a formação de perífrases verbais no português: um processo

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ERICA SOUSA DE ALMEIDA
A FORMAÇÃO DE PERÍFRASES VERBAIS NO
PORTUGUÊS:
UM PROCESSO DIACRÔNICO
Faculdade de Letras – UFRJ
1º Semestre de 2006
Almeida, E. S.
EXAME DE DISSERTAÇÃO
ALMEIDA, Erica Sousa de. A formação de perífrases verbais no português: um processo
diacrônico. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa – Curso de Pós-graduação em
Letras Vernáculas, Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2006, 202 fls. Mimeo.
BANCA EXAMINADORA:
______________________________________________________________________
Professora Doutora Dinah Maria Isensee Callou
(Departamento de Letras Vernáculas/ UFRJ)
Orientador
______________________________________________________________________
Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes
(Departamento de Letras Vernáculas/ UFRJ)
______________________________________________________________________
Professora Doutora Maria Maura Cezário
(Departamento de Lingüística/ UFRJ)
______________________________________________________________________
Professor Doutor Mário Eduardo Martellota
(Departamento de Lingüística/ UFRJ) – Suplente
______________________________________________________________________
Professora Doutora Márcia dos Santos Vieira
(Departamento de Letras Vernáculas/ UFRJ) - Suplente
Defendida a tese
Conceito:
Em: _____/______/ 2006.
-2-
Almeida, E. S.
A FORMAÇÃO DE PERÍFRASES VERBAIS NO PORTUGUÊS:
UM PROCESSO DIACRÔNICO
por
ERICA SOUSA DE ALMEIDA
Departamento de Letras Vernáculas
Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa
apresentada à Coordenação dos Cursos de PósGraduação em Letras da Universidade Federal do Rio
de Janeiro.
Orientador: Professora Doutora Dinah Maria Isensee
Callou.
UFRJ/ Faculdade de Letras
Rio de Janeiro, 1º semestre de 2006.
-3-
Almeida, E. S.
Dedico este trabalho a todos aqueles que sempre
torcem pela minha felicidade e, em especial, aos
meus pais, Pedro e Edeleuza, à minha irmã,
Priscila, e ao meu amado Fabiano, pelo total apoio
e amor oferecidos nos momentos mais difíceis da
minha vida.
-4-
Almeida, E. S.
O caminho fica aberto
A quem mais quiser dizer
..............................................
pois eu mais não sei fazer.
Garcia de Resende (apud Silva Neto, S.
Introdução ao Estudo da Língua Portuguesa
no Brasil: p.5)
-5-
Almeida, E. S.
AGRADECIMENTOS
A Deus, acima de tudo, por ter me dado a oportunidade de ter chegado até aqui.
À Dinah Callou, meus sinceros agradecimentos pela competência e orientação centrada na
investigação dos caminhos históricos da Lingua Portuguesa. Além de orientadora
acadêmica, Dinah sempre me incentiva a conquistar novos caminhos pessoais.
À Célia Lopes, por ter me convidado a participar do Projeto NURC e sempre ter, mesmo
que indiretamente, acompanhado meu aprimoramento acadêmico.
Aos Professores Doutores Afrânio Barbosa, Christina Abreu Gomes, Edwaldo Cafezeiro,
Humberto Peixoto, Maria Carlota Rosa, Maria Eugênia Lamoglia Duarte, Maria Maura
Conceição Cesário, Mario Eduardo Martellota e Vera Paredes credito a minha admiração
pelo trabalho comprometido e, sobretudo, por terem contribuído para o meu
amadurecimento nos estudos lingüísticos na Pós-Graduação.
A todos os professores de Graduação que influenciaram a minha formação acadêmica.
Ao PROHPOR (UFBA), na pessoa de Américo Venâncio Filho, por disponibilizar,
gentilmente, parte dos corpora que compõem a minha Dissertação.
Ao CNPq, por financiar os meus estudos na Graduação como Bolsista de Iniciação
Científica e, também, na Pós-graduação, durante cinco meses.
À FAPERJ, pela Bolsa Nota 10, no meu último ano de Mestrado.
Agradeço aos meus pais, Pedro e Edeleuza, que, em muitos momentos, renunciaram as suas
vidas, para que eu pudesse ter êxito na minha realização pessoal e profissional. A vocês que
sempre valorizaram a apreensão do saber, na busca por uma melhor perspectiva de vida.
-6-
Almeida, E. S.
Ao Fabiano, pelo companheirismo fiel, mesmo nos momentos mais neuróticos de uma
dissertação. Além de parceiro na vida, é um colaborador nos auxílios computacionais desta
dissertação.
Aos meus familiares, pelo carinho e confiança dispensados durante esta fase de intenso
estudo.
Aos companheiros do Projeto Nurc e do PHPB, pelo companheirismo de trabalho e
amizade diária.
À amiga e companheira de Projeto Luciene, pelo companheirismo e pela leitura atenta desta
Dissertação.
À amiga Suelen pela imensa amizade que até nos fez formar a dupla “Erisu”.
Às amigas Marina e Priscila por sempre torcerem pelo minha realização pessoal e
profissional.
Aos meus alunos que contribuíram para a meu amadurecimento profissional.
A todos que torceram para que esta dissertação estivesse concluída.
Valeu!
-7-
Almeida, E. S.
SINOPSE
Análise em tempo real de longa duração das
construções participiais com os verbos ter e haver,
na
formação
do
tempo
composto,
sob
a
perspectiva da sociolingüística laboviana e da
hipótese da gramaticalização.
-8-
Almeida, E. S.
SUMÁRIO
ÍNDICE DE GRÁFICOS E TABELAS ..................................................................... 11
ABREVIATURAS E CONVENÇÕES ...................................................................... 12
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 13
1. APRESENTAÇÃO DO TEMA .............................................................................. 17
2. REVISÃO HISTÓRICO-DESCRITIVA .............................................................. 23
2.1 O Tempo em Latim ...................................................................................... 23
2.2 Ter e haver: A Abordagem Lingüística ...................................................... 26
2.3 O Tempo Composto ..................................................................................... 32
3.CATEGORIZAÇÃO DO FENÔMENO ................................................................ 39
3.1 A Semigramaticalidade (Semi-Auxiliaridade) de Ter/Haver no Português
Arcaico ................................................................................................................ 45
3.2 Flutuação no Particípio: formas [V+do] não-verbais Æ formas [V+do] erbais
............................................................................................................................... 50
3.3 Fatores Favorecedores para a Mudança Categorial na Formação do Tempo
Composto .............................................................................................................. 53
4. PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS........................................... 54
4.1 O Funcionalismo e a Hipótese da Gramaticalização ................................ 54
4.1.1 Sobre a Noção de Gramaticalização ................................................... 57
4.1.2 Etapas e Princípios do Processo de Gramaticalização ...................... 60
4.2 A Sociolingüística Variacionista ................................................................. 66
4.3 Os Corpora. ................................................................................................... 70
5. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ............................................................ 73
-9-
Almeida, E. S.
5.1 As Construções Participiais .......................................................................... 73
5.2 Distribuição dos Dados por Século e por Tipo de Texto ........................... 86
5.3 Das Variáveis e suas Hipóteses .................................................................. 100
5.4 Análise Variacionista: Variáveis Controladoras do Processo ................ 105
5.5 Análise Funcionalista: O Processo de Gramaticalização dos Verbos Ter e
Haver .................................................................................................................. 117
6. CONCLUSÕES ...................................................................................................... 129
7. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 133
ANEXOS ..................................................................................................................... 142
RESUMO .................................................................................................................... 201
RÉSUME .................................................................................................................... 202
- 10 -
Almeida, E. S.
ÍNDICE DE QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS:
QUADROS
Quadro 1: Distribuição dos verbos ter e haver do latim clássico para o português arcaico
......................................................................................................................................... 27
Quadro 2: Diferenças entre um verbo pleno e auxiliar a partir do sistema formal de traços
......................................................................................................................................... 41
Quadro 3: Propriedades que distinguem um verbo pleno de um auxiliar...................... 42
Quadro 4: Propriedades dos verbos semi-auxiliares..................................................... 46
Quadro 5: Valores assumidos por ter e haver nas construções participiais.................. 49
Quadro 6: Diferenças entre o particípio passado adjetivador e predicador a partir do
sistema formal de traços.................................................................................................. 51
Quadro 7: Propriedades que distinguem o PP-adjetivador e o PP-predicador.............. 52
Quadro 8: Funções do particípio passado ................................................................... 126
TABELAS
Tabela 1: Número de dados por texto e por século....................................................... 86
Tabela 2: Distribuição geral dos dados por século ........................................................ 87
Tabela 3: Distribuição dos dados por século, por tipo de verbo e por possibilidade de
apresentar flexão ............................................................................................................ 87
Tabela 4: Distribuição geral dos dados a partir da natureza das estruturas .................. 88
Tabela 5: Distribuição de ter/haver em estruturas com e sem concordância ................ 89
Tabela 6: Valor do particípio ao longo dos séculos ...................................................... 90
Tabela 7: Tempo/modo verbal e a presença de concordância na estrutura participial
....................................................................................................................................... 108
Tabela 8: Presença de elementos entre Ter/haver e o particípio e a flexão ................ 109
Tabela 9: Posição do complemento na sentença ......................................................... 111
Tabela 10: Ordenação geral dos constituintes nos corpora ......................................... 111
Tabela 11: Processos verbais mais freqüentes nas construções participiais ............... 114
Tabela 12: Definitude do complemento e a presença de flexão ................................. 115
Tabela 13: Possibilidade de flexão do particípio por época........................................ 116
GRÁFICO
Gráfico 1: Freqüência de uso de estruturas participiais do século XIII ao XX .......... 129
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Almeida, E. S.
Abreviaturas e Convenções
SN → sintagma nominal
SV → sintagma verbal
V → verbo
P → particípio
Oco → Ocorrência
CD → complemento direto
PP → particípio passado
X → sujeito
Y → objeto
[V+do] → verbo + particípio passado
Vpredicador → verbo predicador
Vauxiliar → verbo auxiliar
∅ → posição vazia, sem complemento
PHPB → Projeto para uma História do Português Brasileiro
FRC → Linguagem dos Foros de Castelo Rodrigo
LA → Livro das Aves
DSG → Os Quatro Livros dos Diálogos de São Gregório
VT → Vida de Tarsis
VSP → Vida de Santa Pelágia
LC → Leal Conselheiro
MSJ → Morte de São Jerónimo
CPVC → Carta de Pero Vaz de Caminha
CDP → Crônica de D. Pedro
GJB → Gramática de João de Barros
DJIII → Cartas de D. João III
CV → Documentos Notariais do Convento do Carmo
- 12 -
Almeida, E. S.
INTRODUÇÃO
A variabilidade lingüística é uma característica inerente às línguas em geral, sendo
papel daqueles que se debruçam a descrevê-las “desvendarem” as razões que motivam as
alterações, as reorganizações dentro do sistema, quer no nível fonético/fonológico,
morfológico, sintático, quer no semântico-pragmático. Com efeito, diversos estudos vêm
sendo realizados, a fim de tentar explicar a variação e possível mudança lingüística. Sabese que essas mudanças se dão em decorrência da variabilidade de uso de certos fenômenos,
por isso os estudos lingüísticos podem se centrar no eixo diacrônico e/ou sincrônico, a
depender do objeto de estudo e do interesse do pesquisador.
Este trabalho apresenta um estudo diacrônico acerca da formação do tempo
composto em construções participiais com as formas verbais ter e haver no decorrer dos
séculos XIII ao XVII. A partir da hipótese da gramaticalização (cf. Lehmann, 1985; Heine,
1991; Hopper, 1991; Hopper & Traugott, 1993; dentre outros), será enfocada a formação de
perífrases verbais, em que esses verbos com conteúdo de posse passam de verbo pleno a
elemento gramatical, com perda do conteúdo lexical, geralmente acompanhado por um
esvaziamento semântico, como afirma Ribeiro (1993).
O interesse pelo estudo deve-se, sobretudo, ao fato de existir, no português arcaico,
um conjunto de construções participiais -- em que os verbos ter/ haver admitem a
interpretação tanto como possessivo quanto como auxiliar (“esvaziada” lexicalmente) -que carece de estudo mais aprofundado.
Dessa forma, identificam-se os contextos que levaram à mudança de ter/haver posse
para auxiliar de tempos compostos, descrevendo o processo de gramaticalização de ter e
haver, ou melhor, verificando os fatores de natureza lingüística e extralingüística
- 13 -
Almeida, E. S.
(sintáticos, semânticos e pragmáticos) que atuaram na transformação não só de um verbo
pleno para auxiliar, mas também de uma forma adjetival para uma participial (+ verbal)
ao longo de cinco séculos. Os dados são também analisados na perspectiva da
sociolingüística quantitativa laboviana, com o intuito de confirmar os pressupostos da
gramaticalização .
Levantaram-se, inicialmente, as seguintes hipóteses: (a) As estruturas participiais
constroem-se preferencialmente com ter, mesmo no português arcaico, já que esse verbo,
nessa fase, era usado na acepção original de manter, conservar, uma noção já esvaziada do
valor de posse; (b) A perda da concordância do particípio pode ter ocorrido a partir das
formas no masculino-singular, forma [-marcada]; (c) A fixação da ordem dos constituintes
TER/HAVER + PARTICÍPIO PASSADO na estrutura sintagmática ao se tornar mais
rígida/fixa parece indicar um caminho para a cristalização da estrutura composta e (d) O
uso de particípio passado de verbos não transitivos, ergativos, são indicadores empíricos
para a formação das estruturas perifrásticas (Mattos e Silva, 2002:129).
No primeiro capítulo, Apresentação do Tema, descreve-se um quadro geral dos
diversos contextos em que ter e haver podem aparecer e as hipóteses iniciais.
No segundo capítulo, apresenta-se uma Revisão Histórico-Descritiva dos variados
estudos lingüísticos acerca da formação de perífrases verbais com ter e haver. Este capítulo
é composto por três partes: na primeira, descreve-se como era organizado o padrão verbal
no latim; na segunda, divulgam-se as abordagens presentes na tradição gramatical
portuguesa; e, na terceira, arrolam-se os estudos lingüísticos já realizados sobre o tema.
No terceiro capítulo, Categorização, tenta-se enquadrar o fenômeno da dentro de
uma determinada categoria, já que, no português arcaico, esses dois verbos, nas construções
participiais, não poderiam ser considerados como auxiliares e o particípio como verbo
- 14 -
Almeida, E. S.
predicador, havendo uma flutuação entre as formas [V+do] verbais e não-verbais. Neste
capítulo discute-se ainda a semigramaticalidade, ou seja, a semiauxiliaridade de ter/haver
em construções participiais e a flutuação no particípio: formas [V+do] não-verbais Æ
formas [V+do] verbais.
No quarto capítulo, Pressupostos Teórico-Metodológicos, tecem-se considerações
sobre as teorias adotadas. Primeiramente, discute-se a fundamentação teórica do
Funcionalismo e a Hipótese da Gramaticalização, que buscam, no contexto discursivo,
descrever os fatos lingüísticos a partir de uma mudança gradual. Em seguida, ainda dentro
da perspectiva da Gramática funcional, explicitam-se as Noções Básicas do Fenômeno da
Gramaticalização, para, assim, explicitar as Etapas e Princípios do Processo de
Gramaticalização propostas por diversos autores que se debruçam sobre esse paradigma.
Ainda neste capítulo, aborda-se a concepção de variação postulada pela Sociolingüística
Variacionista, já que a variação de um determinado fenômeno pode acarretar reflexos no
sistema lingüístico. Acredita-se que a teoria e a metodologia da sociolingüística
variacionista possa ser aplicada a estudos funcionalistas, mais precisamente de
gramaticalização, por serem teorias/metodologias que apresentam aspectos confluentes.
Descrevem-se, também, nesta seção, os Corpora diversificados que vão subsidiar a análise
dos dados.
No quinto capítulo, apresenta-se a Descrição e Análise dos dados, com enfoque na
descrição qualitativa e quantitativa do item em questão. Discutem-se, nesta seção, os
fatores lingüísticos que atuaram na mudança de ter/haver-posse para auxiliares de tempos
compostos e na mudança categorial do adjetivo deverbal para o particípio, com caráter [+
verbal]. Este capítulo vai mostrar também o Processo de Gramaticalização dos verbos ter e
haver, na passagem a elementos gramaticais.
- 15 -
Almeida, E. S.
E, por fim, na Conclusão, retoma-se o que foi apresentado sobre o tema,
apresentando resultados reais do trabalho realizado.
Em Anexo, fornecem-se os dados que fundamentam a análise1.
1
Optou-se, para melhor visualização do leitor, por utilizar o negrito para os exemplos aqui estudados e, para referendar outros, utiliza-se
a ênfase em itálico. A numeração dos exemplos é reiniciada na seção 5 Descrição e Análise dos dados.
- 16 -
Almeida, E. S.
1. APRESENTAÇÃO DO TEMA
Amplamente estudados pela tradição normativa portuguesa, os verbos ter e haver
podem ocorrer em diferentes contextos, em construções possessivas, participiais,
existenciais e modais. A depender das estruturas sintático-semânticas em que esses dois
verbos aparecerem, há um certo grau de diferenciação semântica, desde vocábulos com
valor pleno até vocábulos meramente gramaticais.
Analisam-se, neste trabalho, apenas as estruturas participiais com essas duas formas,
uma vez que, no português arcaico, ter e haver, nessas construções, constituíam verbos com
valor de posse, mas que, ao longo do tempo, foram sofrendo um processo de mudança,
passando a formar o chamado tempo composto.
Ao funcionar como verbos possessivos, por exemplo, os verbos ter e haver possuem
conteúdo lexical pleno e são responsáveis pela estruturação tanto sintática como semântica
da sentença. Nesse contexto, são esses dois verbos que constituem o núcleo do predicado,
caracterizando-se como predicadores de dois lugares (Mira Mateus et alii, 2002) e, por isso,
são responsáveis pela seleção de dois argumentos nucleares: interno (complemento) e
externo (sujeito sintático), a saber, um possuidor e a coisa possuída (X TER/HAVER Y).
(1) “e saibham bem husar daquello por que som antre os outros tam avantejados e tenham
armas e cavallos pera estar prestes como convem pera logo socorrer onde for
necessario” [LC, IV, 19]
(2) “E enton, pola sa bõa vontade que ouve pera compartir con os pobres, creceu o vinho
tanto no lagar que cada huu dos pobres que ali foron chamados ouve seu cantaro
cheo daquele viho que lhi deron no lagar” [DSG, 15, 28]
- 17 -
Almeida, E. S.
(3) “E porade aquele que ouver aquestes bees a que assemelhamos as naturezas da poõba
pode tomar aas per que voe ao çeo conteplãdo” [LA, 34, 21]
(4) “Se vái à India, çerca o mundo descubérto e por descubrir, responde: <<Tenho
filhos>>” GJB, 29, 59]
Há, ainda, estruturas, no português arcaico, nas quais ter e haver, mesmo mantendo
o valor lexical pleno e constituindo o núcleo do predicado, aparecem acompanhados de um
possível particípio adjetivador do complemento:
(5) “assi pode homem entender a homildade ou a soberbia que no su coraçon ten
asconduda” [DSG, 14, 21]
(6) “Con lagrimas continuadas teendo as maos alcadas ao ceo” [MSJ,1, fol. 89v]
(7) “Hos ferradores que has ferraduras peytaren por aas o por maos clauos, // hos
ferreyros que has oueron feytas ahos ferradores” [FCR, 24, 92]
(8) “e que lhi mostrasse quen era aquel San Beento que aqueles seus bees tinha
guardados” [DSG, 7, 83]
Essas estruturas, originadas a partir da antiga forma latina, apresentavam o
particípio flexionado, com os verbos ter e haver funcionado como núcleo do predicado,
mantendo o valor de posse ou até, em alguns casos, admitindo uma interpretação em que
esses dois verbos se achariam esvaziados semanticamente. Essa ambigüidade advém da
- 18 -
Almeida, E. S.
possibilidade de interpretar o elemento flexionado como adjetivo deverbal ou particípio
com valor [+ verbal].
Esse uso parece ter dado origem às estruturas que, mais tarde, são conhecidas como
de tempo composto. Nessas estruturas, esses dois verbos, quase semanticamente esvaziados
do valor de posse, assumem uma posição de auxiliar, ou seja, desenvolvem-se como
elemento gramatical, marcando apenas as acepções de tempo e/ou aspecto – TER/HAVER
+ PARTICÍPIO. Em construções compostas, ter e haver perdem a posição nuclear da
sentença, uma vez que é o verbo no particípio que vai ser responsável pela predicação da
sentença:
(9) “a elle e dito seu filho Gonçalo de Muros lhes haviao concedido duas datas de
Sesmarias” [CV, 1, 18, 193]
(10) “E, porém, porque aprática é contigo, e ordenáda aôs de tua idade, os quáes já das
escólas tendes ouvido ditos e sentenças/ de moráes escritores” [GJB, 3, 50]
(11) “por que nosso senhor o tem ordenado pera a sua sancta gloria mes do que ouver seja
contente” [LC, 15, 38]
(12) “Oo senhor poderoso aos quo/renta dias pasados da tua maravilhosa resu/rreçom en os
quaes per experiencias certas mostraste aaveres resuscitado, per ti quebrantados os/
infernos” [MSJ, 8, fol. 91r]
Nos exemplos de (9) a (12), os verbos ter e haver formam com o particípio uma
única significação verbal. O particípio, nesse caso, é responsável pela predicação da
sentença e os verbos ter e haver estão esvaziados do valor de posse, passando a elementos
gramaticais.
- 19 -
Almeida, E. S.
É possível, também, encontrar construções perifrásticas em que tais verbos
assumem a forma auxiliar, retêm um traço de posse, ainda que não de forma absoluta, nas
chamadas estruturas modais, em que ter e haver podem expressar futuridade e/ ou
obrigatoriedade. Nas construções -- TER/HAVER DE(QUE) + INFINITIVO --, esses dois
verbos combinam-se com o infinitivo a partir da preposição de ou da conjunção que.
(13) “porque no outro mundo, o juizo ha-de seer justo/ e cada huu ha-de rreçeber e aver
gallardom” [VSP, 2, fol. 75 r]
(14) “E porque o aviam de levar longe pera soterrar, non-no poderon en aquel dia soterrar”
[DSG, 15, 48]
(15) “E desi por sentir que, penssando como sobr’esto ey de screver” [LC, 16, 1]
(16) “Quando o nome é relativo, [h]á de convir com o seu anteçedente em género, número
e péssoa” [GJB, 18, 27]
Há, ainda, estruturas em que ter e haver, com significado intrínseco [+ esvaziado],
compõem estruturas formadas por um verbo seguido de um complemento (SN), sempre um
substantivo abstrato, cuja função é a de suportar a significação da construção. Esse
sintagma nominal carrega os papéis temáticos da predicação, sendo chamados, assim, de
suporte, leve ou funcional. Neste caso, esses dois verbos são portadores apenas das lexias
de Pessoa, Número, Tempo e Modo (Castilho, 1997):
(17) “Quando esto soube o abbade/ Paunucio ouve grande doo e seu coraçõ della” [VT, fol
66 v]
(18) “viéram ter neçes[s]idade da fála” [GJB, 40, 42]
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Almeida, E. S.
(19) “A que idade convém [h]aver vergonha?” [GJB, 13, 51)
(20) “quando estever ocioso, avendo lembrança do que leeo” [LA, 29, 4]
Segundo Moura Neves (2000), a depender do grau de coesão entre os elementos
constituintes, as formas de verbo-suporte podem conter graus mínimo e máximo de
transferência do estatuto de predicação.
E, por fim, as chamadas construções existenciais, em que esses dois verbos, ainda
núcleos do predicado, selecionam um constituinte interpretado como objeto direto e um
sintagma preposicional ou adverbial funcionado como locativo, mas não selecionam, em
princípio, um sujeito (TER/HAVER Y). Nesse caso, ter e haver assumem um valor
metafórico.
(21) “e começou daçenar cõ amãão pera aterra e depois perao colar como que nos dizia que
avia em terra ouro e tam bem vio hu castical” [CPVC, 37, fól. 3r]
(22) “nom ha logar hu sse o home ascõ/da ante os seus olhos” [VT, 3, fol. 66v]
(23) “Antre os filósofos, [h]ouve grandes e divérsas opiniões àçerca da criaçám do
homem” [GJB, 21, 42]
(24) “E quando nom ouver outo pilloto, fazey niso o que vos bem pareçer” [DJIII, 65]
As variadas possibilidades de ocorrência permitem-nos perceber que o conteúdo
semântico assumido por tais verbos na estrutura analisada impõe restrições na seleção
semântica dos argumentos. Isso significa dizer que, a depender do contexto em que ter e
haver ocorrer, haverá uma diferenciação nos argumentos que serão selecionados.
- 21 -
Almeida, E. S.
O estudo centra-se nas construções participiais com os verbos ter e haver pelo fato
de a gramaticalização desses dois verbos configurar a passagem para o novo estágio da
língua, uma vez que as formas arcaicas, embora caindo em desuso e substituídas
progressivamente por variantes inovadoras, permaneceram resistindo residuamente por
largo tempo, como afirma Mattos e Silva (2002c:122-123). A autora aponta, ainda, a
necessidade de analisar os limites posteriores que marcariam o desaparecimento da forma
participial flexionada na língua portuguesa, por ser este um dos fatores intralingüísticos que
evidenciariam a transição para o português moderno.
- 22 -
Almeida, E. S.
2. REVISÃO HISTÓRICO-DESCRITIVA
2.1 O Tempo em Latim
Ao traçarmos um panorama histórico-descritivo para o uso dos verbos ter e haver,
convém assinalar a etimologia das duas formas. O verbo haver, por exemplo, provém da
forma latina habere, com a acepção principal de ‘possuir’. O vocábulo ter, por sua vez,
origina-se da forma tenere do latim, com valores próximos a ‘obter’, ‘manter’, ‘deter’ e
‘reter’.
Sabe-se que, na evolução diacrônica da língua portuguesa, houve um progressivo
retrocesso no emprego de “haver” como verbo principal, substituído cada vez mais por
“ter”. Na verdade, tenere começa a invadir o campo de habere, desde o século XIII, como
se pode ver no exemplo “(25) lancas que todas tienem perdones2”. Mesmo que o usuário
da língua arcaica trocasse uma por outra forma, mantinha-se a distinção entre os valores de
posse de haver e manutenção de ter.
O verbo do latim mantinha, em sua conjugação, a oposição entre os temas do
infectum e do perfectum, que eram marcados morfologicamente. O tema do infectum
indicava a temporalidade interna dos acontecimentos em curso, uma ação aspectualmente
inacabada. Por outro lado, o tema de perfectum configurava uma ação acabada. Embora
estivessem dissociados, houve uma tendência à regularização desses dois temas na
evolução do latim.
A constante modificação do sistema lingüístico fez com que a aproximação das noções
aspectuais de duração conclusa e de ação passada não-flexionada reformulasse os parâmetros
verbais, eliminando a distinção que, anteriormente, vigorava no sistema verbal (Eleutério, 2003).
2
Cf. Corominas (1957)
- 23 -
Almeida, E. S.
No latim, o verbo, além de receber flexão número-pessoal (concordância com o
sujeito), era marcado morfologicamente, expressando as categorias de aspecto, tempo e
modo. Ao longo do tempo, foi ocorrendo a perda das marcas morfológicas aspectuais que
eram pouco produtivas, corroborando, assim, ao aparecimento das construções perifrásticas
e ao rearranjo do sistema verbal.
No processo de reorganização das formas verbais, a substituição da categoria
aspecto, em detrimento da de tempo, deve-se, sobretudo, ao fato de o tempo ser uma
caracterização externa mais sistematizável. Mesmo assim, Mattoso (1973:143) considera
que ainda no puro nível gramatical a categoria aspecto funciona subsidiariamente em
português.
Segundo o autor, a questão aspectual foi o que motivou a entrada das conjugações
perifrásticas em uso pleno na língua, pois, nestas seqüências, o verbo auxiliar combinava-se
com uma forma verbal para expressar não só tempo e modo, mas também um determinado
aspecto, ou seja, a locução como um todo que subordinava a si o complemento, o que fez
com que se preservasse a concordância nominal do particípio com o respectivo
complemento.
Em geral, em uma conjugação perifrástica, a significação gramatical da construção
repousa na forma flexional auxiliar e, a significação lexical, na forma nominal. Desse
modo, a forma auxiliar expressa, por meio de sufixos, as categorias número/pessoal e
modo/temporal. A categoria aspectual fica expressa, portanto, a partir da associação entre a
significação lexical do auxiliar e a forma nominal que o acompanha, no caso das
construções participiais, o particípio.
- 24 -
Almeida, E. S.
Pode-se dizer que as perífrases verbais com ter e haver são provenientes de estágios
anteriores da língua, mais especificamente do padrão oracional latino. A baixa
produtividade das flexões aspectuais do latim, conforme se disse, corroborou para a
implementação do uso das construções perifrásticas. Estas construções, que organizavam
suas estruturas a partir do latim padrão, foram, paulatinamente, sendo reanalisadas, até que
o processo estivesse sido encerrado. O exemplo latino (26) “habeo litteram scriptam”
(tenho uma carta escrita) permanece até hoje em algumas línguas latinas, como é o caso do
português e espanhol. No caso, também, de (27) “tenho uma carta guardada na manga”, o
particípio funciona como adjetivo deverbal e modifica o SN-complemento.
Os verbos ter e haver, na estrutura original, mantêm o valor semântico de posse,
funcionando, sintaticamente, como núcleo do predicado. O adjetivo deverbal ou participial
apresenta-se como constituinte do SN-complemento direto, não podendo ser analisado
como parte do SV. A presença da flexão atesta que não havia ocorrido o esvaziamento
semântico da forma verbal nuclear, condição fundamental à construção do tempo
composto.
Enquanto a reanálise das formas haver/ter + particípio passado não tivesse ainda
sido completada, é possível observar a coexistência, no português arcaico, de uso das duas
formas de particípio (flexionado ou não), como se pode observar nos exemplos (28) e (29):
(28) “se dar a dita terra em agoa quem aproveitada não tiver de sesmarias a quem as
pidir para aproveitar” [CV, 7, 87, 217] – particípio flexionado.
(29) “e lhe ser deixado alguns logradouros do que aproveitado nam tiver” [CV, 7, 89,
217] – particípio não flexionado.
- 25 -
Almeida, E. S.
Esses exemplos demonstram a existência de dois tipos de estrutura, uma mais
antiga, com o particípio passado adjetivador, modificando o complemento direto, como em
(28), e outra de tempo composto, como em (29).
2.2 Ter e Haver: A Abordagem da Lingüística
Estudos recentes sobre esses dois verbos (Mattos e Silva, 2002; Naro e Braga, 2000;
Ribeiro, 1993) constataram que é a partir do século XV que a forma haver começa a
“decair”, sendo substituída por ter. O verbo tenere teve sua invasão no campo semântico do
latim habere, com sentido de posse pura e simples, sendo utilizado, fundamentalmente,
com substantivos concretos.
A esse respeito, Mattos e Silva (2002) estabelece uma oposição entre esses dois
verbos, indicando que o aparecimento de ter, nas composições possessivas, se iniciou nos
contextos em que há objetos de caráter [+material] e haver se mantém nos casos em que os
argumentos são [+abstratos], exprimindo valores morais, espirituais e afetivos.
Observe como era organizado o sistema quando haver e ter começam a expandir os
seus domínios para outros contextos além dos de posse:
- 26 -
Almeida, E. S.
Verbo ter
Verbo seer
obter, manter,
existencial
Verbo haver
Latim
Clássico
‘possuir, obter,
manter, reter,
segurar, conter,
>
reter, segurar,
conter, deter
Inicialmente,
deter’
esse
valor passa para o
domínio de haver e
possuir
depois para o de ter.
Português
Valor de possuir +
arcaico
o valor existencial
Os valores acima
destacados + o valor
existencial
Quadro 1- Distribuição dos verbos ter e haver do Latim Clássico para o português
arcaico
É possível encontrar, ao longo do processo de mudança, dentre outros casos, como
foi visto na seção 1, estruturas nos contextos de posse, participial, modal e existencial. Em
outras palavras, pode-se dizer que esses verbos (i) podem estar plenos do valor de posse em
construções possessivas; (ii) podem permanecer com o valor de posse em construções
seguidas do particípio passado adjetivador do complemento e em construções perifrásticas
de futuridade/obrigatoriedade; (iii) podem aparecer, também, em construções perifrásticas
de tempo composto e/ou verbo-suporte, em que se encontram quase “esvaziados” do valor
de posse; e, ainda, (iv) podem deslocar o conteúdo lexical básico para a existência, nas
seqüências existenciais (Eleutério, 2003:139).
- 27 -
Almeida, E. S.
Sobre a questão da formação do tempo composto, tema do presente trabalho, há
opiniões controvertidas a respeito do momento histórico em que ter e haver passam a
funcionar como auxiliares. Alguns estudiosos situam o acontecimento no período posterior
ao chamado português arcaico, outros no próprio português arcaico.
Said Ali (1964:160), por exemplo, considera que a construção ter+particípio
passado só começa a ocorrer, no português moderno, quando há perda da concordância do
PP [adjetivo] de verbos transitivos com o seu complemento direto.
No entanto, os estudos de Naro & Lemle (1977) e Naro & Braga (2000) mostraram
que se pode delimitar a criação dos tempos compostos, com os auxiliares ter/haver, a partir
da segunda metade do século XIV, ainda no português arcaico. Parece que foram as
construções do tipo (30) Ele tem escritas as cartas3, com a mesma ordem vocabular das
construções de tempo composto, que possibilitaram a gramaticalização de ter.
Foi possível encontrar, segundo os autores, ainda no século XIV, casos em que
ter+particípio é usado como um auxiliar aspectual sem o sentido de posse, o que revela que
a gramaticalização da construção participial já se tinha iniciado. Veja o exemplo (31) Grave
inimigo tem ganhado a castidade encontrado no Orto do Esposo4, em que se pode perceber
que o sentido do verbo ter é perfectivo e não possessivo. Mesmo assim, a concordância do
particípio com o objeto direto continua sendo usada em competição com a forma
emergente.
Mattos e Silva (2002:129), em um estudo sobre Os usos em João de Barros (século
XVI), chega a afirmar que o aparecimento das perífrases verbais pode ainda recuar para o
século XIII. Segundo ela, os dados referentes à variação da concordância do particípio
passado de verbo transitivo e o uso de haver com particípio passado não-transitivos,
3
Cf. Naro e Braga (2000)
- 28 -
Almeida, E. S.
ergativos, são novos indicadores empíricos que permitem antecipar a possibilidade de
tempos compostos. Para a autora, o tempo composto pode funcionar com qualquer tipo de
verbo e não apenas com os transitivos.
A questão da flexão participial, que vigorava no português arcaico, é um dos fatores
que a faz a autora considerar as estruturas participiais como não compostas, uma vez que a
presença da flexão mostra que a forma verbal ainda não tinha chegado a configurar um
afixo e, por vezes, podia possuir um valor semântico de posse. A concordância evidencia,
desse modo, que não havia ocorrido a fusão semântica e sintática típica do tempo
composto.
Na amostra de João de Barros, a autora encontra tanto ocorrências arcaizantes, que
apresentam concordância com o particípio passado - (32) “a nossa linguagem que temos
pósta em arte”-, como ocorrências que seguem o padrão moderno - (33) “ao quaes já das
escolas tendes ouuido ditos e sentenças”- e, ainda, aquelas ambíguas - (34) “soma de
dinheiro que lhe tinha tomado a logro”-, em que fica difícil precisar se o exemplo constitui
uma estrutura composta ou arcaizante. A autora destaca que havia, no português arcaico,
uma liberdade de estruturação dos constituintes na sentença, revelando que esta estrutura
ainda não formava uma perífrase verbal. A perda da concordância com o particípio passado
partiu dos contextos em que a concordância apresentava menor saliência, quando o
complemento direto e sintagma nominal estavam pospostos a ter/haver+ particípio passado.
Eleutério (2003:146), em um estudo mais recente sobre o assunto, verificou que,
quando o complemento se encontrava à esquerda do predicador, o particípio apresenta um
número maior de formas com concordância. Para ela, a difusão da mudança teria ocorrido a
partir do masculino-singular, uma forma menos evidente, por ser a forma [-marcada]
4
Naro e Braga (2000:133)
- 29 -
Almeida, E. S.
morfologicamente, como no exemplo (35) “e faça de maneira que dentro de coatro mezes
tenha feito nas ditas terras algum proueito”. Nos casos em que a posição do complemento
está vazia, recuperada por um anafórico, levaria, também, à mudança da estrutura
participial - (36) “e a mesma obrigação fizeram elles ditos doadores, as coais declarasoins
terem arendadas as ditas terras, a Gaspar Rodriguez por dois noue annos”. Além disso, a
tipologia do predicador é, supostamente, apontada como favorecedora. A mudança teria
ocorrido, primeiramente, nos verbos transitivos, porque, neste caso, o complemento pode
mudar de posição, passando a ser complemento não mais de ter e haver, mas sim do
particípio.
Em uma análise funcionalista do fenômeno, Naro e Braga (2000:9) afirmam que a
construção original continua existindo até hoje, segundo o princípio da divergência do
paradigma da gramaticalização. Se observar a forma em (37) “Ele tem o livro escrito”, vêse que o complemento escrito concorda com o objeto direto, mesmo sendo uma forma [marcada]. Neste caso, a base verbal tem que ser transitiva para poder modificar o objeto
direto. No entanto, os autores afirmam que, no século XIV, não era possível encontrar a
forma (38) Ele tem ido, com verbo intransitivo.
Ribeiro (1993), dentro do arcabouço da teoria sintática de princípios e parâmetros,
procura analisar o fenômeno em termos formais. Para ela, a formação do tempo composto
acarreta a mudança de uma categoria lexical para uma funcional, ou seja, a perda do
conteúdo semântico de posse do verbo implica a perda da estrutura temática, uma vez que
os verbos auxiliares não selecionam argumentos do tipo <agente>, <tema> e <meta>.
Nas construções participais, que não constituem estruturas compostas, o particípio
passado e SN-complemento concordam em termos dos traços gramaticais, já que o
particípio funciona como modificador do objeto dos verbos ter e haver. À medida que as
- 30 -
Almeida, E. S.
formas ter e haver foram reanalisadas como verbos auxiliares, houve a perda da restrição
do traço [+transitivo] dos particípios passados. A estrutura perifrástica passou a indicar,
assim, uma relação aspectual de um evento concluso ou durativo.
Ribeiro (1993:366) ressalta que a presença ou a ausência de concordância entre o
particípio passado e o SN não pode ser definidora da formação dos tempos compostos. Para
explicitar essa idéia, a autora dá o exemplo dos tempos compostos com être + PP do
francês, que apresentam concordância sistemática entre dois elementos até hoje. O que nos
leva a propor que na sentença (39) “e que lhi mostrasse quen era aquel San Beento que
aqueles seus bees tinha guardados”5 o verbo ter ainda não seja um verbo auxiliar, por não
definir tempo em relação ao particípio passado e, ainda, pelo fato de o particípio marcar
passividade. No exemplo, ter pode ser considerado um verbo pleno, por selecionar o sujeito
e atribuir papel temático ao complemento. Neste caso, tanto ter quanto o particípio passado
têm conteúdo lexical e selecionam papéis temáticos para os seus argumentos.
Segundo a autora, há, ainda, uma relação diacrônica entre o traço existencial de um
verbo e sua realização como auxiliar de tempo composto. Por isso, os verbos das
construções
locativas/existenciais
funcionariam
como
auxiliares
nas
construções
perifrásticas, já que os verbos das construções locativas, também chamados de inacusativos,
não selecionam um argumento externo assim como os de tempo composto6:
(40) “e em Perseo antigo Ormuz: onde tinha hua cidade deste nome que nos tempos
passados foy tã celebre que Ptolomeu...”(construção locativa)
5
6
Ribeiro (1993:370)
Ribeiro (1993: 371)
- 31 -
Almeida, E. S.
(41) “a quem tinha encomendado a escriptura destas partes”(construção de tempo
composto)
Nos dois exemplos acima, o verbo ter não seleciona o sujeito da oração. No entanto,
há uma diferença entre essas duas construções: na construção de tempo composto, exemplo
(41), é o verbo principal que seleciona o sujeito da oração; nas construções locativas,
exemplo (40), o verbo não seleciona o sujeito, uma vez que não apresenta o argumento
externo (o sujeito).
2.3 O Tempo Composto
Mesmo trazendo reflexões, muitas vezes, filosóficas a respeito dos fatos da língua,
as gramáticas constituem um importante documento que testemunham o espírito de uma
época e, ainda, podem ‘mostrar’ o estágio em que se encontravam alguns fatos lingüísticos
a partir da prescrição a eles vinculada. Consideram-se, portanto, de fundamental
importância, as abordagens nelas conferidas para o estudo da formação das perífrases com
os verbos ter e haver.
O estudo centra-se no período que vai do século XIII ao XVII, mas só foi possível
obter contribuições da tradição gramatical a respeito do tema a partir do século XVI, época
em que foram escritas as primeiras gramáticas da língua portuguesa.
Assim, na Gramática da língua portuguesa, uma gramática histórica do século XVI,
João de Barros (1971), por exemplo, ao abordar a questão do paradigma dos tempos
compostos, teorizado pelo autor como “tempo per maneira de rodeo”, afirma que esses
- 32 -
Almeida, E. S.
tempos compostos substituem as formas simples latinas e não passaram para o português. O
autor não trata da questão da concordância do particípio passado. Ressalta apenas que o
tempo composto é construído, fundamentalmente, com ter. O verbo haver é descrito pelo
autor como o <tempo per rodeo vindoiro>, que corresponde ao futuro.
Barros (1971) ainda destaca que há tempos per rodeo que possuem uma correlação
com os tempos simples (amara/ tinha amado). No entanto, segundo o autor, essas formas
possuem uma diferença aspectual.
Temos mais alguns tempos simples, os quáes por cópia da nossa
linguagem mais que por defeito dela, os podemos dizer também per
rodeo, como no tempo passádo mais que acabado do modo pêra
demonstrar, o qual, simples, dizemos amára e per rodeo, na mesma
sinificaçám, tinha amado. Ainda que paréçe no sentido que estes
tempos simples com o particípio dam à obra algüa máis perfeiçám
em tempo.
(Barros, 1971:22)
Na Gramática de Port-Royal (1992), os autores Arnaul & Lancelot, por sua vez, ao
discorrerem sobre os verbos auxiliares, afirmam que estes ajudam a formar diversos
tempos, com o particípio passado de cada verbo: os verbos ter e haver, por exemplo,
configuram auxiliares de tempos compostos dos verbos ativos.
Já em uma obra intitulada Fabulário português medieval, foi possível encontrar
uma espécie de glossário, chamado de Considerações Glottológicas para descrever o uso
“correto” da língua no século XV. Sobre o particípio passado é feita a mesma consideração
encontrada na Gramática de Port-Royal:
- 33 -
Almeida, E. S.
“O particípio passivo faz parte do tempo composto de um verbo,
concorda em genero e numero com o complemento direto d’esse
verbo”
(Vasconcelos, 1906:112)
Na Gramática do contador de Argote (1972), afirma-se que, na língua portuguesa, a
auxiliaridade ocorre apenas com dois verbos: o verbo ser; o verbo ter (ou haver). Os verbos
ter e haver são tomados pelo autor como sinônimos perfeitos, ambos com uma significação
de posse. Sobre esses dois verbos, o autor assinala que podem funcionar como auxiliares
dos tempos compostos de verbos ativos, passivos e neutros. Argote, assim como já havia
referendado Barros, estabelece a seguinte relação para os futuros compostos: ter, que se
conjuga com o particípio do verbo; e haver (de), que se conjuga com o infinitivo do verbo
com preposição de, para marcar a expressão modal de futuridade.
No capítulo V, ao tecer considerações sobre as transformações do latim ao
português, o autor ainda afirma que constitui um idiotismo da sintaxe da língua portuguesa
todos os modos e termos de fallar da língua que não tem conveniência, ou semelhança com
a Gramática latina (Argote, 1725:269). A formação dos tempos compostos com o verbo
haver é considerada, por isso, um idiotismo, porque os particípios passivos podem, em
alguns casos, nesses contextos, não concordar com o substantivo em gênero, número e
caso.
Soares Barbosa (1875), assim como os autores anteriormente citados, considera que
os verbos auxiliares são provenientes dos verbos latinos, que, perdendo as marcas
morfológicas aspectuais, construiriam estruturas compostas. Com relação ao tempo
composto, o autor assinala que estes não possuem a mesma acepção original. Para formar
construções perifrásticas, os verbos, juntos aos nomes verbais, perdem a significação
- 34 -
Almeida, E. S.
natural para exprimir diversos estados de existência. Segundo ele, ter e haver auxiliares
ainda mantêm alguns resquícios de sua natureza primitiva, exprimindo uma posse com
caráter virtual, metafórico.
Huber (1993) descreve a concordância do Particípio passado + complemento
direto, no português arcaico, baseando-se na estruturação dos constituintes na sentença: (i)
se o complemento em acusativo estiver depois do particípio passado, o particípio, em
ligação com aver ou teer, concorda muitas vezes com o complemento em acusativo em
gênero e número, como em (42) Tenho vystos e ouvidos muitos exempros [LC, 212]7; (ii)
quando o complemento acusativo precede o particípio passado, este último concorda em
gênero e número com o respectivo complemento em acusativo, como em (43) “pecados que
havemos feitos”8. Na Gramática Portuguesa Complementar (1876), Teófilo Braga
considera que os tempos compostos com ter e haver exprimem uma ação já concluída. O
autor aborda a questão da concordância da forma participial, em que o particípio pode ser
tomado como adjetivo, concordando com o elemento a que se associa. Segundo ele, o
particípio com ter pode apresentar concordância ou não, a depender do caso. No caso do
tempo composto, o adjetivo pode permanecer invariável ou estar em dependência,
concordando com o complemento.
Confirmando as idéias anteriores, Said Ali (1957) referenda o fato de, no uso de ter
e haver, a conjugação perifrástica indicar que havia um elemento ativo, representado por
haver ou ter, e um elemento passivo, o particípio passivo. Nesse caso, o verbo ativo estaria
relacionado ao sujeito da ação e a forma participial passiva relacionar-se-ia ao
complemento verbal. Essa organização da estrutura demonstrava, portanto, a independência
7
8
Cf. Huber (1993: 282)
Cf. Huber (1993: 282)
- 35 -
Almeida, E. S.
das duas formas verbais, cada qual relacionada a um elemento específico: uma ao sujeito e
outra ao objeto.
O particípio latino indicava uma ação anterior. Com a formação do tempo
composto, há a fusão semântica das duas formas verbais, ficando a ação subordinada a um
mesmo agente. As diversas formas dos tempos compostos, quer no indicativo, quer no
subjuntivo ou nas formas nominais possuem um mesmo traço semântico aspectual que as
diferem das formas simples.
Segundo o autor, no português arcaico, a escolha por ter ou haver, nas formas ativas
dos tempos compostos, era aleatória, havendo restrição de uso quando o primeiro verbo
mantinha sua significação concreta evidente, o que o impedia de se fundir semanticamente
ao particípio para formar o tempo composto (44) “espada que o tinha cimta – espada que
mantinha cindida”9. Para ele, ter também podia funcionar, em outros casos, como auxiliar
do particípio passado.
Mesmo assim, é possível encontrar, no português arcaico, a forma haver-auxiliar,
que, segundo o autor, evidencia um uso erudito arcaico. Independente das formas da
estrutura composta – se no indicativo, no subjuntivo ou no infinitivo - é comum a todas
possuírem a categoria aspectual. Por isso, Said Ali propõe que se estabeleça uma
diferenciação entre as construções das formas simples, a partir das noções de perfectivo e
imperfectivo.
Outros autores, como Cunha e Cintra (2003), em uma análise mais recente sobre o
fenômeno, apontam que o conjunto auxiliar+principal forma uma locução em que o
auxiliar contém as flexões e o verbo principal configura uma forma nominal de gerúndio,
de particípio ou de infinitivo do verbo. Os autores destacam que não há confluência de
9
Cf. Said Ali (1957).
- 36 -
Almeida, E. S.
opinião entre os gramáticos a respeito de quais formas constituiriam auxiliares na língua.
Destacam, contudo, que os verbos ter e haver constituiriam os auxiliares por excelência.
Os mesmos autores repetem a abordagem tradicional, segundo a qual os tempos
compostos da voz ativa – auxiliar+particípio – serviriam para exprimir um fato acabado,
repetido ou contínuo.
Rocha Lima (1999) e Bechara (1999) admitem, também, que o verbo ter
corresponde ao auxiliar prototípico para o tempo composto, sendo o haver menos
freqüente. O auxiliar, na formação das estruturas compostas, contém apenas uma noção
gramatical, apontando as marcas morfológicas de pessoa, número, tempo e modo. Mateus
et alii (2003), assim como Rocha Lima, salientam que ter é o verbo auxiliar dos tempos
compostos, ressaltando que haver, como auxiliar dos tempos compostos, deixou de fazer
parte da linguagem coloquial.
Na Gramática de usos do português, Moura Neves (2000), na seção em que
delimita os verbos como predicados das orações, situa os verbos ter e haver entre os ditos
verbos gerais, verbóides, que possuem o significado intrínseco esvaziado, os chamados
verbos-suporte. Para ela, a seqüência ter/haver + particípio seria formada por um auxiliar
aspectual de tempo, que pode indicar o início do evento, o desenvolvimento, o término, o
resultado, a repetição, a consecução, a intensificação do evento ou a aquisição de estado.
Percebe-se, então, que as gramáticas tradicionais tanto as mais antigas quanto as
mais recentes classificam o particípio como uma das formas nominais do verbo, que, além
do valor verbal, pode desempenhar a função de nome. Mesmo assim, a distinção entre o
particípio com função verbal ou nominal é tratada de forma superficial. É claro que, no
- 37 -
Almeida, E. S.
português atual, nos tempos compostos da voz ativa, o particípio manifesta o seu valor [+
verbo] e pode até, em alguns casos mais escassos, desempenhar um valor [+adjetivo].
- 38 -
Almeida, E. S.
3. CATEGORIZAÇÃO DO FENÔMENO
Para descrever o aparecimento das perífrases verbais, é necessário identificar (i) o
que levou à perda do conteúdo semântico de posse nas construções participiais, fazendo
com que ter e haver plenos passassem a auxiliares; e (ii) o que motivou a perda da
concordância do SN com o respectivo complemento, fazendo, por sua vez, com que o
adjetivo deverbal passasse a configurar o verbo predicador da sentença.
Com o objetivo de melhor descrever a formação do tempo composto, antes de
enveredar pelos pressupostos funcionais e sociais, propõe-se o enquadramento do
fenômeno estudado dentro de uma determinada categoria gramatical. Baseando-se na
proposta estruturalista de traços, será estabelecida uma série de propriedades formais,
semânticas, discursivas e/ou pragmáticas, para que se possa discutir o que nos faz
diferenciar, por exemplo, um verbo pleno de um verbo auxiliar e, ainda, um adjetivo de um
verbo (particípio).
Muito se tem discutido sobre a questão da diferenciação que se deva estabelecer
entre um verbo pleno e um verbo auxiliar. Entretanto, não é tão claro delimitar quando o
suposto verbo auxiliar perdeu o seu sentido original. Essas duas categorias são, geralmente,
definidas em algumas gramáticas tradicionais como:
⇒ O verbo principal tem o ofício de predicado da oração10.
⇒ O conjunto formado de um verbo auxiliar com um verbo principal chama-se locução
verbal11.
10
11
Said Ali (1957)
Cunha e Cintra (2001)
- 39 -
Almeida, E. S.
⇒ O verbo auxiliar é o verbo que se combina com o chamado verbo principal, formando
uma unidade semântica.12
⇒ Muitas vezes o auxiliar empresta um matiz semântico ao verbo principal dando origem
aos chamados aspectos do verbo13.
No tratamento da auxiliaridade, a descrição apresentada é, quase sempre,
insuficiente. A esse respeito, Costa (1975:12) afirma que os critérios são escassos e
carecem de maior aprofundamento, uma vez que a definição da categoria auxiliar varia de
autor para autor.
Vieira (2004:67), ao abordar a questão da auxiliaridade nas perífrases verbais,
destaca que a categorização sintática de um verbo tem que ser definida em virtude do
enunciado em que ocorre. Logo, fica evidente que, para enquadrar um verbo em uma
determinada categoria, se deve, primeiramente, levar em conta o contexto discursivo em
que o verbo está inserido.
Em geral, os auxiliares são definidos como a categoria que apresenta perda de
significado, com conseqüente “esvaziamento semântico” e os verbos plenos como
estruturas de significado completo, responsáveis pela predicação da sentença. Ressalta-se,
porém, que nem todos os verbos que não são plenos sofrem perda total de significado, uma
vez que, além das fronteiras pleno/principal e auxiliar, há os verbos semiauxiliares que se
encontram no entremeio da escala de auxiliaridade, ou seja, no continuum intercategorial
entre as categorias prototípicas.
12
13
(cf. entre outros Bechara, 1822; Cunha e Cintra, 1984; Bechara, 1999)
Bechara (1968)
- 40 -
Almeida, E. S.
Com base em Gonçalves & Costa (2002), estabelece-se um quadro de traços,
mostrando algumas propriedades que nos fazem diferenciar a categoria dos verbos plenos
da dos verbos auxiliares:
PROPRIEDADES SINTÁTICAS, SEMÂNTICAS
VERBO
VERBO
E/OU MORFOLÓGICAS
PLENO
AUXILIAR
(+)
(-)
(-)
(+)
3- Funcionam como núcleo do sintagma verbal
(+)
(-)
4- Seleciona a expressão que desempenha a função de
(+)
(-)
5- Responsável pela seleção semântica do sujeito
(+)
(-)
6- Estabelece o número de argumentos da predicação da
(+)
(-)
1- Apresentam significado lexical
2-
Apresentam
apenas
significado
gramatical/
instrumental no sistema lingüístico, especializando-se na
marcação/indicação das categorias gramaticais do verbo:
pessoa, número, tempo, modo, voz e aspecto
sujeito, atribuindo-lhe papel semântico/ temático e
impondo-lhe restrição de seleção semântica
sentença
Quadro 2- Diferenças entre um verbo pleno e auxiliar a partir do sistema formal de traços14
Ao observar esse sistema de traços, pode-se perceber que a distinção entre um verbo
pleno e um verbo auxiliar se dá, sobretudo, a partir de propriedades sintáticas e semânticas.
14
Os valores (+) e (-) indicam, respectivamente, que há maior ou menor tendência de a propriedade ocorrer.
- 41 -
Almeida, E. S.
Pode-se dizer que as duas categorias são excludentes, isto é, o traço [+] de uma acarreta o
traço [-] da outra.
A partir desse conjunto de traços, agrupam-se algumas propriedades que distinguem
os verbos plenos dos auxiliares, na formação dos tempos compostos com ter e haver:
VERBOS PLENOS
•
•
VERBOS AUXILIARES
Categoria que apresenta comportamento •
Categoria gramatical que forma uma
lexical, responsável pela predicação da
unidade semântica, sintática e funcional
sentença;
com o verbo principal;
Estruturam
a
sentença
sintática
e •
semanticamente.
Não podem, por si só, selecionar os
constituintes sintáticos e semânticos da
sentença.
•
Marca as categorias gramaticais de
tempo, pessoa, número, voz e aspecto
Quadro 3- Propriedades que distinguem um verbo pleno de um auxiliar
Como já foi referido, além dessas duas grandes classes de verbos -- verbos
auxiliares x verbos predicadores/plenos --, há os casos de semi-gramaticalidade, os semiauxiliares, que se localizam entre as categorias dos verbos predicadores e dos auxiliares. A
auxiliaridade dos verbos dá-se, portanto, em uma escala, podendo ser definida em um
continuum, assim distribuído:
- 42 -
Almeida, E. S.
Verbos ............................................ Verbos.............................................Verbos
principais
(semi) auxiliares
auxiliares
Nesse caso, a auxiliaridade pode ser entendida como um processo gradual a que
determinados verbos podem estar submetidos. Heine (1993) destaca que as formas
auxiliares não constituem um ponto final, mas um ponto intermediário no contínuo que vai
de verbo pleno a flexão (tempo, modo e aspecto), com é o caso do morfema de futuro no
português, em que o verbo “haver” passa a configurar apenas um morfema (cantar hei >
cantarei).
Acredita-se que analisar a categoria a que pertencem os verbos ter e haver em
construções participiais, em épocas posteriores da língua, constitua difícil tarefa, uma vez
que esses dois verbos não podiam ser considerados auxiliares prototípicos. A
auxiliarização, nessas construções, pode ser entendida, portanto, como um processo em que
ter/haver, pertencentes a uma categoria lexical (verbo pleno) passam a uma categoria
gramatical (verbo auxiliar).
Em um verdadeiro complexo verbal perifrástico, há unidade semântica, sintática e
funcional e, no português arcaico, as estruturas participiais podem ser divididas em dois
grandes grupos:
(a) prototípicas, aquelas que apresentam um maior grau de integração e significação
única, e
(b) não-prototípicas, aquelas que apresentam menor coesão e, ainda, possibilitam uma
significação disjunta.
- 43 -
Almeida, E. S.
Desse modo, as construções participiais com os verbos ter e haver, no português
arcaico, não constituíam rigorosamente estruturas perifrásticas, por haver uma menor
coesão na estrutura sintagmática, já que esses dois verbos possuíam uma certa flexibilidade
de estruturação na sentença. Assim, a construção participial composta por ter/haver,
seguida de um elemento participial, podia ter diferentes graus de integração, como se pode
observar nas sentenças a seguir:
(45) “pero era embargado por um gram penedo que nascia hi naturalmente e tiinha todo o
logar coberto” [SG, 10, 23]
(46) “E alguuas cousas tenho scriptas no livro que faço de ssaber” [LC, 21, 342]
(47) “E porem, se teverdes dados ao Almyrante os dez mil cruzados que lhe tendes
prometidos” [DJIII, 23]
Na sentença (45), há uma menor coesão na estrutura sintagmática e, nesse caso, o
verbo ter apresenta um valor de posse. Na sentença (46), verifica-se um maior grau de
coesão, mas ainda não se pode dizer que ter e haver formem com o particípio uma única
significação. Nessa sentença, pode-se ter as seguintes interpretações:
(46) a) ‘Eu tenho algumas coisas que foram escritas por mim’.
b) ‘Eu escrevi algumas coisas’.
E, por fim, a estrutura com maior integração, na sentença (47), que, mesmo com
dois verbos, é interpretada como um período simples, já que o particípio é o verbo
predicador responsável por projetar o número de argumentos da predicação.
- 44 -
Almeida, E. S.
A partir dos exemplos arrolados, é possível comprovar que as estruturas participiais
possuem diferentes graus de integração/coesão que estão associados ao contexto em que
ocorrem. Na sentença (45), há mais de um domínio predicativo, visto que o verbo ter não
constitui uma unidade sintática com a forma participial que o segue. À proporção que o
processo de mudança foi avançando, houve uma tendência a ocorrer uma maior integração
nas construções participiais que passam a formar estruturas perifrásticas.
3.1 A Semi-Gramaticalidade (Semi-Auxiliaridade) de Ter/Haver no
Português Arcaico
Em uma análise tradicional, como se viu na seção 3, os verbos são classificados
como plenos ou auxiliares. No entanto, a partir de uma análise funcionalista, em que as
categorias não são vistas como discretas, a categoria dos auxiliares é considerada como um
ponto do contínuo que vai do verbo pleno ao morfema flexional (ou até mesmo a zero).
A partir da proposta apresentada em Vieira (2004), é possível estabelecer uma
categorização escalar para os verbos que não se comportam nem como plenos, nem como
auxiliares. Esta classe de verbos, segundo a autora, apresenta-se em distintos graus de
gramaticalização, fenômeno que pode ser entendido como um processo essencialmente
unidirecional, em que um item lexical/concreto torna-se gramatical/abstrato e, ainda, um
item/elemento gramatical torna-se mais gramatical. A escala de auxiliaridade contempla,
dessa forma, extensões de uso variadas: desde aquelas em que o sentido está mais próximo
da categoria de Vauxiliar prototípico, até aquelas mais próximas da de Vpredicador.
- 45 -
Almeida, E. S.
Através do estudo das construções participais com as formas verbais ter e haver,
pôde-se elencar uma série de propriedades que as enquadram, no português arcaico, em
uma outra categoria, diferente da dos membros típicos dos verbos auxiliares. O quadro a
seguir discrimina algumas características dessa classe de verbos.
Propriedades dos verbos semi-auxiliares
1. Apresentam variabilidade na forma participial
2. Limitam a natureza sintática do Vauxiliado (particípio) a uma estrutura transitiva direta
3. Podem assumir e até condensar em um mesmo contexto enunciativo mais de um
significado distinto
4. O desgaste semântico não é verificado da mesma maneira. Apesar de os verbos
possuírem um caráter instrumental, mantêm muitos traços de seu valor lexical.
5. O operador de negação pode incidir fora do domínio do Vpredicador
Quadro 4- Propriedades dos verbos semi-auxiliares15
As propriedades abaixo discriminadas constituem parâmetros para comprovar que
ter e haver, nas construções participiais, continham um caráter semi-auxiliar, uma categoria
intermediária no contínuo de gramaticalização:
• Variabilidade na forma participial
No português arcaico, as formas participiais podiam variar em gênero e número,
conforme se observa nos exemplos a seguir:
15
Baseado em Vieira (2004)
- 46 -
Almeida, E. S.
(a) no feminino singular ⇒ (48) “no luguar omde assemtardes, pera detryminare os
casos da carta de marqua que ele teem pasada em favor
de Joam Ango contra os meus naturaes e vasallos” [DJIII,
17]
(b) no feminino plural ⇒ (49) “E assi os homens boos daquela cidade colhian cada ano
seu pan e seu vio e todalas outras cousas per que se
mantiinhan que se tinham semeadas ou chantadas nos
campos” [SG, 7, 83]
(c) no masculino plural ⇒ (50) “conssirando os beens e mercees que do senhor deos
tem recebidos, dandolhe algum conhecimentodel [LC, 15,
48]
• Limitação da natureza sintática do V auxiliado a uma estrutura transitiva
direta
Enquanto a reanálise16 de ter e haver não havia ocorrido, os particípios possuíam
natureza transitiva, concordando com traços gramaticais do SN.
16
O fenômeno da reanálise pode ser compreendido como a redução significativa de freqüência de um dado item, que passa a ser
interpretado e representado de forma diferente. Por exemplo, uma dada construção muda uma estrutura S de uma dada época P para uma
estrutura S’ # S na época P’. Veja: [[Tinha] [uma carta escrita]] > [[Tinha [uma carta esc rito]] > [[Tinha escrito] [uma carta]].
- 47 -
Almeida, E. S.
(51) “E sse o filhamos de nos por os malles que fazemos, ou avemos feitos” [LC, 23, 284]
(52) “[as ditas pippas de uino que elles tinhao] arbitradas para cada hum ano” [CV, 6,
92, 210]
• Possibilidade de assumir, em um mesmo contexto enunciativo, mais de um
significado distinto
Os verbos ter e haver, nessas contruções, a depender do contexto em que ocorrem,
podem, ainda, apresentar significados distintos, a saber:
(i)
manter, conservar, guardar
(ii)
obter, receber, adquirir
(53) “E assi podemos entender como viveu este San Paulo depois que o nosso Senhor
chamou de fundo do inferno a que tinha ja sa alma obligada” [SG, 39,126]
Interpretações:
a)“ A alma de San Paulo era mantida no fundo do inferno”
b) “A alma foi recebida do inferno”
(54) “avendo scripta esta reparticom dos pecados suso declarada” [LC, 1, 273]
- 48 -
Almeida, E. S.
Interpretações:
a) “Conservando escrita repartição dos pecados”
b) “Recebendo por escrito a repartição dos pecados”
• Os verbos ter e haver mantêm muitos traços de seu valor lexical
Até que o processo de gramaticalização chegue a seu término, verificam-se
diferentes valores para os verbos ter e haver, uma vez que o desgaste semântico não ocorre
da mesma maneira nas formas participiais compostas por esses dois verbos:
9 Valor de posse [+ material]: (55) “a presa que eles tinham tomada aos
castelhanos” [DJIII, 17]
9 Valor de posse [abstrato]: (56) “E porende aqueles juizos que Deus ten
ascondudos e non-nos ensinou ainda aos seus amigos”
[SG, 38 ,69]
9 Valor de posse [intrínseco]: (57) “e [te]ere sas almas mais assessegadas” [LA, 18,
25]
9 Valor esvaziado semanticamente: (58) “foi dito que eles tinhao feito hua escritura
de doação de huas terras na goaratiba” [CV, 3,
12, 200]
9 Valor existencial: (59) “E per esta façanha deves a entender, Pedro, que vingança
do Senhor tomaria daquela alma cujo corpo non quis que
ouuesse na igreja soterrado” [SG, 12, 234]
Quadro 5- Valores assumidos por ter e haver nas construções participiais
- 49 -
Almeida, E. S.
•
O operador de negação pode incidir fora do domínio encaixado
(60) “se dar a dita terra em agoa quem (sic) aproueitada não tiuer de sesmarias quem as
pidirpara aproueitar” [CV, 7, 87, 287]
Como se pode observar, todas essas propriedades atestam que, no português arcaico,
ter e haver estão no entremeio da escala de auxiliaridade, não podendo ser considerados
verbos auxiliares.
3.2 Flutuação no Particípio: formas [v+do] não verbais > formas [v+do]
verbais
A distinção entre as formas [V+do] não verbais e as formas [V+do] verbais sempre
foi um ponto complicado para descrição do português. Classificar o particípio passado, nas
construções participiais, quando ainda não constituíam o tempo composto, em uma
determinada categoria é, portanto, um problema a ser resolvido, uma vez que se deve
definir como ocorreu a passagem da forma participial (adjetivadora) para a verbal
(predicadora).
A categoria dos adjetivos, segundo Laroca (1994), ao contrário da dos substantivos
que possuem o status do gênero de caráter lexical, teria status morfológico flexional.
Enquanto o processo de gramaticalização do tempo composto não foi concluído, o
particípio passado com valor adjetival podia caracterizar o complemento e ficava ao
encargo de ter e haver a responsabilidade de estabelecer a predicação da sentença. Com a
- 50 -
Almeida, E. S.
formação do tempo composto, o particípio passa a ordenar a predicação, selecionando os
papéis temáticos do sujeito.
No quadro a seguir, apresentam-se algumas propriedades que são comuns às formas
[V+do] verbais e não-verbais e outras que nos fazem distingui-las:
PROPRIEDADES SINTÁTICAS/
FORMA [V+do] não-verbal
FORMA [V+do] verbal
SEMÂNTICAS E
(PARTICÍPIO PASSADO
(PARTICÍPIO PASSADO
MORFOLÓGICAS
ADJETIVADOR DO
QUE PREDICA A
COMPLEMENTO)
SENTENÇA)
(+)
(-)
(-)
(-)
papel
(-)
(+)
sintaticamente
(-)
(+)
5- Recebe flexão de pessoa
(-)
(-)
6-
Derivação
(+)
(-)
7- Possui função atributiva
(+)
(-)
1- Recebem flexão gênero e
número
2- Presença de flexão de
tempo/modo
3-
Atribui
caso
e
temático ao sujeito
4-
Funciona
como predicador
Recebem
(sufixos)
(qualificativa)
Quadro 6- Diferenças entre o particípio passado adjetivador e o predicador a partir do
sistema formal de traços
- 51 -
Almeida, E. S.
A partir desse sistema de traços, pode-se agrupar semelhanças e diferenças entre o
particípio passado adjetivador (adjetivo deverbal) e o particípio passado predicador, que
colaboraram para a formação do tempo composto:
Propriedades morfológicas
•
•
PARTICÍPIO PASSADO
PARTICÍPIO PASSADO
ADJETIVADOR
PREDICADOR
Recebia flexão de gênero •
Apresenta o resultado de
e número
um processo verbal
o •
Mesmo sendo um verbo,
é,
não
Caracterizava
complemento,
funcionava
adjetivo,
isto
como
com
um
valor
se
flexiona
em
pessoa, número, tempo
modo
atributivo
Propriedades
sintático- •
semânticas
•
Concordava com o SN- •
Seleciona
complemento
temático do sujeito
Tinha
liberdade
o
de
estruturação na sentença
•
Funciona
predicativo
como
do
SN-
complemento direto
Quadro 7- Propriedades que distinguem o PP-adjetivador e PP-predicador
- 52 -
papel
Almeida, E. S.
3.3 Fatores Favorecedores para a Mudança Categorial na Formação do
Tempo Composto
O fato de os verbos ter e haver ocorrerem em construções com a forma [V+do],
apresentando natureza transitiva, favorece à interpretação verbal do particípio, uma vez que
se exige um complemento agentivo.
(61) “E sse o filhamos de nos por os malles que fazemos, ou avemos feitos, seja filhado
com temperança, por nom cairmos em continuada tristeza” [LC, 24, 15]
(62) “se homem pode logo aver aprestiados logares e campanhas” [SG, 55, 53]
No entanto, há casos em que, mesmo com verbo transitivo, pode haver uma
interpretação [+estativa], com o particípio denotando uma característica intrínseca do
núcleo, podendo até sofrer gradação, propriedades de um adjetivo.
(63) “teedo as maos alçadas e o manto tendudo” [SG, 12, 31]
Na formação das perífrases verbais, as formas participiais, originalmente,
denotavam o estado final do processo , o resultado, como em (64) “Todo aldeano que casa
ouuere en uila, seia uizino, sea touer poblada com sua moller” [FCR, 16, 34] . Com o
processo de mudança, essas formas passaram a significar a ação desenrolada no tempo
passado, como em (65) “e [tinhao] retificado a dita escritura” [CV, 3, 15, 200]. Isso
explica porque os particípios, nas formas compostas, tem um comportamento mais verbal,
ou seja, são [- estativos] e [+ verbos].
- 53 -
Almeida, E. S.
4. PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
Neste trabalho, procurou-se vincular a abordagem teórica do funcionalisno à prática
da
análise
sociolingüística.
A
junção
dessas
duas
abordagens
foi
baseada,
fundamentalmente, na seleção de contribuições confluentes oferecidas pelas duas teorias,
rejeitando-se a idéia de que cada campo investigativo apresente limites bem definidos e
estruturados.
Acredita-se que será necessário reconhecer, para identificar o que motivou a
formação do tempo composto nas construções participais com ter e haver, não só os fatores
de natureza discursivo-pragmática, mas também os de ordem sintático-lexical que atuaram,
no português arcaico, para a alteração categorial de ter e haver plenos para auxiliares e,
ainda, da forma [V+do] não-verbal para uma forma verbal.
4.1 O Funcionalismo e a Hipótese da Gramaticalização
A língua pode ser concebida de diferentes maneiras, a depender do pensamento
lingüístico que a norteia. Em linhas gerais, pode-se dizer que há duas correntes de
pensamento lingüístico, polarizadas, que concebem a língua a partir de duas perspectivas: a
Formalista e a Funcionalista.
A corrente formalista, representada basicamente pela lingüística estruturalista e
gerativista, caracteriza a língua como um sistema formal particular e autônomo que
independe do contexto de uso. A investigação lingüística, dentro do arcabouço teórico
formal, atém-se apenas ao estudo da forma, da estrutura gramatical, uma vez que se busca
saber quais são os mecanismos formais básicos que regem a língua na mente do falante.
- 54 -
Almeida, E. S.
Dentro do quadro teórico funcional, por outro lado, encontram-se modelos muito
distintos, o que dificulta sua caracterização. No entanto, mesmo havendo uma distinção
entre as proposições funcionais, pode-se verificar uma série de similaridades que nos
permite definir a teoria funcionalista.
O funcionalismo lingüístico, independente do modelo, busca descrever os fatos da
língua a partir do contexto discursivo, ou seja, no uso interativo da língua, por isso a
linguagem é tratada como um fenômeno mental e, primariamente, social. Neste caso, a
linguagem é vista como um mecanismo fundamental para a interação social, já que se
pretende verificar o modo como os usuários da língua obtêm a comunicação.
Givón (1995), em Funcionalismo e linguagem, ressalta a função não-autonôma,
dependente da língua, ao afirmar que a gramática não pode ser entendida sem referência a
parâmetros, como cognição e comunicação, processamento mental, interação social e
cultura, mudança e variação, aquisição e evolução. Vê-se, assim, que os usos, segundo a
hipótese funcionalista, é que são responsáveis pela estruturação do sistema lingüístico.
Estudar um fenômeno lingüístico, na concepção funcionalista, significa não só tratar
da “forma”, dos esquemas básicos de uma língua, como fazem os Formalistas, mas,
sobretudo, da função; ou melhor, a relação função-forma, correlacionada aos fatores
sociais, comunicativos/pragmáticos e/ou cognitivos em um dado período de tempo. Dessa
maneira, a análise da estrutura gramatical deve estar atrelada ao uso que se faz da língua: os
domínios sintáticos, semânticos e pragmáticos são interdependentes no tratamento das
formas lingüísticas estudadas.
Tem-se, na perspectiva funcional, além da análise da estrutura gramatical, o exame da
situação comunicativa, ou seja, a função que a forma lingüística desempenha no ato
lingüístico tem um papel preponderante. A concepção da língua funcional reconhece,
- 55 -
Almeida, E. S.
portanto, que, no sistema lingüístico, a relação entre estrutura e função é insólita, visto que
há uma dinamicidade contínua no desenvolvimento da linguagem. Se há dois elementos em
uso, não se pode considerar que haja duas estruturas de mesmo valor, já que essas duas
opções, de que o falante dispõe, possuem funções diferentes. O falante, de maneira
consciente ou não, faz suas escolhas a depender de sua intenção comunicativa. Assim, o
que leva um falante à escolha por uma forma X ou Y deve-se, sobretudo, a determinadas
propriedades discursivas que há em um contexto específico de comunicação.
Por ser a língua um sistema de comunicação entre os indivíduos de uma dada
sociedade, é suscetível a mudanças. Logo, é incorreto pensar que temos um único sistema
de realização na língua. Por exemplo, a variação da construção participial - ora com o
valor semântico de posse e ora com o valor semântico esvaziado – levou a uma mudança
no sistema de realização lingüística do português.
Percebe-se, pois, que a gramática de uma língua não pode ser autônoma, mas sim
dependente do discurso, uma vez que é a partir dele que ocorre a mudança. A gramática é,
neste caso, estruturada a partir das pressões de caráter cognitivo -- em que se verifica como
o homem interpreta e organiza mentalmente as informações -- e das pressões decorrentes
do uso, da constante mudança e criatividade de que o falante dispõe. A partir dessas
pressões, a gramática da língua sofre variações que podem até constituir processos de
mudanças, explicados no modelo da gramaticalização – em que formas lexicais passam a
desempenhar funções gramaticais ou itens gramaticais passam a desempenhar funções
ainda mais gramaticais.
Nesse contexto, os estudos diacrônicos servem para mostrar como as mudanças
ocorrem ao longo do tempo com uma possível escala de linearidade. A esse respeito, Givón
propõe uma trajetória para a evolução cíclica da língua, tendo como ponto inicial e final o
- 56 -
Almeida, E. S.
discurso. Segundo o autor, há fases pelas quais um fenômeno lingüístico pode passar no
processo de gramaticalização. A princípio, a forma lingüística é produzida eventualmente,
revelando um efeito pragmático-discursivo. A partir daí, esse elemento pode sofrer
mudanças morfológicas e/ou morfofonológicas. Vê-se que, neste ciclo, a mudança
apresenta uma possível linearidade, em que um novo valor surge a partir de um valor
anterior. Vale ressaltar, entretanto, que os elementos não necessariamente precisam passar
por todos esses estágios para que se evidencie um processo de gramaticalização.
O elemento já gramaticalizado pode, ainda, sofrer um processo de desgaste, o que faz
com que não haja mais restrições de seleção e o item retorne ao discurso. Em outras
palavras, verifica-se que, na escala do tempo, os elementos discursivo-pragmáticos
maleáveis, paratáticos tornam-se estruturas rígidas, subordinadas, gramaticalizadas, as
quais podem apresentar tanto ganhos como perdas comunicativas.
4.1.1 Sobre a Noção de Gramaticalização
A gramaticalização tem sido amplamente estudada pela lingüística funcionalista
norte-americana na busca de explicar o surgimento de elementos gramaticais através do
tempo. Por isso, o paradigma da gramaticalização descreve como as formas e construções
gramaticais emergem e se estruturam no uso da língua. A gramaticalização é definida, em
linhas gerais, por muitos como um processo essencialmente unidirecional, ou seja, o modo
como, em contextos específicos, um item lexical/concreto torna-se gramatical/abstrato e,
ainda, como um item/elemento gramatical torna-se mais gramatical.
Para compreender essa noção, é necessário, antes de tudo, distinguir as categorias
lexicais, que possuem as projeções de núcleo com conteúdo lexical, das não-lexicais ou
gramaticais, que são projeções de traços gramatical sem conteúdo lexical. Em geral, os
- 57 -
Almeida, E. S.
fenômenos gramaticalizados perdem o sentido original da forma e passam a receber novos
sentidos, o que não impede que as duas formas – a gramaticalizada e a não gramaticalizada
– coexistam na língua. Para que ocorra a gramaticalização, é necessário, portanto, que os
itens lingüísticos estejam em contextos pragmáticos e morfossintáticos específicos que
propiciem o acontecimento do fenômeno.
Pode-se dizer que um fenômeno é gramaticalizável quando passa a ocorrer de forma
previsível e estável no sistema lingüístico, saindo do discurso e passando a configurar a
gramática (Cunha, Oliveira, Martellota, 2003). A passagem dos verbos ter e haver plenos
para auxiliares é entendida como um processo de gramaticalização. Vários estudos têm sido
realizados sobre esses dois verbos, contudo, nenhum deles aprofundou-se no estudo do
presente tema.
Para que o estudo tenha como base de apoio essa teoria, expõe-se, primeiramente, o
que se entende por gramaticalização, a partir de diferentes teóricos funcionalistas, para que
se possa compreender as razões do processo e aplicá-los, então, ao presente objeto de
estudo.
É importante ressaltar que, para a análise da presença e/ou ausência de concordância
do particípio com o complemento, a gramaticalização é tomada no sentido lato, uma vez
que se busca explicar de que modo foi processada a fixação da estrutura participial. Nesse
sentido, há uma preocupação em descrever as mudanças que se dão no interior da
gramática, sejam sintáticas e/ou discursivas. A partir de uma perspectiva histórica, a
gramaticalização vai tratar das origens das formas gramaticais, ao contrário do que ocorre
na perspectiva sincrônica, em que se estuda um fenômeno pragmático-discursivo através do
uso corrente.
- 58 -
Almeida, E. S.
No português arcaico, ter e haver, mesmo em construções participiais, podiam
configurar itens lexicais plenos, com sentido de posse, sendo usados em estruturas em que
funcionavam como predicadores da sentença em construções do tipo (66) “Aquelas coisas
que tem aparelhadas” (Cf. Mattos e Silva, 1997). Com o processo de gramaticalização,
eventualmente, ter e haver passam, sobretudo quando o complemento está no masculino
singular, a forma [-marcada], a não mais predicar a sentença, passando ao encargo dos até
então “adjetivos” deverbais a responsabilidade de predicação da sentença, funcionando
como verbos (67)“Aquelo que ordihado tiinha” (Cf. Mattos e Silva, 1997).
A distinção entre os verbos plenos/auxiliares de ter e haver deve-se, sobretudo, à
reanálise diacrônica dessas formas, com perda das propriedades léxico-semânticas das
formas-fonte. Segundo Naro e Braga (2000), para que ter e haver pudessem ser
reanalisados como verbos auxiliares, seria preciso que, nos estágios iniciais do processo de
mudança, as duas formas -- com concordância ou não -- tivessem tido a mesma
significação, condição fundamental à reanálise da estrutura.
Nesse caso, o adjetivo, que era o complemento de ter e haver, deixou de ser
entendido como tal e passou a ser percebido como um verbo, perdendo o seu sentido
original. O ‘falante’, então, re-analisa os verbos ter e haver apenas como auxiliares
aspectuais, que reportam às nuances dos aspectos perfectivo e imperfectivo. A reanálise
explica, assim, a reorganização do enunciado, reinterpretando-o. Como já se viu na seção
3.1, ter e haver auxiliares são apenas um ponto no contínuo que vai do verbo pleno à
flexão.
- 59 -
Almeida, E. S.
4.1.2. Etapas e Princípios do Processo de Gramaticalização
Sabe-se que, no que diz respeito à caracterização do fenômeno, não há uma posição
comum entre os lingüistas. Explicitam-se aqui as idéias de alguns autores que estudam ou
estudaram o fenômeno.
A primeira definição de gramaticalização foi dada por Meillet (1912, apud Castilho,
1997:10) que caracterizou o fenômeno como a atribuição de um caráter gramatical a uma
palavra previamente autônoma. Em suas investigações filológicas, o autor enfatiza o
aspecto geral em praticamente todos os processos de mudança.
A mudança dos itens lingüísticos, segundo Lehmann (1985), será gradual e não
abrupta. Segundo o autor, a gramaticalização obedeceria a uma escala gradual. Quanto mais
livre é um signo, mais autônomo. O fenômeno da gramaticalização seria caracterizado,
portanto, pela perda progressiva de autonomia de um determinado signo lingüístico. Assim,
a gramaticalização corresponderia a uma mudança de um signo lingüístico na direção da
perda de autonomia dentro de uma escala.
Lehmann, assim como Heine (1991), defende que há uma continuidade tipológica
no processo de gramaticalização, ou seja, quando um elemento A é recrutado para ser
gramaticalizado, deixa de satisfazer sua função formal e é acompanhado por uma nova
forma, um elemento lexical B, que passa a preencher as necessidades comunicativas que
deixaram de ser realizadas por A. O autor propõe que o fenômeno da gramaticalização seja
baseado em graus de autonomia e parâmetros dos signos, mostrando que há diferentes graus
de gramaticalização, indo da mais fraca até a mais forte. Fica evidente, assim, que a
gramaticalização não é idêntica para todos os fenômenos.
Hopper (1991), ao caracterizar o fenômeno da gramaticalização, apresenta algumas
noções básicas para a concepção de gramática. Segundo ele, a gramática de uma dada
- 60 -
Almeida, E. S.
língua não está pronta, mas é emergente, isto é, emerge a partir do discurso, da
produtividade dos falantes. A visão de gramática emergente de Hopper é um pouco
extremista, uma vez que se considera que a construção da gramática dá-se apenas pelo
discurso, e o aparecimento de novos itens gramaticais não obedece a determinadas “leis” da
língua, dependendo apenas da criatividade do falante. Segundo o autor, o caminho da
gramaticalização é regulado por cinco princípios:
(a) estratificação
(b) divergência
(c) especialização
(d) persistência
(e) de-categorização
O primeiro princípio também conhecido como layering ou estratificação foi assim
definido: “Dentro de um amplo domínio funcional, novas camadas emergem
continuamente. Quando isto acontece, as camadas mais antigas não são necessariamente
descartadas, mas podem continuar a coexistir e interagir com as camadas mais novas”
(Hopper, 1991:23). Segundo este princípio, percebe-se que no momento em que um novo
item gramatical surge na língua acaba convivendo com as formas/camadas antigas. Essa coocorrência pode permanecer, mesmo que o processo de gramaticalização já esteja
concluído. Logo, é possível afirmar que a forma lexical não, necessariamente, desaparece
quando se gramaticaliza. No português arcaico, é possível perceber estruturas participiais
em que ter e haver funcionam apenas como auxiliares, como no exemplo (68) “eu tenho
aceytado seu oferecimento” [DJIII, 30,10], e casos em que são responsáveis pela
- 61 -
Almeida, E. S.
estruturação da sentença (69), como em “pero hus ne os outros não ouverao tam
continuadas pellejas” [CDP, 164, 9].
Na divergência, a forma em processo de gramaticalização, ao tornar-se um elemento
mais gramatical, pode conviver com a forma lexical original, uma vez que ainda pode
permanecer como elemento lexical autônomo, sofrendo as mesmas mudanças de qualquer
item lexical. Esse princípio faz com que haja múltiplas formas, que apresentam a mesma
origem etimológica, divergindo funcionalmente. Os verbos ter e haver gramaticalizaram-se
como auxiliares em construções perifrásticas - (70) “Tem doado e doam a dita Hermida
[CV 3,25, 201]-, mas até hoje, há vários contextos para esses dois verbos, a saber, posse,
existenciais, modais e os chamados verbos funcionais.
Enquanto a estratificação envolve diferentes estágios de gramaticalização, em
domínios funcionais similares, com itens lexicais completamente distintos, a divergência
envolve casos em que uma forma é submetida ao processo de gramaticalização e o mesmo
item lexical autônomo não é recrutado para o processo de gramaticalização. Hopper
ressalta, também, que nem sempre é possível fazer distinção entre os princípios de layering
e divergência, já que múltiplas divergências podem ocasionar várias camadas (“layers”).
O princípio da especialização trabalha mais com a questão semântica do item
gramaticalizado. Com o processo de gramaticalização, há um estreitamento das
possibilidades de interpretação semântica, havendo, por conseguinte, o estreitamento da
variedade de escolhas e uma diminuição do número de formas selecionadas que admitem
significados mais gramaticais. Por exemplo, as construções participiais com ter e haver
ocorrem, preferencialmente, com ter, mesmo no português arcaico.
No princípio da persistência, percebe-se que, quando um determinado item lexical
passa a ter uma função mais gramatical, alguns traços/vestígios do seu significado original
- 62 -
Almeida, E. S.
tendem a restringir seu comportamento e sua distribuição gramatical. Com isso, detalhes de
sua história lexical podem estar refletidos em restrições de sua distribuição gramatical. Ter
e haver como formas gramaticais de tempo composto ainda mantêm seu traço lexical
aspectual e, mesmo não predicando a sentença, apresentam, no português arcaico, o traço
de concordância com o complemento a que se referem (71) “E por seerem alguas cousas
sobre si ha scriptas” [LC, 19, 2].
E, por fim, a de-categorização, que pode ser compreendida como a perda ou a
neutralização de propriedades -- marcas morfológicas e características sintáticas -- das
categorias originais, ou seja, a forma gramaticalizada perde característica da classe a que
pertence e adquire características de categorias secundárias. Neste caso, as categorias
plenas como Nomes e Verbos podem assumir atributos característicos de categorias
secundárias como adjetivos, particípios, preposições, etc. Dessa forma, o processo de
gramaticalização pode envolver a perda de marcas opcionais, ocasionando também a perda
de autonomia discursiva. Os verbos ter e haver migram da categoria gramatical de verbos
plenos para a de verbos auxiliares na formação de perífrases verbais e o sintagma nominal
que funcionava como atributo (adjetivo) do complemento de ter e haver passa a
desempenhar a função de verbo predicador, predicando a sentença. O dado revela tal
propriedade (72) “porquanto temos dezistido das casas e da administração desta capela”
[CV, 4, 114, 205].
Hopper e Traugott (1993) ampliam o conceito de gramaticalização ao defini-lo
como o processo pelo qual não só lexemas, mas também construções passam a ter, em
contextos lingüísticos específicos, funções gramaticais. Essa nova definição, abarca,
também, uma nova concepção do que se convenciona denominar gramática. A gramática
compreenderia então a
- 63 -
Almeida, E. S.
“Junção dos aspectos comunicativos e cognitivos da
língua envolve tanto fonologia como morfossintaxe e
semântica, sendo complexa o bastante para permitir a
interação entre as habilidades cognitivas, como as
envolvidas durante o processo de interação verbal entre
o emissor e o receptor” (Hopper e Traugott, 1993:625) .
A partir dessa nova concepção, o conceito de gramaticalização é estendido e passa
a englobar o efeito semântico-pragmático, ou seja, o contexto de uso na interação verbal.
Assim, o contexto discursivo é o responsável pela produção de novos usos da língua.
Percebe-se, portanto, que é necessário analisar o contexto discursivo das formas. Por isso é
que, na análise da formação do tempo composto, é necessário analisar quais os processos
semânticos que favorecem ou não a concordância dos verbos.
Dentro dessa visão, o lexema original, que era concreto, enfraquece-se ou
generaliza-se semanticamente, ganhando sentidos mais abstratos e valores pragmáticos.
Com isso, admitem-se não só a idéia do enfraquecimento semântico do elemento em vias
de gramaticalização, mas sobretudo o efeito pragmático do discurso.
Castilho (1997) reforça a idéia da importância do discurso nos processos de
gramaticalização propostos por Traugott e Hopper (1992). O autor acredita que o léxico já
dispõe de propriedades gramaticais, semânticas e discursivas. Sendo assim, o léxico não
pode ser entendido como uma “tábua-rasa”, pois os itens por mais lexicais que sejam já
estão marcados por essas propriedades.
Assim, pode-se dizer que o percurso da gramaticalização é definido a partir de
mecanismos que estão inter-relacionados: (i) Dessemantização, conhecida como bleaching
- 64 -
Almeida, E. S.
ou desbotamento semântico; (ii) Extensão ou generalização de contextos - o item
lingüístico passa a ser usado em novos contextos; (iii) Decategorização, ocorre a perda de
propriedades características das formas fonte, incluindo perda de status de forma
independente (clitização, afixação); e (iv) Erosão ou redução fonética, ou seja, ocorre a
perda de substância fonética. Esses mecanismos envolvem tanto perda de propriedades,
como em (i, ii e iv) quanto ganhos com o uso em novos contextos, como em (iii).
Vale lembrar que a alteração de sentido denominada por Heine (1991) como
dessemantização é, de certa forma, bastante “taxativa”, uma vez que as formas
gramaticalizadas não perdem completamente o sentido original, ou seja, não há o
“esvaziamento” semântico total das formas antigas.
Bybee (2003) complementa as idéias anteriores e afirma que a freqüência é um fator
primário no processo da gramaticalização, uma força que impulsiona a mudança de formas
lexicais para gramaticais. Para a autora, a gramaticalização ocorre em um contexto de
construção, em que a repetição torna automáticas as seqüências de processamento, ou seja,
as pessoas de tanto repetirem reinterpretam a construção como uma única unidade.
Segundo ela, há dois métodos para controlar a freqüência: um deles é a freqüência de
ocorrência da unidade, em que se analisa quantas vezes aparece uma determinada forma
em um texto; a outra maneira de se controlar a freqüência é através da identificação das
estruturas que aparecem acopladas às formas estudadas. Essa freqüência é denominada
freqüência de tipo. No caso das construções participiais, podemos verificar que itens
verbais aparecem com os verbos ter e haver, os tipos de verbos que aparecem nas estruturas
que apresentam flexão do particípio com complemento, os tipos de verbos que aparecem
nas estruturas que não apresentam flexão do particípio complemento, como será visto na
seção 5.3.
- 65 -
Almeida, E. S.
4.2 A Sociolingüística Variacionista
(...) a língua e a sociedade são duas realidades que se
inter-relacionam de tal modo, que é impossível
conceber-se a existência de uma sem a outra.
(Monteiro, 2000:13)
A linguagem humana é, essencialmente, regida pelas normas dos padrões sociais, o
que nos permite conceber que há uma relação íntima entre língua e sociedade. Como fator
eminentemente social, o sistema lingüístico segue as evoluções presentes dentro de uma
determinada comunidade. Em função disso, pode-se considerar que a língua, de certa
maneira, estará sempre deixando transparecer as mudanças nos padrões de comportamento
de uma sociedade em um dado período de tempo. (Visto na seção 4.1)
A partir da concepção baseada no condicionamento social da língua, fica evidente
que a linguagem não pode ser concebida como um sistema fechado de possibilidades, uma
vez que são as pressões do contexto social que impulsionam certas características e/ou
estratégias lingüísticas utilizadas pelos falantes. Nesse caso, a variação é inerente à própria
natureza da linguagem humana e, para compreendê-la, é necessário considerar que a língua
está em contínuo processo de transformação.
A dinamicidade das línguas explica, dentre outros aspectos, a heterogeneidade
intrínseca aos fenômenos lingüísticos, que é condicionada não só por motivações internas fatores lingüísticos ou estruturais-, mas também por motivações externas - fatores
extralingüísticos ou sociais. A identificação das pressões sociais é, dessa forma, um fator
primordial para compreender as mudanças das línguas em geral.
- 66 -
Almeida, E. S.
Tendo em vista a heterogeneidade dos fenômenos lingüísticos, Weinreich, Labov e
Herzog (1968) formularam um modelo capaz de contemplar a influência dos fatores sociais
nos estudos lingüísticos, apresentando os fundamentos da chamada teoria da variação
lingüística. A base desta teoria é a vinculação existente entre fatos lingüísticos e sociais,
observando os processos pelos quais ocorrem a variação na língua, que podem acarretar -ou não-- mudança. Para os autores, a variação é uma característica inerente às línguas em
geral, devendo ser analisada, fundamentalmente, pelos estudiosos que se propõem a
descrever os fenômenos lingüísticos.
Os princípios de mudança formulados pelos autores estão previstos em cinco etapas:
(i) constraints problem, que trata das condições que restringem a mudança lingüística;
(ii) transition problem, correspondente à compreensão dos estágios perpassados pela língua
em processo de mudança;
(iii) embedding problem, questão do encaixamento, relacionado à apreensão da mudança
baseada nas variáveis lingüística e extralingüística;
(iv) evaluation problem, apreciação que o falante produz acerca da mudança lingüística; e
(v) actuation problem, entendimento do porquê da implementação da mudança em um
determinado tempo e lugar.
Dentro do arcabouço teórico postulado por William Labov et alii (1972/1994), é
necessário considerar a freqüência de um determinado uso lingüístico em relação aos
condicionamentos lingüísticos e extralingüísticos que motivam a escolha por uma ou outra
forma. Assim, na perspectiva da sociolingüística laboviana, a realização de uma
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Almeida, E. S.
determinada forma lingüística é variável, ocorrendo como um particípio passado
adjetivador do complemento ou como um particípio verbal, predicador da sentença.
O estudo variacionista parte, obrigatoriamente, da seleção da variável dependente,
que corresponde ao ponto central, ao objeto de análise, e das variáveis independentes, que
são supostas como relacionadas à variável dependente, a partir de intuições e observações
assistemáticas do pesquisador. É importante destacar que, no decorrer da pesquisa
variacionista quantitativa, algumas variáveis independentes podem ser descartadas ou
adicionadas, a depender dos resultados estatísticos obtidos.
A partir de uma análise qualitativa dos dados, formulam-se hipóteses que são
testadas com base no modelo sociolingüístico quantitativo laboviano. Os resultados
numéricos permitem ao pesquisador uma análise mais refinada, confirmando ou infirmando
suas hipóteses iniciais. Na análise qualitativa, levaram-se em conta os pressupostos
funcionalistas de base americana, mais especificamente, o modelo denominado de
gramaticalização. (Visto na seção 4.1.)
Para implementação da análise, fazem-se um levantamento e quantificação das
construções participiais presentes nos corpora analisados, para que se possa, então, discutir
o processo de mudança que teria levado à emergência do tempo composto com os verbos
ter e haver. A fim de descrever os estágios dessa mudança, o percurso percorrido por uma
forma de base adjetival para verbal (transition problem, para Weinreich et alii 1968), seria
necessário estabelecer uma relação com os processos funcionais, propostos por diferentes
autores, a saber Hopper (1991), Lehmann (1985), dentre outros (já referidos na seção
anterior 4.1.2).
Com o objetivo de obter uma análise estatística sobre o comportamento dos verbos
ter e haver em construções participiais, no decorrer dos séculos, utilizou-se o pacote de
- 68 -
Almeida, E. S.
Programas VARBRUL (Pintzuk, 1988), a fim de depreender os percentuais/pesos relativos
das variáveis independentes em relação à variável dependente – que, no caso do foco, é a
presença x ausência da flexão, isto é, concordância do particípio com o complemento. Este
programa tem a função de definir os ambientes que favorecem ou não a aplicação do uso de
uma ou outra variante em um contexto específico. Percebe-se, assim, que esta escolha não é
aleatória, mas é motivada por um conjunto de regras variáveis (Naro, 1992), razão pela qual
o pesquisador deve selecionar elementos de natureza lingüística e extralingüística que
estariam relacionados ao uso de uma determinada variante.
Vale ressaltar que, em um estudo de base diacrônica, obviamente, não se tem por
objetivo mensurar o uso dos falantes, mas interpretar os dados fornecidos pelos
documentos, os chamados informantes históricos, segundo Mattos e Silva (1997b). É claro
que não se pode deixar de considerar que as análises que se debruçam sobre dados
históricos apresentam um grau maior de dificuldade. A esse respeito, Labov (1994) afirma
que a mudança lingüística em documentos históricos não pode ser observada tomando por
base a relação forma-significado, já que não se pode contactar os falantes, pois o
informante lingüístico é um documento escrito que resistiu ao tempo. Neste caso, as
conclusões a que chega o pesquisador são indicações relativas de um uso fixado na escrita.
É importante salientar que, em um estudo histórico, não é possível estabelecer
alguns fatores extralingüísticos -- como distribuição por faixa etária, gênero, região -- que
podem ser determinantes para a mudança lingüística. A pesquisa histórica, nesse caso,
serve para documentar os dados ocorridos no passado e que, de certa forma, podem explicar
os dados lingüísticos do presente. A esse respeito Labov referenda que, mesmo que os
dados passados não sejam idênticos ao do presente, é possível tentar verificar a diferença
- 69 -
Almeida, E. S.
entre o passado e o presente em estudos de tempo real17 de longa ou de curta duração,
estabelecendo uma comparação com os dados atuais.
4.3 Os Corpora
Utilizaram-se, neste estudo, textos diversificados, desde o século XIII até o XVII,
do banco informatizado de textos do Programa Prohpor18, além de outros que fazem parte
do acervo do Projeto Para uma história do português brasileiro (PHPB-RJ) e, ainda, outras
edições disponíveis em nossa Biblioteca.
A observação desse percurso histórico, deu-se, sobretudo, pelo tipo de fenômeno
estudado, uma vez que é necessário observar a formação do tempo composto no eixo
diacrônico. Os corpora que compõem a pesquisa são:
a) A Linguagem dos Foros de Castelo Rodrigo, pertencente ao século XIII, que são
documentos lavrados na época leonesa na vila de Castelo Rodrigo e, em outras
localidades circunvizinhas, no tempo de Afonso IX. Este documento faz parte do
Arquivo Nacional da Torre do Tombo e foi editado por Luis f. Lindley Cintra em 1959.
b) O Livro das Aves, um manuscrito português antigo, mais especificamente do século
XIV, foi reeditado e publicado por N. Rossi et alii.
17
O estudo de tempo real de longa duração trata da mudança lingüística no decorrer do tempo, numa perspectiva histórica stricto sensu.
Já o estudo de tempo real de curta duração observa a mudança lingüística em dois momentos discretos de tempo.
18
O Projeto Prohpor integra o Programa Para a História da língua Portuguesa, coordenado pela Professora Rosa Virgínea Mattos e
Silva. Os textos foram cedidos gentilmente por Américo Venâncio Lopes Machado Filho, um dos responsáveis pelo processo de
digitação e arquivamento dos textos.
- 70 -
Almeida, E. S.
c) Os Quatro Livros dos Diálogos de São Gregório, um documento dos século XIV, que
foram editados por Rosa Virgínia Mattos e Silva em sua Tese de Doutoramento em
1971. As obras de São Gregório são consideradas didáticas por serem frutos do trabalho
religioso que ele desenvolveu junto ao povo: as exortações dirigidas têm caráter social,
disciplinar e moral e vão descrever as histórias extraordinárias, os fatos sobrenaturais e
maravilhosos.
d) Os textos Vida de Santa Pelágia, Morte de São Jerônimo e Vida de Tarsis são
manuscritos alcobacenses do século XV. Os textos foram editados por Ivo Castro in
Vidas de santos de um manuscrito alcobacense, na Separata Revista Lusitana (Nova
série), 1984-1985 (1º) e 1982-1983 (2º e 3º).
e) A Carta de Pero Vaz de Caminha, de 1º de maio de 1500, primeiro documento escrito
no Brasil, de caráter semi-oficial epistolar. A edição utilizada, no estudo, constitui a
reprodução fac-similar do manuscrito com leitura justalinear de Antonio Geraldo da
Cunha, César Nardelli Cambraia e Heitor Megale, publicada em 1999 pela Humanitas.
f) O Leal Conselheiro, volume em que Dom Duarte reúne, no século XV, a maior parte de
seus escritos dispersos, pouco antes de seu falecimento. O texto constitui uma
miscelânea de considerações de ordem moral e prática, redigida em épocas variadas
pelo autor. A obra corresponde, de um modo geral, a traduções de trechos de obras
alheias e não foram feitos por D. Duarte. Prova disto é que o autor quase sempre
emprega a expressão mandei ou fiz tralladar.
- 71 -
Almeida, E. S.
g) A Crônica de D Pedro, de Fernão Lopes, documento pertencente ao século XV.
h) A Gramática de João de Barros, do século XVI, que corresponde à primeira gramática
com intenção pedagógica e prescritiva da língua portuguesa. Vale ressaltar que João de
Barros, naquela época, era considerado um representante do uso culto da corte de D.
João III, do português quinhentista. A gramática da língua portuguesa de João de Barros
é composta por um parte descritiva e por dois Diálogos: o Diálogo da Viçiosa
Vergonha e o Diálogo em Louvvor da Nóssa Lingvágem.
i) As Cartas de D. João III, de 1521 a 1557, rei de Portugal, editadas por J. D.M. Ford, na
Universidade de Harvard, Cambridge em 1931. O material foi traduzido para o
português e é composto por 372 cartas das quais foram utilizadas apenas 69 para este
trabalho. As cartas foram escritas por diferentes copistas a mando do Rei para diferentes
destinatários.
j) Os Documentos Notariais do Convento do Carmo compostos pelo Livro do Tomo do
Convento de Nossa Senhora de Monte do Carmo/RJ e pelo corpus de controle, os
arquivos do Santo Oficio da Inquisição em Portugal referentes ao século XVII. Os
traslados do Carmo/RJ são documentos não-literários, classificados por Barbosa (1999)
como documentação de circulação oficial. Os traslados utilizados foram transcritos
para os Anais da Biblioteca Nacional, 57, 1939 (Anais, BN-57), sob a direção de
Rodolfo Garcia.
- 72 -
Almeida, E. S.
5. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
5.1 As Construções Participiais
A implementação do uso de perífrases verbais deve-se à baixa produtividade das
flexões aspectuais do latim no decorrer do tempo (cf. foi visto no cap. 2). Essas estruturas
perifrásticas mantiveram-se por um amplo período, até que o processo tivesse sido
concluído efetivamente. No português arcaico, a seqüência TER/HAVER + PARTICÍPIO
PASSADO não poderia ser analisada como tempo composto, pois, geralmente, o particípio
concordava com o SN-complemento.
Nessa fase, o particípio passado podia ter um traço passivo ou ativo. Quando o
particípio possuía um traço de passividade, os verbos ter/haver mantinham o conteúdo
lexical, funcionando como verbos plenos. Já nos contextos em que o particípio possuía um
traço ativo, ter e haver funcionavam como elementos gramaticais, marcando apenas as
acepções aspectuais. E, ainda, há os casos em que é difícil reconhecer qual das estruturas
está sendo realizada – com particípio passivo e/ou ativo, com ter/haver lexicais ou
gramaticais.
Sabe-se que o particípio latino originou-se de uma forma eminentemente adjetival e
o suposto particípio, na verdade, um adjetivo, expressava propriedades ou atributos dos
objetos/nomes a que se associava. Nos corpora, registraram-se ainda estruturas nas quais
ter/haver mantinham um conteúdo lexical, funcionando como verbos plenos e com um
particípio passado adjetivador do complemento:
(1) “Qval quer omne de Castel Rodrigo que ena uila touere casa poblada con omne que
coma seu pan e faça seu seruicio” [FCR, 16, .87]
- 73 -
Almeida, E. S.
(2) “e com boa deligencia e avisamento nos despoermos a toda cousa de nossos
avançamentos que aos stados de cadahuu convenham, teendo despesas razoadas pera
nossa renda” [LC, 22, 34]
(3) “nen se juntam bem os huus com os outros ca ham desvairados corações” [DSG, 31,
230]
(4) “Con lagrimas continuadas teendo as m/ããos alcadas ao ceo calou hum pouco” [MSJ,
1, fól. 89 v]
(5) “E pois aquesto disse, entrou o bispo na eigreja de Santa Maria e, teendo as mããos
alçadas e o manto tendudo” [DSG, 12,31]
Nos exemplos de (1) a (5), as formas participiais estão indicando um estado ao SN,
impondo uma interpretação passiva ao complemento dos verbos ter e haver. Em (1) e (5),
os argumentos internos são [+materiais] e o verbo ter apresenta conteúdo de posse. Nos
exemplos (3), (4) e (5) os verbos ter/haver ocorrem em casos em que os complementos
possuem uma qualidade [inerente]. Em (4) e (5), o verbo ter apresenta o valor de manter, já
o verbo haver, em (4), indica posse.
Além de complementos que indicavam posse e qualidade inerente, encontraram-se
estruturas participiais, não-compostas, em que o complemento dos verbos ter e haver
possuía um traço [+abstrato/intrínseco]:
(6) “E podere melhor chorar os seus pecados [e te]ere sas almas mais assessegadas e mais
firmes [no amor] de Deus” [LA, 18, 25]
- 74 -
Almeida, E. S.
(7) “E assi podemos entender como viveu este San Paulo depois que o Nosso Senhor
chamou de fundo do inferno a que tiinha ja a sa alma obligada e chamô-o pera a gloria do
paraiso” [DSG, 39, 126]
(8) “Por que vy muytos fallar se era bem fugyr aa pestellença, teendo desvairadas
teenções” [LC, 3, 228]
No entanto, em algumas construções, é difícil precisar qual das estruturas está sendo
realizada – se ativa ou passiva, com ter/haver lexical ou gramatical, como se pode observar
nos exemplos (9) a (13).
(9) “trazendo aa memoria todos aqueles bees que del avees recebidos de cadahuu dos
sobredictos poderes” [LC, 7, 91]
(10) “a presa que eles tynham tomada aos castelhanos” [DJIII, 17]
(11) “Pedro, foron pera contar dos feitos maravilhosos dos santos homees que Deus ten
escolheitos pera si” [DSG, 129, 160]
(12) “Vos me requerestes que juntamente vos mandasse screver alguas cousas que avia
scriptas per boo regimento de nossas conciencias e voontades” [LC, 9, 1]
(13) “viron hua gram pedra jazer ante si que tiinham guardada pera poer por fremosura”
[DSG, 2, 61]
Nesses dados, ter e haver integram construções com particípio passado de natureza
transitiva, concordando com traços gramaticais do SN, que pode ser interpretado como
objeto direto. Os particípios passados, nos exemplos, parecem ter um traço de passividade
- 75 -
Almeida, E. S.
ou, ainda, podem ser entendidos como ambíguos, no que se refere à interpretação do
particípio ativo ou passivo.
Mattos e Silva (2003) considera a questão da concordância do particípio com o
complemento um dos fatores determinantes para que ter/haver, nas estruturas participiais,
não formem uma perífrase verbal. A flexão participial, que vigorava no português arcaico,
é um dos fatores que a faz considerar as estruturas participiais como não-compostas, uma
vez que a presença da flexão mostra que a forma verbal ainda não tinha chegado a
configurar um afixo e, por vezes, podia possuir um valor semântico de posse. A
concordância evidencia, desse modo, que não havia ocorrido a fusão semântica e sintática
típica do tempo composto.
No entanto, Ribeiro (1993) ressalta que a presença ou a ausência de concordância
entre o particípio passado e o SN não pode ser definidora da formação dos tempos
compostos. Vejam-se os exemplos:
(14) “[elles] se tinhao instituidos marido e molher hum ao outro por herdeiros e
estituidores por suas mortes” [CV, 3, 15, 200]
(15) “E, porem, se teverdes dados ao Almyrante os dez mil cruzados que lhe tendes
prometidos” [DJIII, 23]
(16) “acaeceu que aquelas monjas porque non refrearon ainda nen tiinham castigadas sas
lenguas” [DSG, 7, 76]
(17) “e se alguas pessoas a quem forem dadas terras no dito termo as tiuerem perdidas
por as naõ aproueitarem” [CV, 9, 105, 224]
Nos exemplos, os particípios são ativos, mesmo apresentado a marca morfológica
de concordância. A esse respeito Mattoso (1974:347) chega a afirmar que a flexão do
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Almeida, E. S.
particípio constitui uma servidão gramatical que se manteve apenas na morfologia da
forma, não havendo uma noção gramatical. Segundo o autor, a questão da concordância
corresponderia a um resíduo diacrônico, que desacelerou o processo de evolução. Parece
que, mesmo que houvesse a marca formal de concordância, o valor semântico e estrutural já
estaria sendo alterado. Assim, nas estruturas participiais, o que havia era apenas uma marca
formal.
Ribeiro (1993) destaca, também, que a reanálise de ter e haver como verbos
auxiliares, em construções participiais, pode ser considerada, a partir do momento em que
se registram particípios não apenas de natureza transitiva, mas também de intransitiva,
ergativa.
(18) “Eu tinha amado, per o quál rodeo demonstramos ter dado fim à obra” [GJB, 30, 17]
(19) “e, si omne ouuer morto, seia inimigo de seus parentes” [FCR, 18, 47]
(20) “Neem de laa tenho sabido, nem vejo por vossa carta” [DJIII, 22]
(21) “que elle se tinha concertado com o Reverendo Padre Prior do Carmo desta cidade”
[CV, 31, 12, 271]
(22) “Ca, segundo tenho praticado, esta he a mais certa maneira da arte memorativa” [LC,
13, 14]
Nas construções de (18) a (22), ter/haver já se encontram esvaziados
semanticamente, com uma estruturação típica do tempo composto. Nos exemplos, pode-se
observar a fusão semântica e sintática da estrutura. Os particípios são ativos e os verbos ter
e haver funcionam como auxiliares, não podendo mais selecionar os argumentos externos,
uma vez que é o particípio que passa a predicar a sentença. Nesses casos, há uma
- 77 -
Almeida, E. S.
generalização da estrutura dos particípios transitivos para intransitivos, ou seja, a mudança
inicia-se em um tipo de verbo e se estende aos outros, perdendo o valor original.
Verifica-se, também, que há construções participiais que, mesmo já tendo ocorrido a
fusão sintática e semântica da estrutura participial, constituindo uma perífrase verbal, não
apresentam a ordem típica do tempo composto (V auxiliar + auxiliado), o que evidencia
que o processo ainda não tinha sido concluído. É comum encontrarmos, nessa fase, a
intercalação de constituintes entre o auxiliar e o particípio, que pode ser um constituinte
sujeito, como em (23), ou um complemento circunstancial, como em (25). E, ainda, há
casos em que se pode verificar a anteposição do particípio, como em (24) e (26):
(23) “O mynha senhora e/ amyga Margarida que mal te hey eu fecto?” [VSP, 35, fól. 80 v]
(24) “Perdoado te tem Deos os teus pecados” [VT, 9, fól. 67 v]
(25) “algus logradoros do que aproueitado não tiver” [CV, 2, 131, 199]
(26) “Por esso, Pedro, non fez senon aquelo que ordinhado tiinha” [DSG, 23, 26]
Foi possível notar seqüências que apresentam a estruturação típica de tempo
composto, em que ter e haver atribuem a acepções aspectuais que variam de acordo com o
tempo do verbo (perfectivo, imperfectivo, iterativo, cursivo/durativo, permansivo):
(27) “Tu/ e senhor tam grande e tamanho estas aqui ag/ora como foste posto na Cruz e
recibiste por my o tormento da morte porque matases a morte // em que eu avia caido
por os meos pecados” [MSJ, 7, fól. 90v] - perfectivo
(28) “Foi dito que elles tinhao feito hua escritura de doação de huas terras na goaratiba”
[CV, 3, 12, 200] - durativo
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Almeida, E. S.
(29) “ou aldemenos que non tem feito acerca delles tanto quanto devya per que lhe ajom
grande obrigaçom pera o muyto amarem ou servirem” [LC, 11, 38] – imperfectivo
(30) “os quáes já das escólas tendes ouvido ditos e sentenças/ de moráes escritores, como
Plutarco, trataremos as sutoridádese exemplos daqueles que nos ocorrerem à memória”
[GJB, 3, 50]
Nos exemplos de (27) a (30), os verbos ter e haver encontram-se semanticamente
esvaziados, marcando apenas as noções aspectuais. A formação dessas perífrases verbais
são analisadas como um processo de gramaticalização, em que ter e haver perdem o
conteúdo lexical quando passam de um verbo pleno a um elemento gramatical.
Foi possível encontrar, também, casos que correspondem hoje às chamadas
estruturas cristalizadas na língua (expressões lexicalizadas), como nos exemplos listados
abaixo:
(31) “haia vista desta resposta o testamenteiro e com a sua torne” [CV, 4, 125, 205]
(32) “E domíngo xxij do dito mes aas x oras pouco mais ou menos ouuemos vista das jlhas
do cabo verde” [CPVC, fól.1r]
(33) “pellas cartas que vos sprevy por Luis Afonso teres visto o que era minha temçã”
[DJIII, 22]
(34) “E antes d’estas tinha vistas as que trouxe Luis Afonso” [DJIII, 13]
Um outro fator que evidencia que as formas [V+do] ainda não formavam com ter e
haver o tempo composto é a possibilidade de a construção aparecer estruturada com uma
certa flexibilidade. No português arcaico, o complemento direto não possuía uma posição
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Almeida, E. S.
fixa, uma vez que podia preceder, suceder e, ainda, situar-se entre ter/haver e a forma
participial. Foi possível localizar, nos dados, as seguintes posições para o particípio e ter e
haver na estruturação da sentença, com ou sem concordância:
⇒ Tipo 1: verbo + particípio + complemento direto
(35) “[elles] se tinhao instituidos marido e molher hum ao outro por herdeiros” [CV, 3,
14, 200]
⇒ Tipo 2: verbo + complemento direto + particípio
(36) “E por que o presente de sua mercee tem esta virtude outorgada em estes Reynos”
[LC, 29, 3]
⇒ Tipo 3: complemento direto + verbo + particípio
(37) “E alguuas cousas tenho scriptas no livro que faco de ssaber bem andar a cavallo e
fazer as boas manhas que se custumam” [LC, 21, 342]
(38) “eu ey por meu serviço que vos nam façaes o concerto que tinheys praticado em
nenhuua maneira” [DJIII, 23]
⇒ Tipo 4: particípio + verbo + complemento direto
(39) “Perdoado te tem Deos os teus pecados” [VT, 9, fól. 67 v]
- 80 -
Almeida, E. S.
⇒ Tipo 5: complemento direto + particípio + verbo
(40) “a quem as pedir para as aproueitar e lhe sera deixado alguns logradouros do que
aproueitado não tiuer” [CV, 131, 101, 387]
⇒ Tipo 6: verbo + particípio + Ø
(41) “que elle se tinha concertado com o Reverendo Padre Prior do Carmo desta cidade”
[CV, 31, 12, 271]
(42) “Oo senhor poderoso aos quo/renta dias pasados de tua maravilhosa resu/rreçom en os
quaes per experiências certas mostraste aaveres resuscitado” [MSJ, 8, fól. 91 r]
Os seis tipos de distribuição dos constituintes revelam a liberdade de estruturação
desses elementos na sentença, o que indica que essas estruturas não formavam ainda
“verdadeiras” perífrases verbais. Quando os verbos ter e haver passaram a auxiliares, a
construção se tornou mais fixa e as formas [V+do] passaram a se comportar como verbos
predicadores, com o traço [+V]. Em (139), que constitui uma construção típica do tempo
composto, há um forte grau de coesão sintático-oracional entre o verbo auxiliar e o
principal. Lehmann (1985) afirma que, para um elemento se gramaticalizar, é necessário
que haja coesão, havendo a perda de autonomia de um determinado signo lingüístico dentro
de uma escala. A partir dessa coesão da estrutura, tem-se uma cristalização e as categorias
de verbo pleno e particípio apresentam-se mais fixas, rígidas e inalteráveis.
A seqüência ter/haver + particípio passado nas estruturas compostas comporta-se
como uma única unidade, e as funções sintáticas dos demais constituintes da frase (sujeitos
e complementos) são definidas a partir dessa unidade e não em relação a cada verbo,
- 81 -
Almeida, E. S.
havendo um forte grau de coesão, integração na estrutura participial (Lehmann, 1985). O
domínio do verbo ter/haver (auxiliar) não pode ser analisado como um constituinte
autônomo, porque há apenas um domínio frásico e um domínio predicativo entre ter/haver
auxiliar e o particípio.
Eleutério (2003) destaca que a perda da concordância teria ocorrido a partir dos
contextos que mantinham uma forma menos evidente de concordância, com o complemento
no masculino singular, a forma morfologicamente [-marcada].
(43) “Nem por eu ter dirigido a su’alteza o trabálho que dizes” [GJB, 10, 42]
(44) “Retificam que ella dita Dona Viuva de amor em graça por lhe aver emcomendado
assim o dito seo marido defunto” [CV, 18, 22, 245]
(45) “e [se tinha] feito inventario o dito Juizo dos defuntos e auzentes” [CV, 88, 78, 352]
Nos exemplos (43), (44) e (45), não se pode precisar se houve a concordância entre
o particípio e o complemento, uma vez que o complemento está no masculino-singular,
uma forma não-marcada.
Nos casos em que a posição do complemento estivesse vazia, recuperada por um
anafórico, levaria, também, à mudança da estrutura gramatical:
(46) “e se alguas pessoas, a que forem dadas terras do dito termo e as tiuerem perdidas por
as mão aproueitarem” [CV, 15, 108, 239]
(47) “E todo este bem conssiirado com as obras que fazemos segundo aquel estado que
deos nos deu, e como per] ellas seguymos as grandes virtudes que per sa vida nos tem
demonstradas” [LC, 12, 171]
- 82 -
Almeida, E. S.
(48) “os casos da carta de marqua que elle teem pasada em favor de Joam Ango contra
meos naturaes e vasallos” [DJIII, 23]
A mudança teria ocorrido, primeiramente, nos verbos transitivos, porque, neste
caso, o complemento pode mudar de posição, passando a ser complemento não mais de ter
e haver, mas sim do particípio. À medida que as formas ter e haver foram reanalisadas
como verbos auxiliares, houve a perda da restrição do traço [+transitivo] dos particípios
passados.
(49) “O que tinha determinado e avia por neu serviço que fizeseis” [DJIII, 23]
(50) “registrada no liuro do registro desta capitania que o dito Senhor tem dado nesta uilla
de Ssantos sob meu sinal e sello” [CV, 15, 108, 239]
Ter/haver em construções participiais apresentam, em português, nuances
aspectuais que variam de acordo com o tempo do verbo. Para cada tempo utilizado, há um
valor
temporal
específico
na
predicação
(perfectivo,
imperfectivo,
iterativo,
cursivo/durativo, permansivo). Com o pretérito perfeito composto, por exemplo, tem-se
duas realizações temporais distintas (Peres 1993: 24). Observem-se os exemplos:
(51) “e craveiros da Ordem de Nosso Senhor Jhesus Christo, tem feitos a nos e a esta
ordem” [DJIII, 4]
(52) “trazendo aa memoria todos aqueles bees que del avees recebidos de cadahuu dos
sobredictos poderes” [LC, 7, 91]
(53) “a homildade ou a sobérbia que no su coraçon ten asconduda” [DSG, 14, 21]
- 83 -
Almeida, E. S.
Na sentença (51), a construção com o presente marca uma realização durativa,
envolvendo uma anterioridade ao tempo da enunciação, que indica uma situação
incompleta (imperfectiva) e que, geralmente, ocorre em predicações estativas. Já nos
enunciados (52) e (53), tem-se uma realização iterativa (ou habitual), que apresenta uma
ação descontínua limitada. No entanto, Travaglia (1981) destaca que essa nuance pode ser
alterada a depender do tipo de verbo principal/auxiliado, provocando, ao invés do
imperfectivo iterativo, o imperfectivo durativo e cursivo, que apresenta a situação como
contínua limitada e em pleno desenvolvimento. Veja:
(54) “dizer uinte e sinco missas por minha tenção por alguas que tenho prometido” [CV,
37, 53, 285] - imperfectivo durativo e cursivo
(55) “tendes prometido ao Almir ante dez mil cruzados” [DJIII, 22] - imperfectivo
durativo e cursivo
Mas, há casos em que é difícil diferenciar a nuance entre o iterativo e o cursivo.
Nesse caso, o contexto é imprescindível para compreender a construção:
(56) “A quál óbra será posta no catálogo das mercês que estes reinos dele tem reçebidas,
mui çelebráda dos presentes” [GJB, 41, 48] imperfectivo durativo ou cursivo?
(57) “e [elles] tem doado e doam a dita Hermida” [CV, 3, 25, 201] - imperfectivo durativo
ou cursivo?
- 84 -
Almeida, E. S.
É possível encontrar, ainda, casos em que a construção participial com o presente
apresenta uma nuance que se aproxima do permansivo, com a indicação de um fato
concluso, mas permanente em seus efeitos:
(58) “E porem nam saiba elle que eu o tenho sabido” [DJIII, 10]
(59) “E en este dia as tee guardadas por façanha desta cousa” [DSG, 1, 234]
(60) “ouve por meu serviço todo o que tendes dito e ffeito acerqua do Gram Mestre” [DJ
III, 13]
Nas construções com o pretérito mais-que-perfeito composto do indicativo, a
situação é interpretada como anterior a um ponto de perspectiva do passado:
(61) “cuidou-se ca se queria ir do mosteiro polo torto que lhi avia feito e disse-lhi” [DSG,
9, 9]
(62) “per as quaaes avyamos recebido tal graça” [LC, 23,357]
(63) “foi dito que elles tinhao feito hua escritura de doação de huas terras na goaratiba”
[CV, 3,12, 200]
Com o futuro perfeito do indicativo, há uma anterioridade a um ponto de
perspectiva futuro à enunciação, como se pode verificar nos exemplos abaixo:
(64) “Os homens quando en essa terra foren averan os bees dobrados” [DSG, 21, 190]
(65) “cometemdovos a se pagar por suas justiças, e dizemdo que loguo se pagara, porque
ysto nunca avera efeyto” [DJIII, 23]
- 85 -
Almeida, E. S.
É importante destacar os verbos ter/haver nas construções participiais, ao longo do
processo de gramaticalização, comportam-se como uma unidade sintática, em que cada
constituinte da sentença é marcado em relação a essa unidade e não a cada um dos verbos
separadamente.
5.2 Distribuição dos Dados por século e por Tipo de Texto
Objetivando-se descrever um estudo diacrônico acerca da distribuição da variante
em questão, foram analisadas 403 construções participiais com os verbos ter e haver entre
os séculos XIII e XVIII: 322 (80%) com ter e 81 (20%) com haver. O número de dados
diacrônicos levantados nos materiais selecionados estão discriminados no Tabela 1, a
seguir:
Época
Corpora
Nº de dados
Século XIII
Linguagem dos Foros de Castelo Rodrigo
18
Século XIV
Livro das Aves
1
Quatro Livros dos Diálogos de São Gregório
47
Vida de Santa Pelágia
1
Morte de São Jerônimo
4
Vida de Tarsis
1
Carta de Pero Vaz de Caminha
5
Leal Conselheiro
51
Crônica de Dom Pedro
1
Gramática de João de Barros
25
Cartas de D. João III
105
Século XV
Século XVI
Século XVII
19
Documentos Notariais do Convento do Carmo
Tabela 1- Número de dados por texto e por século19
As tabelas serão comentadas ao longo do capítulo.
- 86 -
144
Almeida, E. S.
Ter
Haver
TOTAL
Século XIII
5 (28%)
13 (72%)
18
Século XIV
34 (71%)
14 (29%)
48
Século XV
42 (67%)
21 (33%)
63
Século XVI
127 (88%)
3 (2%)
130
Século XVII
114 (80%)
30 (20%)
144
TOTAL
322 (80%)
81 (20%)
403
Tabela 2- Distribuição geral dos dados por século incluídos os casos no masculino-singular
Ter
TOTAL
Haver
Flexionado
Não
flexionado
Flexionado
Não
flexionado
Século XIII
2 (11%)
3 (17%)
4 (22%)
10 (55%)
18
Século XIV
23 (48%)
11 (23%)
6 (12%)
8 (17%)
48
Século XV
14 (22%)
28 (44%)
12 (19%)
9 (14%)
63
Século XVI
22 (35%)
105 (81%)
-
3 (5 %)
130
Século XVII
28 (19%)
86 (60%)
2 (1%)
28 (19%)
144
TOTAL
89 (22%)
233 (58%)
24 (6%)
58 (14%)
403
Tabela 3 - Distribuição dos dados por século, por tipo de verbo e por possibilidade de
apresentar flexão
- 87 -
Almeida, E. S.
Como se pode ver nas tabelas 2 e 3, o verbo ter era predominante, independente da
flexão, desde o século XIV até o século XVII. Confirma-se, assim, a hipótese de que o
verbo ter, mesmo no português arcaico, caracterizava-se como verbo prototípico para os
tempos compostos.
Do total de 403 construções participiais -- eliminados os casos em que não havia um
complemento por se tratar de uma estrutura intransitiva – registraram-se 112 ocorrências
flexionadas e 191 ocorrências não-flexionadas. Na tabela 3, estão inseridas as estruturas
não flexionadas com e sem complemento. Estas últimas perfazem um total de 100
estruturas. Observe-se a distribuição, na tabela 4, ao longo dos séculos:
Estruturas
flexionadas
Estruturas não
flexionadas
Estruturas
intransitivas
TOTAL de
estruturas
flexionadas/ não
flexionadas
Século XIII
6 (38%)
10 (62%)
2
16
Século XIV
28 (90%)
3 (10%)
17
31
Século XV
23 (66%)
12 (34%)
28
35
Século XVI
25 (23%)
86 (77%)
19
111
Século XVII
30 (27%)
80 (73%)
34
110
TOTAL
112 (37%)
191 (63%)
100
303
Tabela 4- Distribuição geral dos dados a partir da natureza das estruturas
- 88 -
Almeida, E. S.
A tabela 4 confirma a hipótese de que generalização dos contextos transitivos para
os intransitivos propostos por Ribeiro (1993). Nota-se que as estruturas intransitivas, que,
no início, eram pouco produtivas vão aumentando ao longo do tempo, o que mostra a
gramaticalização do fenômeno.
Estruturas
haver+PP/+trans./
ter+PP/+trans./
haver+PP/-trans./
ter+PP/-trans./
Oco/%
Oco/%
Oco/%
Oco/%
c/ conc
s/conc
c/ conc
s/conc
c/ conc
s/conc
c/ conc
s/conc
Século XIII
4/ 25%
-
2/ 13%
1/6%
-
8/50%
-
1/6%
Século XIV
6/14%
2/4%
21/47%
1/2%
-
5/11%
-
10/22%
Século XV
15/24%
5/8%
11/17%
10/16%
-
1/2%
-
21/33%
Século XVI
-
3/2%
21/16%
66/52%
-
-
-
39/30%
Século XVII
4/3%
16/11%
24/17%
64/45%
-
11/8%
1/0%
23/16%
Tabela 5 - Distribuição de ter/haver em estruturas com e sem concordância
Do total de 303 construções participiais que possuem uma natureza transitiva, 37%
(112 oco) apresentam flexão do particípio com o grupo nominal a que se associa. Os dados
restantes 63% (191 oco) não são flexionados, podendo ser consideradas, portanto,
construções de tempo composto.
- 89 -
Almeida, E. S.
O fato de a estrutura participial apresentar concordância com o sintagma a que se
associa não é um fator prioritário para considerarmos a construção como não-composta.
Época do texto
Valor [+ adjetival]
Valor ambíguo
Valor [+verbal]
Oco/%
Oco/%
Oco/%
Século XIII
-
6 (33%)
12 (66%)
Século XIV
5 (10%)
23 (48%)
20 (42%)
Século XV
4 (6%)
16 (25%)
43 (68%)
Século XVI
-
19 (15%)
111 (85%)
Século XVII/XVIII
-
25 (17%)
119 (83%)
9 (2%)
89 (22%)
305 (76%)
Total
Tabela 6- Valor do particípio ao longo dos séculos
Examinando a variável Valor do particípio em função da época dos textos, verificase que, ao longo dos séculos, há um crescimento dos particípios de valor [+verbal]. É
importante ressaltar que poucos são os casos em que há um valor eminentemente adjetival
para o particípio, por ser um período de transição e cristalização da estrutura composta. Isso
justifica a maciça presença de estruturas com valor ambíguo, em que não se pode precisar
se o particípio tem um valor verbal ou adjetival.
A partir da tabela 6, percebe-se que é o século XVI o período em que há a
predominância das construções perifrásticas, ainda que se possa anotar algumas
construções ambíguas nos corpora.
- 90 -
Almeida, E. S.
Considerando apenas a Linguagem dos Foros de Castelo Rodrigo, no século XIII,
foram anotados 18 dados20, sendo 13 (72%) com o verbo haver e 5 (28%) com ter. Foi
possível registrar, mesmo nesta fase, casos típicos de estruturas compostas, sem
concordância, tanto com o verbo ter como com haver, o que nos mostra que já se tinha
iniciado o processo de mudança:
(66) “E la una firma digalo per uerbo, comolo ten iulgado; e las outras firmas digano, perla
iura que feçeron, que tanto firman e tanto outorgan quanto elle” [FCR, 5, 54]
(67) “e el baron tomar moller ou a moller marido, e non oueren partido com seus fillos”
[FCR, 19, 63]
No entanto, é categórica a presença de concordância quando o complemento se
encontra à esquerda da construção participial ou quando está localizado entre ter/haver e a
forma participial no corpus:
(68) “Tod omne que pennos alleos touer por seu auer enprestados ou mudados” [FCR,
12, 40]
(69) “Qval quer omne de Castel Rodrigo que ena uila touere casa poblada con omne que
coma seu pan e faça seu seruicio” [FCR, 16, 34]
No documento do século XIV, Livro das Aves, só existe uma ocorrência da
construção participial, com ter indicando uma posse [+intrínseca], acompanhada por um
particípio de caráter [+ adjetivo]:
20
Resultados retirados da tabela 2.
- 91 -
Almeida, E. S.
(70) “E podere melhor chorar os seus pecados [e te]ere sas almas mais assessegadas e
mais firmes [no amor] de Deus” [LA, 18, 25]
Ainda nesse século, nos Quatro Livros dos Diálogos de São Gregório, as
construções com ter prevalecem. Do total de 47 ocorrências, 72% (33 oco) são com ter e
apenas 28% (14 oco) aparecem em estruturas com haver. Nesse corpus, cresce o número de
contextos em que a posição do complemento está vazia, recuperada por um anafórico, que
pode ser um clítico ou um relativo (19 casos no corpus):
(71) “assi pode homen entender a homildade ou a sobérvia que no su coraçon ten
asconduda”
(72) “E eles abriron o muimento e acharon as vistiduras com que o soterraron taaes como
as hi lançaron, ca nunca as tangera nen hua outra cousa. E en este dia as tee guardadas por
façanha desta cousa como as hi lançaron”
(73) “E parando el mentes ao manto que tiinha tendudo antr’ao braços”
Há, ainda, um caso em que o anafórico retoma um constituinte interpretado como
sujeito em uma construção composta:
(74) “ouvio hua molher chorar mui dooridamente de noite sobre seu marido que tiinha
morto na eigreja” [DSG, 6,124]
- 92 -
Almeida, E. S.
A possibilidade de elementos intervenientes entre ter/haver e a forma participial
atesta, também, que, mesmo que o processo já tivesse tido início, não ocorrera ainda a
fixação típica do tempo composto, uma vez que os verbos ter/haver foram registrados em
contextos indicando posse [+intrínseca]:
(75) “E o lombardo que avia o braço perdudo porque o tendera” [DSG, 69, 157]
(76) “E o santo homen fez o que lhi mandaron e, teedo el o colo estendudo” [DSG, 62,
156]
É interessante notar que, ainda no século XIV, quando o complemento está
localizado entre ter/haver e a forma participial, há uma maior probabilidade de a forma
participial estar indicando um estado do SN, impondo uma interpretação passiva ao
complemento dos verbos ter e haver. Contudo, nos casos em que o complemento se
encontra à esquerda do particípio, recuperado por um anafórico, há uma tendência de
interpretar o particípio como [+verbal], conforme se observa em (78) e (79), ao contrário do
que se passa em (77).
(77) “E ante que morresse disse a esse seu irmão Copioso que tiinha tres soldos
ascondudos en ouro e esta cousa non se pode asconder aos frades” [DSG, 7, 236]
(78) “e deitade hi o seu corpo e deitade sobr’el os tres soldos que teve ascondudos” [DSG,
14, 237]
(79) “ca depois que se visse desemparado na hora da morte dos seus frades polo soldos que
tevera ascondudos” [DSG, 16, 237]
- 93 -
Almeida, E. S.
Os documentos do século XV, Vida de Santa Pelágia (1 oco de haver), Morte de
São Jerônimo (4 oco – 3 haver e 1 com ter), Vida de Tarsis (1 oco de ter), Carta de Pero
Vaz de Caminha (5 oco – 4 haver e 1 com ter), Leal Conselheiro (51 oco – 12 com haver e
39 com ter), Crônica de Dom Pedro (1 oco de haver) somam um total de 63 dados, dos
quais 21 (34%) são com haver e 42 (66%) são de estruturas com ter. Ter é, também, neste
século, o verbo típico das estruturas participiais.
(80) “ou aldemenos que nom tem feito acerca delles tanto quanto devya” [LC, 11, 38]
(81) “por que nosso senhor o tem ordenado pera a sua sancta gloria” (LC, 15, 38]
A presença de flexão entre o particípio e o complemento é ainda no século XV
bastante elevada. Das 63 ocorrências, 26 apresentam a flexão entre o SN-complemento e o
particípio, 15 casos não apresentam flexão e em 22 ocorrências não é possível precisar se
houve a concordância entre a forma participial e o SN-complemento, pelo fato de o
complemento estar no masculino-singular, forma [-marcada]:
(82) “E tal convem sentyr das semelhantes, porende nom he de perder o bem que per
contriçom do mal avemos recebido” [LC, 8, 97]
(83) “Com esto concorda huu capitullo que no Livro do Cavalgar avya scripto” [LC, 9,
310]
No século XV, nos contextos em que há dois ou mais elementos entre ter/haver e a
estrutura participial, a presença de flexão é categórica, como nos exemplos (84) e (85). A
hipótese é a de que a intercalação de elementos na construção participial evidencie que a
- 94 -
Almeida, E. S.
estrutura não configura ainda uma forma composta. Entretanto, é possível perceber, já nesta
fase, estruturas em que, mesmo havendo a intercalação de apenas um elemento entre
ter/haver e a forma participial, não há a flexão entre o particípio e o SN-complemento,
como em (86).
(84) “E assy de cadahuu dos malles se teem por tam costrangidos que penssam seerem
per sua propria natureza” [LC, 18, 152]
(85) “Con lagrimas continuadas teendo as m/ããos alcadas ao ceo calou hum pouco” (MSJ,
1, fól. 89 v)
(86) “e agoa e em querendo ocapitam sair desta naao chegou sancho detoar com seus dous
ospedes epor ele no teer ajnda comjdo poseranlhe toalhas” [CPVC, 31, fol. 10v]
Do século XVI, foram selecionadas 69 cartas do conjunto de Cartas de D. João III,
perfazendo um total de 105 dados, 102 com ter e 3 com haver. Haver, nesses casos, aparece
em contextos em que o particípio apresenta uma natureza intransitiva. Observe:
(87) “tenho nova e Recado que as outras duas se esperavam aly cada ora, neem averaão
tam gastado como he”
(88) “e dizemdo que loguo se pagara, porque ysto nunca aveera efeyto, como estaa visto
pellas causas pasadas”
(89) “por quallquer caso que seja, seus filhamentos nom ajam efeyto”
É importante destacar, também, que a flexão do particípio com o complemento cai
vertiginosamente no século XVI, uma vez que foi possível encontrar, dentre as 105
- 95 -
Almeida, E. S.
ocorrências, apenas 19 casos em que se verifica a concordância do particípio com o
complemento21:
(90) “Qua seus vassalos aos meus tem tomados pasante trezentos navios” [DJIII, 6]
(91) “a presa que eles tynham tomada aos castelhanos” [DJIII, 15]
(92) “E porem, se teverdes dados ao Almyrante os dez mil cruzados que lhe tendes
prometidos” [DJIII, 23]
Na gramática de João de Barros, um documento também do século XVI, não se
anotou qualquer caso de construção participial com haver. Do total de 25 dados, há
somente 3 casos em que o particípio se encontra flexionado, como em (93), (94) e (95):
(93) “O prégador d’el-rei, frei Joám Soáres. E lógo perguntei per que ô prinçipiáva, por
causa do trabálho que levou em a composiçám da Gramática da nóssa linguágem que lhe
tem derigida” [GJB, 6, 42]
(94) “Este exerçíçio, se ô nós usáramos, já tivéramos conquistáda a língua latina” [GJB,
4, 46]
(95) “A quál óbra será pósta no catálogo das mercês que estes reinos dele tem reçebidas,
mui çelebráda dos presentes e louváda dôs que viérem depois de nós” [GJB, 40, 48]
Foi possível registrar, em João de Barros, 17 dados com verbos de natureza
intransitiva, como em (96):
21
Resultado retirado da tabela 5.
- 96 -
Almeida, E. S.
(96) “Nam está em máis remédio que vir a notíçia d’el-rei, nósso senhor, porque, como é
zelador dos bons costumes, e favoréçe as lêteras, tam liberál e maníficamente, mandará
prover nisso, como ô tem feito em os estudos de Coimbra” [GJB, 39, 48]
Até o século XV, a concordância se dava prioritariamente quando o complemento se
localizava à esquerda da estrutura participial, mas, no século XVI, esse aspecto passa a não
ser mais definidor. Confirmou-se que, quando o complemento sucede a estrutura participial,
a concordância entre o particípio e o SN-complemento é mais restrita ainda. Até mesmo
nos contextos em que o complemento precede a construção, há, neste século, o predomínio
de estruturas não flexionadas: de 26 casos de complementos antepostos, apenas 10 (34%)
são flexionados:
(97) “cõ todas as mais palavras que segundo vos tenho sprito vos parecer que lhes deves
de dizer” (sem flexão) – [DJIII, 45]
(98) “E vos veres pellas cartas que vos teenho sprito o que acrequa desta Restetuyçã”
(sem flexão) – [DJIII, 24]
(99) “que por guarda d’estes mares e costa por caaussa de gramdes e conthynos Roubos
que se nela faziã, cõ gramde despesa, como eu costumo e era neçessario, tinha mãdados” –
[DJIII, 6]
Nos Documentos Notariais do Convento do Carmo, que constituem os dados do
século XVII, anotaram-se 144 construções participiais, assim distribuídas: 30 (20%)
ocorrências com haver e 114 com ter (80%). Das 29 ocorrências com o verbo haver, apenas
- 97 -
Almeida, E. S.
três apresentam flexão do particípio. Dessas três ocorrências, duas aparecem em
construções que podem ser hoje consideradas como lexicalizadas. Veja:
(100) “Haja vista desta resposta o testamenteiro e com a sua torne” [CV, 4, 125, 205]
(101) “e com tudo iunto me forao os autos concluzos e nelles por meu despacho mandei
que ouuesse uista desta inquirição a parte quem a tocase” [CV, 132, 24, 389]
Ao lado dessas estruturas, registrou-se uma ocorrência sem a flexão de gênero, que
não se enquadrano critério de concordância mencionado acima:
(102) “que Vossas merses me haverao uisto me persuadir que na forma que eu lhe consedi
aquella izensão” [CV, 6, 158, 211]
Das 114 ocorrências com ter, uma expressiva quantidade de dados, 80 (73%), não
apresenta flexão e somente 30 (27%) dos casos encontram-se flexionados. É interessante
notar mais uma vez que, no século XVII, nos casos em que o complemento precede a
estrutura participial, esse complemento é retomado por um elemento anafórico, que pode
ser um clítico (exemplo 103) ou um pronome relativo (exemplo 104). Em 48 ocorrências,
43 são recuperadas por um elo coesivo.
(103) “se alguas pessoas a quem forem dadas terras no termo da dita cidade as tiuerem
perdidas” [2, 114, 199]
(104) “hua pitissao, que hauia feito o Juis ordinario do dito Rio de Janeiro” [CV, 1, 15,
193]
- 98 -
Almeida, E. S.
Há, ainda, dois casos em que se verificam dois elementos anafóricos em uma
mesma construção:
(105) “Elles de nouo tronarão a fazer doação conformado, apouando e retificando as que
tinhao feito e de prezente retificando as que tinhao feito e de prezente considerando que
erao velhos e achagozos” [CV, 2, 30, 251]
Das 74 ocorrências que apresentam a seqüência ter/haver+particípio passado+
complemento direto, apenas nove apresentam concordância entre o particípio e o
complemento a que esse se associa, por apresentar uma configuração típica do tempo
composto:
(106) “[os ditos Reverendos Padres] confessarao terem recebidos quatrocentos mil Reis
em dinheiro contado” [CV, 67, 34, 629]
(107) “a elle e dito seu filho Gonçalo de Muros lhes hauiao concedido duas datas de
sesmarias” [CV, 1, 18, 193]
(108) “e [tenha] plantado algus mantimentos” [CV, 10, 95, 228]
A presença de concordância, nessa fase, parece ser um vestígio de uma marca
morfológica. Ressalta-se que a flexão pode ocorrer com o elemento que está mais próximo
do particípio, não necessariamente um complemento direto. Observe-se:
(109) “e outrosim fara de maneira que dentro de coatro mezes tenha feita nellas na dita
terra algu proueito” [CV, 10, 94, 228]
- 99 -
Almeida, E. S.
No exemplo acima, a concordância não se dá com o SN-complemento direto algu
proveito, mas sim com o sintagma adverbial – nellas (na dita terra) – que estava mais
próximo à estrutura participial.
Almeida (2003), em um estudo sobre os documentos manuscritos do século XVIII,
compostos por 93 cartas de comércio e 24 documentos oficiais, escritos no Brasil, levantou
289 construções participiais, sem registro de concordância, o que nos leva a crer que as
estruturas ter/haver + particípio já constituíam o chamado tempo composto, como no
exemplo desse século.
(110) “eu Jalhetenho escrito tres Cartas Selhenão forão amão”
5.3 Das variáveis e suas Hipóteses
Como já foi dito em seções anteriores, analisam-se os dados que se distribuem do
século XIII ao século XVIII. É importante verificar a distribuição das variantes na
formação do tempo composto ao longo do eixo temporal, por isso busca-se, em um estudo
diacrônico, de tempo real de longa duração, determinar o processo de auxiliarização dos
verbos ter e haver seguidos de um particípio em construções perifrásticas.
Para a análise quantitativa da formação do tempo composto, utilizou-se o pacote de
Programas VARBRUL (Pintzuk, 1988), a fim de obter resultados referentes aos possíveis
condicionamentos para o uso de uma ou outra variante lingüística. Este programa permite,
como já se observou, detectar os elementos de natureza lingüística e extralingüística, que
colaboram para um determinado uso lingüístico.
- 100 -
Almeida, E. S.
A partir da variável dependente, que é constituída por presença x ausência de
concordância do particípio com o complemento em construções participiais com ter e
haver,
propuseram-se
as
seguintes
variáveis
independentes
–
lingüísticas
e
extralingüísticas - para a codificação dos dados:
1) Ocorrência de Ter e Haver na Perífrase Verbal (Mattos e Silva,2003;
Ribeiro, 1993; Callou e Avelar, 2002). O objetivo dessa variável é verificar se ter era mais
recorrente do que haver na construção participial, quer apresentasse concordância ou não.
Mattos e Silva (2003:130), em seu estudo sobre João de Barros, afirma que ter é,
preferencialmente, o verbo responsável pela formação do tempo composto, cabendo ao
haver a responsabilidade de formação do tempo futuro (haver de amar, por exemplo).
2) Valor do Particípio. Busca-se observar em que estágio se encontra a
formação do chamado tempo composto, uma vez que as opiniões são divergentes quanto ao
momento em que se verificou esta fixação. Dividiram-se, nesta variável, os particípios em
[+verbal], [+adjetival] ou [ambíguo]. Nos casos em que o particípio possui um valor verbal
- é responsável pela predicação da sentença - é ele que seleciona os argumentos internos e
externos da sentença. Ao funcionar como adjetivo, o ‘particípio’ tem a função de qualificar
o complemento dos verbos ter e haver. E, por fim, analisam-se os contextos ambíguos que
dificultam a definição de o particípio como de um valor verbal ou adjetival – tais
particípios encontram-se no entremeio dessa escala de ausência/ presença de predicação. A
hipótese é a de que as formas no masculino-singular, com uma natureza [+verbal], seriam
as que originaram a mudança, uma vez que são as formas [-marcadas]. Quando o particípio
está no masculino singular apresenta menor saliência, não sendo possível precisar se
ocorreu ou não a concordância do ‘particípio’ com o complemento.
- 101 -
Almeida, E. S.
3) Forma Verbal. Analisam-se o Tempo e o Modo observados nos variados
textos selecionados: no indicativo, listaram-se: presente, imperfeito, pretérito perfeito,
pretérito mais que perfeito, futuro do presente e futuro do pretérito. No subjuntivo, o
presente, o imperfeito e o futuro. Além disso, verificaram-se os casos em que ter e haver se
encontram no infinitivo, no gerúndio ou no particípio. Parte-se da hipótese de que a troca
de haver por ter no contexto participial poderia ter ocorrido através de determinado tempo/
modo verbal.
4) Presença x Ausência de Elemento Interveniente entre Ter/Haver e o
Particípio/Adjetivo. A finalidade é verificar a possibilidade de intercalação de elementos
intervenientes na estrutura participial. Quanto maior a possibilidade de aparecimento de
elementos entre ter/haver e o particípio, maior evidência de que a construção participial
ainda não configurava uma estrutura típica do tempo composto. À medida que a
possibilidade de intercalação de elementos fica mais restrita, observa-se uma maior
cristalização da estrutura.
5) Presença x Ausência de Elemento Interveniente entre o Particípio/Adjetivo.
Pretende-se observar aqui, do mesmo modo, o tipo de elemento que viria intercalado entre
o SN-complemento e o particípio. É importante destacar que os complementos ocorriam em
variadas posições: antepostos ou pospostos ao verbo, com presença ou não de elementos
intervenientes para cada uma das posições.
6) Ordenação dos Constituintes na Sentença. A finalidade é controlar a
possibilidade de estruturação dos elementos na sentença, já que, antes da formação do
tempo composto, o complemento podia preceder, suceder ou se encontrar entre ter e haver
e a forma participial. O objetivo é mostrar a flexibilidade de estruturação dos constituintes
na sentença, visto que, ao poder ocupar variadas posições, fica evidente que as estruturas
- 102 -
Almeida, E. S.
participiais não configuravam estruturas compostas. Para esta variável, são considerados
complementos os objetos diretos, indiretos, os adjuntos e os complementos nominais,
oracionais ou não. A inclusão dos adjuntos justifica-se a partir da idéia de que os chamados
complementos circunstanciais são tão indispensáveis à construção do verbo como os
demais complementos, segundo Rocha Lima (2003: 252).
7) Função Sintática do Complemento. O objetivo é observar a influência
exercida pelo tipo de complemento que acompanha a estrutura participial, com base na
hipótese de que os complementos circunstanciais favorecem o aparecimento de construções
de tempo composto. Vale ressaltar que há sentenças que não possuem complemento, fato já
aludido por Naro & Braga (2000: 125-134). Nas construções em que o particípio apresenta
uma base [+ adjetival], essa variável não se aplica.
8) Subclassificação Semântica do Verbo. Aplica-se apenas aos casos em que o
particípio funciona como verbo. Sabe-se que a classificação semântica dos verbos varia de
autor para autor. Optou-se, nesta análise, por utilizar a classificação proposta por Halliday
(1994:106). O autor postula os seguintes processos para o sistema de transitividade: a)
materiais, relacionados ao mundo físico, à experiência exterior; b) mentais, que se referem
ao mundo da consciência, à experiência interior; c) relacionais, ligados ao mundo das
abstrações e que estão relacionados aos fragmentos da experiência; d) comportamentais, em
que se manifestam os processos de consciência e os estágios fisiológicos; e) verbais,
expressando relações simbólicas, construídas na consciência humana, através da
linguagem; e f) existenciais, que denotam a existência, o acontecer. A finalidade é destacar
quais são os tipos de processos verbais que favorecem ou não a concordância do particípio
com o respectivo complemento.
- 103 -
Almeida, E. S.
9) Definitude do Complemento. Controla-se a delimitação do complemento e
sua análise tem um caráter mais discursivo. Diferentemente do que as gramáticas
normativas apontam sobre o tema - cuja classificação se centra na presença ou não do
artigo definido - busca-se determinar se o complemento se encontra definido ou não, a
partir do contexto específico de uso, com base em Lyons (1999). Objetiva-se, assim,
verificar se os complementos com caráter [+ definido] tendem mais a não concordar do que
o complemento de caráter [-definido].
10) Periodização. Constitui a única variável extralingüística e controla a
temporalidade histórica dos documentos analisados, desde o século XIII até o XVII.
Pressupõe-se que no século XVII já se teria efetivado a formação do tempo composto. O
objetivo é verificar como se deu essa formação nas construções participais em um
continumm de tempo, uma vez que a gramaticalização apresenta como um pressuposto
básico o gradualismo do fenômeno que se encontra em mudança.
- 104 -
Almeida, E. S.
5.4 Análise Variacionista: Variáveis Controladoras do Processo
A análise computacional dos dados com base no programa VARBRUL
(Pintzuk,1988) levou em consideração os grupos de fatores apresentados na seção 5.3.1
desta dissertação.
Na rodada geral, foram selecionados os grupos de fatores nesta ordem
‘Tempo/modo verbal’, ‘Presença x ausência de elemento interveniente entre ter e haver e o
particípio/adjetivo deverbal’, ‘Ordenação dos constituintes na sentença’, ‘Subclassificação
semântica do particípio’, ‘Definitude do complemento’ e ‘Época do documento’,
exemplificados e analisados a seguir. Na rodada geral, o input geral foi .40, o log likelihood
–106.920 e o nível de significância .049.
⇒ Tempo x modo verbal
Esse grupo de fatores mostrou-se relevante para a formação do tempo composto.
Partiu-se da hipótese de que a troca de haver por ter no contexto participial poderia ter
ocorrido através de determinado tempo/ modo verbal:
No indicativo:
a) Presente → (111) “para que todo tempo se saiba como tenho feito a dita mers” [CV, 1,
89,195]
b) Imperfeito → (112) “e dezia que avia perdudo todo aquelo per que se avia de manteer
todo o ano” (DSG, 10, 33]
- 105 -
Almeida, E. S.
c) Perfeito → (113) “E chegaríamos aesta amcoragem aas x oras pouco menos e daly
ouuemos uista dhomens que amdauam pela praya por chegarem primeiro” [CPVC, 17,
fol. 1v]
d) Mais que perfeito → (114) “e, com o seu participio passado, dizemos: tivéra amado,
como se pode ver” (GJB, 22, 22]
e) Futuro do presente → (115) “tenho nova e recado que as outras duas se esperavam aly
cada ora, neem averao tam gastado como he” [DJIII, 39, 22]
f) Futuro do pretérito → (116) “O tempo passádo nam acabádo de módo pera ajuntar,
também ô suprimos per rodeo, dizendo: Como te/ria eu amádo, lido, ouuido, sido”
[GJB, 5, 23]
No subjuntivo:
g) presente → (117) “E ainda que ca vossa reposta elles se tenham lançado de la se
fallar” [DJIII, 31, 22]
h) imperfeito → (118) “e se alguas pessoas a quem forem dadas terras no dito termo as
tiuerem perdidas por as não aproueitarem” [CV, 9, 105, 224]
i) futuro → (119) “e lhe seja deixado alguns logradores do que aproueitado não tiuer
[CV, 8, 91, 221]
- 106 -
Almeida, E. S.
No infinitivo:
j) (120) “o que tinha determinado e avia por meu seruçio o que fizeseis, ante de ter avida
a nova da armada dos franceses” [DJIII, 33, 23]
No gerúndio:
k) (121) “e não tendo ainda avido resposta, e parecendov os que se voa dilata” [DJIII, 38,
11]
Na amostra dos dados, a presença de flexão é prioritária quando o verbo está no
imperfeito do subjuntivo (15/24 oco). Nos casos em que os verbos ter/haver aparecem no
pretérito perfeito do indicativo, é categórica a presença de flexão, que pode estar
relacionada ao fato de ocorrer, quase sempre, em construções que podem ser consideradas
lexicalizadas:
(122) “de que nos deste porto ouuemos uista sera tamanha” [CPVC, 4, fol. 13v]
A tabela a seguir mostra os resultados encontrados no que diz respeito a essa
variável e deixa claro que a presença de concordância na estrutura participial é favorecida
quando o verbo está no subjuntivo. Este resultado pode ser explicado pelo fato de ser
freqüente o uso de orações subordinadas retomadas por um elemento anafórico, sobretudo
do relativo que.
:
- 107 -
Almeida, E. S.
Fator
Ocorrências/total
Percentual
Peso relativo/ Nível
de seleção
Imperfeito do subjuntivo
15/24
58%
.92
Futuro do subjuntivo
4/7
57%
.86
Presente do subjuntivo
8/23
35%
.73
Pretérito mais que
perfeito do indicativo
4/10
40%
.70
Infinitivo
10/41
24%
.67
Presente do indicativo
37/95
39%
.34
Imperfeito do indicativo
22/78
28%
.30
Gerúndio
8/12
50%
.40
Tabela 7 – Tempo/modo verbal e a presença de concordância na estrutura participial
⇒ Presença x ausência de elemento interveniente entre ter e haver e o
particípio/adjetivo deverbal
Como se pode ver na tabela 8, comprova-se a hipótese de que a intercalação de
elementos desfavorece a interpretação da construção como composta, com o auxiliar e o
particípio considerados uma única unidade sintático-semântica. Os exemplos de (123) a
(126) confirmam este fato:
- 108 -
Almeida, E. S.
(123) “a que tiinha ja sa alma obligada” [DSG, 39, 126]
(124) “e eu d’elle confyo, lhe tenho sobre yso escrito” [DJIII, 31, 6]
(125) “dando sem tardança devida execuçom no que ouver bem penssado” [LC, 22, 8]
(126) “e [tenha] plantado alguns mantimentos” [CV, 128,199]
Fator
Ocorrências/total
Percentual
Peso relativo/ Nível
122
Sem elemento
interveniente
91/258
35%
.48
Com um único elemento
interveniente
10/30
33%
.46
Com dois elementos
intervenientes
9/11
82%
.88
Com mais de dois
elementos intervenientes
3/5
60%
.72
Tabela 8 - Presença de elementos entre Ter/haver e o particípio e a flexão
Como se pode verificar, a presença de flexão é favorecida quando há elementos
intercalados na construção composta, mostrando que a seqüência não formava uma
verdadeira perífrase verbal. A presença de elementos intervenientes entre ter/haver e a
estrutura participial atesta que não havia ocorrido a cristalização típica do tempo composto.
22
Os resultados são apresentados sempre a partir do nível de seleção, exceto nos casos em que há a interferência de outro fator que altere
os resultados.
- 109 -
Almeida, E. S.
No entanto, Vieira (2004:71) afirma que “a estrutura perifrástica prototípica admite
dissociação por conta da inserção de determinados elementos discursivos”. Ainda hoje é
possível observar a seqüência (127) Tinha sempre feito tudo que estava ao seu alcance.
Logo, a possibilidade de intercalação de elementos, nessas construções, é um resquício da
estrutura original em que se tinha um verbo pleno seguido de um particípio passado
adjetivador do complemento.
⇒ Ordenação dos constituintes na sentença
Sabe-se que, antes da formação do tempo composto, o complemento podia preceder,
suceder ou se encontrar entre ter e haver e a forma participial. A flexibilidade de
estruturação dos constituintes na sentença evidencia que as estruturas participiais não
apresentavam uma seqüência rígida. A hipótese era de que quando complemento precedia a
estrutura participial, por estar o complemento já previamente selecionado, haveria mais
formas com concordância. Quando os verbos ter/haver passam a auxiliares, a construção
torna-se mais fixa, apresentando o padrão TER/HAVER+ particípio.
A posição mais resistente à formação do tempo composto estaria nos contextos em
que o objeto já foi previamente selecionado (à esquerda do predicador). Nessa posição,
constatam-se formas mais marcadas com concordância:
- 110 -
Almeida, E. S.
Oco/ total
Percentual
Peso relativo/ nível
de seleção
Complemento direto precede
53/100
53%
.52
Complemento direto sucede
41/121
34%
.37
1/4
25%
.30
Complemento direto entre
ter/haver e a forma participial
Tabela 9 – Posição do complemento na sentença
Século XIII
Século XIV
Século XV Século XVI
Século XVII
Ordem dos
constituintes
Oco/%
Oco/%
Oco/%
Oco/%
Oco/%
1.V+ P+ CD
2/11%
6/12%
4/6%
25/21%
65/46%
2.V+ CD+P
-
12/25%
5/8%
1/1%
-
3.CD+V+P
4/22%
24/50%
23/38%
32/27%
53/37%
4.CD+P+V
-
-
-
-
11/8%
5.P+V+CD
-
-
2/3%
-
-
12/67%
6/12%
27/44%
60/50%
13/9%
6.V+P+Ø
Tabela 10- Ordenação geral dos constituintes nos corpora
- 111 -
Almeida, E. S.
A tabela 10 mostra que
Æ os seis tipos de distribuição dos complementos diretos nas sentenças revelam a liberdade
de estruturação desses elementos na sentença. A distribuição mais freqüente, no século
XIII, foi a do tipo 6 com 67%, em que não há a presença de complemento, seguida da do
tipo 3 com 22% (complemento direto + verbo + particípio).
Æ no século XIV, a posição em que o complemento direto precede a estrutura participial
ocupa a metade dos dados, acompanhada pelos casos em que o complemento está situado
entre ter e haver e a forma participial (25%).
Æ já no século XV, há um crescimento significativo das seqüências que não apresentam
complemento (44%), com verbos intransitivos. Neste século, decrescem os casos em que o
complemento está precedendo à estrutura participial, reduzidos a 38%.
Æ no século XVI, são, também, significativas as seqüências que não apresentam
complemento (50%), ocupando a metade dos dados. Há um decréscimo, nesta fase, das
seqüências com complemento precedendo a estrutura participial, ocorrendo um aumento da
seqüência do tipo 1 (21%), que possuem a configuração típica do tempo composto.
Æ no século XVII, são majoritárias as seqüências do tipo 1 (46%), em que o complemento
se encontra posposto a ter e haver, o que já é um indicador da cristalização da estrutura.
Nota-se, também, uma diminuição da flexão ao longo do tempo, o que comprova a hipótese
inicial de que ter e haver não constituíam verbos auxiliares no português arcaico.
- 112 -
Almeida, E. S.
Assim, observa-se que, à medida que a ordem dos constituintes foi se tornando mais
fixa (ter/haver + particípio passado), os verbos ter e haver foram sendo reinterpretados
como auxiliares. Parece que, no início do processo de gramaticalização, as duas estruturas
participiais – flexionadas ou não -- devem ter tido o mesmo sentido, para que a reanálise do
fenômeno pudesse ter acontecido.
⇒ Subclassificação semântica do particípio
Como já se disse, esta variável aplica-se apenas aos casos em que o particípio
funciona como verbo. Já vimos que, mesmo em contextos raríssimos, há construções que
grosso modo nem poderiam ser consideradas participiais, por terem um caráter muito mais
adjetival. A análise dos particípios com caráter [+verbal] permitiu-nos classificá-los, a
depender do contexto, em:
a) materiais Æ (128) “Qua seus vassalos aos meus tem tomados pasante de trezentos
navios” (DJIII, 37, 6]
b) mentais Æ (129) “Perdoado te tem deos os teus pecados” [VT, 9, fol. 67v]
c) relacionais Æ (130) “e já bem se ouuesse governado em sa mancebia” [LC, 6]
d) comportamentais Æ (131) “Teedo as mãos alçadas e o manto tendudo” [DSG, 12, 31]
- 113 -
Almeida, E. S.
e) verbais Æ (132) “acaeceu que aquelas nonjas porque ainda non frearon ainda nem
tinhan castigadas sas lenguas” [DSG, 7, 76]
f) existenciais Æ (133) “Quarta, segurança, que antre ambos seja guardada por muy perfeita
teeçom que huu do outro sempre tem avyda” [LC, 17, 182]
A partir da análise dessa variável, tem-se o seguinte quadro:
Fator
Ocorrências/total
Percentual
Peso relativo/ nível
de seleção
Processos materiais
60/141
43 %
.67
Processos mentais
18/53
34 %
.61
Processos relacionais
12/66
18 %
.13
Processos
comportamentais
2/12
17 %
.11
Processos verbais
10/19
53 %
.72
3/5
60 %
.85
Processos existenciais
Tabela 11 - Processos verbais mais freqüentes nas construções participiais
A análise da tabela 11 nos permite perceber que os processos dos verbos que
desfavorecem a concordância seriam aqueles que imprimem os processos comportamentais
(.11) e relacionais (.13), por serem esses os contextos em que há uma maior predominância
de construções intransitivas, que não possuem complemento. As seqüências que exprimem
existência, mesmo aparecendo em contextos reduzidos, apresentam um elevado índice de
- 114 -
Almeida, E. S.
flexão. Restaria explicar porque os processos materiais e mentais se comportam
praticamente do mesmo modo.
⇒ Definitude do complemento
Controla-se a delimitação do complemento a partir de uma análise de cunho
discursivo. Aqui não se centrou na presença ou ausência do artigo definido, mas no
contexto das construções e do seu respectivo complemento (Cf. Lyons, 1999). Assim, a
hipótese aventada era a de que os complementos com caráter [+ definido] tenderiam mais a
não concordar com o complemento do que os [-definidos]. Seguem exemplos de
complementos definidos e indefinidos:
Complemento definido: (134) “e eu tenho aceytado seu ofrecimento” [DJIII, 10]
Complemento indefinido: (135) “dando sem tardança devida execuçom no que
ouver bem pensado” [LC, 22, 8]
Fator
Ocorrências/total
Percentual
Peso relativo/ Nível 1
Complemento definido
32/96
33%
.41
Complemento indefinido
73/151
48%
.56
Tabela 12- Definitude do complemento e a presença de flexão
Os percentuais confirmam a hipótese levantada, uma vez que os contextos com o
complemento [-definido] tendem a apresentar concordância. Nesse caso, a flexão precisa
- 115 -
Almeida, E. S.
ser expressa, pelo fato de o complemento não ser facilmente identificável, havendo dúvida
a que elemento a construção participial estava relacionada.
⇒ Época do documento
Essa variável extralingüística controla a temporalidade histórica dos documentos
analisados, desde o século XIII até o XVII. A hipótese aventada era a de que a
gramaticalização apresentaria como pressuposto básico o gradualismo do fenômeno que se
encontra em mudança.
Época do texto
Ocorrências/Total
Percentual
Peso relativo/ Nível
de seleção
Século XIII
6/16
38%
.65
Século XIV
28/31
90%
.98
Século XV
23/35
66%
.93
Século XVI
25/111
23%
.42
Século XVII/XVIII
30/110
27%
.14
Tabela 13 – Possibilidade de flexão do particípio por época
A baixa freqüência de flexão, no século XIII, poderia ser relacionada à ocorrência
maciça de estruturas intransitivas no corpus analisado. Do século XV para o XVI, há uma
diminuição significativa dos contextos em que há a concordância do particípio com o
complemento.
- 116 -
Almeida, E. S.
5.5 Análise Funcionalista: O Processo de Gramaticalização dos verbos Ter
e Haver
Como já foi referido ao longo do texto, ter e haver podiam ocorrer em variadas
seqüências, desempenhando funções sintático-semânticas distintas, a depender do contexto
em que apareceriam. Segundo Barroso (1994:61), um verdadeiro complexo verbal
perifrástico possui unidade semântica, sintática e funcional. Tendo como base esse
pressuposto, pode-se dizer que os verbos ter e haver, no português arcaico, em construções
participiais, não formavam perífrases. No entanto, com o passar do tempo, esses dois
verbos, nestes contextos, foram sofrendo um processo de esvaziamento semântico
(semantic bleaching) -- passando de verbos plenos a vocábulos meramente gramaticais -por isso, no português moderno, esses dois verbos podem ser considerados verbos típicos
da categoria auxiliar em construções compostas. (Vieira, 2004: 80).
O processo de auxiliarização desses dois verbos nessas construções perpassou
vários séculos, tendo seu início, aproximadamente, no século XIII, podendo ter se efetivado
apenas nos séculos XVII/XVIII. Até que o processo de reanálise estivesse concluído, era
possível encontrar variadas formas: com ou sem concordância, exemplos (27) e (28) da
seção 2.1, com valor adjetival ou verbal, exemplos (9) a (13) da seção 5.1. E, em alguns
casos, verifica-se apenas uma concordância formal, exemplos (14) a (17) da seção 5.1.
A análise diacrônica dos dados, com base no aparato teórico e metodológico da
sociolingüística variacionista e na hipótese da gramaticalização, revelou que a trajetória
desses dois verbos - de vocábulos com conteúdo plenos para vocábulos meramente
gramaticais - fora permitida, em grande parte, pela polissemia das formas nas mais variadas
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Almeida, E. S.
construções, que podem conter variadas acepções – já discriminados anteriormente (cf.
visto no capítulo 2)
A polissemia de ter e haver, verbos que podem indicar posse, obrigatoriedade,
futuridade, existência, acarretou mudança semântica, base da gramaticalização desses dois
verbos, que passaram a auxiliares de tempos compostos, marcando, desse modo, nessas
construções, apenas as categorias gramaticais de tempo, modo, voz e aspecto. Em outras
palavras, a passagem desses dois verbos a elementos meramente gramaticais nas
construções participiais começa a ocorrer, quando, no português arcaico, ter e haver
passam do valor de posse à condição de verbo auxiliar.
Verifica-se, inicialmente, uma espécie de distribuição complementar para o uso
desses dois verbos: ter expande seus domínios para indicar um verbo de posse pura e
simples (136), o verbo haver ficando restrito aos contextos de posse inalienável, com
caráter [+abstrato] (137).
(136) “Qval quer omne de Castel Rodrigo que ena uila touere casa poblada con omne que
coma seu pan e faça seu seruicio” [FCR, 16, 87]
(137) “nen se juntam bem os huus com os outros ca ham desvairados corações” [DSG,
31, 230]
Essa acepção mais abstrata para haver acaba sendo confundida em alguns contextos,
e, assim, é possível observar dados em que ter também marca uma posse [+abstrata], como
no exemplo.
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Almeida, E. S.
(138) “Por que vy muytos fallar se era bem fugyr aa pestellença, teendo desvairadas
teenções” [LC, 5, 228]
Dessa forma, é possível verificar contextos ambíguos em que se não se pode
precisar se ter/haver apresentam um caráter de posse, predicando a sentença, ou se estão
esvaziado semanticamente, como um verbo auxiliar e, ainda, se os particípios têm um
caráter verbal, passando a predicar a sentença, ou adjetival. Pode-se dizer que os contextos
ambíguos é que propiciaram as mudanças.
Essas estruturas ora apresentavam o particípio flexionado, com os verbos ter e haver
funcionando como núcleo do predicado, mantendo o valor de posse, ora admitiam uma
interpretação em que esses dois verbos se achariam esvaziados semanticamente. Essa
ambigüidade advém da possibilidade de interpretar o elemento flexionado como adjetivo
deverbal ou particípio com valor [+ verbal]. Esse fato fora aludido por Heine como
divergência, que consiste na possibilidade de a forma, em processo de gramaticalização,
poder conviver com a forma lexical original.
Assim, o lexema original, que era concreto, se enfraquece ou se generaliza
semanticamente, ganhando sentidos mais abstratos e valores pragmáticos. Com isso,
admite-se não só a idéia do enfraquecimento semântico do elemento em vias de
gramaticalização.
Por isso, pode-se destacar que os estágios intermediários híbridos ou ambíguos
tornam-se importantes para a reanálise da mudança. Nessa reanálise, cria-se uma nova
estrutura e há a reinterpretação da estrutura antiga. Desse modo, pôde-se observar um
contínuo de auxiliaridade para os verbos ter e haver, estabelecido a partir da categorização
de ter/haver plenos para auxiliares na seção 3.
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Almeida, E. S.
Verbos............................................Verbos..............................................Verbos
principais
(semi) auxiliares
auxiliares
Os verbos ter e haver, nas construções participiais, localizavam-se no entremeio
dessa escala de auxiliaridade, funcionando como verbos plenos, com valor de posse, como
possíveis verbos semiauxiliares ou como auxiliares prototípicos. Este fato vai ao encontro
do que Hopper (1991) denomina como layering (camadas/estratificação), o que para Labov
(1994) corresponde à implementação, pois, para haver gramaticalização, deve haver um
período em que o novo e o velho coexistam em um mesmo domínio funcional “As camadas
mais antigas não são inteiramente descartadas”. Isso comprova que no momento em que
um novo item gramatical surge na língua acaba convivendo com a forma antiga.
Muitos são os fatores que nos permitem dizer que esses verbos combinados com o
particípio adjetivador (adjetivo deverbal) podiam não configurar uma perífrase verbal. Há
construções, por exemplo, que são formadas por um elemento ativo, representado por
ter/haver e um elemento passivo, que fica representado pelo particípio passivo. Ter/haver,
quando ativos, relacionam-se com o sujeito da oração, enquanto a forma participial
relaciona-se com o complemento verbal.
Contudo, tendo perdido o seu significado original de posse, por um processo
conhecido como dessemantização ou redução semântica, já aludido por Heine (1991), os
verbos ter e haver combinam-se com o verbo principal para formar uma unidade de
significado. Ressalta-se, pois, que a alteração semântica ocorre gradualmente. A análise dos
dados confirmou que estas formas coexistiram do século XIII ao XVIII. No final do
processo de mudança, estruturalmente, a auxiliaridade dos verbos ter e haver, pode ser
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Almeida, E. S.
verificada em construções nas quais esses dois verbos se apresentam combinados (verbo
auxiliar + verbo auxiliado), formando apenas um núcleo, que determina o papel semântico
do sujeito:
(139) “e lembrarse do que lhe tendes dito de minha parte ” [DJIII, 6]
Em (139), que constitui uma construção típica do tempo composto, há um forte grau
de coesão sintático-oracional entre o verbo auxiliar e o principal. Lehmann (1985) afirma
que, para um elemento se gramaticalizar, é necessário que haja coesão, havendo a perda de
autonomia de um determinado signo lingüístico dentro de uma escala. A partir dessa coesão
da estrutura, tem-se uma cristalização e as categorias de verbo pleno e particípio
apresentam-se mais fixas, rígidas e inalteráveis.
A seqüência ter/haver + particípio passado nas estruturas compostas comporta-se
como uma única unidade, e as funções sintáticas dos demais constituintes da frase (sujeitos
e complementos) são definidas a partir dessa unidade e não em relação a cada verbo. O
domínio do verbo ter (auxiliar) não pode ser analisado no exemplo (139) como um
constituinte autônomo, porque há apenas um domínio frásico e um domínio predicativo
entre ter/haver auxiliar e o particípio.
Costa (1975), ao definir alguns critérios de auxiliaridade, afirma que em uma
construção com verbo auxiliar/auxiliado, o marcador de negação frásica pode ter escopo
apenas sobre o domínio encaixado, o que impossibilita a existência de uma sentença como
(140)“*O João tem não encontrado a maria no cinema”23. Contudo, enquanto o processo
de reanálise das construções não tivesse sido completado foi possível encontrar, nos dois
23
Costa (1975: 14)
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Almeida, E. S.
corpora estudados, o marcador de negação fora do domínio encaixado, revelando que ter e
haver nessas construções ainda não configuravam o tempo composto. Observe:
(141) “se daram as ditas terras que aproueitadas não tiuer de sesmarias” [CV, 29, 163,
268]
Nas construções perifrásticas, esses dois verbos não podem selecionar a expressão
que ocupa a posição sintática de sujeito e nem impor-lhe restrições de seleção semântica:
(142) “por huã sentença que contra ella tinha alcançado Luis Gomes de Almeida porque [a
sentença] tinha feito penhora nos fruitos do dito engenho” [CV, 88, 76, 352]
(143) “foi a elles [os autos] iunto ao aforamento que o mesmo conuento tinha feito dos
ditos chaos ao defunto” [CV, 67, 17, 329]
(144) “[o alvara] não hauia sido o bastante para se evitar de todo este damno” [CV, 63,
12, 322]
(145) “e tenho conhecido que nom podem possuyr esta virtude estas pessoas” [LC, 12,172]
Com base nos exemplos (142) a (145), é possível dizer que, se o papel semântico do
sujeito fosse atribuído pelos verbos auxiliares ter e haver, o sujeito não poderia designar
entidades diferentes – tanto animadas quanto inanimadas. Os exemplos evidenciam, assim,
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Almeida, E. S.
que quem está selecionando o sujeito é o verbo principal (particípio). Dessa forma,
percebe-se que a formação do tempo composto implicou
“(...) um processo de gramaticalização que atuou sobre
as formas verbais, implicando em transferência de
extensão de sentido/uso da categoria lexical (verbo
predicador) para uma categoria gramatical (verbo
auxiliar),
sob
certas
condições
semânticas
e
morfossintáticas” (Vieira, 2004: 70).
Com o processo de gramaticalização, o verbo sofre alteração na atribuição primária
de verbo predicador. A perda dessa autonomia discursiva é conhecida como decategorização de Hopper (1991) ou re-categorização na acepção de Castilho (1997), uma
vez que ter e haver auxiliares perderam características sintáticas dos verbos plenos. Essa
mudança ocorreu sob certas condições semânticas e morfossintáticas específicas e a forma
gramaticalizada perde características da classe a que pertence e adquire características de
categorias secundárias.
A interpretação auxiliar, nas construções participiais, está, portanto, diretamente
relacionada à perda do conteúdo lexical do verbo. A partir dessa análise pode-se estabelecer
a seguinte escala, em um contexto mais geral, para os verbos ter e haver:
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Almeida, E. S.
(-)
gramaticalizado
Verbo pleno/
predicador
verbo
(+)
verbo
modal
existencial
participial
haver e ter com
haver e ter expressam
conteúdo de posse
obrigatoriedade/
não projetam
constituem
(verbo projeta dois
futuridade
argumento
auxiliares
argumentos)
haver e ter
verbo
externo
haver e ter
aspectuais
O que determina o tipo de estrutura em que ter e haver podem aparecer é o maior ou
o menor grau de esvaziamento semântico dessas formas. Percebe-se, assim, que a
auxiliaridade é um fenômeno gradual. Na escala de auxiliaridade, existem outras estruturas
que estão em uma posição intemediária, como é o caso, por exemplo, das estruturas modais
que continuam existindo até hoje com esses dois verbos. Essa escala de usos coexistentes
de ter e haver, que se mantém até hoje, pode ser entendida como a extensão ou
generalização de contexto proposto por Heine (1991), que corresponde à aplicação de uma
forma lingüística em vários contextos discursivo-pragmáticos.
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Almeida, E. S.
Um outro fenômeno a ser analisado na formação do tempo composto com ter e
haver diz respeito à passagem de um forma [V+ do] não-verbal para uma verbal, que passa
a predicar unicamente a sentença.
Muitos estudiosos (Cf. Ribeiro, 1993) reconhecem que o particípio latino se
desenvolveu a partir de uma forma adjetival. Nas construções com o particípio, haver e ter
dão um traço passivo ao seu particípio, servindo para indicar o estado aspectual de um
objeto/ coisa/ pessoa. Observe:
(146) “avendo scripta esta repartiçom dos pecados suso declarada, vy a que diante se
contem em hum livro que chamom Soma das verdades da theollogia” (LC, 1, 273]
(147) “e se alguas pessoas, a que forem dadas terras do dito termo e as tiuerem perdidas
por as não aproueitarem” [CV, 8, 71, 220]
Nos dois exemplos, ter e haver selecionam um complemento. O particípio é, nesse
caso, passivo. Nos dois exemplos acima, os verbos ter e haver, embora definam uma
relação aspectual, ainda não são auxiliares prototípicos, podendo admitir uma interpretação
com valor pleno, selecionando os sujeitos e atribuindo-lhes papel temático.
Quando esses dois verbos ampliam seus domínios, passando a auxiliares, o
particípio passado, antes passivo, passa a ativo e ter e haver funcionam como auxiliares
temporais:
(148) “[engenho e terras] e [tinhao] doado a elles religiozos e seo convento” [ CV, 21, 25,
250]
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Almeida, E. S.
(149) “[elles] hauiao derrubado a parede fronteira da sua capella da paixão de cristo”
[CV, 26, 22, 260]
As formas com o particípio passado, na formação do tempo composto, não podem
ser inseridas apenas em uma única classe morfológica. Essa dupla possibilidade nos remete,
assim como aconteceu na passagem de um verbo pleno a um verbo auxiliar, ao que Hopper
(1991) denomina como layering ou estratificação, pois, nesse período, o novo e o velho
coexistiam num mesmo domínio funcional da língua.
Isso nos mostra que, no processo de formação das construções perifrásticas, o
particípio passado, muitas vezes, possui um comportamento híbrido/ambíguo, apresentando
mais de uma função.
Formas [V+do] : [+Adj]
Formas [V+do] :
[+Adj]/[+V]
Formas [V+do] : [+V]
como
Podem funcionar, a depender Funcionam
do contexto, ora como predicadores da sentença
predicadores,
ora
como
predicativos (qualificadores)
Não funcionam como
predicadores
Quadro 8 - Funções do particípio passado
Como já se viu, uma das características das formas [V+do] não-verbais é que podem
concordar em gênero e número com o N (nome) que modificam, possuindo o traço [+Adj]:
(150) “e como per ellas seguymos as grandes virtudes que per as vyda nos tem
demonstradas” [LC, 12, 171]
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Almeida, E. S.
(151) “as ditas pippas de vinho que elles tinhao arbitradas para cada hum ano” [CV, 6,
92, 210]
A concordância é, pois, um fato que nos faz creditar ao particípio, em (150) e (151),
uma noção mais [+Adj], uma vez que é uma propriedade do adjetivo concordar com o nome
a que se associa. Nos dois exemplos acima, os verbos ter e haver, com interpretação plena,
predicam a sentença e são seguidos por um particípio passado adjetivador do complemento.
Quando o particípio adquire a função de exclusivo predicador da sentença, há o que
Hopper (1991) e Heine (1991) denominam decategorização ou recategorização na acepção
de Castilho (1997), pois ocorre uma mudança de classe, uma vez que o particípio
adjetivador perde algumas propriedades sintáticas da categoria original de adjetivo quando
passa a predicar a sentença, funcionando mais como [+V]. Assim, temos:
PARTICÍPIO
PASSADO
ADJETIVADOR--------->PARTICÍPIO
PASSADO
PREDICADOR
A fixação da ordem dos constituintes na sentença parece ter sido um dos pontos
fundamentais para a gramaticalização da estrutura participial. Segundo Lehmann (1985), os
itens gramaticalizados passam por um processo de fixação, que acarreta a perda da
liberdade sintática dos elementos na sentença, passando-se a ter uma ordem mais fixa. A
fixação faz com que o elemento gramaticalizado perca a “autonomia sintagmática”.
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Almeida, E. S.
Os verbos ter e haver, na passagem de verbos plenos a auxiliares de tempo
composto, são reanalisados, por causa do uso produtivo em certos contextos, assumindo
novas funções sintáticas e morfológicas:
FORMA LIVRE /AUTÔNOMA > FORMA PRESA DEPENDENTE
ITEM COM SIGNIFICADO COMPLETAMENTE REFERENCIAL > ITEM COM
SENTIDO GRAMATICAL/ GENÉRICO ou ESVAZIADO (“bleached”).
Esses dois verbos partem de uma forma livre, com um significado referencial, em
direção a uma forma presa, dependente da significação do particípio, que assume um valor
aspectual. Nestes contextos, ter e haver migram para um valor gramatical de auxiliar de
tempo composto. Ao analisar o processo de gramaticalização desses dois verbos, observase um extremo entre a possível forma originária e a forma resultante.
Assim, a perífrase verbal cristaliza-se na língua quando os verbos ter e haver
passam apenas a denotar as categorias verbais de tempo, modo, pessoa, número e aspecto.
A livre possibilidade de estruturação sintática dos constituintes é interrompida a partir da
forte coesão sintática da perífrase verbal. Todos os elementos que poderiam se situar entre
ter/haver e a forma participial passam a ocupar apenas a periferia da locução verbal.
O suporte da sociolingüística reforça, assim, os resultados da análise funcionalista,
ao apresentar resultados quantitativos dos condicionamentos que levaram à implementação
da mudança de ter/haver plenos a auxiliares.
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Almeida, E. S.
6. CONCLUSÕES
As considerações feitas a respeito da formação do tempo composto com os verbos
ter e haver, ao longo de largo período de tempo – século XIII ao XVII-, a partir da análise
dos dados, permite-nos chegar às seguintes constatações:
a) Nas estruturas participiais, o verbo ter é o mais usado, desde o século XIV, seja na
função de auxiliar de tempo composto, seja nas estruturas de verbo + particípio flexionado.
Apresenta-se a distribuição geral dos verbos ter e haver nas construções participiais no eixo
diacrônico, aí incluídos os percentuais dos séculos XVIII, XIX e XX, retirados de Almeida
(2003).
Ter/haver + particípio ao longo dos
séculos
100%
80%
60%
40%
20%
0%
XIII
XIV
XV
XVI
ter
XVII XVIII
XIX
XX
haver
Gráfico 1- Freqüência de uso de estruturas participiais do século XIII ao XX
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Almeida, E. S.
b) O processo de gramaticalização ocorreu de forma gradual -- conforme prevê a hipótese
da gramaticalização -- até a sua completude no século XVIII, verificada no trabalho de
Almeida (2003). A variação na concordância do particípio ocorria mesmo que ter e haver já
estivessem esvaziados semanticamente, por ser, muitas vezes, apenas uma marca
morfológica que se manteve no conteúdo da forma. Justifica-se, assim, a presença tanto de
estruturas formadas por verbo + particípio flexionado, em que haver e ter permanecem
como núcleo do predicado, com valor de posse, como estruturas em que esses dois verbos
passam a auxiliares;
c) O século XVI é um importante período de transição, já que, nesta fase, há predominância
de particípios sem concordância com complementos no masculino-singular, que
precedem a estrutura participial, com a configuração típica do tempo composto.
d) O contexto discursivo em que os verbos ter e haver estavam inseridos é um fator
fundamental para discutir a questão da auxiliaridade: a presença do particípio
concordante era favorecida quando o objeto direto fora previamente selecionado, ou
seja, quando se localizava à esquerda do predicador. Nos contextos em que o objeto
aparece depois da estrutura participial favorece a não-flexão e, por conseguinte, à
formação do tempo composto, uma vez que há uma maior integraçãoentre ter e haver e
a forma participial;
e) A presença do elemento anafórico, retomando o complemento já previamente
mencionado, favoreceu a interpretação da construção participial como composta, por ser
um elemento de co-referenciação;
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Almeida, E. S.
f) As formas [V+do], nas estruturas participiais, podiam ser [+Adj] ou [+V], ou seja,
podiam situar-se na fronteira entre verbos e adjetivos e a indicação de que a forma
[V+do] adquiriu o traço [+Adj] é dada pela possibilidade de concordância do SN com o
complemento;
g) Nas construções compostas prototípicas, verifica-se uma forte coesão entre ter e haver
auxiliares e o respectivo particípio, com perda de autonomia e posterior cristalização da
estrutura (Lehmann, 1985);
h) A propriedade sintática de livre liberdade de estruturação dos constituintes na estrutura
sintagmática serve de parâmetro para categorizar, em alguns casos, as formas [V+do]
como adjetivos e não como verbos. À medida que a ordem da seqüência TER/HAVER +
PARTICÍPIO PASSADO foi se tornando mais fixa, ou seja, com a fixação da estrutura
(Lehmann, 1985) no eixo sintagmático, os verbos ter e haver passam a auxiliares e as
formas [V+do] passam a predicar a sentença, adquirindo o traço [+V];
i) O particípio que forma as estruturas de tempo composto apresenta o traço [+ verbo] e
difere das formas participiais adjetivais, por ser o predicador da sentença, mas, mesmo
sendo responsável pela estruturação sintática e semântica da sentença -- que é uma
característica do verbo --, mantém resquícios de sua base adjetival, por não apresentar
flexão de tempo/modo, assim como os adjetivos. Nesse sentido, os verbos auxiliares
também mantiveram características da forma original – verbos plenos – que é a de
manter as marcas morfológicas de tempo/modo/número e pessoa;
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Almeida, E. S.
j) Ter e haver auxiliares de tempos compostos podem ocorrer com argumentos externos que
desempenham variadas funções semânticas. Ao serem interpretados como verbos
auxiliares, são os predicados que determinam as condições semânticas para exercer a
função sintática de sujeito da predicação (argumento externo) e não os verbos haver ou
ter.
- 132 -
Almeida, E. S.
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- 141 -
Almeida, E. S.
ANEXOS
•
SÉCULO XIII
CORPUS DA LINGUAGEM DOS FOROS DE CASTELO RODRIGO
Critérios de transcrição dos contextos desse corpus:
[FCR, 1, 93] → abreviatura do documento, número da linha, da página
[...] → lacuna de um trecho no documento
DADOS:
1)
[...] E qui demonstrare plazo sobre sua bestia que uaya a collacion hu aya alcade e dixere:
<<outro plazo auia iulgado de alcalde a outra collacion >>, dé uerdat e [...] uaya a la
collacion hu demonstra // o plazo. [...] [FCR, 18, 32]
2)
Todo aldeano que casa ouere en uila, seia uizino, sea touer poblada con sua moller, e dé
altercero recabdo por todas suas postas en sua collacion; e, si assi non fezer, non seia
uinzino. [FCR, 16, 34]
3)
Toda calona que omne ouer a peytar, déla // dublada com .III. mor. Tod au[er] manifesto
delante alcade, denlo a .IX. dias. [FCR,10,37]
- 142 -
Almeida, E. S.
4)
Tod omne que pennos alleos touer por sdeu auer enprestados ou mudados // ou pennos
rematados e o sennor dos pennos os non queser sacar, aquel que ten os pennos fagale
testigos con .III. uizinnos; [...] [FCR, 12, 40]
5)
Tod omne que pennos alleos touer por sdeu auer enprestados ou mudados // ou pennos
rematados e o sennor dos pennos os non queser sacar, aquel que ten os pennos fagale
testigos con .III. uizinnos; [...] [FCR, 12, 40]
6)
[...] E, si ena terra non fore e parentes ouuer, meta suas bestias e faga quanto mandaren
alcades. E, si las bestias non metire, seia inimigo de concello e daquel queo desafio; e, si
omne ouuer morto, seia inimigo de seus parentes e do concello. [...][FCR, 18, 47]
7)
[...] E qui a morado[r] ouer a dar ygualla ou iurar ou firmar, si uizinos leuare, non caya por
isso. E, en estas yguallas, non iure soldadero de sennor de terra ni omne que proba aya
feyta que uincisse. [FCR, 21,53]
8)
[...] Qvi ouer a firmar delante alcade, firme qual iuyzio iulgare; e, si non firmare, caya; e
non faça manna antes alcade, mas el alcade digales el iuyzio comolo iulgo; e, si nonlelo
dixere, sea periurio e peyte la demanda. E la una firma digalo per uerbo, comolo ten
iulgado; e las outras firmas digano, perla iura que feçeron, que tanto firman e tanto
outorgan quanto elle. [...] [FCR, 5, 54]
9)
[...]Isto he por que dizian muytos omnes de poys: <<fezeste al comigo>>. E auer iulgado,
delant alkade denlo. E ningun omne que auer ouer a dar a outro, délo ante.III. testigos o .I.
alkalde. E, si de poys negare quellelo non dio, façan del iusticia. [FCR, 22, 54]
- 143 -
Almeida, E. S.
10)
Ningun omne que morire, ou moller, e fillos ou fillas oueren, e el baron tomar moller ou a
moller marido, e non oueren partido con seus fillos, e de poys outros fillos fezere, e de
poys morire el ou ela, conlos fillos primeyros parta herencia e moble quele pertenece e de
poys parta conlos outros fillos. [...] [FCR, 19, 63]
11)
[...] E, si el sennor dixere: <<malme seruia>>, délle .I. christiano que iure aquesto e délle
quanto auia seruido; e, si non queser iurar, délle sua soldada. [FCR, 15, 76]
12)
Tod auer iulgado de alcades por dar a .IX. dias, non se pare tras ferias nin tras outras
respusas. E outras firmas e iuras, quando mandaren alkaldes responder, que geytaren la
resposta, responda cada uno a seu plazo. [FCR, 11, 78]
13)
[...] E, si dixere: <<non posso auer quemo deu ou quemo uendio>>, (e) iure queo conpro ou
quello deron e nolo pode auer, e délo a aquel que demanda. E el que demanda dé fiador
queo tenna manifesto fasta medio anno. [FCR, 16, 82]
14)
Qval quer omne de Castel Rodrigo que ena uila touere casa poblada con omne que coma
seu pan e faça seu seruicio, dé seu dezmo e primicias ena uila e hi faça toda sua fazendeyra
e aia foro assi como uizinnos de uila [...] [FCR, 16, 87]
15)
[...] Hos ferradores que has ferraduras peytaren por maas o por maos clauos, // hos
ferradores que has oueron feytas dubrenas a hos ferradores; si non, peyte; e, si la bestia non
metire, prinde pennos de mor. [...] [FCR, 24, 92]
- 144 -
Almeida, E. S.
16)
Auer iulgado de alkaldes; e quando foren en almofalla. [FCR, 13, 106]
17)
Qvi rapar auer dado a partir. LV.// [FCR, 10, 107]
18)
Tod auer iulgado de alcades o de conuinidores, non aian ferias nin solturas.[...] [FCR, 13,
114]
•
SÉCULO XIV
CORPUS DO LIVRO DAS AVES
Critérios de transcrição dos contextos desse corpus:
[LA, 1, 93] → abreviatura do documento, número da linha, da página
DADO:
1)
[...] E por esso se aparta nos logares desertos e soos per que entedemos a claustra em que
se enserrã os religiosos pera fugire aos prazeres do mudo e podere melhor chorar os seus
pecados [e te]ere sas almas mais assessegadas e mais firmes [no amor] de Deus. [...] [LA,
18, 25]
- 145 -
Almeida, E. S.
CORPUS DOS QUATRO LIVROS DOS DIÁLOGOS DE SÃO GREGÓRIO
Critérios de transcrição dos contextos desse corpus:
[DSG, 1, 93] → abreviatura do documento, número dos diálogos, da página
[...] → lacuna de um trecho no documento
[ ] → ininteligibilidade do documento
DADOS:
1)
[...] E porque o abade sabia que os homens da terra o honravan muito e que o amavan,
cuidou-se ca se queria ir do moesteiro polo torto que lhi avia feito e disse-lhi. [DSG, 9, 9]
2)
[...] Ca, segundo como homen sofre as viltanças que lhi fazen e os costos que lhi dizen en
pessoa, assi pode homen entender a homildade ou a sobérbia que no su coraçon ten
asconduda. [DSG, 14, 21]
3)
[...] E porque aquel moesteiro estava em cima duu monte muito alto, non parecia nen huu
campo chãão en que podessen fazer horta de verças pera os frades que comessem, tirado
huum mui pequenino logar que aparecia na costa do monte, pero era embargado per huu
gram penedo que nascia hi naturalmente e tiinha todo o logar coberto. [...] [DSG, 10, 23]
4)
E pois foi manhãã veeron os fradee e acharon o penedo muito alonjado daquel logar que
eles avian mester, en tal maneira que ouveron * o logar desembargado e mui gran espaço
e mui largo, pêra fazer horta de verças pera os frades que fazer querian. [DSG, 14, 23]
5)
[...] E, porque na voontade de Deus era ordiado que cumprisse a oraçon de Santo Anastacio
que avia de fazer que morresse este frade que prestumeiro morreu e, assi como o tiinha
ordihado, assi se sabia que se avia de fazer. Pero esso, Pedro, non fez Deus senon aquelo
que ordinhado tiinha e aquelo que primeiramente soubera que se avia de fazer ante que o
mundo fosse feito. [...] [DSG, 23, 26]
- 146 -
Almeida, E. S.
6)
[...] E, porque na voontade de Deus era ordiado que cumprisse a oraçon de Santo Anastacio
que avia de fazer que morresse este frade que prestumeiro morreu e, assi como o tiinha
ordihado, assi se sabia que se avia de fazer. Pero esso, Pedro, non fez Deus senon aquelo
que ordinhado tiinha e aquelo que primeiramente soubera que se avia de fazer ante que o
mundo fosse feito. [DSG, 24, 26]
7)
- Todalas cousas que o nosso remiidor fez per seu corpo mortal que ouve foron exemplo a
nós de o seguir segundo nosso poder. Onde porque o miragre que fez quando os cegos
alumeou quis que jouvesse ascondudo e pero non se pôde asconder. [...] [DSG, 26, 29]
8)
E pois aquesto disse, entrou o bispo na eigreja de Santa Maria e, teedo as mããos alçadas e
o manto tendudo, começô a rogar que lhi desse onde podesse amansar a sanha do clerigo,
que era tam bravo e tan felon contra ele pólos dinheiros que lhi tomara. [...] [DSG, 12,31]
9)
E pois aquesto disse, entrou o bispo na eigreja de Santa Maria e, teedo as mããos alçadas e
o manto tendudo, começô a rogar que lhi desse onde podesse amansar a sanha do clerigo,
que era tam bravo e tan felon contra ele pólos dinheiros que lhi tomara. [...] [DSG, 12,31]
10)
[...] E parando el mentes ao manto que tiinha tendudo antr'os bra‡os achou XII soldos en
ouro e espandecian tan muito como se naquela hora saissen da frávega. [DSG, 13, 31]
11)
[...] E pois que esto vio, dava con sas palmas e con seus punhos en seu rostro e dezia que
avia perdudo todo aquelo per que se avia de manteer todo o ano. [...] [DSG, 10, 33]
12)
[...] En outra maneira saimos nos ainda de n¢s contemplando e cuidando no bem qaue nos
Deus fez e que nos pode fazer nos deleitos e nos prazeres que el ha e que ten aparelhados
pêra aqueles que seus amigos son. [...] [DSG, 44,.52]
13)
- Assi como eu cuido, Pedro, ali deve homem sofrer aqueles que son maaos, quando * son
muitos ajuntados ensembra huu a outros bõõs per cujos bõõs eixemplos se podem correger
... sol a seer o trabalho vãão, e por esso o deve homem leixar e, moormente, se homem pode
- 147 -
Almeida, E. S.
logo aver aprestiados logares e companhas en que e con quen possa fazer moor serviço a
Deus. [...] [DSG, 55, 53]
14)
[...] E os sobérbios * e os maos aos homeesviron a sa morte despreçaron-no e os bõõs e os
homildosoa que o viron resurgir ouveron gloria e prazer, ca creerom e foron certos como o
seu senhor, que morto fora, resurgiu ao tercer dia, assi resurgirian eles depola morte no
tempo que Deus pera esto tinha assinaado. [...][DSG, 37, 60]
15)
Huum dia, trabalhando-se os frades de fazeren cela em que morassen naquel logar de que
deitaron o idolo, viron hua grand pedra jazer ante si que tiinhan guardada pera poer por
fremosura de lavor que querian fazer. [...] [DSG, 2, 61]
16)
[...] Ca a nos mostrou pelo seu espiritu aquelas cousas que ten aparelhadas pera os seus
amigos, que nunca viu olho, nem orelha ouvio, nem subiu en coraçon d'homen. [DSG, 26,
68]
17)
[...] E porende aqueles juizos que Deus ten ascondudos e non-nos ensinou ainda aos seus
amigos, diz o apostolo que se non podem compreender nen compridamente entender, mais
aqueles juízos que el já ensinou aos seus amigos son aqueles de que o profeta David disse
que pronunciara e ensinara ao seu poboo. [...] [DSG, 38, 69]
18)
[...] Enton apareceu a todos abertamente que nen hua cousa tan asconduda non podia seer
que o santo homem de Deus non podesse saber, pois el viia e entendia os cuidados que os
homens teen ascondudos en seus corações. [DSG, 10, 72]
19)
[...] E como sol acaecer que alguus, porque son d'alto liagen despreçam os outros que son
mais chegados a Deus ca eles, porque non som tan alto sangui, acaeceu que aquelas nonjas
porque ainda non refrearon ainda nen tiinhan castigadas sas lenguas dezian muitas
palavras desaguisadas aaquel santo homen que as servia per que o metian en muita ira e en
muita sanha. [...] [DSG, 7, 76]
20)
[...] E mandou-lhi legar as mããos mui fortemente e ele subiu en seu cavalo e disse ao
homem que queria espeitar que fosse ant'el e que lhi mostrasse quen era aquel San Beento
que aqueles seus bees tinha guardados. [...] [DSG, 7, 83]
- 148 -
Almeida, E. S.
21)
[...] E disse logo aos frades que sa irmãã era passada deste mundo e mandou-lhis logo que
fossen polo seu corpo e que o trovessen ao moesteiro e que o soterrassen naquel muimento
que lh'el tinha aparelhado. [...] [DSG, 4, 87]
22)
[...] E assi os homens boos daquela cidade colhian cada ano seu pan e seu vio e todalas
outras cousas per que se mantiinhan que tinhan semeadas ou chantadas nos campos.
[DSG, 9, 106]
23)
[...] Mais el-rei pois ouviu, deu pouco por ele e despreçoo-u e seendo-lhi mui [ ]udo
mandou aos seus homees que o prendessem e que tevessem guardado pera lho presentear
quando el mandasse por ele. [...] [DSG, 5, 110]
24)
[...] E acaeceu entom no tempo de rei Totilo, enmiigo de Deus e dos cristãos, a hoste dos
godos teve cercada aquela mesma cidade de Parusio per sete anos continuadamente e pela
gram fame que aviam aqueles que na cidade jaziam cercados, muitos cidadãos que a fame
non podian sofrer fugiron. [DSG, 5, 111]
25)
[...] Seendo huu dia en sa pousada que estava preto da eigreja, ouvio hua molher chorar mui
dooridamente de noite sobre seu marido que tinha morto na eigreja, ca o non poderon
soterrar de diia porque morrera escontra a vespera. [...] [DSG, 6,124]
26)
[...] E assi podemos entender como viveu este San Paulo depois que o nosso Senhor
chamou de fundo do inferno a que tiinha já sa alma obligada e chamô-o pera a gloria do
paraiso per mui santa vida que feze, assi como já de suso dissemos. [...] [DSG, 39,126]
27)
[...] E non te deves, Pedro, a maravilhar daquesta monja poder fazer tan gram miragre, ca
non he maravilha, Pedro, se aqueles que deus ten escolheitos pera a gloria do paraiso
poden * fazer muitos miragres dementre viven, pois os seus ossos depôs as morte fazen
viver os mortos assi como parece muitas vegadas per muitos miragres. [DSG, 27,131]
28)
[...] E pois en este comeios veo a festa de Pasqua e enviou a el seu padre de meia noite huu
bispo da seita dos hereges que o comungasse, e, se quisesse das sas mãos receber a
- 149 -
Almeida, E. S.
comunihon que el consagrara, come mao escomungado e herege e partido dos bees da
eigreja de Deus recebe[ ]-a seu padre en sa graça e per-doar-lh'ia quanto avia feito. [....]
[DSG, 11,144]
29)
E o santo homem fez o que lhi madaron e, teedo el o colo estendudo, vio a espada tirada
contra si e disse publicamente aqueste palavra: [DSG, 62, 156]
30)
[...] ca sen duvida a todos apareceu quam gram santidade era no santo homem que tan
fortemente tevera no aar legado o braço e estendudo do seu escabeçador. [DSG, 65, 157]
31)
[...] ca sen duvida a todos apareceu quam gram santidade era no santo homem que tan
fortemente tevera no aar legado o braço e estendudo do seu escabeçador [...] [DSG, 65,
157]
32)
E o lombardo que avia o braço perdudo porque o tendera, assi como o homen diz, contra
nosso senhor, ca o tendera contra o seu servo, pola pea grande que sofria coitou-se pera
prometer o que lhi demandavan, e enton prometeu que nunca matasse cristão. [...] [DSG,
69, 157]
33)
[...] E Salomon ainda disse que á hi huu tempo d’enviar as pedras e outro tempo de as
colher, ca a fin do mundo quanto se mais achega quanto mais se faz mester que as pedras
vivas, per que entendemos os homens santos se devan a acolher e a apanhar pera fazer
aquela morada do ceo, ata que cresca aquela cidade de Jherusalem, que quer dizer vista de
Paz, de que todolos boos deven ser cidadãos, per juntamento dos boos que Deus ten
escolheitos tanto quanto El sol sabe e non outrin. [...] [DSG, 104, 159]
34)
[...] Muitas outras cousas, Pedro, foron pera contar dos feitos maravilhosos dos
santos homees que Deus ten escolheitos pera si, mais ora calo-me deles e non-nos conto
porque me acoito pera contar outros feitos de que ei gram prazer. [DSG, 130, 160]
35)
[...] Mais rogo-te que me sofras e que te non deixes contra min, ca eu quero ti fazer
demanda en pessoa daqueles homens que non son muito entendudos e son de fraco
- 150 -
Almeida, E. S.
entendimento e pola verdade que mi tu dirás averan proveito os que pouco entenden, ca
non averan as duvidas que avian. [DSG, 38,167]
36)
[...] E, porque as grandes peas que Deus dá en este mundo aos homens por seus pecados,
non-nas poderian sofrer se graça del non ouvessen pera aver paceença com que a sofressen,
porende, metendo Deus mentes na nossa enfermidade, dá aqueles que ama come filhos que
ten escolheitos pera gloria do paraiso paceença pera sofrer as peas en que os leixa viver,
onde e per que aja depois de que se amercee deles. [...] [DSG, 7, 173]
37)
[...] "Os homens quando en essa terra foren averan os bees dobrados” [...] [DSG, 21,190]
38)
[...] E porque ele avia as maaos gotosas e os pees outros tal e tinha-os mui inchados e
chagados dua enfermidade que chaman podagra e deitava sempre de si muito lixo, sol que o
desnuaron e lavaron seu corpo, assi como soen a fazer aos mortos, acharon as sas mããos e o
seus pees tan ben sãos como se nunca ouvessen nen hua enfermidade. [...] [DSG, 13, 194]
39)
[...] E porque ele avia as maaos gotosas e os pees outros tal e tinha-os mui inchados e
chagados dua enfermidade que chaman podagra e deitava sempre de si muito lixo, sol que
o desnuaron e lavaron seu corpo, assi como soen a fazer aos mortos, acharon as sas mããos e
o seus pees tan ben sãos como se nunca ouvessen nen hua enfermidade. [...] [DSG, 13, 194]
40)
[...] E a mha cabeça ja a el ten metuda na sa boca e porque, me atormenta mui forte, idevos e acabará o que há de * fazer, ca pois non lhi eu sõõ dado pera me comer dementre vós
comigo estades. [...] [DSG, 17, 215]
41)
E assi aquele como a este Theodoro ouve prol a pea do outro mundo que vio que lhi
tiinhan guardada, assi a outro que dezian Crisauro non profeitou nemigalha aos spiritos
maaos que vio ante que lhi a alma saisse do corpo, assi como soia contar Probo seu coirmão
de que eu ja suso falei. [DSG, 29, 216]
42)
[...] O ferro he mais rijo e mais forte ca nen huu outro metal, mais polo ferro e pola terra
que eran ensembra juntados de que eran feitos os pees da imagen, entendemos o reino
quinto que non pode muito durar porque as gentes que en ele som de desvairados custumes
- 151 -
Almeida, E. S.
e non convee, nen se juntam bem huus con os outros ca ham desvairados coraçäes. [DSG,
31, 229]
43)
[...] E en este dia as tee guardadas por façanha desta cousa e por dar testemunho do que
acaeceo en aquela egleja. [...] [DSG, 1, 234]
44)
[...] E per esta façanha deves a entender, Pedro, que vingança do Nosso Senhor tomaria
daquela alma cujo corpo non quis que jouvesse na egreja soterrado. [...] [DSG, 1, 234]
45)
[...] E ante que morresse disse a esse seu irmão Copioso que tiinha tres soldos ascondudos
en ouro e esta cousa nen se pode asconder aos frades; [...] [DSG, 7, 236]
46)
[...] E quando for morto non soterren o seu corpo no cimiterio en que soterran os outros
frades, mais fazede-lhi hua cova en huu monture e deitade sobr'el os tres soldos que teve
ascondudos e digan todos os frades ensembra grandes vozes: “o teu haver seja contigo en
perdiçon”. [...] [DSG, 14, 237]
47)
[...] E en taaes duas cousas que eu mandei fazer, a hua por prol da alma do morto, ca depois
que se visse desemparado na hora da morte dos seus frades polo soldos que tevera
ascondudos averia margura en seu coraçon do pecado porque lhi tanta viltança viinha. [...]
[DSG, 16, 237]
- 152 -
Almeida, E. S.
•
SÉCULO XV
CORPUS DA VIDA DE TARSIS
Critérios de transcrição dos contextos desse corpus:
[VT, 1, 9v] → abreviatura do documento, número da linha, do fólio
[...] → lacuna de um trecho no documento
DADO:
1)
[...] E hua voz veo / do çeeo que lhe disse: -Nom he do abbade Antonio, / mais he de Tarsys
aquella molher que jaz emçarra/da. E Paulo o cõtou en outro dia ao abbade Pan/unçio. E o
abbade Panuncio foy hu ella jazia / e disse-lhe: -Perdoado te tem Deos os teus pecados./ E
ella lhe disse: - Despoys que aqui jaço de todolos / meus pecados fige hua carrega e pugy-a
ant(e) / os meus olhos e senpre me deles doy. [...] [VT, 9, fol. 67v]
CORPUS DA VIDA DE SANTA PELÁGIA
Critérios de transcrição dos contextos desse corpus:
[VSP, 1, 9v] → abreviatura do documento, número da linha, do fólio
[...] → lacuna de um trecho no documento
DADO:
1)
[...] Entom sua madre Romana dise / a ella: - Ffilha, sina-te do sinal de Jhesu Cristo e
renu[@]cia o di/aboo e toda sua ponpa. E como ela fez o sinal da / cruz e chamou o nome
de Nosso Senhor Jhesu Cristo, // de todo em todo o diaboo nom pareceo mays. Depois /
desto dous dias dormindo Pelagia com sua madre / Romana veo o diaboo e disse: - O
mynha senhora e/ amyga Margarida que mal te hey eu fecto? Por certo / eu te horney e
afeytey de muytos hornamentos e de / muytas e nobres pedras preciosas[...]. [VSP, 35,
fol.80v]
- 153 -
Almeida, E. S.
CORPUS CRONICA DO CONDE DOM PEDRO
Critérios de transcrição dos contextos desse corpus:
[CDP, 1, 9v] → abreviatura do documento, número da linha, da página
[...] → lacuna de um trecho no documento
DADO:
1)
[...] Deyxo os da ilha de Rrodes, que casy sempre guerream com hos turcos, pero hus nem
os outros não ouverão tam comtynuadas pellejas com hos ymfies como aquellas que os
nossos naturaes com elles ouverão depois que aquela çidade foy trazida ao seu senhorio,
nem creo que antre os cristãos se ache rregno que contynamemte tenha casy tres mill homes
na guerra dos ymfies, pellejamdo ou per maar ou per terra e as vezes jumtamemte, como o
nosso rrey comtinuadamemte mamtem, nunca queremdo rreçeber paz nem tregoa, como
quer que lhe per vezes fosse cometyda. [...] [CDP, 164, 9]
CORPUS DA MORTE DE SÃO JERÓNIMO
Critérios de transcrição dos contextos desse corpus:
[MSJ, 1, 9v] → abreviatura do documento, número da linha, do fólio
[...] → lacuna de um trecho no documento
DADO:
1)
Esta he a morte do bem Aventurado Sam Jeronimo: / Con lagrimas continuadas teendo as
m/ããos alcadas ao ceo calou hum pouco/ e depois oolhou contra os hirmãos e dise-lhes [...]
[MSJ, 1, fol. 89v]
2)
[...] Tu /e senhor tam grande e tamanho estas aqui ag/ora como foste posto na Cruz e
recibiste por / my [ ] o tormento da morte por que matases a morte//em que eu avia caido
por os meos pecados.[...] [MSJ, 7, fol.91r]
- 154 -
Almeida, E. S.
3)
[...] E pera. que / cobrases as almas dos sanctos padres antigos os / quaes tinha o diabo nas
moradas do inferno / e por que revocases a vida sem fim a hum/anal natura que aviia caydo
em] a morte perdura/vel trautada per ty a paz ante o teu padre/ e a natura humanal. [...]
[MSJ, 7, fol.91r]
4)
Oo senhor poderoso aos quo/renta dias pasados da tua maravilhosa resu/rrecom en os quaes
per experiências certas mostraste aaveres resuscitado, per ti quebrantados os / infernos e
porque nõ ficase nenhua sospey/ta diante todos (t)eos discipolos por a tua virtude / propria
sobiste aos ceeos, sees a destra parte do p/adre sem fim. [...] [MSJ, 8, fol.91r]
CORPUS DA CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA
Critérios de transcrição dos contextos desse corpus:
[CPVC, 1, 9v] → abreviatura do documento, número da linha, do fólio
[...] → lacuna de um trecho no documento
DADOS:
1)
[...] e dom¡ngo xxij do dito mes aas x oras pouco mais ou menos ouuemos vista das jlhas
do cabo verde [...] [CPVC, 21, fól.1r]
2)
[...] Eaaquarta feira segujmte pola manhãã topamos aves aque chamã fura buchos e neeste
dia aoras de bespera ouuemos vista de tera .silicet. primeiramente dhuu gramde monte muy
alto [...] [CPVC, 2, fól.1v)
3)
[...] e chegariamos aesta amcorajem aas x oras pouco mais ou menos e daly ouuemos vista
dhomees que amdauam pela praya obra de bij ou biij segundo os nauuos pequenos diseram
por chegarem primeiro [...] [CPVC, 17, fól. 1v]
- 155 -
Almeida, E. S.
4)
[...] e agoa e em querendo ocapitam sair desta naao chegou sancho detoar com seus dous
ospedes epor ele no teer ajnda comjdo poseranlhe toalhas eveolhe vianda e comeo [...]
[CPVC, 31, fól.10v]
5)
Esta terra Senhor me pareçe que dapomta que mais contra osul vimos ataa outra ponta que
contra onorte vem de que nos de que nos deste porto ouuemos vista / sera tamanha que
auera neela bem xx ou xxb legoas per costa [...] [CPVC, 3, fól.13 v]
CORPUS DO LEAL CONSELHEIRO
Critérios de transcrição dos contextos desse corpus:
[LC, 1, 93] → abreviatura do documento, número da linha, da página
[...] → lacuna de um trecho no documento
DADOS:
1)
Muyto prezada e amada Raynha Senhora: vos me requerestes que juntamente vos mandasse
screver screver alguas cousas que avia scriptas per boo regimento de nossas
conciencias e voontades. [...] [LC, 3, 1]
2)
[...] E por seerem alguas cousas sobre si tempo ha scriptas, nom levam tal forma como se
todas juntamente sobr’este propósito forom ordenadas. [...] [LC, 19, 2]
3)
[...] E por que ao presente de sua mercee tem esta virtude outorgada em estes Reynos antre
senhores e servidores, maridos e molheres, tam perfeitamente que outros naum sey nem
ouço que mais melhor della husem, dos quaaes pois elle dessa boa graça me outorgou
principal regimento, me sinto muyto obrigado de a sempre manteer e quardar a todos, e a
- 156 -
Almeida, E. S.
vos mais per obrigaçom de grandes razoões e requerimento de minha boa voontade. [...]
[LC, 29, 3 ]
4)
[...] E pera boo avisamento se requere natural sotileza do entender, com boa nembranca
continuada do que demanda cadahuu feito, e desejo grande pera os acabar perfeitamente,
com tal receo de mingua e fallecimento nom se ocupando em outras cousas que torvem o
cuidado ou deligente obra, dando sem tardança devida execuçom no que ouver bem
penssado. [...] [LC, 22, 8]
5)
[...] Dou porem consselho que, por grande que alguem a ssynta, que nunca em ella muyto
se confii, por que fallece ligeiramente onde compre per muitas guisas, e porem sempre se
proveja em toda cousa que bem poder de poer as cousas em scripto ou mandar que o
lembrem, como se penssasse que a fraca tevesse. Ca, segundo tenho praticado, esta he a
mais certa maneira da arte memorativa, ainda que bem sey como a outra muytas vezes
presta em tempo de necessidade aos que a bem sabem, se teem razoadamente a natural. [...]
[LC, 13, 14]
6)
[...] E assi quando desemparom a(o) honrrada maneira de sseu viver e se lançom a lavrar ou
trautar de mercadaria, todo dalli vem, o que a huus e aos outros nunca deve seer
conssentido, salvo se alguu defenssor passasse de LX anos e ja bem se ouvesse governado
em sa mancebia e fosse trazido a fraca desposiçom, atal bem lhe deve seer outorgado que
cesse dalguus cárregos de cavallaria se a necessidade muito nom o demandar. [...] [LC, 14,
20]
7)
[...] Quarta, por acrecentar nos stados, terras e fazendas, o que se faz poendosse boo
proviimento no que ouvermos, e com boa deligencia e avisamento nos despoermos a toda
cousa de nossos avançamentos que aos stados de cadahuu convenham, tendo despesas
razoadas pera nossa renda. [...] [LC, 22, 34]
8)
[...] E esso medês deve consiirar nos pecados e erros que contra el fez, e na myngua da boa
pratica contra senhores e amygos e servidores, ou aldemenos que nom tem feito acerca
delles tanto quanto devya per que lhe ajam grande obrigaçom pêra o muyto amarem ou
servirem. [...] [LC, 11, 38]
- 157 -
Almeida, E. S.
9)
E quard[e]sse muyto de pensar aver em este mundo vyda nem cousa perfeita, ca esto nom
pode seer, por que nosso senhor o tem ordenado pera a sua sancta gloria mes do que ouver
seja contente. [LC, 15, 38]
10)
[...] em tal tempo muy virtuosamente responde a ssy medes que nom se tem por tal como
elles, conssiirando os beens e mercees que do senhor deos tem recebidos, dandolhe alguu
conhecimentodel, sentindo do bem e folgança das virtudes, conhecendo que, se fosse
vencido, tal tençom perderia. [...] [LC, 15, 48]
11)
[...] E assy, consiirando o bem da vantagem que synto desta temperanca e fortelleza, me
tenho na conta suso scripta, o que vos screvo por acrecentar aos da tristeza geeral tentados
boa speranca, que muyto lhes fallece, a qual he fundamento de sua cura e saúde. [LC, 3,
73]
12)
[...] Porende eu entendo que muitos no que sobre’esto tenho scripto e adiante screvo, ainda
que per fundamento desvayrados syntom a tristeza, devem com a graça de deos aver
esforço, consselho e avisamento, com grande parte de boa sperança. [LC, 12, 73]
13)
[...] Sobre a quinta dévesse reguardar o que tenho scripto destes sentimentos e de seus
remedios, dessy aver lembrança de quantas vezes semelhante passou daquello que mais
sente enfadamento, e que depois tornou a sseu boo stado. [...] [LC, 5, 85]
14)
[...] E devees ssaber que per desfallecymento de boo stado de cadahuu destes a tristeza
vem, alguas vezes conhecendo donde e outras nom, salvo aquelles que de ssy teem hua
grande industria per muyto special graca, ou per muyta grande pratica de coracom
repousado, que se examyne sem afeicom por o que sente, e a outros dignos de autoridade
ouvio e teem aprendido. [...] [LC, 8, 88]
15)
[...] E o do entender requere bem fazer com folganca em cuidar de compoer em obra, e em
obrando, e desque o tem feito, nembrandolhe que o fez, seendo obra em ssy boa e bem
feita, ou lhe pareça que he tal, ainda que nom seja. [...] [LC, 16, 88]
- 158 -
Almeida, E. S.
16)
[...] E sse vos vêem ameude taaes nembranças, que muyto vos querem derribar em
abaixamentos e menos-preços de vossos feitos, pessoa ou vida, logo vos alçaae, dando
gracas a deos, trazendo aa memoria todos aqueles bees que del avees recebidos de cadahuu
dos sobredictos poderes. [...] [LC, 7, 91]
17)
E pera entender esto, nom compre leer per outros livros, ca poucos acharóm que dello
fallem, mes cada huu vendo o que screvo, consiire* seu coraçom no que ja per feitos
desvairados tem sentido, e podera veer a julgar se fallo certo. [LC, 4, 95]
18)
[...] E tal convem sentyr das semelhantes, porende nom he de perder o bem que per
contriçom do mal avemos recebido, nem per arrepeendimento das cousas per nos bem
feitas o gallardom, que per mercee de nosso senhor del speramos, em nada seja tornado
mais sempre façamos fim de taaes cuydados em louvar seu santo nome[...] [LC, 8, 97]
19)
[...] Quarto, que faz gabar e retraer a quem bem fez, ou arrepeender do que tem dado ou
despeso. [...] [LC, 7, 112]
20)
[...] Quarto, que faz gabar e retraer a quem bem fez, ou arrepeender do que tem dado ou
despeso. [...] [LC, 8, 112]
21)
[...] gançando boo nome com grande sperança daver por mercee do senhor muytos bees na
vyda presente, e em fim sua sancta gloria, deve receber tal folganca, que a pena seja pouco
sentida, e muytas vezes se allegrara, seendo tentado por sentyr que he poderoso de vencer
quem tantos sabedores e grandes pessoas tem vencidas. [LC, 23, 121]
22)
[...] E assy de cadahuu dos males se teem por tam constrangidos que penssam seerem per
sua propria natureza tanto per obrigacom sogeitos a tal pecado, que por todo seu poder
nunca del se poderám curar nem enmendar [...] [LC, 18, 152]
- 159 -
Almeida, E. S.
23)
[...] E porem nom devemos cayr em tal desperaçom per que nos ajamos assy por sogeitos
dalguu principal pecado, que delle nom speremos, com a mercee do senhor, nosso saber,
querer e poder que nos tem outorgado seer livres, ante devemos sperar em sa grande
mysericordia, que per nossos trabalhos e boo esforço vyver[e]mos sempre e acabaremos em
seu sancto serviço. [...] [LC, 17, 158]
24)
[...] E todo este bem consiirando com as obras que fazemos segundo aquel estado que deos
nos deu, e como per ellas seguymos as grandes virtudes que per sa vyda nos tem
demonstradas, poderemos bem sentir como avemos a prymeira parte da caridade. [...] [LC,
12, 171]
25)
[...] Tenho conhecido que nom podem possuyr esta virtude estas pessoas, silicet os
seguydores de sseus prazeres e voontades, os cobiçosos desordenadamente das cousas do
seu proveito e avantagem, e os sobervosos e desprezadores. [...] [LC, 12, 172]
26)
[...] E tenho visto per certa speriencia que faz mais proveitosa guarda em semelhantes, com
acrecentamento damor, prazer e obediente voontade, que nunca os ceumes podem fazer.
[...] [LC, 3, 182]
27)
[...] Quarta, seguranca, que antre ambos seja guardada por muy perfeita teencom que huu
do outro sempre tem avyda. [...] [LC, 17, 182]
28)
[...] Mas antre aquelles casados (em) que he esta mui perfeita maneira damar afirmada per
grande experiencia e boo conhecimento quehuu do outro tem avyda, os ceumes som de
todos scusados ou tam levemente sentidos que a cadahuu nom fazem algua torvaçom ou
empacho. [...] [LC, 8, 202]
29)
[...] Vaam gloria nom recebem, mas real e verdadeiro prazer em que os semelhantes
contynuadamente vyvem, nem do que hum pello outro faz filha desordenado prazer, por
que ja tem determynado que aquello seu boo amygo faria, mas dando graça a nosso senhor
[...] [LC, 13, 202]
- 160 -
Almeida, E. S.
30)
Pera boo conhecymento dos homees e molheres, dizem que sse requere comer com elles
huu moyo de ssal prymeiro que os ajom bem conhecidos. [...] [LC, 3, 205]
31)
[...] Provymento he quando se bem provee que ja tem vysto ou sabido, pêra o melhor saber
ordenar, dar a execuçom per obra ou palavra. [...] [LC, 17, 225]
32)
[...] Provymento he quando se bem provee que ja tem vysto ou sabido, pêra o melhor saber
ordenar, dar a execuçom per obra ou palavra. [...] [LC, 17, 225]
33)
[...] Por que vy muytos fallar se era bem fugyr aa pestellenca, teendo desvairadas
teencooes, afirmando cadahuu a ssua seer mylhor, vos screvo o que dello me parece. [...]
[LC, 5, 228]
34)
[...] Sobre a guarda dos VII pecados e seguymento destas virtudes theollegaaes e
cardenaaes, sobre o que tenho scripto, tem fundamento a dereita devacom, por que os
devotos me parecem [de] tres maneiras. [...] [LC, 21, 259]
35)
[...] Por que determynacom geeral he que das cousas avemos grande conhecimento per suas
defiinçõoes, porem mandei aquy poer alguuas dos VII pecados mortaaes e das principaaes
VII virtudes, de que vos em cyma tenho scripto, segundo per alguus doctores e sabedores
som scriptos. [...] [LC, 20, 260]
36)
Avendo scripta esta reparticom dos pecados suso declarada, vy a que diante se contem em
huu livro que chamom Soma das verdades da theollogia. [...] [LC, 1, 273]
37)
[...] Da compreissom, manha, saber, condiçom, virtudes, em quanto reguardarmos ao que
nosso senhor deos nos tem naturalmente outorgado, por a rrazom suso scripta sempre
devemos seer dcontentes, nunca lançando a el achaque de nossas culpas e fallicimentos.
[...] [LC, 3, 279]
- 161 -
Almeida, E. S.
38)
[...] E por descontentamento todo se faz em contrairo, ca se alguu do que de nosso deos
naturalmente tem recebido, ou das cousas, que se per acontecimentos contra se prazer
recrecem, [...] [LC, 2, 284]
39)
[...] E sse o filhamos de nos por os malles que fazemos, ou avemos feitos, seja filhado com
temperanca, por nom cairmos em continuada tristeza, menos-preço e desordenado
penssamento ou desperaçom. [...] [LC, 24, 284]
40)
[...] Ca estes, penssando que bateteróm em seu nome se decerem aas openyoões ou
determynaçoões alheas, se forem contrairas do que ja em praca tem dicto ou mostrado, (e)
por cousa nunca se vencem, mas com perfia querem levar seus feitos adiante. [...] [LC, 17,
302]
41)
[...] Ca estes, penssando que bateteróm em seu nome se decerem aas openyoões ou
determynaçoões alheas, se forem contrairas do que ja em praca tem dicto ou mostrado, (e)
por cousa nunca se vencem, mas com perfia querem levar seus feitos adiante. [...] [LC, 17,
302]
42)
[...] Com esto concorda huu capitullo que no Livro do Cavalgar avya scripto, o qual aquy
fiz tralladar, de nos guardar de cayr pêra adiante apropriandoo as causas contrarias. [...]
[LC, 9, 310]
43)
[...] E sse presunçom, soberva ou vãa gloria nos querem fazer levantar, e trestombando
cayr, perdendo alguus comecos de bem de alma e do corpo que deos nos tem outorgados,
logo apresentando ante nossa nembranca cam pouco per nos vallemos e podemos,
conhecendo nossos fallicimentos nos guardaremos com sua graça de cayr per os erros suso
scriptos. [...] [LC, 23, 311]
44)
[...] Onde Bernardo: entom se assanha deos mais, quando sse nom assanha, nem tenho
fyuza que el me aja de seer favoravel, quando eu del nom tenho sentido, mas quando o
ssento irado; quando fores, senhor, irado, entom te nembras da misericordia. [...] [LC, 17,
323]
- 162 -
Almeida, E. S.
45)
[...] E alguuas cousas tenho scriptas no livro que faco de ssaber bem andar a cavallo e
fazer as boas manhas que se custumam fazer em elles; e outras que por nom seerem taaes
que a vos perteeçam as nom fiz aquy tralladar. [LC, 22, 342]
46)
[...] E daquy se segue viir a conhecimento quanto mayor sera a que el outorgar por
gallardom
aos scolheitos, da que em geeral se da a boos, e a maaos, e as bestas,
concordando em esto aquel dicto que o olho nom vyo, orelha nom ouvyo, coracom
dhomem nom penssou tam grandes bees como deos tem ordenados pera os que o amam; e
assy consiirar as penas do inferno, do qual diz o ssenhor que ally sera choro e
astringymento de dentes. [...] [LC, 7, 345]
47)
[...] guardavamos ao muy vytorioso, digno de grande e louvável memoria El Rey, meu
senhor e padre, cuja alma deos aja, per as quaes avyamos recebido tal graca, que ja mais
antre nos nom fora desacordo nem afroixamento de grande amor. [LC, 23, 358]
48)
Amerceate de mym,/ Cristo deos, huu soo nacido; / pero eu mais te peco/ que nom tenho
merecido;/ sey de mym sempre lembrado,/ por em fym nom seer perdido. [LC, 10, 377]
49)
[...] Aa noite, sobre grande cea, bever muyto, ou augua, empeece em este caso,
specialmente se ja tem bevydo e esta pera se lançar. [...] [LC, 12, 382]
- 163 -
Almeida, E. S.
•
SÉCULO XVI
CORPUS DE D. JOÃO III
Critérios de transcrição dos contextos desse corpus:
[LC, 93] → abreviatura do documento, capítulo
[...] → lacuna de um trecho no documento
DADOS:
1)
[...] Por serem Christããos, e terem recebyda aguoa do bautismo, devem ser defemdidos,
emsynados e emparados, e nam desterrados; e por serem vasalos nossos, e estarem hy a
nosa obydiemça e vosa e dos nosos capitaees d'esa cidade [...] [DJIII, 1]
2)
[...] Nos, elRey, fazemos saber a quantos este nosso alvara virem que, avemdo nos respeito
aos serviços que dõ Diogo de Meneses do noso cõselho, e craveiro da Ordem de Noso
Senhor Jhesus Christo, tem feitos a nos e a esta ordem, e ao merecimento de sua pessoa,
nos praz pera seu falecimento fazermos merce a seu filho [...] [DJIII, 4]
3)
[...] Qua seus vassalos aos meus tem tomados pasante de trezentos navios, a quall perda,
que mais verdadeiramente se podem chamar Roubos, Reducida a boa comta, monta tanto
que me afirmão chegar a hu comto d'ouro [...] [DJIII, 6]
4)
[...] E d’ella vee por quã pequenos e quã injustos prouveitos, quã gramdes e quã arrezoados
imcõvenyentes, e quã craros escamdollos, he de necesidade que se syguão,com tamanhos
danos e tantos Rompimentos de nosos vasallos e naturaaes, que ajumtados aos pasados que
os meus tem recibidos, em quamto eu lhe nõ consynty e vemgança, seraom causa de tall
odeo que muy difycillmente despois se Posa tirar das coraçoões. [...] [DJIII, 6]
- 164 -
Almeida, E. S.
5)
[...] e pricipalmente nesta carta de marqua, fora muyta Rezão que me guardara; de que me
eu folgarey de esquecer e de crer que foy por outras ocupaçõoes lhe teren tyrado
totallmente o poder se bem enformar do que pasava, vemdo que manda co tanta presteza de
se fazer com quanta sem Rezão se pasou [...] [DJIII, 6]
6)
[...] com minha sabedoria, por alguuas naaos, que por guarda d'estes mares e costa por
caussa de gramdes e conthynos Roubos que se nela faziã, cõ gramde despesa, como eu
custumo e era neçessario, tinha mãdados, forom achados e tomados com Roubos, não de
hua sorte de mercadorias [...] [DJIII, 6]
7)
[...] E d'elle não ter tomado d'este neguocio, e do que se nelle avia e podia co direito fazer,
verdadeira enformaçom, como era Rezão pois de tratava de tamanha novidade, em nossa
amizade e antre nosos vassallos, como hesta, me he muy manifesta prova, deixando a cousa
toda en sy e a concesão da carta [...] [DJIII, 6]
8)
[...] que he Rey e que não pode neguar o que justamente lhe pedem, a ysto direis que vos
pareçe que he asaz Respondido no que lhe tendes dito, e que justiça eu ha mãdey fazer, e
que a de lla o nõ pode ser sem primeiro se provar que a de caa o não foy [...] [DJIII, 6]
9)
[...] E porque o enperador, meu muyto amado e prezado irmãao, se ofreceu a dom Pedro
Mazcarenhas, que lhe d’este neguoçeo deu conta, a fazer nelle todo o que podese, e
estprever a elRey de Framça, e eu tenho aceytado seu ofreçimento, e espero que elle nisso
faça o que deve, e eu d'elle confyo, lhe tenho sobre yso esprito e dado conta do que por vos
mãdo dizer a elRey; e a dõ Pedro ysso mesmo estprevy. [...] [DJIII, 6]
10)
[...] E porque o enperador, meu muyto amado e prezado irmãao, se ofreceu a dom Pedro
Mazcarenhas, que lhe d’este neguoçeo deu conta, a fazer nelle todo o que podese, e
estprever a elRey de Framça, e eu tenho aceytado seu ofreçimento, e espero que elle nisso
faça o que deve, e eu d'elle confyo, lhe tenho sobre yso esprito e dado conta do que por
vos mãdo dizer a elRey; e a dõ Pedro ysso mesmo estprevy. [...] [DJIII, 6]
11)
[...] e despois de vos hua ou duas vezes a tall Reposta não terdes recebida, dizemdo que a
não aveis aimda por Reposta, e esperaraaes, e lhe pedires muyto por merçe que o queira
milhor cuydar, e lembrarse do que lhe tendes dito de minha parte, e de quantos males de o
- 165 -
Almeida, E. S.
não olhar asy se podem seguir, de que a mym pesara muyto, mais d'elles serey mui sem
culpa [...] [DJIII, 6]
12)
[...] e despois de vos hua ou duas vezes a tall Reposta não terdes recebida, dizemdo que a
não aveis aimda por Reposta, e esperaraaes, e lhe pedires muyto por merçe que o queira
milhor cuydar, e lembrarse do que lhe tendes dito de minha parte, e de quantos males de o
não olhar asy se podem seguir, de que a mym pesara muyto, mais d'elles serey mui sem
culpa [...] [DJIII, 6]
13)
[...] Darlhaeis, e conforme a ella lhe dires todas as booas palavras que vos mais pareçerem
que servem, pera elle ver que eu sey o que elle tem feito, e que sua vomtade e pessoa
ystimo muyto, de que terey sempre aquella lembrança que he Rezãa pera tudo o que lhe de
mim cumprir, como o elle mereçe e segundo o amor e bõoa vomtade que lhe eu tenho [...]
[DJIII, 7]
14)
[...] e laa se dizer ysto mesmo, que vos digaees que ho nam creedes, porque, se asy fose,
que volo escreveria, e que eu nam vos tenho mandado tal nova. [DJIII, 8]
15)
[...] E como pesoa veria, e que eu nam vos tenho mandado tal nova. E como pesoa que
totalmente avees esta por falsa [...][DJIII, 8]
16)
[...] e por elas me destes conta de todo o que atee entã tinheis feito e pasado, e asy
compridamente que Receby cõ iso muito prazer. [DJIII, 9]
17)
Item: Isto que mando a Gaspar palha, que faça neste caso de Leon Pançado, he depois que
vy a carta que me sprevestes do caso que la me aconteçeo; e nõ quis que por isso se torvase
fazer elle aquele caminho e o que lhe mãdo que faça. E porem nam saiba elle que eu o
tenho sabido; e vos trabalhay de fazer o que me sprevestes, vivendo aquela pesoa que ele
ferio [...][DJIII, 10]
18)
Dom Antonio, amiguo. Eu, elRey, vos emvio muito saudar. Vy a carta que me sprevestes,
feita a biii dias de Junho, perla qual me deste comprida conta de todo o que atee entã
tinheis pasado nos neguocios a que vos enviey. [...][DJIII, 11]
- 166 -
Almeida, E. S.
19)
[...] E nõ tendo ainda avido Reposta, e parecendovos que se vos dilata, ou se por la ventura
pasastes outra pratica cõ elRey ou cõ os de seu conselho [...][DJIII, 11]
20)
[...] Vy a carta que me sprevestes de nove dias do mês de Junho pasado, sobre o caso que
aqueceo a Gaspar Palha, e desprouveme d’iso por aquecer no luguar em que me dise Luis
Afonso, e pelo descontentemento que por isso Recevestes; mas pela booa emformaÎ’ que
d'ele tinheys de como tinha la bem servido, e tinha abilidade pera la me poder bem servyr,
averey prazer que, se viveo o ferido, trabalhes por os fazerdes amigos [...] [DJIII, 12]
21)
[...] E asy vy todas as outras cartas, e também a que co ellas veeo de dom Pedro
Mazcarenhas, co que vos vistes. E antes d'estas tinha vistas as que trouxe Luis Afonso, a
que vos nom Respondy loguo, por que dizeis que dentro em quatro dias esperaveis Reposta,
parecendome que nõ podia tardar voso Recado [...] [DJIII, 13]
22)
E despois que vy que tardava tanto, vos quis Responder, e o tinha feito quando Mexia
cheguou, como veres por minhas cartas que vos tambem agora mãdo, E de tudo o que me
tendes sprito que la fizestes e tenho muito contentamento, e asy de mo fazerdes saber tam
particularmente, como compre a meu serviço. [DJIII, 13]
23)
E despois que vy que tardava tanto, vos quis Responder, e o tinha feito quando Mexia
cheguou, como veres por minhas cartas que vos tambem agora mãdo, E de tudo o que me
tendes sprito que la fizestes e tenho muito contentamento, e asy de mo fazerdes saber tam
particularmente, como compre a meu serviço. [DJIII, 13]
24)
[...] Mas como vos eu quis mandar, cõ o desejo e bõa vontade que tenho pera todas minhas
cousas virem em concordia cõ os Reis Christãos, e pela muita amizade que tenho
amostrado a elRey de França e procurey sempre cõ elle, como o mundo o sabe [...] [DJIII,
13]
25)
[...] E por tanto se, despois de me spreverdes, elRey vos tem respondido em alguua
maneira de que posaes lançar mão, ou neguocio por qualquer via deer de sy cousa en que
vos pareça que podes aproveitar [...][DJIII, 13]
- 167 -
Almeida, E. S.
26)
[...] E que, se aos do seu conselho pareÎeo que cõ justiça concediã esta carta de marqua,
visto he que sera mao de fazer mudarense do que ja lhe tem parecido. [...][DJIII, 13]
27)
Item: ouve por meu serviço todo o que tendes dito e ffeito acerqua do Gram Mestre, e
vindovos lhe dares comta de vosa vinda, conforme hÿmaneira de que vos vindes. [...]
[DJIII, 13]
28)
Item: ouve por meu serviço todo o que tendes dito e ffeito acerqua do Gram Mestre, e
vindovos lhe dares comta de vosa vinda, conforme hÿmaneira de que vos vindes. [...]
[DJIII, 13]
29)
[...] E porque vos sprevo que no juizo dos ditos juizes terceiros se ponham todas as
tomadias feitas de parte a parte e a carta de Marqua que estaa pasado a Joham Ango, se foy
dada cõ dereito e como devia ou nom; e asy a sentença que ca foy dada da presa que se
tomou aos Franceses, que tinhã tomada aos Castelhanos, se foy dada conforme a dereito e
como cõ justiça se devia fazer. [...] [DJIII, 15]
30)
Teemdovos respondido, como por minhas cartas veres, às cartas que trouxe Luis Afomso,
e as estas derradeiras que trouxe Mexia [...] [DJIII, 16]
31)
[...] no luguar omde aseemtardes, pera detryminaren os casos da carta de marqua que elle
teem pasada em favor de Joam Ango contra meos naturaes e vasallos; e ho das tomadias
que sam feitas de Reyno a Reyno pera se fazer niso comprimento de justiça; [...] [DJIII, 17]
32)
[...] e ho da sentença que em meu Reyno foy dada contra os Framceses, a que foy tomada
por minha armada, que amdava na garda da costa, a presa que eles tynham tomada aos
Castelhanos, se foy beem dada contra eles e como cõ dereito se devya fazer; como
compridamente vos sprevo, vos emvio duas procurações [...] [DJIII, 17]
33)
[...] E asy mesmo sobre a sentença que foy dada em meu Reino por meus letrados contra os
Franceses, a que foy tomada por minha armada que andava na guarda da costa a presa que
elles tinhã tomada aos Castelhanos [...] [DJIII, 19]
- 168 -
Almeida, E. S.
34)
Dom Antonio, amiguo. Eu, elRey, vos emvio muyto saudar. Eu tenho recebido tamto
cõtentamento com vosas cartas, pelas quaaes tenho visto, e pellas obras sabido, como me
tendes beem servydo e com quamto cuidado e diligencia, que, pela muyta booa võtade que
vos teenho e por tan ben me servirdes, nam o podera com nemhuua cousa receber mayor; e
vos gradeço muyto todo o que teemdes trabalhado por seer beem servydo. [...] [[DJIII, 20]
35)
Dom Antonio, amiguo. Eu, elRey, vos emvio muyto saudar. Eu tenho recebido tamto
cõtentamento com vosas cartas, pelas quaaes tenho visto, e pellas obras sabido, como me
tendes beem servydo e com quamto cuidado e diligencia, que, pela muyta booa võtade que
vos teenho e por tan ben me servirdes, nam o podera com nemhuua cousa receber mayor; e
vos gradeço muyto todo o que teemdes trabalhado por seer beem servydo. [...] [[DJIII, 20]
36)
Dom Antonio, amiguo. Eu, elRey, vos emvio muyto saudar. Eu tenho recebido tamto
cõtentamento com vosas cartas, pelas quaaes tenho visto, e pellas obras sabido, como me
tendes beem servydo e com quamto cuidado e diligencia, que, pela muyta booa võtade que
vos teenho e por tan ben me servirdes, nam o podera com nemhuua cousa receber mayor; e
vos gradeço muyto todo o que teemdes trabalhado por seer beem servydo. [...] [[DJIII, 20]
37)
Dom Antonio, amiguo. Eu, elRey, vos emvio muyto saudar. Eu tenho recebido tamto
cõtentamento com vosas cartas, pelas quaaes tenho visto, e pellas obras sabido, como me
tendes beem servydo e com quamto cuidado e diligencia, que, pela muyta booa võtade que
vos teenho e por tan ben me servirdes, nam o podera com nemhuua cousa receber mayor; e
vos gradeço muyto todo o que teemdes trabalhado por seer beem servydo. [...] [[DJIII, 20]
38)
Dom Antonio, amiguo. Eu, elRey, vos emvio muyto saudar. Eu tenho recebido tamto
cõtentamento com vosas cartas, pelas quaaes tenho visto, e pellas obras sabido, como me
tendes beem servydo e com quamto cuidado e diligencia, que, pela muyta booa võtade que
vos teenho e por tan ben me servirdes, nam o podera com nemhuua cousa receber mayor; e
vos gradeço muyto todo o que teemdes trabalhado por seer beem servydo. [...] [[DJIII, 20]
39)
[...] e por ysto seer cousa de tamanha calidade, e tã cõtraira do em que estaes, e pera muyto
eu querer veer o que cõpre a meu serviço que eu nele faça, e nysto podem pasar dous ou
tres dias em que mãdarey partyr outro coreo com ha ResoluÎam que tinha tomada no
neguocio pelo que me sprevestes, e no mais que sobre ysto me parecer que devo fazer, me
areceo muyto necesario mãdarvos, logo na mesma ora em que esta recado me veeo [...]
[DJIII, 21]
- 169 -
Almeida, E. S.
40)
[...] E por outra carta de vosa maão me dezeis que, aleem dos sasemta mill francos que vos
pedeem pellas despesas de Joham Amgo, tendes prometido ao Almirante dez
mill cruzados, e que isto fez decer a Joham Ango tamto; [...] [DJIII, 22]
41)
[...] e que cryees que farya outras alguuas cousas de meu serviÎo, por elle estar muy danado
nestas cousas, e que o Almirante vos teem prometido que, em quanto ffor Almirante, nam
yra de FranÎa nyguem Malagueta ao Brasyl; [...][DJIII, 22]
42)
[...] E aimda que tenha por muy certo, que tudo o que nesto fezestes seerya por ser asy
muyto meu serviço, pelas causas e Rezões que la pera yso vos moverã, e o faryes,
cõformãdovos com as praticas que ca cävosco niso se tiverã, pellas cartas que vos sprevy
por Luis AFonso teres visto o que era minha temçã que acerqua d'esta materya fezeseys
[...][DJIII, 22]
43)
[...] E posto que por vosas cartas agora veja o que ja temdes praticado e o negocio estee
tamto avamte como dizees, por seer de tamanha ypurtãcia como he pera meu serviço
[...][DJIII, 22]
44)
[...] me pareceo muyto necess rio, por cyma de tudo o que teemdes praticado e vos la
pareceo, vos sprever decraradamente o que querya que nisto se fizese, e maneira que
folgarya que teveseys em o negociar, se possyvel fose. [...][DJIII, 22]
45)
[...] E rtambem nam se sabia como estavam as armadas dos Framçeses, e as minhas nam
estavã providas como agora estam, neem as duas naos da Imdia nas Ilhas junats a minha
armada, como louvores a Deus, tenho nova e Recado que as outras duas se esperavam aly
cada ora, neem averaão tam gastado como he; que sam cousas todas que mudã a sustancia
do que emtam pareçia que cõprya a meu serviço. [...][DJIII, 22]
46)
[...] E agora eu teenho aviso de dõ Pedro Mazcarenhas, meu enbaixador, que o õperador
nam estaa sem Receo dos apreçbimentos de França, posto que la lhe deem outras cores,
como veres pelo trelado da carta que me sprevo em çifra, que cõ esta vos emvio. [...] [DJIII,
22]
- 170 -
Almeida, E. S.
47)
[...] E agora eu teenho aviso de dõ Pedro Mazcarenhas, meu enbaixador, que o õperador
nam estaa sem Receo dos apreçbimentos de França, posto que la lhe deem outras cores,
como veres pelo trelado da carta que me sprevo em çifra, que cõ esta vos emvio. Neem de
laa tenho sabido, nem vejo por vosa carta, que as armadas dos Framceses sejam taes, nem
esteem e) tal hordem, e tam a pique que, estamdo as minhas como estã, neeste pouco de
veraão que fica, que nõ parece que posa abastar pêra soomente deytar as naaos ao mar, por
que posam fazer dano tal que se deva tato arrecear. [DJIII, 22]
48)
[...] Pelas quaaes causas todas ey por bem e meu serviço que, se o emperador e el Rey de
Frãça estam em começo de ronpymento, o que, se as cousas estavã da maneira que pela dita
carta de dom Pedro veres e depois se nam soldarã, ja deve de seer tãto avamte que
craramente se veja que nam pode leixar d’aver rõpimento que, podendovos vos soltar do
que temdes praticado, descõformãdovos em alguus põtos, que digaes que vos parecem
necesarios, em que eles nam queyram vyr, ou em quererdes os tenpos dos pagamentos mais
larguos do que eles ou queiram, ou por qualquer outra maneyra de descõformidade, que
pareça que ho negocio ho daa, [DJIII, 22]
49)
[...] emquãto elle fose Almirãte de França, nam irya nymguem á Malagueta neem ao
Brasyl, de que esperaveys de tirar penhor e ao menos huua carta sua, por vos parecer asy
milhor modo que o negociar en outra forma, ey por bem e meu serviço, posto que vos soltes
de todo o al que teverdes praticado, como acyma vos vay apõtado, que vos lhos dees asy
como lhos prometestes, [...] [DJIII, 22]
50)
Iteem: vos me sprevestes que, posto que estaveys detryminado de dilatar ho negocio
quamto podeseys, se porem eles vos cõçedesem ho em que ficareys, e apertasem cõvosquo,
nem poderyes al fazer senam aceytar o cõcerto e a carta delRey de Frãça, quando se al nam
podese fazer, ou minha reposta tardase, e o poderees teer açeytado de tal maneira que nam
posaes leixar de o cõcludyr e cõpryr, pera gardades vosa palavra, em tall caso ey por bem
que asy compraes, sem embarguo do que vos apõto em cõtrairo; por que ey por muyto certo
que o niso teverdes feyto, foy o que mais cõpria a meu serviço. [DJIII, 22]
51)
Iteem: vos me sprevestes que, posto que estaveys detryminado de dilatar ho negocio
quamto podeseys, se porem eles vos cõçedesem ho em que ficareys, e apertasem cõvosquo,
nem poderyes al fazer senam aceytar o cõcerto e a carta delRey de Frãça, quando se al nam
podese fazer, ou minha reposta tardase, e o poderees teer açeytado de tal maneira que nam
posaes leixar de o cõcludyr e cõpryr, pera gardades vosa palavra, em tall caso ey por bem
que asy compraes, sem embarguo do que vos apõto em cõtrairo; por que ey por muyto certo
que o niso teverdes feyto, foy o que mais cõpria a meu serviço. [DJIII, 22]
- 171 -
Almeida, E. S.
52)
[...] nam podendo tomar tempo pera cõpridamente de tudo me avisardes por vosa
carta, como o faryees por vos, e esperar minha reposta, em tall caso averey por beem
que cõcludaees na milhor maneira que poderdes, segundo tendes praticado; e
podendo vos vyr, ou nam podendo sprevendome na dita maneira. [...] [DJIII, 22]
53)
E em caso que de quallquer maneira vos vos ajaes de vyr, leixares por sprito ao
doutor Gaspar Vaaz todas as cousas e termos em que ho negocio ficar, e asy como
vos teenho sprito por Luis Afomso que ho fezeseys, e primcipalmente ficando o
negocio em dilaçã, [...] [DJIII, 22]
54)
[...] o qual me pareceo necesario vos mãdar beem decrarado, como veres ello capitolo que
cõ esta vos emvio. E aimda que cõ vossa reposta elles se tenham lançado de la se fallar
neles pera este negocio [...] [DJIII, 22]
55)
[...] E por esta mesma carta vos dezia que, atee aquele dia, vos tinha respondido a vosas
cartas que trouxe o voso criado, que veo em posta que partio a XX de Julho pasado, e
cheguou ca segunda feira deradeiro do dito mes; [...] [DJIII, 23]
56)
[...] e asy o que mais ouvese por meu serviço, e, segundo que creo, que ja teres visto por a
dita minha carta. [...] [DJIII, 23]
57)
[...] O que tinha determinado e avia por meu serviço que fizeseis, ante de ter avida a nova
da armada dos Franceses, veres pela carta de minha reposta ás vosas que cõ esta vos envio
[...] [DJIII, 23]
58)
[...] O que tinha determinado e avia por meu serviço que fizeseis, ante de ter avida a nova
da armada dos Franceses, veres pela carta de minha reposta ás vosas que cõ esta vos envio
[...] [DJIII, 23]
- 172 -
Almeida, E. S.
59)
[...] Pelas quaes rezões todas, eu ey por meu seviço que vos nam façaes o concerto que
tinheys praticado em nehuua maneira. [...] [DJIII, 23]
60)
[...] Pelas quaes rezões todas, eu ey por meu seviço que vos nam façaes o concerto que
tinheys praticado em nehuua maneira.E em caso que tenhaes concertado, ey por bem que
vos desconcertes em todas as maneiras. [...] [DJIII, 23]
61)
[...] E porem, se teverdes dados ao Almyrante os dez mil cruzados que lhe tendes
prometidos, que me pareçe que ainda lhe nam seram dados, e querendovos eles la tomar em
paguamento dezanove mil cruzados, [...] [DJIII, 23]
62)
[...] E porem, se teverdes dados ao Almyrante os dez mil cruzados que lhe tendes
prometidos, que me pareçe que ainda lhe nam seram dados, e querendovos eles la tomar
em paguamento dezanove mil cruzados, [...] [DJIII, 23]
63)
[...] que me spreve o meu feitor de Frandes que sam tomados na vica chamada Santa Ana
de Gorticosta pelas naos que hiam Malagueta, e seis mil cruzados que sam tomados a certos
mercadores, meus vasalos de Viana, que estam na Rochela secrestados, que sam trinta e
cinquo mil cruzados, em tall caso vos por este modo casares o dito concerto ainda que o
nom tenhaes concludido; e os mil cruzados pera comprimento se paguaram ao termo que
concertades. [...] [DJIII, 23]
64)
[...] onde vos mandey da maneira que fostes, cõ todas as mais palavras que segundo vos
tenho sprito vos parecer que lhes eves de dizer, tomando por fim d'elas que vos vos queres
vyr a me dar conta de todo o que la pasas.[...] [DJIII, 23]
65)
[...] que teenho por certo que foy tall quall cõpria, e que niso nam se pode mais fazer, neem
com milhor modo e mais gardado meu serviço, do que vos ho teemdes feyto; do que
teenho muyto cõtentamento. [...] [DJIII, 24]
- 173 -
Almeida, E. S.
66)
[...] Pelo que vos emcomendo e mamdo que todo o que fica por fazer pera yteira cõclusam e
efeyto do que açerqua d'esta parte do cõcerto da marqua de Joham Amguo teemdes feyto e
asentado, vos o facaes, asy spritura de tudo ho que em os conhecimentos do Almirãte [...]
[DJIII, 24]
67)
[...] Pelo que vos emcomendo e mamdo que todo o que fica por fazer pera yteira cõclusam e
efeyto do que açerqua d'esta parte do cäcerto da marqua de Joham Amguo teemdes feyto e
asentado, vos o facaes, asy spritura de tudo ho que em os conhecimentos do Almirãte e
voso se colhem e tratastes, com as clausullas e palavras que pera mayor segurança sejam
necesarias, como os pagamentos dos dinheiros que se loguo ham de pagar; e pera os outros
teermos que teemdes aseentado dar hordeem como se cumpra inteyramente; pera os quaes
pagamentos vos emvio minha provisam, como por ela verees. [...][DJIII, 24]
68)
e que asy era tomada outra naao d'açuqueres e outras presas; e ue Jõ Amguo tynha
mamdado delRey pera embargarem toda esta fazenda, e asy outra naao d' açuqueres que
estava em Ruam que tomou naao que vinha do Brasyl; [...] [DJIII, 24]
69)
[...] pera o que, com ho cäncerto que fizestes, tynheis avida provisam delRey pera o dito
Joam Anguo nam poder usar do dito mandado, e as ditas presas serem Restetuydas. [...]
[DJIII, 24]
70)
[...] E vos veres pellas cartas que vos teenho sprito o que acerqua desta Restetuyçã avia
por meu serviço, e por que pois esta fazeenda se avia de Restetuir, [...] [DJIII, 24]
71)
[...] aimda que creo que nestas nam avera esta duvyda, pella maneira de que vollo teem
prometido e me sprevees, todavya vos lembro que ho segurees com todas as cautellas que
pera yso forem necesarias, [...] [DJIII, 24]
72)
[...] de maneira que eles nam cuidem que vos satisfazem, cometemdovos a se pagar por
suas justiças, e dizemdo que loguo se pagara, porque ysto nunca aveera efeyto, como estaa
visto pellas causas pasadas, mas que detryminadamente ho mandeem loguo entregar.
[DJIII, 24]
- 174 -
Almeida, E. S.
73)
[...] Porque, d'outra maneira, vos nam saberyees como vyr a my, por seer pasada tall cousa
em tempo que vos tynheys praticado o que elle sabe, e isto em cousa tã contraria ao fym a
que la vos emviey. [...][DJIII, 24]
74)
[...] E os leixares o mais meus servidores que poderdes. E a eles despois d'isto, e de terdes
fallado a elRey no negocio das naaos, lhe fallares acerqua d'ellas na propria maneira em
que vos mando que ho falles a elRey. [DJIII, 24]
75)
Iteem: o que vos teenho sprito que façaes pelas outras cartas, quamdo vos partyrdes, com a
Rainha minha madre, e Madama, may delRey de Frãça, [...][DJIII, 24]
76)
[...] por duas cartas minhas, que com esta vos emvio, veres as vosas que atee emtam tinha
Recebidas, e o que a elas vos respondia; as quaes vos agora mando pera vosa enformaçã
soomente, [...] [DJIII, 24]
77)
[...] Ayres da Cunha me escreveo que tinha o galleam prestes e que serya nesa
cidade ate dez d’este mes; encomemdovos muyto que ho mamdes fazer prestes, pera
ir nesa armada com o moor brevidade que for posivell. E Fernam d’Alvares me dise
que vollo tinha escrito, e vos mandara a carta que vos Ayres da Cunha d’iso
escrevia. [...] [DJIII, 29]
78)
[...] Os capitães das caravelas e navios sam jaa todos partydos,e Nicollao Jusarte me tem
estprito que ate dez d'este mes sera nesa cidade.[...] [DJIII, 29]
79)
[...] e todas sam filhados cõ decraraçama que, nõ imdo nesta armada, por quallquer caso
que seja, seus filhamentos nom ajam efeyto, e por este Respeito me pareçe que sam. [...]
[DJIII, 29]
80)
[...] foy que, vymdo elle do Rio da Prata, correndo a costa do Brasill, veyo teer a
Pernambuco, õde achou os Franceses, que tinham feyto fortalleza; e lha tomou, e os tomou
- 175 -
Almeida, E. S.
a elles, e ficou paçificamente em poder de Purtugeses sem nenhuua contradiçam. [...]
[DJIII, 35]
81)
[...] Eu, ellRey, vos emvio muito saudar. Bem tendes sabydo como veyo aqui Antonio
Vaaz de Llacerda, e a cõta que deu das cousas de França; [...] [DJIII, 36]
82)
[...] Encomendovos muyto que, tanto que as ditas naoos forem vindas, mandeis fazer d'ellas
e dos Françeses o que vos tenho escrito. [...] [DJIII, 38]
83)
E por que vos eu tenho esprito sobre alguuas cousas que a yso toquão, nesta vos nom
Respondo ao que me em ella spreveis, atee que nõ veja vosa Reposta; tanto que vyer o
farey. [...] [DJIII, 40]
84)
[...] E eu proverey no que açerqua d'iso spreveis; e eu o tinha ja começado a fazer; e porem
pois asy hesta, eu proverey loguo. Sprita em Evora, a XXV de Janeiro. Amdre Pirez a fez,
de 1533. J. [...] [DJIII, 40]
85)
[...]e asy a que aguora fiz com o emperador, meu muyto amado e preçado irmão, no de
Malaqua; e asy mesmo a costa de Guinee e Brasil, ou aquela parte d’elas que nas ditas
minhas demarcações nom entrar e que eu aguora pesuyo, pelas ter descobertas, ainda que
pertençam ao emperador. [...] [DJIII, 42]
86)
[...] Quanto ao que dizeis d'Antonio Vaaz pare‡eme bem vyr quaa, pera o mandar lloguo
despachar cõ allgu)a merçee pera a India, pera ir nestas primeiras quatro naoos como vos
tenho escrito; e mande llaa Lluis AFonso pera vyr cõ elle, [...] [DJIII, 45]
87)
Vejo todo o dizeis d'armada da Malageta, e por eu teer jaa a nova de Jan Afonso, pelo
corregedor do Algarve, vos tinha escrito que Duarte Coelho se vyese h s Ilhas esperar as
naoos da Imdia, [...] [DJIII, 45]
- 176 -
Almeida, E. S.
88)
[..] se escusar despesas d'outra armada, como vereis pela outra carta que vos tinha escrito.
E o dito Duarte Coelho avia d'andar na costa [...] [ DJIII, 45]
89)
COMDE, amiguo. Eu, elRey, vos emvio muito saudar. Bem creo que teereis sabido como
Amtonio de Brito se foy, sem se espedir de my. [...] [DJIII, 48]
90)
[...] E depois me foy dito que nõ queria ir este ano há India, por eu ter nomeado capitães
moores nesas armadas, ou por outros Respeytos. [...] [DJIII, 48]
91)
Eu, elRey, vos envio muito saudar. Avemdo eu Respeito a ter mamdado que todas as
pesoas que teverem officios pera a India vão lla nesta armada, e, não imdo, que se percão;
[...] [DJIII, 49]
92)
[...] ey por bem que todos vam, e asy quaesquer outros Homees do mar que vos bem
pareçer, sem ambargo da provisam que esta na casa da India, por que tenho defeso que nõ
vam llaa Christãos novos, e da ordenaçam nova em cõtrario; [DJIII, 51]
93)
[...] posto que pera iso nã tenhão meus allvaras, e depois pera os outros; e que os vinhos se
carreguem depois das naaos terem tomada cargua das mercadorias e mantimentos que hão
de llevar, e asy a agoa necesaria. [...] [DJIII, 55]
94)
[...] sallvo depois das ditas naaos terem todas as mercadorias, aguoa e mantimentos que
ham de llevar; e depois d'ysto asy agasalhado, das liçenças que eu tiver pasadas se
carregarão primeiro as das pesoas que me andã servindo na Imdia, e das que na dita
Armada vão; [...] [DJIII, 55]
95)
Quando há naoo Bom Jhesus, que dizeis que foy nomeada a dä Francisco de Noronha, nom
se fez, senam pareçe, do que tinheis afyrmado, ir por capitayna a naoo Çirne. [...] [DJIII,
56]
- 177 -
Almeida, E. S.
96)
[...] e asy ey por bem que se faça, e que se nõ mude a Repartiçam que tendes feyta dos
mestres e pillotos, por que me pareçeo muy bem; e quero que se cumpra como estaa. [DJIII,
56]
97)
O que pasastes cä os mercadores estaa muy bem feyto; e por outra carta vos tynha escripto
sobre o galleã Trindade. [...] [DJIII, 56]
98)
Vy todo o que dizeis que pasastes cõ Fernam Gomez, e asy o que d'amtes tinheis esprito a
Fernam d'Alvarez per Symão da Veygua, e a carta que o mesmo Fernam d'Alvarez;
[...][DJIII, 61]
99)
Fernam d'Alvarez me fallou em Affonso Annes Dastim pilloto; e porque na sua petiçam
dizia que vença sua moradia, tinha mandado que se lhe dese e a vencese enquanto servise
nesta vyajem, ou o que nela mätase, [DJIII, 61]
100)
[...] E porque eu tynha sprito a Joam Gomez que lhe descontase d'elles cento e oytenta
millreis, que Francisco Lopez Recebeo de certos dinheiros que vyerã da Ilha de Madeira,
[...] [DJIII, 64]
101)
vos encomendo muyto que mandeis ao dito João Gomez que lhe entrege todos os ditos dous
mill cruzados, sem descõtar os ditos CLXXX milreis, como lhe tinha escrito, por que me
espreveo meu amo que todos sam necesarios. [DJIII, 64]
102)
[...] E agardeçervos ey muyto escreverdes me d'yso o voso pareçer, depois que todo
teverdes bem visto e sabydo. Fernam d'Alvarez a fez, em Evora, ao primeiro dia de março
de VcXXXiii. J. [...] [DJIII, 68]
103)
[...] E agardeçervos ey muyto escreverdes me d'yso o voso pareçer, depois que todo
teverdes bem visto e sabydo. Fernam d'Alvarez a fez, em Evora, ao primeiro dia de março
de VcXXXiii. J. [...] [DJIII, 68]
- 178 -
Almeida, E. S.
104)
[...] por o veador da fazenda da India lhe nõ mandar aquele anno huu navio, que cada anno
lhe ha de enviar, segundo lhe tenho mãdado que o faça, Çofala e Moçanbique estam muy
apertados e em) grande necesidade; [...] [DJIII, 69]
105)
[...] e porque Diogo Nunez me pidia tutor e curador dos filhos d’Antonio Bello huu Tome
de Payva, cavaleiro de minha casa, vos emcomendo muyto que saybays d’allguas pesoas
que homem he, e se sera pera yso; e sendo, direis de mynha parte ao corregedor Diogo
Rodrigues, que tenho encarregado o dito Tome de Payva de tutor dos ditos horfãos; e nõ
sendo pera yso, mandareis saber que pesoa avera nesa cidade que seja pera iso, e o queyra
fazer, [...][DJIII, 69]
CORPUS DA GRAMÁTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA - JOÃO DE
BARROS
Critérios de transcrição dos contextos desse corpus:
[GJB, 1, 9] → abreviatura do documento, número da linha, da página
[...] → lacuna de um trecho no documento
Æ GRAMÁTICA
DADOS:
1)
Passádo mais que acabádo, como: Eu amára ou, soprindo per rodeo, dizendo: Eu tinha
amádo, per o quál rodeo demostramos ter dádo fim à óbra. [GJB, 24, 17]
- 179 -
Almeida, E. S.
2)
Passádo mais que acabádo, como: Eu amára ou, soprindo per rodeo, dizendo: Eu tinha
amádo, per o quál rodeo demostramos ter dádo fim à óbra. [GJB, 24, 17]
3)
Chamamos tempo per rodeo quando simplesmente nam podemos usár d'algum; entám pera
ô sinificár tomamos este vérbo tenho, naquele tempo que é máis confórme ao vérbo que
queremos conjugár, e, com o seu partiçípio passádo, dizemos: tivéra amádo, como se póde
ver, no tempo passádo e máis que acabádo, no módo pera desejár, o quál suprimos per este
rodeo, por nam termos simples com que ô sinificár. [GJB, 23, 22]
4)
[...] E no módo infinitivo nam acabádo, por nam termos tempo passádo e vindoiro, ambos
simples, sinificamos per rodeo o passádo, dizendo: ter amádo, lido, ouvido, sido; e o
vindoiro:[h]aver d'amár, ler, ouvir, ser. [GJB, 26, 22]
5)
[...] E no módo infinitivo nam acabádo, por nam termos tempo passádo e vindoiro, ambos
simples, sinificamos per rodeo o passádo, dizendo: ter amádo, lido, ouvido, sido; e o
vindoiro:[h]aver d'amár, ler, ouvir, ser. [GJB, 26, 22]
6)
[...] E no módo infinitivo nam acabádo, por nam termos tempo passádo e vindoiro, ambos
simples, sinificamos per rodeo o passádo, dizendo: ter amádo, lido, ouvido, sido; e o
vindoiro:[h]aver d'amár, ler, ouvir, ser. [GJB, 27, 22]
7)
[...] E no módo infinitivo nam acabádo, por nam termos tempo passádo e vindoiro, ambos
simples, sinificamos per rodeo o passádo, dizendo: ter amádo, lido, ouvido, sido; e o
vindoiro:[h]aver d'amár, ler, ouvir, ser. [GJB, 27, 22]
8)
Temos máis alguns tempos simples, os quáes por cópia da nóssa linguágem máis que por
defeito déla, ôs podemos dizer também per rodeo, como o tempo passádo máis que acabádo
do módo pera demonstrár, o quál, simples, dizemos amára e per rodeo, na mesma
sinificaçám, tinha amádo. Ainda que paréçe no sentido que estes tempos simples com o
partiçípio dam à óbra algüa máis perfeiçám em tempo. [GJB, 30, 22]
- 180 -
Almeida, E. S.
9)
O módo pera desejár no tempo passádo nam acabádo dizemos também per rodeo: Ó se
tivéra amádo, lido, ouvido, sido, ainda que este partiçipio, sido, máis comum é aos
castelhanos que a nós. [GJB, 2, 23]
10)
O módo pera desejár no tempo passádo nam acabádo dizemos também per rodeo: Ó se
tivéra amádo, lido, ouvido, sido, ainda que este partiçipio, sido, máis comum é aos
castelhanos que a nós. [GJB, 2, 23]
11)
O módo pera desejár no tempo passádo nam acabádo dizemos também per rodeo: Ó se
tivéra amádo, lido, ouvido, sido, ainda que este partiçipio, sido, máis comum é aos
castelhanos que a nós. [GJB, 2, 23]
12)
O módo pera desejár no tempo passádo nam acabádo dizemos também per rodeo: Ó se
tivéra amádo, lido, ouvido, sido, ainda que este partiçipio, sido, máis comum é aos
castelhanos que a nós. [GJB, 2, 23]
13)
O tempo passádo nam acabádo do módo pera ajuntar, também ô suprimos per rodeo,
dizendo: Como te/ria eu amádo, lido, ouvido, sido. [GJB, 5, 23]
14)
O tempo passádo nam acabádo do módo pera ajuntar, também ô suprimos per rodeo,
dizendo: Como te/ria eu amádo, lido, ouvido, sido. [GJB, 5, 23]
15)
O tempo passádo nam acabádo do módo pera ajuntar, também ô suprimos per rodeo,
dizendo: Como te/ria eu amádo, lido, ouvido, sido. [GJB, 5, 23]
16)
O tempo passádo nam acabádo do módo pera ajuntar, também ô suprimos per rodeo,
dizendo: Como te/ria eu amádo, lido, ouvido, sido. [GJB, 5, 23]
- 181 -
Almeida, E. S.
Æ DIÁLOGO EM LOVVOR DA NÓSSA LINGVÁGEM (JOÃO DE BARROS)
DADOS:
1)
[...] O pregador d’el-rei, frei Joám Soares. E lógo perguntei per que ô prinçipiava, por causa
do trabálho que levou em a composiçám da Gramática da nóssa linguágem que lhe tem
derigida. [GJB, 6, 42]
2)
[...] Nem eu por ter dirigido a su'alteza o trabálho que dizes, devo esperár máis que, por
me fazer mercê, ômandar examinár; e, sendo táes, que possam aproveitar aos mínimos,
mandará que se leam em as escolas. [...] [GJB, 10, 42]
3)
Eu nam falo em latinos, de que Espanha tem tomádo pósse antiguamente. [...] [GJB, 1, 46]
4)
[...] Este exerçiçio, se ô nós usá ramos, já tivéramos conquistáda a língua latina, sinál
désta verdáde, é que, nam somente temos vitória déstas partes, mas ainda tomamos muitos
vocábulos, como podemos ver em todolos que começam am ÁL e em XÁ, e os que acabam
em Z, os quáes sam mouriscos. [...] [GLB, 4, 46]
5)
Nam está em máis remédio que vir a notíçia d'el-rei, nósso senhor, porque, como é zelador
dos bons costumes, e favoréce as lêteras, tam liberál e maníficamente, mandará prover
nisso, como ô tem feito em os estudos de Coimbra. [GJB, 39, 48]
6)
A quál óbra será pósta no catálogo das mercês que estes reinos dele tem reçebidas, mui
çelebráda dos presentes e louváda dôs que viérem depois de nós. [GJB, 40, 48]
- 182 -
Almeida, E. S.
Æ EM O DIÁLOGO DA VIÇIÓSA VERGONHA (JOÃO DE BARROS)
DADOS:
7)
[...] E, porém, porque a prática é contigo, e ordenáda aôs de tua idáde, os quáes já das
escólas tendes ouvido ditos e sentenças/ de moráes escritores, como Plutárco, [...] [GJB,
3, 50]
8)
[...] Isto será quando tevéres ô que te pedirem, cá / nam ô tendo, ou tendo mais obrigaçám
de pagár ô que déves que fazer graças, responde ô que disse Foçiom, capitám ateniense aos
seus cidadãos, que lhe pediam ajuda pêra óbras de um templo: <<vergonha teria se ô désse
a vós e nam a este a quem ô devo>>, amostrando um crédor a que devia u[@]a sóma de
dinheiro que lhe tinha tomádo a logro.[GJB, 7, 65]
9)
[...] E por isso reprendeo Zeno, filósofo, a um mançebo que andava escondido de um seu
amigo a quem tinha prometido dár por ele um testemunho falso: Ó desaventurádo e fraco
de espírito, ele ousou de te injuriar e nam [h]ouve vergonha, e tu, pela justça, nam ousas
contradizer seu requerimento?>> [...] [GJB, 25, 65]
- 183 -
Almeida, E. S.
•
SÉCULO XVII
CORPUS DOS DOCUMENTOS NOTARIAIS DO CONVENTO DO CARMO
Critérios de transcrição dos contextos desse corpus24:
[CV, 1, 11, 193] → abreviatura do documento, número do traslado, da linha, da
página
[.]→lacuna de um grafema no documento
[..]→lacuna de um vocábulo no documento
[...] → lacuna de um trecho no documento
comprimento → restaurando um grafema
[huã pitissão] → restaurando um constituinte movido
domio [ domínio] → desenvolvendo abreviaturas
[pronome obíquo] → comentário ou dúvida de morfo-sintaxe
DADOS:
1)
[...] em nome do dito seu filho me foi aprezentada huã pitissão, que havia feito o Juis
ordinário do dito Rio de Janeiro o Cappitam Francisco de Brittes Meirelles em que dizia
que a elle, e ao dito seu filho Gonçalo de Muros lhes havião concedido duas datas de
Sesmarias no dito Rio de Gaupiasu [...] [1, 15, 193]
2)
[...] [huã pitissão] em que dizia que a elle e dito seu filho Gonçalko de Muros lhes havião
concedido duas datas de Sesmarias no dito Rio de Guapiasu [...] [1, 18, 193]
24
Baseado em ELEUTÈRIO (2003).
- 184 -
Almeida, E. S.
3)
[...] e mando Atanzio da Mota escrivão de meo cargao que lhe passe a sua carta a qual será
registrada no livro da fazenda de sua Magestade para que em todo tempo se saiba como
tenho feito a dita mersé em nome do dito Senhor [...] [1, 89, 195]
4)
[...] e se alguas pessoas a quem forem dadas as agoas no termo da dita cidade de Sam
Sebastião assim prezentes como auzentes [pessoas] as tiuerem perdidas por não fazerem
bemfeitorias serão obrigados [...] [2, 114, 199]
5)
[...] que elle rompa e aproueite a dita terra e agoas e as frutifique dada esta em três años
primeiros seguintes, e outrossim fará de maneira que dentro em coatro mezes tenha feita
nellas na dita terra algu proueito e [tenha] plantado algus mantimentos e [...] [2, 128, 199]
– [apresenta os dois usos]
6)
[...] e lhe será deixado algus logradoros do que aproueitado não tiver e sobretudo pagará
mil reis para as obras do conselho [... ][2, 131, 199]
7)
[...] fui eu Tabalião ao diente nomeado ao bairro de nossa Senhora da Ajuda, e sendo la nas
pouzadas de hieronimo Vellozo Cubas, e bem assim sua molher Beatriz Alveres foi dito
que elles tinhão feito huã escritura de doação de huas terras na goaratiba [...] [3, 12, 200]
8)
[...] huas terras na goaratiba e juntamente se tinhão instituídos marido e molher hum ao
outro por herdeiros e estituidores por suas mortes e [....] [3, 14, 200]
9)
[...]e [tinhão] retificado a dita escritura como nella se continha e hora de prezente elles
ditos marido e molher [... ][3, 15, 200]
10)
[...] e de maneira que elles ditos tem doado a caza de Nossa Senhora do desterro sita nas
terras de Guaratiba... [3, 21, 201]
- 185 -
Almeida, E. S.
11)
[...] os fazem herdeiros de todos os seos bens moveis e de raiz, escravos e criaçons que por
morte delle se acharem e tem doado e doam a dita Hermida para que por morte delles... [3,
25, 201] – [alterou a pessoa]
12)
[...] que esta lançado nos livros dos acórdãos da dita Sancta Caza e sem embargo de se ter
passado quitação das ditas cazas ao dito testamenteiro [...] [4, 40, 203]
13)
[...] dezistirão da posse e dominio que nas ditas cazas tinhão e do emcargo que hauião feito
para a dita escritura da dita Missa quotidiana,[... ][4, 59, 204]
14)
[...]por dezobrigada a dita Sancta Caza da obrigação que hauia feito, a qual tomauão sobre
si como dito he[... ][4, 77, 204]
15)
[...] a elles suplicantes e ao seo convento e porque tendo aseito a Sancta Caza da
Mizericordia rezulução que tomarão em meza [...] [4, 102, 205]
16)
[...] na forma da dispozição do testador porquanto temos dezistido das cazas, e da
administração desta capella por justas cauzas de que fizemos acórdão[...] [4, 114, 205]
17)
[...] Haia uista desta resposta o testamenteiro e com a sua torne Rio deis de Dezembro de
seis centos e noventa// [4, 125, 205]
18)
[...] e como desta sorte tenho dado comprimento aos ditos legados nos quais entrão as ditas
cazas de que se faz mensão[...] [4, 136, 206]
19)
[...] para o Dezembargador o Doutor João da Rocha Pitta como Ouidor Geral desta
repartissão sobre o despacho que hauião [os padres] posto em huã petisão que o dito
senado[...] [6, 40, 208]
- 186 -
Almeida, E. S.
20)
[...] em huã petisão que o dito Senado hauia feito o Padre Frei Jgnacio da Graça Prior do
dito Convento sobre não querer liurar os suçidios de huas pippas de uinho[... ][6, 41, 208]
21)
[...] de que tudo se fizera autoamento de que se acostara a petissão que os ditos agrauantes
hauião feito, e na qual dizião// [6, 45, 208]
22)
[...] pera lhe lhebertarem (sic) as ditas catorze pippas de vinho e fizerão a consinação na
mão de Antonio Vaz Domingues a quyem as comprão por não terem ainda leuado mas que
coatro pippas[...] [6, 78, 209]
23)
[...] porque de qualquer maneira se lhe deuião libertar ao dito convento as ditas catorze
pippas que pedia que era a quantia de sua consinação e mas quando o dito comvento não
tinha leuado nehua deste anno,[...] [6, 89, 209]
24)
[...] pello que sem embargo do dito fundamento que os ditos offiçiais da Câmara tomarão
lhe deuião libertar as ditas pippas de uinho que lhe tinhão consinadas e [...] [6, 92, 210]
25)
[...]e [tinhão] arbitradas para cada hum anno para prouimento e gastos do seo convento
[...] [6, 92, 210]
26)
[...] como que tudo se manifestaua o agrauo que lhe fazião os offiçiais da Câmara, e
porquanto tem agrauado perante elles e tomara o agrauo o escriuão Jorge de Souza [....] [6,
98, 210]
27)
[...] e tomara o grauo o escriuão Jorge de Souza, e ia sobre esta mesmo particular se tem
dado duas sentensas a fauor dos Reverendos Padres da Companhia e dos Reverendos
Religiozos de Sam Bento[...] [6, 100, 210]
28)
[...] pedindome emfim ao dito meo Ouidor Geral lhe fizesse merse que com resposta dos
ditos offiçiais da Câmara o dezagrauasse mandando aos ditos offiçiais lha libertassem do
- 187 -
Almeida, E. S.
subçidio grande as ditas catorze pippas de vinho que tinhão tomado a Antonio Vas
Domingues [...] [6, 106, 210]
29)
[...] lhe leuem em conta as que tem elles suplicantes tomado pêra o convento depois que
arendarão o dito contrato athé o prezente,... [6, 133, 211]
30)
[...] que Vossas merses me hauerão uisto me persuadir que na forma que eu lhe consedi
aquella izensão rezolvam vossas merses a logrem também os do Carmo pois nelles
comcorrem mais rezons de menos cabedal para o mereserem// [6, 158, 211]
31)
//Comcluzo nas pipas que se iustificarão ter comprado depois de noue de Outubro para
que,[... ][6, 235, 213]
32)
[...] e jurando os suplicantes serem para sustento do convento se uze do despacho que lhe
temos dado mais e iunto em dezaseis de Outubro do dito mês[...] [6, 237,213]
33)
[...] pello que não fazendo elle assim pedaços os ditos três años se dará a dita terra em agoa
quem (sic) aproueitada não touer de sesmarias a quem as pidir para aproueitar[...] [7, 87,
217]
34)
[...] e lhe será deixado alguns logradouros do que aproueitado nam tiuer, e sobre tudo
pagara mil reius para as obras do concelho desta cidade,[...] [7, 89, 217]
35)
[...] Dis Christouam de bairos que elle tem feito nesta Capitania e cidade de Sam Sebastiam
hum emgenho de asucar no Rio de Mage[...] [8, 24, 219]
36)
[...] (nas cabeceiras das pessoas) das pessoas que tiuerem dadas na dita parte e recebera
mersé// [8, 32, 219]
- 188 -
Almeida, E. S.
37)
[...] e se alguas pessoas a que forem dadas terras no termo da dita cidade as tiuerem
perdidas por as não aproueitarem[...] [8, 71, 220]
38)
[...] e faça de maneira que dentro em coatro mezes tenha feito nas ditas terras algum
proueito e [tenha] plantado alguns mantimentos, [...] [8, 85, 220]
39)
[...] e compridos os ditos três annos que as tenha aproueitdas como dito he; porque não
pffazendo elle assim passados os ditos três annos se darão as ditas terras que aproueitadas
não estiver (sic) [... ][8, 87, 220]
40)
[...] e lhe seja deixado alguns logradores do que aproueitado não tiver, e sobre tudo pagara
mil Reis para as obras do Conçelho e dará pellas ditas terras[...] [8, 91, 221]
41)
[...] e disse o seguinte declara o Suplicante que o cham que pede pera as cazas sam uinte
braças ao longo da Rua direitas, atheo o (sic) que tudo tem sercado, [...] [9, 55, 223]
43)
[...] e se alguas pessoas a quem forem dadas terras no dito termo as tiuerem perdidas por
as não aproueitarem, e uolas tornarem a pedir uos lha das de nouo para as aproueitarem
[....] [9, 105, 224] – problema de concordância
44)
[...] e outrosim Dara da maneira que dentro em coatro mezes tenham feito nellas algum
proueito e plantado alguns mantimentos como forem compridos os ditos três años que as
tenha aproueitadas como dito he... [9, 127, 225] – [como:fnalidade ou conformidade ?]
45)
[...] como forem compridos os ditos três años que as tenha aproueitadas como dito he,
porque não o fazendo elle assim paçados os ditos três anos [...] [9, 129, 225]
46)
[...] paçados os ditos três anos se darão as ditas terras que aproueitadas não tiuer de
sesmaria a quem as pedir para as aproueitar[...] [9, 131, 225]
- 189 -
Almeida, E. S.
47)
[...] a quem as pedir para as aproueitar e lhe será deixado alguns logradores do que
aproueitado não tiuer, e sobretudo pagara mil reis para as obras do conçelho e para as
fontes e pontes vieiros e pedras que lhes neçessario forem[....] [9, 133, 225]
48)
[...] e acabados os ditos três años tendolhe o dito Ayres Fernandez, feito no dito cham
cazas e bemfeitorias elle o poderá uender dar e as doar trocar escambar e fazer delle o que
lhe bem uier[...] [9, 148, 225]
49)
[...] e se aluas pesoas q que assim forem dadas terras no dito termo e as tiuerem perdidas
por as não aproueitarem e uos lãs tornarem a pedir uos lhas das de nouo para as
aproueitarem com as condiçõns e obrigaçõns contheudas neste Capitulo,[...] [10, 72, 227]
50)
[...] e outrosim se fará de maneira que dentro em coatro mezes tenha feito nellas algum
proueito, e [tenha] plantado alguns mantimentos[...] [10, 94, 228]
51)
[...] e [tenha] plantado alguns mantimentos[...] [10, 95, 228]
52)
[...] e como [quando] forem compridos os ditos três annos que as tenha aproueitadas
como dito ge [é], porque[...] [10, 96, 228]
53)
[...] e a mesma obrigação fizeram elles ditos doadores, as coais declarasoins terem
aRendadas as ditas terras, a Gaspar Rodiguez por dois noue annos,[...] [11, 57, 231] –
[dois noue anos/18 ou 29]
54)
[...] que a obrigasam desta escritura no tocante as missas comesará a corre(r) de hoje por
diante, e elles doadores largam ao conuento todo o direito que as ditas terras tiuerem
Rendido este anno [... ] [11, 72, 231]
- 190 -
Almeida, E. S.
55)
[...] e assim e da maneira que elles posuirem e a carta delle o o [sic] declara, o qual tinhão
em seo poder o Padre comissário da dita ordem a quem elles tinhão dada[...] [14, 19, 235]
56)
[...] e se alguas pessoas, a que forem dadas terra do dito termo e as tiuerem perdidas por as
nção aproueitarem e uolas tornarem a pedir uos lhas das de nouvo para as
aproueitarem...[15, 108, 239]
57)
[...] e fronteiras que partem de huas cazas de quem outrosim tem feito intituição e doação a
Santa Caza de Mizericodia desta dita cidade de hua parte, e de outra com cazas de Pedro
Doarte[...] [16, 19, 241]
58)
[...] segundo mais claramente consta da doação feita aos ditos Religiozos, a qual por maior
clareza se Reportam, e de nouo Retificam que ella dita Dona Viúva de amor em graça por
lhe auer emcomendado assim o dito seo marido defunto, disse que trespaçaua [...] [18, 22,
245]
59)
[...] foi dito a mim Tabaliam em prezença das testemunhas ao diante nomeadas que elles
por sua deuoção erão contentes e o forão de fazer doação como pella prezente escritura a
faziam a Virgem do Monte do Carmo desta cidade de coatrocentos mil Reis, a saber
trezentos e sncoenta mil Reis que logo lhe derão na mão de Diogo de Mataroyo que tinhão
emprestado sobre huas cazas térreas, [...] [20, 18, 248]
60)
[...] as quais de prezente uiuem na conformidade de hum asento que ambos tinhão feito em
hum liuro delle Gaspar Aranha em que ambos tinhão asignado[...] [20, 20, 248]
61)
[...] em hum liuro delle Gaspar Aranha em que ambos tinhão asignado, no quel confeça
que por conta das ditas cazas lhe derão ditos trezentos e sincoenta mil Reis tudo na forma
do dito asento[...] [20, 21, 248]
62)
[...] Hieronimo Vellozo Cubas sua molher Breatris Alveres tinhão feito e [tinhão] doado a
elles Religiozos e seo Convento[... ][21, 25, 250]
- 191 -
Almeida, E. S.
63)
[...] e depois sendo viúva a dita sua molher Breatris Alueres fes noua doação, e depois de
cazada com o dito Cappitam Sebastião Mendes da Silveira Elles de nouo tronarão a fazer
doação conformado, aprouando e retificando as que tinhão feito, e de prezente retificando
as que tinhão feito, e de prezente considerando que erão velhos, e achagozos[...] [21, 30,
251] [ato falho do copista?]
64)
[...] em pozadas de Sebatião Mendes da Silveira morador desta dita cidade aonde eu
Tabalião ao diante nomeado fui chamado e sendo ahy apareseo Bratis Alueres molher do
dito Sebastião Mendes da Silveira pesoa de mim Tabalião Reconhesida e por ella me foi
dito em prezença das testemunhas ao diante nomeadas e asignadas que ella daus sua
obtorga, e consentimento a escritura que o dito seo marido hauia feita de troca e concerto
com os Religiozos de Nossa Senhora do Carmo[...] [22, 14, 253]
65)
[...] das quais braças de chaons disserão os ditos Reverendos Padres que elles tinhão
aofrado em nome do dito convento ao dito Antonio Fernandez três braças dos ditos chaons
de testada com comprimento que pertence no canto que faz a dita Rua, [...] [24, 20, 256]
66)
[...] foi dito perante as testemunhas ao diante nomedas e asignados que elles tem licença do
Reverendo Padre Provincial Frei Saluador da Costa, e do Reverendo Padre Prior do dito
Convento Frei Agostinho de Jesvs hauião deRubado a parede fronteira da sua capella da
Payxão de Christo, e[....] [26, 20, 260]
67)
[...] e hauião acrescentado oito ou dês palmos poco mais o menos, [...] [26, 23, 260]
68)
[...] sendo elle suplicante cappitam em Sam vicenti estando esta cidade em guerra a
pedimento do Cappitam passado Saluador Correa de Sáá o mandou socorrer com muita
gente e matim(mentos); e armas com seus filhos e netos E cunhados, e parentes, e amigos e
hora se ueyo con tuda (a sua) caza mulher e filhos e criados e família para aJudar a pouoar
e ennobreçer esta terra (pois é pés)soa nobre e de muito seruiço qe tem feito a sua alteza
como a vossa Senhoria he (notório). [29, 39, 265]
- 192 -
Almeida, E. S.
69)
[...]e outrosim fará de maneira que dentro em coatro mezes tenha feito nellas algum
proueito e plantado alguns mantimentos[...] [29, 161, 268]
70)
[...] e outrosim fará de maneira que dentro em coatro meses tenha feito nellas algum
proueito e [tenha] plantado alguns mantimentos [...] [29, 161, 268]
71)
[...] e como [quando] forem compridos os ditos três annos se daram as ditas terras que
aproueitadas não tiuer de sesmarias as quem as pedir para as aproueitar[...] [29, 163, 268]
72)
[...] não tiuer de sesmarias as quem as pedir para as aproueitar e elle (e lhe) será deixado
alguns logradores: do que aproueitar [aproueitado] nam tiuer e sobretudo pagara mil Reis
para as obras do concelho [...] [29, 165, 268]
73)
[...] e acabados os ditostres annos tendo elle feito nos ditos annos cazas e bemfeitorias as
podera vender e trocar e escambar dar e doar e fazer de todo o que lhe bem vier [...] [29,
179, 268]
74)
[...] nesta cidade do Rio de Janeiro fuy eu Tabaliam abayxo assinado ao bairo de nosa
Senhora da Ajuda, e sendo lá nas pozadas de Miguel Ayres maldonado, e por elle me foy
dito em prezensa das testemunhas ao diante nomeadas e assinadas, que elle se tinha
concertado com o Reverendo Padre Prior do Carmo desta cidade[...] [31, 12, 271]
75)
[...] e os outros muitos mais seruiços que a elle podem ser notórios assim em minha
companhia como os demais capitois pasados athe com efeito por a terra em pás como agora
esta dos quais trabalhados e despezas e athe aqui não tem auido mais galardam que estar
uelho e despozo das ditas guerras pello que me pedia que uisto a calidade de sua pesoa....
[35, 50, 278]
76)
[...] e a doação e foral de El Rej Nosso senhor e por estima carta mando que se lhe de della
pose com outrosi ficar registrada no liuro do registo desta capitania que o dito Senhor tem
dado nesta uilla de Ssantos[...] [35, 93, 279]
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Almeida, E. S.
77)
[...] e assim mais me mandaram meus testamenteiros dizer uinte e sinco missas por minha
tenção por alguas que tenho prometido e por esquecimento as não mandace; dizer[...] [37,
53, 285]
78)
[...] dice por the o prezente elles ditos Religiozos a pedem ou fazem por este instromento
digo não hauerem pedido a dita posse da dita ametade de cazas e sua constituinte como
mulher jgnorante não sabia a condição da dita entrega de cazas [...] [38, 32, 289]
79)
O escruião Luis Lopos dé a posse que tenho mandado ao Padre Procurador do dito
suplicante, sem embargo da uista que lhe pedio o Rendeiro das cazas que nunca pode ser
legitimo contraditor. Costa //.// /[40, 21, 292]
80)
Declaro que os bens que possuo são humas cazas terreas de pedrta, e cal, ao pe da ladeira
do Collegio, em que moro, as quaes eu, e minha mulher temos concertado de instituir nella
huma capella de Missas por nossas Almas,[...] [43, 12, 294]
81)
[...]e logo por elle das suas mãos as minhas me foi dado esta folha de papel escrita nella
duas laudas e principio de outra athe donde comesei esta aprouação dizendome que hera o
seu solemne testamento que o hauia mandado escreuer por Joseph de Almeida Brito e...
[44, 127, 298]
82)
[...] e porque que elle Suplicante que nos ditos chaõns se ponha hum marco de pedra para
que a todo o tempo conte que sam didito convento não obstante terem tomado pose delles
Judicialmente, e se não pessão por devalutas[...] [47, 12, 302]
83)
[...]tomada em consulta do dezembargo do paca [paço], que a suposta a pax entre esta
Corroa (sic) e as de França e Castella, tinha cessado a ordem que no anno de 1705
mandara intimar ao Padre Provincial que então era dessa Província[....] [50, 9, 307]
84)
[...]para não comprir as ordens e patentes de seo Padre Geral sem dar conta ao mesmo
Senhor que me manda participar a Vossa Reverendissima esta noticia para que assim o
- 194 -
Almeida, E. S.
tenha entendido Deos Goarde a Vossa Reverendissima muitos anos Lixboa[...] [50, 13,
307]
85)
[...] e lhes ordene de minha parte, Recolham quaisquer despachos, que em hajam dado
sobre esta matéria de cappella que se pesuam pella Igreja por pesoas ecleziasticas,[...] [54,
38, 311]
86)
[...] e conciderando a graue obrigação que daqui me rezulta de mandar a todas ellas
competente numero de Missionários Douctos, e pios, mayomente hauendo protestado os
Bispos de Vltramar e os superiores das missoeñs que os operários são muy poucos para
tantas e tão grandes searas; [...] [59, 23, 319]
87)
[...] que por o Padre Frei Agostinho da Trindade religiozo da sua mesma ordem e prouincia
e auer asestido na Ilha de Santa Catherina por parrocho dos moradores della e a rogo delles
ir a esta corte solicitar [...] [62, 10, 321]
88)
[...] que os assucares se não fabricassem com aquelles vícios, que lhe tinha perdido a
reputação, [...] [63, 11, 322]
89)
[...] lhe tinha perdido a reputação, não havia sido bastante para se evitar de todo este
damno, sendo a cauza a falsidade com que se fabricão, e[...] [63, 12, 322]
90)
[...]foi dito que elles tinhão feito de novo na Igreja conventual deste dito Mosteiro huã
capela a mão dita na entrada das grades para dentro apartado do Altar dos Passos feita de
Abobeda da Invocação do Apostolo Sam Thiago[...] [67, 17, 329]
91)
[...] a qual capela acabada de todo feichada com suas grades, e chave tinhão largado e
vendido a Administração della, e direito de Padroado a Maria Barreto com obrigação de
huã Missa todas as semanas as 6.as feiras pala Alma de prezente de Diogo Rodriguez seo
marido[...] [67, 21, 329]
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Almeida, E. S.
92)
[...] a qual capela acabada de todo feichada com suas grades, e chave tinhão largado e
[tinhão] vendido a Administração della[...] [67, 21, 329]
93)
[...] e isto por preço e quantia de sete centos e cincoente mil Reis, dos quaes os ditos
Reverendos Padres ao fazer desta escritura confessarão terem Recebidos quatro centos mil
Reis em dinheiro contado e os trezentos, e cincoenta mil reis que restão se obrigou a dita
Maria Barreto a pagar a metade[...] [67, 34, 329]
94)
[...]de Men de Saa do meu concelho que hora esta por meu Gouernador nas ditas partes o
tempo que há seruido pello prouer o dito Men de Saa seu tio conforme ao Regimento[...]
[75, 66, 339]
95)
[...] e se alguãs pessoas a quem forem dadas terras no dito termo e as tiuerem perdidas por
as não aproueitarem[...] [75, 113, 340]
96)
[...] o dito cham e acabados os ditos três annos tendo elles todos ou a cada hum per si feito
no dito chão cazas e bemfeitorias elles e cada hum delles poderam uender trocar descambar
e fazer cada hum[...] [75, 132, 340]
97)
[...] porque elle se constituhia por principal deuedor e todo daria e entregaria como dinheiro
da fazenda de Sua Magestade e depozito que della se aja feito com todas as custas perdas e
danos que sobre esta aRecadação se fizerem[...] [76, 160, 345]
98)
[...] Resta ao dito conuento deuer ao dito Pedro de Albernas Correa so duzentos e nouen ta
mil Reis por lhe terem pago o mais[...] [86, 28, 349]
99)
[...] en Rezan de as hauer deixado e adoado juntamente com outras terras todas misticas
Hyeronimo Velozo e sua mulher Breatis Alueres e depois Retificada e confirmada a dita
adoação por seu sucessor e segundo marido Sebastiam Mendes da Silueira ao conuento e
aos ditos Religiozos de Nossa Senhor do Carmo[...] [88, 34, 351]
- 196 -
Almeida, E. S.
100)
[...] en Rezam de as hauer deixado e [hauer] adoado juntamente com outras terras todas
místicas Hyeronimo Velozo e sua mulher Breatis Alueres[...] [88, 34, 351]
101)
[...] A saber duzentos e quarenta e três mil e oitocentos e quarenta s que pagam elles ditos
Religiozos pella dita Dona Britis de Lemos ao Juízo dos órfãos e auzentes desta cidade por
huã sentença que contra ella tinha alcançado Luis Gomes de Almeida [...] [88, 75, 352]
102)
[...] Luios Gomes de Almeida porque tinha feito penhora nos fruitos do dito engenho em
cujos bens por morte do dito Luis Gomes de Almeida se tinha lançado e feito inventario o
dito Juízo dos defuntos e auzentes da qual quantia lhe deram logo quitação do dito juízo aos
ditos Religiozos[...] [88, 76, 352]
103)
[...] fazem emportancia de quinhentos e quarenta e quatro mil sete centos e oitente Reis que
tantos confessou o dito Licenciado Clemente Martins como procurador da dita Dona Britis
e auer Recebido na forma e maneira que dito he dos ditos Religiozos [...] [88, 99, 353]
104)
[...] trinta caixoins cada anno para o seu engenho delles vendedores sendo o preço delles
duas paracas cada caixam athe com efeito pagar a dita quantia do preço das ditas terras e
confessarão elles vendedores terem recebido a esta conta vinte caixoins que Receberão
esta safra pello mesmo preço [...] [113, 36, 364]
105)
[...] e declaração elles vendedores que rezeruão da dita sorte de terras para si outra ametade
que fica na mão esquerda e nesta forma disseram que tinhão feito esta venda ao dito
capitam Antonio de Muros que por estar prezente a aceitou[...] [113, 42, 364]
106)
[...] e ahi pello capitam Antonio de Muros per si e em nome do dito seu filho me foi
aprezentado [no masculino] huã petição que auia feito o Juiz ordinário do dito Rio de
Janeiro o capitam Francisco de Brito Meirelles em que dizia que a elle e ao dito seu Filho
Gonçalo de Muros lhes auião datas de sesmarias no dito Rio de Goapiiasu com cada sua
legoa de testada[...] [117, 16, 371]
- 197 -
Almeida, E. S.
107)
[...] e ahi pello capitam Antonio de Muros per si e em nome do dito seu filho me foi
aprezantado huã petição que auia feito o Juiz ordinário do dito Rio de Janeiro o capitam
Francisco de Brito Meirelles em que dizia que a elle e ao dito seu Filho Gonçalo de Muros
lhes auião concedido duas datas de sesmarias no dito Rio de Goapiiasu com cada sua legoa
de testada[...] [117, 19, 371]
108)
[...] e bem defronte do citio donde estaua o dito marco de pedra fes o dito capitam Antonio
de Muros outrs deRubada e ceremonia auia feito na primeira posse da outra banda[...] [117,
59, 372]
109)
[...] fomos pello dito Rio asima huã legoa pouco mais ou menos e chegamos a h~u porto
onde o dito capitam Antonio de Muros tem feito hum sitio de fazenda principiado com
muitas bananeiras limeiras feijoin fumo carazais e outras mais plantas [...] [117, 82, 372]
110)
[...] pello escriuão Francisco da Costa moura porquanto a primeira posse que auia tomado
fora pello escriuião dos lemites do macacu Antonio Cabral e pello Juiz da vintena do
mesmo limite Manoel Dias de Carualho[...] [117, 100, 373]
111)
[...] que lhe passe a sua carta a qual será Registrada nos liuros da fazenda de Sua Magestade
para que em todo o tempo se saiba como tenho feito a dita mercê en nome dodito Senhor
como seu bastante procurador que sou e seu lugar tenente[...] [118, 54, 375]
112)
[...] e se alguas pessoas a que forem dadas terras no termo da dita cidade e as tiuerem
perdidas pellas não aproueitarem e uolas tornarem a pedir[...] [124, 62, 381]
113)
[...] e outrosi faram da maneiro que dentro em coatro mezes tenham feito nella algum
proueito e plantado alguns pro digo mantimentos e compridos os ditos três annos se Dara a
dita terra que aproueitada não tiuer de sesmaria a quem a pedir para aproueitar [...] [124,
77, 380]
114)
[...] e [tenha] plantado alguns pro digo mantimentos e compridos os ditos três annos se
Dara a dita terra... [124, 77, 380]
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Almeida, E. S.
115)
[...] e compridos os ditos três annos se dara a dita terra que aproueitada não tiuer de
sesmaria a quem a pedir para aproueitar[...] [124, 80, 380]
116)
[...] e se alguas pessoas a que assim dorem dadas terras no dito termo e as tiuerem
perdidas por as não aproueitarem e uos lãs tornarem a pedir vos lhas das de nouo para as
aproueitarem com as condiçoins [...] [131, 72, 386]
117)
[...] eaproueite as ditas terras e as frutifique da dada desta em três annos primeiros seguintes
e outrosi fara de maneira que dentro em quatro mezes tenha feito nellas algum proueito e
plantado alguns mantimentos[...] [131, 95, 387]
118)
[...] e outrosi fará da maneira que dentro em quatro mezes tenha feito nellas algum proueito
e [tenha] plantado alguns mantimentos[... ][131, 95, 387]
119)
[...] e como [quando] forem compridos os ditos três annos que as tenha aproueitadas
como dito he porque não o fazendo elle assim passados os ditos três annos se darão as ditas
terras que aproueitadas nçao tiuer de sesmaria a quem as pedir [...] [131, 97, 387]
120)
[...] se darão as ditas terras que aproueitadas não tiuer de sesmaria a quem as pedir
[...][131, 99, 387]
121)
[...] e lhe sera deixado alguns logradouros do que aproueitado não tiuer de sesmaria a
quem as pedir[...] [131, 99, 387]
122)
[...]testemunhas que por parte da dita Viuuua Ângela R Rodrigues lhe foram nomeadas e
com ellas sahira e fechara a inquirição e proua e com tudo iunto me forão os autos
concluzos e nelles por meu despacho mandei que ouuesse uista desta inquirição a parte a
quem tocasse... [132, 24, 389]
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Almeida, E. S.
123)
[...]como costa [consta] de huã escritura [...] esta nota em doze de Abril deste dito anno a
coal lhe tem já pago os juros do primeiro anno o dito Joam Alueres de Souza a elles
compradores e despois de acabado o dito anno que he em doze de Abril próximo que
uem[...] [137, 69, 395]
124)
...e as ditas pesas e terras aqui uendidas liures e dezembargadas da ipoteca que de tudo lhe
auia feito o dito vendedor;... [137, 103, 396]
125)
...e se obrigaua por esta escritura e que sendo cazo que alguns dos seus acredores asima
nomeados que tem em seu poder os escrauos declarados empenhados os não entreguem
logo aos ditos Reuerendos Padres a quem os tem já vendidos por este instrumento... [137,
125, 397]
126)
[...] e outro sim declararam os dito Reverendos Padres compradores que elles comprauão as
ditas terras e escravos com o dinheiro que lhes deu Domingos Vas Pereira por hua missa
cotidiana que mandou dizer pella sua alma e de sua mulher cunjo dinheiro que lhe deu para
a dita missa tinham posto a rezão de juro enquanto não comprauão algua propriedade e
bens de rais... [137, 178, 398]
127)
E que nesta Conta Dis o dito comprador se uira a sua verdade se deve ou lhe devem pois
tem pago mais do valor das terras a fora catorze mil reis que deu demais da valiação dos
brejos[...] [138, 21, 400]
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Almeida, E. S.
ALMEIDA, Erica Sousa de. A formação de perífrases verbais no português: um processo
diacrônico. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa – Curso de Pós-Graduação em
Letras Vernáculas, Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2006, 202 fl. Mimeo.
RESUMO
O objetivo deste trabalho é descrever a formação do tempo composto nas construções
participiais com ter e haver, dentro do quadro teórico da sociolingüística quantitativa
laboviana e dos princípios da gramaticalização. Em português, o aparecimento das
perífrases verbais com esses dois verbos deve-se a dois fenômenos distintos e
intercomplementares: a perda do conteúdo semântico de posse nas construções perifrásticas
e a perda da concordância do SN com o respectivo complemento. O interesse pelo estudo
do tema deve-se, dentre outros aspectos, ao fato de existir um acervo de formas com os
verbos ter e haver, em construções participiais, com a possibilidade de interpretação tanto
como possessiva quanto auxiliar (“esvaziada” lexicalmente). Procurou-se, a partir de
documentos diversificados, do século XIII ao XVII, identificar esses tipos de dados,
objetivando apresentar uma análise mais acurada dos aspectos que propiciaram o uso dessas
formas como auxiliares na história da língua portuguesa. Identificam-se os contextos que
levaram à mudança de ter/haver-posse para ter/haver auxiliar de tempos compostos,
descrevendo o processo de mudança por que passaram esses dois verbos, ou seja, os fatores
de natureza lingüística que promoveram o processo de gramaticalização de haver/ter
predicadores para verbos auxiliares. Para tanto, foram verificados os fatores de natureza
léxico-semânticas que atuaram na modança não só de um verbo pleno para auxiliar, mas
também de uma forma adjetival para uma participial (+ verbal). Observou-se, ainda, o
contexto de uso das formas verbais para poder enquadrá-las em uma determinada categoria,
uma vez que determinada forma pode ser empregada para diversas funções na língua.
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Almeida, E. S.
ALMEIDA, Erica Sousa de. A formação de perífrases verbais no português: um processo
diacrônico. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa – Curso de Pós-Graduação em
Letras Vernáculas, Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2006, 202 fl. Mimeo.
RÉSUMÉ
Ce travail présente une description de la formation du temps composé dans les
constructions participielles avec les verbes ter et haver, dans la quadre théorique de la
sociolinguistique quantitative labovienne et selon les principles de la grammaticalisation.
En portugais, la naissance des périphrases verbales avec ces deux verbes est attribuée à
deux phénomènes différents et complémentaires: la perte du contenu sémantique de
possesion dans les constructions périphrastiques et la perte de l’accord entre le SN et son
complément. L’intérêt par ce sujet est expliqué, parmi d’autres raisons, par le fait qu’il
existe un ensemble de formes avec les verbes ter et haver, dans des constructions
participielles, avec la possibilité d’interprétation soit possessive soit auxiliaire
(lexicalement “vide”). À partir de documents diversifiés, du XIIIe au XVIIe siècle, nous
avons identifié ces types de données, pour présenter une analyse plus détaillée des aspects
qui permettent l’emploi des ces formes comme auxiliaires dans l’histoire de la langue
portugaise. Nous identifions les contextes qui ont permi le changement de ter/haverpossession à ter/haver auxiliaire de temps composés, en expliquant le processus de
changement de ces deux verbes, c’est-à-dire, les facteurs de nature linguistique qui ont
stimulé le processus de grammaticalisation de haver/ter prédicateurs à verbes auxiliaires.
Pour cela, nous avons consideré les facteurs de nature lexico-sémantiques qui ont agi dans
le changement d’un verbe plein à auxiliaire, aussi bien que d’une forme adjective à une
forme participielle (+ verbale). Nous avons considéré aussi le contexte d’usage des formes
verbales pour les classer dans une catégorie, une fois qu’une forme spécifique peut être
employée avec plusieures fonctions dans la langue.
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