ERICA SOUSA DE ALMEIDA A FORMAÇÃO DE PERÍFRASES VERBAIS NO PORTUGUÊS: UM PROCESSO DIACRÔNICO Faculdade de Letras – UFRJ 1º Semestre de 2006 Almeida, E. S. EXAME DE DISSERTAÇÃO ALMEIDA, Erica Sousa de. A formação de perífrases verbais no português: um processo diacrônico. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa – Curso de Pós-graduação em Letras Vernáculas, Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2006, 202 fls. Mimeo. BANCA EXAMINADORA: ______________________________________________________________________ Professora Doutora Dinah Maria Isensee Callou (Departamento de Letras Vernáculas/ UFRJ) Orientador ______________________________________________________________________ Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes (Departamento de Letras Vernáculas/ UFRJ) ______________________________________________________________________ Professora Doutora Maria Maura Cezário (Departamento de Lingüística/ UFRJ) ______________________________________________________________________ Professor Doutor Mário Eduardo Martellota (Departamento de Lingüística/ UFRJ) – Suplente ______________________________________________________________________ Professora Doutora Márcia dos Santos Vieira (Departamento de Letras Vernáculas/ UFRJ) - Suplente Defendida a tese Conceito: Em: _____/______/ 2006. -2- Almeida, E. S. A FORMAÇÃO DE PERÍFRASES VERBAIS NO PORTUGUÊS: UM PROCESSO DIACRÔNICO por ERICA SOUSA DE ALMEIDA Departamento de Letras Vernáculas Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa apresentada à Coordenação dos Cursos de PósGraduação em Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientador: Professora Doutora Dinah Maria Isensee Callou. UFRJ/ Faculdade de Letras Rio de Janeiro, 1º semestre de 2006. -3- Almeida, E. S. Dedico este trabalho a todos aqueles que sempre torcem pela minha felicidade e, em especial, aos meus pais, Pedro e Edeleuza, à minha irmã, Priscila, e ao meu amado Fabiano, pelo total apoio e amor oferecidos nos momentos mais difíceis da minha vida. -4- Almeida, E. S. O caminho fica aberto A quem mais quiser dizer .............................................. pois eu mais não sei fazer. Garcia de Resende (apud Silva Neto, S. Introdução ao Estudo da Língua Portuguesa no Brasil: p.5) -5- Almeida, E. S. AGRADECIMENTOS A Deus, acima de tudo, por ter me dado a oportunidade de ter chegado até aqui. À Dinah Callou, meus sinceros agradecimentos pela competência e orientação centrada na investigação dos caminhos históricos da Lingua Portuguesa. Além de orientadora acadêmica, Dinah sempre me incentiva a conquistar novos caminhos pessoais. À Célia Lopes, por ter me convidado a participar do Projeto NURC e sempre ter, mesmo que indiretamente, acompanhado meu aprimoramento acadêmico. Aos Professores Doutores Afrânio Barbosa, Christina Abreu Gomes, Edwaldo Cafezeiro, Humberto Peixoto, Maria Carlota Rosa, Maria Eugênia Lamoglia Duarte, Maria Maura Conceição Cesário, Mario Eduardo Martellota e Vera Paredes credito a minha admiração pelo trabalho comprometido e, sobretudo, por terem contribuído para o meu amadurecimento nos estudos lingüísticos na Pós-Graduação. A todos os professores de Graduação que influenciaram a minha formação acadêmica. Ao PROHPOR (UFBA), na pessoa de Américo Venâncio Filho, por disponibilizar, gentilmente, parte dos corpora que compõem a minha Dissertação. Ao CNPq, por financiar os meus estudos na Graduação como Bolsista de Iniciação Científica e, também, na Pós-graduação, durante cinco meses. À FAPERJ, pela Bolsa Nota 10, no meu último ano de Mestrado. Agradeço aos meus pais, Pedro e Edeleuza, que, em muitos momentos, renunciaram as suas vidas, para que eu pudesse ter êxito na minha realização pessoal e profissional. A vocês que sempre valorizaram a apreensão do saber, na busca por uma melhor perspectiva de vida. -6- Almeida, E. S. Ao Fabiano, pelo companheirismo fiel, mesmo nos momentos mais neuróticos de uma dissertação. Além de parceiro na vida, é um colaborador nos auxílios computacionais desta dissertação. Aos meus familiares, pelo carinho e confiança dispensados durante esta fase de intenso estudo. Aos companheiros do Projeto Nurc e do PHPB, pelo companheirismo de trabalho e amizade diária. À amiga e companheira de Projeto Luciene, pelo companheirismo e pela leitura atenta desta Dissertação. À amiga Suelen pela imensa amizade que até nos fez formar a dupla “Erisu”. Às amigas Marina e Priscila por sempre torcerem pelo minha realização pessoal e profissional. Aos meus alunos que contribuíram para a meu amadurecimento profissional. A todos que torceram para que esta dissertação estivesse concluída. Valeu! -7- Almeida, E. S. SINOPSE Análise em tempo real de longa duração das construções participiais com os verbos ter e haver, na formação do tempo composto, sob a perspectiva da sociolingüística laboviana e da hipótese da gramaticalização. -8- Almeida, E. S. SUMÁRIO ÍNDICE DE GRÁFICOS E TABELAS ..................................................................... 11 ABREVIATURAS E CONVENÇÕES ...................................................................... 12 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 13 1. APRESENTAÇÃO DO TEMA .............................................................................. 17 2. REVISÃO HISTÓRICO-DESCRITIVA .............................................................. 23 2.1 O Tempo em Latim ...................................................................................... 23 2.2 Ter e haver: A Abordagem Lingüística ...................................................... 26 2.3 O Tempo Composto ..................................................................................... 32 3.CATEGORIZAÇÃO DO FENÔMENO ................................................................ 39 3.1 A Semigramaticalidade (Semi-Auxiliaridade) de Ter/Haver no Português Arcaico ................................................................................................................ 45 3.2 Flutuação no Particípio: formas [V+do] não-verbais Æ formas [V+do] erbais ............................................................................................................................... 50 3.3 Fatores Favorecedores para a Mudança Categorial na Formação do Tempo Composto .............................................................................................................. 53 4. PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS........................................... 54 4.1 O Funcionalismo e a Hipótese da Gramaticalização ................................ 54 4.1.1 Sobre a Noção de Gramaticalização ................................................... 57 4.1.2 Etapas e Princípios do Processo de Gramaticalização ...................... 60 4.2 A Sociolingüística Variacionista ................................................................. 66 4.3 Os Corpora. ................................................................................................... 70 5. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ............................................................ 73 -9- Almeida, E. S. 5.1 As Construções Participiais .......................................................................... 73 5.2 Distribuição dos Dados por Século e por Tipo de Texto ........................... 86 5.3 Das Variáveis e suas Hipóteses .................................................................. 100 5.4 Análise Variacionista: Variáveis Controladoras do Processo ................ 105 5.5 Análise Funcionalista: O Processo de Gramaticalização dos Verbos Ter e Haver .................................................................................................................. 117 6. CONCLUSÕES ...................................................................................................... 129 7. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 133 ANEXOS ..................................................................................................................... 142 RESUMO .................................................................................................................... 201 RÉSUME .................................................................................................................... 202 - 10 - Almeida, E. S. ÍNDICE DE QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS: QUADROS Quadro 1: Distribuição dos verbos ter e haver do latim clássico para o português arcaico ......................................................................................................................................... 27 Quadro 2: Diferenças entre um verbo pleno e auxiliar a partir do sistema formal de traços ......................................................................................................................................... 41 Quadro 3: Propriedades que distinguem um verbo pleno de um auxiliar...................... 42 Quadro 4: Propriedades dos verbos semi-auxiliares..................................................... 46 Quadro 5: Valores assumidos por ter e haver nas construções participiais.................. 49 Quadro 6: Diferenças entre o particípio passado adjetivador e predicador a partir do sistema formal de traços.................................................................................................. 51 Quadro 7: Propriedades que distinguem o PP-adjetivador e o PP-predicador.............. 52 Quadro 8: Funções do particípio passado ................................................................... 126 TABELAS Tabela 1: Número de dados por texto e por século....................................................... 86 Tabela 2: Distribuição geral dos dados por século ........................................................ 87 Tabela 3: Distribuição dos dados por século, por tipo de verbo e por possibilidade de apresentar flexão ............................................................................................................ 87 Tabela 4: Distribuição geral dos dados a partir da natureza das estruturas .................. 88 Tabela 5: Distribuição de ter/haver em estruturas com e sem concordância ................ 89 Tabela 6: Valor do particípio ao longo dos séculos ...................................................... 90 Tabela 7: Tempo/modo verbal e a presença de concordância na estrutura participial ....................................................................................................................................... 108 Tabela 8: Presença de elementos entre Ter/haver e o particípio e a flexão ................ 109 Tabela 9: Posição do complemento na sentença ......................................................... 111 Tabela 10: Ordenação geral dos constituintes nos corpora ......................................... 111 Tabela 11: Processos verbais mais freqüentes nas construções participiais ............... 114 Tabela 12: Definitude do complemento e a presença de flexão ................................. 115 Tabela 13: Possibilidade de flexão do particípio por época........................................ 116 GRÁFICO Gráfico 1: Freqüência de uso de estruturas participiais do século XIII ao XX .......... 129 - 11 - Almeida, E. S. Abreviaturas e Convenções SN → sintagma nominal SV → sintagma verbal V → verbo P → particípio Oco → Ocorrência CD → complemento direto PP → particípio passado X → sujeito Y → objeto [V+do] → verbo + particípio passado Vpredicador → verbo predicador Vauxiliar → verbo auxiliar ∅ → posição vazia, sem complemento PHPB → Projeto para uma História do Português Brasileiro FRC → Linguagem dos Foros de Castelo Rodrigo LA → Livro das Aves DSG → Os Quatro Livros dos Diálogos de São Gregório VT → Vida de Tarsis VSP → Vida de Santa Pelágia LC → Leal Conselheiro MSJ → Morte de São Jerónimo CPVC → Carta de Pero Vaz de Caminha CDP → Crônica de D. Pedro GJB → Gramática de João de Barros DJIII → Cartas de D. João III CV → Documentos Notariais do Convento do Carmo - 12 - Almeida, E. S. INTRODUÇÃO A variabilidade lingüística é uma característica inerente às línguas em geral, sendo papel daqueles que se debruçam a descrevê-las “desvendarem” as razões que motivam as alterações, as reorganizações dentro do sistema, quer no nível fonético/fonológico, morfológico, sintático, quer no semântico-pragmático. Com efeito, diversos estudos vêm sendo realizados, a fim de tentar explicar a variação e possível mudança lingüística. Sabese que essas mudanças se dão em decorrência da variabilidade de uso de certos fenômenos, por isso os estudos lingüísticos podem se centrar no eixo diacrônico e/ou sincrônico, a depender do objeto de estudo e do interesse do pesquisador. Este trabalho apresenta um estudo diacrônico acerca da formação do tempo composto em construções participiais com as formas verbais ter e haver no decorrer dos séculos XIII ao XVII. A partir da hipótese da gramaticalização (cf. Lehmann, 1985; Heine, 1991; Hopper, 1991; Hopper & Traugott, 1993; dentre outros), será enfocada a formação de perífrases verbais, em que esses verbos com conteúdo de posse passam de verbo pleno a elemento gramatical, com perda do conteúdo lexical, geralmente acompanhado por um esvaziamento semântico, como afirma Ribeiro (1993). O interesse pelo estudo deve-se, sobretudo, ao fato de existir, no português arcaico, um conjunto de construções participiais -- em que os verbos ter/ haver admitem a interpretação tanto como possessivo quanto como auxiliar (“esvaziada” lexicalmente) -que carece de estudo mais aprofundado. Dessa forma, identificam-se os contextos que levaram à mudança de ter/haver posse para auxiliar de tempos compostos, descrevendo o processo de gramaticalização de ter e haver, ou melhor, verificando os fatores de natureza lingüística e extralingüística - 13 - Almeida, E. S. (sintáticos, semânticos e pragmáticos) que atuaram na transformação não só de um verbo pleno para auxiliar, mas também de uma forma adjetival para uma participial (+ verbal) ao longo de cinco séculos. Os dados são também analisados na perspectiva da sociolingüística quantitativa laboviana, com o intuito de confirmar os pressupostos da gramaticalização . Levantaram-se, inicialmente, as seguintes hipóteses: (a) As estruturas participiais constroem-se preferencialmente com ter, mesmo no português arcaico, já que esse verbo, nessa fase, era usado na acepção original de manter, conservar, uma noção já esvaziada do valor de posse; (b) A perda da concordância do particípio pode ter ocorrido a partir das formas no masculino-singular, forma [-marcada]; (c) A fixação da ordem dos constituintes TER/HAVER + PARTICÍPIO PASSADO na estrutura sintagmática ao se tornar mais rígida/fixa parece indicar um caminho para a cristalização da estrutura composta e (d) O uso de particípio passado de verbos não transitivos, ergativos, são indicadores empíricos para a formação das estruturas perifrásticas (Mattos e Silva, 2002:129). No primeiro capítulo, Apresentação do Tema, descreve-se um quadro geral dos diversos contextos em que ter e haver podem aparecer e as hipóteses iniciais. No segundo capítulo, apresenta-se uma Revisão Histórico-Descritiva dos variados estudos lingüísticos acerca da formação de perífrases verbais com ter e haver. Este capítulo é composto por três partes: na primeira, descreve-se como era organizado o padrão verbal no latim; na segunda, divulgam-se as abordagens presentes na tradição gramatical portuguesa; e, na terceira, arrolam-se os estudos lingüísticos já realizados sobre o tema. No terceiro capítulo, Categorização, tenta-se enquadrar o fenômeno da dentro de uma determinada categoria, já que, no português arcaico, esses dois verbos, nas construções participiais, não poderiam ser considerados como auxiliares e o particípio como verbo - 14 - Almeida, E. S. predicador, havendo uma flutuação entre as formas [V+do] verbais e não-verbais. Neste capítulo discute-se ainda a semigramaticalidade, ou seja, a semiauxiliaridade de ter/haver em construções participiais e a flutuação no particípio: formas [V+do] não-verbais Æ formas [V+do] verbais. No quarto capítulo, Pressupostos Teórico-Metodológicos, tecem-se considerações sobre as teorias adotadas. Primeiramente, discute-se a fundamentação teórica do Funcionalismo e a Hipótese da Gramaticalização, que buscam, no contexto discursivo, descrever os fatos lingüísticos a partir de uma mudança gradual. Em seguida, ainda dentro da perspectiva da Gramática funcional, explicitam-se as Noções Básicas do Fenômeno da Gramaticalização, para, assim, explicitar as Etapas e Princípios do Processo de Gramaticalização propostas por diversos autores que se debruçam sobre esse paradigma. Ainda neste capítulo, aborda-se a concepção de variação postulada pela Sociolingüística Variacionista, já que a variação de um determinado fenômeno pode acarretar reflexos no sistema lingüístico. Acredita-se que a teoria e a metodologia da sociolingüística variacionista possa ser aplicada a estudos funcionalistas, mais precisamente de gramaticalização, por serem teorias/metodologias que apresentam aspectos confluentes. Descrevem-se, também, nesta seção, os Corpora diversificados que vão subsidiar a análise dos dados. No quinto capítulo, apresenta-se a Descrição e Análise dos dados, com enfoque na descrição qualitativa e quantitativa do item em questão. Discutem-se, nesta seção, os fatores lingüísticos que atuaram na mudança de ter/haver-posse para auxiliares de tempos compostos e na mudança categorial do adjetivo deverbal para o particípio, com caráter [+ verbal]. Este capítulo vai mostrar também o Processo de Gramaticalização dos verbos ter e haver, na passagem a elementos gramaticais. - 15 - Almeida, E. S. E, por fim, na Conclusão, retoma-se o que foi apresentado sobre o tema, apresentando resultados reais do trabalho realizado. Em Anexo, fornecem-se os dados que fundamentam a análise1. 1 Optou-se, para melhor visualização do leitor, por utilizar o negrito para os exemplos aqui estudados e, para referendar outros, utiliza-se a ênfase em itálico. A numeração dos exemplos é reiniciada na seção 5 Descrição e Análise dos dados. - 16 - Almeida, E. S. 1. APRESENTAÇÃO DO TEMA Amplamente estudados pela tradição normativa portuguesa, os verbos ter e haver podem ocorrer em diferentes contextos, em construções possessivas, participiais, existenciais e modais. A depender das estruturas sintático-semânticas em que esses dois verbos aparecerem, há um certo grau de diferenciação semântica, desde vocábulos com valor pleno até vocábulos meramente gramaticais. Analisam-se, neste trabalho, apenas as estruturas participiais com essas duas formas, uma vez que, no português arcaico, ter e haver, nessas construções, constituíam verbos com valor de posse, mas que, ao longo do tempo, foram sofrendo um processo de mudança, passando a formar o chamado tempo composto. Ao funcionar como verbos possessivos, por exemplo, os verbos ter e haver possuem conteúdo lexical pleno e são responsáveis pela estruturação tanto sintática como semântica da sentença. Nesse contexto, são esses dois verbos que constituem o núcleo do predicado, caracterizando-se como predicadores de dois lugares (Mira Mateus et alii, 2002) e, por isso, são responsáveis pela seleção de dois argumentos nucleares: interno (complemento) e externo (sujeito sintático), a saber, um possuidor e a coisa possuída (X TER/HAVER Y). (1) “e saibham bem husar daquello por que som antre os outros tam avantejados e tenham armas e cavallos pera estar prestes como convem pera logo socorrer onde for necessario” [LC, IV, 19] (2) “E enton, pola sa bõa vontade que ouve pera compartir con os pobres, creceu o vinho tanto no lagar que cada huu dos pobres que ali foron chamados ouve seu cantaro cheo daquele viho que lhi deron no lagar” [DSG, 15, 28] - 17 - Almeida, E. S. (3) “E porade aquele que ouver aquestes bees a que assemelhamos as naturezas da poõba pode tomar aas per que voe ao çeo conteplãdo” [LA, 34, 21] (4) “Se vái à India, çerca o mundo descubérto e por descubrir, responde: <<Tenho filhos>>” GJB, 29, 59] Há, ainda, estruturas, no português arcaico, nas quais ter e haver, mesmo mantendo o valor lexical pleno e constituindo o núcleo do predicado, aparecem acompanhados de um possível particípio adjetivador do complemento: (5) “assi pode homem entender a homildade ou a soberbia que no su coraçon ten asconduda” [DSG, 14, 21] (6) “Con lagrimas continuadas teendo as maos alcadas ao ceo” [MSJ,1, fol. 89v] (7) “Hos ferradores que has ferraduras peytaren por aas o por maos clauos, // hos ferreyros que has oueron feytas ahos ferradores” [FCR, 24, 92] (8) “e que lhi mostrasse quen era aquel San Beento que aqueles seus bees tinha guardados” [DSG, 7, 83] Essas estruturas, originadas a partir da antiga forma latina, apresentavam o particípio flexionado, com os verbos ter e haver funcionado como núcleo do predicado, mantendo o valor de posse ou até, em alguns casos, admitindo uma interpretação em que esses dois verbos se achariam esvaziados semanticamente. Essa ambigüidade advém da - 18 - Almeida, E. S. possibilidade de interpretar o elemento flexionado como adjetivo deverbal ou particípio com valor [+ verbal]. Esse uso parece ter dado origem às estruturas que, mais tarde, são conhecidas como de tempo composto. Nessas estruturas, esses dois verbos, quase semanticamente esvaziados do valor de posse, assumem uma posição de auxiliar, ou seja, desenvolvem-se como elemento gramatical, marcando apenas as acepções de tempo e/ou aspecto – TER/HAVER + PARTICÍPIO. Em construções compostas, ter e haver perdem a posição nuclear da sentença, uma vez que é o verbo no particípio que vai ser responsável pela predicação da sentença: (9) “a elle e dito seu filho Gonçalo de Muros lhes haviao concedido duas datas de Sesmarias” [CV, 1, 18, 193] (10) “E, porém, porque aprática é contigo, e ordenáda aôs de tua idade, os quáes já das escólas tendes ouvido ditos e sentenças/ de moráes escritores” [GJB, 3, 50] (11) “por que nosso senhor o tem ordenado pera a sua sancta gloria mes do que ouver seja contente” [LC, 15, 38] (12) “Oo senhor poderoso aos quo/renta dias pasados da tua maravilhosa resu/rreçom en os quaes per experiencias certas mostraste aaveres resuscitado, per ti quebrantados os/ infernos” [MSJ, 8, fol. 91r] Nos exemplos de (9) a (12), os verbos ter e haver formam com o particípio uma única significação verbal. O particípio, nesse caso, é responsável pela predicação da sentença e os verbos ter e haver estão esvaziados do valor de posse, passando a elementos gramaticais. - 19 - Almeida, E. S. É possível, também, encontrar construções perifrásticas em que tais verbos assumem a forma auxiliar, retêm um traço de posse, ainda que não de forma absoluta, nas chamadas estruturas modais, em que ter e haver podem expressar futuridade e/ ou obrigatoriedade. Nas construções -- TER/HAVER DE(QUE) + INFINITIVO --, esses dois verbos combinam-se com o infinitivo a partir da preposição de ou da conjunção que. (13) “porque no outro mundo, o juizo ha-de seer justo/ e cada huu ha-de rreçeber e aver gallardom” [VSP, 2, fol. 75 r] (14) “E porque o aviam de levar longe pera soterrar, non-no poderon en aquel dia soterrar” [DSG, 15, 48] (15) “E desi por sentir que, penssando como sobr’esto ey de screver” [LC, 16, 1] (16) “Quando o nome é relativo, [h]á de convir com o seu anteçedente em género, número e péssoa” [GJB, 18, 27] Há, ainda, estruturas em que ter e haver, com significado intrínseco [+ esvaziado], compõem estruturas formadas por um verbo seguido de um complemento (SN), sempre um substantivo abstrato, cuja função é a de suportar a significação da construção. Esse sintagma nominal carrega os papéis temáticos da predicação, sendo chamados, assim, de suporte, leve ou funcional. Neste caso, esses dois verbos são portadores apenas das lexias de Pessoa, Número, Tempo e Modo (Castilho, 1997): (17) “Quando esto soube o abbade/ Paunucio ouve grande doo e seu coraçõ della” [VT, fol 66 v] (18) “viéram ter neçes[s]idade da fála” [GJB, 40, 42] - 20 - Almeida, E. S. (19) “A que idade convém [h]aver vergonha?” [GJB, 13, 51) (20) “quando estever ocioso, avendo lembrança do que leeo” [LA, 29, 4] Segundo Moura Neves (2000), a depender do grau de coesão entre os elementos constituintes, as formas de verbo-suporte podem conter graus mínimo e máximo de transferência do estatuto de predicação. E, por fim, as chamadas construções existenciais, em que esses dois verbos, ainda núcleos do predicado, selecionam um constituinte interpretado como objeto direto e um sintagma preposicional ou adverbial funcionado como locativo, mas não selecionam, em princípio, um sujeito (TER/HAVER Y). Nesse caso, ter e haver assumem um valor metafórico. (21) “e começou daçenar cõ amãão pera aterra e depois perao colar como que nos dizia que avia em terra ouro e tam bem vio hu castical” [CPVC, 37, fól. 3r] (22) “nom ha logar hu sse o home ascõ/da ante os seus olhos” [VT, 3, fol. 66v] (23) “Antre os filósofos, [h]ouve grandes e divérsas opiniões àçerca da criaçám do homem” [GJB, 21, 42] (24) “E quando nom ouver outo pilloto, fazey niso o que vos bem pareçer” [DJIII, 65] As variadas possibilidades de ocorrência permitem-nos perceber que o conteúdo semântico assumido por tais verbos na estrutura analisada impõe restrições na seleção semântica dos argumentos. Isso significa dizer que, a depender do contexto em que ter e haver ocorrer, haverá uma diferenciação nos argumentos que serão selecionados. - 21 - Almeida, E. S. O estudo centra-se nas construções participiais com os verbos ter e haver pelo fato de a gramaticalização desses dois verbos configurar a passagem para o novo estágio da língua, uma vez que as formas arcaicas, embora caindo em desuso e substituídas progressivamente por variantes inovadoras, permaneceram resistindo residuamente por largo tempo, como afirma Mattos e Silva (2002c:122-123). A autora aponta, ainda, a necessidade de analisar os limites posteriores que marcariam o desaparecimento da forma participial flexionada na língua portuguesa, por ser este um dos fatores intralingüísticos que evidenciariam a transição para o português moderno. - 22 - Almeida, E. S. 2. REVISÃO HISTÓRICO-DESCRITIVA 2.1 O Tempo em Latim Ao traçarmos um panorama histórico-descritivo para o uso dos verbos ter e haver, convém assinalar a etimologia das duas formas. O verbo haver, por exemplo, provém da forma latina habere, com a acepção principal de ‘possuir’. O vocábulo ter, por sua vez, origina-se da forma tenere do latim, com valores próximos a ‘obter’, ‘manter’, ‘deter’ e ‘reter’. Sabe-se que, na evolução diacrônica da língua portuguesa, houve um progressivo retrocesso no emprego de “haver” como verbo principal, substituído cada vez mais por “ter”. Na verdade, tenere começa a invadir o campo de habere, desde o século XIII, como se pode ver no exemplo “(25) lancas que todas tienem perdones2”. Mesmo que o usuário da língua arcaica trocasse uma por outra forma, mantinha-se a distinção entre os valores de posse de haver e manutenção de ter. O verbo do latim mantinha, em sua conjugação, a oposição entre os temas do infectum e do perfectum, que eram marcados morfologicamente. O tema do infectum indicava a temporalidade interna dos acontecimentos em curso, uma ação aspectualmente inacabada. Por outro lado, o tema de perfectum configurava uma ação acabada. Embora estivessem dissociados, houve uma tendência à regularização desses dois temas na evolução do latim. A constante modificação do sistema lingüístico fez com que a aproximação das noções aspectuais de duração conclusa e de ação passada não-flexionada reformulasse os parâmetros verbais, eliminando a distinção que, anteriormente, vigorava no sistema verbal (Eleutério, 2003). 2 Cf. Corominas (1957) - 23 - Almeida, E. S. No latim, o verbo, além de receber flexão número-pessoal (concordância com o sujeito), era marcado morfologicamente, expressando as categorias de aspecto, tempo e modo. Ao longo do tempo, foi ocorrendo a perda das marcas morfológicas aspectuais que eram pouco produtivas, corroborando, assim, ao aparecimento das construções perifrásticas e ao rearranjo do sistema verbal. No processo de reorganização das formas verbais, a substituição da categoria aspecto, em detrimento da de tempo, deve-se, sobretudo, ao fato de o tempo ser uma caracterização externa mais sistematizável. Mesmo assim, Mattoso (1973:143) considera que ainda no puro nível gramatical a categoria aspecto funciona subsidiariamente em português. Segundo o autor, a questão aspectual foi o que motivou a entrada das conjugações perifrásticas em uso pleno na língua, pois, nestas seqüências, o verbo auxiliar combinava-se com uma forma verbal para expressar não só tempo e modo, mas também um determinado aspecto, ou seja, a locução como um todo que subordinava a si o complemento, o que fez com que se preservasse a concordância nominal do particípio com o respectivo complemento. Em geral, em uma conjugação perifrástica, a significação gramatical da construção repousa na forma flexional auxiliar e, a significação lexical, na forma nominal. Desse modo, a forma auxiliar expressa, por meio de sufixos, as categorias número/pessoal e modo/temporal. A categoria aspectual fica expressa, portanto, a partir da associação entre a significação lexical do auxiliar e a forma nominal que o acompanha, no caso das construções participiais, o particípio. - 24 - Almeida, E. S. Pode-se dizer que as perífrases verbais com ter e haver são provenientes de estágios anteriores da língua, mais especificamente do padrão oracional latino. A baixa produtividade das flexões aspectuais do latim, conforme se disse, corroborou para a implementação do uso das construções perifrásticas. Estas construções, que organizavam suas estruturas a partir do latim padrão, foram, paulatinamente, sendo reanalisadas, até que o processo estivesse sido encerrado. O exemplo latino (26) “habeo litteram scriptam” (tenho uma carta escrita) permanece até hoje em algumas línguas latinas, como é o caso do português e espanhol. No caso, também, de (27) “tenho uma carta guardada na manga”, o particípio funciona como adjetivo deverbal e modifica o SN-complemento. Os verbos ter e haver, na estrutura original, mantêm o valor semântico de posse, funcionando, sintaticamente, como núcleo do predicado. O adjetivo deverbal ou participial apresenta-se como constituinte do SN-complemento direto, não podendo ser analisado como parte do SV. A presença da flexão atesta que não havia ocorrido o esvaziamento semântico da forma verbal nuclear, condição fundamental à construção do tempo composto. Enquanto a reanálise das formas haver/ter + particípio passado não tivesse ainda sido completada, é possível observar a coexistência, no português arcaico, de uso das duas formas de particípio (flexionado ou não), como se pode observar nos exemplos (28) e (29): (28) “se dar a dita terra em agoa quem aproveitada não tiver de sesmarias a quem as pidir para aproveitar” [CV, 7, 87, 217] – particípio flexionado. (29) “e lhe ser deixado alguns logradouros do que aproveitado nam tiver” [CV, 7, 89, 217] – particípio não flexionado. - 25 - Almeida, E. S. Esses exemplos demonstram a existência de dois tipos de estrutura, uma mais antiga, com o particípio passado adjetivador, modificando o complemento direto, como em (28), e outra de tempo composto, como em (29). 2.2 Ter e Haver: A Abordagem da Lingüística Estudos recentes sobre esses dois verbos (Mattos e Silva, 2002; Naro e Braga, 2000; Ribeiro, 1993) constataram que é a partir do século XV que a forma haver começa a “decair”, sendo substituída por ter. O verbo tenere teve sua invasão no campo semântico do latim habere, com sentido de posse pura e simples, sendo utilizado, fundamentalmente, com substantivos concretos. A esse respeito, Mattos e Silva (2002) estabelece uma oposição entre esses dois verbos, indicando que o aparecimento de ter, nas composições possessivas, se iniciou nos contextos em que há objetos de caráter [+material] e haver se mantém nos casos em que os argumentos são [+abstratos], exprimindo valores morais, espirituais e afetivos. Observe como era organizado o sistema quando haver e ter começam a expandir os seus domínios para outros contextos além dos de posse: - 26 - Almeida, E. S. Verbo ter Verbo seer obter, manter, existencial Verbo haver Latim Clássico ‘possuir, obter, manter, reter, segurar, conter, > reter, segurar, conter, deter Inicialmente, deter’ esse valor passa para o domínio de haver e possuir depois para o de ter. Português Valor de possuir + arcaico o valor existencial Os valores acima destacados + o valor existencial Quadro 1- Distribuição dos verbos ter e haver do Latim Clássico para o português arcaico É possível encontrar, ao longo do processo de mudança, dentre outros casos, como foi visto na seção 1, estruturas nos contextos de posse, participial, modal e existencial. Em outras palavras, pode-se dizer que esses verbos (i) podem estar plenos do valor de posse em construções possessivas; (ii) podem permanecer com o valor de posse em construções seguidas do particípio passado adjetivador do complemento e em construções perifrásticas de futuridade/obrigatoriedade; (iii) podem aparecer, também, em construções perifrásticas de tempo composto e/ou verbo-suporte, em que se encontram quase “esvaziados” do valor de posse; e, ainda, (iv) podem deslocar o conteúdo lexical básico para a existência, nas seqüências existenciais (Eleutério, 2003:139). - 27 - Almeida, E. S. Sobre a questão da formação do tempo composto, tema do presente trabalho, há opiniões controvertidas a respeito do momento histórico em que ter e haver passam a funcionar como auxiliares. Alguns estudiosos situam o acontecimento no período posterior ao chamado português arcaico, outros no próprio português arcaico. Said Ali (1964:160), por exemplo, considera que a construção ter+particípio passado só começa a ocorrer, no português moderno, quando há perda da concordância do PP [adjetivo] de verbos transitivos com o seu complemento direto. No entanto, os estudos de Naro & Lemle (1977) e Naro & Braga (2000) mostraram que se pode delimitar a criação dos tempos compostos, com os auxiliares ter/haver, a partir da segunda metade do século XIV, ainda no português arcaico. Parece que foram as construções do tipo (30) Ele tem escritas as cartas3, com a mesma ordem vocabular das construções de tempo composto, que possibilitaram a gramaticalização de ter. Foi possível encontrar, segundo os autores, ainda no século XIV, casos em que ter+particípio é usado como um auxiliar aspectual sem o sentido de posse, o que revela que a gramaticalização da construção participial já se tinha iniciado. Veja o exemplo (31) Grave inimigo tem ganhado a castidade encontrado no Orto do Esposo4, em que se pode perceber que o sentido do verbo ter é perfectivo e não possessivo. Mesmo assim, a concordância do particípio com o objeto direto continua sendo usada em competição com a forma emergente. Mattos e Silva (2002:129), em um estudo sobre Os usos em João de Barros (século XVI), chega a afirmar que o aparecimento das perífrases verbais pode ainda recuar para o século XIII. Segundo ela, os dados referentes à variação da concordância do particípio passado de verbo transitivo e o uso de haver com particípio passado não-transitivos, 3 Cf. Naro e Braga (2000) - 28 - Almeida, E. S. ergativos, são novos indicadores empíricos que permitem antecipar a possibilidade de tempos compostos. Para a autora, o tempo composto pode funcionar com qualquer tipo de verbo e não apenas com os transitivos. A questão da flexão participial, que vigorava no português arcaico, é um dos fatores que a faz a autora considerar as estruturas participiais como não compostas, uma vez que a presença da flexão mostra que a forma verbal ainda não tinha chegado a configurar um afixo e, por vezes, podia possuir um valor semântico de posse. A concordância evidencia, desse modo, que não havia ocorrido a fusão semântica e sintática típica do tempo composto. Na amostra de João de Barros, a autora encontra tanto ocorrências arcaizantes, que apresentam concordância com o particípio passado - (32) “a nossa linguagem que temos pósta em arte”-, como ocorrências que seguem o padrão moderno - (33) “ao quaes já das escolas tendes ouuido ditos e sentenças”- e, ainda, aquelas ambíguas - (34) “soma de dinheiro que lhe tinha tomado a logro”-, em que fica difícil precisar se o exemplo constitui uma estrutura composta ou arcaizante. A autora destaca que havia, no português arcaico, uma liberdade de estruturação dos constituintes na sentença, revelando que esta estrutura ainda não formava uma perífrase verbal. A perda da concordância com o particípio passado partiu dos contextos em que a concordância apresentava menor saliência, quando o complemento direto e sintagma nominal estavam pospostos a ter/haver+ particípio passado. Eleutério (2003:146), em um estudo mais recente sobre o assunto, verificou que, quando o complemento se encontrava à esquerda do predicador, o particípio apresenta um número maior de formas com concordância. Para ela, a difusão da mudança teria ocorrido a partir do masculino-singular, uma forma menos evidente, por ser a forma [-marcada] 4 Naro e Braga (2000:133) - 29 - Almeida, E. S. morfologicamente, como no exemplo (35) “e faça de maneira que dentro de coatro mezes tenha feito nas ditas terras algum proueito”. Nos casos em que a posição do complemento está vazia, recuperada por um anafórico, levaria, também, à mudança da estrutura participial - (36) “e a mesma obrigação fizeram elles ditos doadores, as coais declarasoins terem arendadas as ditas terras, a Gaspar Rodriguez por dois noue annos”. Além disso, a tipologia do predicador é, supostamente, apontada como favorecedora. A mudança teria ocorrido, primeiramente, nos verbos transitivos, porque, neste caso, o complemento pode mudar de posição, passando a ser complemento não mais de ter e haver, mas sim do particípio. Em uma análise funcionalista do fenômeno, Naro e Braga (2000:9) afirmam que a construção original continua existindo até hoje, segundo o princípio da divergência do paradigma da gramaticalização. Se observar a forma em (37) “Ele tem o livro escrito”, vêse que o complemento escrito concorda com o objeto direto, mesmo sendo uma forma [marcada]. Neste caso, a base verbal tem que ser transitiva para poder modificar o objeto direto. No entanto, os autores afirmam que, no século XIV, não era possível encontrar a forma (38) Ele tem ido, com verbo intransitivo. Ribeiro (1993), dentro do arcabouço da teoria sintática de princípios e parâmetros, procura analisar o fenômeno em termos formais. Para ela, a formação do tempo composto acarreta a mudança de uma categoria lexical para uma funcional, ou seja, a perda do conteúdo semântico de posse do verbo implica a perda da estrutura temática, uma vez que os verbos auxiliares não selecionam argumentos do tipo <agente>, <tema> e <meta>. Nas construções participais, que não constituem estruturas compostas, o particípio passado e SN-complemento concordam em termos dos traços gramaticais, já que o particípio funciona como modificador do objeto dos verbos ter e haver. À medida que as - 30 - Almeida, E. S. formas ter e haver foram reanalisadas como verbos auxiliares, houve a perda da restrição do traço [+transitivo] dos particípios passados. A estrutura perifrástica passou a indicar, assim, uma relação aspectual de um evento concluso ou durativo. Ribeiro (1993:366) ressalta que a presença ou a ausência de concordância entre o particípio passado e o SN não pode ser definidora da formação dos tempos compostos. Para explicitar essa idéia, a autora dá o exemplo dos tempos compostos com être + PP do francês, que apresentam concordância sistemática entre dois elementos até hoje. O que nos leva a propor que na sentença (39) “e que lhi mostrasse quen era aquel San Beento que aqueles seus bees tinha guardados”5 o verbo ter ainda não seja um verbo auxiliar, por não definir tempo em relação ao particípio passado e, ainda, pelo fato de o particípio marcar passividade. No exemplo, ter pode ser considerado um verbo pleno, por selecionar o sujeito e atribuir papel temático ao complemento. Neste caso, tanto ter quanto o particípio passado têm conteúdo lexical e selecionam papéis temáticos para os seus argumentos. Segundo a autora, há, ainda, uma relação diacrônica entre o traço existencial de um verbo e sua realização como auxiliar de tempo composto. Por isso, os verbos das construções locativas/existenciais funcionariam como auxiliares nas construções perifrásticas, já que os verbos das construções locativas, também chamados de inacusativos, não selecionam um argumento externo assim como os de tempo composto6: (40) “e em Perseo antigo Ormuz: onde tinha hua cidade deste nome que nos tempos passados foy tã celebre que Ptolomeu...”(construção locativa) 5 6 Ribeiro (1993:370) Ribeiro (1993: 371) - 31 - Almeida, E. S. (41) “a quem tinha encomendado a escriptura destas partes”(construção de tempo composto) Nos dois exemplos acima, o verbo ter não seleciona o sujeito da oração. No entanto, há uma diferença entre essas duas construções: na construção de tempo composto, exemplo (41), é o verbo principal que seleciona o sujeito da oração; nas construções locativas, exemplo (40), o verbo não seleciona o sujeito, uma vez que não apresenta o argumento externo (o sujeito). 2.3 O Tempo Composto Mesmo trazendo reflexões, muitas vezes, filosóficas a respeito dos fatos da língua, as gramáticas constituem um importante documento que testemunham o espírito de uma época e, ainda, podem ‘mostrar’ o estágio em que se encontravam alguns fatos lingüísticos a partir da prescrição a eles vinculada. Consideram-se, portanto, de fundamental importância, as abordagens nelas conferidas para o estudo da formação das perífrases com os verbos ter e haver. O estudo centra-se no período que vai do século XIII ao XVII, mas só foi possível obter contribuições da tradição gramatical a respeito do tema a partir do século XVI, época em que foram escritas as primeiras gramáticas da língua portuguesa. Assim, na Gramática da língua portuguesa, uma gramática histórica do século XVI, João de Barros (1971), por exemplo, ao abordar a questão do paradigma dos tempos compostos, teorizado pelo autor como “tempo per maneira de rodeo”, afirma que esses - 32 - Almeida, E. S. tempos compostos substituem as formas simples latinas e não passaram para o português. O autor não trata da questão da concordância do particípio passado. Ressalta apenas que o tempo composto é construído, fundamentalmente, com ter. O verbo haver é descrito pelo autor como o <tempo per rodeo vindoiro>, que corresponde ao futuro. Barros (1971) ainda destaca que há tempos per rodeo que possuem uma correlação com os tempos simples (amara/ tinha amado). No entanto, segundo o autor, essas formas possuem uma diferença aspectual. Temos mais alguns tempos simples, os quáes por cópia da nossa linguagem mais que por defeito dela, os podemos dizer também per rodeo, como no tempo passádo mais que acabado do modo pêra demonstrar, o qual, simples, dizemos amára e per rodeo, na mesma sinificaçám, tinha amado. Ainda que paréçe no sentido que estes tempos simples com o particípio dam à obra algüa máis perfeiçám em tempo. (Barros, 1971:22) Na Gramática de Port-Royal (1992), os autores Arnaul & Lancelot, por sua vez, ao discorrerem sobre os verbos auxiliares, afirmam que estes ajudam a formar diversos tempos, com o particípio passado de cada verbo: os verbos ter e haver, por exemplo, configuram auxiliares de tempos compostos dos verbos ativos. Já em uma obra intitulada Fabulário português medieval, foi possível encontrar uma espécie de glossário, chamado de Considerações Glottológicas para descrever o uso “correto” da língua no século XV. Sobre o particípio passado é feita a mesma consideração encontrada na Gramática de Port-Royal: - 33 - Almeida, E. S. “O particípio passivo faz parte do tempo composto de um verbo, concorda em genero e numero com o complemento direto d’esse verbo” (Vasconcelos, 1906:112) Na Gramática do contador de Argote (1972), afirma-se que, na língua portuguesa, a auxiliaridade ocorre apenas com dois verbos: o verbo ser; o verbo ter (ou haver). Os verbos ter e haver são tomados pelo autor como sinônimos perfeitos, ambos com uma significação de posse. Sobre esses dois verbos, o autor assinala que podem funcionar como auxiliares dos tempos compostos de verbos ativos, passivos e neutros. Argote, assim como já havia referendado Barros, estabelece a seguinte relação para os futuros compostos: ter, que se conjuga com o particípio do verbo; e haver (de), que se conjuga com o infinitivo do verbo com preposição de, para marcar a expressão modal de futuridade. No capítulo V, ao tecer considerações sobre as transformações do latim ao português, o autor ainda afirma que constitui um idiotismo da sintaxe da língua portuguesa todos os modos e termos de fallar da língua que não tem conveniência, ou semelhança com a Gramática latina (Argote, 1725:269). A formação dos tempos compostos com o verbo haver é considerada, por isso, um idiotismo, porque os particípios passivos podem, em alguns casos, nesses contextos, não concordar com o substantivo em gênero, número e caso. Soares Barbosa (1875), assim como os autores anteriormente citados, considera que os verbos auxiliares são provenientes dos verbos latinos, que, perdendo as marcas morfológicas aspectuais, construiriam estruturas compostas. Com relação ao tempo composto, o autor assinala que estes não possuem a mesma acepção original. Para formar construções perifrásticas, os verbos, juntos aos nomes verbais, perdem a significação - 34 - Almeida, E. S. natural para exprimir diversos estados de existência. Segundo ele, ter e haver auxiliares ainda mantêm alguns resquícios de sua natureza primitiva, exprimindo uma posse com caráter virtual, metafórico. Huber (1993) descreve a concordância do Particípio passado + complemento direto, no português arcaico, baseando-se na estruturação dos constituintes na sentença: (i) se o complemento em acusativo estiver depois do particípio passado, o particípio, em ligação com aver ou teer, concorda muitas vezes com o complemento em acusativo em gênero e número, como em (42) Tenho vystos e ouvidos muitos exempros [LC, 212]7; (ii) quando o complemento acusativo precede o particípio passado, este último concorda em gênero e número com o respectivo complemento em acusativo, como em (43) “pecados que havemos feitos”8. Na Gramática Portuguesa Complementar (1876), Teófilo Braga considera que os tempos compostos com ter e haver exprimem uma ação já concluída. O autor aborda a questão da concordância da forma participial, em que o particípio pode ser tomado como adjetivo, concordando com o elemento a que se associa. Segundo ele, o particípio com ter pode apresentar concordância ou não, a depender do caso. No caso do tempo composto, o adjetivo pode permanecer invariável ou estar em dependência, concordando com o complemento. Confirmando as idéias anteriores, Said Ali (1957) referenda o fato de, no uso de ter e haver, a conjugação perifrástica indicar que havia um elemento ativo, representado por haver ou ter, e um elemento passivo, o particípio passivo. Nesse caso, o verbo ativo estaria relacionado ao sujeito da ação e a forma participial passiva relacionar-se-ia ao complemento verbal. Essa organização da estrutura demonstrava, portanto, a independência 7 8 Cf. Huber (1993: 282) Cf. Huber (1993: 282) - 35 - Almeida, E. S. das duas formas verbais, cada qual relacionada a um elemento específico: uma ao sujeito e outra ao objeto. O particípio latino indicava uma ação anterior. Com a formação do tempo composto, há a fusão semântica das duas formas verbais, ficando a ação subordinada a um mesmo agente. As diversas formas dos tempos compostos, quer no indicativo, quer no subjuntivo ou nas formas nominais possuem um mesmo traço semântico aspectual que as diferem das formas simples. Segundo o autor, no português arcaico, a escolha por ter ou haver, nas formas ativas dos tempos compostos, era aleatória, havendo restrição de uso quando o primeiro verbo mantinha sua significação concreta evidente, o que o impedia de se fundir semanticamente ao particípio para formar o tempo composto (44) “espada que o tinha cimta – espada que mantinha cindida”9. Para ele, ter também podia funcionar, em outros casos, como auxiliar do particípio passado. Mesmo assim, é possível encontrar, no português arcaico, a forma haver-auxiliar, que, segundo o autor, evidencia um uso erudito arcaico. Independente das formas da estrutura composta – se no indicativo, no subjuntivo ou no infinitivo - é comum a todas possuírem a categoria aspectual. Por isso, Said Ali propõe que se estabeleça uma diferenciação entre as construções das formas simples, a partir das noções de perfectivo e imperfectivo. Outros autores, como Cunha e Cintra (2003), em uma análise mais recente sobre o fenômeno, apontam que o conjunto auxiliar+principal forma uma locução em que o auxiliar contém as flexões e o verbo principal configura uma forma nominal de gerúndio, de particípio ou de infinitivo do verbo. Os autores destacam que não há confluência de 9 Cf. Said Ali (1957). - 36 - Almeida, E. S. opinião entre os gramáticos a respeito de quais formas constituiriam auxiliares na língua. Destacam, contudo, que os verbos ter e haver constituiriam os auxiliares por excelência. Os mesmos autores repetem a abordagem tradicional, segundo a qual os tempos compostos da voz ativa – auxiliar+particípio – serviriam para exprimir um fato acabado, repetido ou contínuo. Rocha Lima (1999) e Bechara (1999) admitem, também, que o verbo ter corresponde ao auxiliar prototípico para o tempo composto, sendo o haver menos freqüente. O auxiliar, na formação das estruturas compostas, contém apenas uma noção gramatical, apontando as marcas morfológicas de pessoa, número, tempo e modo. Mateus et alii (2003), assim como Rocha Lima, salientam que ter é o verbo auxiliar dos tempos compostos, ressaltando que haver, como auxiliar dos tempos compostos, deixou de fazer parte da linguagem coloquial. Na Gramática de usos do português, Moura Neves (2000), na seção em que delimita os verbos como predicados das orações, situa os verbos ter e haver entre os ditos verbos gerais, verbóides, que possuem o significado intrínseco esvaziado, os chamados verbos-suporte. Para ela, a seqüência ter/haver + particípio seria formada por um auxiliar aspectual de tempo, que pode indicar o início do evento, o desenvolvimento, o término, o resultado, a repetição, a consecução, a intensificação do evento ou a aquisição de estado. Percebe-se, então, que as gramáticas tradicionais tanto as mais antigas quanto as mais recentes classificam o particípio como uma das formas nominais do verbo, que, além do valor verbal, pode desempenhar a função de nome. Mesmo assim, a distinção entre o particípio com função verbal ou nominal é tratada de forma superficial. É claro que, no - 37 - Almeida, E. S. português atual, nos tempos compostos da voz ativa, o particípio manifesta o seu valor [+ verbo] e pode até, em alguns casos mais escassos, desempenhar um valor [+adjetivo]. - 38 - Almeida, E. S. 3. CATEGORIZAÇÃO DO FENÔMENO Para descrever o aparecimento das perífrases verbais, é necessário identificar (i) o que levou à perda do conteúdo semântico de posse nas construções participiais, fazendo com que ter e haver plenos passassem a auxiliares; e (ii) o que motivou a perda da concordância do SN com o respectivo complemento, fazendo, por sua vez, com que o adjetivo deverbal passasse a configurar o verbo predicador da sentença. Com o objetivo de melhor descrever a formação do tempo composto, antes de enveredar pelos pressupostos funcionais e sociais, propõe-se o enquadramento do fenômeno estudado dentro de uma determinada categoria gramatical. Baseando-se na proposta estruturalista de traços, será estabelecida uma série de propriedades formais, semânticas, discursivas e/ou pragmáticas, para que se possa discutir o que nos faz diferenciar, por exemplo, um verbo pleno de um verbo auxiliar e, ainda, um adjetivo de um verbo (particípio). Muito se tem discutido sobre a questão da diferenciação que se deva estabelecer entre um verbo pleno e um verbo auxiliar. Entretanto, não é tão claro delimitar quando o suposto verbo auxiliar perdeu o seu sentido original. Essas duas categorias são, geralmente, definidas em algumas gramáticas tradicionais como: ⇒ O verbo principal tem o ofício de predicado da oração10. ⇒ O conjunto formado de um verbo auxiliar com um verbo principal chama-se locução verbal11. 10 11 Said Ali (1957) Cunha e Cintra (2001) - 39 - Almeida, E. S. ⇒ O verbo auxiliar é o verbo que se combina com o chamado verbo principal, formando uma unidade semântica.12 ⇒ Muitas vezes o auxiliar empresta um matiz semântico ao verbo principal dando origem aos chamados aspectos do verbo13. No tratamento da auxiliaridade, a descrição apresentada é, quase sempre, insuficiente. A esse respeito, Costa (1975:12) afirma que os critérios são escassos e carecem de maior aprofundamento, uma vez que a definição da categoria auxiliar varia de autor para autor. Vieira (2004:67), ao abordar a questão da auxiliaridade nas perífrases verbais, destaca que a categorização sintática de um verbo tem que ser definida em virtude do enunciado em que ocorre. Logo, fica evidente que, para enquadrar um verbo em uma determinada categoria, se deve, primeiramente, levar em conta o contexto discursivo em que o verbo está inserido. Em geral, os auxiliares são definidos como a categoria que apresenta perda de significado, com conseqüente “esvaziamento semântico” e os verbos plenos como estruturas de significado completo, responsáveis pela predicação da sentença. Ressalta-se, porém, que nem todos os verbos que não são plenos sofrem perda total de significado, uma vez que, além das fronteiras pleno/principal e auxiliar, há os verbos semiauxiliares que se encontram no entremeio da escala de auxiliaridade, ou seja, no continuum intercategorial entre as categorias prototípicas. 12 13 (cf. entre outros Bechara, 1822; Cunha e Cintra, 1984; Bechara, 1999) Bechara (1968) - 40 - Almeida, E. S. Com base em Gonçalves & Costa (2002), estabelece-se um quadro de traços, mostrando algumas propriedades que nos fazem diferenciar a categoria dos verbos plenos da dos verbos auxiliares: PROPRIEDADES SINTÁTICAS, SEMÂNTICAS VERBO VERBO E/OU MORFOLÓGICAS PLENO AUXILIAR (+) (-) (-) (+) 3- Funcionam como núcleo do sintagma verbal (+) (-) 4- Seleciona a expressão que desempenha a função de (+) (-) 5- Responsável pela seleção semântica do sujeito (+) (-) 6- Estabelece o número de argumentos da predicação da (+) (-) 1- Apresentam significado lexical 2- Apresentam apenas significado gramatical/ instrumental no sistema lingüístico, especializando-se na marcação/indicação das categorias gramaticais do verbo: pessoa, número, tempo, modo, voz e aspecto sujeito, atribuindo-lhe papel semântico/ temático e impondo-lhe restrição de seleção semântica sentença Quadro 2- Diferenças entre um verbo pleno e auxiliar a partir do sistema formal de traços14 Ao observar esse sistema de traços, pode-se perceber que a distinção entre um verbo pleno e um verbo auxiliar se dá, sobretudo, a partir de propriedades sintáticas e semânticas. 14 Os valores (+) e (-) indicam, respectivamente, que há maior ou menor tendência de a propriedade ocorrer. - 41 - Almeida, E. S. Pode-se dizer que as duas categorias são excludentes, isto é, o traço [+] de uma acarreta o traço [-] da outra. A partir desse conjunto de traços, agrupam-se algumas propriedades que distinguem os verbos plenos dos auxiliares, na formação dos tempos compostos com ter e haver: VERBOS PLENOS • • VERBOS AUXILIARES Categoria que apresenta comportamento • Categoria gramatical que forma uma lexical, responsável pela predicação da unidade semântica, sintática e funcional sentença; com o verbo principal; Estruturam a sentença sintática e • semanticamente. Não podem, por si só, selecionar os constituintes sintáticos e semânticos da sentença. • Marca as categorias gramaticais de tempo, pessoa, número, voz e aspecto Quadro 3- Propriedades que distinguem um verbo pleno de um auxiliar Como já foi referido, além dessas duas grandes classes de verbos -- verbos auxiliares x verbos predicadores/plenos --, há os casos de semi-gramaticalidade, os semiauxiliares, que se localizam entre as categorias dos verbos predicadores e dos auxiliares. A auxiliaridade dos verbos dá-se, portanto, em uma escala, podendo ser definida em um continuum, assim distribuído: - 42 - Almeida, E. S. Verbos ............................................ Verbos.............................................Verbos principais (semi) auxiliares auxiliares Nesse caso, a auxiliaridade pode ser entendida como um processo gradual a que determinados verbos podem estar submetidos. Heine (1993) destaca que as formas auxiliares não constituem um ponto final, mas um ponto intermediário no contínuo que vai de verbo pleno a flexão (tempo, modo e aspecto), com é o caso do morfema de futuro no português, em que o verbo “haver” passa a configurar apenas um morfema (cantar hei > cantarei). Acredita-se que analisar a categoria a que pertencem os verbos ter e haver em construções participiais, em épocas posteriores da língua, constitua difícil tarefa, uma vez que esses dois verbos não podiam ser considerados auxiliares prototípicos. A auxiliarização, nessas construções, pode ser entendida, portanto, como um processo em que ter/haver, pertencentes a uma categoria lexical (verbo pleno) passam a uma categoria gramatical (verbo auxiliar). Em um verdadeiro complexo verbal perifrástico, há unidade semântica, sintática e funcional e, no português arcaico, as estruturas participiais podem ser divididas em dois grandes grupos: (a) prototípicas, aquelas que apresentam um maior grau de integração e significação única, e (b) não-prototípicas, aquelas que apresentam menor coesão e, ainda, possibilitam uma significação disjunta. - 43 - Almeida, E. S. Desse modo, as construções participiais com os verbos ter e haver, no português arcaico, não constituíam rigorosamente estruturas perifrásticas, por haver uma menor coesão na estrutura sintagmática, já que esses dois verbos possuíam uma certa flexibilidade de estruturação na sentença. Assim, a construção participial composta por ter/haver, seguida de um elemento participial, podia ter diferentes graus de integração, como se pode observar nas sentenças a seguir: (45) “pero era embargado por um gram penedo que nascia hi naturalmente e tiinha todo o logar coberto” [SG, 10, 23] (46) “E alguuas cousas tenho scriptas no livro que faço de ssaber” [LC, 21, 342] (47) “E porem, se teverdes dados ao Almyrante os dez mil cruzados que lhe tendes prometidos” [DJIII, 23] Na sentença (45), há uma menor coesão na estrutura sintagmática e, nesse caso, o verbo ter apresenta um valor de posse. Na sentença (46), verifica-se um maior grau de coesão, mas ainda não se pode dizer que ter e haver formem com o particípio uma única significação. Nessa sentença, pode-se ter as seguintes interpretações: (46) a) ‘Eu tenho algumas coisas que foram escritas por mim’. b) ‘Eu escrevi algumas coisas’. E, por fim, a estrutura com maior integração, na sentença (47), que, mesmo com dois verbos, é interpretada como um período simples, já que o particípio é o verbo predicador responsável por projetar o número de argumentos da predicação. - 44 - Almeida, E. S. A partir dos exemplos arrolados, é possível comprovar que as estruturas participiais possuem diferentes graus de integração/coesão que estão associados ao contexto em que ocorrem. Na sentença (45), há mais de um domínio predicativo, visto que o verbo ter não constitui uma unidade sintática com a forma participial que o segue. À proporção que o processo de mudança foi avançando, houve uma tendência a ocorrer uma maior integração nas construções participiais que passam a formar estruturas perifrásticas. 3.1 A Semi-Gramaticalidade (Semi-Auxiliaridade) de Ter/Haver no Português Arcaico Em uma análise tradicional, como se viu na seção 3, os verbos são classificados como plenos ou auxiliares. No entanto, a partir de uma análise funcionalista, em que as categorias não são vistas como discretas, a categoria dos auxiliares é considerada como um ponto do contínuo que vai do verbo pleno ao morfema flexional (ou até mesmo a zero). A partir da proposta apresentada em Vieira (2004), é possível estabelecer uma categorização escalar para os verbos que não se comportam nem como plenos, nem como auxiliares. Esta classe de verbos, segundo a autora, apresenta-se em distintos graus de gramaticalização, fenômeno que pode ser entendido como um processo essencialmente unidirecional, em que um item lexical/concreto torna-se gramatical/abstrato e, ainda, um item/elemento gramatical torna-se mais gramatical. A escala de auxiliaridade contempla, dessa forma, extensões de uso variadas: desde aquelas em que o sentido está mais próximo da categoria de Vauxiliar prototípico, até aquelas mais próximas da de Vpredicador. - 45 - Almeida, E. S. Através do estudo das construções participais com as formas verbais ter e haver, pôde-se elencar uma série de propriedades que as enquadram, no português arcaico, em uma outra categoria, diferente da dos membros típicos dos verbos auxiliares. O quadro a seguir discrimina algumas características dessa classe de verbos. Propriedades dos verbos semi-auxiliares 1. Apresentam variabilidade na forma participial 2. Limitam a natureza sintática do Vauxiliado (particípio) a uma estrutura transitiva direta 3. Podem assumir e até condensar em um mesmo contexto enunciativo mais de um significado distinto 4. O desgaste semântico não é verificado da mesma maneira. Apesar de os verbos possuírem um caráter instrumental, mantêm muitos traços de seu valor lexical. 5. O operador de negação pode incidir fora do domínio do Vpredicador Quadro 4- Propriedades dos verbos semi-auxiliares15 As propriedades abaixo discriminadas constituem parâmetros para comprovar que ter e haver, nas construções participiais, continham um caráter semi-auxiliar, uma categoria intermediária no contínuo de gramaticalização: • Variabilidade na forma participial No português arcaico, as formas participiais podiam variar em gênero e número, conforme se observa nos exemplos a seguir: 15 Baseado em Vieira (2004) - 46 - Almeida, E. S. (a) no feminino singular ⇒ (48) “no luguar omde assemtardes, pera detryminare os casos da carta de marqua que ele teem pasada em favor de Joam Ango contra os meus naturaes e vasallos” [DJIII, 17] (b) no feminino plural ⇒ (49) “E assi os homens boos daquela cidade colhian cada ano seu pan e seu vio e todalas outras cousas per que se mantiinhan que se tinham semeadas ou chantadas nos campos” [SG, 7, 83] (c) no masculino plural ⇒ (50) “conssirando os beens e mercees que do senhor deos tem recebidos, dandolhe algum conhecimentodel [LC, 15, 48] • Limitação da natureza sintática do V auxiliado a uma estrutura transitiva direta Enquanto a reanálise16 de ter e haver não havia ocorrido, os particípios possuíam natureza transitiva, concordando com traços gramaticais do SN. 16 O fenômeno da reanálise pode ser compreendido como a redução significativa de freqüência de um dado item, que passa a ser interpretado e representado de forma diferente. Por exemplo, uma dada construção muda uma estrutura S de uma dada época P para uma estrutura S’ # S na época P’. Veja: [[Tinha] [uma carta escrita]] > [[Tinha [uma carta esc rito]] > [[Tinha escrito] [uma carta]]. - 47 - Almeida, E. S. (51) “E sse o filhamos de nos por os malles que fazemos, ou avemos feitos” [LC, 23, 284] (52) “[as ditas pippas de uino que elles tinhao] arbitradas para cada hum ano” [CV, 6, 92, 210] • Possibilidade de assumir, em um mesmo contexto enunciativo, mais de um significado distinto Os verbos ter e haver, nessas contruções, a depender do contexto em que ocorrem, podem, ainda, apresentar significados distintos, a saber: (i) manter, conservar, guardar (ii) obter, receber, adquirir (53) “E assi podemos entender como viveu este San Paulo depois que o nosso Senhor chamou de fundo do inferno a que tinha ja sa alma obligada” [SG, 39,126] Interpretações: a)“ A alma de San Paulo era mantida no fundo do inferno” b) “A alma foi recebida do inferno” (54) “avendo scripta esta reparticom dos pecados suso declarada” [LC, 1, 273] - 48 - Almeida, E. S. Interpretações: a) “Conservando escrita repartição dos pecados” b) “Recebendo por escrito a repartição dos pecados” • Os verbos ter e haver mantêm muitos traços de seu valor lexical Até que o processo de gramaticalização chegue a seu término, verificam-se diferentes valores para os verbos ter e haver, uma vez que o desgaste semântico não ocorre da mesma maneira nas formas participiais compostas por esses dois verbos: 9 Valor de posse [+ material]: (55) “a presa que eles tinham tomada aos castelhanos” [DJIII, 17] 9 Valor de posse [abstrato]: (56) “E porende aqueles juizos que Deus ten ascondudos e non-nos ensinou ainda aos seus amigos” [SG, 38 ,69] 9 Valor de posse [intrínseco]: (57) “e [te]ere sas almas mais assessegadas” [LA, 18, 25] 9 Valor esvaziado semanticamente: (58) “foi dito que eles tinhao feito hua escritura de doação de huas terras na goaratiba” [CV, 3, 12, 200] 9 Valor existencial: (59) “E per esta façanha deves a entender, Pedro, que vingança do Senhor tomaria daquela alma cujo corpo non quis que ouuesse na igreja soterrado” [SG, 12, 234] Quadro 5- Valores assumidos por ter e haver nas construções participiais - 49 - Almeida, E. S. • O operador de negação pode incidir fora do domínio encaixado (60) “se dar a dita terra em agoa quem (sic) aproueitada não tiuer de sesmarias quem as pidirpara aproueitar” [CV, 7, 87, 287] Como se pode observar, todas essas propriedades atestam que, no português arcaico, ter e haver estão no entremeio da escala de auxiliaridade, não podendo ser considerados verbos auxiliares. 3.2 Flutuação no Particípio: formas [v+do] não verbais > formas [v+do] verbais A distinção entre as formas [V+do] não verbais e as formas [V+do] verbais sempre foi um ponto complicado para descrição do português. Classificar o particípio passado, nas construções participiais, quando ainda não constituíam o tempo composto, em uma determinada categoria é, portanto, um problema a ser resolvido, uma vez que se deve definir como ocorreu a passagem da forma participial (adjetivadora) para a verbal (predicadora). A categoria dos adjetivos, segundo Laroca (1994), ao contrário da dos substantivos que possuem o status do gênero de caráter lexical, teria status morfológico flexional. Enquanto o processo de gramaticalização do tempo composto não foi concluído, o particípio passado com valor adjetival podia caracterizar o complemento e ficava ao encargo de ter e haver a responsabilidade de estabelecer a predicação da sentença. Com a - 50 - Almeida, E. S. formação do tempo composto, o particípio passa a ordenar a predicação, selecionando os papéis temáticos do sujeito. No quadro a seguir, apresentam-se algumas propriedades que são comuns às formas [V+do] verbais e não-verbais e outras que nos fazem distingui-las: PROPRIEDADES SINTÁTICAS/ FORMA [V+do] não-verbal FORMA [V+do] verbal SEMÂNTICAS E (PARTICÍPIO PASSADO (PARTICÍPIO PASSADO MORFOLÓGICAS ADJETIVADOR DO QUE PREDICA A COMPLEMENTO) SENTENÇA) (+) (-) (-) (-) papel (-) (+) sintaticamente (-) (+) 5- Recebe flexão de pessoa (-) (-) 6- Derivação (+) (-) 7- Possui função atributiva (+) (-) 1- Recebem flexão gênero e número 2- Presença de flexão de tempo/modo 3- Atribui caso e temático ao sujeito 4- Funciona como predicador Recebem (sufixos) (qualificativa) Quadro 6- Diferenças entre o particípio passado adjetivador e o predicador a partir do sistema formal de traços - 51 - Almeida, E. S. A partir desse sistema de traços, pode-se agrupar semelhanças e diferenças entre o particípio passado adjetivador (adjetivo deverbal) e o particípio passado predicador, que colaboraram para a formação do tempo composto: Propriedades morfológicas • • PARTICÍPIO PASSADO PARTICÍPIO PASSADO ADJETIVADOR PREDICADOR Recebia flexão de gênero • Apresenta o resultado de e número um processo verbal o • Mesmo sendo um verbo, é, não Caracterizava complemento, funcionava adjetivo, isto como com um valor se flexiona em pessoa, número, tempo modo atributivo Propriedades sintático- • semânticas • Concordava com o SN- • Seleciona complemento temático do sujeito Tinha liberdade o de estruturação na sentença • Funciona predicativo como do SN- complemento direto Quadro 7- Propriedades que distinguem o PP-adjetivador e PP-predicador - 52 - papel Almeida, E. S. 3.3 Fatores Favorecedores para a Mudança Categorial na Formação do Tempo Composto O fato de os verbos ter e haver ocorrerem em construções com a forma [V+do], apresentando natureza transitiva, favorece à interpretação verbal do particípio, uma vez que se exige um complemento agentivo. (61) “E sse o filhamos de nos por os malles que fazemos, ou avemos feitos, seja filhado com temperança, por nom cairmos em continuada tristeza” [LC, 24, 15] (62) “se homem pode logo aver aprestiados logares e campanhas” [SG, 55, 53] No entanto, há casos em que, mesmo com verbo transitivo, pode haver uma interpretação [+estativa], com o particípio denotando uma característica intrínseca do núcleo, podendo até sofrer gradação, propriedades de um adjetivo. (63) “teedo as maos alçadas e o manto tendudo” [SG, 12, 31] Na formação das perífrases verbais, as formas participiais, originalmente, denotavam o estado final do processo , o resultado, como em (64) “Todo aldeano que casa ouuere en uila, seia uizino, sea touer poblada com sua moller” [FCR, 16, 34] . Com o processo de mudança, essas formas passaram a significar a ação desenrolada no tempo passado, como em (65) “e [tinhao] retificado a dita escritura” [CV, 3, 15, 200]. Isso explica porque os particípios, nas formas compostas, tem um comportamento mais verbal, ou seja, são [- estativos] e [+ verbos]. - 53 - Almeida, E. S. 4. PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS Neste trabalho, procurou-se vincular a abordagem teórica do funcionalisno à prática da análise sociolingüística. A junção dessas duas abordagens foi baseada, fundamentalmente, na seleção de contribuições confluentes oferecidas pelas duas teorias, rejeitando-se a idéia de que cada campo investigativo apresente limites bem definidos e estruturados. Acredita-se que será necessário reconhecer, para identificar o que motivou a formação do tempo composto nas construções participais com ter e haver, não só os fatores de natureza discursivo-pragmática, mas também os de ordem sintático-lexical que atuaram, no português arcaico, para a alteração categorial de ter e haver plenos para auxiliares e, ainda, da forma [V+do] não-verbal para uma forma verbal. 4.1 O Funcionalismo e a Hipótese da Gramaticalização A língua pode ser concebida de diferentes maneiras, a depender do pensamento lingüístico que a norteia. Em linhas gerais, pode-se dizer que há duas correntes de pensamento lingüístico, polarizadas, que concebem a língua a partir de duas perspectivas: a Formalista e a Funcionalista. A corrente formalista, representada basicamente pela lingüística estruturalista e gerativista, caracteriza a língua como um sistema formal particular e autônomo que independe do contexto de uso. A investigação lingüística, dentro do arcabouço teórico formal, atém-se apenas ao estudo da forma, da estrutura gramatical, uma vez que se busca saber quais são os mecanismos formais básicos que regem a língua na mente do falante. - 54 - Almeida, E. S. Dentro do quadro teórico funcional, por outro lado, encontram-se modelos muito distintos, o que dificulta sua caracterização. No entanto, mesmo havendo uma distinção entre as proposições funcionais, pode-se verificar uma série de similaridades que nos permite definir a teoria funcionalista. O funcionalismo lingüístico, independente do modelo, busca descrever os fatos da língua a partir do contexto discursivo, ou seja, no uso interativo da língua, por isso a linguagem é tratada como um fenômeno mental e, primariamente, social. Neste caso, a linguagem é vista como um mecanismo fundamental para a interação social, já que se pretende verificar o modo como os usuários da língua obtêm a comunicação. Givón (1995), em Funcionalismo e linguagem, ressalta a função não-autonôma, dependente da língua, ao afirmar que a gramática não pode ser entendida sem referência a parâmetros, como cognição e comunicação, processamento mental, interação social e cultura, mudança e variação, aquisição e evolução. Vê-se, assim, que os usos, segundo a hipótese funcionalista, é que são responsáveis pela estruturação do sistema lingüístico. Estudar um fenômeno lingüístico, na concepção funcionalista, significa não só tratar da “forma”, dos esquemas básicos de uma língua, como fazem os Formalistas, mas, sobretudo, da função; ou melhor, a relação função-forma, correlacionada aos fatores sociais, comunicativos/pragmáticos e/ou cognitivos em um dado período de tempo. Dessa maneira, a análise da estrutura gramatical deve estar atrelada ao uso que se faz da língua: os domínios sintáticos, semânticos e pragmáticos são interdependentes no tratamento das formas lingüísticas estudadas. Tem-se, na perspectiva funcional, além da análise da estrutura gramatical, o exame da situação comunicativa, ou seja, a função que a forma lingüística desempenha no ato lingüístico tem um papel preponderante. A concepção da língua funcional reconhece, - 55 - Almeida, E. S. portanto, que, no sistema lingüístico, a relação entre estrutura e função é insólita, visto que há uma dinamicidade contínua no desenvolvimento da linguagem. Se há dois elementos em uso, não se pode considerar que haja duas estruturas de mesmo valor, já que essas duas opções, de que o falante dispõe, possuem funções diferentes. O falante, de maneira consciente ou não, faz suas escolhas a depender de sua intenção comunicativa. Assim, o que leva um falante à escolha por uma forma X ou Y deve-se, sobretudo, a determinadas propriedades discursivas que há em um contexto específico de comunicação. Por ser a língua um sistema de comunicação entre os indivíduos de uma dada sociedade, é suscetível a mudanças. Logo, é incorreto pensar que temos um único sistema de realização na língua. Por exemplo, a variação da construção participial - ora com o valor semântico de posse e ora com o valor semântico esvaziado – levou a uma mudança no sistema de realização lingüística do português. Percebe-se, pois, que a gramática de uma língua não pode ser autônoma, mas sim dependente do discurso, uma vez que é a partir dele que ocorre a mudança. A gramática é, neste caso, estruturada a partir das pressões de caráter cognitivo -- em que se verifica como o homem interpreta e organiza mentalmente as informações -- e das pressões decorrentes do uso, da constante mudança e criatividade de que o falante dispõe. A partir dessas pressões, a gramática da língua sofre variações que podem até constituir processos de mudanças, explicados no modelo da gramaticalização – em que formas lexicais passam a desempenhar funções gramaticais ou itens gramaticais passam a desempenhar funções ainda mais gramaticais. Nesse contexto, os estudos diacrônicos servem para mostrar como as mudanças ocorrem ao longo do tempo com uma possível escala de linearidade. A esse respeito, Givón propõe uma trajetória para a evolução cíclica da língua, tendo como ponto inicial e final o - 56 - Almeida, E. S. discurso. Segundo o autor, há fases pelas quais um fenômeno lingüístico pode passar no processo de gramaticalização. A princípio, a forma lingüística é produzida eventualmente, revelando um efeito pragmático-discursivo. A partir daí, esse elemento pode sofrer mudanças morfológicas e/ou morfofonológicas. Vê-se que, neste ciclo, a mudança apresenta uma possível linearidade, em que um novo valor surge a partir de um valor anterior. Vale ressaltar, entretanto, que os elementos não necessariamente precisam passar por todos esses estágios para que se evidencie um processo de gramaticalização. O elemento já gramaticalizado pode, ainda, sofrer um processo de desgaste, o que faz com que não haja mais restrições de seleção e o item retorne ao discurso. Em outras palavras, verifica-se que, na escala do tempo, os elementos discursivo-pragmáticos maleáveis, paratáticos tornam-se estruturas rígidas, subordinadas, gramaticalizadas, as quais podem apresentar tanto ganhos como perdas comunicativas. 4.1.1 Sobre a Noção de Gramaticalização A gramaticalização tem sido amplamente estudada pela lingüística funcionalista norte-americana na busca de explicar o surgimento de elementos gramaticais através do tempo. Por isso, o paradigma da gramaticalização descreve como as formas e construções gramaticais emergem e se estruturam no uso da língua. A gramaticalização é definida, em linhas gerais, por muitos como um processo essencialmente unidirecional, ou seja, o modo como, em contextos específicos, um item lexical/concreto torna-se gramatical/abstrato e, ainda, como um item/elemento gramatical torna-se mais gramatical. Para compreender essa noção, é necessário, antes de tudo, distinguir as categorias lexicais, que possuem as projeções de núcleo com conteúdo lexical, das não-lexicais ou gramaticais, que são projeções de traços gramatical sem conteúdo lexical. Em geral, os - 57 - Almeida, E. S. fenômenos gramaticalizados perdem o sentido original da forma e passam a receber novos sentidos, o que não impede que as duas formas – a gramaticalizada e a não gramaticalizada – coexistam na língua. Para que ocorra a gramaticalização, é necessário, portanto, que os itens lingüísticos estejam em contextos pragmáticos e morfossintáticos específicos que propiciem o acontecimento do fenômeno. Pode-se dizer que um fenômeno é gramaticalizável quando passa a ocorrer de forma previsível e estável no sistema lingüístico, saindo do discurso e passando a configurar a gramática (Cunha, Oliveira, Martellota, 2003). A passagem dos verbos ter e haver plenos para auxiliares é entendida como um processo de gramaticalização. Vários estudos têm sido realizados sobre esses dois verbos, contudo, nenhum deles aprofundou-se no estudo do presente tema. Para que o estudo tenha como base de apoio essa teoria, expõe-se, primeiramente, o que se entende por gramaticalização, a partir de diferentes teóricos funcionalistas, para que se possa compreender as razões do processo e aplicá-los, então, ao presente objeto de estudo. É importante ressaltar que, para a análise da presença e/ou ausência de concordância do particípio com o complemento, a gramaticalização é tomada no sentido lato, uma vez que se busca explicar de que modo foi processada a fixação da estrutura participial. Nesse sentido, há uma preocupação em descrever as mudanças que se dão no interior da gramática, sejam sintáticas e/ou discursivas. A partir de uma perspectiva histórica, a gramaticalização vai tratar das origens das formas gramaticais, ao contrário do que ocorre na perspectiva sincrônica, em que se estuda um fenômeno pragmático-discursivo através do uso corrente. - 58 - Almeida, E. S. No português arcaico, ter e haver, mesmo em construções participiais, podiam configurar itens lexicais plenos, com sentido de posse, sendo usados em estruturas em que funcionavam como predicadores da sentença em construções do tipo (66) “Aquelas coisas que tem aparelhadas” (Cf. Mattos e Silva, 1997). Com o processo de gramaticalização, eventualmente, ter e haver passam, sobretudo quando o complemento está no masculino singular, a forma [-marcada], a não mais predicar a sentença, passando ao encargo dos até então “adjetivos” deverbais a responsabilidade de predicação da sentença, funcionando como verbos (67)“Aquelo que ordihado tiinha” (Cf. Mattos e Silva, 1997). A distinção entre os verbos plenos/auxiliares de ter e haver deve-se, sobretudo, à reanálise diacrônica dessas formas, com perda das propriedades léxico-semânticas das formas-fonte. Segundo Naro e Braga (2000), para que ter e haver pudessem ser reanalisados como verbos auxiliares, seria preciso que, nos estágios iniciais do processo de mudança, as duas formas -- com concordância ou não -- tivessem tido a mesma significação, condição fundamental à reanálise da estrutura. Nesse caso, o adjetivo, que era o complemento de ter e haver, deixou de ser entendido como tal e passou a ser percebido como um verbo, perdendo o seu sentido original. O ‘falante’, então, re-analisa os verbos ter e haver apenas como auxiliares aspectuais, que reportam às nuances dos aspectos perfectivo e imperfectivo. A reanálise explica, assim, a reorganização do enunciado, reinterpretando-o. Como já se viu na seção 3.1, ter e haver auxiliares são apenas um ponto no contínuo que vai do verbo pleno à flexão. - 59 - Almeida, E. S. 4.1.2. Etapas e Princípios do Processo de Gramaticalização Sabe-se que, no que diz respeito à caracterização do fenômeno, não há uma posição comum entre os lingüistas. Explicitam-se aqui as idéias de alguns autores que estudam ou estudaram o fenômeno. A primeira definição de gramaticalização foi dada por Meillet (1912, apud Castilho, 1997:10) que caracterizou o fenômeno como a atribuição de um caráter gramatical a uma palavra previamente autônoma. Em suas investigações filológicas, o autor enfatiza o aspecto geral em praticamente todos os processos de mudança. A mudança dos itens lingüísticos, segundo Lehmann (1985), será gradual e não abrupta. Segundo o autor, a gramaticalização obedeceria a uma escala gradual. Quanto mais livre é um signo, mais autônomo. O fenômeno da gramaticalização seria caracterizado, portanto, pela perda progressiva de autonomia de um determinado signo lingüístico. Assim, a gramaticalização corresponderia a uma mudança de um signo lingüístico na direção da perda de autonomia dentro de uma escala. Lehmann, assim como Heine (1991), defende que há uma continuidade tipológica no processo de gramaticalização, ou seja, quando um elemento A é recrutado para ser gramaticalizado, deixa de satisfazer sua função formal e é acompanhado por uma nova forma, um elemento lexical B, que passa a preencher as necessidades comunicativas que deixaram de ser realizadas por A. O autor propõe que o fenômeno da gramaticalização seja baseado em graus de autonomia e parâmetros dos signos, mostrando que há diferentes graus de gramaticalização, indo da mais fraca até a mais forte. Fica evidente, assim, que a gramaticalização não é idêntica para todos os fenômenos. Hopper (1991), ao caracterizar o fenômeno da gramaticalização, apresenta algumas noções básicas para a concepção de gramática. Segundo ele, a gramática de uma dada - 60 - Almeida, E. S. língua não está pronta, mas é emergente, isto é, emerge a partir do discurso, da produtividade dos falantes. A visão de gramática emergente de Hopper é um pouco extremista, uma vez que se considera que a construção da gramática dá-se apenas pelo discurso, e o aparecimento de novos itens gramaticais não obedece a determinadas “leis” da língua, dependendo apenas da criatividade do falante. Segundo o autor, o caminho da gramaticalização é regulado por cinco princípios: (a) estratificação (b) divergência (c) especialização (d) persistência (e) de-categorização O primeiro princípio também conhecido como layering ou estratificação foi assim definido: “Dentro de um amplo domínio funcional, novas camadas emergem continuamente. Quando isto acontece, as camadas mais antigas não são necessariamente descartadas, mas podem continuar a coexistir e interagir com as camadas mais novas” (Hopper, 1991:23). Segundo este princípio, percebe-se que no momento em que um novo item gramatical surge na língua acaba convivendo com as formas/camadas antigas. Essa coocorrência pode permanecer, mesmo que o processo de gramaticalização já esteja concluído. Logo, é possível afirmar que a forma lexical não, necessariamente, desaparece quando se gramaticaliza. No português arcaico, é possível perceber estruturas participiais em que ter e haver funcionam apenas como auxiliares, como no exemplo (68) “eu tenho aceytado seu oferecimento” [DJIII, 30,10], e casos em que são responsáveis pela - 61 - Almeida, E. S. estruturação da sentença (69), como em “pero hus ne os outros não ouverao tam continuadas pellejas” [CDP, 164, 9]. Na divergência, a forma em processo de gramaticalização, ao tornar-se um elemento mais gramatical, pode conviver com a forma lexical original, uma vez que ainda pode permanecer como elemento lexical autônomo, sofrendo as mesmas mudanças de qualquer item lexical. Esse princípio faz com que haja múltiplas formas, que apresentam a mesma origem etimológica, divergindo funcionalmente. Os verbos ter e haver gramaticalizaram-se como auxiliares em construções perifrásticas - (70) “Tem doado e doam a dita Hermida [CV 3,25, 201]-, mas até hoje, há vários contextos para esses dois verbos, a saber, posse, existenciais, modais e os chamados verbos funcionais. Enquanto a estratificação envolve diferentes estágios de gramaticalização, em domínios funcionais similares, com itens lexicais completamente distintos, a divergência envolve casos em que uma forma é submetida ao processo de gramaticalização e o mesmo item lexical autônomo não é recrutado para o processo de gramaticalização. Hopper ressalta, também, que nem sempre é possível fazer distinção entre os princípios de layering e divergência, já que múltiplas divergências podem ocasionar várias camadas (“layers”). O princípio da especialização trabalha mais com a questão semântica do item gramaticalizado. Com o processo de gramaticalização, há um estreitamento das possibilidades de interpretação semântica, havendo, por conseguinte, o estreitamento da variedade de escolhas e uma diminuição do número de formas selecionadas que admitem significados mais gramaticais. Por exemplo, as construções participiais com ter e haver ocorrem, preferencialmente, com ter, mesmo no português arcaico. No princípio da persistência, percebe-se que, quando um determinado item lexical passa a ter uma função mais gramatical, alguns traços/vestígios do seu significado original - 62 - Almeida, E. S. tendem a restringir seu comportamento e sua distribuição gramatical. Com isso, detalhes de sua história lexical podem estar refletidos em restrições de sua distribuição gramatical. Ter e haver como formas gramaticais de tempo composto ainda mantêm seu traço lexical aspectual e, mesmo não predicando a sentença, apresentam, no português arcaico, o traço de concordância com o complemento a que se referem (71) “E por seerem alguas cousas sobre si ha scriptas” [LC, 19, 2]. E, por fim, a de-categorização, que pode ser compreendida como a perda ou a neutralização de propriedades -- marcas morfológicas e características sintáticas -- das categorias originais, ou seja, a forma gramaticalizada perde característica da classe a que pertence e adquire características de categorias secundárias. Neste caso, as categorias plenas como Nomes e Verbos podem assumir atributos característicos de categorias secundárias como adjetivos, particípios, preposições, etc. Dessa forma, o processo de gramaticalização pode envolver a perda de marcas opcionais, ocasionando também a perda de autonomia discursiva. Os verbos ter e haver migram da categoria gramatical de verbos plenos para a de verbos auxiliares na formação de perífrases verbais e o sintagma nominal que funcionava como atributo (adjetivo) do complemento de ter e haver passa a desempenhar a função de verbo predicador, predicando a sentença. O dado revela tal propriedade (72) “porquanto temos dezistido das casas e da administração desta capela” [CV, 4, 114, 205]. Hopper e Traugott (1993) ampliam o conceito de gramaticalização ao defini-lo como o processo pelo qual não só lexemas, mas também construções passam a ter, em contextos lingüísticos específicos, funções gramaticais. Essa nova definição, abarca, também, uma nova concepção do que se convenciona denominar gramática. A gramática compreenderia então a - 63 - Almeida, E. S. “Junção dos aspectos comunicativos e cognitivos da língua envolve tanto fonologia como morfossintaxe e semântica, sendo complexa o bastante para permitir a interação entre as habilidades cognitivas, como as envolvidas durante o processo de interação verbal entre o emissor e o receptor” (Hopper e Traugott, 1993:625) . A partir dessa nova concepção, o conceito de gramaticalização é estendido e passa a englobar o efeito semântico-pragmático, ou seja, o contexto de uso na interação verbal. Assim, o contexto discursivo é o responsável pela produção de novos usos da língua. Percebe-se, portanto, que é necessário analisar o contexto discursivo das formas. Por isso é que, na análise da formação do tempo composto, é necessário analisar quais os processos semânticos que favorecem ou não a concordância dos verbos. Dentro dessa visão, o lexema original, que era concreto, enfraquece-se ou generaliza-se semanticamente, ganhando sentidos mais abstratos e valores pragmáticos. Com isso, admitem-se não só a idéia do enfraquecimento semântico do elemento em vias de gramaticalização, mas sobretudo o efeito pragmático do discurso. Castilho (1997) reforça a idéia da importância do discurso nos processos de gramaticalização propostos por Traugott e Hopper (1992). O autor acredita que o léxico já dispõe de propriedades gramaticais, semânticas e discursivas. Sendo assim, o léxico não pode ser entendido como uma “tábua-rasa”, pois os itens por mais lexicais que sejam já estão marcados por essas propriedades. Assim, pode-se dizer que o percurso da gramaticalização é definido a partir de mecanismos que estão inter-relacionados: (i) Dessemantização, conhecida como bleaching - 64 - Almeida, E. S. ou desbotamento semântico; (ii) Extensão ou generalização de contextos - o item lingüístico passa a ser usado em novos contextos; (iii) Decategorização, ocorre a perda de propriedades características das formas fonte, incluindo perda de status de forma independente (clitização, afixação); e (iv) Erosão ou redução fonética, ou seja, ocorre a perda de substância fonética. Esses mecanismos envolvem tanto perda de propriedades, como em (i, ii e iv) quanto ganhos com o uso em novos contextos, como em (iii). Vale lembrar que a alteração de sentido denominada por Heine (1991) como dessemantização é, de certa forma, bastante “taxativa”, uma vez que as formas gramaticalizadas não perdem completamente o sentido original, ou seja, não há o “esvaziamento” semântico total das formas antigas. Bybee (2003) complementa as idéias anteriores e afirma que a freqüência é um fator primário no processo da gramaticalização, uma força que impulsiona a mudança de formas lexicais para gramaticais. Para a autora, a gramaticalização ocorre em um contexto de construção, em que a repetição torna automáticas as seqüências de processamento, ou seja, as pessoas de tanto repetirem reinterpretam a construção como uma única unidade. Segundo ela, há dois métodos para controlar a freqüência: um deles é a freqüência de ocorrência da unidade, em que se analisa quantas vezes aparece uma determinada forma em um texto; a outra maneira de se controlar a freqüência é através da identificação das estruturas que aparecem acopladas às formas estudadas. Essa freqüência é denominada freqüência de tipo. No caso das construções participiais, podemos verificar que itens verbais aparecem com os verbos ter e haver, os tipos de verbos que aparecem nas estruturas que apresentam flexão do particípio com complemento, os tipos de verbos que aparecem nas estruturas que não apresentam flexão do particípio complemento, como será visto na seção 5.3. - 65 - Almeida, E. S. 4.2 A Sociolingüística Variacionista (...) a língua e a sociedade são duas realidades que se inter-relacionam de tal modo, que é impossível conceber-se a existência de uma sem a outra. (Monteiro, 2000:13) A linguagem humana é, essencialmente, regida pelas normas dos padrões sociais, o que nos permite conceber que há uma relação íntima entre língua e sociedade. Como fator eminentemente social, o sistema lingüístico segue as evoluções presentes dentro de uma determinada comunidade. Em função disso, pode-se considerar que a língua, de certa maneira, estará sempre deixando transparecer as mudanças nos padrões de comportamento de uma sociedade em um dado período de tempo. (Visto na seção 4.1) A partir da concepção baseada no condicionamento social da língua, fica evidente que a linguagem não pode ser concebida como um sistema fechado de possibilidades, uma vez que são as pressões do contexto social que impulsionam certas características e/ou estratégias lingüísticas utilizadas pelos falantes. Nesse caso, a variação é inerente à própria natureza da linguagem humana e, para compreendê-la, é necessário considerar que a língua está em contínuo processo de transformação. A dinamicidade das línguas explica, dentre outros aspectos, a heterogeneidade intrínseca aos fenômenos lingüísticos, que é condicionada não só por motivações internas fatores lingüísticos ou estruturais-, mas também por motivações externas - fatores extralingüísticos ou sociais. A identificação das pressões sociais é, dessa forma, um fator primordial para compreender as mudanças das línguas em geral. - 66 - Almeida, E. S. Tendo em vista a heterogeneidade dos fenômenos lingüísticos, Weinreich, Labov e Herzog (1968) formularam um modelo capaz de contemplar a influência dos fatores sociais nos estudos lingüísticos, apresentando os fundamentos da chamada teoria da variação lingüística. A base desta teoria é a vinculação existente entre fatos lingüísticos e sociais, observando os processos pelos quais ocorrem a variação na língua, que podem acarretar -ou não-- mudança. Para os autores, a variação é uma característica inerente às línguas em geral, devendo ser analisada, fundamentalmente, pelos estudiosos que se propõem a descrever os fenômenos lingüísticos. Os princípios de mudança formulados pelos autores estão previstos em cinco etapas: (i) constraints problem, que trata das condições que restringem a mudança lingüística; (ii) transition problem, correspondente à compreensão dos estágios perpassados pela língua em processo de mudança; (iii) embedding problem, questão do encaixamento, relacionado à apreensão da mudança baseada nas variáveis lingüística e extralingüística; (iv) evaluation problem, apreciação que o falante produz acerca da mudança lingüística; e (v) actuation problem, entendimento do porquê da implementação da mudança em um determinado tempo e lugar. Dentro do arcabouço teórico postulado por William Labov et alii (1972/1994), é necessário considerar a freqüência de um determinado uso lingüístico em relação aos condicionamentos lingüísticos e extralingüísticos que motivam a escolha por uma ou outra forma. Assim, na perspectiva da sociolingüística laboviana, a realização de uma - 67 - Almeida, E. S. determinada forma lingüística é variável, ocorrendo como um particípio passado adjetivador do complemento ou como um particípio verbal, predicador da sentença. O estudo variacionista parte, obrigatoriamente, da seleção da variável dependente, que corresponde ao ponto central, ao objeto de análise, e das variáveis independentes, que são supostas como relacionadas à variável dependente, a partir de intuições e observações assistemáticas do pesquisador. É importante destacar que, no decorrer da pesquisa variacionista quantitativa, algumas variáveis independentes podem ser descartadas ou adicionadas, a depender dos resultados estatísticos obtidos. A partir de uma análise qualitativa dos dados, formulam-se hipóteses que são testadas com base no modelo sociolingüístico quantitativo laboviano. Os resultados numéricos permitem ao pesquisador uma análise mais refinada, confirmando ou infirmando suas hipóteses iniciais. Na análise qualitativa, levaram-se em conta os pressupostos funcionalistas de base americana, mais especificamente, o modelo denominado de gramaticalização. (Visto na seção 4.1.) Para implementação da análise, fazem-se um levantamento e quantificação das construções participiais presentes nos corpora analisados, para que se possa, então, discutir o processo de mudança que teria levado à emergência do tempo composto com os verbos ter e haver. A fim de descrever os estágios dessa mudança, o percurso percorrido por uma forma de base adjetival para verbal (transition problem, para Weinreich et alii 1968), seria necessário estabelecer uma relação com os processos funcionais, propostos por diferentes autores, a saber Hopper (1991), Lehmann (1985), dentre outros (já referidos na seção anterior 4.1.2). Com o objetivo de obter uma análise estatística sobre o comportamento dos verbos ter e haver em construções participiais, no decorrer dos séculos, utilizou-se o pacote de - 68 - Almeida, E. S. Programas VARBRUL (Pintzuk, 1988), a fim de depreender os percentuais/pesos relativos das variáveis independentes em relação à variável dependente – que, no caso do foco, é a presença x ausência da flexão, isto é, concordância do particípio com o complemento. Este programa tem a função de definir os ambientes que favorecem ou não a aplicação do uso de uma ou outra variante em um contexto específico. Percebe-se, assim, que esta escolha não é aleatória, mas é motivada por um conjunto de regras variáveis (Naro, 1992), razão pela qual o pesquisador deve selecionar elementos de natureza lingüística e extralingüística que estariam relacionados ao uso de uma determinada variante. Vale ressaltar que, em um estudo de base diacrônica, obviamente, não se tem por objetivo mensurar o uso dos falantes, mas interpretar os dados fornecidos pelos documentos, os chamados informantes históricos, segundo Mattos e Silva (1997b). É claro que não se pode deixar de considerar que as análises que se debruçam sobre dados históricos apresentam um grau maior de dificuldade. A esse respeito, Labov (1994) afirma que a mudança lingüística em documentos históricos não pode ser observada tomando por base a relação forma-significado, já que não se pode contactar os falantes, pois o informante lingüístico é um documento escrito que resistiu ao tempo. Neste caso, as conclusões a que chega o pesquisador são indicações relativas de um uso fixado na escrita. É importante salientar que, em um estudo histórico, não é possível estabelecer alguns fatores extralingüísticos -- como distribuição por faixa etária, gênero, região -- que podem ser determinantes para a mudança lingüística. A pesquisa histórica, nesse caso, serve para documentar os dados ocorridos no passado e que, de certa forma, podem explicar os dados lingüísticos do presente. A esse respeito Labov referenda que, mesmo que os dados passados não sejam idênticos ao do presente, é possível tentar verificar a diferença - 69 - Almeida, E. S. entre o passado e o presente em estudos de tempo real17 de longa ou de curta duração, estabelecendo uma comparação com os dados atuais. 4.3 Os Corpora Utilizaram-se, neste estudo, textos diversificados, desde o século XIII até o XVII, do banco informatizado de textos do Programa Prohpor18, além de outros que fazem parte do acervo do Projeto Para uma história do português brasileiro (PHPB-RJ) e, ainda, outras edições disponíveis em nossa Biblioteca. A observação desse percurso histórico, deu-se, sobretudo, pelo tipo de fenômeno estudado, uma vez que é necessário observar a formação do tempo composto no eixo diacrônico. Os corpora que compõem a pesquisa são: a) A Linguagem dos Foros de Castelo Rodrigo, pertencente ao século XIII, que são documentos lavrados na época leonesa na vila de Castelo Rodrigo e, em outras localidades circunvizinhas, no tempo de Afonso IX. Este documento faz parte do Arquivo Nacional da Torre do Tombo e foi editado por Luis f. Lindley Cintra em 1959. b) O Livro das Aves, um manuscrito português antigo, mais especificamente do século XIV, foi reeditado e publicado por N. Rossi et alii. 17 O estudo de tempo real de longa duração trata da mudança lingüística no decorrer do tempo, numa perspectiva histórica stricto sensu. Já o estudo de tempo real de curta duração observa a mudança lingüística em dois momentos discretos de tempo. 18 O Projeto Prohpor integra o Programa Para a História da língua Portuguesa, coordenado pela Professora Rosa Virgínea Mattos e Silva. Os textos foram cedidos gentilmente por Américo Venâncio Lopes Machado Filho, um dos responsáveis pelo processo de digitação e arquivamento dos textos. - 70 - Almeida, E. S. c) Os Quatro Livros dos Diálogos de São Gregório, um documento dos século XIV, que foram editados por Rosa Virgínia Mattos e Silva em sua Tese de Doutoramento em 1971. As obras de São Gregório são consideradas didáticas por serem frutos do trabalho religioso que ele desenvolveu junto ao povo: as exortações dirigidas têm caráter social, disciplinar e moral e vão descrever as histórias extraordinárias, os fatos sobrenaturais e maravilhosos. d) Os textos Vida de Santa Pelágia, Morte de São Jerônimo e Vida de Tarsis são manuscritos alcobacenses do século XV. Os textos foram editados por Ivo Castro in Vidas de santos de um manuscrito alcobacense, na Separata Revista Lusitana (Nova série), 1984-1985 (1º) e 1982-1983 (2º e 3º). e) A Carta de Pero Vaz de Caminha, de 1º de maio de 1500, primeiro documento escrito no Brasil, de caráter semi-oficial epistolar. A edição utilizada, no estudo, constitui a reprodução fac-similar do manuscrito com leitura justalinear de Antonio Geraldo da Cunha, César Nardelli Cambraia e Heitor Megale, publicada em 1999 pela Humanitas. f) O Leal Conselheiro, volume em que Dom Duarte reúne, no século XV, a maior parte de seus escritos dispersos, pouco antes de seu falecimento. O texto constitui uma miscelânea de considerações de ordem moral e prática, redigida em épocas variadas pelo autor. A obra corresponde, de um modo geral, a traduções de trechos de obras alheias e não foram feitos por D. Duarte. Prova disto é que o autor quase sempre emprega a expressão mandei ou fiz tralladar. - 71 - Almeida, E. S. g) A Crônica de D Pedro, de Fernão Lopes, documento pertencente ao século XV. h) A Gramática de João de Barros, do século XVI, que corresponde à primeira gramática com intenção pedagógica e prescritiva da língua portuguesa. Vale ressaltar que João de Barros, naquela época, era considerado um representante do uso culto da corte de D. João III, do português quinhentista. A gramática da língua portuguesa de João de Barros é composta por um parte descritiva e por dois Diálogos: o Diálogo da Viçiosa Vergonha e o Diálogo em Louvvor da Nóssa Lingvágem. i) As Cartas de D. João III, de 1521 a 1557, rei de Portugal, editadas por J. D.M. Ford, na Universidade de Harvard, Cambridge em 1931. O material foi traduzido para o português e é composto por 372 cartas das quais foram utilizadas apenas 69 para este trabalho. As cartas foram escritas por diferentes copistas a mando do Rei para diferentes destinatários. j) Os Documentos Notariais do Convento do Carmo compostos pelo Livro do Tomo do Convento de Nossa Senhora de Monte do Carmo/RJ e pelo corpus de controle, os arquivos do Santo Oficio da Inquisição em Portugal referentes ao século XVII. Os traslados do Carmo/RJ são documentos não-literários, classificados por Barbosa (1999) como documentação de circulação oficial. Os traslados utilizados foram transcritos para os Anais da Biblioteca Nacional, 57, 1939 (Anais, BN-57), sob a direção de Rodolfo Garcia. - 72 - Almeida, E. S. 5. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS 5.1 As Construções Participiais A implementação do uso de perífrases verbais deve-se à baixa produtividade das flexões aspectuais do latim no decorrer do tempo (cf. foi visto no cap. 2). Essas estruturas perifrásticas mantiveram-se por um amplo período, até que o processo tivesse sido concluído efetivamente. No português arcaico, a seqüência TER/HAVER + PARTICÍPIO PASSADO não poderia ser analisada como tempo composto, pois, geralmente, o particípio concordava com o SN-complemento. Nessa fase, o particípio passado podia ter um traço passivo ou ativo. Quando o particípio possuía um traço de passividade, os verbos ter/haver mantinham o conteúdo lexical, funcionando como verbos plenos. Já nos contextos em que o particípio possuía um traço ativo, ter e haver funcionavam como elementos gramaticais, marcando apenas as acepções aspectuais. E, ainda, há os casos em que é difícil reconhecer qual das estruturas está sendo realizada – com particípio passivo e/ou ativo, com ter/haver lexicais ou gramaticais. Sabe-se que o particípio latino originou-se de uma forma eminentemente adjetival e o suposto particípio, na verdade, um adjetivo, expressava propriedades ou atributos dos objetos/nomes a que se associava. Nos corpora, registraram-se ainda estruturas nas quais ter/haver mantinham um conteúdo lexical, funcionando como verbos plenos e com um particípio passado adjetivador do complemento: (1) “Qval quer omne de Castel Rodrigo que ena uila touere casa poblada con omne que coma seu pan e faça seu seruicio” [FCR, 16, .87] - 73 - Almeida, E. S. (2) “e com boa deligencia e avisamento nos despoermos a toda cousa de nossos avançamentos que aos stados de cadahuu convenham, teendo despesas razoadas pera nossa renda” [LC, 22, 34] (3) “nen se juntam bem os huus com os outros ca ham desvairados corações” [DSG, 31, 230] (4) “Con lagrimas continuadas teendo as m/ããos alcadas ao ceo calou hum pouco” [MSJ, 1, fól. 89 v] (5) “E pois aquesto disse, entrou o bispo na eigreja de Santa Maria e, teendo as mããos alçadas e o manto tendudo” [DSG, 12,31] Nos exemplos de (1) a (5), as formas participiais estão indicando um estado ao SN, impondo uma interpretação passiva ao complemento dos verbos ter e haver. Em (1) e (5), os argumentos internos são [+materiais] e o verbo ter apresenta conteúdo de posse. Nos exemplos (3), (4) e (5) os verbos ter/haver ocorrem em casos em que os complementos possuem uma qualidade [inerente]. Em (4) e (5), o verbo ter apresenta o valor de manter, já o verbo haver, em (4), indica posse. Além de complementos que indicavam posse e qualidade inerente, encontraram-se estruturas participiais, não-compostas, em que o complemento dos verbos ter e haver possuía um traço [+abstrato/intrínseco]: (6) “E podere melhor chorar os seus pecados [e te]ere sas almas mais assessegadas e mais firmes [no amor] de Deus” [LA, 18, 25] - 74 - Almeida, E. S. (7) “E assi podemos entender como viveu este San Paulo depois que o Nosso Senhor chamou de fundo do inferno a que tiinha ja a sa alma obligada e chamô-o pera a gloria do paraiso” [DSG, 39, 126] (8) “Por que vy muytos fallar se era bem fugyr aa pestellença, teendo desvairadas teenções” [LC, 3, 228] No entanto, em algumas construções, é difícil precisar qual das estruturas está sendo realizada – se ativa ou passiva, com ter/haver lexical ou gramatical, como se pode observar nos exemplos (9) a (13). (9) “trazendo aa memoria todos aqueles bees que del avees recebidos de cadahuu dos sobredictos poderes” [LC, 7, 91] (10) “a presa que eles tynham tomada aos castelhanos” [DJIII, 17] (11) “Pedro, foron pera contar dos feitos maravilhosos dos santos homees que Deus ten escolheitos pera si” [DSG, 129, 160] (12) “Vos me requerestes que juntamente vos mandasse screver alguas cousas que avia scriptas per boo regimento de nossas conciencias e voontades” [LC, 9, 1] (13) “viron hua gram pedra jazer ante si que tiinham guardada pera poer por fremosura” [DSG, 2, 61] Nesses dados, ter e haver integram construções com particípio passado de natureza transitiva, concordando com traços gramaticais do SN, que pode ser interpretado como objeto direto. Os particípios passados, nos exemplos, parecem ter um traço de passividade - 75 - Almeida, E. S. ou, ainda, podem ser entendidos como ambíguos, no que se refere à interpretação do particípio ativo ou passivo. Mattos e Silva (2003) considera a questão da concordância do particípio com o complemento um dos fatores determinantes para que ter/haver, nas estruturas participiais, não formem uma perífrase verbal. A flexão participial, que vigorava no português arcaico, é um dos fatores que a faz considerar as estruturas participiais como não-compostas, uma vez que a presença da flexão mostra que a forma verbal ainda não tinha chegado a configurar um afixo e, por vezes, podia possuir um valor semântico de posse. A concordância evidencia, desse modo, que não havia ocorrido a fusão semântica e sintática típica do tempo composto. No entanto, Ribeiro (1993) ressalta que a presença ou a ausência de concordância entre o particípio passado e o SN não pode ser definidora da formação dos tempos compostos. Vejam-se os exemplos: (14) “[elles] se tinhao instituidos marido e molher hum ao outro por herdeiros e estituidores por suas mortes” [CV, 3, 15, 200] (15) “E, porem, se teverdes dados ao Almyrante os dez mil cruzados que lhe tendes prometidos” [DJIII, 23] (16) “acaeceu que aquelas monjas porque non refrearon ainda nen tiinham castigadas sas lenguas” [DSG, 7, 76] (17) “e se alguas pessoas a quem forem dadas terras no dito termo as tiuerem perdidas por as naõ aproueitarem” [CV, 9, 105, 224] Nos exemplos, os particípios são ativos, mesmo apresentado a marca morfológica de concordância. A esse respeito Mattoso (1974:347) chega a afirmar que a flexão do - 76 - Almeida, E. S. particípio constitui uma servidão gramatical que se manteve apenas na morfologia da forma, não havendo uma noção gramatical. Segundo o autor, a questão da concordância corresponderia a um resíduo diacrônico, que desacelerou o processo de evolução. Parece que, mesmo que houvesse a marca formal de concordância, o valor semântico e estrutural já estaria sendo alterado. Assim, nas estruturas participiais, o que havia era apenas uma marca formal. Ribeiro (1993) destaca, também, que a reanálise de ter e haver como verbos auxiliares, em construções participiais, pode ser considerada, a partir do momento em que se registram particípios não apenas de natureza transitiva, mas também de intransitiva, ergativa. (18) “Eu tinha amado, per o quál rodeo demonstramos ter dado fim à obra” [GJB, 30, 17] (19) “e, si omne ouuer morto, seia inimigo de seus parentes” [FCR, 18, 47] (20) “Neem de laa tenho sabido, nem vejo por vossa carta” [DJIII, 22] (21) “que elle se tinha concertado com o Reverendo Padre Prior do Carmo desta cidade” [CV, 31, 12, 271] (22) “Ca, segundo tenho praticado, esta he a mais certa maneira da arte memorativa” [LC, 13, 14] Nas construções de (18) a (22), ter/haver já se encontram esvaziados semanticamente, com uma estruturação típica do tempo composto. Nos exemplos, pode-se observar a fusão semântica e sintática da estrutura. Os particípios são ativos e os verbos ter e haver funcionam como auxiliares, não podendo mais selecionar os argumentos externos, uma vez que é o particípio que passa a predicar a sentença. Nesses casos, há uma - 77 - Almeida, E. S. generalização da estrutura dos particípios transitivos para intransitivos, ou seja, a mudança inicia-se em um tipo de verbo e se estende aos outros, perdendo o valor original. Verifica-se, também, que há construções participiais que, mesmo já tendo ocorrido a fusão sintática e semântica da estrutura participial, constituindo uma perífrase verbal, não apresentam a ordem típica do tempo composto (V auxiliar + auxiliado), o que evidencia que o processo ainda não tinha sido concluído. É comum encontrarmos, nessa fase, a intercalação de constituintes entre o auxiliar e o particípio, que pode ser um constituinte sujeito, como em (23), ou um complemento circunstancial, como em (25). E, ainda, há casos em que se pode verificar a anteposição do particípio, como em (24) e (26): (23) “O mynha senhora e/ amyga Margarida que mal te hey eu fecto?” [VSP, 35, fól. 80 v] (24) “Perdoado te tem Deos os teus pecados” [VT, 9, fól. 67 v] (25) “algus logradoros do que aproueitado não tiver” [CV, 2, 131, 199] (26) “Por esso, Pedro, non fez senon aquelo que ordinhado tiinha” [DSG, 23, 26] Foi possível notar seqüências que apresentam a estruturação típica de tempo composto, em que ter e haver atribuem a acepções aspectuais que variam de acordo com o tempo do verbo (perfectivo, imperfectivo, iterativo, cursivo/durativo, permansivo): (27) “Tu/ e senhor tam grande e tamanho estas aqui ag/ora como foste posto na Cruz e recibiste por my o tormento da morte porque matases a morte // em que eu avia caido por os meos pecados” [MSJ, 7, fól. 90v] - perfectivo (28) “Foi dito que elles tinhao feito hua escritura de doação de huas terras na goaratiba” [CV, 3, 12, 200] - durativo - 78 - Almeida, E. S. (29) “ou aldemenos que non tem feito acerca delles tanto quanto devya per que lhe ajom grande obrigaçom pera o muyto amarem ou servirem” [LC, 11, 38] – imperfectivo (30) “os quáes já das escólas tendes ouvido ditos e sentenças/ de moráes escritores, como Plutarco, trataremos as sutoridádese exemplos daqueles que nos ocorrerem à memória” [GJB, 3, 50] Nos exemplos de (27) a (30), os verbos ter e haver encontram-se semanticamente esvaziados, marcando apenas as noções aspectuais. A formação dessas perífrases verbais são analisadas como um processo de gramaticalização, em que ter e haver perdem o conteúdo lexical quando passam de um verbo pleno a um elemento gramatical. Foi possível encontrar, também, casos que correspondem hoje às chamadas estruturas cristalizadas na língua (expressões lexicalizadas), como nos exemplos listados abaixo: (31) “haia vista desta resposta o testamenteiro e com a sua torne” [CV, 4, 125, 205] (32) “E domíngo xxij do dito mes aas x oras pouco mais ou menos ouuemos vista das jlhas do cabo verde” [CPVC, fól.1r] (33) “pellas cartas que vos sprevy por Luis Afonso teres visto o que era minha temçã” [DJIII, 22] (34) “E antes d’estas tinha vistas as que trouxe Luis Afonso” [DJIII, 13] Um outro fator que evidencia que as formas [V+do] ainda não formavam com ter e haver o tempo composto é a possibilidade de a construção aparecer estruturada com uma certa flexibilidade. No português arcaico, o complemento direto não possuía uma posição - 79 - Almeida, E. S. fixa, uma vez que podia preceder, suceder e, ainda, situar-se entre ter/haver e a forma participial. Foi possível localizar, nos dados, as seguintes posições para o particípio e ter e haver na estruturação da sentença, com ou sem concordância: ⇒ Tipo 1: verbo + particípio + complemento direto (35) “[elles] se tinhao instituidos marido e molher hum ao outro por herdeiros” [CV, 3, 14, 200] ⇒ Tipo 2: verbo + complemento direto + particípio (36) “E por que o presente de sua mercee tem esta virtude outorgada em estes Reynos” [LC, 29, 3] ⇒ Tipo 3: complemento direto + verbo + particípio (37) “E alguuas cousas tenho scriptas no livro que faco de ssaber bem andar a cavallo e fazer as boas manhas que se custumam” [LC, 21, 342] (38) “eu ey por meu serviço que vos nam façaes o concerto que tinheys praticado em nenhuua maneira” [DJIII, 23] ⇒ Tipo 4: particípio + verbo + complemento direto (39) “Perdoado te tem Deos os teus pecados” [VT, 9, fól. 67 v] - 80 - Almeida, E. S. ⇒ Tipo 5: complemento direto + particípio + verbo (40) “a quem as pedir para as aproueitar e lhe sera deixado alguns logradouros do que aproueitado não tiuer” [CV, 131, 101, 387] ⇒ Tipo 6: verbo + particípio + Ø (41) “que elle se tinha concertado com o Reverendo Padre Prior do Carmo desta cidade” [CV, 31, 12, 271] (42) “Oo senhor poderoso aos quo/renta dias pasados de tua maravilhosa resu/rreçom en os quaes per experiências certas mostraste aaveres resuscitado” [MSJ, 8, fól. 91 r] Os seis tipos de distribuição dos constituintes revelam a liberdade de estruturação desses elementos na sentença, o que indica que essas estruturas não formavam ainda “verdadeiras” perífrases verbais. Quando os verbos ter e haver passaram a auxiliares, a construção se tornou mais fixa e as formas [V+do] passaram a se comportar como verbos predicadores, com o traço [+V]. Em (139), que constitui uma construção típica do tempo composto, há um forte grau de coesão sintático-oracional entre o verbo auxiliar e o principal. Lehmann (1985) afirma que, para um elemento se gramaticalizar, é necessário que haja coesão, havendo a perda de autonomia de um determinado signo lingüístico dentro de uma escala. A partir dessa coesão da estrutura, tem-se uma cristalização e as categorias de verbo pleno e particípio apresentam-se mais fixas, rígidas e inalteráveis. A seqüência ter/haver + particípio passado nas estruturas compostas comporta-se como uma única unidade, e as funções sintáticas dos demais constituintes da frase (sujeitos e complementos) são definidas a partir dessa unidade e não em relação a cada verbo, - 81 - Almeida, E. S. havendo um forte grau de coesão, integração na estrutura participial (Lehmann, 1985). O domínio do verbo ter/haver (auxiliar) não pode ser analisado como um constituinte autônomo, porque há apenas um domínio frásico e um domínio predicativo entre ter/haver auxiliar e o particípio. Eleutério (2003) destaca que a perda da concordância teria ocorrido a partir dos contextos que mantinham uma forma menos evidente de concordância, com o complemento no masculino singular, a forma morfologicamente [-marcada]. (43) “Nem por eu ter dirigido a su’alteza o trabálho que dizes” [GJB, 10, 42] (44) “Retificam que ella dita Dona Viuva de amor em graça por lhe aver emcomendado assim o dito seo marido defunto” [CV, 18, 22, 245] (45) “e [se tinha] feito inventario o dito Juizo dos defuntos e auzentes” [CV, 88, 78, 352] Nos exemplos (43), (44) e (45), não se pode precisar se houve a concordância entre o particípio e o complemento, uma vez que o complemento está no masculino-singular, uma forma não-marcada. Nos casos em que a posição do complemento estivesse vazia, recuperada por um anafórico, levaria, também, à mudança da estrutura gramatical: (46) “e se alguas pessoas, a que forem dadas terras do dito termo e as tiuerem perdidas por as mão aproueitarem” [CV, 15, 108, 239] (47) “E todo este bem conssiirado com as obras que fazemos segundo aquel estado que deos nos deu, e como per] ellas seguymos as grandes virtudes que per sa vida nos tem demonstradas” [LC, 12, 171] - 82 - Almeida, E. S. (48) “os casos da carta de marqua que elle teem pasada em favor de Joam Ango contra meos naturaes e vasallos” [DJIII, 23] A mudança teria ocorrido, primeiramente, nos verbos transitivos, porque, neste caso, o complemento pode mudar de posição, passando a ser complemento não mais de ter e haver, mas sim do particípio. À medida que as formas ter e haver foram reanalisadas como verbos auxiliares, houve a perda da restrição do traço [+transitivo] dos particípios passados. (49) “O que tinha determinado e avia por neu serviço que fizeseis” [DJIII, 23] (50) “registrada no liuro do registro desta capitania que o dito Senhor tem dado nesta uilla de Ssantos sob meu sinal e sello” [CV, 15, 108, 239] Ter/haver em construções participiais apresentam, em português, nuances aspectuais que variam de acordo com o tempo do verbo. Para cada tempo utilizado, há um valor temporal específico na predicação (perfectivo, imperfectivo, iterativo, cursivo/durativo, permansivo). Com o pretérito perfeito composto, por exemplo, tem-se duas realizações temporais distintas (Peres 1993: 24). Observem-se os exemplos: (51) “e craveiros da Ordem de Nosso Senhor Jhesus Christo, tem feitos a nos e a esta ordem” [DJIII, 4] (52) “trazendo aa memoria todos aqueles bees que del avees recebidos de cadahuu dos sobredictos poderes” [LC, 7, 91] (53) “a homildade ou a sobérbia que no su coraçon ten asconduda” [DSG, 14, 21] - 83 - Almeida, E. S. Na sentença (51), a construção com o presente marca uma realização durativa, envolvendo uma anterioridade ao tempo da enunciação, que indica uma situação incompleta (imperfectiva) e que, geralmente, ocorre em predicações estativas. Já nos enunciados (52) e (53), tem-se uma realização iterativa (ou habitual), que apresenta uma ação descontínua limitada. No entanto, Travaglia (1981) destaca que essa nuance pode ser alterada a depender do tipo de verbo principal/auxiliado, provocando, ao invés do imperfectivo iterativo, o imperfectivo durativo e cursivo, que apresenta a situação como contínua limitada e em pleno desenvolvimento. Veja: (54) “dizer uinte e sinco missas por minha tenção por alguas que tenho prometido” [CV, 37, 53, 285] - imperfectivo durativo e cursivo (55) “tendes prometido ao Almir ante dez mil cruzados” [DJIII, 22] - imperfectivo durativo e cursivo Mas, há casos em que é difícil diferenciar a nuance entre o iterativo e o cursivo. Nesse caso, o contexto é imprescindível para compreender a construção: (56) “A quál óbra será posta no catálogo das mercês que estes reinos dele tem reçebidas, mui çelebráda dos presentes” [GJB, 41, 48] imperfectivo durativo ou cursivo? (57) “e [elles] tem doado e doam a dita Hermida” [CV, 3, 25, 201] - imperfectivo durativo ou cursivo? - 84 - Almeida, E. S. É possível encontrar, ainda, casos em que a construção participial com o presente apresenta uma nuance que se aproxima do permansivo, com a indicação de um fato concluso, mas permanente em seus efeitos: (58) “E porem nam saiba elle que eu o tenho sabido” [DJIII, 10] (59) “E en este dia as tee guardadas por façanha desta cousa” [DSG, 1, 234] (60) “ouve por meu serviço todo o que tendes dito e ffeito acerqua do Gram Mestre” [DJ III, 13] Nas construções com o pretérito mais-que-perfeito composto do indicativo, a situação é interpretada como anterior a um ponto de perspectiva do passado: (61) “cuidou-se ca se queria ir do mosteiro polo torto que lhi avia feito e disse-lhi” [DSG, 9, 9] (62) “per as quaaes avyamos recebido tal graça” [LC, 23,357] (63) “foi dito que elles tinhao feito hua escritura de doação de huas terras na goaratiba” [CV, 3,12, 200] Com o futuro perfeito do indicativo, há uma anterioridade a um ponto de perspectiva futuro à enunciação, como se pode verificar nos exemplos abaixo: (64) “Os homens quando en essa terra foren averan os bees dobrados” [DSG, 21, 190] (65) “cometemdovos a se pagar por suas justiças, e dizemdo que loguo se pagara, porque ysto nunca avera efeyto” [DJIII, 23] - 85 - Almeida, E. S. É importante destacar os verbos ter/haver nas construções participiais, ao longo do processo de gramaticalização, comportam-se como uma unidade sintática, em que cada constituinte da sentença é marcado em relação a essa unidade e não a cada um dos verbos separadamente. 5.2 Distribuição dos Dados por século e por Tipo de Texto Objetivando-se descrever um estudo diacrônico acerca da distribuição da variante em questão, foram analisadas 403 construções participiais com os verbos ter e haver entre os séculos XIII e XVIII: 322 (80%) com ter e 81 (20%) com haver. O número de dados diacrônicos levantados nos materiais selecionados estão discriminados no Tabela 1, a seguir: Época Corpora Nº de dados Século XIII Linguagem dos Foros de Castelo Rodrigo 18 Século XIV Livro das Aves 1 Quatro Livros dos Diálogos de São Gregório 47 Vida de Santa Pelágia 1 Morte de São Jerônimo 4 Vida de Tarsis 1 Carta de Pero Vaz de Caminha 5 Leal Conselheiro 51 Crônica de Dom Pedro 1 Gramática de João de Barros 25 Cartas de D. João III 105 Século XV Século XVI Século XVII 19 Documentos Notariais do Convento do Carmo Tabela 1- Número de dados por texto e por século19 As tabelas serão comentadas ao longo do capítulo. - 86 - 144 Almeida, E. S. Ter Haver TOTAL Século XIII 5 (28%) 13 (72%) 18 Século XIV 34 (71%) 14 (29%) 48 Século XV 42 (67%) 21 (33%) 63 Século XVI 127 (88%) 3 (2%) 130 Século XVII 114 (80%) 30 (20%) 144 TOTAL 322 (80%) 81 (20%) 403 Tabela 2- Distribuição geral dos dados por século incluídos os casos no masculino-singular Ter TOTAL Haver Flexionado Não flexionado Flexionado Não flexionado Século XIII 2 (11%) 3 (17%) 4 (22%) 10 (55%) 18 Século XIV 23 (48%) 11 (23%) 6 (12%) 8 (17%) 48 Século XV 14 (22%) 28 (44%) 12 (19%) 9 (14%) 63 Século XVI 22 (35%) 105 (81%) - 3 (5 %) 130 Século XVII 28 (19%) 86 (60%) 2 (1%) 28 (19%) 144 TOTAL 89 (22%) 233 (58%) 24 (6%) 58 (14%) 403 Tabela 3 - Distribuição dos dados por século, por tipo de verbo e por possibilidade de apresentar flexão - 87 - Almeida, E. S. Como se pode ver nas tabelas 2 e 3, o verbo ter era predominante, independente da flexão, desde o século XIV até o século XVII. Confirma-se, assim, a hipótese de que o verbo ter, mesmo no português arcaico, caracterizava-se como verbo prototípico para os tempos compostos. Do total de 403 construções participiais -- eliminados os casos em que não havia um complemento por se tratar de uma estrutura intransitiva – registraram-se 112 ocorrências flexionadas e 191 ocorrências não-flexionadas. Na tabela 3, estão inseridas as estruturas não flexionadas com e sem complemento. Estas últimas perfazem um total de 100 estruturas. Observe-se a distribuição, na tabela 4, ao longo dos séculos: Estruturas flexionadas Estruturas não flexionadas Estruturas intransitivas TOTAL de estruturas flexionadas/ não flexionadas Século XIII 6 (38%) 10 (62%) 2 16 Século XIV 28 (90%) 3 (10%) 17 31 Século XV 23 (66%) 12 (34%) 28 35 Século XVI 25 (23%) 86 (77%) 19 111 Século XVII 30 (27%) 80 (73%) 34 110 TOTAL 112 (37%) 191 (63%) 100 303 Tabela 4- Distribuição geral dos dados a partir da natureza das estruturas - 88 - Almeida, E. S. A tabela 4 confirma a hipótese de que generalização dos contextos transitivos para os intransitivos propostos por Ribeiro (1993). Nota-se que as estruturas intransitivas, que, no início, eram pouco produtivas vão aumentando ao longo do tempo, o que mostra a gramaticalização do fenômeno. Estruturas haver+PP/+trans./ ter+PP/+trans./ haver+PP/-trans./ ter+PP/-trans./ Oco/% Oco/% Oco/% Oco/% c/ conc s/conc c/ conc s/conc c/ conc s/conc c/ conc s/conc Século XIII 4/ 25% - 2/ 13% 1/6% - 8/50% - 1/6% Século XIV 6/14% 2/4% 21/47% 1/2% - 5/11% - 10/22% Século XV 15/24% 5/8% 11/17% 10/16% - 1/2% - 21/33% Século XVI - 3/2% 21/16% 66/52% - - - 39/30% Século XVII 4/3% 16/11% 24/17% 64/45% - 11/8% 1/0% 23/16% Tabela 5 - Distribuição de ter/haver em estruturas com e sem concordância Do total de 303 construções participiais que possuem uma natureza transitiva, 37% (112 oco) apresentam flexão do particípio com o grupo nominal a que se associa. Os dados restantes 63% (191 oco) não são flexionados, podendo ser consideradas, portanto, construções de tempo composto. - 89 - Almeida, E. S. O fato de a estrutura participial apresentar concordância com o sintagma a que se associa não é um fator prioritário para considerarmos a construção como não-composta. Época do texto Valor [+ adjetival] Valor ambíguo Valor [+verbal] Oco/% Oco/% Oco/% Século XIII - 6 (33%) 12 (66%) Século XIV 5 (10%) 23 (48%) 20 (42%) Século XV 4 (6%) 16 (25%) 43 (68%) Século XVI - 19 (15%) 111 (85%) Século XVII/XVIII - 25 (17%) 119 (83%) 9 (2%) 89 (22%) 305 (76%) Total Tabela 6- Valor do particípio ao longo dos séculos Examinando a variável Valor do particípio em função da época dos textos, verificase que, ao longo dos séculos, há um crescimento dos particípios de valor [+verbal]. É importante ressaltar que poucos são os casos em que há um valor eminentemente adjetival para o particípio, por ser um período de transição e cristalização da estrutura composta. Isso justifica a maciça presença de estruturas com valor ambíguo, em que não se pode precisar se o particípio tem um valor verbal ou adjetival. A partir da tabela 6, percebe-se que é o século XVI o período em que há a predominância das construções perifrásticas, ainda que se possa anotar algumas construções ambíguas nos corpora. - 90 - Almeida, E. S. Considerando apenas a Linguagem dos Foros de Castelo Rodrigo, no século XIII, foram anotados 18 dados20, sendo 13 (72%) com o verbo haver e 5 (28%) com ter. Foi possível registrar, mesmo nesta fase, casos típicos de estruturas compostas, sem concordância, tanto com o verbo ter como com haver, o que nos mostra que já se tinha iniciado o processo de mudança: (66) “E la una firma digalo per uerbo, comolo ten iulgado; e las outras firmas digano, perla iura que feçeron, que tanto firman e tanto outorgan quanto elle” [FCR, 5, 54] (67) “e el baron tomar moller ou a moller marido, e non oueren partido com seus fillos” [FCR, 19, 63] No entanto, é categórica a presença de concordância quando o complemento se encontra à esquerda da construção participial ou quando está localizado entre ter/haver e a forma participial no corpus: (68) “Tod omne que pennos alleos touer por seu auer enprestados ou mudados” [FCR, 12, 40] (69) “Qval quer omne de Castel Rodrigo que ena uila touere casa poblada con omne que coma seu pan e faça seu seruicio” [FCR, 16, 34] No documento do século XIV, Livro das Aves, só existe uma ocorrência da construção participial, com ter indicando uma posse [+intrínseca], acompanhada por um particípio de caráter [+ adjetivo]: 20 Resultados retirados da tabela 2. - 91 - Almeida, E. S. (70) “E podere melhor chorar os seus pecados [e te]ere sas almas mais assessegadas e mais firmes [no amor] de Deus” [LA, 18, 25] Ainda nesse século, nos Quatro Livros dos Diálogos de São Gregório, as construções com ter prevalecem. Do total de 47 ocorrências, 72% (33 oco) são com ter e apenas 28% (14 oco) aparecem em estruturas com haver. Nesse corpus, cresce o número de contextos em que a posição do complemento está vazia, recuperada por um anafórico, que pode ser um clítico ou um relativo (19 casos no corpus): (71) “assi pode homen entender a homildade ou a sobérvia que no su coraçon ten asconduda” (72) “E eles abriron o muimento e acharon as vistiduras com que o soterraron taaes como as hi lançaron, ca nunca as tangera nen hua outra cousa. E en este dia as tee guardadas por façanha desta cousa como as hi lançaron” (73) “E parando el mentes ao manto que tiinha tendudo antr’ao braços” Há, ainda, um caso em que o anafórico retoma um constituinte interpretado como sujeito em uma construção composta: (74) “ouvio hua molher chorar mui dooridamente de noite sobre seu marido que tiinha morto na eigreja” [DSG, 6,124] - 92 - Almeida, E. S. A possibilidade de elementos intervenientes entre ter/haver e a forma participial atesta, também, que, mesmo que o processo já tivesse tido início, não ocorrera ainda a fixação típica do tempo composto, uma vez que os verbos ter/haver foram registrados em contextos indicando posse [+intrínseca]: (75) “E o lombardo que avia o braço perdudo porque o tendera” [DSG, 69, 157] (76) “E o santo homen fez o que lhi mandaron e, teedo el o colo estendudo” [DSG, 62, 156] É interessante notar que, ainda no século XIV, quando o complemento está localizado entre ter/haver e a forma participial, há uma maior probabilidade de a forma participial estar indicando um estado do SN, impondo uma interpretação passiva ao complemento dos verbos ter e haver. Contudo, nos casos em que o complemento se encontra à esquerda do particípio, recuperado por um anafórico, há uma tendência de interpretar o particípio como [+verbal], conforme se observa em (78) e (79), ao contrário do que se passa em (77). (77) “E ante que morresse disse a esse seu irmão Copioso que tiinha tres soldos ascondudos en ouro e esta cousa non se pode asconder aos frades” [DSG, 7, 236] (78) “e deitade hi o seu corpo e deitade sobr’el os tres soldos que teve ascondudos” [DSG, 14, 237] (79) “ca depois que se visse desemparado na hora da morte dos seus frades polo soldos que tevera ascondudos” [DSG, 16, 237] - 93 - Almeida, E. S. Os documentos do século XV, Vida de Santa Pelágia (1 oco de haver), Morte de São Jerônimo (4 oco – 3 haver e 1 com ter), Vida de Tarsis (1 oco de ter), Carta de Pero Vaz de Caminha (5 oco – 4 haver e 1 com ter), Leal Conselheiro (51 oco – 12 com haver e 39 com ter), Crônica de Dom Pedro (1 oco de haver) somam um total de 63 dados, dos quais 21 (34%) são com haver e 42 (66%) são de estruturas com ter. Ter é, também, neste século, o verbo típico das estruturas participiais. (80) “ou aldemenos que nom tem feito acerca delles tanto quanto devya” [LC, 11, 38] (81) “por que nosso senhor o tem ordenado pera a sua sancta gloria” (LC, 15, 38] A presença de flexão entre o particípio e o complemento é ainda no século XV bastante elevada. Das 63 ocorrências, 26 apresentam a flexão entre o SN-complemento e o particípio, 15 casos não apresentam flexão e em 22 ocorrências não é possível precisar se houve a concordância entre a forma participial e o SN-complemento, pelo fato de o complemento estar no masculino-singular, forma [-marcada]: (82) “E tal convem sentyr das semelhantes, porende nom he de perder o bem que per contriçom do mal avemos recebido” [LC, 8, 97] (83) “Com esto concorda huu capitullo que no Livro do Cavalgar avya scripto” [LC, 9, 310] No século XV, nos contextos em que há dois ou mais elementos entre ter/haver e a estrutura participial, a presença de flexão é categórica, como nos exemplos (84) e (85). A hipótese é a de que a intercalação de elementos na construção participial evidencie que a - 94 - Almeida, E. S. estrutura não configura ainda uma forma composta. Entretanto, é possível perceber, já nesta fase, estruturas em que, mesmo havendo a intercalação de apenas um elemento entre ter/haver e a forma participial, não há a flexão entre o particípio e o SN-complemento, como em (86). (84) “E assy de cadahuu dos malles se teem por tam costrangidos que penssam seerem per sua propria natureza” [LC, 18, 152] (85) “Con lagrimas continuadas teendo as m/ããos alcadas ao ceo calou hum pouco” (MSJ, 1, fól. 89 v) (86) “e agoa e em querendo ocapitam sair desta naao chegou sancho detoar com seus dous ospedes epor ele no teer ajnda comjdo poseranlhe toalhas” [CPVC, 31, fol. 10v] Do século XVI, foram selecionadas 69 cartas do conjunto de Cartas de D. João III, perfazendo um total de 105 dados, 102 com ter e 3 com haver. Haver, nesses casos, aparece em contextos em que o particípio apresenta uma natureza intransitiva. Observe: (87) “tenho nova e Recado que as outras duas se esperavam aly cada ora, neem averaão tam gastado como he” (88) “e dizemdo que loguo se pagara, porque ysto nunca aveera efeyto, como estaa visto pellas causas pasadas” (89) “por quallquer caso que seja, seus filhamentos nom ajam efeyto” É importante destacar, também, que a flexão do particípio com o complemento cai vertiginosamente no século XVI, uma vez que foi possível encontrar, dentre as 105 - 95 - Almeida, E. S. ocorrências, apenas 19 casos em que se verifica a concordância do particípio com o complemento21: (90) “Qua seus vassalos aos meus tem tomados pasante trezentos navios” [DJIII, 6] (91) “a presa que eles tynham tomada aos castelhanos” [DJIII, 15] (92) “E porem, se teverdes dados ao Almyrante os dez mil cruzados que lhe tendes prometidos” [DJIII, 23] Na gramática de João de Barros, um documento também do século XVI, não se anotou qualquer caso de construção participial com haver. Do total de 25 dados, há somente 3 casos em que o particípio se encontra flexionado, como em (93), (94) e (95): (93) “O prégador d’el-rei, frei Joám Soáres. E lógo perguntei per que ô prinçipiáva, por causa do trabálho que levou em a composiçám da Gramática da nóssa linguágem que lhe tem derigida” [GJB, 6, 42] (94) “Este exerçíçio, se ô nós usáramos, já tivéramos conquistáda a língua latina” [GJB, 4, 46] (95) “A quál óbra será pósta no catálogo das mercês que estes reinos dele tem reçebidas, mui çelebráda dos presentes e louváda dôs que viérem depois de nós” [GJB, 40, 48] Foi possível registrar, em João de Barros, 17 dados com verbos de natureza intransitiva, como em (96): 21 Resultado retirado da tabela 5. - 96 - Almeida, E. S. (96) “Nam está em máis remédio que vir a notíçia d’el-rei, nósso senhor, porque, como é zelador dos bons costumes, e favoréçe as lêteras, tam liberál e maníficamente, mandará prover nisso, como ô tem feito em os estudos de Coimbra” [GJB, 39, 48] Até o século XV, a concordância se dava prioritariamente quando o complemento se localizava à esquerda da estrutura participial, mas, no século XVI, esse aspecto passa a não ser mais definidor. Confirmou-se que, quando o complemento sucede a estrutura participial, a concordância entre o particípio e o SN-complemento é mais restrita ainda. Até mesmo nos contextos em que o complemento precede a construção, há, neste século, o predomínio de estruturas não flexionadas: de 26 casos de complementos antepostos, apenas 10 (34%) são flexionados: (97) “cõ todas as mais palavras que segundo vos tenho sprito vos parecer que lhes deves de dizer” (sem flexão) – [DJIII, 45] (98) “E vos veres pellas cartas que vos teenho sprito o que acrequa desta Restetuyçã” (sem flexão) – [DJIII, 24] (99) “que por guarda d’estes mares e costa por caaussa de gramdes e conthynos Roubos que se nela faziã, cõ gramde despesa, como eu costumo e era neçessario, tinha mãdados” – [DJIII, 6] Nos Documentos Notariais do Convento do Carmo, que constituem os dados do século XVII, anotaram-se 144 construções participiais, assim distribuídas: 30 (20%) ocorrências com haver e 114 com ter (80%). Das 29 ocorrências com o verbo haver, apenas - 97 - Almeida, E. S. três apresentam flexão do particípio. Dessas três ocorrências, duas aparecem em construções que podem ser hoje consideradas como lexicalizadas. Veja: (100) “Haja vista desta resposta o testamenteiro e com a sua torne” [CV, 4, 125, 205] (101) “e com tudo iunto me forao os autos concluzos e nelles por meu despacho mandei que ouuesse uista desta inquirição a parte quem a tocase” [CV, 132, 24, 389] Ao lado dessas estruturas, registrou-se uma ocorrência sem a flexão de gênero, que não se enquadrano critério de concordância mencionado acima: (102) “que Vossas merses me haverao uisto me persuadir que na forma que eu lhe consedi aquella izensão” [CV, 6, 158, 211] Das 114 ocorrências com ter, uma expressiva quantidade de dados, 80 (73%), não apresenta flexão e somente 30 (27%) dos casos encontram-se flexionados. É interessante notar mais uma vez que, no século XVII, nos casos em que o complemento precede a estrutura participial, esse complemento é retomado por um elemento anafórico, que pode ser um clítico (exemplo 103) ou um pronome relativo (exemplo 104). Em 48 ocorrências, 43 são recuperadas por um elo coesivo. (103) “se alguas pessoas a quem forem dadas terras no termo da dita cidade as tiuerem perdidas” [2, 114, 199] (104) “hua pitissao, que hauia feito o Juis ordinario do dito Rio de Janeiro” [CV, 1, 15, 193] - 98 - Almeida, E. S. Há, ainda, dois casos em que se verificam dois elementos anafóricos em uma mesma construção: (105) “Elles de nouo tronarão a fazer doação conformado, apouando e retificando as que tinhao feito e de prezente retificando as que tinhao feito e de prezente considerando que erao velhos e achagozos” [CV, 2, 30, 251] Das 74 ocorrências que apresentam a seqüência ter/haver+particípio passado+ complemento direto, apenas nove apresentam concordância entre o particípio e o complemento a que esse se associa, por apresentar uma configuração típica do tempo composto: (106) “[os ditos Reverendos Padres] confessarao terem recebidos quatrocentos mil Reis em dinheiro contado” [CV, 67, 34, 629] (107) “a elle e dito seu filho Gonçalo de Muros lhes hauiao concedido duas datas de sesmarias” [CV, 1, 18, 193] (108) “e [tenha] plantado algus mantimentos” [CV, 10, 95, 228] A presença de concordância, nessa fase, parece ser um vestígio de uma marca morfológica. Ressalta-se que a flexão pode ocorrer com o elemento que está mais próximo do particípio, não necessariamente um complemento direto. Observe-se: (109) “e outrosim fara de maneira que dentro de coatro mezes tenha feita nellas na dita terra algu proueito” [CV, 10, 94, 228] - 99 - Almeida, E. S. No exemplo acima, a concordância não se dá com o SN-complemento direto algu proveito, mas sim com o sintagma adverbial – nellas (na dita terra) – que estava mais próximo à estrutura participial. Almeida (2003), em um estudo sobre os documentos manuscritos do século XVIII, compostos por 93 cartas de comércio e 24 documentos oficiais, escritos no Brasil, levantou 289 construções participiais, sem registro de concordância, o que nos leva a crer que as estruturas ter/haver + particípio já constituíam o chamado tempo composto, como no exemplo desse século. (110) “eu Jalhetenho escrito tres Cartas Selhenão forão amão” 5.3 Das variáveis e suas Hipóteses Como já foi dito em seções anteriores, analisam-se os dados que se distribuem do século XIII ao século XVIII. É importante verificar a distribuição das variantes na formação do tempo composto ao longo do eixo temporal, por isso busca-se, em um estudo diacrônico, de tempo real de longa duração, determinar o processo de auxiliarização dos verbos ter e haver seguidos de um particípio em construções perifrásticas. Para a análise quantitativa da formação do tempo composto, utilizou-se o pacote de Programas VARBRUL (Pintzuk, 1988), a fim de obter resultados referentes aos possíveis condicionamentos para o uso de uma ou outra variante lingüística. Este programa permite, como já se observou, detectar os elementos de natureza lingüística e extralingüística, que colaboram para um determinado uso lingüístico. - 100 - Almeida, E. S. A partir da variável dependente, que é constituída por presença x ausência de concordância do particípio com o complemento em construções participiais com ter e haver, propuseram-se as seguintes variáveis independentes – lingüísticas e extralingüísticas - para a codificação dos dados: 1) Ocorrência de Ter e Haver na Perífrase Verbal (Mattos e Silva,2003; Ribeiro, 1993; Callou e Avelar, 2002). O objetivo dessa variável é verificar se ter era mais recorrente do que haver na construção participial, quer apresentasse concordância ou não. Mattos e Silva (2003:130), em seu estudo sobre João de Barros, afirma que ter é, preferencialmente, o verbo responsável pela formação do tempo composto, cabendo ao haver a responsabilidade de formação do tempo futuro (haver de amar, por exemplo). 2) Valor do Particípio. Busca-se observar em que estágio se encontra a formação do chamado tempo composto, uma vez que as opiniões são divergentes quanto ao momento em que se verificou esta fixação. Dividiram-se, nesta variável, os particípios em [+verbal], [+adjetival] ou [ambíguo]. Nos casos em que o particípio possui um valor verbal - é responsável pela predicação da sentença - é ele que seleciona os argumentos internos e externos da sentença. Ao funcionar como adjetivo, o ‘particípio’ tem a função de qualificar o complemento dos verbos ter e haver. E, por fim, analisam-se os contextos ambíguos que dificultam a definição de o particípio como de um valor verbal ou adjetival – tais particípios encontram-se no entremeio dessa escala de ausência/ presença de predicação. A hipótese é a de que as formas no masculino-singular, com uma natureza [+verbal], seriam as que originaram a mudança, uma vez que são as formas [-marcadas]. Quando o particípio está no masculino singular apresenta menor saliência, não sendo possível precisar se ocorreu ou não a concordância do ‘particípio’ com o complemento. - 101 - Almeida, E. S. 3) Forma Verbal. Analisam-se o Tempo e o Modo observados nos variados textos selecionados: no indicativo, listaram-se: presente, imperfeito, pretérito perfeito, pretérito mais que perfeito, futuro do presente e futuro do pretérito. No subjuntivo, o presente, o imperfeito e o futuro. Além disso, verificaram-se os casos em que ter e haver se encontram no infinitivo, no gerúndio ou no particípio. Parte-se da hipótese de que a troca de haver por ter no contexto participial poderia ter ocorrido através de determinado tempo/ modo verbal. 4) Presença x Ausência de Elemento Interveniente entre Ter/Haver e o Particípio/Adjetivo. A finalidade é verificar a possibilidade de intercalação de elementos intervenientes na estrutura participial. Quanto maior a possibilidade de aparecimento de elementos entre ter/haver e o particípio, maior evidência de que a construção participial ainda não configurava uma estrutura típica do tempo composto. À medida que a possibilidade de intercalação de elementos fica mais restrita, observa-se uma maior cristalização da estrutura. 5) Presença x Ausência de Elemento Interveniente entre o Particípio/Adjetivo. Pretende-se observar aqui, do mesmo modo, o tipo de elemento que viria intercalado entre o SN-complemento e o particípio. É importante destacar que os complementos ocorriam em variadas posições: antepostos ou pospostos ao verbo, com presença ou não de elementos intervenientes para cada uma das posições. 6) Ordenação dos Constituintes na Sentença. A finalidade é controlar a possibilidade de estruturação dos elementos na sentença, já que, antes da formação do tempo composto, o complemento podia preceder, suceder ou se encontrar entre ter e haver e a forma participial. O objetivo é mostrar a flexibilidade de estruturação dos constituintes na sentença, visto que, ao poder ocupar variadas posições, fica evidente que as estruturas - 102 - Almeida, E. S. participiais não configuravam estruturas compostas. Para esta variável, são considerados complementos os objetos diretos, indiretos, os adjuntos e os complementos nominais, oracionais ou não. A inclusão dos adjuntos justifica-se a partir da idéia de que os chamados complementos circunstanciais são tão indispensáveis à construção do verbo como os demais complementos, segundo Rocha Lima (2003: 252). 7) Função Sintática do Complemento. O objetivo é observar a influência exercida pelo tipo de complemento que acompanha a estrutura participial, com base na hipótese de que os complementos circunstanciais favorecem o aparecimento de construções de tempo composto. Vale ressaltar que há sentenças que não possuem complemento, fato já aludido por Naro & Braga (2000: 125-134). Nas construções em que o particípio apresenta uma base [+ adjetival], essa variável não se aplica. 8) Subclassificação Semântica do Verbo. Aplica-se apenas aos casos em que o particípio funciona como verbo. Sabe-se que a classificação semântica dos verbos varia de autor para autor. Optou-se, nesta análise, por utilizar a classificação proposta por Halliday (1994:106). O autor postula os seguintes processos para o sistema de transitividade: a) materiais, relacionados ao mundo físico, à experiência exterior; b) mentais, que se referem ao mundo da consciência, à experiência interior; c) relacionais, ligados ao mundo das abstrações e que estão relacionados aos fragmentos da experiência; d) comportamentais, em que se manifestam os processos de consciência e os estágios fisiológicos; e) verbais, expressando relações simbólicas, construídas na consciência humana, através da linguagem; e f) existenciais, que denotam a existência, o acontecer. A finalidade é destacar quais são os tipos de processos verbais que favorecem ou não a concordância do particípio com o respectivo complemento. - 103 - Almeida, E. S. 9) Definitude do Complemento. Controla-se a delimitação do complemento e sua análise tem um caráter mais discursivo. Diferentemente do que as gramáticas normativas apontam sobre o tema - cuja classificação se centra na presença ou não do artigo definido - busca-se determinar se o complemento se encontra definido ou não, a partir do contexto específico de uso, com base em Lyons (1999). Objetiva-se, assim, verificar se os complementos com caráter [+ definido] tendem mais a não concordar do que o complemento de caráter [-definido]. 10) Periodização. Constitui a única variável extralingüística e controla a temporalidade histórica dos documentos analisados, desde o século XIII até o XVII. Pressupõe-se que no século XVII já se teria efetivado a formação do tempo composto. O objetivo é verificar como se deu essa formação nas construções participais em um continumm de tempo, uma vez que a gramaticalização apresenta como um pressuposto básico o gradualismo do fenômeno que se encontra em mudança. - 104 - Almeida, E. S. 5.4 Análise Variacionista: Variáveis Controladoras do Processo A análise computacional dos dados com base no programa VARBRUL (Pintzuk,1988) levou em consideração os grupos de fatores apresentados na seção 5.3.1 desta dissertação. Na rodada geral, foram selecionados os grupos de fatores nesta ordem ‘Tempo/modo verbal’, ‘Presença x ausência de elemento interveniente entre ter e haver e o particípio/adjetivo deverbal’, ‘Ordenação dos constituintes na sentença’, ‘Subclassificação semântica do particípio’, ‘Definitude do complemento’ e ‘Época do documento’, exemplificados e analisados a seguir. Na rodada geral, o input geral foi .40, o log likelihood –106.920 e o nível de significância .049. ⇒ Tempo x modo verbal Esse grupo de fatores mostrou-se relevante para a formação do tempo composto. Partiu-se da hipótese de que a troca de haver por ter no contexto participial poderia ter ocorrido através de determinado tempo/ modo verbal: No indicativo: a) Presente → (111) “para que todo tempo se saiba como tenho feito a dita mers” [CV, 1, 89,195] b) Imperfeito → (112) “e dezia que avia perdudo todo aquelo per que se avia de manteer todo o ano” (DSG, 10, 33] - 105 - Almeida, E. S. c) Perfeito → (113) “E chegaríamos aesta amcoragem aas x oras pouco menos e daly ouuemos uista dhomens que amdauam pela praya por chegarem primeiro” [CPVC, 17, fol. 1v] d) Mais que perfeito → (114) “e, com o seu participio passado, dizemos: tivéra amado, como se pode ver” (GJB, 22, 22] e) Futuro do presente → (115) “tenho nova e recado que as outras duas se esperavam aly cada ora, neem averao tam gastado como he” [DJIII, 39, 22] f) Futuro do pretérito → (116) “O tempo passádo nam acabádo de módo pera ajuntar, também ô suprimos per rodeo, dizendo: Como te/ria eu amádo, lido, ouuido, sido” [GJB, 5, 23] No subjuntivo: g) presente → (117) “E ainda que ca vossa reposta elles se tenham lançado de la se fallar” [DJIII, 31, 22] h) imperfeito → (118) “e se alguas pessoas a quem forem dadas terras no dito termo as tiuerem perdidas por as não aproueitarem” [CV, 9, 105, 224] i) futuro → (119) “e lhe seja deixado alguns logradores do que aproueitado não tiuer [CV, 8, 91, 221] - 106 - Almeida, E. S. No infinitivo: j) (120) “o que tinha determinado e avia por meu seruçio o que fizeseis, ante de ter avida a nova da armada dos franceses” [DJIII, 33, 23] No gerúndio: k) (121) “e não tendo ainda avido resposta, e parecendov os que se voa dilata” [DJIII, 38, 11] Na amostra dos dados, a presença de flexão é prioritária quando o verbo está no imperfeito do subjuntivo (15/24 oco). Nos casos em que os verbos ter/haver aparecem no pretérito perfeito do indicativo, é categórica a presença de flexão, que pode estar relacionada ao fato de ocorrer, quase sempre, em construções que podem ser consideradas lexicalizadas: (122) “de que nos deste porto ouuemos uista sera tamanha” [CPVC, 4, fol. 13v] A tabela a seguir mostra os resultados encontrados no que diz respeito a essa variável e deixa claro que a presença de concordância na estrutura participial é favorecida quando o verbo está no subjuntivo. Este resultado pode ser explicado pelo fato de ser freqüente o uso de orações subordinadas retomadas por um elemento anafórico, sobretudo do relativo que. : - 107 - Almeida, E. S. Fator Ocorrências/total Percentual Peso relativo/ Nível de seleção Imperfeito do subjuntivo 15/24 58% .92 Futuro do subjuntivo 4/7 57% .86 Presente do subjuntivo 8/23 35% .73 Pretérito mais que perfeito do indicativo 4/10 40% .70 Infinitivo 10/41 24% .67 Presente do indicativo 37/95 39% .34 Imperfeito do indicativo 22/78 28% .30 Gerúndio 8/12 50% .40 Tabela 7 – Tempo/modo verbal e a presença de concordância na estrutura participial ⇒ Presença x ausência de elemento interveniente entre ter e haver e o particípio/adjetivo deverbal Como se pode ver na tabela 8, comprova-se a hipótese de que a intercalação de elementos desfavorece a interpretação da construção como composta, com o auxiliar e o particípio considerados uma única unidade sintático-semântica. Os exemplos de (123) a (126) confirmam este fato: - 108 - Almeida, E. S. (123) “a que tiinha ja sa alma obligada” [DSG, 39, 126] (124) “e eu d’elle confyo, lhe tenho sobre yso escrito” [DJIII, 31, 6] (125) “dando sem tardança devida execuçom no que ouver bem penssado” [LC, 22, 8] (126) “e [tenha] plantado alguns mantimentos” [CV, 128,199] Fator Ocorrências/total Percentual Peso relativo/ Nível 122 Sem elemento interveniente 91/258 35% .48 Com um único elemento interveniente 10/30 33% .46 Com dois elementos intervenientes 9/11 82% .88 Com mais de dois elementos intervenientes 3/5 60% .72 Tabela 8 - Presença de elementos entre Ter/haver e o particípio e a flexão Como se pode verificar, a presença de flexão é favorecida quando há elementos intercalados na construção composta, mostrando que a seqüência não formava uma verdadeira perífrase verbal. A presença de elementos intervenientes entre ter/haver e a estrutura participial atesta que não havia ocorrido a cristalização típica do tempo composto. 22 Os resultados são apresentados sempre a partir do nível de seleção, exceto nos casos em que há a interferência de outro fator que altere os resultados. - 109 - Almeida, E. S. No entanto, Vieira (2004:71) afirma que “a estrutura perifrástica prototípica admite dissociação por conta da inserção de determinados elementos discursivos”. Ainda hoje é possível observar a seqüência (127) Tinha sempre feito tudo que estava ao seu alcance. Logo, a possibilidade de intercalação de elementos, nessas construções, é um resquício da estrutura original em que se tinha um verbo pleno seguido de um particípio passado adjetivador do complemento. ⇒ Ordenação dos constituintes na sentença Sabe-se que, antes da formação do tempo composto, o complemento podia preceder, suceder ou se encontrar entre ter e haver e a forma participial. A flexibilidade de estruturação dos constituintes na sentença evidencia que as estruturas participiais não apresentavam uma seqüência rígida. A hipótese era de que quando complemento precedia a estrutura participial, por estar o complemento já previamente selecionado, haveria mais formas com concordância. Quando os verbos ter/haver passam a auxiliares, a construção torna-se mais fixa, apresentando o padrão TER/HAVER+ particípio. A posição mais resistente à formação do tempo composto estaria nos contextos em que o objeto já foi previamente selecionado (à esquerda do predicador). Nessa posição, constatam-se formas mais marcadas com concordância: - 110 - Almeida, E. S. Oco/ total Percentual Peso relativo/ nível de seleção Complemento direto precede 53/100 53% .52 Complemento direto sucede 41/121 34% .37 1/4 25% .30 Complemento direto entre ter/haver e a forma participial Tabela 9 – Posição do complemento na sentença Século XIII Século XIV Século XV Século XVI Século XVII Ordem dos constituintes Oco/% Oco/% Oco/% Oco/% Oco/% 1.V+ P+ CD 2/11% 6/12% 4/6% 25/21% 65/46% 2.V+ CD+P - 12/25% 5/8% 1/1% - 3.CD+V+P 4/22% 24/50% 23/38% 32/27% 53/37% 4.CD+P+V - - - - 11/8% 5.P+V+CD - - 2/3% - - 12/67% 6/12% 27/44% 60/50% 13/9% 6.V+P+Ø Tabela 10- Ordenação geral dos constituintes nos corpora - 111 - Almeida, E. S. A tabela 10 mostra que Æ os seis tipos de distribuição dos complementos diretos nas sentenças revelam a liberdade de estruturação desses elementos na sentença. A distribuição mais freqüente, no século XIII, foi a do tipo 6 com 67%, em que não há a presença de complemento, seguida da do tipo 3 com 22% (complemento direto + verbo + particípio). Æ no século XIV, a posição em que o complemento direto precede a estrutura participial ocupa a metade dos dados, acompanhada pelos casos em que o complemento está situado entre ter e haver e a forma participial (25%). Æ já no século XV, há um crescimento significativo das seqüências que não apresentam complemento (44%), com verbos intransitivos. Neste século, decrescem os casos em que o complemento está precedendo à estrutura participial, reduzidos a 38%. Æ no século XVI, são, também, significativas as seqüências que não apresentam complemento (50%), ocupando a metade dos dados. Há um decréscimo, nesta fase, das seqüências com complemento precedendo a estrutura participial, ocorrendo um aumento da seqüência do tipo 1 (21%), que possuem a configuração típica do tempo composto. Æ no século XVII, são majoritárias as seqüências do tipo 1 (46%), em que o complemento se encontra posposto a ter e haver, o que já é um indicador da cristalização da estrutura. Nota-se, também, uma diminuição da flexão ao longo do tempo, o que comprova a hipótese inicial de que ter e haver não constituíam verbos auxiliares no português arcaico. - 112 - Almeida, E. S. Assim, observa-se que, à medida que a ordem dos constituintes foi se tornando mais fixa (ter/haver + particípio passado), os verbos ter e haver foram sendo reinterpretados como auxiliares. Parece que, no início do processo de gramaticalização, as duas estruturas participiais – flexionadas ou não -- devem ter tido o mesmo sentido, para que a reanálise do fenômeno pudesse ter acontecido. ⇒ Subclassificação semântica do particípio Como já se disse, esta variável aplica-se apenas aos casos em que o particípio funciona como verbo. Já vimos que, mesmo em contextos raríssimos, há construções que grosso modo nem poderiam ser consideradas participiais, por terem um caráter muito mais adjetival. A análise dos particípios com caráter [+verbal] permitiu-nos classificá-los, a depender do contexto, em: a) materiais Æ (128) “Qua seus vassalos aos meus tem tomados pasante de trezentos navios” (DJIII, 37, 6] b) mentais Æ (129) “Perdoado te tem deos os teus pecados” [VT, 9, fol. 67v] c) relacionais Æ (130) “e já bem se ouuesse governado em sa mancebia” [LC, 6] d) comportamentais Æ (131) “Teedo as mãos alçadas e o manto tendudo” [DSG, 12, 31] - 113 - Almeida, E. S. e) verbais Æ (132) “acaeceu que aquelas nonjas porque ainda non frearon ainda nem tinhan castigadas sas lenguas” [DSG, 7, 76] f) existenciais Æ (133) “Quarta, segurança, que antre ambos seja guardada por muy perfeita teeçom que huu do outro sempre tem avyda” [LC, 17, 182] A partir da análise dessa variável, tem-se o seguinte quadro: Fator Ocorrências/total Percentual Peso relativo/ nível de seleção Processos materiais 60/141 43 % .67 Processos mentais 18/53 34 % .61 Processos relacionais 12/66 18 % .13 Processos comportamentais 2/12 17 % .11 Processos verbais 10/19 53 % .72 3/5 60 % .85 Processos existenciais Tabela 11 - Processos verbais mais freqüentes nas construções participiais A análise da tabela 11 nos permite perceber que os processos dos verbos que desfavorecem a concordância seriam aqueles que imprimem os processos comportamentais (.11) e relacionais (.13), por serem esses os contextos em que há uma maior predominância de construções intransitivas, que não possuem complemento. As seqüências que exprimem existência, mesmo aparecendo em contextos reduzidos, apresentam um elevado índice de - 114 - Almeida, E. S. flexão. Restaria explicar porque os processos materiais e mentais se comportam praticamente do mesmo modo. ⇒ Definitude do complemento Controla-se a delimitação do complemento a partir de uma análise de cunho discursivo. Aqui não se centrou na presença ou ausência do artigo definido, mas no contexto das construções e do seu respectivo complemento (Cf. Lyons, 1999). Assim, a hipótese aventada era a de que os complementos com caráter [+ definido] tenderiam mais a não concordar com o complemento do que os [-definidos]. Seguem exemplos de complementos definidos e indefinidos: Complemento definido: (134) “e eu tenho aceytado seu ofrecimento” [DJIII, 10] Complemento indefinido: (135) “dando sem tardança devida execuçom no que ouver bem pensado” [LC, 22, 8] Fator Ocorrências/total Percentual Peso relativo/ Nível 1 Complemento definido 32/96 33% .41 Complemento indefinido 73/151 48% .56 Tabela 12- Definitude do complemento e a presença de flexão Os percentuais confirmam a hipótese levantada, uma vez que os contextos com o complemento [-definido] tendem a apresentar concordância. Nesse caso, a flexão precisa - 115 - Almeida, E. S. ser expressa, pelo fato de o complemento não ser facilmente identificável, havendo dúvida a que elemento a construção participial estava relacionada. ⇒ Época do documento Essa variável extralingüística controla a temporalidade histórica dos documentos analisados, desde o século XIII até o XVII. A hipótese aventada era a de que a gramaticalização apresentaria como pressuposto básico o gradualismo do fenômeno que se encontra em mudança. Época do texto Ocorrências/Total Percentual Peso relativo/ Nível de seleção Século XIII 6/16 38% .65 Século XIV 28/31 90% .98 Século XV 23/35 66% .93 Século XVI 25/111 23% .42 Século XVII/XVIII 30/110 27% .14 Tabela 13 – Possibilidade de flexão do particípio por época A baixa freqüência de flexão, no século XIII, poderia ser relacionada à ocorrência maciça de estruturas intransitivas no corpus analisado. Do século XV para o XVI, há uma diminuição significativa dos contextos em que há a concordância do particípio com o complemento. - 116 - Almeida, E. S. 5.5 Análise Funcionalista: O Processo de Gramaticalização dos verbos Ter e Haver Como já foi referido ao longo do texto, ter e haver podiam ocorrer em variadas seqüências, desempenhando funções sintático-semânticas distintas, a depender do contexto em que apareceriam. Segundo Barroso (1994:61), um verdadeiro complexo verbal perifrástico possui unidade semântica, sintática e funcional. Tendo como base esse pressuposto, pode-se dizer que os verbos ter e haver, no português arcaico, em construções participiais, não formavam perífrases. No entanto, com o passar do tempo, esses dois verbos, nestes contextos, foram sofrendo um processo de esvaziamento semântico (semantic bleaching) -- passando de verbos plenos a vocábulos meramente gramaticais -por isso, no português moderno, esses dois verbos podem ser considerados verbos típicos da categoria auxiliar em construções compostas. (Vieira, 2004: 80). O processo de auxiliarização desses dois verbos nessas construções perpassou vários séculos, tendo seu início, aproximadamente, no século XIII, podendo ter se efetivado apenas nos séculos XVII/XVIII. Até que o processo de reanálise estivesse concluído, era possível encontrar variadas formas: com ou sem concordância, exemplos (27) e (28) da seção 2.1, com valor adjetival ou verbal, exemplos (9) a (13) da seção 5.1. E, em alguns casos, verifica-se apenas uma concordância formal, exemplos (14) a (17) da seção 5.1. A análise diacrônica dos dados, com base no aparato teórico e metodológico da sociolingüística variacionista e na hipótese da gramaticalização, revelou que a trajetória desses dois verbos - de vocábulos com conteúdo plenos para vocábulos meramente gramaticais - fora permitida, em grande parte, pela polissemia das formas nas mais variadas - 117 - Almeida, E. S. construções, que podem conter variadas acepções – já discriminados anteriormente (cf. visto no capítulo 2) A polissemia de ter e haver, verbos que podem indicar posse, obrigatoriedade, futuridade, existência, acarretou mudança semântica, base da gramaticalização desses dois verbos, que passaram a auxiliares de tempos compostos, marcando, desse modo, nessas construções, apenas as categorias gramaticais de tempo, modo, voz e aspecto. Em outras palavras, a passagem desses dois verbos a elementos meramente gramaticais nas construções participiais começa a ocorrer, quando, no português arcaico, ter e haver passam do valor de posse à condição de verbo auxiliar. Verifica-se, inicialmente, uma espécie de distribuição complementar para o uso desses dois verbos: ter expande seus domínios para indicar um verbo de posse pura e simples (136), o verbo haver ficando restrito aos contextos de posse inalienável, com caráter [+abstrato] (137). (136) “Qval quer omne de Castel Rodrigo que ena uila touere casa poblada con omne que coma seu pan e faça seu seruicio” [FCR, 16, 87] (137) “nen se juntam bem os huus com os outros ca ham desvairados corações” [DSG, 31, 230] Essa acepção mais abstrata para haver acaba sendo confundida em alguns contextos, e, assim, é possível observar dados em que ter também marca uma posse [+abstrata], como no exemplo. - 118 - Almeida, E. S. (138) “Por que vy muytos fallar se era bem fugyr aa pestellença, teendo desvairadas teenções” [LC, 5, 228] Dessa forma, é possível verificar contextos ambíguos em que se não se pode precisar se ter/haver apresentam um caráter de posse, predicando a sentença, ou se estão esvaziado semanticamente, como um verbo auxiliar e, ainda, se os particípios têm um caráter verbal, passando a predicar a sentença, ou adjetival. Pode-se dizer que os contextos ambíguos é que propiciaram as mudanças. Essas estruturas ora apresentavam o particípio flexionado, com os verbos ter e haver funcionando como núcleo do predicado, mantendo o valor de posse, ora admitiam uma interpretação em que esses dois verbos se achariam esvaziados semanticamente. Essa ambigüidade advém da possibilidade de interpretar o elemento flexionado como adjetivo deverbal ou particípio com valor [+ verbal]. Esse fato fora aludido por Heine como divergência, que consiste na possibilidade de a forma, em processo de gramaticalização, poder conviver com a forma lexical original. Assim, o lexema original, que era concreto, se enfraquece ou se generaliza semanticamente, ganhando sentidos mais abstratos e valores pragmáticos. Com isso, admite-se não só a idéia do enfraquecimento semântico do elemento em vias de gramaticalização. Por isso, pode-se destacar que os estágios intermediários híbridos ou ambíguos tornam-se importantes para a reanálise da mudança. Nessa reanálise, cria-se uma nova estrutura e há a reinterpretação da estrutura antiga. Desse modo, pôde-se observar um contínuo de auxiliaridade para os verbos ter e haver, estabelecido a partir da categorização de ter/haver plenos para auxiliares na seção 3. - 119 - Almeida, E. S. Verbos............................................Verbos..............................................Verbos principais (semi) auxiliares auxiliares Os verbos ter e haver, nas construções participiais, localizavam-se no entremeio dessa escala de auxiliaridade, funcionando como verbos plenos, com valor de posse, como possíveis verbos semiauxiliares ou como auxiliares prototípicos. Este fato vai ao encontro do que Hopper (1991) denomina como layering (camadas/estratificação), o que para Labov (1994) corresponde à implementação, pois, para haver gramaticalização, deve haver um período em que o novo e o velho coexistam em um mesmo domínio funcional “As camadas mais antigas não são inteiramente descartadas”. Isso comprova que no momento em que um novo item gramatical surge na língua acaba convivendo com a forma antiga. Muitos são os fatores que nos permitem dizer que esses verbos combinados com o particípio adjetivador (adjetivo deverbal) podiam não configurar uma perífrase verbal. Há construções, por exemplo, que são formadas por um elemento ativo, representado por ter/haver e um elemento passivo, que fica representado pelo particípio passivo. Ter/haver, quando ativos, relacionam-se com o sujeito da oração, enquanto a forma participial relaciona-se com o complemento verbal. Contudo, tendo perdido o seu significado original de posse, por um processo conhecido como dessemantização ou redução semântica, já aludido por Heine (1991), os verbos ter e haver combinam-se com o verbo principal para formar uma unidade de significado. Ressalta-se, pois, que a alteração semântica ocorre gradualmente. A análise dos dados confirmou que estas formas coexistiram do século XIII ao XVIII. No final do processo de mudança, estruturalmente, a auxiliaridade dos verbos ter e haver, pode ser - 120 - Almeida, E. S. verificada em construções nas quais esses dois verbos se apresentam combinados (verbo auxiliar + verbo auxiliado), formando apenas um núcleo, que determina o papel semântico do sujeito: (139) “e lembrarse do que lhe tendes dito de minha parte ” [DJIII, 6] Em (139), que constitui uma construção típica do tempo composto, há um forte grau de coesão sintático-oracional entre o verbo auxiliar e o principal. Lehmann (1985) afirma que, para um elemento se gramaticalizar, é necessário que haja coesão, havendo a perda de autonomia de um determinado signo lingüístico dentro de uma escala. A partir dessa coesão da estrutura, tem-se uma cristalização e as categorias de verbo pleno e particípio apresentam-se mais fixas, rígidas e inalteráveis. A seqüência ter/haver + particípio passado nas estruturas compostas comporta-se como uma única unidade, e as funções sintáticas dos demais constituintes da frase (sujeitos e complementos) são definidas a partir dessa unidade e não em relação a cada verbo. O domínio do verbo ter (auxiliar) não pode ser analisado no exemplo (139) como um constituinte autônomo, porque há apenas um domínio frásico e um domínio predicativo entre ter/haver auxiliar e o particípio. Costa (1975), ao definir alguns critérios de auxiliaridade, afirma que em uma construção com verbo auxiliar/auxiliado, o marcador de negação frásica pode ter escopo apenas sobre o domínio encaixado, o que impossibilita a existência de uma sentença como (140)“*O João tem não encontrado a maria no cinema”23. Contudo, enquanto o processo de reanálise das construções não tivesse sido completado foi possível encontrar, nos dois 23 Costa (1975: 14) - 121 - Almeida, E. S. corpora estudados, o marcador de negação fora do domínio encaixado, revelando que ter e haver nessas construções ainda não configuravam o tempo composto. Observe: (141) “se daram as ditas terras que aproueitadas não tiuer de sesmarias” [CV, 29, 163, 268] Nas construções perifrásticas, esses dois verbos não podem selecionar a expressão que ocupa a posição sintática de sujeito e nem impor-lhe restrições de seleção semântica: (142) “por huã sentença que contra ella tinha alcançado Luis Gomes de Almeida porque [a sentença] tinha feito penhora nos fruitos do dito engenho” [CV, 88, 76, 352] (143) “foi a elles [os autos] iunto ao aforamento que o mesmo conuento tinha feito dos ditos chaos ao defunto” [CV, 67, 17, 329] (144) “[o alvara] não hauia sido o bastante para se evitar de todo este damno” [CV, 63, 12, 322] (145) “e tenho conhecido que nom podem possuyr esta virtude estas pessoas” [LC, 12,172] Com base nos exemplos (142) a (145), é possível dizer que, se o papel semântico do sujeito fosse atribuído pelos verbos auxiliares ter e haver, o sujeito não poderia designar entidades diferentes – tanto animadas quanto inanimadas. Os exemplos evidenciam, assim, - 122 - Almeida, E. S. que quem está selecionando o sujeito é o verbo principal (particípio). Dessa forma, percebe-se que a formação do tempo composto implicou “(...) um processo de gramaticalização que atuou sobre as formas verbais, implicando em transferência de extensão de sentido/uso da categoria lexical (verbo predicador) para uma categoria gramatical (verbo auxiliar), sob certas condições semânticas e morfossintáticas” (Vieira, 2004: 70). Com o processo de gramaticalização, o verbo sofre alteração na atribuição primária de verbo predicador. A perda dessa autonomia discursiva é conhecida como decategorização de Hopper (1991) ou re-categorização na acepção de Castilho (1997), uma vez que ter e haver auxiliares perderam características sintáticas dos verbos plenos. Essa mudança ocorreu sob certas condições semânticas e morfossintáticas específicas e a forma gramaticalizada perde características da classe a que pertence e adquire características de categorias secundárias. A interpretação auxiliar, nas construções participiais, está, portanto, diretamente relacionada à perda do conteúdo lexical do verbo. A partir dessa análise pode-se estabelecer a seguinte escala, em um contexto mais geral, para os verbos ter e haver: - 123 - Almeida, E. S. (-) gramaticalizado Verbo pleno/ predicador verbo (+) verbo modal existencial participial haver e ter com haver e ter expressam conteúdo de posse obrigatoriedade/ não projetam constituem (verbo projeta dois futuridade argumento auxiliares argumentos) haver e ter verbo externo haver e ter aspectuais O que determina o tipo de estrutura em que ter e haver podem aparecer é o maior ou o menor grau de esvaziamento semântico dessas formas. Percebe-se, assim, que a auxiliaridade é um fenômeno gradual. Na escala de auxiliaridade, existem outras estruturas que estão em uma posição intemediária, como é o caso, por exemplo, das estruturas modais que continuam existindo até hoje com esses dois verbos. Essa escala de usos coexistentes de ter e haver, que se mantém até hoje, pode ser entendida como a extensão ou generalização de contexto proposto por Heine (1991), que corresponde à aplicação de uma forma lingüística em vários contextos discursivo-pragmáticos. - 124 - Almeida, E. S. Um outro fenômeno a ser analisado na formação do tempo composto com ter e haver diz respeito à passagem de um forma [V+ do] não-verbal para uma verbal, que passa a predicar unicamente a sentença. Muitos estudiosos (Cf. Ribeiro, 1993) reconhecem que o particípio latino se desenvolveu a partir de uma forma adjetival. Nas construções com o particípio, haver e ter dão um traço passivo ao seu particípio, servindo para indicar o estado aspectual de um objeto/ coisa/ pessoa. Observe: (146) “avendo scripta esta repartiçom dos pecados suso declarada, vy a que diante se contem em hum livro que chamom Soma das verdades da theollogia” (LC, 1, 273] (147) “e se alguas pessoas, a que forem dadas terras do dito termo e as tiuerem perdidas por as não aproueitarem” [CV, 8, 71, 220] Nos dois exemplos, ter e haver selecionam um complemento. O particípio é, nesse caso, passivo. Nos dois exemplos acima, os verbos ter e haver, embora definam uma relação aspectual, ainda não são auxiliares prototípicos, podendo admitir uma interpretação com valor pleno, selecionando os sujeitos e atribuindo-lhes papel temático. Quando esses dois verbos ampliam seus domínios, passando a auxiliares, o particípio passado, antes passivo, passa a ativo e ter e haver funcionam como auxiliares temporais: (148) “[engenho e terras] e [tinhao] doado a elles religiozos e seo convento” [ CV, 21, 25, 250] - 125 - Almeida, E. S. (149) “[elles] hauiao derrubado a parede fronteira da sua capella da paixão de cristo” [CV, 26, 22, 260] As formas com o particípio passado, na formação do tempo composto, não podem ser inseridas apenas em uma única classe morfológica. Essa dupla possibilidade nos remete, assim como aconteceu na passagem de um verbo pleno a um verbo auxiliar, ao que Hopper (1991) denomina como layering ou estratificação, pois, nesse período, o novo e o velho coexistiam num mesmo domínio funcional da língua. Isso nos mostra que, no processo de formação das construções perifrásticas, o particípio passado, muitas vezes, possui um comportamento híbrido/ambíguo, apresentando mais de uma função. Formas [V+do] : [+Adj] Formas [V+do] : [+Adj]/[+V] Formas [V+do] : [+V] como Podem funcionar, a depender Funcionam do contexto, ora como predicadores da sentença predicadores, ora como predicativos (qualificadores) Não funcionam como predicadores Quadro 8 - Funções do particípio passado Como já se viu, uma das características das formas [V+do] não-verbais é que podem concordar em gênero e número com o N (nome) que modificam, possuindo o traço [+Adj]: (150) “e como per ellas seguymos as grandes virtudes que per as vyda nos tem demonstradas” [LC, 12, 171] - 126 - Almeida, E. S. (151) “as ditas pippas de vinho que elles tinhao arbitradas para cada hum ano” [CV, 6, 92, 210] A concordância é, pois, um fato que nos faz creditar ao particípio, em (150) e (151), uma noção mais [+Adj], uma vez que é uma propriedade do adjetivo concordar com o nome a que se associa. Nos dois exemplos acima, os verbos ter e haver, com interpretação plena, predicam a sentença e são seguidos por um particípio passado adjetivador do complemento. Quando o particípio adquire a função de exclusivo predicador da sentença, há o que Hopper (1991) e Heine (1991) denominam decategorização ou recategorização na acepção de Castilho (1997), pois ocorre uma mudança de classe, uma vez que o particípio adjetivador perde algumas propriedades sintáticas da categoria original de adjetivo quando passa a predicar a sentença, funcionando mais como [+V]. Assim, temos: PARTICÍPIO PASSADO ADJETIVADOR--------->PARTICÍPIO PASSADO PREDICADOR A fixação da ordem dos constituintes na sentença parece ter sido um dos pontos fundamentais para a gramaticalização da estrutura participial. Segundo Lehmann (1985), os itens gramaticalizados passam por um processo de fixação, que acarreta a perda da liberdade sintática dos elementos na sentença, passando-se a ter uma ordem mais fixa. A fixação faz com que o elemento gramaticalizado perca a “autonomia sintagmática”. - 127 - Almeida, E. S. Os verbos ter e haver, na passagem de verbos plenos a auxiliares de tempo composto, são reanalisados, por causa do uso produtivo em certos contextos, assumindo novas funções sintáticas e morfológicas: FORMA LIVRE /AUTÔNOMA > FORMA PRESA DEPENDENTE ITEM COM SIGNIFICADO COMPLETAMENTE REFERENCIAL > ITEM COM SENTIDO GRAMATICAL/ GENÉRICO ou ESVAZIADO (“bleached”). Esses dois verbos partem de uma forma livre, com um significado referencial, em direção a uma forma presa, dependente da significação do particípio, que assume um valor aspectual. Nestes contextos, ter e haver migram para um valor gramatical de auxiliar de tempo composto. Ao analisar o processo de gramaticalização desses dois verbos, observase um extremo entre a possível forma originária e a forma resultante. Assim, a perífrase verbal cristaliza-se na língua quando os verbos ter e haver passam apenas a denotar as categorias verbais de tempo, modo, pessoa, número e aspecto. A livre possibilidade de estruturação sintática dos constituintes é interrompida a partir da forte coesão sintática da perífrase verbal. Todos os elementos que poderiam se situar entre ter/haver e a forma participial passam a ocupar apenas a periferia da locução verbal. O suporte da sociolingüística reforça, assim, os resultados da análise funcionalista, ao apresentar resultados quantitativos dos condicionamentos que levaram à implementação da mudança de ter/haver plenos a auxiliares. - 128 - Almeida, E. S. 6. CONCLUSÕES As considerações feitas a respeito da formação do tempo composto com os verbos ter e haver, ao longo de largo período de tempo – século XIII ao XVII-, a partir da análise dos dados, permite-nos chegar às seguintes constatações: a) Nas estruturas participiais, o verbo ter é o mais usado, desde o século XIV, seja na função de auxiliar de tempo composto, seja nas estruturas de verbo + particípio flexionado. Apresenta-se a distribuição geral dos verbos ter e haver nas construções participiais no eixo diacrônico, aí incluídos os percentuais dos séculos XVIII, XIX e XX, retirados de Almeida (2003). Ter/haver + particípio ao longo dos séculos 100% 80% 60% 40% 20% 0% XIII XIV XV XVI ter XVII XVIII XIX XX haver Gráfico 1- Freqüência de uso de estruturas participiais do século XIII ao XX - 129 - Almeida, E. S. b) O processo de gramaticalização ocorreu de forma gradual -- conforme prevê a hipótese da gramaticalização -- até a sua completude no século XVIII, verificada no trabalho de Almeida (2003). A variação na concordância do particípio ocorria mesmo que ter e haver já estivessem esvaziados semanticamente, por ser, muitas vezes, apenas uma marca morfológica que se manteve no conteúdo da forma. Justifica-se, assim, a presença tanto de estruturas formadas por verbo + particípio flexionado, em que haver e ter permanecem como núcleo do predicado, com valor de posse, como estruturas em que esses dois verbos passam a auxiliares; c) O século XVI é um importante período de transição, já que, nesta fase, há predominância de particípios sem concordância com complementos no masculino-singular, que precedem a estrutura participial, com a configuração típica do tempo composto. d) O contexto discursivo em que os verbos ter e haver estavam inseridos é um fator fundamental para discutir a questão da auxiliaridade: a presença do particípio concordante era favorecida quando o objeto direto fora previamente selecionado, ou seja, quando se localizava à esquerda do predicador. Nos contextos em que o objeto aparece depois da estrutura participial favorece a não-flexão e, por conseguinte, à formação do tempo composto, uma vez que há uma maior integraçãoentre ter e haver e a forma participial; e) A presença do elemento anafórico, retomando o complemento já previamente mencionado, favoreceu a interpretação da construção participial como composta, por ser um elemento de co-referenciação; - 130 - Almeida, E. S. f) As formas [V+do], nas estruturas participiais, podiam ser [+Adj] ou [+V], ou seja, podiam situar-se na fronteira entre verbos e adjetivos e a indicação de que a forma [V+do] adquiriu o traço [+Adj] é dada pela possibilidade de concordância do SN com o complemento; g) Nas construções compostas prototípicas, verifica-se uma forte coesão entre ter e haver auxiliares e o respectivo particípio, com perda de autonomia e posterior cristalização da estrutura (Lehmann, 1985); h) A propriedade sintática de livre liberdade de estruturação dos constituintes na estrutura sintagmática serve de parâmetro para categorizar, em alguns casos, as formas [V+do] como adjetivos e não como verbos. À medida que a ordem da seqüência TER/HAVER + PARTICÍPIO PASSADO foi se tornando mais fixa, ou seja, com a fixação da estrutura (Lehmann, 1985) no eixo sintagmático, os verbos ter e haver passam a auxiliares e as formas [V+do] passam a predicar a sentença, adquirindo o traço [+V]; i) O particípio que forma as estruturas de tempo composto apresenta o traço [+ verbo] e difere das formas participiais adjetivais, por ser o predicador da sentença, mas, mesmo sendo responsável pela estruturação sintática e semântica da sentença -- que é uma característica do verbo --, mantém resquícios de sua base adjetival, por não apresentar flexão de tempo/modo, assim como os adjetivos. Nesse sentido, os verbos auxiliares também mantiveram características da forma original – verbos plenos – que é a de manter as marcas morfológicas de tempo/modo/número e pessoa; - 131 - Almeida, E. S. j) Ter e haver auxiliares de tempos compostos podem ocorrer com argumentos externos que desempenham variadas funções semânticas. Ao serem interpretados como verbos auxiliares, são os predicados que determinam as condições semânticas para exercer a função sintática de sujeito da predicação (argumento externo) e não os verbos haver ou ter. - 132 - Almeida, E. S. 7. BIBLIOGRAFIA ALI, Manuel Said. Dificuldades da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1957. ______. Gramática histórica da língua portuguesa. 3. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1964. ALMEIDA, Erica Sousa de. A variação de ter e haver no chamado tempo composto. Rio de Janeiro, 2003. (trabalho inédito) _____. O uso de ter e haver na história da língua portuguesa. Rio de Janeiro, 2003. ANDRADE, Queli Cristina Pacheco. Ordenação das locuções adverbiais em tempo em editoriais. Rio de Janeiro: UFRJ, Dissertação de Mestrado, 2005. ARGOTE, Jerônimo Contador de. Regras da Língua portuguesa, espelho da língua latina. 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ANEXOS • SÉCULO XIII CORPUS DA LINGUAGEM DOS FOROS DE CASTELO RODRIGO Critérios de transcrição dos contextos desse corpus: [FCR, 1, 93] → abreviatura do documento, número da linha, da página [...] → lacuna de um trecho no documento DADOS: 1) [...] E qui demonstrare plazo sobre sua bestia que uaya a collacion hu aya alcade e dixere: <<outro plazo auia iulgado de alcalde a outra collacion >>, dé uerdat e [...] uaya a la collacion hu demonstra // o plazo. [...] [FCR, 18, 32] 2) Todo aldeano que casa ouere en uila, seia uizino, sea touer poblada con sua moller, e dé altercero recabdo por todas suas postas en sua collacion; e, si assi non fezer, non seia uinzino. [FCR, 16, 34] 3) Toda calona que omne ouer a peytar, déla // dublada com .III. mor. Tod au[er] manifesto delante alcade, denlo a .IX. dias. [FCR,10,37] - 142 - Almeida, E. S. 4) Tod omne que pennos alleos touer por sdeu auer enprestados ou mudados // ou pennos rematados e o sennor dos pennos os non queser sacar, aquel que ten os pennos fagale testigos con .III. uizinnos; [...] [FCR, 12, 40] 5) Tod omne que pennos alleos touer por sdeu auer enprestados ou mudados // ou pennos rematados e o sennor dos pennos os non queser sacar, aquel que ten os pennos fagale testigos con .III. uizinnos; [...] [FCR, 12, 40] 6) [...] E, si ena terra non fore e parentes ouuer, meta suas bestias e faga quanto mandaren alcades. E, si las bestias non metire, seia inimigo de concello e daquel queo desafio; e, si omne ouuer morto, seia inimigo de seus parentes e do concello. [...][FCR, 18, 47] 7) [...] E qui a morado[r] ouer a dar ygualla ou iurar ou firmar, si uizinos leuare, non caya por isso. E, en estas yguallas, non iure soldadero de sennor de terra ni omne que proba aya feyta que uincisse. [FCR, 21,53] 8) [...] Qvi ouer a firmar delante alcade, firme qual iuyzio iulgare; e, si non firmare, caya; e non faça manna antes alcade, mas el alcade digales el iuyzio comolo iulgo; e, si nonlelo dixere, sea periurio e peyte la demanda. E la una firma digalo per uerbo, comolo ten iulgado; e las outras firmas digano, perla iura que feçeron, que tanto firman e tanto outorgan quanto elle. [...] [FCR, 5, 54] 9) [...]Isto he por que dizian muytos omnes de poys: <<fezeste al comigo>>. E auer iulgado, delant alkade denlo. E ningun omne que auer ouer a dar a outro, délo ante.III. testigos o .I. alkalde. E, si de poys negare quellelo non dio, façan del iusticia. [FCR, 22, 54] - 143 - Almeida, E. S. 10) Ningun omne que morire, ou moller, e fillos ou fillas oueren, e el baron tomar moller ou a moller marido, e non oueren partido con seus fillos, e de poys outros fillos fezere, e de poys morire el ou ela, conlos fillos primeyros parta herencia e moble quele pertenece e de poys parta conlos outros fillos. [...] [FCR, 19, 63] 11) [...] E, si el sennor dixere: <<malme seruia>>, délle .I. christiano que iure aquesto e délle quanto auia seruido; e, si non queser iurar, délle sua soldada. [FCR, 15, 76] 12) Tod auer iulgado de alcades por dar a .IX. dias, non se pare tras ferias nin tras outras respusas. E outras firmas e iuras, quando mandaren alkaldes responder, que geytaren la resposta, responda cada uno a seu plazo. [FCR, 11, 78] 13) [...] E, si dixere: <<non posso auer quemo deu ou quemo uendio>>, (e) iure queo conpro ou quello deron e nolo pode auer, e délo a aquel que demanda. E el que demanda dé fiador queo tenna manifesto fasta medio anno. [FCR, 16, 82] 14) Qval quer omne de Castel Rodrigo que ena uila touere casa poblada con omne que coma seu pan e faça seu seruicio, dé seu dezmo e primicias ena uila e hi faça toda sua fazendeyra e aia foro assi como uizinnos de uila [...] [FCR, 16, 87] 15) [...] Hos ferradores que has ferraduras peytaren por maas o por maos clauos, // hos ferradores que has oueron feytas dubrenas a hos ferradores; si non, peyte; e, si la bestia non metire, prinde pennos de mor. [...] [FCR, 24, 92] - 144 - Almeida, E. S. 16) Auer iulgado de alkaldes; e quando foren en almofalla. [FCR, 13, 106] 17) Qvi rapar auer dado a partir. LV.// [FCR, 10, 107] 18) Tod auer iulgado de alcades o de conuinidores, non aian ferias nin solturas.[...] [FCR, 13, 114] • SÉCULO XIV CORPUS DO LIVRO DAS AVES Critérios de transcrição dos contextos desse corpus: [LA, 1, 93] → abreviatura do documento, número da linha, da página DADO: 1) [...] E por esso se aparta nos logares desertos e soos per que entedemos a claustra em que se enserrã os religiosos pera fugire aos prazeres do mudo e podere melhor chorar os seus pecados [e te]ere sas almas mais assessegadas e mais firmes [no amor] de Deus. [...] [LA, 18, 25] - 145 - Almeida, E. S. CORPUS DOS QUATRO LIVROS DOS DIÁLOGOS DE SÃO GREGÓRIO Critérios de transcrição dos contextos desse corpus: [DSG, 1, 93] → abreviatura do documento, número dos diálogos, da página [...] → lacuna de um trecho no documento [ ] → ininteligibilidade do documento DADOS: 1) [...] E porque o abade sabia que os homens da terra o honravan muito e que o amavan, cuidou-se ca se queria ir do moesteiro polo torto que lhi avia feito e disse-lhi. [DSG, 9, 9] 2) [...] Ca, segundo como homen sofre as viltanças que lhi fazen e os costos que lhi dizen en pessoa, assi pode homen entender a homildade ou a sobérbia que no su coraçon ten asconduda. [DSG, 14, 21] 3) [...] E porque aquel moesteiro estava em cima duu monte muito alto, non parecia nen huu campo chãão en que podessen fazer horta de verças pera os frades que comessem, tirado huum mui pequenino logar que aparecia na costa do monte, pero era embargado per huu gram penedo que nascia hi naturalmente e tiinha todo o logar coberto. [...] [DSG, 10, 23] 4) E pois foi manhãã veeron os fradee e acharon o penedo muito alonjado daquel logar que eles avian mester, en tal maneira que ouveron * o logar desembargado e mui gran espaço e mui largo, pêra fazer horta de verças pera os frades que fazer querian. [DSG, 14, 23] 5) [...] E, porque na voontade de Deus era ordiado que cumprisse a oraçon de Santo Anastacio que avia de fazer que morresse este frade que prestumeiro morreu e, assi como o tiinha ordihado, assi se sabia que se avia de fazer. Pero esso, Pedro, non fez Deus senon aquelo que ordinhado tiinha e aquelo que primeiramente soubera que se avia de fazer ante que o mundo fosse feito. [...] [DSG, 23, 26] - 146 - Almeida, E. S. 6) [...] E, porque na voontade de Deus era ordiado que cumprisse a oraçon de Santo Anastacio que avia de fazer que morresse este frade que prestumeiro morreu e, assi como o tiinha ordihado, assi se sabia que se avia de fazer. Pero esso, Pedro, non fez Deus senon aquelo que ordinhado tiinha e aquelo que primeiramente soubera que se avia de fazer ante que o mundo fosse feito. [DSG, 24, 26] 7) - Todalas cousas que o nosso remiidor fez per seu corpo mortal que ouve foron exemplo a nós de o seguir segundo nosso poder. Onde porque o miragre que fez quando os cegos alumeou quis que jouvesse ascondudo e pero non se pôde asconder. [...] [DSG, 26, 29] 8) E pois aquesto disse, entrou o bispo na eigreja de Santa Maria e, teedo as mããos alçadas e o manto tendudo, começô a rogar que lhi desse onde podesse amansar a sanha do clerigo, que era tam bravo e tan felon contra ele pólos dinheiros que lhi tomara. [...] [DSG, 12,31] 9) E pois aquesto disse, entrou o bispo na eigreja de Santa Maria e, teedo as mããos alçadas e o manto tendudo, começô a rogar que lhi desse onde podesse amansar a sanha do clerigo, que era tam bravo e tan felon contra ele pólos dinheiros que lhi tomara. [...] [DSG, 12,31] 10) [...] E parando el mentes ao manto que tiinha tendudo antr'os bra‡os achou XII soldos en ouro e espandecian tan muito como se naquela hora saissen da frávega. [DSG, 13, 31] 11) [...] E pois que esto vio, dava con sas palmas e con seus punhos en seu rostro e dezia que avia perdudo todo aquelo per que se avia de manteer todo o ano. [...] [DSG, 10, 33] 12) [...] En outra maneira saimos nos ainda de n¢s contemplando e cuidando no bem qaue nos Deus fez e que nos pode fazer nos deleitos e nos prazeres que el ha e que ten aparelhados pêra aqueles que seus amigos son. [...] [DSG, 44,.52] 13) - Assi como eu cuido, Pedro, ali deve homem sofrer aqueles que son maaos, quando * son muitos ajuntados ensembra huu a outros bõõs per cujos bõõs eixemplos se podem correger ... sol a seer o trabalho vãão, e por esso o deve homem leixar e, moormente, se homem pode - 147 - Almeida, E. S. logo aver aprestiados logares e companhas en que e con quen possa fazer moor serviço a Deus. [...] [DSG, 55, 53] 14) [...] E os sobérbios * e os maos aos homeesviron a sa morte despreçaron-no e os bõõs e os homildosoa que o viron resurgir ouveron gloria e prazer, ca creerom e foron certos como o seu senhor, que morto fora, resurgiu ao tercer dia, assi resurgirian eles depola morte no tempo que Deus pera esto tinha assinaado. [...][DSG, 37, 60] 15) Huum dia, trabalhando-se os frades de fazeren cela em que morassen naquel logar de que deitaron o idolo, viron hua grand pedra jazer ante si que tiinhan guardada pera poer por fremosura de lavor que querian fazer. [...] [DSG, 2, 61] 16) [...] Ca a nos mostrou pelo seu espiritu aquelas cousas que ten aparelhadas pera os seus amigos, que nunca viu olho, nem orelha ouvio, nem subiu en coraçon d'homen. [DSG, 26, 68] 17) [...] E porende aqueles juizos que Deus ten ascondudos e non-nos ensinou ainda aos seus amigos, diz o apostolo que se non podem compreender nen compridamente entender, mais aqueles juízos que el já ensinou aos seus amigos son aqueles de que o profeta David disse que pronunciara e ensinara ao seu poboo. [...] [DSG, 38, 69] 18) [...] Enton apareceu a todos abertamente que nen hua cousa tan asconduda non podia seer que o santo homem de Deus non podesse saber, pois el viia e entendia os cuidados que os homens teen ascondudos en seus corações. [DSG, 10, 72] 19) [...] E como sol acaecer que alguus, porque son d'alto liagen despreçam os outros que son mais chegados a Deus ca eles, porque non som tan alto sangui, acaeceu que aquelas nonjas porque ainda non refrearon ainda nen tiinhan castigadas sas lenguas dezian muitas palavras desaguisadas aaquel santo homen que as servia per que o metian en muita ira e en muita sanha. [...] [DSG, 7, 76] 20) [...] E mandou-lhi legar as mããos mui fortemente e ele subiu en seu cavalo e disse ao homem que queria espeitar que fosse ant'el e que lhi mostrasse quen era aquel San Beento que aqueles seus bees tinha guardados. [...] [DSG, 7, 83] - 148 - Almeida, E. S. 21) [...] E disse logo aos frades que sa irmãã era passada deste mundo e mandou-lhis logo que fossen polo seu corpo e que o trovessen ao moesteiro e que o soterrassen naquel muimento que lh'el tinha aparelhado. [...] [DSG, 4, 87] 22) [...] E assi os homens boos daquela cidade colhian cada ano seu pan e seu vio e todalas outras cousas per que se mantiinhan que tinhan semeadas ou chantadas nos campos. [DSG, 9, 106] 23) [...] Mais el-rei pois ouviu, deu pouco por ele e despreçoo-u e seendo-lhi mui [ ]udo mandou aos seus homees que o prendessem e que tevessem guardado pera lho presentear quando el mandasse por ele. [...] [DSG, 5, 110] 24) [...] E acaeceu entom no tempo de rei Totilo, enmiigo de Deus e dos cristãos, a hoste dos godos teve cercada aquela mesma cidade de Parusio per sete anos continuadamente e pela gram fame que aviam aqueles que na cidade jaziam cercados, muitos cidadãos que a fame non podian sofrer fugiron. [DSG, 5, 111] 25) [...] Seendo huu dia en sa pousada que estava preto da eigreja, ouvio hua molher chorar mui dooridamente de noite sobre seu marido que tinha morto na eigreja, ca o non poderon soterrar de diia porque morrera escontra a vespera. [...] [DSG, 6,124] 26) [...] E assi podemos entender como viveu este San Paulo depois que o nosso Senhor chamou de fundo do inferno a que tiinha já sa alma obligada e chamô-o pera a gloria do paraiso per mui santa vida que feze, assi como já de suso dissemos. [...] [DSG, 39,126] 27) [...] E non te deves, Pedro, a maravilhar daquesta monja poder fazer tan gram miragre, ca non he maravilha, Pedro, se aqueles que deus ten escolheitos pera a gloria do paraiso poden * fazer muitos miragres dementre viven, pois os seus ossos depôs as morte fazen viver os mortos assi como parece muitas vegadas per muitos miragres. [DSG, 27,131] 28) [...] E pois en este comeios veo a festa de Pasqua e enviou a el seu padre de meia noite huu bispo da seita dos hereges que o comungasse, e, se quisesse das sas mãos receber a - 149 - Almeida, E. S. comunihon que el consagrara, come mao escomungado e herege e partido dos bees da eigreja de Deus recebe[ ]-a seu padre en sa graça e per-doar-lh'ia quanto avia feito. [....] [DSG, 11,144] 29) E o santo homem fez o que lhi madaron e, teedo el o colo estendudo, vio a espada tirada contra si e disse publicamente aqueste palavra: [DSG, 62, 156] 30) [...] ca sen duvida a todos apareceu quam gram santidade era no santo homem que tan fortemente tevera no aar legado o braço e estendudo do seu escabeçador. [DSG, 65, 157] 31) [...] ca sen duvida a todos apareceu quam gram santidade era no santo homem que tan fortemente tevera no aar legado o braço e estendudo do seu escabeçador [...] [DSG, 65, 157] 32) E o lombardo que avia o braço perdudo porque o tendera, assi como o homen diz, contra nosso senhor, ca o tendera contra o seu servo, pola pea grande que sofria coitou-se pera prometer o que lhi demandavan, e enton prometeu que nunca matasse cristão. [...] [DSG, 69, 157] 33) [...] E Salomon ainda disse que á hi huu tempo d’enviar as pedras e outro tempo de as colher, ca a fin do mundo quanto se mais achega quanto mais se faz mester que as pedras vivas, per que entendemos os homens santos se devan a acolher e a apanhar pera fazer aquela morada do ceo, ata que cresca aquela cidade de Jherusalem, que quer dizer vista de Paz, de que todolos boos deven ser cidadãos, per juntamento dos boos que Deus ten escolheitos tanto quanto El sol sabe e non outrin. [...] [DSG, 104, 159] 34) [...] Muitas outras cousas, Pedro, foron pera contar dos feitos maravilhosos dos santos homees que Deus ten escolheitos pera si, mais ora calo-me deles e non-nos conto porque me acoito pera contar outros feitos de que ei gram prazer. [DSG, 130, 160] 35) [...] Mais rogo-te que me sofras e que te non deixes contra min, ca eu quero ti fazer demanda en pessoa daqueles homens que non son muito entendudos e son de fraco - 150 - Almeida, E. S. entendimento e pola verdade que mi tu dirás averan proveito os que pouco entenden, ca non averan as duvidas que avian. [DSG, 38,167] 36) [...] E, porque as grandes peas que Deus dá en este mundo aos homens por seus pecados, non-nas poderian sofrer se graça del non ouvessen pera aver paceença com que a sofressen, porende, metendo Deus mentes na nossa enfermidade, dá aqueles que ama come filhos que ten escolheitos pera gloria do paraiso paceença pera sofrer as peas en que os leixa viver, onde e per que aja depois de que se amercee deles. [...] [DSG, 7, 173] 37) [...] "Os homens quando en essa terra foren averan os bees dobrados” [...] [DSG, 21,190] 38) [...] E porque ele avia as maaos gotosas e os pees outros tal e tinha-os mui inchados e chagados dua enfermidade que chaman podagra e deitava sempre de si muito lixo, sol que o desnuaron e lavaron seu corpo, assi como soen a fazer aos mortos, acharon as sas mããos e o seus pees tan ben sãos como se nunca ouvessen nen hua enfermidade. [...] [DSG, 13, 194] 39) [...] E porque ele avia as maaos gotosas e os pees outros tal e tinha-os mui inchados e chagados dua enfermidade que chaman podagra e deitava sempre de si muito lixo, sol que o desnuaron e lavaron seu corpo, assi como soen a fazer aos mortos, acharon as sas mããos e o seus pees tan ben sãos como se nunca ouvessen nen hua enfermidade. [...] [DSG, 13, 194] 40) [...] E a mha cabeça ja a el ten metuda na sa boca e porque, me atormenta mui forte, idevos e acabará o que há de * fazer, ca pois non lhi eu sõõ dado pera me comer dementre vós comigo estades. [...] [DSG, 17, 215] 41) E assi aquele como a este Theodoro ouve prol a pea do outro mundo que vio que lhi tiinhan guardada, assi a outro que dezian Crisauro non profeitou nemigalha aos spiritos maaos que vio ante que lhi a alma saisse do corpo, assi como soia contar Probo seu coirmão de que eu ja suso falei. [DSG, 29, 216] 42) [...] O ferro he mais rijo e mais forte ca nen huu outro metal, mais polo ferro e pola terra que eran ensembra juntados de que eran feitos os pees da imagen, entendemos o reino quinto que non pode muito durar porque as gentes que en ele som de desvairados custumes - 151 - Almeida, E. S. e non convee, nen se juntam bem huus con os outros ca ham desvairados coraçäes. [DSG, 31, 229] 43) [...] E en este dia as tee guardadas por façanha desta cousa e por dar testemunho do que acaeceo en aquela egleja. [...] [DSG, 1, 234] 44) [...] E per esta façanha deves a entender, Pedro, que vingança do Nosso Senhor tomaria daquela alma cujo corpo non quis que jouvesse na egreja soterrado. [...] [DSG, 1, 234] 45) [...] E ante que morresse disse a esse seu irmão Copioso que tiinha tres soldos ascondudos en ouro e esta cousa nen se pode asconder aos frades; [...] [DSG, 7, 236] 46) [...] E quando for morto non soterren o seu corpo no cimiterio en que soterran os outros frades, mais fazede-lhi hua cova en huu monture e deitade sobr'el os tres soldos que teve ascondudos e digan todos os frades ensembra grandes vozes: “o teu haver seja contigo en perdiçon”. [...] [DSG, 14, 237] 47) [...] E en taaes duas cousas que eu mandei fazer, a hua por prol da alma do morto, ca depois que se visse desemparado na hora da morte dos seus frades polo soldos que tevera ascondudos averia margura en seu coraçon do pecado porque lhi tanta viltança viinha. [...] [DSG, 16, 237] - 152 - Almeida, E. S. • SÉCULO XV CORPUS DA VIDA DE TARSIS Critérios de transcrição dos contextos desse corpus: [VT, 1, 9v] → abreviatura do documento, número da linha, do fólio [...] → lacuna de um trecho no documento DADO: 1) [...] E hua voz veo / do çeeo que lhe disse: -Nom he do abbade Antonio, / mais he de Tarsys aquella molher que jaz emçarra/da. E Paulo o cõtou en outro dia ao abbade Pan/unçio. E o abbade Panuncio foy hu ella jazia / e disse-lhe: -Perdoado te tem Deos os teus pecados./ E ella lhe disse: - Despoys que aqui jaço de todolos / meus pecados fige hua carrega e pugy-a ant(e) / os meus olhos e senpre me deles doy. [...] [VT, 9, fol. 67v] CORPUS DA VIDA DE SANTA PELÁGIA Critérios de transcrição dos contextos desse corpus: [VSP, 1, 9v] → abreviatura do documento, número da linha, do fólio [...] → lacuna de um trecho no documento DADO: 1) [...] Entom sua madre Romana dise / a ella: - Ffilha, sina-te do sinal de Jhesu Cristo e renu[@]cia o di/aboo e toda sua ponpa. E como ela fez o sinal da / cruz e chamou o nome de Nosso Senhor Jhesu Cristo, // de todo em todo o diaboo nom pareceo mays. Depois / desto dous dias dormindo Pelagia com sua madre / Romana veo o diaboo e disse: - O mynha senhora e/ amyga Margarida que mal te hey eu fecto? Por certo / eu te horney e afeytey de muytos hornamentos e de / muytas e nobres pedras preciosas[...]. [VSP, 35, fol.80v] - 153 - Almeida, E. S. CORPUS CRONICA DO CONDE DOM PEDRO Critérios de transcrição dos contextos desse corpus: [CDP, 1, 9v] → abreviatura do documento, número da linha, da página [...] → lacuna de um trecho no documento DADO: 1) [...] Deyxo os da ilha de Rrodes, que casy sempre guerream com hos turcos, pero hus nem os outros não ouverão tam comtynuadas pellejas com hos ymfies como aquellas que os nossos naturaes com elles ouverão depois que aquela çidade foy trazida ao seu senhorio, nem creo que antre os cristãos se ache rregno que contynamemte tenha casy tres mill homes na guerra dos ymfies, pellejamdo ou per maar ou per terra e as vezes jumtamemte, como o nosso rrey comtinuadamemte mamtem, nunca queremdo rreçeber paz nem tregoa, como quer que lhe per vezes fosse cometyda. [...] [CDP, 164, 9] CORPUS DA MORTE DE SÃO JERÓNIMO Critérios de transcrição dos contextos desse corpus: [MSJ, 1, 9v] → abreviatura do documento, número da linha, do fólio [...] → lacuna de um trecho no documento DADO: 1) Esta he a morte do bem Aventurado Sam Jeronimo: / Con lagrimas continuadas teendo as m/ããos alcadas ao ceo calou hum pouco/ e depois oolhou contra os hirmãos e dise-lhes [...] [MSJ, 1, fol. 89v] 2) [...] Tu /e senhor tam grande e tamanho estas aqui ag/ora como foste posto na Cruz e recibiste por / my [ ] o tormento da morte por que matases a morte//em que eu avia caido por os meos pecados.[...] [MSJ, 7, fol.91r] - 154 - Almeida, E. S. 3) [...] E pera. que / cobrases as almas dos sanctos padres antigos os / quaes tinha o diabo nas moradas do inferno / e por que revocases a vida sem fim a hum/anal natura que aviia caydo em] a morte perdura/vel trautada per ty a paz ante o teu padre/ e a natura humanal. [...] [MSJ, 7, fol.91r] 4) Oo senhor poderoso aos quo/renta dias pasados da tua maravilhosa resu/rrecom en os quaes per experiências certas mostraste aaveres resuscitado, per ti quebrantados os / infernos e porque nõ ficase nenhua sospey/ta diante todos (t)eos discipolos por a tua virtude / propria sobiste aos ceeos, sees a destra parte do p/adre sem fim. [...] [MSJ, 8, fol.91r] CORPUS DA CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA Critérios de transcrição dos contextos desse corpus: [CPVC, 1, 9v] → abreviatura do documento, número da linha, do fólio [...] → lacuna de um trecho no documento DADOS: 1) [...] e dom¡ngo xxij do dito mes aas x oras pouco mais ou menos ouuemos vista das jlhas do cabo verde [...] [CPVC, 21, fól.1r] 2) [...] Eaaquarta feira segujmte pola manhãã topamos aves aque chamã fura buchos e neeste dia aoras de bespera ouuemos vista de tera .silicet. primeiramente dhuu gramde monte muy alto [...] [CPVC, 2, fól.1v) 3) [...] e chegariamos aesta amcorajem aas x oras pouco mais ou menos e daly ouuemos vista dhomees que amdauam pela praya obra de bij ou biij segundo os nauuos pequenos diseram por chegarem primeiro [...] [CPVC, 17, fól. 1v] - 155 - Almeida, E. S. 4) [...] e agoa e em querendo ocapitam sair desta naao chegou sancho detoar com seus dous ospedes epor ele no teer ajnda comjdo poseranlhe toalhas eveolhe vianda e comeo [...] [CPVC, 31, fól.10v] 5) Esta terra Senhor me pareçe que dapomta que mais contra osul vimos ataa outra ponta que contra onorte vem de que nos de que nos deste porto ouuemos vista / sera tamanha que auera neela bem xx ou xxb legoas per costa [...] [CPVC, 3, fól.13 v] CORPUS DO LEAL CONSELHEIRO Critérios de transcrição dos contextos desse corpus: [LC, 1, 93] → abreviatura do documento, número da linha, da página [...] → lacuna de um trecho no documento DADOS: 1) Muyto prezada e amada Raynha Senhora: vos me requerestes que juntamente vos mandasse screver screver alguas cousas que avia scriptas per boo regimento de nossas conciencias e voontades. [...] [LC, 3, 1] 2) [...] E por seerem alguas cousas sobre si tempo ha scriptas, nom levam tal forma como se todas juntamente sobr’este propósito forom ordenadas. [...] [LC, 19, 2] 3) [...] E por que ao presente de sua mercee tem esta virtude outorgada em estes Reynos antre senhores e servidores, maridos e molheres, tam perfeitamente que outros naum sey nem ouço que mais melhor della husem, dos quaaes pois elle dessa boa graça me outorgou principal regimento, me sinto muyto obrigado de a sempre manteer e quardar a todos, e a - 156 - Almeida, E. S. vos mais per obrigaçom de grandes razoões e requerimento de minha boa voontade. [...] [LC, 29, 3 ] 4) [...] E pera boo avisamento se requere natural sotileza do entender, com boa nembranca continuada do que demanda cadahuu feito, e desejo grande pera os acabar perfeitamente, com tal receo de mingua e fallecimento nom se ocupando em outras cousas que torvem o cuidado ou deligente obra, dando sem tardança devida execuçom no que ouver bem penssado. [...] [LC, 22, 8] 5) [...] Dou porem consselho que, por grande que alguem a ssynta, que nunca em ella muyto se confii, por que fallece ligeiramente onde compre per muitas guisas, e porem sempre se proveja em toda cousa que bem poder de poer as cousas em scripto ou mandar que o lembrem, como se penssasse que a fraca tevesse. Ca, segundo tenho praticado, esta he a mais certa maneira da arte memorativa, ainda que bem sey como a outra muytas vezes presta em tempo de necessidade aos que a bem sabem, se teem razoadamente a natural. [...] [LC, 13, 14] 6) [...] E assi quando desemparom a(o) honrrada maneira de sseu viver e se lançom a lavrar ou trautar de mercadaria, todo dalli vem, o que a huus e aos outros nunca deve seer conssentido, salvo se alguu defenssor passasse de LX anos e ja bem se ouvesse governado em sa mancebia e fosse trazido a fraca desposiçom, atal bem lhe deve seer outorgado que cesse dalguus cárregos de cavallaria se a necessidade muito nom o demandar. [...] [LC, 14, 20] 7) [...] Quarta, por acrecentar nos stados, terras e fazendas, o que se faz poendosse boo proviimento no que ouvermos, e com boa deligencia e avisamento nos despoermos a toda cousa de nossos avançamentos que aos stados de cadahuu convenham, tendo despesas razoadas pera nossa renda. [...] [LC, 22, 34] 8) [...] E esso medês deve consiirar nos pecados e erros que contra el fez, e na myngua da boa pratica contra senhores e amygos e servidores, ou aldemenos que nom tem feito acerca delles tanto quanto devya per que lhe ajam grande obrigaçom pêra o muyto amarem ou servirem. [...] [LC, 11, 38] - 157 - Almeida, E. S. 9) E quard[e]sse muyto de pensar aver em este mundo vyda nem cousa perfeita, ca esto nom pode seer, por que nosso senhor o tem ordenado pera a sua sancta gloria mes do que ouver seja contente. [LC, 15, 38] 10) [...] em tal tempo muy virtuosamente responde a ssy medes que nom se tem por tal como elles, conssiirando os beens e mercees que do senhor deos tem recebidos, dandolhe alguu conhecimentodel, sentindo do bem e folgança das virtudes, conhecendo que, se fosse vencido, tal tençom perderia. [...] [LC, 15, 48] 11) [...] E assy, consiirando o bem da vantagem que synto desta temperanca e fortelleza, me tenho na conta suso scripta, o que vos screvo por acrecentar aos da tristeza geeral tentados boa speranca, que muyto lhes fallece, a qual he fundamento de sua cura e saúde. [LC, 3, 73] 12) [...] Porende eu entendo que muitos no que sobre’esto tenho scripto e adiante screvo, ainda que per fundamento desvayrados syntom a tristeza, devem com a graça de deos aver esforço, consselho e avisamento, com grande parte de boa sperança. [LC, 12, 73] 13) [...] Sobre a quinta dévesse reguardar o que tenho scripto destes sentimentos e de seus remedios, dessy aver lembrança de quantas vezes semelhante passou daquello que mais sente enfadamento, e que depois tornou a sseu boo stado. [...] [LC, 5, 85] 14) [...] E devees ssaber que per desfallecymento de boo stado de cadahuu destes a tristeza vem, alguas vezes conhecendo donde e outras nom, salvo aquelles que de ssy teem hua grande industria per muyto special graca, ou per muyta grande pratica de coracom repousado, que se examyne sem afeicom por o que sente, e a outros dignos de autoridade ouvio e teem aprendido. [...] [LC, 8, 88] 15) [...] E o do entender requere bem fazer com folganca em cuidar de compoer em obra, e em obrando, e desque o tem feito, nembrandolhe que o fez, seendo obra em ssy boa e bem feita, ou lhe pareça que he tal, ainda que nom seja. [...] [LC, 16, 88] - 158 - Almeida, E. S. 16) [...] E sse vos vêem ameude taaes nembranças, que muyto vos querem derribar em abaixamentos e menos-preços de vossos feitos, pessoa ou vida, logo vos alçaae, dando gracas a deos, trazendo aa memoria todos aqueles bees que del avees recebidos de cadahuu dos sobredictos poderes. [...] [LC, 7, 91] 17) E pera entender esto, nom compre leer per outros livros, ca poucos acharóm que dello fallem, mes cada huu vendo o que screvo, consiire* seu coraçom no que ja per feitos desvairados tem sentido, e podera veer a julgar se fallo certo. [LC, 4, 95] 18) [...] E tal convem sentyr das semelhantes, porende nom he de perder o bem que per contriçom do mal avemos recebido, nem per arrepeendimento das cousas per nos bem feitas o gallardom, que per mercee de nosso senhor del speramos, em nada seja tornado mais sempre façamos fim de taaes cuydados em louvar seu santo nome[...] [LC, 8, 97] 19) [...] Quarto, que faz gabar e retraer a quem bem fez, ou arrepeender do que tem dado ou despeso. [...] [LC, 7, 112] 20) [...] Quarto, que faz gabar e retraer a quem bem fez, ou arrepeender do que tem dado ou despeso. [...] [LC, 8, 112] 21) [...] gançando boo nome com grande sperança daver por mercee do senhor muytos bees na vyda presente, e em fim sua sancta gloria, deve receber tal folganca, que a pena seja pouco sentida, e muytas vezes se allegrara, seendo tentado por sentyr que he poderoso de vencer quem tantos sabedores e grandes pessoas tem vencidas. [LC, 23, 121] 22) [...] E assy de cadahuu dos males se teem por tam constrangidos que penssam seerem per sua propria natureza tanto per obrigacom sogeitos a tal pecado, que por todo seu poder nunca del se poderám curar nem enmendar [...] [LC, 18, 152] - 159 - Almeida, E. S. 23) [...] E porem nom devemos cayr em tal desperaçom per que nos ajamos assy por sogeitos dalguu principal pecado, que delle nom speremos, com a mercee do senhor, nosso saber, querer e poder que nos tem outorgado seer livres, ante devemos sperar em sa grande mysericordia, que per nossos trabalhos e boo esforço vyver[e]mos sempre e acabaremos em seu sancto serviço. [...] [LC, 17, 158] 24) [...] E todo este bem consiirando com as obras que fazemos segundo aquel estado que deos nos deu, e como per ellas seguymos as grandes virtudes que per sa vyda nos tem demonstradas, poderemos bem sentir como avemos a prymeira parte da caridade. [...] [LC, 12, 171] 25) [...] Tenho conhecido que nom podem possuyr esta virtude estas pessoas, silicet os seguydores de sseus prazeres e voontades, os cobiçosos desordenadamente das cousas do seu proveito e avantagem, e os sobervosos e desprezadores. [...] [LC, 12, 172] 26) [...] E tenho visto per certa speriencia que faz mais proveitosa guarda em semelhantes, com acrecentamento damor, prazer e obediente voontade, que nunca os ceumes podem fazer. [...] [LC, 3, 182] 27) [...] Quarta, seguranca, que antre ambos seja guardada por muy perfeita teencom que huu do outro sempre tem avyda. [...] [LC, 17, 182] 28) [...] Mas antre aquelles casados (em) que he esta mui perfeita maneira damar afirmada per grande experiencia e boo conhecimento quehuu do outro tem avyda, os ceumes som de todos scusados ou tam levemente sentidos que a cadahuu nom fazem algua torvaçom ou empacho. [...] [LC, 8, 202] 29) [...] Vaam gloria nom recebem, mas real e verdadeiro prazer em que os semelhantes contynuadamente vyvem, nem do que hum pello outro faz filha desordenado prazer, por que ja tem determynado que aquello seu boo amygo faria, mas dando graça a nosso senhor [...] [LC, 13, 202] - 160 - Almeida, E. S. 30) Pera boo conhecymento dos homees e molheres, dizem que sse requere comer com elles huu moyo de ssal prymeiro que os ajom bem conhecidos. [...] [LC, 3, 205] 31) [...] Provymento he quando se bem provee que ja tem vysto ou sabido, pêra o melhor saber ordenar, dar a execuçom per obra ou palavra. [...] [LC, 17, 225] 32) [...] Provymento he quando se bem provee que ja tem vysto ou sabido, pêra o melhor saber ordenar, dar a execuçom per obra ou palavra. [...] [LC, 17, 225] 33) [...] Por que vy muytos fallar se era bem fugyr aa pestellenca, teendo desvairadas teencooes, afirmando cadahuu a ssua seer mylhor, vos screvo o que dello me parece. [...] [LC, 5, 228] 34) [...] Sobre a guarda dos VII pecados e seguymento destas virtudes theollegaaes e cardenaaes, sobre o que tenho scripto, tem fundamento a dereita devacom, por que os devotos me parecem [de] tres maneiras. [...] [LC, 21, 259] 35) [...] Por que determynacom geeral he que das cousas avemos grande conhecimento per suas defiinçõoes, porem mandei aquy poer alguuas dos VII pecados mortaaes e das principaaes VII virtudes, de que vos em cyma tenho scripto, segundo per alguus doctores e sabedores som scriptos. [...] [LC, 20, 260] 36) Avendo scripta esta reparticom dos pecados suso declarada, vy a que diante se contem em huu livro que chamom Soma das verdades da theollogia. [...] [LC, 1, 273] 37) [...] Da compreissom, manha, saber, condiçom, virtudes, em quanto reguardarmos ao que nosso senhor deos nos tem naturalmente outorgado, por a rrazom suso scripta sempre devemos seer dcontentes, nunca lançando a el achaque de nossas culpas e fallicimentos. [...] [LC, 3, 279] - 161 - Almeida, E. S. 38) [...] E por descontentamento todo se faz em contrairo, ca se alguu do que de nosso deos naturalmente tem recebido, ou das cousas, que se per acontecimentos contra se prazer recrecem, [...] [LC, 2, 284] 39) [...] E sse o filhamos de nos por os malles que fazemos, ou avemos feitos, seja filhado com temperanca, por nom cairmos em continuada tristeza, menos-preço e desordenado penssamento ou desperaçom. [...] [LC, 24, 284] 40) [...] Ca estes, penssando que bateteróm em seu nome se decerem aas openyoões ou determynaçoões alheas, se forem contrairas do que ja em praca tem dicto ou mostrado, (e) por cousa nunca se vencem, mas com perfia querem levar seus feitos adiante. [...] [LC, 17, 302] 41) [...] Ca estes, penssando que bateteróm em seu nome se decerem aas openyoões ou determynaçoões alheas, se forem contrairas do que ja em praca tem dicto ou mostrado, (e) por cousa nunca se vencem, mas com perfia querem levar seus feitos adiante. [...] [LC, 17, 302] 42) [...] Com esto concorda huu capitullo que no Livro do Cavalgar avya scripto, o qual aquy fiz tralladar, de nos guardar de cayr pêra adiante apropriandoo as causas contrarias. [...] [LC, 9, 310] 43) [...] E sse presunçom, soberva ou vãa gloria nos querem fazer levantar, e trestombando cayr, perdendo alguus comecos de bem de alma e do corpo que deos nos tem outorgados, logo apresentando ante nossa nembranca cam pouco per nos vallemos e podemos, conhecendo nossos fallicimentos nos guardaremos com sua graça de cayr per os erros suso scriptos. [...] [LC, 23, 311] 44) [...] Onde Bernardo: entom se assanha deos mais, quando sse nom assanha, nem tenho fyuza que el me aja de seer favoravel, quando eu del nom tenho sentido, mas quando o ssento irado; quando fores, senhor, irado, entom te nembras da misericordia. [...] [LC, 17, 323] - 162 - Almeida, E. S. 45) [...] E alguuas cousas tenho scriptas no livro que faco de ssaber bem andar a cavallo e fazer as boas manhas que se custumam fazer em elles; e outras que por nom seerem taaes que a vos perteeçam as nom fiz aquy tralladar. [LC, 22, 342] 46) [...] E daquy se segue viir a conhecimento quanto mayor sera a que el outorgar por gallardom aos scolheitos, da que em geeral se da a boos, e a maaos, e as bestas, concordando em esto aquel dicto que o olho nom vyo, orelha nom ouvyo, coracom dhomem nom penssou tam grandes bees como deos tem ordenados pera os que o amam; e assy consiirar as penas do inferno, do qual diz o ssenhor que ally sera choro e astringymento de dentes. [...] [LC, 7, 345] 47) [...] guardavamos ao muy vytorioso, digno de grande e louvável memoria El Rey, meu senhor e padre, cuja alma deos aja, per as quaes avyamos recebido tal graca, que ja mais antre nos nom fora desacordo nem afroixamento de grande amor. [LC, 23, 358] 48) Amerceate de mym,/ Cristo deos, huu soo nacido; / pero eu mais te peco/ que nom tenho merecido;/ sey de mym sempre lembrado,/ por em fym nom seer perdido. [LC, 10, 377] 49) [...] Aa noite, sobre grande cea, bever muyto, ou augua, empeece em este caso, specialmente se ja tem bevydo e esta pera se lançar. [...] [LC, 12, 382] - 163 - Almeida, E. S. • SÉCULO XVI CORPUS DE D. JOÃO III Critérios de transcrição dos contextos desse corpus: [LC, 93] → abreviatura do documento, capítulo [...] → lacuna de um trecho no documento DADOS: 1) [...] Por serem Christããos, e terem recebyda aguoa do bautismo, devem ser defemdidos, emsynados e emparados, e nam desterrados; e por serem vasalos nossos, e estarem hy a nosa obydiemça e vosa e dos nosos capitaees d'esa cidade [...] [DJIII, 1] 2) [...] Nos, elRey, fazemos saber a quantos este nosso alvara virem que, avemdo nos respeito aos serviços que dõ Diogo de Meneses do noso cõselho, e craveiro da Ordem de Noso Senhor Jhesus Christo, tem feitos a nos e a esta ordem, e ao merecimento de sua pessoa, nos praz pera seu falecimento fazermos merce a seu filho [...] [DJIII, 4] 3) [...] Qua seus vassalos aos meus tem tomados pasante de trezentos navios, a quall perda, que mais verdadeiramente se podem chamar Roubos, Reducida a boa comta, monta tanto que me afirmão chegar a hu comto d'ouro [...] [DJIII, 6] 4) [...] E d’ella vee por quã pequenos e quã injustos prouveitos, quã gramdes e quã arrezoados imcõvenyentes, e quã craros escamdollos, he de necesidade que se syguão,com tamanhos danos e tantos Rompimentos de nosos vasallos e naturaaes, que ajumtados aos pasados que os meus tem recibidos, em quamto eu lhe nõ consynty e vemgança, seraom causa de tall odeo que muy difycillmente despois se Posa tirar das coraçoões. [...] [DJIII, 6] - 164 - Almeida, E. S. 5) [...] e pricipalmente nesta carta de marqua, fora muyta Rezão que me guardara; de que me eu folgarey de esquecer e de crer que foy por outras ocupaçõoes lhe teren tyrado totallmente o poder se bem enformar do que pasava, vemdo que manda co tanta presteza de se fazer com quanta sem Rezão se pasou [...] [DJIII, 6] 6) [...] com minha sabedoria, por alguuas naaos, que por guarda d'estes mares e costa por caussa de gramdes e conthynos Roubos que se nela faziã, cõ gramde despesa, como eu custumo e era neçessario, tinha mãdados, forom achados e tomados com Roubos, não de hua sorte de mercadorias [...] [DJIII, 6] 7) [...] E d'elle não ter tomado d'este neguocio, e do que se nelle avia e podia co direito fazer, verdadeira enformaçom, como era Rezão pois de tratava de tamanha novidade, em nossa amizade e antre nosos vassallos, como hesta, me he muy manifesta prova, deixando a cousa toda en sy e a concesão da carta [...] [DJIII, 6] 8) [...] que he Rey e que não pode neguar o que justamente lhe pedem, a ysto direis que vos pareçe que he asaz Respondido no que lhe tendes dito, e que justiça eu ha mãdey fazer, e que a de lla o nõ pode ser sem primeiro se provar que a de caa o não foy [...] [DJIII, 6] 9) [...] E porque o enperador, meu muyto amado e prezado irmãao, se ofreceu a dom Pedro Mazcarenhas, que lhe d’este neguoçeo deu conta, a fazer nelle todo o que podese, e estprever a elRey de Framça, e eu tenho aceytado seu ofreçimento, e espero que elle nisso faça o que deve, e eu d'elle confyo, lhe tenho sobre yso esprito e dado conta do que por vos mãdo dizer a elRey; e a dõ Pedro ysso mesmo estprevy. [...] [DJIII, 6] 10) [...] E porque o enperador, meu muyto amado e prezado irmãao, se ofreceu a dom Pedro Mazcarenhas, que lhe d’este neguoçeo deu conta, a fazer nelle todo o que podese, e estprever a elRey de Framça, e eu tenho aceytado seu ofreçimento, e espero que elle nisso faça o que deve, e eu d'elle confyo, lhe tenho sobre yso esprito e dado conta do que por vos mãdo dizer a elRey; e a dõ Pedro ysso mesmo estprevy. [...] [DJIII, 6] 11) [...] e despois de vos hua ou duas vezes a tall Reposta não terdes recebida, dizemdo que a não aveis aimda por Reposta, e esperaraaes, e lhe pedires muyto por merçe que o queira milhor cuydar, e lembrarse do que lhe tendes dito de minha parte, e de quantos males de o - 165 - Almeida, E. S. não olhar asy se podem seguir, de que a mym pesara muyto, mais d'elles serey mui sem culpa [...] [DJIII, 6] 12) [...] e despois de vos hua ou duas vezes a tall Reposta não terdes recebida, dizemdo que a não aveis aimda por Reposta, e esperaraaes, e lhe pedires muyto por merçe que o queira milhor cuydar, e lembrarse do que lhe tendes dito de minha parte, e de quantos males de o não olhar asy se podem seguir, de que a mym pesara muyto, mais d'elles serey mui sem culpa [...] [DJIII, 6] 13) [...] Darlhaeis, e conforme a ella lhe dires todas as booas palavras que vos mais pareçerem que servem, pera elle ver que eu sey o que elle tem feito, e que sua vomtade e pessoa ystimo muyto, de que terey sempre aquella lembrança que he Rezãa pera tudo o que lhe de mim cumprir, como o elle mereçe e segundo o amor e bõoa vomtade que lhe eu tenho [...] [DJIII, 7] 14) [...] e laa se dizer ysto mesmo, que vos digaees que ho nam creedes, porque, se asy fose, que volo escreveria, e que eu nam vos tenho mandado tal nova. [DJIII, 8] 15) [...] E como pesoa veria, e que eu nam vos tenho mandado tal nova. E como pesoa que totalmente avees esta por falsa [...][DJIII, 8] 16) [...] e por elas me destes conta de todo o que atee entã tinheis feito e pasado, e asy compridamente que Receby cõ iso muito prazer. [DJIII, 9] 17) Item: Isto que mando a Gaspar palha, que faça neste caso de Leon Pançado, he depois que vy a carta que me sprevestes do caso que la me aconteçeo; e nõ quis que por isso se torvase fazer elle aquele caminho e o que lhe mãdo que faça. E porem nam saiba elle que eu o tenho sabido; e vos trabalhay de fazer o que me sprevestes, vivendo aquela pesoa que ele ferio [...][DJIII, 10] 18) Dom Antonio, amiguo. Eu, elRey, vos emvio muito saudar. Vy a carta que me sprevestes, feita a biii dias de Junho, perla qual me deste comprida conta de todo o que atee entã tinheis pasado nos neguocios a que vos enviey. [...][DJIII, 11] - 166 - Almeida, E. S. 19) [...] E nõ tendo ainda avido Reposta, e parecendovos que se vos dilata, ou se por la ventura pasastes outra pratica cõ elRey ou cõ os de seu conselho [...][DJIII, 11] 20) [...] Vy a carta que me sprevestes de nove dias do mês de Junho pasado, sobre o caso que aqueceo a Gaspar Palha, e desprouveme d’iso por aquecer no luguar em que me dise Luis Afonso, e pelo descontentemento que por isso Recevestes; mas pela booa emformaÎ’ que d'ele tinheys de como tinha la bem servido, e tinha abilidade pera la me poder bem servyr, averey prazer que, se viveo o ferido, trabalhes por os fazerdes amigos [...] [DJIII, 12] 21) [...] E asy vy todas as outras cartas, e também a que co ellas veeo de dom Pedro Mazcarenhas, co que vos vistes. E antes d'estas tinha vistas as que trouxe Luis Afonso, a que vos nom Respondy loguo, por que dizeis que dentro em quatro dias esperaveis Reposta, parecendome que nõ podia tardar voso Recado [...] [DJIII, 13] 22) E despois que vy que tardava tanto, vos quis Responder, e o tinha feito quando Mexia cheguou, como veres por minhas cartas que vos tambem agora mãdo, E de tudo o que me tendes sprito que la fizestes e tenho muito contentamento, e asy de mo fazerdes saber tam particularmente, como compre a meu serviço. [DJIII, 13] 23) E despois que vy que tardava tanto, vos quis Responder, e o tinha feito quando Mexia cheguou, como veres por minhas cartas que vos tambem agora mãdo, E de tudo o que me tendes sprito que la fizestes e tenho muito contentamento, e asy de mo fazerdes saber tam particularmente, como compre a meu serviço. [DJIII, 13] 24) [...] Mas como vos eu quis mandar, cõ o desejo e bõa vontade que tenho pera todas minhas cousas virem em concordia cõ os Reis Christãos, e pela muita amizade que tenho amostrado a elRey de França e procurey sempre cõ elle, como o mundo o sabe [...] [DJIII, 13] 25) [...] E por tanto se, despois de me spreverdes, elRey vos tem respondido em alguua maneira de que posaes lançar mão, ou neguocio por qualquer via deer de sy cousa en que vos pareça que podes aproveitar [...][DJIII, 13] - 167 - Almeida, E. S. 26) [...] E que, se aos do seu conselho pareÎeo que cõ justiça concediã esta carta de marqua, visto he que sera mao de fazer mudarense do que ja lhe tem parecido. [...][DJIII, 13] 27) Item: ouve por meu serviço todo o que tendes dito e ffeito acerqua do Gram Mestre, e vindovos lhe dares comta de vosa vinda, conforme hÿmaneira de que vos vindes. [...] [DJIII, 13] 28) Item: ouve por meu serviço todo o que tendes dito e ffeito acerqua do Gram Mestre, e vindovos lhe dares comta de vosa vinda, conforme hÿmaneira de que vos vindes. [...] [DJIII, 13] 29) [...] E porque vos sprevo que no juizo dos ditos juizes terceiros se ponham todas as tomadias feitas de parte a parte e a carta de Marqua que estaa pasado a Joham Ango, se foy dada cõ dereito e como devia ou nom; e asy a sentença que ca foy dada da presa que se tomou aos Franceses, que tinhã tomada aos Castelhanos, se foy dada conforme a dereito e como cõ justiça se devia fazer. [...] [DJIII, 15] 30) Teemdovos respondido, como por minhas cartas veres, às cartas que trouxe Luis Afomso, e as estas derradeiras que trouxe Mexia [...] [DJIII, 16] 31) [...] no luguar omde aseemtardes, pera detryminaren os casos da carta de marqua que elle teem pasada em favor de Joam Ango contra meos naturaes e vasallos; e ho das tomadias que sam feitas de Reyno a Reyno pera se fazer niso comprimento de justiça; [...] [DJIII, 17] 32) [...] e ho da sentença que em meu Reyno foy dada contra os Framceses, a que foy tomada por minha armada, que amdava na garda da costa, a presa que eles tynham tomada aos Castelhanos, se foy beem dada contra eles e como cõ dereito se devya fazer; como compridamente vos sprevo, vos emvio duas procurações [...] [DJIII, 17] 33) [...] E asy mesmo sobre a sentença que foy dada em meu Reino por meus letrados contra os Franceses, a que foy tomada por minha armada que andava na guarda da costa a presa que elles tinhã tomada aos Castelhanos [...] [DJIII, 19] - 168 - Almeida, E. S. 34) Dom Antonio, amiguo. Eu, elRey, vos emvio muyto saudar. Eu tenho recebido tamto cõtentamento com vosas cartas, pelas quaaes tenho visto, e pellas obras sabido, como me tendes beem servydo e com quamto cuidado e diligencia, que, pela muyta booa võtade que vos teenho e por tan ben me servirdes, nam o podera com nemhuua cousa receber mayor; e vos gradeço muyto todo o que teemdes trabalhado por seer beem servydo. [...] [[DJIII, 20] 35) Dom Antonio, amiguo. Eu, elRey, vos emvio muyto saudar. Eu tenho recebido tamto cõtentamento com vosas cartas, pelas quaaes tenho visto, e pellas obras sabido, como me tendes beem servydo e com quamto cuidado e diligencia, que, pela muyta booa võtade que vos teenho e por tan ben me servirdes, nam o podera com nemhuua cousa receber mayor; e vos gradeço muyto todo o que teemdes trabalhado por seer beem servydo. [...] [[DJIII, 20] 36) Dom Antonio, amiguo. Eu, elRey, vos emvio muyto saudar. Eu tenho recebido tamto cõtentamento com vosas cartas, pelas quaaes tenho visto, e pellas obras sabido, como me tendes beem servydo e com quamto cuidado e diligencia, que, pela muyta booa võtade que vos teenho e por tan ben me servirdes, nam o podera com nemhuua cousa receber mayor; e vos gradeço muyto todo o que teemdes trabalhado por seer beem servydo. [...] [[DJIII, 20] 37) Dom Antonio, amiguo. Eu, elRey, vos emvio muyto saudar. Eu tenho recebido tamto cõtentamento com vosas cartas, pelas quaaes tenho visto, e pellas obras sabido, como me tendes beem servydo e com quamto cuidado e diligencia, que, pela muyta booa võtade que vos teenho e por tan ben me servirdes, nam o podera com nemhuua cousa receber mayor; e vos gradeço muyto todo o que teemdes trabalhado por seer beem servydo. [...] [[DJIII, 20] 38) Dom Antonio, amiguo. Eu, elRey, vos emvio muyto saudar. Eu tenho recebido tamto cõtentamento com vosas cartas, pelas quaaes tenho visto, e pellas obras sabido, como me tendes beem servydo e com quamto cuidado e diligencia, que, pela muyta booa võtade que vos teenho e por tan ben me servirdes, nam o podera com nemhuua cousa receber mayor; e vos gradeço muyto todo o que teemdes trabalhado por seer beem servydo. [...] [[DJIII, 20] 39) [...] e por ysto seer cousa de tamanha calidade, e tã cõtraira do em que estaes, e pera muyto eu querer veer o que cõpre a meu serviço que eu nele faça, e nysto podem pasar dous ou tres dias em que mãdarey partyr outro coreo com ha ResoluÎam que tinha tomada no neguocio pelo que me sprevestes, e no mais que sobre ysto me parecer que devo fazer, me areceo muyto necesario mãdarvos, logo na mesma ora em que esta recado me veeo [...] [DJIII, 21] - 169 - Almeida, E. S. 40) [...] E por outra carta de vosa maão me dezeis que, aleem dos sasemta mill francos que vos pedeem pellas despesas de Joham Amgo, tendes prometido ao Almirante dez mill cruzados, e que isto fez decer a Joham Ango tamto; [...] [DJIII, 22] 41) [...] e que cryees que farya outras alguuas cousas de meu serviÎo, por elle estar muy danado nestas cousas, e que o Almirante vos teem prometido que, em quanto ffor Almirante, nam yra de FranÎa nyguem Malagueta ao Brasyl; [...][DJIII, 22] 42) [...] E aimda que tenha por muy certo, que tudo o que nesto fezestes seerya por ser asy muyto meu serviço, pelas causas e Rezões que la pera yso vos moverã, e o faryes, cõformãdovos com as praticas que ca cävosco niso se tiverã, pellas cartas que vos sprevy por Luis AFonso teres visto o que era minha temçã que acerqua d'esta materya fezeseys [...][DJIII, 22] 43) [...] E posto que por vosas cartas agora veja o que ja temdes praticado e o negocio estee tamto avamte como dizees, por seer de tamanha ypurtãcia como he pera meu serviço [...][DJIII, 22] 44) [...] me pareceo muyto necess rio, por cyma de tudo o que teemdes praticado e vos la pareceo, vos sprever decraradamente o que querya que nisto se fizese, e maneira que folgarya que teveseys em o negociar, se possyvel fose. [...][DJIII, 22] 45) [...] E rtambem nam se sabia como estavam as armadas dos Framçeses, e as minhas nam estavã providas como agora estam, neem as duas naos da Imdia nas Ilhas junats a minha armada, como louvores a Deus, tenho nova e Recado que as outras duas se esperavam aly cada ora, neem averaão tam gastado como he; que sam cousas todas que mudã a sustancia do que emtam pareçia que cõprya a meu serviço. [...][DJIII, 22] 46) [...] E agora eu teenho aviso de dõ Pedro Mazcarenhas, meu enbaixador, que o õperador nam estaa sem Receo dos apreçbimentos de França, posto que la lhe deem outras cores, como veres pelo trelado da carta que me sprevo em çifra, que cõ esta vos emvio. [...] [DJIII, 22] - 170 - Almeida, E. S. 47) [...] E agora eu teenho aviso de dõ Pedro Mazcarenhas, meu enbaixador, que o õperador nam estaa sem Receo dos apreçbimentos de França, posto que la lhe deem outras cores, como veres pelo trelado da carta que me sprevo em çifra, que cõ esta vos emvio. Neem de laa tenho sabido, nem vejo por vosa carta, que as armadas dos Framceses sejam taes, nem esteem e) tal hordem, e tam a pique que, estamdo as minhas como estã, neeste pouco de veraão que fica, que nõ parece que posa abastar pêra soomente deytar as naaos ao mar, por que posam fazer dano tal que se deva tato arrecear. [DJIII, 22] 48) [...] Pelas quaaes causas todas ey por bem e meu serviço que, se o emperador e el Rey de Frãça estam em começo de ronpymento, o que, se as cousas estavã da maneira que pela dita carta de dom Pedro veres e depois se nam soldarã, ja deve de seer tãto avamte que craramente se veja que nam pode leixar d’aver rõpimento que, podendovos vos soltar do que temdes praticado, descõformãdovos em alguus põtos, que digaes que vos parecem necesarios, em que eles nam queyram vyr, ou em quererdes os tenpos dos pagamentos mais larguos do que eles ou queiram, ou por qualquer outra maneyra de descõformidade, que pareça que ho negocio ho daa, [DJIII, 22] 49) [...] emquãto elle fose Almirãte de França, nam irya nymguem á Malagueta neem ao Brasyl, de que esperaveys de tirar penhor e ao menos huua carta sua, por vos parecer asy milhor modo que o negociar en outra forma, ey por bem e meu serviço, posto que vos soltes de todo o al que teverdes praticado, como acyma vos vay apõtado, que vos lhos dees asy como lhos prometestes, [...] [DJIII, 22] 50) Iteem: vos me sprevestes que, posto que estaveys detryminado de dilatar ho negocio quamto podeseys, se porem eles vos cõçedesem ho em que ficareys, e apertasem cõvosquo, nem poderyes al fazer senam aceytar o cõcerto e a carta delRey de Frãça, quando se al nam podese fazer, ou minha reposta tardase, e o poderees teer açeytado de tal maneira que nam posaes leixar de o cõcludyr e cõpryr, pera gardades vosa palavra, em tall caso ey por bem que asy compraes, sem embarguo do que vos apõto em cõtrairo; por que ey por muyto certo que o niso teverdes feyto, foy o que mais cõpria a meu serviço. [DJIII, 22] 51) Iteem: vos me sprevestes que, posto que estaveys detryminado de dilatar ho negocio quamto podeseys, se porem eles vos cõçedesem ho em que ficareys, e apertasem cõvosquo, nem poderyes al fazer senam aceytar o cõcerto e a carta delRey de Frãça, quando se al nam podese fazer, ou minha reposta tardase, e o poderees teer açeytado de tal maneira que nam posaes leixar de o cõcludyr e cõpryr, pera gardades vosa palavra, em tall caso ey por bem que asy compraes, sem embarguo do que vos apõto em cõtrairo; por que ey por muyto certo que o niso teverdes feyto, foy o que mais cõpria a meu serviço. [DJIII, 22] - 171 - Almeida, E. S. 52) [...] nam podendo tomar tempo pera cõpridamente de tudo me avisardes por vosa carta, como o faryees por vos, e esperar minha reposta, em tall caso averey por beem que cõcludaees na milhor maneira que poderdes, segundo tendes praticado; e podendo vos vyr, ou nam podendo sprevendome na dita maneira. [...] [DJIII, 22] 53) E em caso que de quallquer maneira vos vos ajaes de vyr, leixares por sprito ao doutor Gaspar Vaaz todas as cousas e termos em que ho negocio ficar, e asy como vos teenho sprito por Luis Afomso que ho fezeseys, e primcipalmente ficando o negocio em dilaçã, [...] [DJIII, 22] 54) [...] o qual me pareceo necesario vos mãdar beem decrarado, como veres ello capitolo que cõ esta vos emvio. E aimda que cõ vossa reposta elles se tenham lançado de la se fallar neles pera este negocio [...] [DJIII, 22] 55) [...] E por esta mesma carta vos dezia que, atee aquele dia, vos tinha respondido a vosas cartas que trouxe o voso criado, que veo em posta que partio a XX de Julho pasado, e cheguou ca segunda feira deradeiro do dito mes; [...] [DJIII, 23] 56) [...] e asy o que mais ouvese por meu serviço, e, segundo que creo, que ja teres visto por a dita minha carta. [...] [DJIII, 23] 57) [...] O que tinha determinado e avia por meu serviço que fizeseis, ante de ter avida a nova da armada dos Franceses, veres pela carta de minha reposta ás vosas que cõ esta vos envio [...] [DJIII, 23] 58) [...] O que tinha determinado e avia por meu serviço que fizeseis, ante de ter avida a nova da armada dos Franceses, veres pela carta de minha reposta ás vosas que cõ esta vos envio [...] [DJIII, 23] - 172 - Almeida, E. S. 59) [...] Pelas quaes rezões todas, eu ey por meu seviço que vos nam façaes o concerto que tinheys praticado em nehuua maneira. [...] [DJIII, 23] 60) [...] Pelas quaes rezões todas, eu ey por meu seviço que vos nam façaes o concerto que tinheys praticado em nehuua maneira.E em caso que tenhaes concertado, ey por bem que vos desconcertes em todas as maneiras. [...] [DJIII, 23] 61) [...] E porem, se teverdes dados ao Almyrante os dez mil cruzados que lhe tendes prometidos, que me pareçe que ainda lhe nam seram dados, e querendovos eles la tomar em paguamento dezanove mil cruzados, [...] [DJIII, 23] 62) [...] E porem, se teverdes dados ao Almyrante os dez mil cruzados que lhe tendes prometidos, que me pareçe que ainda lhe nam seram dados, e querendovos eles la tomar em paguamento dezanove mil cruzados, [...] [DJIII, 23] 63) [...] que me spreve o meu feitor de Frandes que sam tomados na vica chamada Santa Ana de Gorticosta pelas naos que hiam Malagueta, e seis mil cruzados que sam tomados a certos mercadores, meus vasalos de Viana, que estam na Rochela secrestados, que sam trinta e cinquo mil cruzados, em tall caso vos por este modo casares o dito concerto ainda que o nom tenhaes concludido; e os mil cruzados pera comprimento se paguaram ao termo que concertades. [...] [DJIII, 23] 64) [...] onde vos mandey da maneira que fostes, cõ todas as mais palavras que segundo vos tenho sprito vos parecer que lhes eves de dizer, tomando por fim d'elas que vos vos queres vyr a me dar conta de todo o que la pasas.[...] [DJIII, 23] 65) [...] que teenho por certo que foy tall quall cõpria, e que niso nam se pode mais fazer, neem com milhor modo e mais gardado meu serviço, do que vos ho teemdes feyto; do que teenho muyto cõtentamento. [...] [DJIII, 24] - 173 - Almeida, E. S. 66) [...] Pelo que vos emcomendo e mamdo que todo o que fica por fazer pera yteira cõclusam e efeyto do que açerqua d'esta parte do cõcerto da marqua de Joham Amguo teemdes feyto e asentado, vos o facaes, asy spritura de tudo ho que em os conhecimentos do Almirãte [...] [DJIII, 24] 67) [...] Pelo que vos emcomendo e mamdo que todo o que fica por fazer pera yteira cõclusam e efeyto do que açerqua d'esta parte do cäcerto da marqua de Joham Amguo teemdes feyto e asentado, vos o facaes, asy spritura de tudo ho que em os conhecimentos do Almirãte e voso se colhem e tratastes, com as clausullas e palavras que pera mayor segurança sejam necesarias, como os pagamentos dos dinheiros que se loguo ham de pagar; e pera os outros teermos que teemdes aseentado dar hordeem como se cumpra inteyramente; pera os quaes pagamentos vos emvio minha provisam, como por ela verees. [...][DJIII, 24] 68) e que asy era tomada outra naao d'açuqueres e outras presas; e ue Jõ Amguo tynha mamdado delRey pera embargarem toda esta fazenda, e asy outra naao d' açuqueres que estava em Ruam que tomou naao que vinha do Brasyl; [...] [DJIII, 24] 69) [...] pera o que, com ho cäncerto que fizestes, tynheis avida provisam delRey pera o dito Joam Anguo nam poder usar do dito mandado, e as ditas presas serem Restetuydas. [...] [DJIII, 24] 70) [...] E vos veres pellas cartas que vos teenho sprito o que acerqua desta Restetuyçã avia por meu serviço, e por que pois esta fazeenda se avia de Restetuir, [...] [DJIII, 24] 71) [...] aimda que creo que nestas nam avera esta duvyda, pella maneira de que vollo teem prometido e me sprevees, todavya vos lembro que ho segurees com todas as cautellas que pera yso forem necesarias, [...] [DJIII, 24] 72) [...] de maneira que eles nam cuidem que vos satisfazem, cometemdovos a se pagar por suas justiças, e dizemdo que loguo se pagara, porque ysto nunca aveera efeyto, como estaa visto pellas causas pasadas, mas que detryminadamente ho mandeem loguo entregar. [DJIII, 24] - 174 - Almeida, E. S. 73) [...] Porque, d'outra maneira, vos nam saberyees como vyr a my, por seer pasada tall cousa em tempo que vos tynheys praticado o que elle sabe, e isto em cousa tã contraria ao fym a que la vos emviey. [...][DJIII, 24] 74) [...] E os leixares o mais meus servidores que poderdes. E a eles despois d'isto, e de terdes fallado a elRey no negocio das naaos, lhe fallares acerqua d'ellas na propria maneira em que vos mando que ho falles a elRey. [DJIII, 24] 75) Iteem: o que vos teenho sprito que façaes pelas outras cartas, quamdo vos partyrdes, com a Rainha minha madre, e Madama, may delRey de Frãça, [...][DJIII, 24] 76) [...] por duas cartas minhas, que com esta vos emvio, veres as vosas que atee emtam tinha Recebidas, e o que a elas vos respondia; as quaes vos agora mando pera vosa enformaçã soomente, [...] [DJIII, 24] 77) [...] Ayres da Cunha me escreveo que tinha o galleam prestes e que serya nesa cidade ate dez d’este mes; encomemdovos muyto que ho mamdes fazer prestes, pera ir nesa armada com o moor brevidade que for posivell. E Fernam d’Alvares me dise que vollo tinha escrito, e vos mandara a carta que vos Ayres da Cunha d’iso escrevia. [...] [DJIII, 29] 78) [...] Os capitães das caravelas e navios sam jaa todos partydos,e Nicollao Jusarte me tem estprito que ate dez d'este mes sera nesa cidade.[...] [DJIII, 29] 79) [...] e todas sam filhados cõ decraraçama que, nõ imdo nesta armada, por quallquer caso que seja, seus filhamentos nom ajam efeyto, e por este Respeito me pareçe que sam. [...] [DJIII, 29] 80) [...] foy que, vymdo elle do Rio da Prata, correndo a costa do Brasill, veyo teer a Pernambuco, õde achou os Franceses, que tinham feyto fortalleza; e lha tomou, e os tomou - 175 - Almeida, E. S. a elles, e ficou paçificamente em poder de Purtugeses sem nenhuua contradiçam. [...] [DJIII, 35] 81) [...] Eu, ellRey, vos emvio muito saudar. Bem tendes sabydo como veyo aqui Antonio Vaaz de Llacerda, e a cõta que deu das cousas de França; [...] [DJIII, 36] 82) [...] Encomendovos muyto que, tanto que as ditas naoos forem vindas, mandeis fazer d'ellas e dos Françeses o que vos tenho escrito. [...] [DJIII, 38] 83) E por que vos eu tenho esprito sobre alguuas cousas que a yso toquão, nesta vos nom Respondo ao que me em ella spreveis, atee que nõ veja vosa Reposta; tanto que vyer o farey. [...] [DJIII, 40] 84) [...] E eu proverey no que açerqua d'iso spreveis; e eu o tinha ja começado a fazer; e porem pois asy hesta, eu proverey loguo. Sprita em Evora, a XXV de Janeiro. Amdre Pirez a fez, de 1533. J. [...] [DJIII, 40] 85) [...]e asy a que aguora fiz com o emperador, meu muyto amado e preçado irmão, no de Malaqua; e asy mesmo a costa de Guinee e Brasil, ou aquela parte d’elas que nas ditas minhas demarcações nom entrar e que eu aguora pesuyo, pelas ter descobertas, ainda que pertençam ao emperador. [...] [DJIII, 42] 86) [...] Quanto ao que dizeis d'Antonio Vaaz pare‡eme bem vyr quaa, pera o mandar lloguo despachar cõ allgu)a merçee pera a India, pera ir nestas primeiras quatro naoos como vos tenho escrito; e mande llaa Lluis AFonso pera vyr cõ elle, [...] [DJIII, 45] 87) Vejo todo o dizeis d'armada da Malageta, e por eu teer jaa a nova de Jan Afonso, pelo corregedor do Algarve, vos tinha escrito que Duarte Coelho se vyese h s Ilhas esperar as naoos da Imdia, [...] [DJIII, 45] - 176 - Almeida, E. S. 88) [..] se escusar despesas d'outra armada, como vereis pela outra carta que vos tinha escrito. E o dito Duarte Coelho avia d'andar na costa [...] [ DJIII, 45] 89) COMDE, amiguo. Eu, elRey, vos emvio muito saudar. Bem creo que teereis sabido como Amtonio de Brito se foy, sem se espedir de my. [...] [DJIII, 48] 90) [...] E depois me foy dito que nõ queria ir este ano há India, por eu ter nomeado capitães moores nesas armadas, ou por outros Respeytos. [...] [DJIII, 48] 91) Eu, elRey, vos envio muito saudar. Avemdo eu Respeito a ter mamdado que todas as pesoas que teverem officios pera a India vão lla nesta armada, e, não imdo, que se percão; [...] [DJIII, 49] 92) [...] ey por bem que todos vam, e asy quaesquer outros Homees do mar que vos bem pareçer, sem ambargo da provisam que esta na casa da India, por que tenho defeso que nõ vam llaa Christãos novos, e da ordenaçam nova em cõtrario; [DJIII, 51] 93) [...] posto que pera iso nã tenhão meus allvaras, e depois pera os outros; e que os vinhos se carreguem depois das naaos terem tomada cargua das mercadorias e mantimentos que hão de llevar, e asy a agoa necesaria. [...] [DJIII, 55] 94) [...] sallvo depois das ditas naaos terem todas as mercadorias, aguoa e mantimentos que ham de llevar; e depois d'ysto asy agasalhado, das liçenças que eu tiver pasadas se carregarão primeiro as das pesoas que me andã servindo na Imdia, e das que na dita Armada vão; [...] [DJIII, 55] 95) Quando há naoo Bom Jhesus, que dizeis que foy nomeada a dä Francisco de Noronha, nom se fez, senam pareçe, do que tinheis afyrmado, ir por capitayna a naoo Çirne. [...] [DJIII, 56] - 177 - Almeida, E. S. 96) [...] e asy ey por bem que se faça, e que se nõ mude a Repartiçam que tendes feyta dos mestres e pillotos, por que me pareçeo muy bem; e quero que se cumpra como estaa. [DJIII, 56] 97) O que pasastes cä os mercadores estaa muy bem feyto; e por outra carta vos tynha escripto sobre o galleã Trindade. [...] [DJIII, 56] 98) Vy todo o que dizeis que pasastes cõ Fernam Gomez, e asy o que d'amtes tinheis esprito a Fernam d'Alvarez per Symão da Veygua, e a carta que o mesmo Fernam d'Alvarez; [...][DJIII, 61] 99) Fernam d'Alvarez me fallou em Affonso Annes Dastim pilloto; e porque na sua petiçam dizia que vença sua moradia, tinha mandado que se lhe dese e a vencese enquanto servise nesta vyajem, ou o que nela mätase, [DJIII, 61] 100) [...] E porque eu tynha sprito a Joam Gomez que lhe descontase d'elles cento e oytenta millreis, que Francisco Lopez Recebeo de certos dinheiros que vyerã da Ilha de Madeira, [...] [DJIII, 64] 101) vos encomendo muyto que mandeis ao dito João Gomez que lhe entrege todos os ditos dous mill cruzados, sem descõtar os ditos CLXXX milreis, como lhe tinha escrito, por que me espreveo meu amo que todos sam necesarios. [DJIII, 64] 102) [...] E agardeçervos ey muyto escreverdes me d'yso o voso pareçer, depois que todo teverdes bem visto e sabydo. Fernam d'Alvarez a fez, em Evora, ao primeiro dia de março de VcXXXiii. J. [...] [DJIII, 68] 103) [...] E agardeçervos ey muyto escreverdes me d'yso o voso pareçer, depois que todo teverdes bem visto e sabydo. Fernam d'Alvarez a fez, em Evora, ao primeiro dia de março de VcXXXiii. J. [...] [DJIII, 68] - 178 - Almeida, E. S. 104) [...] por o veador da fazenda da India lhe nõ mandar aquele anno huu navio, que cada anno lhe ha de enviar, segundo lhe tenho mãdado que o faça, Çofala e Moçanbique estam muy apertados e em) grande necesidade; [...] [DJIII, 69] 105) [...] e porque Diogo Nunez me pidia tutor e curador dos filhos d’Antonio Bello huu Tome de Payva, cavaleiro de minha casa, vos emcomendo muyto que saybays d’allguas pesoas que homem he, e se sera pera yso; e sendo, direis de mynha parte ao corregedor Diogo Rodrigues, que tenho encarregado o dito Tome de Payva de tutor dos ditos horfãos; e nõ sendo pera yso, mandareis saber que pesoa avera nesa cidade que seja pera iso, e o queyra fazer, [...][DJIII, 69] CORPUS DA GRAMÁTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA - JOÃO DE BARROS Critérios de transcrição dos contextos desse corpus: [GJB, 1, 9] → abreviatura do documento, número da linha, da página [...] → lacuna de um trecho no documento Æ GRAMÁTICA DADOS: 1) Passádo mais que acabádo, como: Eu amára ou, soprindo per rodeo, dizendo: Eu tinha amádo, per o quál rodeo demostramos ter dádo fim à óbra. [GJB, 24, 17] - 179 - Almeida, E. S. 2) Passádo mais que acabádo, como: Eu amára ou, soprindo per rodeo, dizendo: Eu tinha amádo, per o quál rodeo demostramos ter dádo fim à óbra. [GJB, 24, 17] 3) Chamamos tempo per rodeo quando simplesmente nam podemos usár d'algum; entám pera ô sinificár tomamos este vérbo tenho, naquele tempo que é máis confórme ao vérbo que queremos conjugár, e, com o seu partiçípio passádo, dizemos: tivéra amádo, como se póde ver, no tempo passádo e máis que acabádo, no módo pera desejár, o quál suprimos per este rodeo, por nam termos simples com que ô sinificár. [GJB, 23, 22] 4) [...] E no módo infinitivo nam acabádo, por nam termos tempo passádo e vindoiro, ambos simples, sinificamos per rodeo o passádo, dizendo: ter amádo, lido, ouvido, sido; e o vindoiro:[h]aver d'amár, ler, ouvir, ser. [GJB, 26, 22] 5) [...] E no módo infinitivo nam acabádo, por nam termos tempo passádo e vindoiro, ambos simples, sinificamos per rodeo o passádo, dizendo: ter amádo, lido, ouvido, sido; e o vindoiro:[h]aver d'amár, ler, ouvir, ser. [GJB, 26, 22] 6) [...] E no módo infinitivo nam acabádo, por nam termos tempo passádo e vindoiro, ambos simples, sinificamos per rodeo o passádo, dizendo: ter amádo, lido, ouvido, sido; e o vindoiro:[h]aver d'amár, ler, ouvir, ser. [GJB, 27, 22] 7) [...] E no módo infinitivo nam acabádo, por nam termos tempo passádo e vindoiro, ambos simples, sinificamos per rodeo o passádo, dizendo: ter amádo, lido, ouvido, sido; e o vindoiro:[h]aver d'amár, ler, ouvir, ser. [GJB, 27, 22] 8) Temos máis alguns tempos simples, os quáes por cópia da nóssa linguágem máis que por defeito déla, ôs podemos dizer também per rodeo, como o tempo passádo máis que acabádo do módo pera demonstrár, o quál, simples, dizemos amára e per rodeo, na mesma sinificaçám, tinha amádo. Ainda que paréçe no sentido que estes tempos simples com o partiçípio dam à óbra algüa máis perfeiçám em tempo. [GJB, 30, 22] - 180 - Almeida, E. S. 9) O módo pera desejár no tempo passádo nam acabádo dizemos também per rodeo: Ó se tivéra amádo, lido, ouvido, sido, ainda que este partiçipio, sido, máis comum é aos castelhanos que a nós. [GJB, 2, 23] 10) O módo pera desejár no tempo passádo nam acabádo dizemos também per rodeo: Ó se tivéra amádo, lido, ouvido, sido, ainda que este partiçipio, sido, máis comum é aos castelhanos que a nós. [GJB, 2, 23] 11) O módo pera desejár no tempo passádo nam acabádo dizemos também per rodeo: Ó se tivéra amádo, lido, ouvido, sido, ainda que este partiçipio, sido, máis comum é aos castelhanos que a nós. [GJB, 2, 23] 12) O módo pera desejár no tempo passádo nam acabádo dizemos também per rodeo: Ó se tivéra amádo, lido, ouvido, sido, ainda que este partiçipio, sido, máis comum é aos castelhanos que a nós. [GJB, 2, 23] 13) O tempo passádo nam acabádo do módo pera ajuntar, também ô suprimos per rodeo, dizendo: Como te/ria eu amádo, lido, ouvido, sido. [GJB, 5, 23] 14) O tempo passádo nam acabádo do módo pera ajuntar, também ô suprimos per rodeo, dizendo: Como te/ria eu amádo, lido, ouvido, sido. [GJB, 5, 23] 15) O tempo passádo nam acabádo do módo pera ajuntar, também ô suprimos per rodeo, dizendo: Como te/ria eu amádo, lido, ouvido, sido. [GJB, 5, 23] 16) O tempo passádo nam acabádo do módo pera ajuntar, também ô suprimos per rodeo, dizendo: Como te/ria eu amádo, lido, ouvido, sido. [GJB, 5, 23] - 181 - Almeida, E. S. Æ DIÁLOGO EM LOVVOR DA NÓSSA LINGVÁGEM (JOÃO DE BARROS) DADOS: 1) [...] O pregador d’el-rei, frei Joám Soares. E lógo perguntei per que ô prinçipiava, por causa do trabálho que levou em a composiçám da Gramática da nóssa linguágem que lhe tem derigida. [GJB, 6, 42] 2) [...] Nem eu por ter dirigido a su'alteza o trabálho que dizes, devo esperár máis que, por me fazer mercê, ômandar examinár; e, sendo táes, que possam aproveitar aos mínimos, mandará que se leam em as escolas. [...] [GJB, 10, 42] 3) Eu nam falo em latinos, de que Espanha tem tomádo pósse antiguamente. [...] [GJB, 1, 46] 4) [...] Este exerçiçio, se ô nós usá ramos, já tivéramos conquistáda a língua latina, sinál désta verdáde, é que, nam somente temos vitória déstas partes, mas ainda tomamos muitos vocábulos, como podemos ver em todolos que começam am ÁL e em XÁ, e os que acabam em Z, os quáes sam mouriscos. [...] [GLB, 4, 46] 5) Nam está em máis remédio que vir a notíçia d'el-rei, nósso senhor, porque, como é zelador dos bons costumes, e favoréce as lêteras, tam liberál e maníficamente, mandará prover nisso, como ô tem feito em os estudos de Coimbra. [GJB, 39, 48] 6) A quál óbra será pósta no catálogo das mercês que estes reinos dele tem reçebidas, mui çelebráda dos presentes e louváda dôs que viérem depois de nós. [GJB, 40, 48] - 182 - Almeida, E. S. Æ EM O DIÁLOGO DA VIÇIÓSA VERGONHA (JOÃO DE BARROS) DADOS: 7) [...] E, porém, porque a prática é contigo, e ordenáda aôs de tua idáde, os quáes já das escólas tendes ouvido ditos e sentenças/ de moráes escritores, como Plutárco, [...] [GJB, 3, 50] 8) [...] Isto será quando tevéres ô que te pedirem, cá / nam ô tendo, ou tendo mais obrigaçám de pagár ô que déves que fazer graças, responde ô que disse Foçiom, capitám ateniense aos seus cidadãos, que lhe pediam ajuda pêra óbras de um templo: <<vergonha teria se ô désse a vós e nam a este a quem ô devo>>, amostrando um crédor a que devia u[@]a sóma de dinheiro que lhe tinha tomádo a logro.[GJB, 7, 65] 9) [...] E por isso reprendeo Zeno, filósofo, a um mançebo que andava escondido de um seu amigo a quem tinha prometido dár por ele um testemunho falso: Ó desaventurádo e fraco de espírito, ele ousou de te injuriar e nam [h]ouve vergonha, e tu, pela justça, nam ousas contradizer seu requerimento?>> [...] [GJB, 25, 65] - 183 - Almeida, E. S. • SÉCULO XVII CORPUS DOS DOCUMENTOS NOTARIAIS DO CONVENTO DO CARMO Critérios de transcrição dos contextos desse corpus24: [CV, 1, 11, 193] → abreviatura do documento, número do traslado, da linha, da página [.]→lacuna de um grafema no documento [..]→lacuna de um vocábulo no documento [...] → lacuna de um trecho no documento comprimento → restaurando um grafema [huã pitissão] → restaurando um constituinte movido domio [ domínio] → desenvolvendo abreviaturas [pronome obíquo] → comentário ou dúvida de morfo-sintaxe DADOS: 1) [...] em nome do dito seu filho me foi aprezentada huã pitissão, que havia feito o Juis ordinário do dito Rio de Janeiro o Cappitam Francisco de Brittes Meirelles em que dizia que a elle, e ao dito seu filho Gonçalo de Muros lhes havião concedido duas datas de Sesmarias no dito Rio de Gaupiasu [...] [1, 15, 193] 2) [...] [huã pitissão] em que dizia que a elle e dito seu filho Gonçalko de Muros lhes havião concedido duas datas de Sesmarias no dito Rio de Guapiasu [...] [1, 18, 193] 24 Baseado em ELEUTÈRIO (2003). - 184 - Almeida, E. S. 3) [...] e mando Atanzio da Mota escrivão de meo cargao que lhe passe a sua carta a qual será registrada no livro da fazenda de sua Magestade para que em todo tempo se saiba como tenho feito a dita mersé em nome do dito Senhor [...] [1, 89, 195] 4) [...] e se alguas pessoas a quem forem dadas as agoas no termo da dita cidade de Sam Sebastião assim prezentes como auzentes [pessoas] as tiuerem perdidas por não fazerem bemfeitorias serão obrigados [...] [2, 114, 199] 5) [...] que elle rompa e aproueite a dita terra e agoas e as frutifique dada esta em três años primeiros seguintes, e outrossim fará de maneira que dentro em coatro mezes tenha feita nellas na dita terra algu proueito e [tenha] plantado algus mantimentos e [...] [2, 128, 199] – [apresenta os dois usos] 6) [...] e lhe será deixado algus logradoros do que aproueitado não tiver e sobretudo pagará mil reis para as obras do conselho [... ][2, 131, 199] 7) [...] fui eu Tabalião ao diente nomeado ao bairro de nossa Senhora da Ajuda, e sendo la nas pouzadas de hieronimo Vellozo Cubas, e bem assim sua molher Beatriz Alveres foi dito que elles tinhão feito huã escritura de doação de huas terras na goaratiba [...] [3, 12, 200] 8) [...] huas terras na goaratiba e juntamente se tinhão instituídos marido e molher hum ao outro por herdeiros e estituidores por suas mortes e [....] [3, 14, 200] 9) [...]e [tinhão] retificado a dita escritura como nella se continha e hora de prezente elles ditos marido e molher [... ][3, 15, 200] 10) [...] e de maneira que elles ditos tem doado a caza de Nossa Senhora do desterro sita nas terras de Guaratiba... [3, 21, 201] - 185 - Almeida, E. S. 11) [...] os fazem herdeiros de todos os seos bens moveis e de raiz, escravos e criaçons que por morte delle se acharem e tem doado e doam a dita Hermida para que por morte delles... [3, 25, 201] – [alterou a pessoa] 12) [...] que esta lançado nos livros dos acórdãos da dita Sancta Caza e sem embargo de se ter passado quitação das ditas cazas ao dito testamenteiro [...] [4, 40, 203] 13) [...] dezistirão da posse e dominio que nas ditas cazas tinhão e do emcargo que hauião feito para a dita escritura da dita Missa quotidiana,[... ][4, 59, 204] 14) [...]por dezobrigada a dita Sancta Caza da obrigação que hauia feito, a qual tomauão sobre si como dito he[... ][4, 77, 204] 15) [...] a elles suplicantes e ao seo convento e porque tendo aseito a Sancta Caza da Mizericordia rezulução que tomarão em meza [...] [4, 102, 205] 16) [...] na forma da dispozição do testador porquanto temos dezistido das cazas, e da administração desta capella por justas cauzas de que fizemos acórdão[...] [4, 114, 205] 17) [...] Haia uista desta resposta o testamenteiro e com a sua torne Rio deis de Dezembro de seis centos e noventa// [4, 125, 205] 18) [...] e como desta sorte tenho dado comprimento aos ditos legados nos quais entrão as ditas cazas de que se faz mensão[...] [4, 136, 206] 19) [...] para o Dezembargador o Doutor João da Rocha Pitta como Ouidor Geral desta repartissão sobre o despacho que hauião [os padres] posto em huã petisão que o dito senado[...] [6, 40, 208] - 186 - Almeida, E. S. 20) [...] em huã petisão que o dito Senado hauia feito o Padre Frei Jgnacio da Graça Prior do dito Convento sobre não querer liurar os suçidios de huas pippas de uinho[... ][6, 41, 208] 21) [...] de que tudo se fizera autoamento de que se acostara a petissão que os ditos agrauantes hauião feito, e na qual dizião// [6, 45, 208] 22) [...] pera lhe lhebertarem (sic) as ditas catorze pippas de vinho e fizerão a consinação na mão de Antonio Vaz Domingues a quyem as comprão por não terem ainda leuado mas que coatro pippas[...] [6, 78, 209] 23) [...] porque de qualquer maneira se lhe deuião libertar ao dito convento as ditas catorze pippas que pedia que era a quantia de sua consinação e mas quando o dito comvento não tinha leuado nehua deste anno,[...] [6, 89, 209] 24) [...] pello que sem embargo do dito fundamento que os ditos offiçiais da Câmara tomarão lhe deuião libertar as ditas pippas de uinho que lhe tinhão consinadas e [...] [6, 92, 210] 25) [...]e [tinhão] arbitradas para cada hum anno para prouimento e gastos do seo convento [...] [6, 92, 210] 26) [...] como que tudo se manifestaua o agrauo que lhe fazião os offiçiais da Câmara, e porquanto tem agrauado perante elles e tomara o agrauo o escriuão Jorge de Souza [....] [6, 98, 210] 27) [...] e tomara o grauo o escriuão Jorge de Souza, e ia sobre esta mesmo particular se tem dado duas sentensas a fauor dos Reverendos Padres da Companhia e dos Reverendos Religiozos de Sam Bento[...] [6, 100, 210] 28) [...] pedindome emfim ao dito meo Ouidor Geral lhe fizesse merse que com resposta dos ditos offiçiais da Câmara o dezagrauasse mandando aos ditos offiçiais lha libertassem do - 187 - Almeida, E. S. subçidio grande as ditas catorze pippas de vinho que tinhão tomado a Antonio Vas Domingues [...] [6, 106, 210] 29) [...] lhe leuem em conta as que tem elles suplicantes tomado pêra o convento depois que arendarão o dito contrato athé o prezente,... [6, 133, 211] 30) [...] que Vossas merses me hauerão uisto me persuadir que na forma que eu lhe consedi aquella izensão rezolvam vossas merses a logrem também os do Carmo pois nelles comcorrem mais rezons de menos cabedal para o mereserem// [6, 158, 211] 31) //Comcluzo nas pipas que se iustificarão ter comprado depois de noue de Outubro para que,[... ][6, 235, 213] 32) [...] e jurando os suplicantes serem para sustento do convento se uze do despacho que lhe temos dado mais e iunto em dezaseis de Outubro do dito mês[...] [6, 237,213] 33) [...] pello que não fazendo elle assim pedaços os ditos três años se dará a dita terra em agoa quem (sic) aproueitada não touer de sesmarias a quem as pidir para aproueitar[...] [7, 87, 217] 34) [...] e lhe será deixado alguns logradouros do que aproueitado nam tiuer, e sobre tudo pagara mil reius para as obras do concelho desta cidade,[...] [7, 89, 217] 35) [...] Dis Christouam de bairos que elle tem feito nesta Capitania e cidade de Sam Sebastiam hum emgenho de asucar no Rio de Mage[...] [8, 24, 219] 36) [...] (nas cabeceiras das pessoas) das pessoas que tiuerem dadas na dita parte e recebera mersé// [8, 32, 219] - 188 - Almeida, E. S. 37) [...] e se alguas pessoas a que forem dadas terras no termo da dita cidade as tiuerem perdidas por as não aproueitarem[...] [8, 71, 220] 38) [...] e faça de maneira que dentro em coatro mezes tenha feito nas ditas terras algum proueito e [tenha] plantado alguns mantimentos, [...] [8, 85, 220] 39) [...] e compridos os ditos três annos que as tenha aproueitdas como dito he; porque não pffazendo elle assim passados os ditos três annos se darão as ditas terras que aproueitadas não estiver (sic) [... ][8, 87, 220] 40) [...] e lhe seja deixado alguns logradores do que aproueitado não tiver, e sobre tudo pagara mil Reis para as obras do Conçelho e dará pellas ditas terras[...] [8, 91, 221] 41) [...] e disse o seguinte declara o Suplicante que o cham que pede pera as cazas sam uinte braças ao longo da Rua direitas, atheo o (sic) que tudo tem sercado, [...] [9, 55, 223] 43) [...] e se alguas pessoas a quem forem dadas terras no dito termo as tiuerem perdidas por as não aproueitarem, e uolas tornarem a pedir uos lha das de nouo para as aproueitarem [....] [9, 105, 224] – problema de concordância 44) [...] e outrosim Dara da maneira que dentro em coatro mezes tenham feito nellas algum proueito e plantado alguns mantimentos como forem compridos os ditos três años que as tenha aproueitadas como dito he... [9, 127, 225] – [como:fnalidade ou conformidade ?] 45) [...] como forem compridos os ditos três años que as tenha aproueitadas como dito he, porque não o fazendo elle assim paçados os ditos três anos [...] [9, 129, 225] 46) [...] paçados os ditos três anos se darão as ditas terras que aproueitadas não tiuer de sesmaria a quem as pedir para as aproueitar[...] [9, 131, 225] - 189 - Almeida, E. S. 47) [...] a quem as pedir para as aproueitar e lhe será deixado alguns logradores do que aproueitado não tiuer, e sobretudo pagara mil reis para as obras do conçelho e para as fontes e pontes vieiros e pedras que lhes neçessario forem[....] [9, 133, 225] 48) [...] e acabados os ditos três años tendolhe o dito Ayres Fernandez, feito no dito cham cazas e bemfeitorias elle o poderá uender dar e as doar trocar escambar e fazer delle o que lhe bem uier[...] [9, 148, 225] 49) [...] e se aluas pesoas q que assim forem dadas terras no dito termo e as tiuerem perdidas por as não aproueitarem e uos lãs tornarem a pedir uos lhas das de nouo para as aproueitarem com as condiçõns e obrigaçõns contheudas neste Capitulo,[...] [10, 72, 227] 50) [...] e outrosim se fará de maneira que dentro em coatro mezes tenha feito nellas algum proueito, e [tenha] plantado alguns mantimentos[...] [10, 94, 228] 51) [...] e [tenha] plantado alguns mantimentos[...] [10, 95, 228] 52) [...] e como [quando] forem compridos os ditos três annos que as tenha aproueitadas como dito ge [é], porque[...] [10, 96, 228] 53) [...] e a mesma obrigação fizeram elles ditos doadores, as coais declarasoins terem aRendadas as ditas terras, a Gaspar Rodiguez por dois noue annos,[...] [11, 57, 231] – [dois noue anos/18 ou 29] 54) [...] que a obrigasam desta escritura no tocante as missas comesará a corre(r) de hoje por diante, e elles doadores largam ao conuento todo o direito que as ditas terras tiuerem Rendido este anno [... ] [11, 72, 231] - 190 - Almeida, E. S. 55) [...] e assim e da maneira que elles posuirem e a carta delle o o [sic] declara, o qual tinhão em seo poder o Padre comissário da dita ordem a quem elles tinhão dada[...] [14, 19, 235] 56) [...] e se alguas pessoas, a que forem dadas terra do dito termo e as tiuerem perdidas por as nção aproueitarem e uolas tornarem a pedir uos lhas das de nouvo para as aproueitarem...[15, 108, 239] 57) [...] e fronteiras que partem de huas cazas de quem outrosim tem feito intituição e doação a Santa Caza de Mizericodia desta dita cidade de hua parte, e de outra com cazas de Pedro Doarte[...] [16, 19, 241] 58) [...] segundo mais claramente consta da doação feita aos ditos Religiozos, a qual por maior clareza se Reportam, e de nouo Retificam que ella dita Dona Viúva de amor em graça por lhe auer emcomendado assim o dito seo marido defunto, disse que trespaçaua [...] [18, 22, 245] 59) [...] foi dito a mim Tabaliam em prezença das testemunhas ao diante nomeadas que elles por sua deuoção erão contentes e o forão de fazer doação como pella prezente escritura a faziam a Virgem do Monte do Carmo desta cidade de coatrocentos mil Reis, a saber trezentos e sncoenta mil Reis que logo lhe derão na mão de Diogo de Mataroyo que tinhão emprestado sobre huas cazas térreas, [...] [20, 18, 248] 60) [...] as quais de prezente uiuem na conformidade de hum asento que ambos tinhão feito em hum liuro delle Gaspar Aranha em que ambos tinhão asignado[...] [20, 20, 248] 61) [...] em hum liuro delle Gaspar Aranha em que ambos tinhão asignado, no quel confeça que por conta das ditas cazas lhe derão ditos trezentos e sincoenta mil Reis tudo na forma do dito asento[...] [20, 21, 248] 62) [...] Hieronimo Vellozo Cubas sua molher Breatris Alveres tinhão feito e [tinhão] doado a elles Religiozos e seo Convento[... ][21, 25, 250] - 191 - Almeida, E. S. 63) [...] e depois sendo viúva a dita sua molher Breatris Alueres fes noua doação, e depois de cazada com o dito Cappitam Sebastião Mendes da Silveira Elles de nouo tronarão a fazer doação conformado, aprouando e retificando as que tinhão feito, e de prezente retificando as que tinhão feito, e de prezente considerando que erão velhos, e achagozos[...] [21, 30, 251] [ato falho do copista?] 64) [...] em pozadas de Sebatião Mendes da Silveira morador desta dita cidade aonde eu Tabalião ao diante nomeado fui chamado e sendo ahy apareseo Bratis Alueres molher do dito Sebastião Mendes da Silveira pesoa de mim Tabalião Reconhesida e por ella me foi dito em prezença das testemunhas ao diante nomeadas e asignadas que ella daus sua obtorga, e consentimento a escritura que o dito seo marido hauia feita de troca e concerto com os Religiozos de Nossa Senhora do Carmo[...] [22, 14, 253] 65) [...] das quais braças de chaons disserão os ditos Reverendos Padres que elles tinhão aofrado em nome do dito convento ao dito Antonio Fernandez três braças dos ditos chaons de testada com comprimento que pertence no canto que faz a dita Rua, [...] [24, 20, 256] 66) [...] foi dito perante as testemunhas ao diante nomedas e asignados que elles tem licença do Reverendo Padre Provincial Frei Saluador da Costa, e do Reverendo Padre Prior do dito Convento Frei Agostinho de Jesvs hauião deRubado a parede fronteira da sua capella da Payxão de Christo, e[....] [26, 20, 260] 67) [...] e hauião acrescentado oito ou dês palmos poco mais o menos, [...] [26, 23, 260] 68) [...] sendo elle suplicante cappitam em Sam vicenti estando esta cidade em guerra a pedimento do Cappitam passado Saluador Correa de Sáá o mandou socorrer com muita gente e matim(mentos); e armas com seus filhos e netos E cunhados, e parentes, e amigos e hora se ueyo con tuda (a sua) caza mulher e filhos e criados e família para aJudar a pouoar e ennobreçer esta terra (pois é pés)soa nobre e de muito seruiço qe tem feito a sua alteza como a vossa Senhoria he (notório). [29, 39, 265] - 192 - Almeida, E. S. 69) [...]e outrosim fará de maneira que dentro em coatro mezes tenha feito nellas algum proueito e plantado alguns mantimentos[...] [29, 161, 268] 70) [...] e outrosim fará de maneira que dentro em coatro meses tenha feito nellas algum proueito e [tenha] plantado alguns mantimentos [...] [29, 161, 268] 71) [...] e como [quando] forem compridos os ditos três annos se daram as ditas terras que aproueitadas não tiuer de sesmarias as quem as pedir para as aproueitar[...] [29, 163, 268] 72) [...] não tiuer de sesmarias as quem as pedir para as aproueitar e elle (e lhe) será deixado alguns logradores: do que aproueitar [aproueitado] nam tiuer e sobretudo pagara mil Reis para as obras do concelho [...] [29, 165, 268] 73) [...] e acabados os ditostres annos tendo elle feito nos ditos annos cazas e bemfeitorias as podera vender e trocar e escambar dar e doar e fazer de todo o que lhe bem vier [...] [29, 179, 268] 74) [...] nesta cidade do Rio de Janeiro fuy eu Tabaliam abayxo assinado ao bairo de nosa Senhora da Ajuda, e sendo lá nas pozadas de Miguel Ayres maldonado, e por elle me foy dito em prezensa das testemunhas ao diante nomeadas e assinadas, que elle se tinha concertado com o Reverendo Padre Prior do Carmo desta cidade[...] [31, 12, 271] 75) [...] e os outros muitos mais seruiços que a elle podem ser notórios assim em minha companhia como os demais capitois pasados athe com efeito por a terra em pás como agora esta dos quais trabalhados e despezas e athe aqui não tem auido mais galardam que estar uelho e despozo das ditas guerras pello que me pedia que uisto a calidade de sua pesoa.... [35, 50, 278] 76) [...] e a doação e foral de El Rej Nosso senhor e por estima carta mando que se lhe de della pose com outrosi ficar registrada no liuro do registo desta capitania que o dito Senhor tem dado nesta uilla de Ssantos[...] [35, 93, 279] - 193 - Almeida, E. S. 77) [...] e assim mais me mandaram meus testamenteiros dizer uinte e sinco missas por minha tenção por alguas que tenho prometido e por esquecimento as não mandace; dizer[...] [37, 53, 285] 78) [...] dice por the o prezente elles ditos Religiozos a pedem ou fazem por este instromento digo não hauerem pedido a dita posse da dita ametade de cazas e sua constituinte como mulher jgnorante não sabia a condição da dita entrega de cazas [...] [38, 32, 289] 79) O escruião Luis Lopos dé a posse que tenho mandado ao Padre Procurador do dito suplicante, sem embargo da uista que lhe pedio o Rendeiro das cazas que nunca pode ser legitimo contraditor. Costa //.// /[40, 21, 292] 80) Declaro que os bens que possuo são humas cazas terreas de pedrta, e cal, ao pe da ladeira do Collegio, em que moro, as quaes eu, e minha mulher temos concertado de instituir nella huma capella de Missas por nossas Almas,[...] [43, 12, 294] 81) [...]e logo por elle das suas mãos as minhas me foi dado esta folha de papel escrita nella duas laudas e principio de outra athe donde comesei esta aprouação dizendome que hera o seu solemne testamento que o hauia mandado escreuer por Joseph de Almeida Brito e... [44, 127, 298] 82) [...] e porque que elle Suplicante que nos ditos chaõns se ponha hum marco de pedra para que a todo o tempo conte que sam didito convento não obstante terem tomado pose delles Judicialmente, e se não pessão por devalutas[...] [47, 12, 302] 83) [...]tomada em consulta do dezembargo do paca [paço], que a suposta a pax entre esta Corroa (sic) e as de França e Castella, tinha cessado a ordem que no anno de 1705 mandara intimar ao Padre Provincial que então era dessa Província[....] [50, 9, 307] 84) [...]para não comprir as ordens e patentes de seo Padre Geral sem dar conta ao mesmo Senhor que me manda participar a Vossa Reverendissima esta noticia para que assim o - 194 - Almeida, E. S. tenha entendido Deos Goarde a Vossa Reverendissima muitos anos Lixboa[...] [50, 13, 307] 85) [...] e lhes ordene de minha parte, Recolham quaisquer despachos, que em hajam dado sobre esta matéria de cappella que se pesuam pella Igreja por pesoas ecleziasticas,[...] [54, 38, 311] 86) [...] e conciderando a graue obrigação que daqui me rezulta de mandar a todas ellas competente numero de Missionários Douctos, e pios, mayomente hauendo protestado os Bispos de Vltramar e os superiores das missoeñs que os operários são muy poucos para tantas e tão grandes searas; [...] [59, 23, 319] 87) [...] que por o Padre Frei Agostinho da Trindade religiozo da sua mesma ordem e prouincia e auer asestido na Ilha de Santa Catherina por parrocho dos moradores della e a rogo delles ir a esta corte solicitar [...] [62, 10, 321] 88) [...] que os assucares se não fabricassem com aquelles vícios, que lhe tinha perdido a reputação, [...] [63, 11, 322] 89) [...] lhe tinha perdido a reputação, não havia sido bastante para se evitar de todo este damno, sendo a cauza a falsidade com que se fabricão, e[...] [63, 12, 322] 90) [...]foi dito que elles tinhão feito de novo na Igreja conventual deste dito Mosteiro huã capela a mão dita na entrada das grades para dentro apartado do Altar dos Passos feita de Abobeda da Invocação do Apostolo Sam Thiago[...] [67, 17, 329] 91) [...] a qual capela acabada de todo feichada com suas grades, e chave tinhão largado e vendido a Administração della, e direito de Padroado a Maria Barreto com obrigação de huã Missa todas as semanas as 6.as feiras pala Alma de prezente de Diogo Rodriguez seo marido[...] [67, 21, 329] - 195 - Almeida, E. S. 92) [...] a qual capela acabada de todo feichada com suas grades, e chave tinhão largado e [tinhão] vendido a Administração della[...] [67, 21, 329] 93) [...] e isto por preço e quantia de sete centos e cincoente mil Reis, dos quaes os ditos Reverendos Padres ao fazer desta escritura confessarão terem Recebidos quatro centos mil Reis em dinheiro contado e os trezentos, e cincoenta mil reis que restão se obrigou a dita Maria Barreto a pagar a metade[...] [67, 34, 329] 94) [...]de Men de Saa do meu concelho que hora esta por meu Gouernador nas ditas partes o tempo que há seruido pello prouer o dito Men de Saa seu tio conforme ao Regimento[...] [75, 66, 339] 95) [...] e se alguãs pessoas a quem forem dadas terras no dito termo e as tiuerem perdidas por as não aproueitarem[...] [75, 113, 340] 96) [...] o dito cham e acabados os ditos três annos tendo elles todos ou a cada hum per si feito no dito chão cazas e bemfeitorias elles e cada hum delles poderam uender trocar descambar e fazer cada hum[...] [75, 132, 340] 97) [...] porque elle se constituhia por principal deuedor e todo daria e entregaria como dinheiro da fazenda de Sua Magestade e depozito que della se aja feito com todas as custas perdas e danos que sobre esta aRecadação se fizerem[...] [76, 160, 345] 98) [...] Resta ao dito conuento deuer ao dito Pedro de Albernas Correa so duzentos e nouen ta mil Reis por lhe terem pago o mais[...] [86, 28, 349] 99) [...] en Rezan de as hauer deixado e adoado juntamente com outras terras todas misticas Hyeronimo Velozo e sua mulher Breatis Alueres e depois Retificada e confirmada a dita adoação por seu sucessor e segundo marido Sebastiam Mendes da Silueira ao conuento e aos ditos Religiozos de Nossa Senhor do Carmo[...] [88, 34, 351] - 196 - Almeida, E. S. 100) [...] en Rezam de as hauer deixado e [hauer] adoado juntamente com outras terras todas místicas Hyeronimo Velozo e sua mulher Breatis Alueres[...] [88, 34, 351] 101) [...] A saber duzentos e quarenta e três mil e oitocentos e quarenta s que pagam elles ditos Religiozos pella dita Dona Britis de Lemos ao Juízo dos órfãos e auzentes desta cidade por huã sentença que contra ella tinha alcançado Luis Gomes de Almeida [...] [88, 75, 352] 102) [...] Luios Gomes de Almeida porque tinha feito penhora nos fruitos do dito engenho em cujos bens por morte do dito Luis Gomes de Almeida se tinha lançado e feito inventario o dito Juízo dos defuntos e auzentes da qual quantia lhe deram logo quitação do dito juízo aos ditos Religiozos[...] [88, 76, 352] 103) [...] fazem emportancia de quinhentos e quarenta e quatro mil sete centos e oitente Reis que tantos confessou o dito Licenciado Clemente Martins como procurador da dita Dona Britis e auer Recebido na forma e maneira que dito he dos ditos Religiozos [...] [88, 99, 353] 104) [...] trinta caixoins cada anno para o seu engenho delles vendedores sendo o preço delles duas paracas cada caixam athe com efeito pagar a dita quantia do preço das ditas terras e confessarão elles vendedores terem recebido a esta conta vinte caixoins que Receberão esta safra pello mesmo preço [...] [113, 36, 364] 105) [...] e declaração elles vendedores que rezeruão da dita sorte de terras para si outra ametade que fica na mão esquerda e nesta forma disseram que tinhão feito esta venda ao dito capitam Antonio de Muros que por estar prezente a aceitou[...] [113, 42, 364] 106) [...] e ahi pello capitam Antonio de Muros per si e em nome do dito seu filho me foi aprezentado [no masculino] huã petição que auia feito o Juiz ordinário do dito Rio de Janeiro o capitam Francisco de Brito Meirelles em que dizia que a elle e ao dito seu Filho Gonçalo de Muros lhes auião datas de sesmarias no dito Rio de Goapiiasu com cada sua legoa de testada[...] [117, 16, 371] - 197 - Almeida, E. S. 107) [...] e ahi pello capitam Antonio de Muros per si e em nome do dito seu filho me foi aprezantado huã petição que auia feito o Juiz ordinário do dito Rio de Janeiro o capitam Francisco de Brito Meirelles em que dizia que a elle e ao dito seu Filho Gonçalo de Muros lhes auião concedido duas datas de sesmarias no dito Rio de Goapiiasu com cada sua legoa de testada[...] [117, 19, 371] 108) [...] e bem defronte do citio donde estaua o dito marco de pedra fes o dito capitam Antonio de Muros outrs deRubada e ceremonia auia feito na primeira posse da outra banda[...] [117, 59, 372] 109) [...] fomos pello dito Rio asima huã legoa pouco mais ou menos e chegamos a h~u porto onde o dito capitam Antonio de Muros tem feito hum sitio de fazenda principiado com muitas bananeiras limeiras feijoin fumo carazais e outras mais plantas [...] [117, 82, 372] 110) [...] pello escriuão Francisco da Costa moura porquanto a primeira posse que auia tomado fora pello escriuião dos lemites do macacu Antonio Cabral e pello Juiz da vintena do mesmo limite Manoel Dias de Carualho[...] [117, 100, 373] 111) [...] que lhe passe a sua carta a qual será Registrada nos liuros da fazenda de Sua Magestade para que em todo o tempo se saiba como tenho feito a dita mercê en nome dodito Senhor como seu bastante procurador que sou e seu lugar tenente[...] [118, 54, 375] 112) [...] e se alguas pessoas a que forem dadas terras no termo da dita cidade e as tiuerem perdidas pellas não aproueitarem e uolas tornarem a pedir[...] [124, 62, 381] 113) [...] e outrosi faram da maneiro que dentro em coatro mezes tenham feito nella algum proueito e plantado alguns pro digo mantimentos e compridos os ditos três annos se Dara a dita terra que aproueitada não tiuer de sesmaria a quem a pedir para aproueitar [...] [124, 77, 380] 114) [...] e [tenha] plantado alguns pro digo mantimentos e compridos os ditos três annos se Dara a dita terra... [124, 77, 380] - 198 - Almeida, E. S. 115) [...] e compridos os ditos três annos se dara a dita terra que aproueitada não tiuer de sesmaria a quem a pedir para aproueitar[...] [124, 80, 380] 116) [...] e se alguas pessoas a que assim dorem dadas terras no dito termo e as tiuerem perdidas por as não aproueitarem e uos lãs tornarem a pedir vos lhas das de nouo para as aproueitarem com as condiçoins [...] [131, 72, 386] 117) [...] eaproueite as ditas terras e as frutifique da dada desta em três annos primeiros seguintes e outrosi fara de maneira que dentro em quatro mezes tenha feito nellas algum proueito e plantado alguns mantimentos[...] [131, 95, 387] 118) [...] e outrosi fará da maneira que dentro em quatro mezes tenha feito nellas algum proueito e [tenha] plantado alguns mantimentos[... ][131, 95, 387] 119) [...] e como [quando] forem compridos os ditos três annos que as tenha aproueitadas como dito he porque não o fazendo elle assim passados os ditos três annos se darão as ditas terras que aproueitadas nçao tiuer de sesmaria a quem as pedir [...] [131, 97, 387] 120) [...] se darão as ditas terras que aproueitadas não tiuer de sesmaria a quem as pedir [...][131, 99, 387] 121) [...] e lhe sera deixado alguns logradouros do que aproueitado não tiuer de sesmaria a quem as pedir[...] [131, 99, 387] 122) [...]testemunhas que por parte da dita Viuuua Ângela R Rodrigues lhe foram nomeadas e com ellas sahira e fechara a inquirição e proua e com tudo iunto me forão os autos concluzos e nelles por meu despacho mandei que ouuesse uista desta inquirição a parte a quem tocasse... [132, 24, 389] - 199 - Almeida, E. S. 123) [...]como costa [consta] de huã escritura [...] esta nota em doze de Abril deste dito anno a coal lhe tem já pago os juros do primeiro anno o dito Joam Alueres de Souza a elles compradores e despois de acabado o dito anno que he em doze de Abril próximo que uem[...] [137, 69, 395] 124) ...e as ditas pesas e terras aqui uendidas liures e dezembargadas da ipoteca que de tudo lhe auia feito o dito vendedor;... [137, 103, 396] 125) ...e se obrigaua por esta escritura e que sendo cazo que alguns dos seus acredores asima nomeados que tem em seu poder os escrauos declarados empenhados os não entreguem logo aos ditos Reuerendos Padres a quem os tem já vendidos por este instrumento... [137, 125, 397] 126) [...] e outro sim declararam os dito Reverendos Padres compradores que elles comprauão as ditas terras e escravos com o dinheiro que lhes deu Domingos Vas Pereira por hua missa cotidiana que mandou dizer pella sua alma e de sua mulher cunjo dinheiro que lhe deu para a dita missa tinham posto a rezão de juro enquanto não comprauão algua propriedade e bens de rais... [137, 178, 398] 127) E que nesta Conta Dis o dito comprador se uira a sua verdade se deve ou lhe devem pois tem pago mais do valor das terras a fora catorze mil reis que deu demais da valiação dos brejos[...] [138, 21, 400] - 200 - Almeida, E. S. ALMEIDA, Erica Sousa de. A formação de perífrases verbais no português: um processo diacrônico. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa – Curso de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2006, 202 fl. Mimeo. RESUMO O objetivo deste trabalho é descrever a formação do tempo composto nas construções participiais com ter e haver, dentro do quadro teórico da sociolingüística quantitativa laboviana e dos princípios da gramaticalização. Em português, o aparecimento das perífrases verbais com esses dois verbos deve-se a dois fenômenos distintos e intercomplementares: a perda do conteúdo semântico de posse nas construções perifrásticas e a perda da concordância do SN com o respectivo complemento. O interesse pelo estudo do tema deve-se, dentre outros aspectos, ao fato de existir um acervo de formas com os verbos ter e haver, em construções participiais, com a possibilidade de interpretação tanto como possessiva quanto auxiliar (“esvaziada” lexicalmente). Procurou-se, a partir de documentos diversificados, do século XIII ao XVII, identificar esses tipos de dados, objetivando apresentar uma análise mais acurada dos aspectos que propiciaram o uso dessas formas como auxiliares na história da língua portuguesa. Identificam-se os contextos que levaram à mudança de ter/haver-posse para ter/haver auxiliar de tempos compostos, descrevendo o processo de mudança por que passaram esses dois verbos, ou seja, os fatores de natureza lingüística que promoveram o processo de gramaticalização de haver/ter predicadores para verbos auxiliares. Para tanto, foram verificados os fatores de natureza léxico-semânticas que atuaram na modança não só de um verbo pleno para auxiliar, mas também de uma forma adjetival para uma participial (+ verbal). Observou-se, ainda, o contexto de uso das formas verbais para poder enquadrá-las em uma determinada categoria, uma vez que determinada forma pode ser empregada para diversas funções na língua. - 201 - Almeida, E. S. ALMEIDA, Erica Sousa de. A formação de perífrases verbais no português: um processo diacrônico. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa – Curso de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2006, 202 fl. Mimeo. RÉSUMÉ Ce travail présente une description de la formation du temps composé dans les constructions participielles avec les verbes ter et haver, dans la quadre théorique de la sociolinguistique quantitative labovienne et selon les principles de la grammaticalisation. En portugais, la naissance des périphrases verbales avec ces deux verbes est attribuée à deux phénomènes différents et complémentaires: la perte du contenu sémantique de possesion dans les constructions périphrastiques et la perte de l’accord entre le SN et son complément. L’intérêt par ce sujet est expliqué, parmi d’autres raisons, par le fait qu’il existe un ensemble de formes avec les verbes ter et haver, dans des constructions participielles, avec la possibilité d’interprétation soit possessive soit auxiliaire (lexicalement “vide”). À partir de documents diversifiés, du XIIIe au XVIIe siècle, nous avons identifié ces types de données, pour présenter une analyse plus détaillée des aspects qui permettent l’emploi des ces formes comme auxiliaires dans l’histoire de la langue portugaise. Nous identifions les contextes qui ont permi le changement de ter/haverpossession à ter/haver auxiliaire de temps composés, en expliquant le processus de changement de ces deux verbes, c’est-à-dire, les facteurs de nature linguistique qui ont stimulé le processus de grammaticalisation de haver/ter prédicateurs à verbes auxiliaires. Pour cela, nous avons consideré les facteurs de nature lexico-sémantiques qui ont agi dans le changement d’un verbe plein à auxiliaire, aussi bien que d’une forme adjective à une forme participielle (+ verbale). Nous avons considéré aussi le contexte d’usage des formes verbales pour les classer dans une catégorie, une fois qu’une forme spécifique peut être employée avec plusieures fonctions dans la langue. - 202 -