UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA 4ª Semana do Servidor e 5ª Semana Acadêmica 2008 – UFU 30 anos GEOMORFOLOGIA GEOGRÁFICA: O COMPLEXO ARAXÁ-IBIÁ NA BACIA SEDIMENTAR DO PARANÁ José Hermano Almeida Pina1 Universidade Federal de Uberlândia – Avenida João Naves de Ávila, 2121, 38408-100, Uberlândia – MG [email protected] Danúbia Mamede Pires2 [email protected] Wendel Rodrigues de Oliveira3 [email protected] Resumo: O objetivo desse trabalho é apresentar uma caracterização geomorfológica do complexo Araxá-Ibiá, localizado na mesorregião Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, na porção oeste de Minas Gerais. Para tanto, usa-se a Geografia como base analítica no sentido de entender os principais processos antrópicos que influenciam direta e indiretamente na formação do relevo. Além disso, torna-se importante também o contexto geológico, destacando-se aspectos como alteração da rocha basáltica, formação da paisagem bem como a fragilidade do relevo devido à presença do regolito através da influência significativa da ação antrópica através do afogamento de vale. Cita-se também a relação entre a construção do reservatório e afogamento dos vales, além do resultado da dinâmica dos processos erosivos. Como conclusão, percebe-se a importância da análise geográfica dentro do contexto geomorfológico, principalmente quando se trata da formação do relevo acompanhada das intervenções humanas no meio físico. Palavras-chave: geografia, relevo, ação antrópica. 1. INTRODUÇÃO Dentro do contexto da Geomorfologia enquanto um ramo da Geografia é extremamente importante entender os vários processos referentes à relação sociedade-natureza, contribuindo assim para as próprias questões epistemológicas geográficas. No caso da natureza, a Geomorfologia conseguiu, dentro da Geografia Física, uma visibilidade no sentido de repercutir os vários estudos relacionados à análise da formas do relevo bem como os processos causadores deste (Neto; Viadana, 2006). Nesse sentido, o objetivo desse trabalho é apresentar alguns aspectos geomorfológicos contidos na mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, situada na porção oeste de Minas Gerais. É dada uma maior atenção aos compartimentos estruturais a exemplo da Bacia Sedimentar do Paraná, além do Complexo Araxá-Ibiá, estando este último situado no Alto Paranaíba. Além disso, toma-se como objetivo uma reflexão sobre a alteração da rocha basáltica, a formação da paisagem e a fragilidade do relevo devido à presença do regolito, levando-se em conta a influencia significativa da ação antrópica através do afogamento de vale. Destaca-se também a relação entre a construção do reservatório e afogamento dos vales, além do resultado da 1 Acadêmico do curso de Geografia. Acadêmica do curso de Geografia. 3 Acadêmico do curso de Geografia. 2 1 dinâmica dos processos erosivos. Por fim, analisa-se também a formação de microbacias e a concavidade de vertentes, trabalhando-se de forma mais geral em relação aos compartimentos anteriormente citados, e de forma mais detalhada em relação aos aspectos seguintes. 2. COMPARTIMENTO ESTRUTURAL: BACIA SEDIMENTAR DO PARANÁ Segundo Nishiyama (1989, p. 9), “Quase totalidade do Triângulo Mineiro está inserida na Bacia Sedimentar do Paraná que é representada pelas litologias de idade Mesozóica (...)”. Tais litologias são os arenitos da Formação Botucatu, os basaltos da Formação Serra Geral, e as rochas do Grupo Bauru. O mesmo autor afirma que “A base deposicional das rochas da Bacia Sedimentar do Paraná, nas regiões do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, é constituída de rochas metassedimentares dos Grupos Araxá, Canastra e Bambuí (...)” (Nishiyama, 1989, p. 10). É possível observar que, em função de uma evolução tectônica tardia, a Bacia Sedimentar do Paraná não abriga sedimentos antes do período Triássico. Nesse caso, os arenitos eólicos pertencentes à Formação Botucatu, representam o início da deposição do período Triássico até o Jurássico. “Em outras áreas do Triângulo Mineiro os arenitos eólicos possuem pequena expressão, geralmente constituindo corpos lenticulares depositados diretamente sobre as rochas dos grupos Araxá ou Canastra” (Nishiyama, 1989, p. 10). No que tange à composição da Bacia Sedimentar propriamente dita, é relevante destacar as seguintes formações: • Complexo Goiano: possui os tipos litológicos mais antigos da região, destacando-se os sedimentos que formaram as rochas metamórficas do Grupo Araxá, Grupo Canastra, e Grupo Bambuí. Nesse complexo, predominam os migmatitos, gnaisses e granitos; • Grupo Araxá: nesse grupo destaca-se a significativa área de exposição das rochas nos vales dos rios Araguari e Uberabinha. É importante ressaltar a ação erosiva dos rios que entalham seus vales, modificando assim as rochas do Grupo Araxá. Dentro desse contexto, as rochas encontram-se plenamente modificadas, confirmado-se tal situação através dos xistos e gnaisses; • Formação Botucatu: essa formação possui pouca expressão no município de Uberlândia de uma forma geral. Seus arenitos estão situados sobre o embasamento cristalino do Grupo Araxá, sendo também recobertos pelas rochas vulcânicas da Formação Geral ou do Grupo Bauru; • Formação Serra Geral: caracteriza-se pela presença de rochas efusivas, sendo estas básicas. Os basaltos pertencentes à Serra Geral estão presentes em extensas áreas da Região Sul (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná), Sudeste (São Paulo, Triângulo Mineiro) e Centro-Oeste (Sul de Goiás e parte do Mato Grosso). No caso do Triângulo Mineiro, Nishiyama (1989, p. 12) destaca que “(...) grande parte das rochas dessa formação encontra-se recobertas por sedimentos mais recentes do Grupo Bauru e sedimentos cenozóicos (...)”. Porém, o mesmo autor destaca que as melhores exposições acontecem nos vales dos grandes rios da região, a exemplo do rios Grande e Paranaíba; • Formação Adamantina: é caracterizada principalmente pelos arenitos de granulação média e grossa. Seus arenitos afloram em algumas áreas específicas do município de Uberlândia. Do ponto de vista mais geomorfológico, “O nível do lençol freático observado nas voçorocas e nas vertentes dos vales dos rios, de uma maneira geral, é bastante superficial” (Nishiyama, 1989, p. 13); • Formação Marília: especificamente no Triângulo Mineiro, tal formação é caracterizada por camadas espessas de arenitos além de conglomerados dispostos sob os níveis carbonáticos (Nishiyama, 1989). Nishiyama ainda afirma que “A feição morfológica característica da formação Marília é apresentar relevo de topo e bordas abruptas mantidos pela cimentação mais intensa da rocha” (1989, p. 14). Segundo Barcelos (1984 apud Nishiyama, 1989), os depósitos presentes na Formação Marília foram desenvolvidos em regimes torrenciais referentes aos leques aluviais de clima semi-árido. Ainda em ralação ao Grupo Araxá, Barbosa et al (1970, p. 21) explica: Grupo de metamorfitos de fácies epidoto-afibolito, consistindo essencialmente de micaxistos e quartzitos, com intercalações de anfibolitos. O 2 nome do grupo foi dado por Barbosa (1955) durante os estudos realizados no Triângulo Mineiro, nos arredores de Araxá. Até que os estudos mais detalhados sejam feitos inclusive com determinações de idade, vamos considerar esses xistos como mais novos do que as rochas do complexo granito-gnaíssico. Nesse caso, o mesmo autor afirma a existência de xistos pertencentes a esse grupo, constituindo-se de duas micas. “É comum, se encontrar faixas de xisto com grandes palhetas de muscovita ou concentrações pegmatóides, como, por exemplo, na estrada Araxá-Ibiá” (Barbosa et al, 1970, p. 21). Confirma-se ainda a ocorrência de quartzitos em duas situações distintas: a) situados em leitos delgados próximo à formação de domo do Barreiro; b) localizados próximo a serra da Pirapetinga, nesse caso em leitos decimétricos, bem como próximo ao rio Quebra-Anzol, estes em leitos milonitizados4. Portanto, é possível observar que a bacia sedimentar pode ser considerada como planícies aluviais as quais se desenvolvem no interior do continente. Nesse tipo de formação, “Há uma relação estrita entre a natureza e a estrutura das rochas e as formas de relevo” (Guerra; Guerra, 2005, p. 78). Com isso, fica bastante clara a relação entre geologia e geomorfologia, já que o modelado terrestre presente na bacia sedimentar está diretamente ligado à formação litológica ligada à geologia. 3. ALTERAÇÃO DA ROCHA FRAGILIDADE DO RELEVO BASÁLTICA, FORMAÇÃO DA PAISAGEM E Segundo Barbosa et al (1970), existem áreas chamadas de chaminés alcalinas que abrangem uma parte do Triângulo Mineiro e o sudoeste de Goiás. Estas áreas possuem duas regiões diferenciadas: • Planalto Central brasileiro: nessa região podem ser encontrados restos de uma superfície de aplainamento. Tal superfície possui um pendor5 com cerca de 3 m/km na direção norte e sudoeste; • Bacia do rio São Francisco: a partir da bacia, sobe-se para o planalto no sentido oeste, onde está localizada a encosta conhecida como Serra da Mata da Corda. A borda oriental (oeste) do planalto é, por sua vez, o divisor de águas Paraná-São Francisco. A partir das divisões geológicas, é possível observar que a superfície de aplainamento secciona os maciços quartzíticos localizados na região além das rochas pertencentes ao Cretáceo Superior. “Por isso, é, no mínimo, dessa última idade ou terciária inferior. Foi apelidada de ‘Canastra’ por Barbosa (1955), pós-Gonduana por King (1956) e ‘Pratinha’ por Almeida (1956)” (Barbosa et al, 1970, p. 19, destaque nosso). Com relação à formação da paisagem, o mesmo autor considera que foi a partir da superfície pós-Gonduana que aconteceu a dissecação da região, ao passo que o cráton6 central brasileiro se elevou de forma gradativa. Dentro de tal perspectiva, são formadas também outras superfícies aplainadas, classificadas como pediplanos, estes no período Terciário. No tocante à fragilidade do relevo, destaca-se a questão dos movimentos massa, sendo este um processo natural podendo ser intensificado pela ação antrópica. No caso das regiões úmidas, o movimento de massa se dá em formação plástica, através do movimento de material vertente abaixo, e a instabilidade do material está diretamente ligado com a declividade da vertente. Nesse contexto, é importante ressaltar que a declividade da vertente relaciona-se com alguns aspectos importantes, tais como: 4 Destaca-se a presença de milonitos, que de acordo com Guerra e Guerra (2005, p. 427) consiste em uma “Rocha finamente triturada que aparece comumente junto às linhas de falha”. Portanto, podem ser entendidas como rochas que são esmagadas ao longo das fraturas e falhas existentes. 5 “Inclinação dos estratos geológicos em relação com o plano horizontal dado pelo nível dos mesmos” (Guerra; Guerra, 2005, p. 419). Com isso, a direção perpendicular ao mergulho é vista como a inclinação. 6 Segundo Guerra e Guerra (op. cit.), são áreas continentais que sofreram pouca (ou nenhuma) alteração ou deformação desde o período Pré-Cambriano (cerca de 570 milhões de anos atrás). 3 • Geologia: ocorrência de diáclases, fraturas, falhamentos, entre outros. Nesse caso, acontece uma alteração química da rocha através da sua composição e estrutura, tendo como causa a penetração da água em aberturas das rochas; • Solo: nesse caso específico, o fato significativo é a mudança de tamanho de partícula e de estrutura, além a sua composição. Entre as camadas passam a ocorrer mudanças através de variações hidrodinâmicas, percebendo-se uma mudança de drenagem. Em função de uma porosidade fina, na superfície (argila, areia, silte pedaços de rocha) acontece uma percolação fina, já no regolito (núcleos de rocha e materiais finos) a percolação é maior, em virtude de sua maior porosidade. A partir daí, o contato do regolito com a rocha faz com que haja um bloqueio da percolação da água, resultado numa espécie de “escoamento interno horizontal”, resultando em um processo de afloramento através da saturação do material e escoamento lateral tendo como canal uma porosidade tubular, também conhecida como piping7. • Declividade: a questão da declividade e da topografia podem influenciar diretamente na no movimento de massa das vertentes. Nesse sentido, caso não haja uma concavidade significativa na vertente (parte intermediária até a inferior), a tendência é ocorrer a descida de blocos, não havendo assim movimento de massa; • Vegetação: nos casos em que há vegetação nas partes da vertente (superior, intermediária e inferior), a chuva é interceptada, diminuindo assim o impacto da água na superfície do solo. Além disso, a presença da serra pilheira (restos orgânicos no solo) serve como uma proteção da erosão superficial e torna a percolação da água mais lenta; • Atividade antrópica: levando-se em conta que o movimento de massa é processo natural, as ações humanas podem torná-lo mais intenso, modificando de forma não natural várias características do relevo, aumentando assim sua fragilidade. Dentre essas ações, destacam-se o desflorestamento, as obras de engenharia (construção de estradas, túneis, atividades de mineração), entre outras. 4. CONSTRUÇÃO DO RESERVATÓRIO, AFOGAMENTO DOS VALES E PROCESSOS EROSIVOS Conforme Baccaro (2001), a maior parte do Triângulo Mineiro está inserida na morfoestrutura Bacia Sedimentar do Paraná, apresentando como litologias as rochas do Grupo Bauru (Cretáceo), como as formações Uberaba, Marília e Adiamantina, sotopostas às rochas basálticas da Formação Serra Geral do Grupo São Bento (Mesozóico). Os Sedimentos Cenozóicos inconsolidados encontram-se acima das rochas do Grupo Bauru, formando os terrenos de maiores altitudes. Todo esse pacote sedimentar da Bacia do Paraná na região do Triângulo Mineiro encontra-se assentado sobre as rochas Pré-Cambrianas do Grupo Araxá, ocorrendo ainda áreas de afloramento do Complexo Basal ou Granito-gnáissico. Essa estrutura geológica regional e os processos morfoclimáticos pretéritos e atuais são responsáveis por toda a organização do relevo na região, resultando na formação de distintos compartimentos geomorfológicos na área. Cabe ressaltar que as formas de relevo da superfície terrestre são produtos do antagonismo dos processos endógenos (ligados à dinâmica estrutural da crosta terrestre) e exógenos (processos ligados à dinâmica interna). Com efeito, o relevo é mantido por uma morfoestrutura (estrutura geológica) e apresenta características esculturais (morfoescultura), produto da ação climática atual e pretérita. Considerando-se as características geológicas, as formas e os níveis de dissecação do relevo no Triângulo Mineiro, ressalta-se que na área de relevo intensamente dissecado, denominada por Baccaro (1991), que corresponde à borda da extensa chapada Araguari-Uberlândia, estendendo-se até os rios Parnaíba e Grande, vem sendo intensamente dissecada, entalhada pelos seus afluentes, mostrando vertentes abruptas, corredeiras e cachoeiras. Apresenta uma porção mais elevada entre 7 Processo de formação de dutos (Guerra; Guerra, 2005). 4 700 m e 800 m, com topos aplainados e alongados, prolongando-se em forma de espigão entre as sub-bacias afluentes dos rios Paranaíba, Araguari, Uberabinha e outros; e outra porção mais rebaixada e voltada para os rios Araguari e Paranaíba entre 640 m e 700 m, separada do nível de cimeira a 800m por rupturas de declives mantidas por derrames basálticos. As feições morfológicas desse compartimento estão relacionadas à litologia: o basalto e, predominantemente, as rochas do Grupo Araxá. Nas porções de ruptura das vertentes estão situadas as maiores declividades, por volta de 25 a 40°, relacionadas, geralmente, ao afloramento de basalto, atenuadas por algumas rampas coluviais. Nelas há solos férteis originários de material detrítico da alteração do basalto e que estão sofrendo intensos processos erosionais, com muitos canais pluviais e ravinas. Um fator importante no condicionamento dos processos erosivos de ravinamento é a maior inclinação das vertentes, onde as culturas ligadas a pastagens não se apresentam em curvas de nível; ficando bastante alta a intensidade do ravinamento. Ademais, ao longo do Rio Araguari, aparece o relevo do tipo Denudacional Convexo o qual chamamos de Canyon do Araguari em função de seu arranjo morfológico muito inclinado com intervalos de curvas de nível variando entre 50 m e 150 m. Nesta unidade, as variações do grau de entalhamento dos vales são fortes e as dimensões interfluviais são médias, ou seja, o relevo apresenta-se bem encaixado com ramificações de drenagem bem próximas umas das outras caracterizando o relevo como um modelado do tipo Canyon. As rupturas de declive e os rebordos erosivos estão associados principalmente à mudança litológica da superfície, ou seja, nos patamares onde os afloramentos basálticos da Formação Serra Geral estão bem nítidos. Os processos erosivos de ravinamento apresentam-se com pouca intensidade e de forma bem isolada, estabelecendo quase na totalidade em áreas de vertentes do tipo côncava. Na porção nordeste, o relevo do tipo Denudacional Aguçado delimitado por uma linha de rebordo erosivo, sobressaltando-se em meio ao Canyon do Araguari, indica uma superfície bem inclinada, com algumas cristas e topos residuais em sua parte mais alta. Apesar de não ser em grande escala, as veredas estão presentes nas cabeceiras de drenagens e, em menor intensidade, as planícies fluviais ao longo do leito de alguns afluentes secundários do rio Araguari. Devemos destacar também que os ravinamentos e as voçorocas, tipos de processos erosivos, ocorrem preferencialmente nos morros e colinas da Faixa de Dobramento e dos Planaltos Tabulares, onde a vegetação natural foi substituída por pastagem e atividades agrícolas. As erosões lineares são uma das mais impressionantes feições de relevo da região. Mudanças no escoamento superficial, na infiltração e no nível do lençol freático acabam por acelerar os processos erosivos que são naturais na região, criando grandes cicatrizes, especialmente na área com embasamento sedimentar. Em vertentes elaboradas sobre rochas metamórficas com fina camada intemperizada e onde os horizontes orgânicos superficiais foram removidos, a água de chuva geram intenso escoamento superficial e em seguida concentrado criando incisões nas vertentes. Estas incisões transformam-se em ravinas e pequenas voçorocas, afetando principalmente as cabeceiras de drenagem. Um inventário feito pela CEMIG8 em 1995 quando da construção da Represa de Nova Ponte encontrou 325 voçorocas na área de influência (aproximadamente 500 km2) com 134 voçorocas no interior da área afetada pelo lago e 191 na área de entorno imediato. Estudos realizados no município de Uberlândia por Baccaro (1991) indicam um atrelamento entre a ocorrência de voçorocas e as vertentes com declividades entre 5% e 10%, geralmente associadas à presença de rupturas de declive em afloramentos de crostas lateríticas. Ademais, as práticas agrícolas têm mudado nos últimos anos e o plantio direto tem sido adotado na maioria das fazendas, diminuindo sensivelmente a erosão laminar. Esta técnica que consiste na manutenção da palha, folhas e galhos na própria superfície, protegendo o solo a nova safra é preparada. Outra prática adotada em áreas propensas a erosão laminar é a construção de terraços seguindo as curvas de nível do terreno, impedindo a propagação da erosão laminar vertente abaixo. A irrigação e o consumo urbano são os principais tipos de uso da água dentro da bacia do Rio Araguari, cada uma trazendo diferentes impactos ambientais sobre os recursos hídricos. Nas áreas urbanas os principais problemas são a locação e distribuição dos poços, sendo que muitas 8 Companhia Energética de Minas Gerais. 5 vezes existe uma concentração de poços em pequenas áreas. A água bombeada é usada para consumo humana ou atividades industriais. Na área urbana de Araguari a depressão do lençol freático foi monitorada em 111 poços entre setembro de 1998 e outubro de 1999, os resultados mostram que na estação seca o nível da água diminui aproximadamente devido ao bombeamento. Não existe levantamento com longa data a respeito deste fenômeno, mas com o crescimento da demanda e conseqüente aumento da perfuração de novos poços a situação tende a piorar em um futuro próximo. Nas superfícies tabulares recobertas por latossolos a irrigação é extensivamente utilizada para aumentar a produção e a cada ano são necessárias mais fontes de água. Em muitas fazendas a solução utilizada para o abastecimento de água é a perfuração de poços e bombeamento da água para a irrigação. O principal sistema de irrigação utilizado é o pivô central com aspersão de água sobre as culturas. Este sistema ao lançar o spray de água sobre as plantas permite uma forte evaporação, e conseqüentemente uma parcela da água bombeada do subsolo é perdida para a atmosfera. A solução utilizada para evitar este problema é a substituição do sistema pela irrigação por gotejamento, que é um sistema que trabalha com baixa pressão, onde as perdas de água são mínimas. Em muitas áreas a localização dos poços não é controlada e acabam interferindo mutuamente um nos outros, causando aprofundamento do nível do lençol freático local e em casos não raros a perda dos poços. O aumento das áreas irrigadas criou uma superexploração dos recursos hídricos em toda a bacia hidrográfica. Um dos maiores problemas é o excessivo bombeamento de água dos canais fluviais a partir de pequenas barragens construídas nas fazendas. Estas pequenas barragens formam lagos de onde a água é captada e bombeada para as áreas de cultivo. Estas operações acabam por diminuir o fluxo de água a jusante e causa também alterações na umidade do solo próximo aos lagos e das áreas irrigadas. Nos maiores rios da bacia, como o Araguari e Quebra Anzol os efeitos desta prática não são sentidos, porém nos tributários menores e nas nascentes chega-se ao final da estação seca a ocorrer o total desaparecimento dos fluxos hídricos. A jusante de pequenos barramentos os canais de primeira ordem chegam a desaparecer. As áreas urbanas localizadas na bacia hidrográfica do rio Araguari tiveram um crescimento rápido especialmente após a década de 60 e apoiadas nos planos governamentais de desenvolvimento e ocupação do cerrado. Seguindo a explosão demográfica ocorrida em todo o Brasil, o ambiente urbano também teve um crescimento acentuado. Os principais impactos que afetam as áreas urbanas estão associadas ao planejamento deficiente do escoamento de águas pluviais e alterações nos canais fluviais. Nas áreas urbanas os dois principais impactos ambientais são as inundações e o surgimento de voçorocas. As inundações ocorrem porque os canais fluviais não suportam as altas vazões propiciadas pela intensa impermeabilização do solo urbano e conseqüente geração de fluxos rápidos dos topos e vertentes para o fundo de vale. A ocupação dos fundos de vale e planícies por ruas e avenidas e conseqüente construção de galerias subterrâneas acaba por impedir o espalhamento da água das chuvas pelas áreas onde ela anteriormente aconteceria em condições naturais. Por outro lado, os canais fluviais que ainda se encontram em condições naturais, também sofrem um processo de aprofundamento de seu fundo e erosão das margens em função do aumento da intensidade das vazões nas cheias. A erosão das margens dos canais com exposição dos depósitos Holocênicos e Pleistocênicos marginais. As soluções de engenharia mais simples, como a construção de galerias e murros de arrimo, não resolvem os problemas, pois atacam apenas os efeitos e não as causas. Uma abordagem geomorfológica é necessária para o entendimento da fragilidade do ambiente e sua dinâmica, tentando resolver os problemas em função de suas causas. Estudos indicam que a partir de chuvas de 40 mm/h o aumento do escoamento é extremamente forte e o escoamento extravasa das galerias para ruas e avenidas, que passam a funcionar como canal de escoamento em direção aos fundos de vale. Estas inundações acabam por gerar problemas aos moradores, como a quebra de murros e destruição da pavimentação alfáltica, bem como danos a veículos. 6 As voçorocas urbanas são geradas a partir das cabeceiras de drenagem onde são alocadas águas pluviais escoadas de áreas impermeabilizadas. Sua evolução é condicionada também a mudanças no nível do lençol freático, fato devido ao aprofundamento dos canais e mudanças do nível de base local. Associado a isto, em algumas áreas, como no caso do Córrego Lagoinha localizado na Cidade de Uberlândia, observa-se que cortes e desaterros acabam por contribuir para a formação de ravinas e voçorocas. Além disso, o vale do Rio Araguari possui uma morfologia muito favorável à construção de barragens. É profundo e estreito, com perfil longitudinal apresentando diversas rupturas de declive, conformando corredeiras e cachoeiras. Aproveitando esta situação foram construídas as Usinas Hidrelétricas de Nova Ponte e Miranda, e duas outras se encontram em fase de estudo, sendo sua construção prevista para esta década. A Usina de Nova Ponte foi construída entre 1987 e 1993. A barragem possui 141 metros de altura e criou um lago com 443 km2 e acumula um volume de 12,8 bilhões de m3. Os impactos nos meios sociais e biológicos ocorreram, mas ainda geram efeitos presentemente. A população da cidade de Nova Ponte teve que ser transferida, pois a área urbana encontrava-se abaixo do nível de inundação. Uma nova cidade foi construída a aproximadamente 3 km de distancia e mais de 4500 pessoas tiveram que ser removidas. Muitas cachoeiras e corredeiras foram alagadas e áreas turísticas e de lazer foram substituídas pelo lago e novas áreas atrativas foram criadas. A fauna aquática do rio foi totalmente modificada com a introdução de espécies adaptadas ao ambiente lêntico. Com a grande variação do nível de água do lago, chegando nas estações secas a uma depleção de mais de 20 metros, uma faixa situada na área de flutuação está sujeita a erosão, gerando muitas ravinas. A Usina de Miranda foi construída entre 1994 e 1996 e enchida em 1997. Possui 79 metros de altura e criou um lago de 51,25 km2 e volume de água de 1,12 bilhão de m3. Esta usina criou os mesmo impactos da Usina de Nova Ponte, com exceção a remoção urbana e ainda apresenta como diferencial a criação de loteamento de lazer em seu entorno. Com a construção de duas novas usinas, Capim Branco I e II, o fundo de vale do rio Araguari será totalmente transformado em lagos artificiais por mais de 150 km, com total transformação do fluxo da água, alterações no nível do lençol freático, características climáticas locais e fauna aquática. Outros impactos devidos à construção de barragens são os abalos sísmicos devido à acomodação de camadas rochosas em função da pressão exercida pela massa de água acumulada em superfície. Nas proximidades da represa de Miranda foram medidos abalos de 3,0 pontos na Escala Richter, causando danos a construções e pavimentos. Com a variação do nível de água do reservatório alguns problemas são observados na área rural, especialmente em relação ao rebaixamento de lençol freático, com conseqüente ressecamento de nascente e poços. A ação de marolas causa danos a construções, como piers e murros construídos na proximidade do lago. 5. FORMAÇÃO DE MICROBACIAS E CONCAVIDADE DE VERTENTES A forma de uma paisagem depende diretamente da interação das estruturas que compõem o relevo, a analise e estudo das vertentes e dos fluxos hídricos, é de grande importância para entender o modelado. Segundo Christofoletti (1974), vertente é uma forma tridimensional que foi modelada pelos processos de denudação, sendo estes atuantes no presente ou no passado, e representando a conexão dinâmica entre o interflúvio e o fundo do vale. O mesmo autor ainda afirma que existem dois tipos de vertentes: as endogenéticas e as exogenéticas. A primeira se origina de processos do interior da Terra (orogênese, epirogênese e vulcanismo). Já a segunda, são resultados de processos que ocorrem na superfície terrestre, ou próximo dela (meteorização, movimentos de massa, ablação, transporte, deposição), esses dois processos se interagem para produzir as formas da superfície terrestre (Christofoletti, 1974). As formas da vertente são os resultados dos processos sofridos tanto no passado como no presente, o que possibilita através desta, estudos das condições ambientais, nas quais foram 7 formadas. Pelo estudo das várias formas topográficas e dos seus depósitos colúvio-aluvionares é possível deduzir quais as condições ambientais prevalecente durante sua elaboração e, também até certo ponto, concluir quais foram os processos que atuaram no seu desenvolvimento (Bigarella, 1965). Como já citado, a vertente é dinâmica, portanto possui variadas formas oriundas de processos morfogenéticos, dentre esses modelos, encontra-se a vertente côncava que “(...) consiste no conjunto de todas as partes de um perfil de vertente no qual não há aumento dos ângulos em direção a jusante” (Christofoletti, 1974, p. 34) e essa concavidade nas vertentes caracteriza-se pela ação erosiva do escoamento concentrado que formam diferentes configurações de vales. Quando se pensa em microbacias, é imprescindível que se façam considerações a propósito de sua relação com a vertente, pois é nesta parte do relevo que as cabeceiras de drenagem se formam dando origem aos rios. As vertentes abrangem a maior parte da paisagem, fornecendo água e sedimentos para os cursos de água que drenam as bacias hidrográficas. A bacia hidrográfica é um sistema geomorfológico aberto que recebe energia através de agentes climáticos e perde através do deflúvio. A bacia hidrográfica como sistema aberto pode ser descrita em termos de variáveis interdependentes, que oscilam em torno de um padrão e desta forma, uma bacia mesmo quando não perturbada por ações antrópicas, encontra-se em equilíbrio dinâmico (Lima, 1994). Vários fatores influenciam esse equilíbrio dinâmico, a exemplo do teor de umidade do fundo dos vales e do transporte de sedimentos e assoreamento causados pelos desmatamentos, além da erosão das encostas. Essas perturbações influem no comportamento dos diversos tipos de canais de drenagem, modificando temporariamente sua extensão relativa. Contudo, segundo Lima (1994) o conceito de microbacia é um tanto vago, já que não existe um limite de tamanho para a sua caracterização. Ainda de acordo com a autora, do ponto de vista hidrológico as bacias hidrográficas são classificadas em grandes e pequenas não com base em sua superfície total, mas nos efeitos de certos fatores dominantes na geração do deflúvio. Define-se então microbacia como sendo aquela cuja área é tão pequena que a sensibilidade a chuvas de alta intensidade e às diferenças de uso do solo não seja suprimida pelas características da rede de drenagem. Os processos físicos que moldam continuamente os leitos dos cursos d’água, que vão desde intervalos de recorrência curtos das cheias anuais, até fenômenos mais intensos das enchentes decenais e seculares, impõem, também, a necessidade de se considerar um padrão temporal de variação da zona ripária” (Gregory et al, 1992). Com relação ao processo de formação, aumento e recuo da microbacia [...] durante uma chuva, a área da microbacia que contribui para a formação do deflúvio resume-se aos terrenos que margeiam a rede de drenagem, sendo que nas porções mais altas da encosta a água da chuva tende principalmente a infiltrar-se e escoar até o canal mais próximo através de processo subsuperficial.” (Lima, 1995, p.3). Ainda segundo Lima (1995), com o prolongamento da chuva, estas áreas de origem tendem a se expandir, não apenas em decorrência da expansão da rede de drenagem, como também pelo fato de que áreas críticas da microbacia, tais como áreas saturadas, áreas de solo mais raso, etc. participam da geração do escoamento direto. A variação climática tem grande influência nos processos das microbacias, assim as diferenças de clima dão características próprias à microbacia. Segundo Lima (1995), em clima úmido, o escoamento superficial raramente ocorre, a não ser em partes isoladas da microbacia, onde existem condições de baixa infiltração, ficando restrito. Nas demais partes da microbacia, água da chuva tende antes a se infiltrar, alimentando o escoamento sub-superficial, que por ser rápido participa também do escoamento direto da chuva. Alguns fatores determinam a formação das microbacias nas vertentes, sendo eles: falhamentos ou fissuras nas vertes que facilitam o escoamento e a erosão na área; solo nu, 8 diminuindo assim o poder de infiltração da água no solo; o nível do lençol freático e o nível de base. Estes são alguns dos fatores que têm maior importância para dar início ao processo de formação das microbacias nas vertentes. 6. REFERÊNCIAS BARBOSA, O. et al. Geologia do Triângulo Mineiro. Rio de Janeiro: MME, 1970. BACCARO, C. A. D. et al. Mapa geomorfológico do Triângulo Mineiro: uma abordagem morfoestrutural-escultural. In: Sociedade & Natureza. Uberlândia: IG/UFU, v. 13 n. 25, jan./dez., 2001, pp. 115-24. ______. Unidades geomorfológicas do Triângulo Mineiro estudo preliminar. In: Sociedade & Natureza. Uberlândia: IG/UFU, v. 3 n. 5 e 6, jan./dez., 1991, pp. 37-42. BIGARELLA, J. J. Sand-ridge structures from Paraná coastal plain. Marine Geology. Amsterdan, v. 3, 1965, 269-278. CHRISTOFOLETTI, A. 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