências?
- Como lhe disse antes, aqui não tem nada
além do banquinho e do telefone. Não tenho
caneta, minha senhora. E o único papel que eu
tinha, tive que utilizar em uma emergência
estomacal, lá no banheiro.
- Mas, o que eu faço então?
- Meu Deus! Eles entraram! Alô? Alô? Policial?
- A senhora já tentou acender a luz e fazer
barulho? Muitos meliantes fogem quando
percebem que tem pessoas em casa. Ou tente
negociar com eles, quem sabe se a senhora der
alguma colaboração, eles não desistem do
assalto?
- [Esta é uma gravação, o telefone para o
qual ligou, acaba de ser cortado por falta de
pagamento. ‗CLICK‘]
Fonte:
Recanto
das
Letras
Antonio Brás Constante
Hoje é seu Aniversário!
"Prepare-se"
Livro de Crônicas, que pretende ser um
genérico ao do escritor Luis Fernando Veríssimo
(também é fã do Veríssimo), ou seja, autor
diferente, mas com o mesmo princípio ativo: O
HUMOR. Os textos são temperados com
generosas pitadas humorísticas, para jovens
dos oito aos oitenta anos e também de outras
faixas etárias. Textos leves e similares a uma
ave-maria (pois eles também são cheios de
graça), que poderão ser saboreados até a
última letra.
Caso queira conhecer um pouco mais sobre seu
trabalho como escritor basta acessar o site:
http://recantodasletras.uol.com.br/autores/abr
asc
Os exemplares do livro poderão ser adquiridos
no
site
da
editora
AGE:
http://www.editoraage.com.br/ .
Antonio Brás Constante
Antonio Brás Constante é natural de Porto
Alegre. Residente em Canoas RS. Bacharel em
computação, bancário e cronista de coração,
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
escreve com naturalidade, descontraída e
espontaneamente, sobre suas idéias, seus
pontos- de- vista, sobre o panorama que se
descortina diferente a cada instante, a nossa
123
frente: a vida. Membro da ACE (Associação
Canoense de Escritores).
Fonte:
O autor.
Luis Fernando Veríssimo
Metamorfose
Quando Gregório Souza acordou certa manhã
de uma noite mal dormida cheia de sonhos
perturbadores, olhou seus pés que emergiam
da outra extremidade da coberta curta e viu
que tinha se transformado em Franz Kafka.
Na verdade, levou algum tempo para
descobrir quem era. Começou certificando-se
que aqueles pés, decididamente, não eram os
dele. Examinou-os com interesse e deduziu que
eram pés da Europa Central, possivelmente
checos. Mas só quando sua mãe entrou no
quarto e ele respondeu ao seu ―bom-dia!‖ em
checo, espantando-se tanto quanto a ela, deuse conta de quem era.
Não sabia explicar como acontecera aquilo.
Não só ele era Kafka como toda a situação
era puro Kafka. Sua mãe gritando,
perguntando quem ele era e o que estava
fazendo na cama do seu filho – pelo menos ele
imaginava que era isto que ela dizia, pois não
conseguia entendê-la – e ele, apalpando-se,
ao mesmo tempo assustado e maravilhado, eu
Franz Kafka!
Levantou-se da cama e foi se olhar no espelho,
enquanto sua mãe corria do quarto para
chamar seu pai, que chamou a polícia, que
veio e cercou o prédio errado, causando uma
enorme confusão no trânsito e ferimentos a
bala em três pessoas, e viu que era mesmo
Franz Kafka, com as olheiras e tudo. Foi preso.
Tentou inutilmente se comunicar com os
policiais mas nenhum falava checo ou alemão.
Tentaram levá-lo para a delegacia no carro
da polícia, mas nada se mexia no trânsito
engarrafado e um camelô meteu a cabeça
para dentro do carro e ofereceu ―Saquinho de
limão, doutor? Limpador de pára-brisa?
Assistência legal?‖, que Kafka aceitou, tanto
que quando os policiais decidiram bater nele
ali mesmo e jogá-lo na calçada foi seu
advogado que o levou a um hospital, onde ele
esperou uma hora na fila de um guichê só
para dizer se era conveniado ou se era pelo
SUS.
Em seguida, foram à repartição competente
para regularizar sua situação como estrangeiro
no país e quando Kafka indicou, com gestos,
que não tinha dinheiro para pagar seus
serviços, já que a carteira de Gregório Souza
estava vazia, o advogado sorriu, levantou a
palma da mão e disse ―Xacomigo‖.
Com a situação de Kafka regularizada por
meio de uma propina e um documento de
identidade provisório para seu cliente
comprado de outro camelô, o advogado daria
entrada com um pedido de pensão da
Previdência Social, pois o fato de ter-se
transformado em checo da noite para o dia o
abalara psiquicamente, e os dois ganhariam
uma fortuna, ainda mais que o advogado
tinha um cúmplice na previdência que
acrescentava zeros às guias de pagamento,
quanto zeros se quisesse. A todas estas Kafka
tomava notas, maravilhado.
Em casa, Kafka conseguiu acalmar os pais de
Gregório e, com paciência, recorrendo a
algumas palavras em inglês que sabia,
explicou o que tinha acontecido. Para sua
sorte – e para a sua surpresa, pois antes de
morrer dera ordens para que toda sua obra
fosse queimada – havia um livro de Kafka
numa prateleira do quarto de Gregório, com
sua fotografia na capa, e os pais acabaram
compreendendo que aquilo tudo era um tipo
de acontecimento literário, talvez uma
parábola, e que Gregório não corria perigo,
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
salvo o de perder seu emprego na companhia
de seguros.
Adotaram o filho substituto. E com sua
situação doméstica resolvida, o português que
aprendeu ouvindo as novelas e lendo as
traduções dos seus próprios livros e o dinheiro
que o advogado conseguiu da Previdência –
R$ 500 milhões – Kafka se sentiu em condições
124
de recomeçar a carreira literária interrompida
com sua morte. Comprou um computador e
preparou-se para escrever o seu primeiro livro
brasileiro, apenas duvidando que estivesse à
altura da tarefa.
Fontes:
COSTA, Flávio Moreira da (organizador). Os 100 Melhores Contos de
Humor da Literatura Universal. 5.ed. RJ: Ediouro, 2001.
Victor Giudice
O Arquivo
Já no seu livro de estréia, O Necrológio (1971), o carioca
Victor Giudice nos revelava esta pequena obra-prima que é
O Arquivo, na qual o imaginário do autor consegue fundir
tão bem o fantástico com o humor, como um bom discípulo
de Kafka, Dino Buzzati ou Cortázar. Giudice escreveu
outros livros de contos, além do romance Bolero. Foi crítico
de música clássica do Jornal do Brasil. Morreu antes de
consolidar sua obra.
=================
No fim de um ano de trabalho, João obteve
uma redução de quinze por cento em seus
vencimentos.
João era moço. Aquele era seu primeiro
emprego. Não se mostrou orgulhoso, embora
tenha sido um dos poucos contemplados.
Afinal, esforçara-se. Não tivera uma só falta
ou atraso. Limitou-se a sorrir, a agradecer ao
chefe.
No dia seguinte, mudou-se para um quarto
mais distante do centro da cidade. Com o
salário reduzido, podia pagar um aluguel
menor.
Passou a tomar duas conduções para chegar
ao trabalho. No entanto, estava satisfeito.
Acordava mais cedo, e isto parecia aumentarlhe a disposição.
Dois anos mais tarde, veio outra recompensa.
O chefe chamou-o e lhe comunicou o segundo
corte salarial.
Desta vez, a empresa atravessava um período
excelente. A redução foi um pouco maior:
dezessete por cento.
Novos sorrisos, novos agradecimentos, nova
mudança.
Agora, João acordava às
Esperava três conduções.
comia menos. Ficou mais
tornou-se menos rosada.
aumentou.
cinco da manhã.
Em compensação,
esbelto. Sua pele
O contentamento
Prosseguiu a luta.
Porém, nos quatro anos seguintes, nada de
extraordinário aconteceu.
João preocupava-se. Perdia o sono,
envenenado em intrigas de colegas invejosos.
Odiava-os. Torturava-se com a incompreensão
do chefe. Mas não desistia. Passou a trabalhar
mais duas horas diárias.
Uma tarde, quase ao fim do expediente, foi
chamado ao escritório principal. Respirou
descompassado.
- Seu João. Nossa firma tem uma grande
dívida com o senhor.
João baixou a cabeça em sinal de modéstia.
- Sabemos de todos os seus esforços. É nosso
desejo dar-lhe uma prova substancial de nosso
reconhecimento.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
125
função, a partir de amanhã, será a de
limpador de nossos sanitários.
O coração parava.
- Além de uma redução de dezesseis por cento
em seu ordenado, resolvemos, na reunião de
ontem, rebaixá-lo de posto.
O crânio seco comprimiu-se. Do olho
amarelado, escorreu um líquido tênue. A boca
tremeu, mas nada disse. Sentia-se cansado.
Enfim, atingira todos os objetivos. Tentou sorrir:
A revelação deslumbrou-o. Todos sorriam.
- De hoje em diante, o senhor passará a
auxiliar de contabilidade, com menos cinco
dias de férias. Contente?
Radiante, João gaguejou alguma coisa
ininteligível, cumprimentou a diretoria, voltou
ao trabalho.
Nesta noite, João não pensou em nada.
Dormiu pacífico, no silêncio do subúrbio.
Mais uma vez, mudou-se. Finalmente, deixara
de jantar. O almoço reduzira-se a um
sanduíche. Emagrecia, sentia-se mais leve,
mais ágil. Não havia necessidade de muita
roupa. Eliminara certas despesas inúteis,
lavadeira, pensão.
Chegava em casa às onze da noite, levantavase às três da madrugada. Esfarelava-se num
trem e dois ônibus para garantir meia hora de
antecedência.
A vida foi passando, com novos prêmios.
Aos sessenta anos, o ordenado equivalia a dois
por cento do inicial. O organismo acomodarase à fome. Uma vez ou outra, saboreava
alguma raiz das estradas. Dormia apenas
quinze minutos. Não tinha mais problemas de
moradia ou vestimenta. Vivia nos campos,
entre árvores refrescantes, cobria-se com os
farrapos de um lençol adquirido há muito
tempo.
O corpo era um monte de rugas sorridentes.
Todos os dias, um caminhão
transportava-o ao trabalho.
anônimo
Quando completou quarenta anos de serviço,
foi convocado pela chefia:
- Seu João. O senhor acaba de ter seu salário
eliminado. Não haverá mais férias. E sua
- Agradeço tudo que fizeram em meu
benefício. Mas desejo requerer minha
aposentadoria.
O chefe não compreendeu:
- Mas seu João, logo agora que o senhor está
desassalariado? Por quê? Dentro de alguns
meses terá de pagar a taxa inicial para
permanecer em nosso quadro. Desprezar tudo
isto? Quarenta anos de convívio? O senhor
ainda está forte. Que acha?
A emoção impediu qualquer resposta.
João afastou-se. O lábio murcho se estendeu. A
pele enrijeceu, ficou lisa. A estatura regrediu. A
cabeça se fundiu ao corpo. As formas
desumanizaram-se, planas, compactas. Nos
lados, havia duas arestas. Tornou-se cinzento.
João transformou-se num arquivo de metal.
Victor Giudice
(1934 – 1997)
Victor Marino del Giudice nasceu em Niterói,
no dia 14 de fevereiro de 1934. Seus pais eram
artesãos: Marino Francisco del Giudice, de
origem italiana, fabricava chapéus enquanto
ainda se usavam chapéus; Dona Mariannalia
del Giudice, católica, era exímia bordadeira,
com suas mãos ―barrocas‖ de ―fada
branquíssima‖, como o filho a descreveria (ou
fantasiaria) no conto Minha mãe. A maneira
como se referia aos pais pela ausência,
presente também no conto A única vez, este
sobre o pai, só faz enfatizar a importância da
tia Elza, professora de piano com quem o
pequeno Victor convivia mais intensamente e
a quem chamava de ―mãe‖.
Quando Victor tinha cinco anos, a família
mudou-se para o bairro de São Cristóvão, no
Rio, que se tornaria seu ―país‖ ficcional e
referência de origem para sempre. ―Quando se
nasce e se cresce em São Cristóvão, logo se
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
aprende que em São Cristóvão todas as coisas
são de São Cristóvão‖, diria o personagem
semi-autobiográfico do seu conto A glória no
São Cristóvão. Victor foi um menino popular,
que magnetizava os colegas de rua com suas
histórias. Começou, portanto, a se desenvolver
na infância uma das facetas mais sedutoras de
sua personalidade carismática. Com as astúcias
de um legítimo entertainer, que mistura
lembrança
e
invenção
de
maneira
indistinguível, ele enredou pela vida afora
todos os que cruzaram seu caminho.
Aos cinco anos de idade, ele já aprendia a
amar a grande música. O pai o levava ao
Teatro Municipal do Rio para ver em ação o
célebre maestro Arturo Toscanini. Com a tia
Elza iniciou os estudos de piano e canto, que
mais tarde aprofundaria com professores
renomados. Aos nove anos, frequentava
recitais de piano e óperas. Aos 11, leu alguns
volumes da censurada Coleção Verde, de
romances eróticos, e uma descoberta
revolucionou o seu futuro: escrever era um
prazer. Foi quando Victor produziu o primeiro
dos seus contos, Os três suspiros de Helena.
O gosto pelas letras nunca mais o abandonou.
Seguiram-se leituras de Rider Haggard, Conan
Doyle, Poe, Camões, Sartre, Machado de Assis.
Balzac – cuja obra foi devorada nas incursões
de adolescente às estantes da biblioteca do
vizinho e futuro sogro, Dr. Azevedo Lima,
patriarca de uma família numerosa – tornouse uma paixão eterna. Aliás, começou ali o
namoro com Leda, a filha caçula e hoje
professora de literatura, com quem se casaria e
teria os filhos Maurício, matemático, e Renata,
jornalista. Victor formou-se em Letras pela
UERJ em 1975, depois de cursar parcialmente
Ciências Estatísticas nos anos 1950 e Direito nos
anos 1960. Sua segunda mulher, Eneida
Santos, foi uma colaboradora devotada e a
primeira leitora de todos os seus rascunhos a
partir de 1984.
O Édipo Rei, de Sófocles, lido aos 12 anos,
revelou-lhe o fascínio das histórias de mistério.
Com os seriados do Cinema Fluminense,
compreendeu o valor do suspense e da
imprevisibilidade,
atributos
que
iriam
impregnar toda a sua obra literária. Os perigos
de Nyoka, O Fantasma, Flash Gordon, Capitão
Marvel, Império submarino – as chamadas
―fitas em série‖ – figuram entre os primeiros
126
objetos de cinefilia de Victor. Filmes dos
franceses Henri-Georges Clouzot e André
Cayatte também alinham-se entre suas
influências inaugurais.
Por volta dos 13 anos, as visitas freqüentes aos
estúdios da Cinédia lhe renderam uma ponta
no filme Pinguinho de gente, de Gilda de
Abreu. Bem mais tarde, tornou-se aluno da
famosa atriz Dulcina, com quem aprendeu os
mistérios da interpretação. No entanto, Victor
sempre foi um ator nato, além de imitador
impagável. Suas performances-relâmpago ou
a compenetrada declamação dos poemas do
português Antonio Nobre eram um deleite
para quem tinha a sorte de estar por perto.
A cinefilia infantil se perpetuaria na vida
adulta, com um afeto especial pelo cinema
clássico europeu: Visconti, Fellini, os primeiros
filmes de Monicelli, os de Totò, Carné, Clouzot,
as comédias inglesas dos anos 40 e 50 e a
nobreza de Laurence Olivier à frente de
adaptações shakespearianas como Ricardo III.
Já o cinema americano era capaz de lhe
despertar sentimentos conflitantes. Ao mesmo
tempo em que admirava a eficiência e
verossimilhança de suas narrativas, abominava
seus chavões e a superficialidade na
abordagem dos temas. Os filmes de Orson
Welles e grandes musicais como O mágico de
Oz, Cantando na chuva e Um americano em
Paris estavam acima de qualquer restrição.
Quanto ao cinema nacional, irritava-se com
freqüência diante dos sinais de amadorismo
que o infestavam até o final da década de 70.
Apesar de não ter concretizado nenhum
projeto nessa área – o final dos 60 e começo
dos 70 registram uma obscura experiência de
curta-metragem e alguns audiovisuais
didáticos – , Victor gostava de rascunhar
eletrizantes prólogos de filmes imaginários,
capazes de deixar eventuais leitores com água
na boca.
O desenho e a fotografia também o atraíram
desde muito cedo. A começar pelos ladrilhos
da casa, que ele, subversivamente, estimulava
os companheiros de infância a decorar com
seus próprios traços. Comprava filmes baratos
em bobinas e punha-se a fotografar a Quinta
da Boa Vista, o Campo de São Cristóvão e
principalmente os amigos, naquilo que foi o
início de um duradouro culto aos portraits. O
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
127
amor pela fotografia seria uma constante na
vida de Victor. Ele teve fotos publicadas na
revista O Cruzeiro (1969) e no semanário
Crítica (1974). Durante vários anos, um dos
cômodos de sua casa funcionou como
laboratório de revelação fotográfica.
mal encarados de uma lanchonete de esquina.
Domesticamente, sua faceta de chef
materializava-se em papas portuguesas,
estrogonofes, haddocks ao leite, uma receita
própria de ―Peixe à Salvador‖, bolos de
chocolate, quindões e manjares marmorizados.
Aos 16 anos, Victor perdeu o pai. A família
morava então em Macaé (RJ), mas logo
voltaria a São Cristóvão. Empregou-se aos 21
anos como artefinalista numa pequena
agência de publicidade. Pintou anúncios em
cortinas de teatro e, já nos anos 60, formado
em Estatística, trabalhou como desenhista de
gráficos para órgãos públicos. Mais tarde, ao
consagrar-se como escritor, não se furtou ao
prazer de criar as capas de seus livros
Necrológio, Salvador janta no Lamas e O
museu Darbot e outros mistérios, além de uma
revista de comércio exterior editada pelo
Banco do Brasil. Durante toda a vida, Victor
cultivaria na intimidade os retratos e
caricaturas de pessoas conhecidas, feitos em
bico de pena, o esboço gráfico de personagens,
e teve mesmo uma fase de pinturas em
aquarela.
Em Victor Giudice conviviam um intelectual de
gosto refinado e um homem simples e popular.
Ele mantinha longas relações amistosas não só
com artistas e escritores, mas também com
guardadores de carro, lanterneiros, porteiros
de prédios etc. Na sua teia de laços e afetos,
crianças e adultos tampouco recebiam
tratamento diferenciado.
Funcionário do Banco do Brasil por mais de 20
anos, Victor se comprazia em transformar os
jargões e absurdos reais da burocracia em
ficção de sabor kafkiano. O Arquivo, seu
terceiro conto, tornou-se um clássico no Brasil e
foi publicado em oito países, mostrando um
homem que ―progride‖ na empresa à medida
que seu salário vai sendo reduzido e ele
próprio vai se convertendo num objeto. No
ambiente austero do Banco do Brasil, Victor
fazia o terror da hierarquia e as delícias dos
colegas, com sua irresistível tendência a
satirizar o cotidiano, jogar pelos ares as
formalidades e se lixar para os imperativos de
um mito da época: uma boa carreira no BB.
Os formulários burocráticos lhe serviam para
fazer intervenções poéticas e a rotina do
trabalho lhe inspirava situações de comédia.
O homem e o escritor se confundiam na
relação visceral mantida com a cidade do Rio
de Janeiro. O tradicional restaurante Lamas,
onde se passa a ação do conto Salvador janta
no Lamas, era apenas um dos muitos templos
gastronômicos cariocas que Victor freqüentava
com regularidade e fervor quase religiosos. Ele
podia se deliciar tanto com queijos finos e
doces sofisticados, quanto com os salgadinhos
Este homem em permanente trânsito social
manifestava-se também na relação com a
geografia da cidade. Seu coração estava, sem
dúvida, na Zona Norte, mas os túneis eram
caminho diário rumo a livrarias, lojas de discos
e vídeos, restaurantes, casas de amigos etc.
Comutar entre as diversas zonas geográficas,
culturais e econômicas da cidade era parte do
estilo de vida de Victor Giudice, um homem
cujo espírito desconhecia fronteiras de
qualquer natureza.
A faceta místico-esotérica foi outro traço
marcante da personalidade de Victor. Ele
aprendeu leitura de mãos na juventude e
dizia-se um apaixonado pelo ocultismo. Nos
anos 80, estudaria profundamente o tarô e
colecionaria dezenas de baralhos, de várias
modalidades e procedências. Chegou a ―botar‖
cartas informalmente, e criou o protótipo de
uma certa Mandala Divinatória, jogo de
números e peças geométricas que conformaria
toda a vida do consulente. Existem fortes
razões para se suspeitar de que o esoterismo
um tanto jocoso era, no fundo, mais uma
ferramenta de elaboração ficcional de que
Victor lançava mão nas incansáveis peripécias
de sua imaginação.
Depois de aposentar-se em 1986, Victor
retomaria a carreira de professor de teoria e
criação literária, interrompida na década
anterior. Os anos 90 estiveram entre os mais
produtivos de sua carreira: além de dar aulas,
lançou dois livros, escreveu grande parte de
outros dois – o romance Do catálogo de flores
e um volume de teoria da significação
intitulado O que significa isto? -, inspirou
admiração e respeito como crítico de música
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
erudita do Jornal do Brasil, ministrou cursos
livres sobre ópera e música sinfônica, oficinas
literárias e conferências em diversas partes do
país, e ainda prestava consultoria à
programação de óperas em vídeo do Centro
Cultural Banco do Brasil.
Em agosto de 1996, já acometido pelos
primeiros sintomas do que seria mais tarde
diagnosticado como um tipo raro de tumor
cerebral, ele realizou o sonho de comparecer
ao Festival de Bayreuth, na Alemanha, para
cultuar in loco o ídolo Richard Wagner. Victor,
cuja vida fora um incessante diálogo com a
cultura internacional, tinha medo de avião.
Por isso fez poucas viagens ao exterior: esteve
em Buenos Aires, Bogotá, fez três passagens
rápidas por Nova York e empreendeu esta
derradeira fuga a Bayreuth, com breve escala
em Paris, primeiro e último vislumbre de uma
Europa mitificada.
Um mês depois, Victor iniciaria seu longo e
lento duelo com a morte. Ela sairia vencedora
na madrugada de 22 de novembro de 1997.
Mas não na clínica da Zona Sul, onde ele havia
passado os últimos meses, e sim na Tijuca,
bairro onde moravam seus dois filhos, ali bem
perto de São Cristóvão. Ou seja, dentro do
perímetro mágico da sua lavoura criativa.
Carreira Literária
A personalidade de Victor Giudice pode ser
rastreada através dos vestígios autobiográficos
deixados em sua obra literária. Ele foi a
própria
materialização,
declarada
ou
subentendida, de personagens como o ser
mutante do conto O homem geográfico, a
filha mesmerizada pelos mistérios familiares de
Minha mãe, o solitário apaixonado por Haydn
em A criação: efemérides, o avô que
declamava trancado na sala de banho em Os
banheiros ou o narrador do inacabado Do
catálogo de flores.
Sua primeira oportunidade de publicação
surgiu em 1969, quando o escritor José
Louzeiro, que à época editava o Jornal do
escritor, publicou O banquete, também o
primeiro de seus minicontos, formato que ele
iria sofisticar progressivamente nos anos
vindouros. Por pouco Louzeiro não teria salvo
outras centenas de páginas datilografadas,
128
que Giudice havia deitado fora alguns dias
antes, por julgá-las imprestáveis.
O segundo conto publicado, In perpetuum, é
protagonizado por um funcionário de banco
que passa 30 anos procurando uma diferença
de 10 centavos. Nascia ali uma das principais
vertentes da criação literária de Giudice,
alimentada por suas experiências como
funcionário do Banco do Brasil por mais de 20
anos (ver A Vida). Esta é a matéria-prima
também de O Arquivo, um dos contos
brasileiros mais conhecidos internacionalmente,
editado em oito países.
O Arquivo abre o primeiro volume de contos
de Victor Giudice, Necrológio (1972),
começando já na capa do livro. Victor não
queria perder tempo nesse fulminante início de
carreira como escritor. O livro ganhou uma
recepção entusiástica por parte da crítica.
Experimental e ousado, submetia o texto a
uma feroz segmentação, usava o espaço da
página com invenções concretistas e propunha
um texto polifônico, onde se podia ―ouvir‖
uma instigante simultaneidade de ―vozes‖. O
conto Carta a Estocolmo viria a ser publicado
na prestigiosa revista Antaeus (inverno 1983,
Nova York), ao lado de um texto de Gabrielle
D‘Annunzio, e considerado um dos dez
melhores relatos de ficção científica aparecidos
naquele ano nos EUA.
A afirmação em três livros Apesar do sucesso
da estréia, Giudice levaria sete cabalísticos
anos para trazer a público o seu segundo livro,
Os banheiros, de 1979. O Brasil vivia então o
apogeu do contismo. Caio Fernando Abreu
saudou, numa resenha da revista Veja, a
consagração de Giudice ―definitivamente,
como um dos nomes mais expressivos da ficção
brasileira contemporânea‖. Esse livro deixava
clara a paixão de Giudice pelo conto policial, o
seu fascínio pelos mecanismos do gênero. Esta
matriz estaria subjacente a grande parte de
sua obra. No início da carreira, ele havia
publicado contos no Mistério Magazine de
Ellery Queen. Foi também organizador da
Coleção Enigma, de livros policiais, da Editora
José Olympio.
A Narrativa do número um, incluída em Os
banheiros, era, na verdade, um trailer do
romance Bolero, que Giudice traria à luz em
1985. Um palhaço que consegue produzir
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
esferas de prata somente com a força da
imaginação assume ares de metáfora para a
força do pensamento contra a ordem
opressiva e a dominação. O Brasil começava a
sair da ditadura e Giudice nos dava um
romance caudaloso (veja trecho), lidando sem
panfletarismo com o Brasil do pesadelo militar,
das desigualdades profundas e das falsas
mudanças. Para o crítico Valentim Facioli, o
leitor tinha ―diante de si um bizarro logogrifo
literário, sério, circense, dramático, histrião; da
mais intensa atualidade e permanência
enquanto a história for a pré-história do
Grande Circo burguês‖.
Em 1989, Giudice retornou ao terreno dos
contos com Salvador janta no Lamas,
distinguido com o prêmio anual da Associação
Paulista de Críticos de Arte na categoria de
ficção. Os contos desse volume apresentam um
estilo extremamente visual, nos limites do
argumento de cinema. O homem geográfico
poderia figurar numa antologia do corte (no
sentido cinematográfico do termo); Bolívar
nada mais é que um pequeno filme policial
em que, significativamente, o cinema é
repetidamente citado. As palavras, ali, tinham
a generosidade e o desespero de se darem a
ver,
de
se
deixarem
sentir.Salvador
consolidava, ainda, dois traços de estilo que o
escritor importava de sua própria vida: as
referências recorrentes ao plano concreto da
cidade (antecipando, de certa maneira, Paul
Auster em relação a Nova York) e, já a partir
do desenho da capa – o tarô na mesa de bar , a atração pelo esoterismo (ver Vida).
Maturidade premiada Estava pavimentado o
caminho para aquela que muitos consideram
a obra-prima de Victor Giudice: O museu
Darbot e outros mistérios (1ª e 2ª edição).
Temos aí nove contos primorosos, que revelam
um escritor no pleno domínio de seu ofício.
Para eles parecem convergir todos os rumos da
ficção giudiciana: a fantasia familiar (A única
vez, A história que meu pai não contou), as
obsessões do culto à arte (A criação:
efemérides, O museu Darbot), o mistério
introjetado no cotidiano (Cavalos), a narrativa
policial (Jurisprudência), a metáfora política
(O hotel), a sátira de uma nobreza imaginária
(A festa de Natal da Condessa Gamiani) e o
miniconto (Relatividade em nome de Borges).
O livro mereceu a maior distinção literária do
129
país, o Prêmio Jabuti de 1995, conferido pela
Câmara Brasileira do Livro.
Se Bolero havia sido gestado ao longo de sete
anos e tivera vários fragmentos publicados
previamente, o segundo romance de Giudice
seria escrito num só jato, em não mais que 52
dias. A trama de O sétimo punhal, de 1995, era
assim apresentada pela poeta Susana Vargas
na orelha do livro: ―Uma mulher às voltas com
seis crimes (ou seriam quatro?) e um
casamento de muitos anos. Um criminoso a
bordo de um Monza cinza e a cinzenta história
de um estranho namoro‖. Em O sétimo
punhal,, o escritor atinge a maturidade no uso
dos ingredientes da história policial, gênero
relativamente raro no Brasil, do qual ele se
firmou como um dos melhores cultores.
Giudice deixou inacabado o seu terceiro
romance, Do catálogo de flores, que colocava
um escritor brasileiro septuagenário no centro
de uma trama misteriosa na Londres do ano
2018. O escritor tinha sido o único amigo de um
certo Pedro Maravella, poeta brasileiro
desconhecido que escrevia, no século anterior,
uma série de poemas denominada Catálogo
de flores. Descobre-se, então, uma estranha
relação entre os sonetos de Maravella e as
pesquisas científicas desenvolvidas por uma
fundação britânica. ―A história mostra de que
modo uma fraude pode indicar o caminho da
verdade‖, definia o autor numa sinopse.
Poesia, teatro, crítica Os sonetos de Maravella
nada mais são que um eco do próprio Victor
Giudice poeta. Entre um livro e outro, Giudice
mantinha uma produção marginal de sonetos,
a maioria desconhecidos do público leitor e
mesmo de seus amigos mais íntimos. Nas
décadas de 80 e 90, ele participou com amigos
de uma espécie de arcádia, em que toda a
correspondência se dava em sonetos de versos
decassílabos. Seu pseudônimo não escondia
eficientemente o autor: Judicis Marinus. A uma
série de fundo social ele deu o sonoro título de
Sonetos do operário e do patrão.
Giudice produziu também para teatro,
refletindo outra de suas grandes paixões. Em
1991, o Centro Cultural Banco do Brasil montou
seu monólogo Ária de serviço, com direção de
Marco Antonio Braz e a atriz Bete Mendes no
papel da dona de casa infeliz que prepara o
espírito para receber o marido ao final de um
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
dia de trabalho. Teve seu conto Bolívar
encenado por Domingos Oliveira na Biblioteca
Nacional dentro do evento Teatro do texto,
em 1991, e fez uma adaptação do Don Juan,
de Molière, para alunos da Uni-Rio. Exercitouse, ainda, como compositor de trilhas musicais
para teatro (ver A Música). Giudice deixou
inédito o texto da peça O baile das sete
máscaras, mais uma investida demolidora no
universo burguês a que ele próprio pertencia à
sua maneira peculiar.
O crítico e ensaísta literário surgiu na década
de 1970 em jornais do Rio de Janeiro. Carlos
Drummond de Andrade costumava mandarlhe bilhetes agradecendo suas resenhas.
Escritores como Machado de Assis, Arthur
Schnitzler e o dramaturgo Nelson Rodrigues
foram objeto de iluminados ensaios. Mas esta
foi uma carreira bissexta, caracterizada
basicamente pelo seu prazer de ler e pela
independência de suas opiniões. Esta última
qualidade rendeu-lhe, pelo menos uma vez,
130
uma represália. Em julho de 1988, ele publicou
em O Globo uma resenha irônica com relação
ao sucesso de um best seller da mesma editora
que à época examinava seus originais da
coletânea de contos O último coração da
noite. No dia seguinte, a editora devolveu-lhe
os textos com uma carta seca de
indeferimento. O livro acabaria saindo no ano
seguinte, pela José Olympio Editora, com o
título de Salvador janta no Lamas .
Para um escritor que tematizava as hipocrisias
e disfunções da sociedade contemporânea,
episódios como esse não representavam maior
percalço. Pelo contrário, traziam novas idéias
que ele rapidamente levava ao papel. Em
Victor Giudice, a vida e o ofício bebiam da
mesma fonte.
Fontes:
http://www.victorgiudice.com/
COSTA, Flávio Moreira da (organizador). Os 100 Melhores Contos de
Humor da Literatura Universal. 5.ed. RJ: Ediouro, 2001.
Nilton da Costa Teixeira
O Poeta de Ribeirão Preto
Nilton da Costa Teixeira, nasceu na cidade de
Monte Alto, interior de São Paulo, em 03 de
maio de 1920, filho dos portugueses Manoel
dos Santos Teixeira e Conceição da Costa
Teixeira. Veio com a família para Ribeirão
Preto, prosseguindo os estudos no Grupo
Escolar Guimarães Júnior, onde concluiu em
1930/31. Trabalhou desde a infância, tendo sido
prático de farmácia, depois ser provador de
café e, na mesma firma, passou a exercer
funções na contabilidade, enquanto prosseguia
seus estudos no ginásio do Estado, hoje Otoniel
Mota. Na Escola da Biblioteca dos Pobres foi
cursar o ―guarda livros‖, mais tarde na Escola
de Comércio São Sebastião, Contabilidade e
científico no colégio Progresso.
Dedicou-se à contabilidade e ao comércio.
Aposentou-se por tempo de serviço em 1.976. A
contabilidade exerceu-a até os últimos dias de
sua vida. Era associado do Conselho Regional
de Contabilidade e graças ao vasto
conhecimento contábil, assessorava colegas nas
constantes mutações do setor..
Faleceu a 5 de novembro de 1983; casado com
d. Ophélia de Andrade Teixeira.
Carreira Literária
Teve participações esportivas e literárias. Na
literatura, 45 anos de atividades. Em 1936, cofundara o Grêmio Literário Humberto de
Campos.
Na imprensa, Nilton sempre editou crônicas,
contos, poemas, trovas, sonetos, divulgando
parte de sua produção literária, nos jornais de
Ribeirão Preto, oferecendo subsídios para que
professores e alunos trabalhassem, nas escolas,
seus projetos de poesia. Em torno da Fonte
Luminosa, da praça XV de novembro, por
vários anos, estiveram expostas as trovas dos
Jogos Florais de Ribeirão Preto, em placas
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
131
pintadas, com as trovas vencedores. Nilton
sempre tinha alguma premiada.
visitei, hoje, o melhor,
poeta de Ribeirão Preto‖.
Como professor, na Escola dos Pobres,
estimulava o alunado à vida literária e o que
continuou fazendo no correr dos anos. Sua
esposa também lecionava na entidade.
Prefaciou diversos livros. Gostava de escrever
sobre a cidade.
O trovador José Valeriano Rodrigues, mineiro
de diversas academias, assim escreveu:
No correr dos anos, durante campanhas
eleitorais, à pedido de candidatos compunha
―marchinhas‖ de campanha eleitoral e, num só
pleito, viu candidatos eleitos com o apoio suas
mensagens poético-eleitorais. Era comum, ao
passar por cartórios de paz, ser solicitado a
fazer trovas de homenagem a casamento ou
nascimento. O poeta gostava do que fazia e
fazia com inspiração.
No ano de 1966, foi um dos vencedores dos I
Jogos Florais de Ribeirão Preto, numa
promoção do Clube dos Antônios com o
patrocínio do jornal O Diário, tendo duas de
suas trovas premiadas. O tema da promoção
era Santos Dumont. A respeito, no dia 6 de
novembro de 1967, o dr. Antonio Rocha
Lourenço, presidente do Clube, se manifestou:
Ao ofertar-lhe o prêmio que sua inteligência
conquistou, não deseja o Clube dos Antônios,
deixar embora em poucas palavras, de dizer o
quanto
agradece
a
sua
destacada
participação. Foi premiado em diversos
concursos de trovas e sonetos. Era considerado
uma usina poética e conseguia produzir
centenas de trovas de um mesmo assunto ou
tema.
Em 1970, a pedido do dr. Antônio Duarte
Nogueira, então prefeito, editou Versos à
Ribeirão Preto. O historiador Prisco da Cruz
Prates, destacava-o em seus textos como o
príncipe regional da trova ribeirãopretana. O
trabalho literário de Nilton merecia elogios nos
mais diferentes recantos do país.
Em 19 de junho de 1977, trovadores de diversas
cidades e estados, estiveram reunidos na casa
do poeta. Ocasião festiva e literária, onde
cada um demonstrava a sua versatilidade. O
escritor e acadêmico santista Walter Waeny ao
partir deixou em manuscrito a mensagem:
― Esta alegria maior,
Sempre guardá-la prometo:
―Senti-me de tal maneira
à vontade neste lar,
como na casa mineira
para a qual eu vou voltar‖.
Deixou vários inéditos, mas na imprensa diária
divulgada boa parte daquilo que produzia.
Suas
constantes
premiações
literárias,
perpetuam seus textos em livros de resultados
de concursos. A biblioteca municipal e a Casa
da Cultura têm as edições dos livros de jogos
florais de Ribeirão Preto.
Vem sendo organizada uma antologia com os
textos dos escritores da família Teixeira. O
poeta Lauro da Costa Teixeira (irmão,
freqüentava a Casa do Poeta Lampião de
Gás), Nilton Manoel e Ivan Augusto (filhos) e
alguns sobrinhos do poeta com prêmios e vida
literária.
Nilton fez parte de várias comissões de Jogos
Florais de Ribeirão Preto.
Nilton, co-fundador e vice-presidente da seção
municipal da União Brasileira de Trovadores,
instalada por Luiz Otávio (príncipe dos
trovadores). Co-fundador da União dos
Escritores de Ribeirão Preto e membro
correspondente de academias pelo Brasil. Hoje
é patrono de cadeiras acadêmicas.
No decorrer dos anos conquistou prêmios, nos
Jogos Florais da Bahia, pela Academia Castro
Alves de Letras, Academia Valenciana de
Letras, Grupo Alec de Corumbá, Academia
Pedralva de Letras e Artes, Sesc Três Rios- RJ,
União Brasileira de Escritores, Revista Brasília,
centenária Sociedade Legião Brasileira Civismo
e Cultura, em Ribeirão Preto, monografia
sobre Padre Euclides, Casa da Cultura de
Ribeirão Preto, Clube da Velha Guarda, Jogos
Florais de Ribeirão Preto, Santos, Rio de
Janeiro,etc.
Na antologia Poetas de Ribeirão Preto, terra
da poesia, editada por Nilton Manoel, em
1979, figura com um agrupamento de textos
sob o título ―Encanto dos meus dias‖ onde são
encontrados sonetos, poemas e trovas,
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
concebidos em verdadeiros estados de graça.
Foi haicaísta.
A FONTE LUMINOSA
Da fonte luminosa, emergem espargidos,
contínuos jatos de água em cores variantes,
que , em suaves vai-vens, tão sempre repetidos
em mesclas divinais de encantos e corantes.
Seus azuis celestiais, nos jatos expelidos,
parodiam, no céu, os azuis contagiantes,
enquanto pela relva, os grilos escondidos
teimam a musicar esses vai-vens constantes
Sempre a água sobe e desce e sofre mutações,
imita nossa vida onde há tão falsos pomos
colhidos cegamente em muitas ocasiões…
A fonte é um painel de passageiras cores,
a vida é um painel de mentirosos cromos,
dois cromos celestiais, cromos enganadores.
Com a difusão de informativos, jornais,
revistas, colunas de poesia em jornais O Diário,
Diário de Notícias, Diário da Manhã, A Cidade
e em Folha do Subúrbio (do Eduardo
Cavalcanti da Silva, Camaçari – BA), a coluna
de Trovas da Gazeta Esportiva, assinada pela
jornalista
Maria
Thereza
Cavalheiro,
Almanaques como o Santo Antonio, da
Editora Vozes, a folhinha do Sagrado Coração
de Jesus, álbuns e revistas acadêmicas, os
poemas de Nilton da Costa Teixeira
popularizam-se
cada
vez
mais,
principalmente, em volantes, editados para
distribuição gratuita a alunos de nossas escolas.
O movimento literário de Ribeirão Preto,
tomou vulto com as edições diárias do poeta,
considerado o marco de nacionalização da
literatura ribeirãopretana.
132
Um prato e uma colher,
E a esperança toda minha
De arranjar uma mulher.
*
Durante suas andanças,
Jesus Cristo foi fecundo,
recolocando esperanças,
entre as descrenças do mundo.
*
Quem passar por Ribeirão,
fatalmente,ira deixar,
pedaços do coração,
que um dia virá buscar.
( 1.956 – I Centenário de Ribeirão Preto)
*
Ribeirão – tu sobranceiro,
és do interior, no presente,
o município, primeiro,
porque caminhas à frente…
Nos Jogos Florais de Ribeirão Preto,
oficializados pelo executivo, por ser o evento
que consagrou a cidade no mundo
internacional da literatura, realizados em
modalidades: estudantil, municipal,
internacional, Nilton conseguiu diversas e boas
trovas vencedoras, entre elas:
Neste abraço em que te aperto,
Com a beatitude de um monge,
Sinto meu amor tão perto…
Minha esperança tão longe!
Para salvar aparências,
Nós pela vida, mentindo,
Entre silêncios e ausências,
Sofremos sempre sorrindo.
O Judas de hoje, moderno,
Maneiroso, demagogo,
Não teme os clarões do inferno,
Porque dança sofre o fogo.
TROVAS DISPERSAS
A vida triste fantasia,
que abriga tanta ilusão,
é o caminhar dia a dia,
para um funéreo caixão.
*
Nossa vida é uma viagem
de turismo e avaliação,
em que o peso da bagagem
é feito no coração.
*
Tenho a casa pobrezinha
Despreocupado com a morte
Para quem tão pouco resta,
Mesmo os rigores da sorte
São verdes sonhos de festa!
Comentários sobre o poeta:
―… vemos o perfil de um homem, que foi
inspirado cultor do sonho e requintado
burilador do verso. Sei que foi, em sua terra
natal, por várias gerações, um dos seus valores
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
mais dignificantes, que, se o presente tanto o
admirou, a posteridade saberá respeita-lo‖.
133
― Trovador e poeta que todos aprendemos a
estimar e admirar‖.
Jornalista Paulina Martha Frank,
Campinas,SP.
― Um poeta adormeceu,
e, porque tanto sonhou,
se algo, aqui, se escureceu,
todo o céu se iluminou‖.
Helvécio Barros- Bauru-SP.
―Com profundo pesar recebemos a infausta
notícia do falecimento do poeta Nilton da
Costa Teixeira, que enluta as letras de Ribeirão
Preto e entristece seus irmãos trovadores de
todo o Brasil‖..
Carolina Ramos, presidente da União Brasileira
de Trovadores –seção de Santos-SP
―O Brasil inteiro precisa ler o que ele escreve,
para render homenagem a um talento e a
uma versatilidade assim tão grandes‖.
Walter Waeny, trovador da Academia
Santista de Letras
Fontes:
- Nilton Manoel.
– Corauci Neto
Glorinha Rattes
Poesias
DESABAFO
Sou uma pessoa querida
pelos recantos da vida
deste mundo encantador.
E por mais que dissimule ou drible,
há sempre os recalques da vida
querendo tornar-me sofredor.
Qual fantasmas de carrascos
seguem perto os meus rastros,
impingindo-me a dor.
Sempre insistem em abrir ferida
no peito da minha vida
e se jogam com furor.
Mas esses fantasmas sem sucesso,
que empurro ao retrocesso,
no vasto mar do vingador,
não conseguem o seu intento,
não me prendem ao sofrimento –
na vida sou vencedor.
Sou guerreiro forte, previdente,
transformo-me em Noé,
embarco na Arca da Vida
e espero baixar a maré.
ESPELHO
No afã de contemplar minha imagem,
do espelho curiosa me aproximei.
E ao invés de retratar-me, vi miragens
dos anos que passaram e não notei.
Vi minha infância: eu feliz, despreocupada,
brincando de roda, cabra-cega e de pegar.
Corria alegre dando boas gargalhadas
e minha mãe me pedindo para parar.
E o espelho retratando minha vida,
a juventude nele então projetou:
eu era bela, tão alegre, tão querida
que, em minha face uma lágrima rolou.
Enxuguei-a com um lenço todo branco
em homenagem à pureza daquele tempo
que, por um beijo, um abraço, levava um
tranco
dos pais que diziam:
- Ele só quer passatempo!
E o espelho minha vida revelava:
momentos de alegrias e tristezas,
mas, a verdade do agora não mostrava
e é esta imagem que eu mostro pra vocês.
EXEMPLO DE VIDA
Sentindo-me cansada,
triste, desanimada,
sentei-me à beira da estrada
e fiquei a pensar na vida…
Entregue aos meus pensamentos,
senti com o sopro do vento
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
que estava semi-protegida
pela sombra de uma árvore ressequida
que antes fora frondosa, florida.
E atentamente a observá-la,
vi um viçoso broto surgindo
que me impulsionou a imitá-la;
retomei minhas forças, fiquei sorrindo…
Sorrindo e meditando…
Se, em uma árvore aparentemente ressequida,
ressurge a esperança da vida,
por que julgar-me debilitada,
frágil, perdida?
E analisando o exemplo daquela árvore,
arvorei-me de esperança…
e acreditei na vida!
O QUE FICA
Oh! Bendito que semeias
e em poesia me enleias
para eu criar e produzir…
E nos meus versos singelos,
decantar tudo que é belo
e do meu jeito colorir…
Sinto que o mundo é encantador…
Mas não posso assim senti-lo
que não plantarei uma flor.
Quando partir deste mundo
rastros deixarei marcados…
Vida se esvai num segundo,
fica o que está comprovado;
filhos, árvores e livros,
são mandamentos que cumpri;
registrei-os nos arquivos
dos tempos em que já vivi.
Sei! Tudo passa na vida…
Passa época, para o tempo,
fica a lembrança contida
no livro do assentamento.
SUBLIME AMOR
(à minha filha, em 18/06/1987)
Estás junto a mim,
caminhas ao meu lado,
dominas o meu ser!
Não te locomoves do leito,
mas trago teu coração no peito,
sentindo-o fortemente pulsar.
134
Tua imagem, minha companheira
que me envolve a vida inteira,
desde que entraste no meu mundo!
E quando aqui, não mais eu estiver
e se porventura, permaneceres,
tornar-me-ei uma estrela,
sempre ansiosa por vê-la,
meu brilho a ti refletir.
E os sons desordenados
por ti balbuciados,
chegar-me-ão com clareza
e não terei mais incerteza
de estar te entendendo ou não!
E quando junto de mim estiveres,
gozando as maravilhas do infinito,
não serei mais esta mãe, mulher
que estremece ao som de dilacerante grito.
- Não… Não serei mais uma pecadora
qualquer
lá, com você ao meu lado querida!
Serei a mais bela estrela cintilante,
brilhando no universo de qualquer vida.
Glorinha Rattes
Glorinha Rattes, nome literário adotado por
MARIA DA GLORIA AVIEIRA DE REZENDE
RATTES que, em 1997 foi eleita Rainha dos
Trovadores na Convenção de trovadores
realizada em Conceição da Barra – ES.
Membro titular da Cadeira n.13, da Academia
Brasileira de Poesia Casa de Raul de Leoni.
Classificada em diversos concursos, tanto em
Petrópolis-RJ, como em várias outras cidades
do Brasil. Em 1988 foi classificada com seleto
grupo de 10 poetas, sem ordem de
classificação, para receber o prêmio de Melhor
Poeta do Estado do Rio de Janeiro. É
madrinha da Academia Poética da Escola
Municipal Vila Felipe – Petrópolis-Rj, pertence
ao Clube de Poesia do Petropolitano FC, ao
Arte de Poetar, do SESC-Petrópolis-RJ. Tem
publicado os livros: Raio de Luz – poemas e
trovas; No Jardim dos Trovadores: UBT-Trovas
e Recanto e Minhas Lembranças, crônicas.
––––––––––––––––Fonte:
Academia Brasileira de Poesia da Casa de Raul de Leoni
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
135
Emilia Pardo Bazán
Oito Nozes
Todas as noites depois do jantar o senhor das
Baceleiras recebia em sua desconjuntada mesa
da sala seus fiéis parceiros de jogo; o médico,
Dr. Juan da Mata; o padre, Padre Serafim; e o
mestre-escola, Sr. Dionísio. Chegavam os três
ao mesmo tempo e saudavam-no com
idênticas palavras, viravam o mesmo cálice de
vinho que D. Ramón das Baceleiras lhes
oferecia. E limpavam a boca com as costas da
mão, à falta de guardanapos. Em seguida,
Padre Serafim, que era serviçal e hábil,
acendia as velas, não sem antes arrumar o
pavio com a espevitadeira prateada, e até às
dez e meia disputavam, eles quatro, o ganho
de alguns centavos. A essa hora os jogadores
apanhavam sala de entrada os tamancos, se a
noite era chuvosa ou havia lodo nos caminhos
esburacados, e dirigia-se cada qual
pacificamente para seu canto.
Duravam cinco anos estes encontros para o
mais inofensivo dos passatempos, e já eram o
único prazer do velho e bolorento senhor da
aldeia, que passava a metade da vida
pregado em sua poltrona pela gota e pelo
reumatismo. Aquelas horinhas de jogo e de
bate-papo davam algum interesse ao dia, que
deslizava lento, interminável, prolongado pela
solidão, pela quietude dominante e pelo tédio
da velhice sem família, sem obrigações e sem
ter o que fazer. Os três homens que vinham
jogar com D. Ramón não eram nem sábios
nem eloqüentes no dedo de prosa, e nem
sequer estavam a par do que ia pelo mundo;
mas mesmo assim traziam notícias, boatos,
opiniões, brincadeiras, manias e humorismo
deste ou daquele; o Dr. Juan da Mata, por sua
profissão, recolhia aqui e ali a crônica do lugar,
o mexerico das pessoas de roupa simples e das
de jaquetas de rico – que o têm, e muito
picante; o Padre Serafim se encarregava da
política maior, porque lia o ―Correio espanhol‖
e estava a par dos pensamentos do Czar da
Rússia e do imperador da Áustria; e quanto ao
Sr. Dionísio, ele discordava enfaticamente do
divino e do humano, e pelas malditas eleições
conhecia de cor e salteado a política local. O
senhor das Baceleiras tomava parte na
conversa, tão à vontade que seus pareceres
eram ouvidos com respeito pelos três
companheiros, habituados a nele ver o senhor
– um ser superior, pois que nada fazia e vivia
de rendas.
O senhor de Baceleiras era dono de muitas
terras na aldeia e arredores. Se é verdade que
se nasce proprietário, e que o instinto de
conservação e defesa do adquirido é tão forte
quanto a morte, desde os primitivos alvores do
mundo, este instinto em ninguém se revelou
mais vigoroso, nem arraigou-se com mais
profundas raízes do que em D. Ramón. Amava
com exagero e defendia com raiva a sua
propriedade, como se tivesse uma prole
considerável a quem transmiti-la e não
estivesse, pelo inexorável decreto dos anos,
prestes a deixar tudo o que tinha para a
alegria de uns sobrinhos que viviam em
Mondoñedo e não tinham visto o tio nem uma
só vez na vida. Apesar de que o momento em
que se abandona a fazenda com a vida se
aproximava, D. Ramón, sempre que a gota e
a maldita perna permitiam, saía para
examinar suas fazendas mais próximas, ver
como o milho espigava, como a grama havia
agradecido à rega, se os pinheiros medravam
e se a nogueira estava mais carregada do que
no ano anterior.
O dono tinha posto seus olhos e coração nesta
nogueira. Árvore como aquela não se
encontrava num raio de quilômetros. Crescia o
formoso exemplar à beira do caminho, em
frente à taipa da casa dos Baceleiras e nas
imediações de uma quinta semeada de
batatas pertencente ao Dr. Juan da Mata, o
médico. Por que, sendo a quinta do médico, o
limite e a árvore eram de D. Ramón? Que o
verifique quem conseguir desenrolar o
inextricável emaranhado da subdividida
propriedade rural galega.
Ora, o caso foi que uma certa manhã, uma
manhãzinha radiante de outubro em que
tudo no campo era paz e sossego, o senhor das
Baceleiras, arrastando a perna mas cheio de
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
ânimo, parou diante da nogueira e
deslumbrou-se ao vê-la tão carregada de
frutos. Em certos galhos ao sol do meio-dia,
viam-se mais nozes do que folhas, e sobre a
erva que amaciava o limite de D. Ramón,
algumas nozes já caídas, gordas e luzentes.
Tentado esteve a apanhá-las, mas não o fez,
por causa da perna. ―Alberto me trará essas
nozes mais tarde‖, pensou; e chegando em
casa ordenou ao criado, satisfeito:
- Hoje no jantar, sobremesa de nozes frescas.
E como no jantar as nozes não apareceram,
ele interpelou Alberto. Alberto respondeu que
foi apanhar as nozes caídas, mas não
encontrou nenhuma no chão.
- Mas como se eu mesmo vi as nozes, e elas
eram pelo menos uma dúzia! desabafou,
desanimado, o senhor de Baceleiras.
- Pois então as crianças devem ter apanhado…
– respondeu Alberto, com a satisfação velhaca
dos camponeses quando acontecem coisas que
contrariam seus amos.
À hora do voltarete, o primeiro a chegar foi D.
Juan da Mata. Ao entrar tirou um embrulho
do bolso de sua velha jaqueta.
- Nozes frescas – murmurou ele com um sorriso
triunfal, oferecendo a dádiva ao senhor, que
ficou gelado.
- Nozes frescas! – murmurou. – E colheu-as de
qual nogueira?
- Da nossa – reagiu o médico com a maior
fleuma, colocando-as num prato, pois elas já
vinham limpas e descascadas.
- Da nossa? Nossa qual, pode me dizer?
- Essa é boa! O Sr. D. Ramón não a conhece!
Da grande, aquela do caminho… a que me faz
sombra à plantação de batatas… e até que
chega a prejudicá-las.
- Mas Dr. Juan, essa nogueira…. é tão sua
quanto do Papa. Essa nogueira não é de outra
pessoa que não esta aqui que está falando
consigo.
136
Caiu das nuvens o Dr. Juan da Mata ao escutar
aquelas frases e o tom em que elas eram ditas.
Era um velhinho seco como bacalhau, ágil e
conservado por milagre, a despeito dos seus
muitos anos, grande andarilho, carinhoso e
sensível, embora gasto e contido à sua
maneira; e o tom inesperado de D. Ramón
sugeriu-lhe esta resposta ferina:
- Quer dizer que eu roubei as nozes que nem
eram minhas? Então não é meu o que cai na
minha propriedade, em cima das minhas
batatas? Quer dizer que eu sou um ladrão?
Existe um ditado árabe muito sábio,
evangelho do laconismo, que reza assim:
―Antes de falar, a língua dá quatro voltas na
boca.‖ D. Ramón, para azar seu, esqueceu-se
do provérbio naquela hora, se é que o
conhecia, coisa que não posso afirmar; e dando
rédeas à impaciência e à irritação, respondeu
com o ar mais agressivo do mundo:
- O senhor pode me dizer como se chama
alguém que se apodera do alheio sem o
consentimento do dono? As nozes não eram
suas; portanto, tire sua própria conclusão.
- Dr. Juan da Mata recalcitrou e, levantandose num ímpeto e jogando as nozes, não na
cara, mas na barriga e nas pernas de D.
Ramón, gritou fora de si:
- Pois fique com essa porcaria das suas oito
nozes… Que raios me partam se eu voltar
alguma vez a pôr os pés onde me tratam de
ladrão, seu… alma danada! Fique com Judas e
que só venham aqui seus escravos, que eu sou
uma pessoa tão decente quanto o senhor!
Ao sair como um foguete, o médico se
encontrou na escada de pedra com o Sr.
Dionísio, o mestre-escola, a quem contou o que
acabara de acontecer, gaguejando de raiva.
O mestre-escola entrou no refeitório com cara
muito comprida, guardando um silêncio
diplomático, a princípio. Mas D. Ramón deu
logo vazão ao seu mau humor, contando-lhe o
caso, e qual não foi a sua surpresa ao
constatar que o Sr. Dionísio, com
argumentações pedantes e desatinadas, e com
argúcias e circunlóquios, vinha a dar toda a
razão ao médico.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
- Em meu humilde e meio eclipsado ponto de
vista, desde logo – dizia o Sr. Dionísio,
apertando os lábios – tenho de me inclinar a
reconhecer que, se a terra ou a propriedade
onde as nozes foram apresadas ou colhidas
pertenciam por justa causa ao Dr. Juan da
Mata, pois ele era respectiva e colegamente
dono dos frutos.
Ao notar D. Ramón que também o mestreescola o contradizia, fico mais bravo e novas
palavras imprudentes emitiu ele:
- Como? Então o Dr. Juan estava lá no seu
direito? Pois vamos ver como sustenta ele este
argumento perante os tribunais, caramba,
vamos ver! Para mim, aqueles que defendem
um ladrão de sua casta são.
Sr. Dionísio enrubesceu. Toda a dignidade
profissional subiu-lhe com o ao rosto e, com a
língua emperrada de pura indignação,
conseguiu balbuciar-.
- Mais… devagar… mais… devagar… Moderese, meu senhor… Eu me retiro desta casa!
O padre, que cruzava a porta quando o
mestre-escola ia saindo, encontrou o fidalgo
chispando e rugindo como cratera de vulcão
em plena ebulição. Que logo no dia seguinte
iria interpor uma acusação judicial, e o médico
que se virasse, pois que iria dar com os
costados na cadeia! Frente ao arrebatamento
do fidalgo, o Padre Serafim, excelente homem,
um santo varão em toda a extensão da
palavra, mas desses que, como se diz, vivem no
mundo da lua, caiu na tolice de pespegar ao
furibundo D. Ramón uns textos ascéticos e
morais que tinham tanto a ver com as nozes
como com as estrelas no céu; e os nervos já
esticados do senhor – que era do tipo colérico,
defeito de quase todos que sofrem de gota por
terem o sangue muito ácido – simplesmente
não suportaram o sermão do pároco.
Desatinado e cego, D. Ramón tomou de seu
cajado semimuleta e levantou-o contra o
pregador, que, espavorido, saiu escada abaixo
como um foguete, oferecendo aquele transe a
Deus em resgate de suas culpas…
E assim acabou e se dissolveu, como sal na
água, a tradicional partida de voltarete de D.
Ramón das Baceleiras. Mas não acaba aqui a
história das oito nozes, que mais não eram as
137
que, despojadas da casaca verde e partidas
para maior facilidade de comê-las, em má
hora presenteou o médico.
Irritado mais ainda pelo aborrecimento de ter
passado a noite inteira sozinho, e desejoso de
vingança, D. Ramón entrou no dia seguinte
com a acusação judicial contra o Dr. Juan da
Mata, por motivo de roubo dos frutos. O
médico suportou com brio a iniciativa;
advogados e procuradores foram consultados;
não houve acordo no julgamento e a cúria de
Brigâncio apoderou-se do assunto e fez o
fidalgo gastar um despropósito de dinheiro
durante os anos que durou a pendenga:
milhares de pesetas suficientes para carregar
de nozes um par de navios. E como o despeito
e o pesar do fastio e da solidão produzissem
em D. Ramón um ataque de gota mais forte
dos que lhe eram comuns, e tivesse ele de
chamar o Dr. Juan da Mata para lhe atender,
este se negou, alegando que poderiam
imputar-lhe a morte do seu adversário e
inimigo. Com a falta do socorro oportuno, o
fidalgo piorou e terminou entregando a alma
muitíssimo a contragosto. O ano de sua morte
foi de grande alegria para os meninos
herdeiros da aldeia que comeram toda a
colheita da venerável nogueira.
-------------Ela escreveu todos os gêneros, num total de quase cinqüenta
títulos, mas ficou conhecida como contista: durante anos,
escrevia uma média de um conto por semana, textos que
eram disputados por periódicos do Espanha e da América
Hispânica. De origem aristocrata, chegou a catedrática de
Literatura Comparada da Universidade de Madri, mas, por
ser mulher, não conseguiu ingressar na Academia
Espanhola. Junto com Sexta-feira Santa e Neto de Cid, este
Oito Nozes é considerado um dos seus melhores contos, com
situações cotidianas e personagens comuns de uma aldeia
ao Norte da Espanha.
Emilia Pardo Barzón
(1851 – 1921)
Tradução por José Feldman do Michigan State University
Emilia Pardo Bazán, condessa de Pardo
Bazán, (Corunha, 16 de setembro de 1851 —
Madrid, 12 de maio de 1921) foi uma escritora e
nobre espanhola.
Conjugou realismo e naturalismo na sua
literatura. Mulher de grande peso intelectual,
tocou muitos gêneros literários desde a novela
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
até ao ensaio, passando pelos livros de viagens.
Foi das primeiras espanholas a mostrar-se
ativa no campo dos direitos da mulher. O seu
cosmopolitismo assentou sobre uma intensa
vinculação à sua cidade natal.
Emilia Pardo Bazán nasceu em 16 de setembro
de 1851 na Coruña , uma das cidades principais
de Galicia, España. Seu pai, Don José Pardo
Bazán, era uma figura política. Estimulava a
leitura e os estudos em sua filha Emilia. Sua
mãe, Amalia de la Rúa lhe ensinou a ler e mais
tarde lhe ajudaria a livrar-se de muitas tarefas
domésticas para que Emília pudesse dedicar
mais tempo a leitura e à escrita. Pouco depois
do nascimento de Emília, a família havia se
mudado para uma casa em um bairro
aristocrático e tranquilo na Calle de las
Tabernas. Possuiam outras duas residencias,
uma perto de Sangenjo, um povoado de
pescadores e a outra na zona rural de La
Coruña, o Pazo de Meirás, que foi residencia
boa parte do verão do ditador Franco.
A biblioteca de seu pai lhe proporcionava o
acesso a uma grande variedade de leituras.
Na casa de Sangenjo encontrou Don Quixote e
a Bíblia. Na casa de La Coruña leu a conquista
de México de Solís e Homens ilustres de
Plutarco. Os livros sobre a revolução francesa
lhe fascinavam e seus preferidos eram Don
Quixote, a Bíblia e A Ilíada.
Aos nove anos, Emilia começa a demonstrar
interesse pela escrita. Ela mesmo recorda,
―Minha primeira lembrança literária remonta
a uma data histórica assinalada e já distante:
o término da Guerra da África, acontecimento
que rendeu o início de minha inspiração… e
vendo que não me faziam caso algum, nem
tinha com quem desafogar o meu entusiasmo,
me refugiei em minha casa e garatujei meus
primeiros versos.‖
Na adolescência escreveu mais versos e os
publicou no Almanaque de Soto Freire.
Quando a família ia a Madrid durante os
invernos, Emília frequentava um colégio
francês protegido pela Casa Real, onde foi
introduzida a obra literária de La Fontaine e
Racine. Aos doze anos, a família decide ir a La
Coruña durante os invernos y alí Emilia estuda
com professores particulares. Sai do ritual da
educação feminina ao negar-se a tocar piano
138
e aprender música. Dedica todo o tempo
possível a sua verdadeira paixão, a leitura.
Em 1868, ano da revolução que acabaría com
o reinado de Isabel II, se casa aos 17 anos com
José Quiroga. Viveram em Santiago entre o
inverno de 68 e 69; Emilia ajudava seu marido
con seus estudos de direito. Quando o pai foi
nomeado Deputado de Cortes, toda a familia
se muda para Madrid, inclusive seu marido.
Em Madrid assistem a concertos e a festas
populares e Emilia chega a conhecer a cidade
e o ambiente madrileno. Após a investida de
Amadeo de Saboya e a guerra carlista, José
Pardo Bazán se desiludiu com a política e toda
família foi para a França. Viajaram por
Europa-Inglaterra, Italia, Alemanha… donde
Emilia aprende inglês e alemão. Ademais,
descobre a literatura francesa que deixar um
grande impacto nela.
Seu inicio no mundo literário começa em 1876
ao ganhar o primeiro prêmio pelo Estudo
crítico de Feijoo. Neste mesmo ano dá a luz o
seu primeiro filho, a quem lhe dedica um livro
de poemas., com seu próprio nome, Jaime, que
resultaria ser seu único livro de poesia.
Escreveu sua primeira novela, Pascual López,
no ano que nasceu seu segundo filho, Blanca.
Uma doença hepática em 1880 obrigou a
escritora a ´passar algum tempo em Vicky.
Durante este período descobre o naturalismo
de Zola, conhece pessoalmente Victor Hugo e
começa a interessar-se nesta nova tendência
literária.
O periódico madrilenho, ―La época‖ publica
―Uma viagem de Noivos‖, que era um relato
novelesco de suas próprias memórias da
viagem à Vicky. Sua última filha, Carmen,
nasce em 1881.
Naturalismo
No periódico madrilenho mencionado acima
publica alguns artigos que haveriam de
integrar-se no livro A Questão Palpitante, no
qual explica o movimento literário do
naturalismo. Seu propósito era o seguinte:
―Meu objetivo era dizer algo, em forma clara e
amena, sobre o realismo e ol naturalismo,
coisas que se falava muito, mas com rapidez e
sem que nada houvesse tratado o propósito do
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
139
assunto….Sempre
me
surpreenderá
o
extraordinario dinamismo daquele libreto
tratando ao correr da pena, no que o único
previsto
é
a
impremeditacão
e
espontaneidade, que procurei dedicar-lhe em
todo sabor didático.‖
Ateneu de Madrid um trabalho sobre a
revolução e a novela na Rússia, em 1887.
A publicação de A Questão Palpitante criou
um grande escândalo e seu marido,
horrorizado pela situação exigiu que Emília
parasse de escrever e que se retrata-se
publicamente sobre seus escritos. Em
consequência destes problemas matrimoniais,
decide separar-se de seu marido dois anos
mais tarde, em 1884. Neste ano publicou A
Jovem Ama, que trata sobre crises
matrimoniais.
Em 1890 morre seu pai e aproveita a herança
para criar uma revista escrita somente por ela,
El Nuevo Teatro Crítico, nome que recorda a
obra de Feijoo, Teatro crítico universal.
Sua terceira novela, La Tribuna, publicada em
1882 é considerada como sua primeira obra
naturalista. Nesta obra, Emília estuda o
ambiente e os tipos de cigarreiras na fábrica
de tabacos em La Coruña. Benito Pérez
Galdós
também
obteve
informação
documentada
sobre
a
mendicância
madrilenha para sua obra Misericordia. Estes
dois escritores tiveram uma relação amorosa
que durou mais de vinte anos.
Em 1886 conheceu Zola e nessa viagem à
França descobre a moderna novela russa. Essas
leituras lhe impulsionam a apresentar no
Continua escrevendo continuamente e nos
anos ‘86 e ‘87 produz os Os Paços de Ulloa e A
Mãe Natureza..
Assiste a congressos como o Congresso
Pedagógico onde denuncia a desigualdade
educativa entre o homem e a mulher. Ainda
que consciente da discriminação sexual dentro
dos círculos intelectuais, propõe a Concepción
Arenal (escritora feminista), à Academia Real
de Letras, mas é rechaçada. A Academia
tampouco aceitaria a Gertrudis Gómez de la
Avellaneda nem ela.
Contudo, em 1906 chegou a ser a primeira
mulher a presidir a Seção de Literatura do
Ateneu de Madrid e a primeira em ocupar
uma cadeira de literatura na Universidad
Central de Madrid, ainda que só teve um
estudante na aula.
Morreu em 12 de maio de 1921, em Madrid.
Fontes:
Michigan State University
COSTA, Flávio Moreira da (organizador). Os 100 Melhores Contos de
Humor da Literatura Universal. 5.ed. RJ: Ediouro, 2001.
Anderson Braga Horta
Antologia Pessoal
SALMO PARA CÉLIA
Olho-te — lúcida no cristal do dia,
suave entre as sedas da noite.
Olho-te na azáfama quotidiana,
entre os mil afazeres do lar que estruturas.
E tu és o dínamo que move os motores do
mundo,
a cornucópia que nem sempre se vê por trás
das dádivas.
Olho-te sentada,
imersa no cosmo de tuas costuras.
O que cirzes é mais do que meias,
o que pregas e repregas é mais do que botões,
o que surge pronto ou refeito de tuas mãos
mágicas, milagrosas,
é mais do que peças de roupa.
São vidas que saem de tuas mãos
e se libertam
e estão, e estarão sempre presas a ti.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Tantos anos de caminhada solidária!
Tantas cicatrizes! Luminosas cicatrizes
dos frutos gerados de teu amor,
amadurados ao calor do teu seio.
Olho-te sempre.
Os pés às vezes tropeçam,
as mãos às vezes tateiam,
as palavras falham.
Mas o amor a tudo provê
e tudo remedeia,
e assim nada está realmente perdido,
mesmo quando as torres da incompreensão
lançam sua sombra no vale.
O dia que nasce de tuas mãos
é suave e acolhedor como a noite.
A noite que escorre de teus dedos
tem mais luzes que o meio-dia.
Vejo-te inclinada
sobre os infinitos mistérios do teu minúsculo
reino.
Que não tem termo, afinal, porque bebe-lhe
as praias o pélago do espírito.
Os óculos atentos
carregam as insônias fecundas.
No tremor das mãos
vibram os raios generosos das bênçãos.
A cor dos cabelos começa a cansar-se,
mas a alma não esmaece.
Cada ruga cristaliza
mil cuidados de amor, e em cada uma
cintila o amor inteiro, como o sol
que se reparte e não se apouca.
Inclino-me à tua fonte,
à estrela em que te disfarças,
à galáxia em que toda resplandeces.
E beijo com ternura os teus cabelos brancos.
A TARTARUGA
Eu venho donde vem o infinito da Vida,
do crespo e ardente oceano em toda parte
ondeando,
da explosão inefável
do que chamais abismo, e é tudo, e é nada,
no pulso intemporal de quanto existe
e de quanto é oculto.
Vivo porque o Mistério impõe que eu viva,
e na vaga da Vida
—sonho que vou sonhando e que me sonha—
eu beijo a mão do Arcano e o lábio do Sigilo,
140
e reflito no olhar, como um memento,
o olhar do que é, não sendo.
Os olhos tenho abertos
para a impressão do nimbo e do relâmpago,
da água turva e do ar claro,
do céu-mar que se abre e se desdobra
à avidez do meu nado, de meu nada.
Mas não vêem o tempo além do agora,
o segundo futuro,
próximo como o que se foi há um átimo,
e no entanto remoto
como a encoberta eternidade.
Vi o homem de gatinhas,
na semente animal ainda indiferenciado.
Ouvi seus balbucios.
Fiz minha mão a mão que fez o arado,
que faiscou na pedra um firmamento
fugaz de estrelas árdegas.
Tomei-lhe da mão trêmula
a ensaiar-se divina
no primeiro rabisco
do primeiro alfabeto,
na prisca partitura
da vindoura vertigem
de encontrar-se maior que a imensa origem.
Das figuras rupestres das cavernas
subi ao zigurate dos sumérios.
Cunhei sonhos avoengos nos ladrilhos.
Andei Índias e Chinas
do Oriente e do Ocidente.
Topei do Egito o sacro escaravelho.
De tudo em toda parte uma imagem ficoume
gravada na retina que não vedes.
Sei do amor e do ódio,
sei do hino e do vômito,
sei da paz e da guerra,
sei do mar e da terra,
sei do céu e do éter,
sei da carne e do espírito.
Muito eu tenho vivido,
tanto amado e sofrido
e pecado e ascendido. Respeitai-me,
se não por vós, grumetes
que o Mar aleita ainda,
pela Vida que em mim se fez tempo e
caminha
para fazer-se eternidade.
Que novas cores beberei? Que músicas
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
fluirão no meu dorso? Que suaves,
que pétreos tatos guardarei no olfato,
no paladar, na pele, na retina?
Eu continuo. Adiante!
Para onde, afinal?
Que universo, que abismo
espera por meus pés na curva do infinito?
Eu vou para onde ireis:
para Além, para o Enigma.
Eu vou para onde vai o infinito da Vida.
SÍSIFO
Rompe a manhã, senil, semeada de escombros.
Perde-se o meio-dia entre nimbos. Escura
pende a tarde, sabendo a cinza e sepultura.
O poeta carrega a noite sobre os ombros.
RIO
Alguma coisa se desata em mim,
de mim, quando, na música, disperso
o pensamento, o acústico universo
me transporta, num périplo sem fim.
De outro modo, tão outro, e entanto afim
deste fluir, um mesmo e tão diverso
banimento do ser move o meu verso,
e me comove, em êxtase malsim.
Um êxtase que aos astros me delata,
se na barca de uns lábios de escarlata,
no ondear de uns seios langues, no alfenim
do longo enleio, embalo-me de sonho.
E quando os olhos nos teus olhos ponho
sinto que um rio se desata em mim.
(A)MAR(O)
Em março o mar soletra
sol e ar e luar.
E o pescador espera,
a cismar,
que das espumargênteas
vagalínguas a ondear
saia a palavra peixe.
E põe-se a piscicar,
de anzol, tarrafa, rede,
arpão, — o mar.
Tempera-se a salina
escuma na carícia
doce do ar.
Chispam gaivotas-hifens
a mergulhar,
relâmpagos de união
entre ar e mar.
E o pescador espera.
O mar tostou-lhe a cara,
pôs-lhe vagas no olhar
e na pele. Sua alma
tem um fundo de sal.
Mas deu-lhe o mar um vago
íntimo marulhar
que em março, abril, desmaios
de amor lhe dá.
E essa amável magia
é que o faz esperar,
de janeiro a dezembro,
no seu destino claro:
amar o mar amaro.
CIRANDA
A minha Mãe
Perdeu-se um dia uma pena
da asa do tempo sem fim,
veio vogando e, serena,
pousou bem dentro de mim.
Trouxe um vôo perfumado
de amburanas de um jardim
seguramente encantado,
que o encantei dentro de mim.
Caiu no centro de nada
do sem-tempo donde vim
e cantou-me em voz calada
cantigas de então e assim.
Doces violões de brumas,
claros pianos de alfenim.
E à brisa, em coro de plumas,
palavras-vida de mim —
quermesse, roda, cantiga,
bisorro, corgo, capim —
palavras-coisas de antiga
aurora perdida em mim —
moça, romã, romaria,
chilreios de passarim —
palavras-lumes que um dia
luziram manhãs em mim —
sanfonas, neblina, aurora,
galopes de cavalim —
141
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
palavras cantando agora
no antigamente de mim.
E eu era um barco e era o brando
mar sem tempo do sem-fim,
era a ciranda girando
desse outro eu que havia em mim.
142
No Mar!…
Ah música de espumas!
No Mar!…
Ah vinhos de marulhos!
Ah conchas de silêncio!
Ah solidão do todo!
No Mar!…
Mas veio o vento do mundo,
um vento adulto e ruim,
fez um remoinho profundo,
levou-me a pena por fim.
E o Grande Coração bombeia as águas
para as artérias do ar.
Ai, pena, por que voaste
do meu coração assim
e sem pena me deixaste
perdido num eu sem mim?
A Água quando se eleva
não sabe de orgulho, nem de mesquinha
altura.
Sabe a fortuna dos ventos,
a fecundidade das trevas.
E cumpre a Lei. Rosa
de nuvens
dá-se.
ODE À ÁGUA
Quisera ser a Água.
não ter o prejuízo da forma,
pra poder compreender todas as formas.
cor nem cheiro,
para impregnar-me de todas as cores da Terra
e de todos os perfumes das matas e dos
campos.
§
A Água fotografa na retina móvel
lava na alma compassiva
as grandezas e misérias da Terra.
A Água quando se turva
é num segredo de útero
para o gesto dos peixes e das algas.
quando se salga
é a grande lágrima do Mundo — o Mar.
§
Sangue nas veias do Planeta,
a Água nos rios flui. Vai sem pergunta,
sem plano e sem mealheiro.
Existe, e é útil: cumpre o seu destino.
Sabe que a espera o Mar.
Também sabemos
que nos espera um Mar.
Mas a Água sabe mais que nós:
o de que esquivamos nosso olhar:
que toda ela é o Mar.
E sobretudo sabe
que há de ir e de voltar
até a consumação dos ciclos.
Nem se lamenta. Sabe,
não há o que lamentar.
§
§
§
Água:
Vida que ao Sol nos move
e me comove.
Anderson Braga Horta
(1934)
O Autor por Ele Mesmo
Nasci na cidade mineira de Carangola, em 17
de novembro de 1934. Meu pai, o advogado
Anderson de Araújo Horta, e minha mãe,
Maria Braga Horta, eram professores e poetas.
Assim, criado num ambiente de respeito à
cultura e amor aos livros, posso dizer que
recebi em casa mesmo os primeiros estímulos
literários.
A família morou, sucessivamente, em
Carangola, Manhumirim, Belo Horizonte,
novamente em Manhumirim, depois em
Resplendor, Mutum, outra vez em Carangola.
Já então acrescida dos manos Arlyson, Augusto
Flávio e Maria da Glória. Em 1942 fomos para
Goiás, passando três anos na antiga e dois na
nova capital do Estado. Em Goiás Velho
nasceu o caçula, Goiano.
De volta a Minas, novo périplo em redor de
Manhumirim, onde residiam meus avós
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
maternos: Aimorés, Mantena, Lajinha, cidades
que eu visitava nas férias, pois, tendo
começado o ginásio em Goiânia, fiz, nesse
período (de 1947 a 1953, para ser exato), as três
últimas séries em Manhumirim e o clássico em
Leopoldina. Já me encontrava no Rio de
Janeiro, cursando Direito, quando para lá se
mudou a família, em 1956.
Transferi-me para Brasília em julho de 1960,
como redator da Câmara dos Deputados, a
cujo serviço fora admitido em 1957 como
datilógrafo. Os irmãos foram também atraídos
pelo Planalto Central, a que finalmente
aportaram os pais, em 15 de novembro de
1964.
Exerci ainda o jornalismo e o magistério, tanto
no Rio quanto em Brasília. Meu primeiro
trabalho, contudo, foi como securitário, na
Velha Capital, a não ser pelos meses em que
lecionei no Seminário de Leopoldina, cidade
em que prestei, após o curso clássico, o serviço
militar (tiro-de-guerra).
Já radicado em Brasília, casei-me no Rio, em
1962, com a capixaba (de Cachoeiro de
Itapemirim) Célia Santos. No ano seguinte
nasceram os gêmeos, brasilienses, Anderson e
Marília.
Meus pais aqui faleceram, mamãe em 1980,
papai cinco anos depois.
As primeiras impressões literárias que retenho
datam da cidade de Goiás: uma página de
Humberto de Campos em que o autor, na
primeira pessoa, confessava um furto de
menino —o que me deixou consternado—; e o
―Pequenino Morto‖, de Vicente de Carvalho,
cujos melodiosos hendecassílabos encheram
minha alma infantil de tristeza. Em Goiânia
me tornei leitor voraz de histórias em
quadrinhos e de todos os livros que havia em
casa — Gato Preto em Campo de Neve e
Clarissa, Ecce Homo e Assim Falava
Zaratustra, Meu Destino É Pecar (isso mesmo,
o livro proibido de Nélson Rodrigues) e o mais
em que pude pôr a mão e os olhos. A
impossibilidade de compreender tudo não era
obstáculo ao entusiasmo do jovem devorador
de letras.
Por essa época, apesar da força atrativa dos
quadrinhos, que me guiou a mão numa série
143
de rabiscos, até mesmo numa historieta de
texto e desenhos típicos, o autor mais amado
foi, sem dúvida, Monteiro Lobato, por sua obra
infanto-juvenil, que reputo ainda hoje
incomparável.
Mas quem me levou a escrever poesia,
conforme tenho repetido em páginas de
depoimento literário, foi mesmo Castro Alves.
As primeiras tentativas, frustradas, resultantes
em prosa ritmada, datam de Manhumirim, ao
tempo em que freqüentava o Colégio Pio XI.
As primeiras realizações, de Leopoldina, em
1950.
A outra grande influência de então foi Bilac. E,
depois, tantos poetas que nem convém
enumerar! Dos clássicos aos românticos, dos
parnasianos aos simbolistas, desses aos
modernos, que me ensinaram a quebrar o
verso, sem descartar a tradição.
Penso que o poeta não pode deixar de se
assenhorear das técnicas do verso, embora a
técnica, obviamente, não seja tudo. Que ao
escritor compete extrair do potencial de sua
língua toda a cintilação que possa,
dignificando-a sempre. Que escrever é
atividade intelectual, sim, mas não se esgota
no âmbito do intelecto; que o poeta há de
comover-se e comover, sim, mas não se há de
entregar,
ingenuamente,
à
emoção
desassistida da inteligência, porque a emoção,
por si só, não é ainda arte, não é ainda poesia.
Que a esse amálgama de pensamento,
emoção, sentimento que é o poema não se
deve tolher o voltar-se para a sorte do homem
no espaço e no tempo, seja do ponto de vista
filosófico, seja do social; pois à poesia, arte da
palavra, interessa necessariamente tudo o que
de humano se possa representar nela. E que,
portanto, a arte do poeta há de ser mais
complexa, mais completa, mais abrangente e
mais profunda do que tendem a fazê-la os
jogos —algumas vezes brilhantes— a que
pretendem reduzi-la correntes revolucionárias.
Isso posto, confessadas, via de conseqüência, as
minhas próprias limitações, passo, com a
possível humildade, ao balanço de quatro
décadas de produção poética —omitida, quase
totalmente, a inicial—, balanço em que, de
algum modo, se traduz a seleção de poemas
que ofereço ao leitor.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Brasília, 31 de maio de 1999
144
Fonte:
Academia Brasileira de Poesia da Casa de Raul de Leoni
Petrus Alphonsus
Humor do Século XII
Petrus Alphonsus é um erudito judeu (nascido
em 1062) que – após abraçar a fé cristã (em
1106) -, para ajudar a formação do clero (e,
certamente, também como repertório de
exemplos para a pregação), compôs a
Disciplina Clericalis, uma obra voltada para a
educação moral.
O senhor, percebendo que, por preguiça, não a
tinha fechado, disse-lhe: ―Levanta-te e faz o
que tens de fazer, pois é dia e o sol já está a
pino―.
Em seu Prólogo, o autor declara que optou
por recolher provérbios e fábulas (em boa
parte provenientes da tradição oriental
árabe), por pretender tornar os ensinamentos
amenos, divertidos e mais acessíveis à
memória. Por isso, ―compus este livrinho,
tomando-o… em parte, dos exemplos morais
dos árabes, com fábulas, versos e comparações
com animais e aves―.
Senhor: ―Servo mau, nem amanheceu e já
queres comer?‖
Assim, Alphonsus, apresenta também algumas
anedotas como os casos do servo Maimundus
nigrus, o sagaz preto Maimundo (o nome
Maimundo, de nítida ressonância semítica,
acentua, em latim, o preconceito, por sugerir
immundus), guloso, falador e preguiçoso que
nunca se dá mal, uma espécie de Macunaíma
ou Pedro Malazartes da época.
As Piadas do Preto Maimundo
O senhor de Maimundo ordenou-lhe, certa
noite, que fosse fechar a porta. Maimundo –
que, oprimido pela preguiça, nem podia se
levantar – respondeu que a porta já estava
fechada.
Ao alvorecer, disse-lhe o senhor: ―Maimundo,
vai abrir a porta―.
Maimundo: ―Como eu sabia que o senhor
havia de querê-la aberta hoje, nem cheguei a
fechá-la ontem―.
Maimundo: ―Se o sol já está a pino, então dáme de comer―.
Maimundo: ―Bom, se não amanheceu, então
deixa-me continuar dormindo―.
***
Em outra noite, disse o senhor a seu servo:
―Maimundo, levanta e vai ver se está
chovendo!‖. Maimundo, porém, chamou o
cachorro que estava deitado fora da porta e,
quando ele chegou, apalpou-lhe as patas.
Vendo que estavam secas, disse: ―Não, senhor,
não está chovendo!‖.
***
Noutra ocasião, também de noite, o senhor
perguntou a Maimundo se tinham lume na
casa. O servo chamou o gato e apalpou-o
para ver se estava quente ou não. Como o
gato estivesse frio, respondeu: ―Não, senhor,
não temos fogo!‖
***
Contam que o senhor voltava do mercado,
todo contente pelo bom lucro que tinha
auferido. E veio Maimundo a seu encontro. O
senhor, ao vê-lo, temeu que viesse dar más
notícias, como era de costume, e advertiu-o:
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
―Olha lá, Maimundo, não me venhas com más
notícias!‖
―Não contarei más notícias, senhor, mas nossa
cadelinha Bispella morreu‖.
145
―E onde está a criada?‖.
―Ela quis apagar o fogo, mas caiu-lhe uma
viga na cabeça e ela morreu‖.
―E tu, como conseguiste escapar, sendo tão
preguiçoso?‖
―Como foi que ela morreu?‖.
―Nossa mula, assustada, quebrou o cabresto e,
ao fugir, esmagou-a sob suas patas‖.
―Quando vi a moça morta, fugi‖
***
―E o que aconteceu com a mula?‖
A Piada do Pastor e do Mercador
―Caiu no poço e morreu‖.
―E como foi que ela se assustou?‖.
―É que teu filho caiu do terraço e morreu. Com
a queda, a mula assustou-se‖.
―E sua mãe, como está?‖.
―Morreu de dor pela perda do filho‖.
―E quem está tomando conta da casa?‖.
―Ninguém, porque virou cinzas: a casa e tudo
o que nela havia‖.
―Como começou o incêndio?‖
―Na mesma noite em que a senhora morreu, a
criada, no velório pela senhora defunta,
esqueceu uma vela acesa na câmara e
começou o incêndio, que se espalhou pela casa
toda‖.
.
Um pastor sonhou que tinha mil ovelhas. Um
mercador quis comprá-las para revendê-las
com lucro e queria pagar duas moedas de
ouro por cabeça. Mas o pastor queria duas
moedas de ouro e uma de prata por cabeça.
Enquanto discutiam o preço, o sonho foi-se
desvanecendo. E o vendedor, dando-se conta
de que tudo não passava de um sonho,
mantendo os olhos ainda fechados, gritou:
―Uma moeda de ouro por cabeça e você as
leva todas…‖.
––––––––––––
Nota:
Do Disciplina Clericalis, foi apresentado a
tradução de algumas piadas dos capítulos 28 e
31: Exemplum de Maimundo Servo e
Exemplum de Opilione et Mangone (do cap.
XXXI). Para a tradução, valeu-se do original
latino, apresentado por Angel González
Palencia, Madrid-Granada, CSIC, 1948.
––––––––––-
Fontes:
– LAUAND, L. J. (org.) Oriente & Ocidente VII- Idade Média: Cultura
Popular,
São
Paulo,
DLO-FFLCHUSP
/
Edix,
1995
Folclore Brasileiro
O Amigo da Onça
A literatura popular brasileira também tem
seu riso próprio, suas boas histórias e seus
personagens marcantes. É o caso do Amigo da
Onça, que virou a marca registrada do
desenhista de humor Péricles Maranhão na
revista Cruzeiro dos anos de 1950. E acabou
consagrando-se como uma expressão de uso
corrente na nossa língua. Uma das melhores
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
versões desta literatura de origem oral foi
registrada por Lindolfo Gomes em 1931, em
Contos Populares Brasileiros.
A Onça, que é bicho valente – mas nem
sempre atilado, como se pensa -, estava
quietinha no seu canto quando lhe apareceu o
compadre Lobo e lhe foi dizendo:
- Saiba de uma coisa, comadre Onça: você –
com perdão da palavra – não é, como supõe,
o bicho mais valente e destemido que existe no
mundo, nem também o Leão, com toda a sua
prosa de rei dos animais.
- Como assim! – gritou a Onça, enfurecida. –
Então, como é isso, grande pedaço de idiota?
Haverá bicho mais valente e poderoso do que
eu?
146
- Ah, compadre, peça-me tudo, menos isso.
Pelos estragos que, de longe, vi o homem
fazer, com seus malditos espirros, nunca me
atreveria a tal aventura…
- Pois queira ou não queira, tem de mostrarme o ―bicho‖, ou então, agora mesmo perderá
a vida.
- lá por isso não seja – disse o Lobo
amedrontado. – Iremos. Mas havemos de
tomar todas as precauções. Eu – com a sua
licença – posso correr mais do que a comadre.
Assim, levaremos uma embira daquelas que
não arrebentam nunca. Amarro uma das
pontas no pescoço da comadre e a outra em
minha cintura. Em caso de perigo, se for
preciso fugir, a comadre e eu corremos…
O Lobo, adoçando a voz, respondeu:
- Ó comadre, me perdoe. Estou arrependido
de dizer tal coisa… Mas a minha intenção foi
preveni-la contra um ―bicho‖ terrível que
apareceu nesta paragem. Uma pessoa
prevenida vale por duas.
- Sim, não deixa você de ter alguma razão –
acudiu a Onça mais acomodada. Mas sempre
quero saber o nome desse bicho. Como se
chama?
- Esse bicho, compadre, chama-se ―homem‖,
conforme me disse o amigo papagaio. Nunca
vi em minha vida animal de mais perigosa
valentia. Ele sim, e ninguém mais, é o que me
parece ser mesmo o verdadeiro rei dos
animais. Basta dizer que, de longe, o vi matar,
com dois espirros, nada menos do que um leão
e uma hiena. Ih! Compadre, com o estrondo
dos espirros parecia que tudo ia pelos ares.
Deus nos livre!
- Fugir! Veja lá o que diz! Você já viu, ―seu‖
podrela, alguma vez onça fugir?
- Não me expliquei bem. Eu é que fugirei. A
comadre será apenas arrastada por mim. Isso
não é fugir. Está certo?
- Está bem. Faremos como propõe.
E partiram. A Onça com a embira atada ao
pescoço, e o Lobo, muito respeitoso e tímido, a
puxá-la.
Quando chegaram ao destino, o ―bichohomem‖, surpreendido ao avistá-los, tirou da
cinta a garrucha e, atarantado, bateu fogo,
isto é, espirrou. uma, duas vezes, que foi
mesmo um estrondo de todos os diabos.
- Oh! Compadre, não me diga!
O Lobo então mais que depressa disparou
numa corrida desabalada, redobrando quanto
podia as forças para arrastar a Onça pela
forte embira ―que tinha atado no pescoço
dela‖.
- É como lhe conto. E o que mais admira é ser
o ―bicho-homem‖ de pequeno porte. Parece
até fraco, e é muito mal servido de unhas e
dentes. Deve ser um ―bicho‖ misterioso e
encantado.
De repente, já muito distante, o Lobo sentiu
que a Onça estava mais pesada. Parou então
e contemplou a companheira estendida no
chão, com os dentes arreganhados, sem o mais
leve movimento.
- Pois bem, compadre, estou curiosa, e desejo
que, sem demora, me conduza ao lugar onde
se encontra tão estranho animal.
O Lobo, sem perceber que a Onça havia
morrido enforcada no laço da embira – antes
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
pensando que estivesse apenas cansada -.
disse-lhe, tremendo como varas verdes:
- He lá, comadre! Não ri não que o negócio é
sério!
Fonte:
COSTA, Flávio Moreira da (organizador). Os 100 Melhores Contos de
Humor da Literatura Universal. 5.ed. RJ: Ediouro, 2001.
Vícios de Linguagem
Tautologia
A tautologia é um dos vícios de linguagem que
consiste em dizer ou escrever a mesma coisa,
por formas diversas, meio parecida com
pleonasmo ou redundância. O exemplo clássico
é o famoso subir para cima ou descer para
baixo. Mas há ainda muitos outros. Observe a
lista abaixo, e se utiliza alguma, procure fugir
deste vício:
- Acabamento final;
- Nos dias 8, 9 e 10, inclusive;
- Superávit positivo;
- Todos foram unânimes;
- Habitat natural;
- Certeza absoluta;
- Sugiro, conjecturalmente;
- Nos dias , e inclusive;
- Juntamente com;
- Em caráter esporádico;
- Expressamente proibido;
- Terminantemente proibido;
- Em duas metades iguais;
- Destaque excepcional;
- Sintomas indicativos;
- Há anos atrás;
- Vereador da cidade;
- Outra alternativa;
- Detalhes minuciosos;
- A razão é porque;
- Interromper de uma vez;
- Anexo (a) junto a carta;
- De sua livre escolha;
- Superávit positivo;
- Vandalismo criminoso;
- Palavra de honra;
- Conviver junto;
- Exultar de alegria;
- Encarar de frente;
- Comprovadamente certo;
147
- Fato real;
- Multidão de pessoas;
- Amanhecer o dia;
- Criar novos empregos;
- Retornar de novo;
- Freqüentar constantemente;
- Empréstimo temporário;
- Compartilhar conosco;
- Surpresa inesperada;
- Completamente vazio;
- Colocar algo em seu respectivo lugar;
- Escolha opcional;
- Continua a permanecer;
- Passatempo passageiro;
- Atrás da retaguarda;
- Planejar antecipadamente;
- Repetir outra vez / de novo;
- Sentido significativo;
- Voltar atrás;
- Abertura inaugural;
- Pode possivelmente ocorrer;
- A partir de agora;
- Última versão definitiva;
- Obra-prima principal;
- Gritar/ Bradar bem alto;
- Propriedade característica;
- Comparecer em pessoa;
- Colaborar com uma ajuda / auxílio;
- Matriz cambiante;
- Com absoluta correção/ exatidão;
- Demasiadamente excessivo;
- Individualidade inigualável;
- A seu critério pessoal;
- Abusar demais;
- Preconceito intolerante;
- Medidas extremas de último caso;
- De comum acordo;
- Inovação recente;
- Velha tradição;
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
- Beco sem saída;
- Discussão tensa;
- Imprensa escrita;
- Sua autobiografia;
- Sorriso nos lábios;
- Goteira no teto;
- General do Exército;
(Só existem generais no Exército)
- Brigadeiro da Aeronáutica;
(Só existem brigadeiros na Aeronáutica)
- Almirante da Marinha;
(Só existem almirantes na Marinha)
- Manter o mesmo time;
- Labaredas de fogo;
- Erário público;
148
(Os dicionários ensinam que erário é o tesouro
público, por isso, basta dizer somente erário)
- Despesas com gastos;
- Monopólio exclusivo;
- Ganhar grátis;
- Países do mundo;
- Viúva do falecido;
- elo de ligação;
- criação nova;
- exceder em muito;
- Sair para fora;
- Entrar prá dentro;
- Expectativas, planos ou perspectivas para o
futuro.
Fonte:
http://ueba.com.br/forum/lofiversion/index.php/t23140.html
Jardel Estevão Barbosa
Silva
O Perfume
Conto vencedor do Concurso Literário do
Cinqüentenário da Academia Campinense de Letras,
categoria contos, em 2007.
----------------------Desde a morte de Maria Clara, comecei a
cultivar o estranho hábito de passear no
shopping, sem objetivos, sem tempo marcado
e sem a correria que, por anos, dominou
minha vida a cada segundo superficialmente
vivido. Apenas andava. Talvez essa fosse uma
forma de fugir das marcas tatuadas em minha
casa, em meus costumes e em minha alma,
que apenas meio século de convívio consegue
impregnar. No ambiente fechado, observava o
festival de aromas misturados naquela Torre
de Babel contemporânea. Meu corpo, já
cansado, inexplicavelmente buscava em meu
âmago a energia necessária para continuar
aquela rotina, mesmo contra a vontade de
meus filhos, sempre preocupados. Minhas
pernas eram asas que, a cada manhã, batiam
em direção ao templo sagrado da
superficialidade, buscando um sol artificial,
mas igualmente luminoso.
Em uma tarde de verão, caminhava muito
distraído, embriagado com questionamentos e
reflexões existenciais quando, de repente, senti
aquele perfume único, que havia se destacado
da multidão para ser absorvido por minha
alma adormecida. Foi como se uma força
absoluta me agarrasse no abstrato universo
das reflexões, no qual eu passeava livremente,
e me trouxesse instantaneamente àquele
shopping, naquela cidade, naquele ano,
naquele dia, naquele segundo. Parei de andar,
confuso, vivenciando um momento de silêncio
e curiosidade, como a criança que vê o mar
afastar-se
e,
de
repente,
vislumbra
boquiaberta a onda gigantesca que se
aproxima. Poseidon, supremo, enviara aquela
onda aromática que invadiu a praia, destruiu
a muralha defensiva do forte que construí em
tantos anos de trabalho e despertou uma
memória há tempos não estimulada.
Na dualidade posta entre a realidade atual
seca e o passado que vinha em forma de mar,
resolvi mergulhar rumo ao esquecido. Lembrei
de minha infância, quando passava as férias
de verão na casa de minha avó, cuja vizinha
tinha uma linda neta, chamada Manuela, que
cultivava o mesmo hábito. Eu e Manuela
vivemos muitas férias juntos, brincávamos o
dia todo e, aos poucos, um sentimento ingênuo
passou do branco ao rosa e do rosa ao carmim.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
149
Por um segundo, voltei à superfície em forma
de shopping, respirei e retornei aos mistérios da
memória como a baleia que, mesmo
precisando de ar, precisa também voltar às
profundezas.
Quando voltei à superfície, percebi que as
imagens haviam embaçado e, ao piscar, não
pude conter duas lágrimas de criança
percorrendo a face já enrugada. Mesmo assim,
resolvi voltar às profundezas…
Senti o gosto do bolo de fubá de minha avó e
seu cheiro, que caminhava até o quintal e nos
hipnotizava em cantos de sereia aromáticos, os
quais nos conduziam ao chá da tarde.
Após o beijo, eu havia pressionado os dedos
polegar e indicador para conter o
sangramento e, levando-os ao peito, disse
―para sempre juntos‖. Ela fez o mesmo e eu
me lembrava perfeitamente daqueles lábios
jovens pronunciando palavras tão carregadas
de afeto. Após aquele verão, houve a guerra.
Nossas famílias mudaram várias vezes de
endereço e a mútua imaturidade nos fez
perder contato. Os anos passaram e a vida
seguiu seu curso natural.
―Será que era ela?‖. Havia voltado novamente
à superfície, agora como o golfinho que salta
das águas e pode, por um instante, flutuar
entre o sol e o mar. Olhei para trás e vi uma
senhora caminhando com uma jovem em
sentido oposto ao meu. Sem pensar muito,
passei a segui-las, mas, com a ação da
gravidade, voltei ao oceano.
Estávamos agora brincando nas árvores do
bosque do bairro, após uma chuva passageira.
O vapor verde e cálido que nos atingia trazia
um cheiro único, vinculado eternamente ao
primeiro toque de nossas mãos. Lembrei das
cartas que começamos a trocar durante o ano,
aguardando o verão que sempre demorava
tanto a chegar. Lembrei do aroma do lago em
que assistíamos ao pôr-do-sol, também
eternizado pelo nosso primeiro abraço e pelas
reações até então desconhecidas que ele
provocou em nossos corpos.
Na superfície, a senhora havia parado em
uma loja. Nas águas, lembrei que o aroma de
Manuela era único, pois ela havia dito que
misturara três tipos diferentes de perfume em
busca de um cheiro só seu. Realmente
conseguiu isso, pois eu nunca mais havia
encontrado algo semelhante, até aquele dia.
Do perfume, caminhei à lembrança da guerra
que chegou e do último verão que passei com
ela. Foi muito triste, com cheiro de despedida,
pois sabíamos que a guerra era algo cruel.
Sem conhecer direito os sentimentos, tínhamos
a certeza de que precisávamos um do outro.
Em uma tarde triste, ela furou nossos dedos
com um espinho do parque (como havia visto
em um filme) e disse que, se misturássemos
nosso sangue, viveríamos para sempre juntos,
um dentro do outro. Aquele cheiro de sangue
somou-se ao aroma de seu semblante, que
pude sentir bem de perto, em nosso primeiro e
único beijo.
Uma instantânea falta de ar trouxe-me
fortemente à superfície com a pergunta que
gritava em minha mente: será que era ela? Vi
que a jovem havia entrado em uma loja
enquanto a senhora estava sentada em um
banco do lado de fora: aquele era o momento!
Tremendo, caminhei em sua direção guiado
pelo perfume, que se tornava mais intenso a
cada passo. Ainda de longe, vi que não havia
alianças em seus dedos: a sorte lutava ao meu
favor! Caminhei mais alguns passos e sentei ao
seu lado.
Ela olhou para mim por um único instante e
me cumprimentou movimentando o rosto,
educadamente, como se faz a um
desconhecido. Naquele único momento em
que pude olhar para seus olhos, toda a
realidade foi alterada. O brilho azul levou–me
a um último mergulho, em que vi exatamente
a mesma cor refletindo o sol daquele último
verão, instantes antes do beijo. A cor era a
mesma, o brilho era o mesmo, o perfume era o
mesmo: senti que estava realmente diante de
meu primeiro Amor.
Saltei com todas as minhas forças das águas
em direção ao sol, voltando à realidade.
Meu coração, eufórico, dançava inebriado por
aquele perfume de que tanto sentiu falta.
Uni meu polegar ao indicador e, levando-os ao
peito, disse a frase daquele verão.
A senhora levou um aparente susto e parou de
respirar por alguns segundos, na certa
mergulhando nas mesmas profundezas das
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
quais
eu
havia
acabado
de
sair.
Vagarosamente, virou seu rosto para o lado,
exibindo os olhos arregalados e seu semblante
lívido. Mais alguns segundos passaram até que
ela mostrou um surpreendente sorriso: o
mesmo sorriso que eu tão bem conhecia!
Naquele momento supremo, percebi que eu
havia saltado das águas não mais com
nadadeiras, mas agora com asas! Despedi-me
do mar e olhei para o céu, de onde pude sentir
o caseiro aroma de meu então antigo, atual e
futuro lar.
Jardel Estevão Barbosa Silva
Formado técnico em eletro-eletrônica, cursou
faculdade de psicologia, e, além de poeta, é
150
também contista. Presidente do Grupo CRIA
Literária, em Campinas-SP. Foi premiado em
diversos concursos, inclusive melhor ensaio nos
10ºs Jogos Florais da Junta de Freguesia de São
Domingos de Rana – Portugal, em 2006,
melhor conto nos 9ºs Jogos Florais da Junta de
Freguesia de São Domingos de Rana,
Portugal, em 2005, 2º Lugar no V Prêmio
Escriba de Contos – Piracicaba (SP) e primeiro
lugar no Concurso Nacional de Poesia
promovido pelo CBE (Clube Brasileiro de
Escritores) – São Paulo, em 2004.
Fontes:
– Revista da ACL (Academia Campinense de Letras). – Ano nº 1 •
Abril/2007 – pag.7-9.
– Abrace Editora.
Fernando Campanella
Conversa de Compadres
Conta-se que lá pelas bandas do Curralinho, a
umas boas léguas de Santana de Caldas, vivia
um homem, chamado por Bastião Medonho,
sovina até os ossos, mestre no ofício de contar
os grãos, para gerar maior lucro e evitar
dissipação.
Seu sítio era o que mais prosperava nas
redondezas. Possuía tal homem uma azenha,
onde transformava o milho em fubá ou
quirera. A ele recorriam os sitiantes do lugar,
trazendo parte de sua safra de milho para a
troca com a farinha ou o fubá. E o Sr. Bastião
sempre lucrava, o que os vizinhos levavam era
três vezes menos o que traziam.
Se era hora do café, às crianças, cujos pais até
seu sítio chegavam para uma visita, de
amizade ou a negócio, era dada apenas a
metade de um bolinho de chuva que a esposa
fazia; se hora do almoço, uma lasquinha
cozida do imenso capado que abatera…Tudo
calculado, medido, regulado.
Seus cavalos eram os mais belos e mais
possantes, seu milharal o mais viçoso, seu gado
o mais gordo da região.
Conta-se , também, que Bastião Medonho era
um caloteiro de primeira, mau pagador,
embora houvesse amealhado uma pequena
fortuna, que esquentava o único banco da
pequena Santana de Caldas. Acertava suas
dívidas só quando não havia mais jeito e
pesava contra ele a ameaça de um processo
na comarca da região.
Ora, havia um compadre seu, o Sr. Maneco da
Lua, um homem de caráter íntegro, pródigo,
uma ‗candura de pessoa‘ , como se dizia por lá.
Conheciam-se os dois desde que nasceram.
Brincaram juntos, as famílias tinham um laço
de compadrio que remontava há várias
gerações, embora morassem distantes.
Acontece que, certa vez, o Sr. Maneco vendera
um belo cavalo para o compadre Bastião, sem
documento assinado, na base da mais pura
confiança, da amizade que os unia desde o
berço. E nunca recebeu o dinheiro da
transação. Também nunca cobrou: o Bastião
era ‗cumpadi‘, amigo dos ‗bão‘ um ‗irmãu‘. E
se o companheiro não pagava era porque
devia estar em situação ‗das pior‘, como este
sempre lhe dizia, chorando as mágoas,
prometendo saldar a dívida logo que se
recuperasse.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
O tempo passou e Bastião nunca mais deus as
caras no sítio do compadre, mais por safadeza
que por vergonha de encarar o bobo do
compadre.
O Sr. Maneco não era mesmo um homem
deste mundo. Colocava os valores do
sentimento acima de tudo, a fidelidade, a
integridade eram seus bens maiores, embora
fosse constantemente acusado de ingenuidade
pela esposa e familiares.
E certa feita, em regresso de uma viagem de
vários dias, Bastião passou em um armarinho
de Santana para a compra de alguma peça
de vestuário. E viu que lá estava o Maneco.
Tentou disfarçar, evitar o encontro, um certo
mal-estar lhe gelando as veias como se
houvesse enxergado um fantasma. Mas o bom
compadre dele se aproximou, em sua aura de
cordialidade, sempre discreto em sua
elegância, o chapéu bem limpo, os óculos, a
calça mais curta, deixando ver as botas sem
meia, o embornalzinho a tiracolo.
- Salvi, Cumpadi Bastião. Comu tem passado
a famia? E ocê, irmãu, já ta melhozinho lá nu
sítiu? Miorô as coisa por lá?
- Vigi, cumpadi, a situação ta ruim, mais ta
ruim… to penano dimais, doença no gado,
praga no milhu, perdi tudinhu, Deus tenha
dó….
E continuou a ladainha, tentando despertar
piedade no amigo, evitando tocar no assunto
da dívida contraída.
Porém, o Maneco também nem referência a
tal dívida fez. Só lembrou para o Bastião os
bons tempos em que nadavam nas enchentes,
lá no Lava-Cavalos, bons tempos da infância
151
em comum dos dois. E despediu-se assim como
viera, uma leveza de espírito, quase um sopro
de candura. Uma luz calma que de repente
alumia e esvaece.
Meio encolhido pela grandeza do amigo, disse
então Bastião ao dono da loja -Bom sujeitinhu
este Manequinhu – Pareci até um espíritu di
tão levezinhu …. E riu, meio a contragosto.
- O senhor tá bem? – perguntou o proprietário
do armarinho. – Tava falando sozinhu… Tá
passandu bem?
- Tava proseanu aqui com meu Cumpadi, ora,
o Maneco da Lua, irmão dos báum…..
- O Sô Maneco lá da Juruaia? – indagou o
dono da loja, espantado?
- Sim, meu cumpadi….
- Ele faleceu esta manhãzinha … O corpo tá lá
na igreja agora…
Diz a lenda que Bastião, após confirmar
falecimento do compadre pelo anúncio da
igreja, se arrepiou dos fios do cabelo às unhas
do pé, e disparou da loja, como se o Maldito, o
Coisa-ruim, a Besta-de-Barba-de-Bode, o
tivesse atacado.
Seu sítio foi vendido, a família dali se foi. De
Bastião Medonho não mais se ouviu falar.
Se honrou as dívidas, se continuou medonho,
não se sabe…Se morreu ninguém sentiu.
Fontes:
Academia Brasileira de Poesia da Casa de Raul de Leoni
Fernando Campanella
O Poeta no Papel
AO VENTO
Fica comigo, mas não posso pedir ao vento
que sopre ao alcance de meu ouvido,
ou à terra que abençoe nossos longos segredos
-nem mesmo da luz querer ouso
que se demore em meu abrigo.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Quando os dados lançados e até meu silêncio
contra toda certeza parecem que conspiram
- e caso os dedos do mundo
em suas recurvas unhas nos firam releva, e fica comigo, os anjos sabem mais alto
daquilo em que insisto, do que preciso.
NINFÉIAS
Eu vou aonde as nuvens
de impossíveis tons se embriagam,
eu nado onde aquáticos leques
se irisam em sonhos
e por arte do encanto se dissolvem.
Eu furto cores,
clico roxos que se miram
em espelhos que me expandem.
Bebo a luz, traço a alma,
eu sou o impressionista ambulante.
Então nem me perguntes
por quais cambiantes geografias me espalho:
meus olhos são câmeras mimadas
meus pincéis são artífices do instante.
LUZ CADENTE
Serão miragens
aqueles tons em cobre
ondulando em folhas na tarde?
Meus olhos devem andar poéticos
ou delirantes.
Ou mais febril a minha percepção
que entende
Que os animais atendem
às nuances que a luz da tarde concede.
Luz e folha devem ter naturezas atadas
em delicado, intraduzível elo
que traça o pássaro ao ninho.
Não sei.
O que para as aves deve ser
algo como arbóreas núpcias
em mim
é um degredo em ecos,
um vago ruflar de um sentido.
Minha razão nada pode
Contra a luz cadente
Que vela e desvela
aquele tom amêndoa
- ferrugem quase dor,
Quase leve -
Que a alma agora consente.
E que de volta
à presciência do mundo,
ao ninho da terra
vai me cumprindo.
REFABULANDO
Estas cigarras toantes
flutuam na sã inconsciência
de um sono. Estas cigarras
-não as perturbes, não as toques estas belezas crepitam
em líquidas texturas de sonho.
Mas se buscares que despertem,
Afina os ouvidos, achega-te,
Imperceptível, leve, e mais leve
E como elas, enquanto verão,
Arde então, e canta.
CAPELA DOS OSSOS
Eu que não vivi o Alentejo,
que não voei com as cegonhas
sobre suas albufeiras ao entardecer
( nem em suas quintas pernoitei)
e que não cantei odes
à glória de um D.Manuel e suas esquadras
( nem o Tejo naveguei)
que às suas capelas
não me desfiz dos ossos,
não me embriaguei do néctar
de seus deuses
nem da flor mais bela
em Évora me enamorei,
eu, disso tudo,
por descompasso dos astros,
me privei.
Mas, oh fado lusitano,
Oh, alma dolente e migrante,
tua nostalgia,
teu estar nunca estando,
esta sede por outros mundos,
esse tanto, eu herdei.
LA CAMPANELLA
Aquela senhora
toca um piano na tarde,
La campanella, as teclas
ágeis ondulando em mimos,
em vibrantes sinos delicados.
Imersos, cada qual em sua estória,
uma sintonia de repente
152
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
nos toma, uma arte um rio profundo sem corte,
um certo azul que nos sonha.
A MEDIA LUZ
Sempre reneguei o tango
e os entusiastas de Gardel,
(longe de mim a passional postura
eivada de desolação e dor),
o amor sempre em mim um campo
de mais alvos lírios onde não choveu.
Cerrei as tendas, afastei o bruxo,
mas na contrapartida
adiei o fruto, me ceguei à cor.
Violinos eternos , bandoneón ,
toquem-me hoje um tango crepuscular
e tardio, toquem, que desaprendi
o me bastar e o meu cismar sozinho,
à meia-luz meu coração são girassóis
que dançam – todo chama, e torvelinho.
ALQUIMIA
Bom dia, minha jaqueta surrada,
reincorporo-te como a uma identidade, a um
eu
imune aos ecos do mundo,a uma canção de
amor
tão gasta, e ainda sempre, sempre,
ressuscitada.
Bom dia, meu ninho, onde ao largo do dia
me deito, resvalo dos elos concêntricos
e disparo meus sonhos, em mais íntima
revoada.
Retomo-te, minha outra natureza, e contigo
escrevo,
entranho o reino dos meus velhos poetas meus alquimistas dos sonhos –
da realidade mais sutil, imaginária.
Bom dia, meus sóis com chuvas,
meu arco, meu ouro, meu pote de luz
- claras núpcias de minhas raposas e viúvas.
OLHOS
Dois pássaros voam,
de um leve azul inebriados.
De onde os vejo
Só há o espelho quieto de um lago.
E já não sei o que é mais visível
se o que enxergo, as aves,
com meus olhos,
153
ou se aquelas flautas moventes
sincronizadas,
que sonho
com os olhos quietos do lago.
TUA BELEZA
Tua beleza, inconsciente de si,
Me puxa em seus encantos
Para o seu leito.
Mas o que fazer de tua beleza
Senão sofrer/gozá-la em doses
de solidões noturnas e densas?
(Senão armá-la em vaso
Para decantar a mesa.)
Como um jardineiro de ventos
Prefiro ver-te
Heras galgando muros
Ervas tecendo pastos
Ou aérea flor da memória.
Amar tua beleza , não mais,
Como cor que não apreendo
Rio que não detenho
e que passa.
CONSUMMATUM
A poesia, se um de mim se for,
que eu não a renegue, nem de meus poemas
eu diga, ‗ah um dia isto tresloucado eu fiz‘.
Se o tempo da mais morna sensatez
Ao chão me puxar , como um tempo de razão
a ensombrar os deuses, e os dias
vierem despidos, desfolhados na vastidão ,
que eu não cerre as pálpebras
e murmure, ‗ consummatum est,
foi tudo desvio e dissipação‘.
E se não mais me vibrarem os timbales
e de mim restarem tão somente
o silêncio imune e a cinza amorfa,
que de mim eu me lembre
como um acendedor de palavras,
e que eu me leia, na noite,
como se lêem os mosaicos dos sonhos,
os versos, o melhor de meus atos,
a mais sublime, libertária , rendição.
FRUTOS DA TERRA
Benditos os filhos do ventre da terra
Que o sol desperta tão cedo,
Que o trigo e a uva aguardam no campo
Para o mágico processo do pão e do vinho.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Benditos os frutos da terra
Que se abrem à manhã
Em silêncios e cantos
Que mesclam no ar
e os filhos da paz,
que ligam o céu ao mundo,
os que reciclam o dia
e dele retiram sustento e eternidade.
Abençoados os que bendizem,
Os que curam, e que a dor amenizam,
os que por via de tolerância
se entendem.
Benditos os que domam a cólera
E se transformam no amor,
Amor que bebe da identidade da vida.
Bendito o sol que amadurece os frutos de
terra.
Mais bendita a luz
por que anseia ‗a noite escura da alma‘.
PÁSSAROS
A primavera de New England
não traz seus pássaros à minha janela.
Mas por que penso naqueles cantos
Se nem os pássaros de meu velho rio
Ou de minhas conhecidas árvores
Vêm ao meu jardim cantar?
Só cantam para si próprios, creio,
o martim- pescador, a corrila ,
o joão-de-barro atribulado.
Pensando bem, nem mesmo pardais,
Nenhum pio, nenhum bemol acasalado
Conseguem meu dia despertar.
Ficam por si, longínquos, os canários
e os bem-te-vis nas cercanias .
Como é triste acordar, agora percebo,
Daquelas ternuras surdo, descantado.
Como é áspero raspar do dia o aço.
Ranger roldanas de hábitos e ossos.
Cantem para si, para Deus
ou para quem os consiga ouvir
o exótico robin , o cuco e a cotovia.
Nenhum trinado, nem mesmo um grasnar
Vem alcançar meus ouvidos ruidosos.
Ah, vejam, sou mesmo um rei nu,
Um moedor de pedras,
Sou aquele imperador da China
Que tão pobre era sem seu pássaro Aquele pobre mandarim ,
A solidão, meu triste rabicho,
154
a ausência, esta enorme vassala de mim.
Fernando Campanella,
por ele mesmo
(1953)
O que teríamos, almas de artista , que aos
olhos racionais e práticos seria enxergado como
desequilíbrio ou quimera? Por que sentimos as
dores da alma com maior intensidade, e
vivemos maior interação entre o de dentro e o
de fora? Por que tudo em nós tem ressonância,
e o silêncio a mais forte voz, ainda que
delicada? Por que? Por que? Seríamos crianças
indagando as razões, vislumbrando os
sentidos? Traríamos o condão dos magos,
refazendo o encanto dos elos perdidos?. Fluxo,
refluxo, sístole, diástole, mundo, alma…. Deus,
no sétimo dia, sob toda responsabilidade e
peso da orbe criada, deve ter pintado um
quadro, tocado uma flauta, ou escrito poesia.
Antonio Fernando Cruz. O sobrenome
Campanella vem da família de minha mãe, o
qual adotei como nome de poeta pelo fato de
meu bisavô materno, assim como meu avô,
terem sido , de alguma forma, escritores, e ,
também, pelo fato de meu tio, irmão de
minha mãe, o Campanella Neto, ter sido um
fotógrafo. A paixão pelo literatura e
fotografia, então, foi herdada dessa vertente,
da família de minha mãe.
Nascimento: 13 de junho de 1953, em Pouso
Alegre, sul de MG
Formação: Curso primário em Pouso Alegre,
sul de MG. Ginasial em Cambuí, e Poços de
Caldas, sul de MG. Curso Clássico em Belo
Horizonte, MG. Curso Superior (Letras,
Português e Inglês, em Itajubá, sul de MG).
Cursos rápidos de inglês avançado em Londres,
e E.U.A. Cursos de aperfeiçoamento de
conversação inglesa, e para professores, assim
como congressos de ensino da Língua Inglesa.
Profissional: Professor de Inglês, Ex-diretor da
franquia da Escola Fisk em minha cidade.
Professor de Língua Portuguesa em colégio
municipal de minha cidade por um
determinado período.
Outras informações: Membro da academia de
Letras de Pouso Alegre. Vencedor de um
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
concurso de poesia em minha cidade. Nenhum
livro ainda publicado.
Curiosidade: Adélia Prado, após ler alguns
poemas que lhe enviei, há alguns anos atrás,
respondeu-me:
Caro Fernando, fiquei feliz ao ler teus poemas,
pois são de um poeta. E para poetas não se
dão conselhos. Escreva, escreva, escreva, para
nossa e sua alegria. Como fiquei feliz!
Pentecostes está chegando, que seu coração se
155
incendeie de poesia. Não fique ansioso, Deus
quando dá o dom, dá os meios. Por que não
envia seus originais para este editor no Rio de
Janeiro:…………
Já quase em fase de aposentadoria, pretendo
dedicar-me, nesta fase de minha vida, á
poesia, crônicas, e , como registro de minha
região, à fotografia.
Fonte:
Academia Brasileira de Poesia da Casa de Raul de Leoni.
Academia Campinense de
Letras
No ano de 1956, por iniciativa do então
secretário municipal de educação e cultura,
professor Francisco Ribeiro Sampaio, também
titular da cadeira de filologia portuguesa na
Pontifícia Universidade Católica de Campinas,
reuniram-se no dia 17 de maio, nas
dependências do Teatro Municipal os mais
destacados nomes da intelectualidade
campinense para decidir sobre a fundação do
sodalício,
que
ficou
consagrada
,
referencialmente, na predita data. A sessão de
posse e instalação ocorreu a 22 de novembro
do mesmo ano, tendo sido eleito como
primeiro presidente o próprio prof. Sampaio.
Criada nos moldes da Academia Brasileira de
Letras , a ACL é composta de quarenta
cadeiras de provimento vitalício.
O primeiro corpo de acadêmicos fundadores
foi constituído pelos intelectuais: prof. Francisco
Ribeiro Sampaio, Dr. Paulo Mangabeira
Albernaz, Dr. Theodoro de Souza Campos
Júnior, prof. Armando dos Santos, Sr. Heládio
Brito, Dr. Herculano Gouvêa Neto, prof. Stênio
Pupo Nogueira, Dr. Carlos Francisco de Paula,
prof. Mário Gianini, Dr. Valdemar César da
Silveira, jornalista Luso Ventura, prof. Benedito
Sampaio, monsenhor Emílio José Salim, Dr.
Carlos Foot Guimarães, Dr. Antônio Leite
Carvalhaes, prof. José Roberto do Amaral
Lapa. A esses nomes posteriormente se
acrescentaram, por eleição , mais os seguintes:
Dr. Francisco José Monteiro Sales, Dr. Edmundo
Barreto, Dr. José Emanuel Teixeira de
Camargo, Dr. Plínio do Amaral, Sr. José de
Castro Mendes, Dr. Paulo de Castro Pupo
Nogueira, Dr. Mílton Duarte Segurado, prof.
Francisco Galvão de Castro, tenente-coronel
Waldomiro de Vasconcelos Ferreira, e Sr. Celso
Maria de Melo Pupo, Dr. Lycurgo de Castro
Santos Filho, o Sr. Rafael de Andrade Duarte ,
Dr. Camilo Geraldo de Souza Coelho, Sr.
Sebastião Alvarenga, Dr. Francisco de Assis
Iglesias, Dr. Nélson Noronha Gustavo Filho, Dr.
Paulo da Silva Pinheiro, prof. Adalberto Prado
e Silva, prof. Norberto de Sousa Pinto, Dr.
Mário Erbolato, e prof. Guilherme Leanza e ,
por último, o deputado Ruy de Almeida
Barbosa, em substituição ao dr. Antônio da
Costa Neves Júnior, que declinou da indicação.
Posteriormente , declinaram também, os
jornalistas Luso Ventura e Mário Erbolato.
O prof. Francisco Ribeiro Sampaio foi então
confirmado presidente para um mandato de
dois anos.
Atual Presidente Presidente – Agostinho
Toffoli Tavolaro
OBJETIVO
Concebida nos moldes consagrados de suas
congêneres, congrega intelectuais e literatos da
terra campinense com o fito primordial de
promover as letras, incrementar a cultura e
cultuar a historia da cidade de Campinas.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
No encalço destes objetivos, disponibiliza sua
sede ao publico em geral e aos intelectuais em
particular congregando diversas entidades
culturais que dela se servem para seus
encontros e eventos, como a Academia
Campinense Maçônica de Letras, o Centro de
Poesia e Artes de Campinas ( CEPAC), Casa do
Poeta, alem, evidentemente do vasto
programa
da
própria
agremiação
diversificado em palestras mensais proferidas
por acadêmicos ou convidados, regularmente
complementadas por apresentações musicais,
premiações de artistas destacados, o mais das
vezes, expositores da galeria de artes Lelio
Coluccini, a qual permanentemente abre-se à
comunidade de artes plásticas campinense
para suas mostras e ventos.
O poder público ali encontra, analogamente,
ambiente favorável e instalações adequadas
para congressos, palestras e treinamento de
pessoal docente, ligados à Secretaria Municipal
de Educação, disponibilidade da qual não se
exclui a rede particular de ensino do município.
Possuidora de vasto acervo bibliotecário, o
disponibiliza ao publico campinense através de
convênio com o Centro de Ciências Letras E
Artes de Campinas, que o mantêm , em
separado, junto à sua própria biblioteca, ate
que possa a academia abrigá-lo nas suas
próprias instalações.
SEDE
Por outorga da Prefeitura Municipal de
Campinas, possui a Academia Campinense de
Letras sede própria, projetada e construída
exclusivamente para seu funcionamento sobre
o terreno situado à Rua Marechal Deodoro
,n.525, Centro, Campinas , SP, com CEP 13010300 e telefone 0XX19-32312854.
A concepção arquitetônica obedeceu os mais
rígidos princípios da ordem dórica que
vigorava no século VI a. C., caracterizada por
colunas grossas no primeiro terço, adelgando
nos dois terços seguintes, sendo , de alto a
baixo, sulcadas de caneluras ou estrias em
meia cana, encimadas por capitéis que
suportam o entablamento. Lintéis, ligando os
capitéis, formam a arquitrave para apoio das
vigas do teto.
156
De maneira geral, a construção segue as
normas arquitetônicas dos templos gregos.
Imortais (em negrito, os patronos das cadeiras)
01 Leopoldo Amaral
1-Francisco Ribeiro Sampaio
2-Maria Lúcia de Souza Rangel Ricci
02 Dom João Nery
1-Monsenhor Emílio José Salim
2-Dante Alighieri Vita
3-Francelino de Souza Araújo Piauí
4-Rogério César Cerqueira Leite.
5-Côn.José Antônio Moraes Busch
03 Carlos de Laet
1-Benedito Sampaio
2-Maurício de Moraes
3-Carlos Aquino Pereira
04 Afrânio Peixoto
1-Valdemar César da Silveira
2-Penido Burnier
3-Wilson Brandão Toffano
4-João Ribeiro Júnior
05 João Lourenço Rodrigues
1-Carlos Francisco de Paula
2-André Leme Sampaio
3-Odilon Nogueira de Matos
06 César Bierrenbach
1-Herculano Gouvêa Neto
2-Rosalvo Madeira Cardoso
07 Euclides da Cunha
1-Armando dos Santos
2-Benedito José Barreto Fonseca
08 Hildebrando Siqueira
1-Francisco Isolino Siqueira
09 Monteiro Lobato
1-Antônio Leite Carvalhaes
10 Pe. Leonel França
1-Mário Giannini
2-Isolde Helena Brans
11 Júlio de Mesquita
1-Carlos Foot Guimarães
2-Messias Gonçalves Teixeira
3-Jorge Antônio José
4-Luno Volpato
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
12 Francisco de Moraes Júnior
1-Stênio Pupo Nogueira
2-Marina Becker
13 Castro Alves
1-Heládio José de Ávila Brito
14 Bernardo de Souza Campos
1-Theodoro de Souza Campos
2-Pedro João Bondaczuck
15 Ruy Barbosa
1-Paulo Mangabeira Albernaz
2-Rubem Alves
16 Tomaz Alves
1-Monteiro Sales
2-Nair de Santana Moscoso
3-Dr. Hélcio Maciel França Madeira
17 Afonso de Taunay
1-Hilton Federici
2-Maria Dezonne Pacheco Fernandes
3-Rubem Costa
18 Arnaldo Vieira de Carvalho
1-José Emanuel Teixira de Camargo
2-Arita Damasceno Pettená
19 Amadeu Amaral
1-Plínio do Amaral
2-Renê Pena Chaves
3-João Francisco Régis de Moraes
20 Rodrigues de Abreu
1-Alechandre Chiarini
2-Maria Celestina Teixeira Mendes Torres
21 Artur Segurado
1-Milton Duarte Segurado
22 Oliveira Viana
1-Francisco Galvão de Castro
2-Uassyr Martinelli
23 Alberto de Oliveira
1-Waldomiro de Vasconcelos Ferreira
2-José Aristodemo Pinotti
2-Luís Felipe da Silva Wiedemann
3-Duílio Battistoni Filho
26 Ricardo Gumbleton Daunt
1-Lycurgo de Castro Santos Filho
2- Sérgio Galvão Caponi
27 Custódio Manuel Alves
1-Rafael de Andrade Duarte
2-Mauro Sampaio
3-Luiz Antônio Alves Torrano
28 Pelágio Álvares Lobo
1-Camilo Geraldo de Souza Coelho
29 Paulo Álvares Lobo
1-Celso Maria de Mello Pupo
2-Dr. João Plutarco Rodrigues Lima
30 Humberto de Campos Veras
1-Sebastião Alvarenga
2-Maria Conceição de Arruda Toledo
31 Plínio Barreto
1-David Antunes
2-Mário Pires
3-Alcy Gigliotti
32 Vital Brasil
1-Francisco de Assis Iglesias
2-Luís Gonzaga Horta Lisboa
3-Célia Siqueira Farjallat
33 Sud Menucci
1-Norberto de Souza Pinto
2-Maria José Morais Pupo Nogueira
34 José de Sá Nunes
1-Adalberto Prado e Silva
2-Régis Torres de Castro
3-Nathanael de Almeida Leitão
35 D. Francisco de Aquino Correia
1-Nelson Norronha Gustavo Filho
2-Lauro Péricles Gonçalves
36 Carlos Willian Stevenson
1-Paulo da Silva Pinheiro
2-Julio Mariano Júnior
24 Benedito Otávio
1-José Roberto do Amaral Lapa
2-Luiz Carlos Ribeiro Borges
37 Francisco Quirino dos Santos
1-Marino Emílio Falcão Lopes
25 João Batista Pupo de Moraes
1-Paulo de castro Pupo Nogueira
38 Manuel Ferraz de Campos Sales
1-Ruy de Almeida Barbosa
157
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
2-Ana Suzuki
158
40 Antônio Álvares Lobo
1-Carlos Penteado Stevenson
2-Ver. Júlio Andrade Ferreira
3-Agostinho Toffoli Tavolaro
39 José de Anchieta
1-Mons. Luiz Fernandes de Abreu
2-Cônego João Corrêa Machado
3-José Alexandre dos Santos Ribeiro
Fonte:
Academia
Campinense
de
Letras
Raul de Leoni
Poesias
A HORA CINZENTA
Desce um longo poente de elegia
Sobre as mansas paisagens resignadas;
Uma humaníssima melancolia
Embalsama as distancias desoladas…
Longe, num sino antigo, a Ave-Maria
Abençoa a alma ingênua das estradas;
Andam surdinas de anjos e de fadas,
Na penumbra nostálgica, macia…
Espiritualidades comoventes
Sobem da terra triste, em reticência
Pela tarde sonâmbula, imprecisa…
Os sentidos se esfumam, a alma é essência
E entre fugas de sombras transcendentes,
O pensamento se volatiliza…
ARGILA
Nascemos um para o outro, dessa argila
De que são feitas as criaturas raras;
Tens legendas pagãs na carnes claras
E eu tenho a alma dos faunos na pupila…
Às belezas heróicas te comparas
E em mim a luz olímpica cintila,
Gritam em nós todas as nobres taras
Daquela Grécia esplêndida e tranqüila…
É tanta a glória que nos encaminha
Em nosso amor de seleção, profundo,
Que (ouço de longe o oráculo de Elêusis),
Se um dia eu fosse teu e fosses minha,
O nosso amor conceberia um mundo,
E do teu ventre nasceriam deuses…
DECADÊNCIA
Afinal, é o costume de viver
Que nos faz ir vivendo para a frente.
Nenhuma outra intenção, mas, simplesmente
O hábito melancólico de ser…
Vai-se vivendo… é o vício de viver…
E se esse vício dá qualquer prazer à gente.
Como todo prazer vicioso é triste e doente,
Porque o Vício é a doença do Prazer…
Vai-se vivendo… vive-se demais,
E um dia chega em que tudo que somos
É apenas a saudade do que fomos…
Vai-se vivendo… e muitas vezes nem sentimos
Que somos sombras, que já não somos mais
nada
Do que os sobrevivente de nós mesmos!…
TRANSUBSTANCIAÇÃO
Esta chance em que existo há de tornar-se um
dia,
Em húmus germinal, em seiva fecundante,
Decompondo-se em Pó, há de ser a energia
De vidas que sobre ela hão de viver adiante…
Será fonte, Princípio, a tábida apatia
De um movimento novo intérmino
constante,
Sua ruína será a feraz embriogenia
e
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
De outros tipos de Vida, instante para instante.
Há de um horto florir por sobre o seu passado.
Borboletas iriais e anêmonas olentes,
Vidas da minha Morte, eu mesmo
transformado…
E, assim, irei buscando a Perfeição perdida,
Vivendo na Emoção de seres diferentes
Que a Morte é a transição da Vida para a
Vida…
DESCONFIANDO
Tu pensas como eu penso, vês se eu vejo,
Atento tu me escutas quando falo;
Bem antes que te exponha o meu desejo
Já pronto estás correndo a executá-lo.
Achas em tudo um venturoso ensejo
De servir-me a verdade num gracejo.
Serias, se eu quisesse, o meu cavalo…
Mas não penses que estólido eu te creia
Como um Patroclo abnegado, não
De todos os excessos de receia…
O certo é que, em rancor, por dentro estalas;
Odeias-me quem eu sei, mas, histrião,
Beijas-me as mãos por não poder cortá-las…
“ ALMAS DESOLADORAMENTE FRIAS…”
Almas desoladoramente frias
De uma aridez tristíssima de areia,
Nelas não vingam essas suaves poesias
Que a alma das cousas, ao passar, semeia…
Desesperadamente estéreis e sombras
Onde passas (triste aura que as rodeia!)
Deixam uma atmosfera amarga, cheia
De desencantos e melancolias…
Nessa árida rudeza de rochedo,
Mesmo fazendo o bem, sua mão é pesada,
Sua própria virtude mete medo…
Como são tristes essas vidas sem amor,
Essas sombras que nunca amaram nada,
Essas almas que nunca deram flor…
Alongo sobre as árvores vazias,
Essas em cujo espírito infecundo
Soluçam silenciosas agonias.
Assim estéreis, mansas e sombrias,
Sugerem à emoção em que as circundo
Todas as dolorosas utopias
De todos os filósofos do mundo.
Sugerem… Seus destinos são vizinhos:
Ambas, não dando frutos, abrem ninhos
Ao viandante exânime que as olhe.
Ninhos, onde vencida de fadiga,
A alma ingênua dos pássaros se abriga
E a tristeza dos homens se recolhe…
UNIDADE
Deitando os olhos sobre a perspectiva
Das cousas, surpreendo em cada qual
Uma simples imagem fugitiva
Da infinita harmonia universal.
Uma revelação vaga e parcial
De tudo existe em cada cousa viva:
Na corrente do Bem ou na do Mal
Tudo tem uma vida evocativa.
Nada é inútil; dos homens aos insetos
Vão-se estendendo todos os aspectos
Que a idéia da existência pode ter;
E o que deslumbra o olhar é perceber
Em todos esses seres incompletos
A completa noção de um mesmo ser…
PUDOR
Quando fores sentindo que o fulgor
Do teu Ser se corrompe e a adolescência
Do teu gênio desmaia e perde a cor,
Entre penumbras em delinquescência,
Faze a tua sagrada penintência,
Fecha-te num silêncio superior,
Mas não mostres a tua decadência
Ao mundo que assistiu teu esplendor!
CREPUSCULAR
Foge de tudo para o teu nadir!
Poupa ao prazer dos homens o teu drama!
Que é mesmo triste para os olhos ver
Poente no meu jardim… O olhar profundo
E assistir, sobre o mesmo panorama,
159
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
160
A alegoria matinal subir
E a ronda dos crepúsculos descer…
Em 1903, cursa o primário e, a seguir, o
secundário, no Colégio Abílio, em Niterói.
PRUDÊNCIA
Em 11 de setembro de 191o, faz a Primeira
Comunhão aos quinze anos, na Capela do
Colégio
São
Vicente,
dos
padres
Premonstratenses, em Petrópolis, onde se
encontra internado.
Não aprofundes nunca, nem pesquises
O segredo das almas que procuras:
Elas guardam surpresas infelizes
A quem lhes desce às convulsões obscuras.
Contenta-te com amá-las, se as bendizes,
Se te parecem límpidas e puras,
Pois se, às vezes, nos frutos há doçuras,
Há sempre um gosto amargo nas raízes…
Trata-se assim, como se fossem rosas,
Mas não despertes o sabor selvagem
Que lhes dorme nas pétalas tranquilas,
Lembra-te dessas flores venenosas!
As abelhas cortejam de passagem,
Mas não ousam prová-las nem feri-las..
AOS QUE SONHAM
Não se pode sonhar impunemente
Um grande sonho pelo mundo afora,
Porque o veneno humano não demora
Em corrompê-lo na íntima semente…
Olhando no alto a árvore excelente,
Que os frutos de ouro esplêndidos enflora,
O Sonhador não vê, e até ignora
A cilada rasteira da Serpente.
Queres sonhar? Defende-te em segredo.
E lembra, a cada instante e a cada dia,
O que sempre acontece e aconteceu:
Prometeu e o abutre no rochedo,
O calvário do filho de Maria
E a cicuta que Sócrates bebeu!
Raul de Leoni
(1895 – 1926)
Raul de Leoni (Petrópolis, 30 de outubro de
1895 — Itaipava, 21 de novembro de 1926)
30 de outubro de 1895, nasce em Petrópolis,
Estado do Rio, Raul de Leoni Ramos, terceiro
filho do magistrado Carolino de Leoni Ramos e
de D. Augusta Villaboim Ramos.
Em 1912, matricula-se da Faculdade Livre de
Direito do Distrito Federal, colando grau de
bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, quatro
anos mais tarde.
Parte para a Europa em 9 de abril de 1913,
indo visitar a Inglaterra, França, Itália,
Espanha e Portugal. Impressiona-se com
Florença,
única
cidade
nominalmente
decantada em seu livro.
De volta ao Rio de Janeiro, em 1914, inicia
colaboração literária nas revistas Fon-Fon e
Para-Todos, colaborando mais tarde em O
Jornal (1919), no Jornal do Comércio e no Jornal
do Brasil.
Em 13 de março de 1918 é nomeado, por Nilo
Peçanha, Ministro das Relações Exteriores no
governo Wenceslau Brás, para o cargo de
Secretário da Legação do Brasil em Cuba, não
chegando a assumir, regressando da Bahia.
No ano de 1919, após declinar da sua
nomeação para cargo idêntico, em nova
Legação junto ao Vaticano, aceita ir para
Montevidéu, onde permanece por três meses,
para logo definitivamente abrir mão da
Diplomacia. É eleito Deputado à Assembléia
Fluminense. Publica seu primeiro livro de
poemas: Ode a um poeta morto, dedicado à
memória de Olavo Bilac.
Em 8 de setembro de 1920 contrai casamento
com Ruth Soares de Gouvêa.
Em 6 de abril de 1921 casa-se com Ruth Soares
de Gouvêa.
No ano de 1922 publica Luz mediterrânea, e
começa a colaborar no jornal O Dia.
Em 1923, vitimado pela tuberculose, abandona
o convívio de parentes e amigos, indo para
Corrêas, e a seguir, Itaipava, licenciando-se do
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
cargo de inspetor na companhia de seguros
em que trabalhava.
Falece em 21 de novembro de 1926, na Vila
Serena, em Itaipava, Petrópolis, hoje
condomínio Alexandre Mayworm. Após a sua
morte em Itaipava seu corpo foi conduzido
para Petrópolis, que lhe prestou suas últimas
homenagens, sepultando-o à sombra do
Cruzeiro das Almas, erigindo-lhe um mausoléu
e dando o seu nome a um trecho da Rua Sete
de Setembro.
Sinopse crítica da obra do autor
A obra de Raul de Leoni obteve estudos
críticos de de Agrippino Grieco, Rodrigo Melo
Franco de Andrade, Medeiros de Albuquerque,
Alceu Amoroso Lima, Ronald de Carvalho,
Manuel Bandeira, Afonso Arinos de Melo
Franco, Tasso da Silveira e Sergio Milliet. Foi o
poeta de maior realce na última fase do
simbolismo, e justamente considerado como
uma das figuras mais notáveis do soneto
brasileiro de todos os tempos.
Parnasianos, simbolistas e até modernistas o
têm em alta conta, apreciando-o sem reservas.
Cada um de seus versos tem sonoridade e
ritmo primorosos, especialmente os dos sonetos,
em decassílabos, mesclados de simbolismo e de
modernismo, com tessitura clássica e técnica
parnasiana. São versos considerados dos mais
perfeitos: em idéia, filosofia, e essência das
temáticas. Porém, a mesma unanimidade não
tem a crítica ao situar o poeta, em diferentes
julgamentos, onde foi colocado nas escolas e
posições poéticas as mais diferentes e
contraditórias. Enquanto alguns dos seus
críticos o consideram um genuíno parnasiano,
outros enxergam nele o simbolista autêntico,
terceiros acreditam ter sido um neoparnasiano e outros o situam num grupo
completamente independente das regras
poéticas e influências de escolas e movimentos
literários.
Análise literária
O seu ritmo peculiar e admirável de
versificação, o conjunto de idéias sublimes de
suas palavras, são os aspectos mais fortes que
envolvem a magnífica harmonia da unidade
de pensamento que existe em toda sua obra.
Raul de Leoni é poeta de grandeza solitária,
unindo a uma filosofia panteística um espírito
161
helênico de poesia ligada ao canto e a música.
Apesar de apontarem em seus versos Pascal e
Platão, sua poesia nada tem de filosófica. É
espontânea, colorida, sensual. Sua estética à
maneira platônica leva-o a uma vizinhança
extraordinária com o Simbolismo, sendo, tanto
quanto Guimarães Passos um grande poeta de
transição.
Todavia a crítica literária brasileira é unânime
em assinalar a alta linhagem clássica da poesia
de Raul de Leôni, fundada na homogeneidade
da sua primazia gramatical, temática e
métrica, e consolidada no seu bom gosto
literário, reconhecidos como impecáveis, desde
a sua época até os dias atuais.
A sua poesia embora contenha formas antigas
e clássicas, é caracterizada por um imperecível
espírito de modernidade, o que lhe assegura
compreensão ilimitada e aperiódica, e o
introduz na seleta plêiade dos poetas imortais.
Principais poemas
De todos os poetas brasileiros, de qualquer
escola onde existissem regras poéticas,
incluindo os independentes, o único que não
sofreu sequer um sopro de menosprezo do
assíduo fôlego da ―corrente modernista
brasileira‖ foi Raul de Leôni.
Seus sonetos, de métricas perfeitas, repletos de
metáforas e de concepções filosóficas
extraordinárias, corriam nos cadernos de
poesia dos moços e moças da época, que
compreendiam aqueles versos de palavras
doces, que continham, ao mesmo tempo,
tanta simplicidade e tanto esclarecimento.
A 1ª edição do ―Luz Mediterrânea‖, de 1922,
editada em vida pelo autor, começa com o
poema ―Pórtico‖ (onde ele se desvencilha,
quase por completo, dos laços da influência do
Parnaso brasileiro) e termina com o ―Diálogo
Final‖, tendo sido os ―Poemas Inacabados‖
(que o poeta, ao pressentir a morte
prematura, pediu para sua mulher queimar, e
ela não compreendeu o seu pedido) que
fazem parte da 2ª edição, e das edições
seguintes,
foram
anexados
ao
―Luz
Mediterrânea‖ pelos outros editores das
mesmas.
Se Ode a um Poeta Morto é realmente
parnasiano, não o são muitos dos poemas de
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Luz Mediterrânea, entre eles História de uma
alma, E o poeta falou, Imaginação,
Supertição?, etc., sem omitir o soneto Argila,
um dos melhores da lingua e do qual disse
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Agripino Grieco, que ―todo brasileiro deveria
saber de cor‖.
Fontes:
- Academia Brasileira de Poesia da Casa de Raul de Leoni
- Wikipedia
Alberto Paco
Uma Estranha Mulher
O apelido dela era ―peixeira‖, mas o nome
ninguém sabia, nem se preocupava em
perguntar. Alta, magra e sisuda, tinha apenas
trinta anos de idade, embora aparentasse
muito mais.
Suas vestes eram pretas e longas, deixando
aparecer somente os sapatos pretos e rasos de
verniz. Completando sua indumentária, um
lenço preto como as vestes, amarrado por
baixo do queixo pontudo, cobria-lhe por
inteiro a cabeça e as orelhas, sem deixar
entrever o cabelo, que ninguém sabia qual era
a cor.
Essa taciturna figura sobrevivia da venda de
peixe, que uma camionete lhe entregava uma
vez por semana. Daí provinha sua alcunha.
O diminuto casebre em que morava, na
pequena aldeia encravada na encosta do rio
Douro, na Província de Trás-os-Montes, em
Portugal, tinha somente a porta de entrada e
uma estreita janela, ambas confeccionadas
com madeira grossa e pesada. A janela estava
permanentemente fechada. A porta era
entreaberta o suficiente para dar passagem à
enigmática figura da ―peixeira‖.
Os curiosos, que formavam a totalidade dos
moradores locais, esticavam os pescoços,
querendo bisbilhotar o interior da diminuta
moradia, que se resumia a um único cômodo
de apenas dezesseis metros quadrados. As
paredes eram constituídas de grossas e
irregulares pedras, com espessura de no
mínimo quarenta centímetros.
O telhado sem forro, de telhas velhas e
desgastadas pelo tempo, era sustentado por
vigas enegrecidas pela fumaça da fogueira
que ardia em cima de grossa laje de cantaria,
colocada em um dos cantos do casebre, à
guisa de lareira.
No outro, canto uma cama de ferro, cujo
estrado era formado por grossas tiras de
borracha entrelaçadas, cobertas por um
colchão de cor indefinida e recheado de palha
de centeio.
Uma pequena mesa de madeira, de um metro
quadrado, com uma banqueta feita de um
tronco de árvore, colocadas no centro do
cômodo por sobre o chão de terra batida,
completavam a modesta mobília da estranha
mulher.
O inverno naquelas paragens era rigoroso. Os
aldeões se preveniam para os dias mais frios,
carregando grande quantidade de lenha
apanhada nas matas que circundavam a
aldeia.
A ―peixeira‖ seguia o exemplo dos outros
moradores, apenas com uma diferença. Os
camponeses carregavam a lenha em
barulhentos e desengonçados carros puxados
por parelhas de bois ou em feixes amarrados
sobre o lombo dos burricos. Enquanto isso, a
pobre mulher, que nada tinha de seu,
carregava os pesados fardos na cabeça,
percorrendo a grande distância a pé, entre seu
humilde barraco e o local onde se abastecia de
lenha.
Certa manhã, fria e cinzenta de fim de outono,
a esguia ―peixeira‖ pegou seu podão, um
pedaço de corda grossa e dirigiu-se para o
extenso e cerrado matagal. Com a afiada
ferramenta cortou boa quantidade de galhos
secos e amarrou-os com a corda. Retesando
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
seus magros e longos braços, ergueu o pesado
feixe de lenha, colocou-o na cabeça e dirigiuse ao estreito caminho que trilharia de volta
para casa.
163
Ao pular o pequeno regato de água cristalina
que cortava o caminho entre dois muros de
uma propriedade rural, sentiu um líquido
quente escorrer por suas coxas.
levando-lhe roupas e alimentos, enquanto os
maridos levavam montes de lenha para o
inverno que se aproximava.
Entretanto, ninguém ficou sabendo quem era
o pai daquela criança, porque a ―peixeira‖
nunca fora vista na companhia de nenhum
homem. Apesar das perguntas diretas
formuladas pelas matronas da aldeia, ela
nunca lhes satisfez a curiosidade.
Pousou o pesado fardo de lenha sobre um dos
muros que ladeavam o caminho e agachou-se
ao lado do riacho.
O garoto cresceu saudável, brincando com as
outras crianças do lugar. Era esperto e
comunicativo.
Arregaçou a longa saia e abriu as pernas,
ficando à espera de que um ser vivo saísse de
seu ventre.
Um dia, após atingir cinco anos de idade,
grudou-se nas pernas de um policial
chamando-o de pai. Dali por diante, qualquer
homem fardado que passasse por perto era
cercado pelo garoto, que se agarrava nas
pernas dele gritando: Pai! Pai! Pai!
Após algumas contrações, fez um violento
esforço e finalmente nasceu um saudável
menino.
Carregou novamente o feixe de lenha na
cabeça e caminhou lentamente em direção de
seu mísero casebre.
Na pequena aldeia onde nada acontecia,
aquilo serviu de especulações maldosas,
ocasionando até desavenças entre os poucos
policiais do lugar e suas esposas. Com o tempo
tudo ficou no esquecimento. Nas poucas vezes
em que ainda se comentava o assunto, o gesto
do garoto era atribuído à maldade de algum
gaiato que incutiu na mente da criança
aquela estranha mania, para causar
desavença entre os moradores.
A coragem e o esforço sobre-humanos daquela
enigmática mulher foram admirados e
respeitados por todos os moradores da
pequena localidade.
A ―peixeira‖ continuou por muitos anos sua
vida simples, vendendo seu peixe e cuidando
do filho, sem nunca revelar quem era o pai
dele.
As piedosas esposas dos aldeões puderam
finalmente adentrar o casebre da ―peixeira‖,
Fonte:
Olga Agulhon e Eliana Palma (organizadoras). VI Coletânea 2011, da
Academia de Letras de Maringá. Maringá: ALM, 2011.
Pegando o podão que carregava na cintura,
cortou o cordão umbilical. Lavou o recémnascido na água fria do regato, embrulhou-o
em seu grosso xale preto e amarrou-o contra o
peito para aquecê-lo.
Ademar Macedo
Mensagens Poéticas n. 399
Uma Trova Nacional
Ao casar, perdeu a fala
o pobre do Manoel,
achando a sogra na mala
em plena lua de mel...
–ANTÔNIO COLAVITE FILHO/SP–
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Uma Trova Potiguar
Lá na granja do Zé Novo
foi montada a sentinela...
O galo que não faz ovo
vai pro fundo da panela.
–DJALMA MOTA/RN–
Uma Trova Premiada
1988 - Inter Sedes/RJ
Tema: COROA - Venc.
Tenho coroa no dente.
Sendo assim, não beijo à-toa...
coroa de beijo quente
derrete qualquer coroa...
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–
Uma Trova de Ademar
A mulher por malandragem,
desfila com um ―tampão‖!
Fecha a porta da garagem
mas não empata a visão!...
–ADEMAR MACEDO/RN–
...E Suas Trovas Ficaram
Vive o Domingos feliz
sem o trabalho enfrentar,
que os "domingos" - ele diz –
são feitos pra descansar...
–CARLOS GUIMARÃES/RJ–
Estrofe do Dia
164
Querosene numa lata,
Pão guardado num caixote,
Solda preta e cocorote,
Pentide, pasta, e batata,
Sola pra fazer chibata,
Melhoral e formicida,
Tem mercúrio pra ferida,
Um balconista gaiato;
Uma bodega no mato
De muita coisa é sortida!
–HÉLIO CRISANTO/RN–
Soneto do Dia
Consagração
–PEDRO MELLO/SP–
Cansado do "jejum" que a sua idade
lhe impôs à atividade sexual,
o vovô se animou com a novidade
de que o Viagra não faria mal...
Cheio de amor pra dar e de Ansiedade,
Alfredo foi pular o Carnaval...
E na Sapucaí, uma beldade
fá-lo sentir-se forte e jovial...
Mas na hora "H"... seu coração se abate...
Alfredo é posto fora de combate,
mas sucumbe feliz nosso ancião:
É velado com grande galhardia
e, escondendo o "tamanho" da alegria,
flores a mais enfeitam seu caixão...
Fonte:
Textos enviados pelo autor
Passageiros do Espelho
Isabel Furini (organizadora)
Antologia de Contos
Editora Íthala
A coletânea de contos tem a característica de
respeitar o estilo de cada autor. Podemos
então nos deleitar com os retratos muito bem
elaborados por Bruno Camargo Manenti.
Outros de alta dramaticidade, entre eles os
trabalhos de Alessandra Pajola, Alessandra
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Magalhães, Fernando Scaff Moura, Sônia
Cardoso e Zeltia G. Não falta uma visão do
mundo espiritual feita pela professora Natália
Bueno. Já o escritor Fernando Botto lembrou a
infância e Maria Edna fala da idade madura.
Elayne Sampaio e Ricardo Manzo nos levam
por caminhos inesperados. Fernando Scaff
Moura nos empurra para uma época de
horrores que ainda está viva na memória da
América Latina.
Na apresentação de ―Passageiros do espelho‖,
José Feldman, da Academia de Letras do
Brasil/Paraná, fala: ―Morremos e renascemos a
cada conto. A cada espelho. Nos vemos
confiantes, solitários, agoniados, suicidas,
aliviados, tristes e alegres. Somos vários
espelhos, mas ao final, apenas um‖.
A escritora e poeta Adélia Maria Woellner
escreveu no prefácio: ―Os ‗passageiros do
espelho‘ rompem silêncios, oferecendo suas
histórias, seus devaneios, seus encantos, os
arcanos da imaginação‖.
Fortalece esse trabalho a colaboração especial
do escritor, professor e crítico literário Miguel
Sanches Neto, que nos convida a fazer uma
―Viagem de Volta‖.
Nas orelhas do livro a atriz, radialista e
escritora gaúcha Ângela Reale destaca que no
livro penetramos ―em mundos tão diversos, em
encontros inusitados, sonhos desfeitos, amores
de longe e de perto, saudades, morte e vida‖.
Cada um dos contos é como um reflexo do
acontecer. É a vida que se espelha na
construção ficcional. Múltiplas manifestações
construindo ninho nas palavras – e nos
silêncios.
Esse trabalho começou em fevereiro deste ano,
quando a Editora Íthala nos convidou para
organizar uma coletânea de contos com
alunos e ex-alunos da oficina ―Como Escrever
um Livro‖, que ministramos no Solar do
Rosário, o espaço criado pela doutora Regina
Casillo. Como o número de participantes era
limitado, falamos com os alunos do curso do
primeiro semestre. Nem todos estavam
dispostos a embarcar na aventura de escrever,
reescrever e publicar. Alguns decidiram que
ainda não estavam preparados ou que não
165
podiam dedicar muito tempo a esse trabalho.
E respeitamos a decisão de cada um deles.
Foi então o momento de falar com alguns exalunos com os quais mantemos contato pelo email, como é o caso do escritor e professor
Fernando Botto. Ele morou um tempo na
Angola e, muito gentil, procurou-me quando
voltou a Curitiba para que eu autografasse
alguns exemplares de ―O Livro do Escritor‖
para enviar a seus amigos angolanos. Também
mantivemos contato com a jornalista e
professora Alexandra Pajola, que participou
da oficina e tem paixão pela escrita.
Alessandra Magalhães e Natália Bueno, cada
uma com seu estilo, destacaram-se durante as
oficinas, e sempre enviam e-mail falando de
seus novos trabalhos. Com Sonia Cardoso foi
um encontro casual na recepção da Biblioteca
Pública do Paraná. Ela já havia publicado um
romance e estava iniciando outro trabalho
literário quando eu fiz o convite para
participar da antologia. Sonia aceitou
imediatamente. Ela havia participado de uma
oficina de contos que eu ministrei no Delfos, e
tinha vários contos escritos. Uniu-se ao grupo
minha amiga Sandra Rey Mosteiro, cujo
pseudônimo é Zeltia G. Ela mora na Espanha,
país onde edita a revista ZK 2.0.
O convite ao escritor Miguel Sanches Neto
também surgiu espontaneamente. Ele havia
sido meu entrevistado, e eu gostei muito da
honestidade de suas respostas, além de
admirar seus trabalhos como ―Chove sobre
minha infância‖ e ―Venho de um país escuro‖.
Os trabalhos foram árduos. Eu sei que o crítico
acha que poucos trabalhos têm verdadeiro
valor, mas eu quero mostrar os passos de um
livro do ponto de vista do escritor. Escrever,
reescrever sabendo que é impossível agradar a
todos, mas cinzelando os contos com paixão. Só
faltava uma boa apresentação para o nosso
livro. A poeta Adélia Maria Woellner, pessoa
despojada de vaidade, disse humildemente
que escreveria, mas que se não gostássemos do
prefácio, poderíamos ficar à vontade para
escolher outra pessoa. Adélia é membro da
Academia de Letras, e ficamos comovidos com
a sua humildade. José Feldman, que apresenta
o livro, é escritor, poeta e presidente da
Academia de Letras do Brasil/Paraná. Faltava
só escrever as orelhas. Era um trabalho que eu
pessoalmente não queria fazer, porque, além
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
de organizar a coletânea, dois contos de minha
autoria estavam lá, e acho triste quando a
mesma pessoa organiza, escreve, prefacia,
apresenta, faz as orelhas… Dá a sensação de
orquestra de uma pessoa só. Eu gosto da
diversidade. Gosto de olhares diferentes. Então
solicitei a participação da atriz e cronista
Angela Reale. Por fim, o trabalho estava
tomando forma.
----Apresentação por José Feldman
A Antologia de Contos que aqui se apresenta,
compilada pela escritora e educadora Isabel
Furini, faz com que ingressemos num Palácio
de Espelhos num Parque de Diversões.
Cada espelho reproduz imagens diversas de
nós, e é assim que são os escritores que
compõem esta coletânea. Cada qual carregou
um pouco de si, fazendo com que desperte a
nossa curiosidade pelo próximo espelho.
A cada conto vivenciamos situações diversas,
muitas delas levando-nos a refletir sobre nossas
próprias vidas. Seja um personagem que se
deixa levar pelas lembranças e pelo despertar
de sua escravidão ao tempo, ou uma mulher
atormentada por múltiplos pesadelos, a
monotonia da vida de uma escritora, o apego
ao nosso passado, a noite de estréia do balé, a
angústia de uma escritora que deseja escrever
textos de impacto para cativar o leitor, assim
como o humor presente em um escritor que
morre e é disputado pelo céu e o inferno, ou
mesmo o humor negro de um corpo
encontrado, nos fazendo enveredar por uma
166
novela policial que nos coloca dúvidas e faz
com que ansiemos por seu desfecho. Sentimos
na pele a vida daqueles que viveram as
guerrilhas aqui na América do Sul ou mesmo
no Oriente Médio. Em contrapartida, há
aqueles que nos conduzem em direção a luz,
como se estivessemos em contato direto com
Deus, nos fazendo sentir algo além das estrelas,
maior que o próprio universo.
Morremos e renascemos a cada conto. A cada
espelho. Nos vemos confiantes, solitários,
agoniados, suicidas, aliviados, tristes e alegres.
Somos vários espelhos, mas ao final, apenas
um.
Enfim, são os espelhos da vida que retratam
em sua imagem, se não todos, mas muitos dos
momentos que vivenciamos no presente ou no
passado, seja em nossa vida cotidiana ou
apenas desejos ou anseios enraizados em
nossos sonhos. É viver cada instante da vida. É
sentir ela fluindo pelo nosso ser. Nas palavras
do poeta português Fernando Pessoa: ―A vida
é para nós o que concebemos dela. Para o
rústico cujo campo lhe é tudo, esse campo é
um império. Para o César cujo império lhe
ainda é pouco, esse império é um campo. O
pobre possui um império; o grande possui um
campo. Na verdade, não possuímos mais que
as nossas próprias sensações; nelas, pois, que
não no que elas vêem, temos que
fundamentar a realidade da nossa vida.‖
Fontes:
Diário Indústria e Comércio. IC News.com.br – 7 de julho de 2011.
Apresentação contida no livro Passageiros do Espelho
Matando o Porco.
Eu Contos
Átila José Borges
Curitiba: Ed. do Autor
2011
Prefácio por José Feldman
“Há pessoas que nos falam e nem as escutamos;
há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam
mas há pessoas que simplesmente aparecem em
nossa vida e nos marcam para sempre.” (Cecília
Meirelles 1901-1964)
Antes de falarmos do livro, permita-me
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
falar sobre o escritor dele. Não se preocupem,
não vou me delongar em biografias e
honrarias que ele recebeu, deixo por conta da
Vânia Ennes, em sua orelha (do livro, bem
entendido). Falarei brevemente da pessoa
Átila, como um livro, a capa e seu conteúdo.
Conheci o Átila muito por acaso, num
lançamento de um livro dele, e nem
pessoalmente, pela internet. Comunicamo-nos
por e-mail, e pela sua bagagem literária sentime no dever de convidá-lo para a Academia
de Letras do Brasil, ocupando uma cadeira
pelo Paraná. Isto é apenas um preâmbulo,
vamos aos ―finalmentes‖ agora. Ele me enviou
uma biografia e uma foto. Daí vem aquela
expressão: ―não julgueis o livro pela capa‖.
Então, olhei para aquela foto dele, um rosto
sisudo, um paletó repleto de medalhas, e fiquei
a pensar com meus botões (antigamente se
usava muito esta expressão, hoje acho que
não, mas eu sou das antigas): ―onde fui
amarrar o meu burrico?‖. Eu era um Fusca
1200 e ele uma Ferrari. Por um bom tempo
fiquei meio assustado. Contudo, ele sempre
muito educado, muito elogioso, me enviou
todos os seus livros para minha apreciação.
Por ocasião das solenidades dos Jogos
Florais de Curitiba, uma festa de porte que
corresponde a altura da classe curitibana,
obtive o endereço do Átila, e sentindo-me
como se estivesse a caminhar no cadafalso,
criei coragem para conhecer pessoalmente este
escritor. Foi então que abri o livro Átila, e
simplesmente fiquei encantado, pois apesar de
sua foto tão marcial na capa, o conteúdo era
de uma simplicidade e amizade fraterna tão
grande, que percebi o quanto julgamos mal as
aparências. Junto com ele, um cão sentado no
sofá, de quem ele falava com tanto amor e
carinho, que chegava a ser emocionante.
Calma! Já falo dos contos escritos por
este Ás da Aeronáutica. Aliás, para falar deles,
prezado leitor, deve conhecer primeiro quem é
o escritor. Não! Não esqueci que não iria dar a
sua biografia. Aqui, falo da pessoa. Uma
pessoa simples (acho que já disse
anteriormente, mas é bom para enfatizar),
com uma grande bagagem profissional,
cultural, e pelo pouco de contato que tive com
ele, alguém preocupado com o bem estar do
próximo, percebido pelo carinho que os que o
rodeiam possuem para com si.
167
Não vou falar da vida dele, mas vou
divulgar seus livros, que são de conteúdo
histórico, informativo, descritivos, mas acima
de tudo, uma escrita agradável. O primeiro
contato foi com ―A Menina e o General‖ (sobre
Maria Rosa e o General Carneiro) e o seu livro
de memórias ― e ―Memórias de um guri em
tempo de guerra‖, ambos os livros de uma
redação de tal modo leve, que faz com que
sintamos estar vivendo as suas páginas, ou nas
palavras de Jorge Luis Borges (1899 – 1986), ―O
livro é uma extensão da memória e da
imaginação‖.
Divaguei! O livro que ora se apresenta,
―Matando o Porco‖, é composto de dez contos,
escritos entre os anos de 2004 e 2010, sendo
sete deles neste último ano. Alguns deles tive a
felicidade de ler algum tempo atrás, inclusive o
conto ―O Pinheiro, o casebre e o quadro‖, que
Átila dedicou a meu cão ―Fluffy‖, que morrera
em maio do ano passado.
Deixe-me, então, destacar alguns dos
contos que compõem esta coletânea, apenas
uma pincelada, para não revelar o seu
verdadeiro conteúdo e perder a viagem.
―Agora que já contou a história, perdeu a
graça.‖
Tomada, este era o nome do porco,
mas são diversas situações que se desenrolam
sobre a morte de Tomada, que parecem se
entrelaçar entre si. Aliás, meu caro leitor, você
perceberá que em todos os contos de Átila, é
como se fosse uma teia que vai se formando
até chegar a um objetivo determinado. O
conto é ―Matando o porco‖, mas se mataram
mesmo, deixo a você descobrir isto.
Ralph Waldo Emerson (1803 – 1882)
dizia que ―O talento não basta para fazer o
escritor. Atrás do livro deve haver o homem‖.
No conto, ―Eu, o cão‖, Átila vai muito mais
além, ele incorpora um cão, e passa viver cada
instante como tal, seus instantes de alegria, de
tristeza, seus desejos, faz com que percebamos
uma realidade tão comum no dia-a-dia destes
nossos amigos caninos, não só aqueles bemtratados, mas os cães abandonados na rua.
Pode-se, ainda assim, de um modo sutil, sentir
não só o cão que vive nas ruas, mas numa
transposição, o menor abandonado.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
168
O Trucidador Sanguinário é a história
de Calígula, não aquele imperador romano,
mas que mostra de uma forma bemhumorada e mesmo triste, a dureza da vida e
o sentimento humano presente no coração de
quem aparentemente se acredita um
sanguinário. São profissões necessárias para
satisfazer a necessidade de outros, e mesmo
assim desprezados pelo seu trabalho pelas
outras pessoas. O que seria do mundo se não
existissem os lixeiros para recolher os lixos? Os
faxineiros? Enfim, uma gama de profissões
consideradas tão de baixa qualidade, mas
mesmo assim fundamentais para a higiene e
sobrevivência da humanidade.
história. E, mesmo com uma boa dose de
humor ou de tristeza, cada história carrega em
si alguma mensagem a ser passada ao leitor.
Charles W. Elliot (1834-1926) dizia que "Livros
são os mais silenciosos e constantes amigos; os
mais acessíveis e sábios conselheiros; e os mais
pacientes professores." E os contos de Átila
carregam em seu bojo risos e lágrimas,
momentos de comoção e revolta. São contos
que se desenvolvem em diversas situações e
épocas, como se o autor tivesse vivido ou
mesmo presenciado aqueles momentos. E é
assim, que nos sentimos, vagando por estas
páginas, com uma sede insaciável de ler mais.
Pafúncio Nando Ligertwood Boamorte.
Não é palavrão, é exatamente este o nome do
conto. Pafúncio, que lembrava muito aquele
personagem de histórias em quadrinhos
―Pafúncio e Marocas‖, um sujeito baixinho,
gordinho e empertigado. A história se passa
com este personagem e seu adorado gato
Pingão, que tem papel importante no
desenrolar da transformação da vida de
Pafúncio.
Enveredar por estes contos é sonhar, é
navegar por um oceano de sonhos. É sonhar
novos sonhos, é fazer destes contos nossos
próprios contos, é transformar estes contos em
nossos sonhos, é fazer destes sonhos, uma
ocasião especial, uma janela em nossa alma,
ou como nas palavras de Paulo Leminski
(1944-1989):
Muitos personagens curiosos desfilam
pelas páginas deste livro, Zé das Tripas, Chico
Mil e Um, Zé Bredoredes, Torresmo, Cachorrão,
Zé Carniça e tantos outros, cada qual com sua
―A vocês, eu deixo o sono.
O sonho, não!
Este eu mesmo carrego!‖
Fonte:
Átila José Borges. Matando o Porco. Eu Contos. Curitiba: Ed. Do Autor,
2011
O Sorriso do Lagarto
João Ubaldo Ribeiro
O Sorriso do Lagarto é um romance escrito na
terceira
fase
do
Modernismo
(PósModernismo), publicado em 1989, e o autor se
permite beber de várias fontes dentre elas: o
naturalismo; a degradação do individuo; o
cientificismo; o político que quando jovem era
de esquerda, depois compromete-se com a
direita e o golpe militar de 1964 e, finalmente
volta-se para um partido liberal conquistando
altos cargos; o homossexualismo; a engenharia
genética; o consumo de drogas por parte da
elite; a degradação da saúde; a igreja e os
pobres; o comportamento sexual feminino.
O Sorriso do Lagarto não é um romance
regionalista. É visivelmente uma obra de olho
no mundo moderno. Ao mesmo tempo em
que se propõe a ser um romance universal e
contemporâneo,
é
também
uma
exteriorização de desconfiança, uma denúncia
e uma negação de certos valores caros à
universalidade e contemporaneidade.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
O livro apresenta constante erotismo
misturado a episódios de pescarias que se
somam a reflexões sobre Deus, a evolução, a
ciência, em uma narrativa ágil e cheia de
surpresas. O autor vale-se de outros narradores
para enriquecer seu texto.
O título do livro esboça-se no início do
romance, quando dois meninos trazem um
lagarto com dois rabos para João Pedroso. No
sorriso maléfico do réptil, João Pedroso percebe
o presságio do medo e do Mal. Ao longo da
narrativa, confirma-se a suspeita de Pedroso: o
Mal existe, o Inimigo existe e parece rir da
humanidade. A partir do título, forma-se o
tema básico do romance: a presença do mal
relacionada com o poder da ciência e da
política.
Quem poderá dizer aonde levará a
manipulação de genes humanos por um
cientista amoral? João Ubaldo foi o primeiro,
na literatura brasileira, a tratar com
profundidade, dessa perturbadora questão.
O Sorriso do Lagarto é o mais pessimista dos
romances de João Ubaldo Ribeiro. O Mal
vence. O Diabo ri por último.
O romance gira em torno de um triângulo
amoroso constituído por João Pedroso, um
biólogo excêntrico, solteirão e alcoólatra, que
abandonou a profissão para ser o proprietário
de uma modesta peixaria em Itaparica; por
Ângelo Marcos, um político corrupto ligado à
área da Saúde, que construiu sua vida pública
e sua fortuna às custas de falcatruas; e por
Ana Clara, esposa de Ângelo Marcos, que, com
um casamento fracassado, mas do qual não
abre mão para não perder a estabilidade
financeira, procura preencher seu vazio interior
fora da relação que a oprime. Há ainda outra
trama, tão importante quanto a do triângulo
e a ela imbricada, ligada a Lúcio Nemésio, um
cientista que, associado a uma multinacional
se dedica a experiências genéticas, criando
entre outras aberrações, a mistura de
humanos com chimpanzés.
A partir dos conflitos gerados pela cadeia de
relações entre as quatro personagens, João
Ubaldo Ribeiro constrói um romance
absorvente, que dá continuidade à pesquisa
sobre a identidade nacional, particularmente
169
sobre a questão da dialética entre o dado local
e o cosmopolita (as multinacionais do Primeiro
Mundo que encontram aqui, como na África,
como na Ásia, as cobaias para seus
experimentos; os nossos políticos que se
prostram frente aos interesses externos, de olho
nas benesses de que usufruirão etc.). Há todo
um empenho, no romance, em não limitar a
discussão dos problemas ao contexto nacional,
ainda que isso seja valorizado, para abarcar as
questões por uma visada universal, que não se
intimida frente a variados aspectos de ordem
filosófica. Os dois pólos focalizados pelo escritor
ficam patentes tanto numa declaração dada
quando o livro era ainda um embrião quanto
num momento posterior, com ele já traduzido
para o francês:
Tenho impressão de que no meu próximo
livro, O sorriso do lagarto, as minhas
perspectivas vão ainda mais se alargar.
Gostaria de fazer um romance sobre o Mal, o
Mal genérico, o Mal político, o Mal social. O
mal transparente na atitude de uma grande
parte da classe dominante brasileira: ela
despreza nosso país, ela detesta o que ele é, o
que nós somos e, assim, acoberta todas as
violências – a moralidade infantil, a violência
nas cidades, a miséria, um futuro sem
perspectiva.
É um livro sobre a corrupção e o novo
colonialismo. A personagem Nemésio, que
pertence à elite, detesta seu país.
Ironicamente, as únicas coisas válidas no livro
são americanas. E veja aqui em Ipanema,
Leblon, há por todo lado drinks, juices, new
shop...
O livro é sem dúvida, uma grande alegoria
sobre o ―Mal‖, sim, esse com ―m‖ maiúsculo, e
seu símbolo maior na narrativa é o kafkiano
lagarto que sorri indiferente ou zombeteiro
frente à condição humana, na sua arrogância
de espécie dominante. A alma humana é
colocada em xeque, com suas zonas de sombra
e suas covardias a serviço do Mal, e mesmo a
própria noção de humanidade é posta na
berlinda. ―A partir de que ponto um ser vivo
pode ser considerado como ser humano? E que
diferenças separam um animal dotado de
emoção de um homem?, são questões
pertinentes colocadas pela obra e percebidas
com acuidade por Rérolle. Questões que
convidam, no contexto das discutíveis
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
experiências genéticas desenvolvidas por Lúcio
Nemésio, uma séria reflexão sobre as relações
entre Ética e Ciência e as conseqüências que o
avanço desta por vezes cria. E é curioso
perceber a sintonia de João Ubaldo Ribeiro
com esses problemas, quando não tinham
ainda sido postos em moda por ovelhinhas
Dolly e afins.
Por fim, não se pode deixar de destacar que
um grande mérito do romance é o desfecho
sem concessões, na contramão do gênero, com
tudo para exercer grande impacto sobre o
espírito tanto de um leitor mais ingênuo,
habituado aos tradicionais finais felizes dos
best-sellers, quanto, por sua contundência,
sobre o espírito de um leitor mais familiarizado
com a visão desencantada da literatura
moderna, particularmente a do pós-guerra.
Como disse Stuart Whitwall, ―o que começa
como uma deliciosa e engraçada sátira
termina com a vida e a esperança sendo
aniquiladas em todas as frentes‖. Cadernos de
Literatura Brasileira – Número 7 – março de
1999 – Publicação do Instituto Moreira Salles.
Trecho de uma entrevista de João Ubaldo
Ribeiro a respeito da obra O Sorriso do
Lagarto:
O título é uma metáfora, pois é claro que não
há prova científica de que existem lagartos
que sorriem. Um canadense, cientista, chegou
a me procurar pensando que eu escrevia uma
história sobre a evolução dos dinossauros. ( .. )
Mas o Sorriso do Lagarto não se refere
necessariamente a uma vingança dos
dinossauros e lagartos. E no romance o
protagonista nem é o lagarto. O Sorriso do
Lagarto é um livro que lida com a má
administração do tempo que a humanidade
passa na Terra. Acho que escrevi, sim, um
romance sobre o mal, que fica transparente na
atitude de uma grande parte da classe
dominante brasileira - ela detesta nosso país,
ela detesta o que nós somos e acoberta todas
as violências: a mortalidade infantil, a
violência nas cidades, a miséria. Quis escrever
um livro sobre o adversário que existe em cada
um de nós, sobre a figura de Satanás. (LEIA,
dezembro, 1989)
Enredo e Personagens
Após um longo percurso que somente o álcool
aqueceu-lhe a existência, João Pedroso, o
170
protagonista e herói do romance, tem a sua
sensibilidade despertada por uma aberração
da natureza. Pode um lagarto com duas
caudas passar despercebido? Existe uma
explicação natural e simples para tal espécie
de fenômeno? Sendo um biólogo, embora
tenha renunciado à profissão para viver como
um simples vendedor de peixe na Ilha, João
Pedroso ainda não esqueceu que a explicação
pressupõe a ocorrência de um novo fator na
história genética do calango.
Por que um lagarto sorriria? Seria fruto do
alcoolismo crônico de João Pedroso? Acontece
que embora beba todos os dias, ele se mantém
nos limites da lucidez e prefere acreditar em
seus olhos. Bêbado e afastado da biologia,
Pedroso não caiu no ateísmo. Se de vez em
quando briga com Deus, é porque não perdeu
de todo sua fé. E quem crê em Deus, deve crer
no Diabo. Por que um lagarto sorriria de
modo hostil e zombeteiro se não tivesse algo a
ver com as hostes de Satã? Afinal, lagarto é
dragão em miniatura. E dragão é uma
tradicional representação do Diabo.
Para João Pedroso, biólogo, fenômeno
testemunhado só pode ser fruto de uma
intervenção genética artificial; e como tal
intervenção supõe um conhecimento muito
avançado, não há porque imaginar que tenha
sido
obra
de
amador,
brincadeira
inconseqüente de algum aprendiz de
geneticista? Do outro lado da racionalidade, a
intuição do crente adverte para a dimensão
demoníaca da experiência. Do contrário, por
que o lagarto sorriria com aquele ar de
superioridade?
O desenvolvimento do relato irá confirmar os
temores de João Pedroso. E Itaparica é apenas
uma das provetas nas quais cientistas de várias
partes do mundo realizam uma experiência
sem precedentes no campo da genética. Suas
conseqüências, avalia o protagonista, podem
ser funestas.
O autor avança sem precipitações, valendo-se
quase todo o tempo de outros narradores.
Aproveita a lição que manda semear as
famosas ―pistas falsas‖ para desnortear o leitor,
impedindo-o de descobrir, antes do tempo, o
verdadeiro desfecho da história.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Até o final do segundo capítulo, O Sorriso do
Lagarto transmite a impressão de ser um
romance de costumes. João Pedroso
perambula pelas praias de Itaparica, pesca em
companhia de turistas endinheirados, encara
seu sorridente lagarto, belisca-se para ter a
certeza de que não está de porre nem delira.
Muito longe dali, o Dr. Ângelo Marcos,
Secretário de Saúde, faz um interminável
toalete matinal, enquanto sua mente se divide
entre a próxima falcatrua que irá praticar e o
discurso que logo mais deverá pronunciar na
inauguração de um hospital. Em outro ponto
da cidade, Ana Clara, a mulher de Dr. Ângelo
conversa sobre sexo e drogas com sua amiga
Bebel, a rainha da futilidade.
A narrativa e os personagens crescem
devagar. O Dr. Ângelo cresceu na política à
sombra de um velho cacique, ultrapassou-o
rapidamente na corrida aos dinheiros públicos,
vive como um nababo, é cínico, traz na ponta
da língua as justificativas das suas radicais
guinadas partidárias. Mais tarde, ao ver-se
diante da morte, pois fora acometido de um
câncer, e um regresso ao passado farão dele
um personagem complexo. Pode-se dizer o
mesmo de Ana Clara, do médico-pesquisador
Nemésio, do Padre Monteirinho.
João Pedroso sabe que fazer biologia é o seu
dom, e a razão básica de sua angústia é
precisamente
a
consciência
de
que
abandonou, traindo, assim, o destino que Deus
lhe traçou ao alcança-lo com sopro da vida.
Teologia é material forte na construção deste
romance.
Ângelo Marcos, depois de submeter-se a um
tratamento de câncer, anda ―morto de pena
de si mesmo, mais dependente do que um
filhote de gato, e volta e meia cai em
depressões abissais.‖
João Pedroso se compara a Marmeladov, o
bêbado e destrambelhado personagem da
obra, Crime e Castigo, de Dostoievski. Ana
Clara se transforma em Suzanna Fleischman.
Tenta assumir a postura de Molly da obra
Ulisses (James Joyce) e as fantasias eróticas da
heroína Lady Chatterley (D. H. Lawrence).
Com essa mutação, Ana Clara tenta denunciar
a hipocrisia ao seu redor.
171
O romance, "O Sorriso do Lagarto", tem sexo,
experimentos genéticos e cientistas malignos.
Aborda, também, temas como Deus, o
Homem, o Bem e o Mal, a consciência, o
sentido da vida. Tudo costurado no estilo
sensual de João Ubaldo. O escritor criou uma
aura de malignidade e decadência que
permeia toda a ação. Seus personagens,
inclusive o vilão, o doutor Lúcio Nemésio, são
dolorosamente
reais,
compreensíveis
e
humanos. A trama caminha de forma
inexorável para um final surpreendente e
melancólico.
Em seu cerne, o romance conta que
pescadores de Itaparica, João Pedroso (exbiólogo, vendedor de peixes e sociólogo
amador) e Padre Monteirinho descobrem, na
Ilha, o envolvimento do médico-pesquisador,
Lúcio Nemésio, com a Engenharia Genética:
criação de monstros em laboratório. As cobaias
humanas para as experiências eram mulheres
negras que geravam bebês-aberrações
(meninos-macacos que o ex-biólogo viu nas
fotografias.)
João Pedroso, o Padre Monteirinho e o
curandeiro Bará personificam as forças do
Bem que lutarão contra o Mal.
O caso é denunciado, porém por falta de
credibilidade e provas é abafado.
João Pedroso envolve-se sexualmente com
Ana Clara, mulher de Ângelo Marcos. A
mulher do médico engravida-se do amante,
mas sofre aborto após uma queda na escada.
João Pedroso acaba sendo assassinado, com
duas balas calibre 45, disparadas por uma
pistola com silenciador, que lhe atravessam o
coração,
pelo
matador
profissional,
Boaventura, encomendado pelo marido
traído.
Ao final da obra, temos um encontro entre o
Padre Monteirinho e Lúcio Nemésio. Trava-se
uma luta entre o Bem e o Mal.
- Não quero discutir questões de fé com o
senhor, para mim isso tem importância, para o
senhor não tem. Mas veja o problema moral
contido nisso, o problema político. O poder
político plasmando a Humanidade e a
Natureza.
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
- Isso é inevitável. Quem chegou, chegou,
quem não chegou, não chega mais. O poder
hoje dispõe de tais instrumentos que se
sedimentou definitivamente, jamais vai mudar
realmente de mãos e a tendência é isso se
acentuar. Isso é bom. Isso significa maiores
possibilidades de controle racional. Não haverá
revolução, nem alteração radical na estrutura
do poder, nem entre nações, nem entre classes
sociais, nesse sentido a História acabou.
Sempre digo que democracia é um mito
supersticioso, assim como a igualdade e outros
chavões. Há muito tempo que a democracia
não é mais praticada em lugar nenhum, a não
ser microscopicamente, e temos que colocar
essa situação a nosso favor, ou seja,
aperfeiçoar o homem de todas as formas
possíveis.
- Para mim, isso é extinguir a Humanidade,
tal como a conhecemos. Para mim, é o homem
se tornando inimigo do homem, deixando o
adversário que traz dentro de si vencer,
fazendo com que se volte contra si mesmo. É
como se fosse a obra de Satanás.
- Sim, Satanás, ha-ha! Satanás quer dizer
―inimigo‖, não é? Neste caso, eu seria Satanás,
ou pelo menos um satanás, pois creio que há
controvérsia na própria Igreja sobre a
existência de um ou vários satanases.
Engraçado, desculpe-me por estar rindo, muito
engraçado mesmo – Satanás. Pois, olhe, eu
aceito, e acho tecnicamente certa sua
inferência. Eu sou inimigo de Deus, sim,
embora o considere um inimigo fictício, vocês
me arranjaram esse inimigo fictício, que eu
preciso combater. (...) Deus não existe e, se
existe, é preciso tomar dele o poder, ele não
tem sido competente, para um onipotente
tem um desempenho muito pouco satisfatório.
E então, diante do exposto, o senhor tem
razão, de fato eu sou Satanás, o senhor tem
razão, é mais do que lógico.
Vade retro, pensou Monteirinho (...) Aquilo
tudo era terrível mesmo, e mais terrível ainda
por se passar daquela forma irresistível, como
Lúcio Nemésio dissera tão convincentemente.
João Pedroso tentara resistir e fora eliminado.
Sim, fora eliminado, agora tinha certeza,
embora não pudesse provar, embora jamais
pudesse dizer a ninguém. Tinha certeza,
certeza absoluta de que João fora morto por
obra de Ângelo Marcos, ao se descobrir
172
enganado – não sabia como, mas fora. E,
assim, esse agente do Mal cumpriu sua missão,
removeu um obstáculo. Tudo se encaixava, o
Mal havia tido grande vitória. Dedicaria à
vida, tinha dito João, dedicaria a vida a lutar
contra aquilo. Mas apenas perdeu a vida,
martirizou-se anonimamente.
Principais Personagens
João Pedroso – Protagonista da obra, exbiólogo, peixeiro, amargurado. A partir do
relacionamento com Ana Clara e da
descoberta das mutações genéticas, muda de
atitude, torna-se um homem resoluto. É morto
a mando de Ângelo Marcos, pelo pistoleiro
Boaventura.
Padre Monteirinho – (Olavo Bento) Amigo de
João. É transferido de Itaparica após o seu
envolvimento com Bará e a denúncia das
experiências científicas.
Dr. Lúcio Nemésio – Foi professor de Ângelo
Marcos. Era amigo de João Pedroso, mas se
rompe com este após revelar seu projeto
científico, que tem apoio de estrangeiros e do
próprio Ângelo Marcos (que desconhecia tais
pesquisas). O sobrenome Nemésio deriva do
grego nêmesis, significando ―indignação,
desrespeito, ira, tornar-se mau.‖ Na conversa
final entre o Padre Monteirinho e o Dr. Lúcio,
fica explícita a relação do médico com
Satanás:
―Riu novamente, uma gargalhada que lhe
sacudiu todo o corpanzil e deixou Monteirinho
achando que se tratava mesmo da voz das
Trevas e do Inimigo. (...) Vade reto, pensou
Monteirinho...‖
Ângelo Marcos – Político consagrado e marido
de Ana Clara. Depois que seu médico, Dr.
Deraldo, comunicou-lhe que estava com
câncer, Ângelo pensou em se matar. Mas se
recupera e tem até chance de vir a ser
governador da Bahia. Foi Secretário da Saúde.
Embora afirme detestar homossexuais (como
Cornélio,
o
cozinheiro)
mantinha
relacionamento sexual com o pistoleiro
Boaventura. Mantinha, também, relações com
outras mulheres. Era infiel. Como político,
Ângelo foi da ARENA, partido da Ditadura
Militar de 1964, passando depois para o MDB.
Ao fazer um exame de consciência, o médico-
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
político busca amenizar sua posição direitista,
alegando ter ajudado amigos subversivos que
estavam na mira da Operação Bandeirantes
(movimento repressor da época da Ditadura
Militar).
Bará da Misericórdia – Curandeiro. É acusado
de manter práticas que atentam contra a
medicina e a saúde pública. É obrigado a
mudar de terreiro, mas não vai preso, pois
João Pedroso presta-lhe ajuda. Bará relacionase com o Bem. Seu nome verdadeiro é
Sebastião Boanerges da Conceição.
Ana Clara – Amante de João Pedroso.
Apaixona-se por ele e, depois de seu
desaparecimento torna-se esquizofrênica,
deixando que a personalidade ―Suzanna
Fleischman‖ se apodere dela. É uma burguesa
frívola e fútil, assim como sua amiga Bebel,
esposa de Nando, traindo-lhe com seu exmarido, Tavinho, dependente de droga
(cocaína).
Boaventura – Pistoleiro que trabalhava para
família de Ângelo Marcos. Tornou-se amante
do político.
Tempo e Espaço
O tempo predominante na obra é cronológico
(gira em torno de um ano), ainda que o
tempo psicológico apareça nas muitas
lembranças dos personagens, principalmente
de Ângelo Marcos. É o tempo cronológico que
dá mais ritmo e velocidade à narrativa.
173
não são nem bem doenças aqui se morre,
como Galo Cego, que teve uma espinha no
nariz que foi virando câncer e comeu a cara
dele toda e ele morreu fedendo e com a cara
toda comida. Isso de uma espinha. Filu foi de
hidropisi, Nandá foi derrame, Roque Feio foi
diabete, Lazarão foi tifo, mosquete foi
tuberculose, Unha Grande foi doença de
Chagas e Zoinho dizem que foi de Aids. Até
Aids já deu aqui, e Zoinho não era falso ao
corpo, pelo contrário. Aqui dá tudo. E agora o
neto mais velho de Quatinga morreu de tumor
no cérego.
Há, também, referências a Salvador e São
Paulo. Na cidade grande, há violência, como
narra Tavinho a respeito do assalto em que
sua namorada, Kátya, foi estuprada por
ladrões.
Itaparica é o local onde prevalece o ócio, o
lazer, a diversão, os desregramentos sexuais,
muita pescaria, praia, bebida. Por dentro
daquela pedra (a ilha) busca-se o elo perdido
entre o homem e o macaco, entre o Homem e
Satanás.
Foco Narrativo
O romance é escrito na terceira pessoa por um
narrador onisciente que nos leva a ver o
mundo sob a ótica de alguns personagens. Há
momentos em que a narrativa apresenta-se
sob o ponto de vista de um ou outro
personagem e nos diálogos. Nesses instantes, o
discurso passa de terceira para a primeira
pessoa.
O romance inicia-se na época da soalheira,
calor insuportável, mormaço e térmica após
uma chuva, com um céu azul.
O
autor
utiliza-se
bastante
intertextualidades no romance.
A narrativa se passa, basicamente na Ilha de
Itaparica, que não é mostrada como um
paraíso perfeito, já que existem muitos
miseráveis e famintos, muita gente aleijada,
como a família de Mãozinha e todo tipo de
morte.
... respondera Deraldo com a mesma cara
pétrea, e costumam causar queda de cabelo
também, embora eu ache que você está
cometendo uns certos exageros poéticos, você
sempre foi meio puxado a Castro Alves.
(Referindo-se a Ângelo Marcos)
Aqui na ilha, se morre de tudo, não tem essa
conversa de que aqui não acontece certas
mortes – disse Mero Doido, que desde as cinco
horas estava fazendo um levantamento dos
mortos ligados ao Mercado e das causas de
suas mortes. – Você não diz uma doença,
inclusive das mais modernas, que alguém aqui
não tenha morrido. Até umas doenças que
...Não, tipo Lady Chatterley – como era
mesmo o nome do peru do amante dela? John
Thomas, claro que sim, ela tinha até umas três
ou quatro anotações que falavam no John
Tomas. (Ana Clara comparada à personagem
do famoso romance de mesmo nome, do
escritor D. H. Lawrence.)
de
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
... Meu ideal de vida é Marmeladov, de vez
em quando eu pego Crime e Castigo só para
ler as partes em que ele aparece.! (João
Pedroso se comparando ao personagem de
Dostoievski)
... Abraão também teve amante, para não
falar em Salomão. E o comportamento de
David com Urias foi de uma escrotidão
inominável, mau caratismo absoluto. É como
eu lhe disse e lhe digo sempre: também já li o
Livrão, você não me engabela. (João Pedroso
se defendendo com o Padre)
... Creio até que sacrifício como o mencionado
nem mesmo é estranho à tradição cristã –
embora nisso não reivindique legitimidade,
nem pretenda mais que dar um exemplo e
espicaçar uma lembrança –, pois, se não me
trai a memória que os anos já empanam, são
174
abundantes as referências ao assunto na
Escrituras e – corrija-me o Reverendo se laboro
em erro – recordo que o começo do Levítico
estabelece regras para os sacrifícios ditadas por
Deus, que até menciona especialmente
carneiros. (Bará, o feiticeiro justificando suas
práticas religiosas)
A linguagem da obra é contemporânea
(variada) em estilo que vai do erudito –
cientificismo; linguagem formal (a linguagem
de Bará é muito distante da linguagem
popular) ao coloquial (gírias; estrangeirismos;
termos chulos; deformações lingüísticas,
provérbios...).
Fonte:
Ozório Duarte de Lacerda para Livros Grátis. Disponível em
http://www.livrosgratis.net/resumo-livro/31/o-sorriso-do-lagarto-joaoubaldo-ribeiro.html
XVII Jogos Florais de
Curitiba
Regulamento:
Troféus:
- Centenário de Helena Kolody
(Âmbito
Nacional/internacional
Estudantil) e,
- Para os trovadores
hispânica: “Justicia”
e
- Sara Furquim
(Âmbito Estadual).
de
língua
- Âmbito Estadual (Estado do Paraná):
“Tesouro”.
- Âmbito Regional/Estudantil:
- “Escola” – (Ensino fundamental)
- “Escolha” – (ensino médio)
1. - A UBT – Seção de Curitiba institui
seus XVII Jogos Florais, cujos festejos
de encerramento estão previstos para
os dias 08, 09 e 10 de junho de 2012.
3. - Temas para as trovas humorísticas:
2. - Temas para as trovas líricas ou
filosóficas:
b) Âmbito Estadual (Estado do Paraná):
“Tesoura”
Âmbito
Nacional/Internacional:
“Justiça” - Brasil (exceto Paraná) e
demais países de língua portuguesa.
4. - As trovas deverão ser no máximo 03
(três) por tema, inéditas, de autoria do
próprio remetente e, enviadas pelo
sistema de envelope.
a)
Âmbito
Nacional/Internacional:
(países de língua portuguesa): “Tapa”
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
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5. - Endereços para remessa:
5.1.: Âmbito Nacional/Internacional:
a) Concorrentes de língua espanhola:
L/F
Enviar por e-mail para:
[email protected], com cópia
para: [email protected]
No mesmo e-mail deverá ser enviada a
identificação completa do inscrito, além
do endereço postal e endereço
eletrônico (e-mail).
b) Concorrentes de língua portuguesa,
inclusive Brasil (exceto Paraná): L/F e
H.
A/C Centro de Letras do Paraná.
Rua Fernando Moreira, 370. Centro.
CEP 80.410-120. Curitiba – Paraná.
5.4.: Para todas as categorias em língua
portuguesa,
deverá
constar
no
envelope como remetente Luis Otávio, e
o mesmo endereço do destinatário.
6. - Prazo para remessa: 10/04/2012,
valendo o carimbo postal.
Maiores informações pelo e-mail:
[email protected]
Ou pelo telefone (41) 3078-2151
SISTEMA
DE
ENVELOPES
CONCURSOS DE TROVAS
NOS
1. Digitar ou datilografar a trova na face
externa de um pequeno envelope (8 x
11 cm), colocando, acima da trova, o
tema a que concorre.
2. Colocar, dentro do envelope, uma
papeleta com o nome, endereço,
telefone e e-mail – se tiver – do
remetente-autor da trova.
5.2.: Âmbito Estadual:
c) Concorrentes do Paraná: L/F e H
A/C do Professor Garcia
Rua Major Camboim, 819, Bairro
Paraíba. Caicó-RN. CEP - 59300.000.
5.3.: Âmbito Regional (Estudantil): L/F
A/C Centro de Letras do Paraná.
Rua Fernando Moreira, 370. Centro.
CEP 80.410-120. Curitiba – Paraná.
3. Colocar esse(s) envelope(s) menores
dentro de outro – maior – e remeter
para o endereço do concurso.
4. Colocar como remetente o mesmo
endereço do des-tinatário do concurso
(para evitar a identificação do autor).
Fonte:
Os Trovadores – UBT Curitiba.
Ano 20. Nº 68 - Novembro/2011
Eliana Ruiz Jimenez
Trova-Legenda
Participe!
Toda semana uma nova trova-legenda
postada por Eliana Ruiz Jimenez.
Enviem suas trovas para: [email protected]
Imagem nova toda semana
Participe enviando uma trova para a imagem
da semana em
http://poesiaemtrovas.blogspot.com
Publicação das trovas recebidas aos sábados
em poesiaemtrovas.blogspot.com
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
Trova-Legenda de 9 a 15 de Outubro
É também com minha mão,
ao fazer trova que enleia,
que espalho tanta ilusão,
tanto castelo de areia…
JOSÉ FABIANO/MG
Vivi em busca de carinho
em castelos de ilusão
tanto tempo estou sozinho
quem me aquece é a solidão.
JOSÉ FELDMAN/PR
Ah, quantos lindos castelos
põe a vida em nossa mão,
lembrando os sonhos mais belos
que temos no coração!
A. A. DE ASSIS/PR
Na vida, quem trapaceia
tem perdão, se o sonho é belo!
Que importa seja de areia?
Eu tenho à mão um castelo!
JOSÉ OUVERNEY/SP
As Trovas formam castelos
onde moram meus irmãos;
e nos meus sonhos mais belos
pus um castelo nas mãos!…
ADEMAR MACEDO/RN
Como un castillo de arena
en segundos caerá
la mentira a boca llena
pronto se descubrirá.
LIBIA BEATRIZ CARCIOFETTI/ARGENTINA
Fazer castelos na areia
é um passatempo excelente
para esperar a sereia
surgir no mar de repente!
AMILTON MACIEL MONTEIRO/SP
Num castelo pequenino,
feito somente de areia,
pus meus sonhos de menino
e os salvei da maré cheia.
MÁRIO A. J. ZAMATARO/PR
Um castelo só de areia
bem de frente para o mar…
Não se cansa a mão alheia
mas se cansa o meu olhar.
ARI SANTOS DE CAMPOS /SC
Todo amor que enreda a teia
do ciúme e da paixão
escorre qual grãos de areia
por entre os dedos da mão.
OLYMPIO COUTINHO – BH
Castelos de areia…tantos
na palma das mãos ergui!
Mas… ruíram seus encantos
entre os sonhos que perdi!
CAROLINA RAMOS/SP
Nos meus tempos mais risonhos
alimentando ilusão,
fiz mil castelos de sonhos
na palma de minha mão!!!
PROF. GARCIA/RN
Um amor que se alardeia
não passa de sonho vão:
é só castelo de areia
escorrendo pela mão.
ELIANA JIMENEZ/SC
A mão que constrói castelo
de areia em outra mão
produz um instante belo
de arte e cooperação.
WAGNER MARQUES LOPES/MG
Fonte:
http://poesiaemtrovas.blogspot.com/
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Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
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Waldir Neves
1924 - 2007
Trovas
Abandono... O Sol declina...
Vem baixando a cerração...
E solidão com neblina
é muito mais solidão!
A cortina da janela...
A cama... Tudo tal qual...
— Só que o cenário, sem ela,
nunca mais vai ser igual...
A glória dos homens brilha
com fulgor de eternidade,
toda vez que uma Bastilha
tomba aos pés da Liberdade!
Ah!, meu peito... Esta saudade...
Quero que a expulses, que grites...
Tu lhe deste intimidade,
e ela passou dos limites!
Amanhece... A névoa fina
vai cobrindo a serração...
E solidão com neblina
é muito mais solidão!
A saudade, em horas mortas,
sem ver que o tempo passou,
teima em abrir velhas portas
que há muito a vida fechou...
Cai a noite... Seu negrume,
mercê de um mistério estranho,
faz de um ínfimo perfume
um lamento sem tamanho...
Circo novo na cidade!
- No poleiro, a dar risada,
olhem lá minha saudade
no meio da garotada!
Deste-me um beijo - um somente!
E queres que eu me console ...
- O desejo é sede ardente,
que não se mata de um gole!...
Deus intangível, etéreo,
mas sempre amor e indulgência,
guarda no próprio mistério
sua infinita evidência.
Deus que é paz... amor profundo,
em sua excelsa grandeza,
se é mistério para o mundo,
para mim é uma certeza!
É uma lágrima sentida
que toda mulher enxuga:
a que lhe rola escondida
por sobre a primeira ruga!
Faz teu ciúme um barulho
que me soa encantador.
- Ele acorda o meu orgulho
de dono do teu amor!...
Fugi do amor com receio
do seu fascínio... e o que fiz
foi só cortar, pelo meio,
meu meio de ser feliz....
Homem sem rasgos nem brilho,
a que a luz não atrai,
vou me orgulhar se meu filho
tiver orgulho do pai.
Irmãos no meu insucesso
o peito implora, a alma pede...
Todos querem teu regresso...
Só meu orgulho não cede!
Mais vibrantes, mais risonhos
a palpitar de inquietude,
diferem dos outros sonhos
os sonhos da juventude!
Meus braços estão vazios,
meus desejos transbordando,
meus pensamentos vadios
Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
no quarto te procurando.
quem lhe acendeu a centelha...
Muito moço inconseqüente,
despreparado e revel,
ganha têmpera de gente
na bigorna do quartel.
Perguntou-me, à despedida:
– Quem sabe é melhor assim?...
E uma lágrima incontida
deu-lhe a resposta por mim!...
Neste abandono sofrido,
sou mais um, que, por vaidade,
deixou que o orgulho, ferido,
matasse a felicidade...
Posso jurar de mãos postas,
Pesando o que já passei,
Que as mais difíceis respostas
Foi em silêncio que eu dei.
No rubro céu da alvorada,
um ponto pisca e alumia...
- É uma estrela embriagada
que volta da boemia!
Quando a vida, qual verdugo,
me trespassa de agonias,
minhas lágrimas enxugo
num lenço de Ave-Marias...
Nos abismos do mistério,
onde a razão perde a voz,
talvez o desvão mais sério
se oculte dentro de nós...
Quando Deus cobrar meu prazo,
hei de sempre aqui voltar,
ou numa sombra de ocaso,
ou num raio de luar !
No teu sucesso, milhares
Vêm implorar-te favores.
Uns poucos, se fracassares,
partilham das tuas dores
Que momento abençoado
e que gesto redentor,
quando o orgulho, derrotado,
cai, humilde, aos pés do amor !...
O abismo maior que existe,
o mais fundo que já vi,
é aquele que um homem triste
carrega dentro de si...
Quem um filho vê feliz,
seguir por si, resoluto,
vive a glória da raiz
orgulhosa pelo fruto.
O golpe da despedida
foi tão rápido e tão fundo,
que fracionou minha vida
numa fração de segundo...
Que estranho mistério existe
no lamento da viola:
- queixume que me faz triste;
- tristeza que me consola!...
Opondo orgulho e egoísmo
aos meus acenos risonhos,
cavaste o profundo abismo
onde enterrei os meus sonhos.
Quisera que Deus me desse,
acima de qualquer bem,
um orgulho que pusesse
bem abaixo o teu desdém.
O vento leva a amizade,
leva o amor, o riso e os ais,
só não carrega a saudade,
- acha pesada demais!
Saudoso dos braços dela,
voltei, contrito e humilhado.
- Quando a saudade martela,
qualquer orgulho é quebrado!...
Para a "sede de saber"
há no mundo água abundante.
Para a "sede do poder"
água nenhuma é bastante...
Saudade é gota caída,
é pranto que ninguém vê:
-É uma lágrima sentida
que leva sempre a você. ...
Perante a Divina Luz
a Ciência se ajoelha,
pois, sendo sábia, deduz
Saudade é uma diligência
que nos leva, docemente,
com repetida freqüência,
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Almanaque Literário ―O Voo da Gralha Azul‖ – numero 8 – set/out/nov 2011
ao velho oeste da gente!
Saudade!...Foto em pedaços,
que eu colei, com mão tremida,
tentando compor os traços
de quem rasgou minha vida!
Saudade!... Raio de lua,
suprindo o Sol que brilhou...
Tábua solta, que flutua,
depois que o amor naufragou!
Senhora de cada instante
das minhas horas vazias,
a Saudade é uma constante
na inconstância dos meus dias...
Sonha sim, pobre, com festa!
Que a fantasia, afinal,
é tudo qu ainda te resta
neste mundo desigual!
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Terminamos... e ela pensa
que será logo esquecida.
O que ganhou foi presença
para sempre, em minha vida!
Velho cultor de utopias
e de ambições sobranceiras,
sonho ver, ainda em meus dias,
um mundo igual, sem fronteiras!
Vista seda ou popeline,
seja Amélia ou seja Inês,
toda mulher se define
no dia em que diz: -―Talvez!...‖
Zerando ofensas e afrontas,
o beijo é o mago auditor
que faz o ajuste de contas
depois das brigas de amor!
Fonte:
Vendaval das Letras
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