CENTRO DE ESTUDOS EM MEDICINA FETAL – FETUS 2010 PROJETO YEAR BOOK – CENTRO DE ESTUDOS EM MEDICINA FETAL. CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA FETAL – FETUS. TAQUIARRITMIAS FETAIS Leonardo Carlos da Silveira Falcão São Paulo – SP 2011 LEONARDO CARLOS DA SILVEIRA FALCÃO TAQUIARRITMIAS FETAIS Trabalho de Conclusão de Curso em Pós-Graduação em Medicina Fetal, Projeto Year Book – FETUS 2010, Centro de Estudos em Medicina Fetal – FETUS. Orientador: Prof. Dr. Eduardo Isfer. São Paulo – SP 2010 LEONARDO CARLOS DA SILVEIRA FALCÃO TAQUIARRITMIAS FETAIS Trabalho de Conclusão do Curso de Pós-Graduação em Medicina Fetal, Projeto Year Book – FETUS 2010, Centro de Estudos em Medicina Fetal – FETUS. São Paulo. São Paulo, 19 de fevereiro de 2011. BANCA EXAMINADORA __________________________________ Prof. Dr. Sang Choon Cha Curso de Pós-Graduação em Medicina Fetal __________________________________ Prof. Dr. Eduardo Isfer Curso de Pós-Graduação em Medicina Fetal AGRADECIMENTOS A Deus, que nos deu tudo e esteve sempre presente permitindo a realização e concretização deste trabalho. Aos nossos pais que nos momentos de sucesso ou de dificuldades sempre nos proporcionam o incentivo e a segurança para continuar lutando pelos nossos objetivos. A Emanuelle, minha esposa pela paciência, incentivo e companheirismo. Aos meus filhos pelos momentos ausentes. Ao nosso professor orientador, que com boa vontade, compartilhou seus conhecimentos e suas experiências, possibilitando chegar ao final de cada etapa deste estudo. Aos colegas pelo convívio fraternal. A todos que de uma forma ou outra contribuíram para que esse trabalho fosse realizado com êxito. “Não confunda derrotas com fracasso nem vitórias com sucesso. Na vida de um campeão sempre haverá algumas derrotas, assim como na vida de um perdedor sempre haverá vitórias. A diferença é que, enquanto os campeões crescem nas derrotas, os perdedores se acomodam nas vitórias.” Roberto Shinyashiki SUMÁRIO LISTA DE ABREVIATURAS ...................................................................................... 07 LISTA DE FIGURAS ................................................................................................. 08 LISTA DE TABELAS ................................................................................................. 10 RESUMO ................................................................................................................. 11 ABSTRACT .............................................................................................................. 12 1- INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 13 2- OBJETIVOS ........................................................................................................ 16 2.1 OBJETIVO GERAL ......................................................................................... 16 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ........................................................................... 16 3- METODOLOGIA ................................................................................................... 17 4- TAQUIARRITMIAS FETAIS .................................................................................. 18 4.1 TAQUICARDIA SINUSAL.......................................................................... 24 4.2 TAQUICARIDA SUPRA-VENTRICULAR ................................................. 28 4.3 FLUTTER ATRIAL..................................................................................... 37 4.4 TAQUICARDIA VENTRICULAR ............................................................... 43 5- CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 48 6- REFERÊNCIAS .................................................................................................... 50 7 LISTA DE ABREVIATURAS BCF: Batimentos Cárdio-Fetais. Bpm: Batimentos por minuto USG: Ultrassonografia ECG fetal: Eletrocardiograma fetal BVS: Biblioteca Virtual em Saúde ICC: Insuficiência Cardíaca Congestiva AV: Átrio-Ventricular ECG: Eletrocardiograma TS: Taquicardia Sinusal TSV: Taquicardia Supra-Ventricular FA: Flutter Atrial TV: Taquicardia Ventricular 8 LISTA DE FIGURAS: Figura 1: Sistema de condução dos estímulos elétricos cardíacos. Figura 2: Mecanismos etiopatológicos das arritmias cardíacas. Figura 3: Classificação das taquiarritmias fetais conforme a condução AV. Figura 4: Traçado de avaliação das ondas P e complexos QRS-T obtidas pela magnetocardiografia. Figura 5: Representação do Doppler Tecidual com obtenção das relações entre as velocidades de contração miocárdica, atriais e ventriculares. Figura 6: Ecocardiograma MODO- M com obtenção dos traçados dos movimentos das paredes atriais e ventriculares ao longo do tempo. Figura 7: Etiopatogenia da taquicardia sinusal. Figura 8: Representação esquemática da taquicardia atrial -condução AV 1:1. Figura 9: Conduta pré-natal frente a evidência de taquicardia sinusal. Figura 10: Representação gráfica da TSV x Outras arritmias cardíacas fetais. Figura 11: Representação esquemática da taquicardia supra-ventricular com 9 condução AV 1:1, geralmente com freqüência cardíaca superior a 240 bpm. Figura 12: Esquema de tratamento para a TSV não sustentada. Figura 13: Tratamento para a TSV sustentada / sinais de hidropisia. Figura 14: Esquema representando a conduta obstétrica conforme evolução da TSV sustentada ou com hidropisia fetal não imune. Figura 15: Esquema representando a conduta obstétrica conforme evolução da TSV intermitente ou com reversão total para o ritmo sinusal. Figura 16: Esquema representando a etiopatogenia do Flutter Atrial. Figura 17: Representação esquemática do flutter atrial com bloqueio parcial dos estímulos para os ventrículos, resultando numa condução A-V 2:1. Figura 18: Tratamento do Flutter Atrial - via transplacentária. Figura 19: Taquicardia ventricular com dissociação da condução AV. Figura 20: Tratamento da taquicardia ventricular persistente Figura 21: Tratamento da taquicardia ventricular persistente com sinais de hidropisia fetal não imune. 10 LISTA DE TABELAS: Tabela 1: Fatores etiológicos associados a taquicardia sinusal. Tabela 2: Drogas antiarrítmicas utilizadas no tratamento de taquiarritmias fetais. 11 RESUMO A avaliação fetal sob o ponto de vista cardiovascular: aspecto estrutural e funcional são extremamente importantes para o prognóstico fetal e podem influenciar diretamente na morbimortalidade perinatal. As alterações do ritmo cardíaco fetal avaliadas neste trabalho são definidas como taquiarritmias. Nestas circunstâncias, a freqüência cardíaca fetal, normalmente é superior a 180 batimentos por minuto. O diagnóstico de arritmia cardíaca fetal exige a investigação de alterações estruturais do coração através da ecografia e do ecocardiograma. As taquiarritmias benignas transitórias são freqüentes. Já as arritmias malignas ocorrem em 10 a 20% dos casos e incluem a taquicardia supraventricular, o flutter atrial e a taquicardia ventricular. Quanto a etiologia das arritmias malignas, relacionam-se à presença de vias de condução anômalas ou acessórias ou de focos ectópicos autônomos. As arritmias benignas estão associadas normalmente a fatores maternos ou a fatores fetais, tais como mecanismos auto-imunes, alterações hormonais ou compressão do pólo cefálico ou cordão umbilical. O manejo especializado das taquiarritmias fetais, incluindo a terapia farmacológica intra-uterina, diminuem a morbidade relacionada à hidropisia fetal, prematuridade e complicações neonatais. Sendo assim é importante o conhecimento das características clínicas das principais taquiarritmias fetais os medicamentos utilizados no tratamento transplacentário ou através da cordocentese, seu prognóstico e a evolução clínica de tais taquiarritmias. 12 ABSTRACT Fetal evaluation under the cardiovascular point of view: structural and functional aspects are extremely important for fetal prognosis and can directly influence perinatal mortality. The changes in fetal heart rate evaluated in this work are defined as tachyarrhythmias. Under these circumstances, the fetal heart rate is usually above 180 beats per minute. The diagnosis of fetal cardiac arrhythmia requires the investigation of structural changes of the heart using ultrasound and echocardiography. Tachyarrhythmias are frequent benign transient. Since the malignant arrhythmias occur in 10 to 20% of cases and include supraventricular tachycardia, atrial flutter and ventricular tachycardia. As the etiology of malignant arrhythmias, are related to the presence of anomalous conduction pathways or accessory or ectopic autonomous. The benign arrhythmias are usually associated with the maternal or fetal factors, such as autoimmune mechanisms, hormonal changes or compression of the head or umbilical cord. The specialist management of fetal tachyarrhythmias, including intrauterine drug therapy, reduce morbidity related to fetal hydrops, prematurity and neonatal complications. Therefore it is important to know the clinical characteristics of fetal tachyarrhythmias main drugs used to treat or through transplacental cordocentesis, their prognosis and clinical outcome of these tachyarrhythmias 13 1-INTRODUÇÃO O processo gestacional é uma situação que gera inúmeras expectativas para uma família, e a ocorrência de uma patologia congênita e suas conseqüências, podem acarretar uma desestruturação, principalmente quando diagnosticadas no período pós-natal. (Muller, 2005). Nas últimas décadas a medicina tem demonstrado um considerável avanço técnico-científico. A evolução dos conhecimentos e sua imediata aplicação prática proporciona benefícios diretos ao verdadeiro beneficiário do processo, o paciente. De uma forma em geral, as especialidades médicas têm conseguido transformar com grande esforço e sucesso, a luta pela saúde em uma situação mais próxima do atingível. Nesse processo evolutivo, a cardiologia fetal vem conquistando inúmeros avanços que se sucedem em uma velocidade crescente, assim como os métodos complementares de diagnóstico e terapêuticos, sendo incorporados rapidamente na prática médica diária. As possibilidades de detecção de anormalidades cardíacas estruturais e funcionais intra-útero permitiram uma revolução na terapêutica médica dessas anormalidades. Há algumas décadas, a dinâmica do coração fetal e outros aspectos da vida intra-uterina era algo desconhecido para a medicina, porém o advento da ecocardiografia fetal associada à evolução da ultrassonografia ( USG) e da medicina fetal, estão proporcionando um “novo descobrimento” do coração fetal. Cardiopatias graves com necessidade de atendimento de emergência logo após o nascimento passaram a ter o diagnóstico ainda na vida intra-uterina, permitindo assim, um melhor planejamento das ações médicas no pós-parto imediato. O interesse nas arritmias cardíacas fetais vem aumentando nos últimos anos, 14 conseqüente à maior utilização dos métodos de monitorização fetal, proporcionando uma mudança na avaliação e conduta frente às arritmias fetais que por sua vez está deixando de ter cunho exclusivamente acadêmico, para alcançar aplicabilidade clínica (Vergani et al., 2005). Trabalhos recentes demonstram a precisão diagnóstica das arritmias pela ecocardiografia fetal, bem como os resultados animadores em termos de tratamento com drogas antiarrítmicas. As intervenções terapêuticas intra-uterina é uma área da medicina fetal em grande desenvolvimento, permitindo tratar e diminuir a morbimortalidade fetal. As arritmias cardíacas fetais constituem em torno de 2 - 5 % das complicações gerais de todas as gestações. A grande maioria das arritmias fetais, cerca de 80 a 90%, são benignas e 10 a 20% são consideradas malignas, ou seja, requerem tratamento e apresentam prognóstico ruim para evolução pós-natal (Crosson & Scheel, 1996; Strasburger, 2000; Kleiman & Neghme, 2004). No decorrer das últimas décadas, observou-se que o feto tem uma freqüência cardíaca variável, podendo apresentar períodos de bradicardia ou taquicardia de duração variável, dependendo da idade gestacional. Sendo assim, estabeleceu-se que apenas freqüências persistentes menores que 100 batimentos por minuto (bpm) ou maiores ou iguais a 200 bpm necessitariam de uma melhor avaliação (Allan et al. 1997, Tanel & Rhodes, 2001). As arritmias cardíacas fetais normalmente são detectadas através do exame auscultatório rotineiro ou através de monitorizações eletrônicas fetais. Nesses casos, inicialmente tentou-se utilizar o eletrocardiograma fetal ( ECG fetal), porém este se mostrou tecnicamente limitado e falho devido a interferência materna. Sendo assim, o diagnóstico preciso exigiu o surgimento e o desenvolvimento de métodos 15 diagnósticos mais avançados tais como o ecodopplercardiograma fetal, com a introdução do ecocardiograma modo-M, a magnetocardiografia e o doppler tecidual. (Kleiman & Neghme, 2004; Strasburger et al, 2008). 16 2- OBJETIVOS 2.1 Objetivo Geral: Realizar revisão literária mundial sobre as principais taquiarritmias fetais. 2.2 Objetivos Específicos: Revisar na literatura as principais taquiarritmias fetais definindo o conceito, incidência, etiopatogenia, classificação, anomalias associadas, diagnóstico pré natal, diagnóstico diferencial, conduta pré-natal, conduta obstétrica, assistência neonatal e prognóstico das principais taquiarritmias fetais. 17 3-METODOLOGIA O presente trabalho de monografia visa uma revisão literária de cunho exploratório, tendo como palavras-chave: feto, cardiopatias, ecocardiografia, arritmia cardíaca, taquiarritmias, etiopatogenia, diagnóstico, tratamento. Expressões-chaves: cardiopatias + fetal; taquiarritmias fetais + ecocardiograma; taquiarritmias fetais + tratamento + condutas; taquiarritmias fetais + prognóstico; taquicardia atrial + fetal; flutter atrial + fetal; taquicardia ventricular + fetal. Foi realizado um levantamento, seleção e revisão bibliográfica de acervos públicos e privados, selecionando livros, artigos e periódicos em bancos de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Pubmed e Bireme. A revisão literária seguiu as seguintes etapas: definição prévia do tema através de “sorteio”, revisão bibliográfica preliminar, busca das fontes, revisão literária do material, organização do material e redação do trabalho sobre as principais taquiarritmias encontradas na vida fetal. . 18 4- TAQUIARRITMIAS FETAIS Segundo Lopes & Zugaib 1997, o sistema de condução do coração fetal está funcionalmente maduro por volta da 16ª semana. O nó sinusal encontra sua própria artéria para irrigação na 10ª semana e apresenta um pouco menos de colágeno em comparação ao nó sinusal do indivíduo adulto. O nó atrioventricular (AV) é formado na 10ª semana, separadamente do feixe de Hiss. A fusão de ambos é feita secundariamente. O sistema de condução cardíaco é formado pelos elementos: nó sinusal; vias preferenciais atriais; nó AV; bifurcação dos ramos do feixe de Hiss em direito e esquerdo; rede ou fibras de Purkinje; miocárdio ventricular. Figura 1: Representação do sistema de condução dos estímulo elétricos cardíacos. Fonte: http://geocities.ws/equipecv/fisiologia/figuraconducao.html 19 As cardiopatias congênitas que apresentam defeitos septais determinam o deslocamento do sistema de condução, porém não o interrompem. As fibras miocárdicas que constituem o sistema de condução apresentam uma característica fisiológica determinante que é a automaticidade, responsável pelo surgimento de mecanismos de arritmia. A automaticidade deve ser compreendida como uma característica apenas das fibras miocárdicas especializadas, que formam o sistema de condução e não do miocárdio contráctil. Refere-se à origem rítmica espontânea dos impulsos que são conduzidos para todas as partes do coração. O miocárdio contráctil, por sua vez, apresenta como característica, o período refratário relativo e absoluto. O período refratário absoluto é quando a fibra miocárdica, uma vez contraída, apresenta um intervalo de tempo finito durante o qual não pode ser estimulada novamente. Ao final desse tempo, começa o período refratário relativo, quando volta a apresentar, porém não completa resposta frente a um estímulo. O período refratário absoluto é o período responsável pela proteção do coração em relação às arritmias. Figura 2: Mecanismos etiopatológicos das arritmias cardíacas. Mecanismos Etiopatológicos: Automaticidade anormal Fonte: o autor Condução anormal dos estímulos 20 Sendo assim, a arritmia cardíaca resulta de uma automaticidade anormal, uma condução anormal ou da combinação de ambos. Figura 3: Classificação das taquiarritmias fetais conforme a condução AV. TS 1- Condução AV 1:1 TSV FA 2- Dissociação AV TV Fonte: o autor Quando há dissociação AV, os mecanismos mais prováveis são a reentrada intra-atrial e a taquicardia atrial automática (Naheed et al,1996). Os métodos de avaliação das arritmias cardíacas fetais apresentaram evolução significativa nas últimas décadas. Sendo assim, essas arritmias podem ser analisadas através da magnetocardiografia, método não-invasivo e teoricamente capaz de realizar uma avaliação das ondas P e complexos QRS-T a partir de 20 semanas de gestação ( Kähler et al, 2001; Maeno et al, 2009; Strasburger et al, 2008). 21 Figura 4: Avaliação das ondas P e complexos QRS-T - magnetocardiografia. Fonte: Strasburger JF, Cheulkar B, Wakai RT. Magnetocardiography for fetal arrhythmias. Heart Rhythm. 2008; 5:1073–1076. O Doppler Tecidual é o método mais recente a ser utilizado para avaliação das arritmias cardíacas fetais, descrevendo relações entre as velocidades de contração miocárdica, atriais e ventriculares. (Maeno et al, 2009; Strasburger et al, 2008; Matta & Cuneo, 2010). Figura 5: Representação do Doppler Tecidual com obtenção das relações entre as velocidades de contração miocárdica, atriais e ventriculares. Fonte: www.echotalk.blogspot.com 22 A ecocardiografia M-MODE, método mais utilizado na prática clínica, caracteriza-se por ser um exame realizado em tempo real, onde a imagem bidimensional cardíaca pode orientar a posição da linha de foco, sendo assim, obtém-se traçados dos movimentos das paredes atriais e ventriculares ao longo do tempo. As informações orientam sobre a cronologia dos eventos mecânicos do ciclo cardíaco, os quais refletem eventos elétricos prévios (Devore,1983; Carvalho, 1997; Maeno et al 2009; Callen, 2010). Figura 6: Ecocardiograma MODO- M com obtenção dos traçados dos movimentos das paredes atriais e ventriculares ao longo do tempo. Fonte: www.impaedcard.com A avaliação da ecocardiografia do M-MODE por ser realizada também pelo doppler pulsátil que caracteriza-se pela utilização da imagem ultrassonográfica bidimensional para direcionar o transdutor do Doppler pulsátil para dentro das câmaras cardíacas ou grandes vasos, fornecendo informações relacionadas à cronologia dos eventos mecânicos e sua influência no enchimento ventricular e fluxo arterial. A utilização do Doppler colorido em associação com a ecocardiografia M- 23 MODE na avaliação estrutural e dinâmica do coração fetal trouxe uma melhor acurácia ao diagnóstico estrutural pré-natal, pois oferece simultaneamente dados sobre o fluxo sangüíneo, apesar da perda da resolução temporal nesse mapeamento colorido do fluxo. Essa limitação pode ser amenizada com a realização de um ECG ao nascer, que fornece essa informação temporal e cronológica dos eventos. (Kovalchin, 2004; Kohl, 2002; Isfer, 1996; Pastore; 2010). Dentre as principais taquiarritmias fetais destacam-se: a taquicardia sinusal (TS), a taquicardia supra-ventricular (TSV), o flutter atrial (FA) e a taquicardia ventricular (TV). Estas, por apresentarem maior incidência, importância clínica devido ao fato de determinarem maiores dúvidas ao pré-natalista quanto a sua evolução, tratamento e prognóstico serão analisadas no decorrer deste trabalho. 24 4.1- TAQUICARDIA SINUSAL: Conceito: A taquicardia sinusal caracteriza-se pela presença de um ritmo de condução AV 1:1. Geralmente, a freqüência cardíaca apresenta-se de forma variável. Sendo assim, observamos na maioria dos casos de taquicardia sinusal freqüências cardíacas basais entre 180 e 190 bpm, com variações normais em resposta à atividade fetal (Zielinsky, 1996). Incidência: É uma arritmia fetal freqüente em decorrência de sua associação com situações maternas que determinam e se caracterizam por apresentar uma estimulação adrenérgica fetal. Etiopatogenia: A taquicardia sinusal muitas vezes não apresenta etiopatogenia definida, mas geralmente decorre de uma estimulação adrenérgica do nó sinusal fetal. Figura 7: Representação esquemática da etiopatogenia da taquicardia sinusal. Estimulação Adrenérgica Taquicardia Sinusal Fonte: o autor 25 Foram enumeradas diversas causas dessa estimulação adrenérgica. Segundo Gymosky et al, 2004; as principais causas da taquicardia sinusal estão associadas a fatores maternos e fetais. Tabela 1: Fatores etiológicos associados a taquicardia sinusal. Maternos Fetais Infecções maternas / Hipertermia materna Hipoxemia fetal Ingesta de drogas Acidose Ingesta de hormônios Infecção fetal Hipertireoidismo Miocardites Fonte: o autor Diagnóstico Pré-Natal: A taquicardia sinusal é evidenciada geralmente ao exame físico da gestante, através da ausculta dos batimentos cardiofetais, onde constata-se a o aumento da freqüência cardíaca fetal acima de 160 batimentos por minuto. Normalmente, a taquicardia sinusal está associada à intensa movimentação fetal. Quando persistente deve-se indicar o ecocardiograma fetal para uma melhor avaliação desta situação. O ecocardiograma fetal utilizado para avaliação complementar permite a identificação da seqüência temporal entre a sístole atrial e ventricular, sendo seu registro realizado no modo M e mensurado em milissegundos. Espera-se encontrar um ritmo com condução AV 1:1, com freqüência cardíaca variável, acima de 160 batimentos por minuto. 26 Figura 8: Representação esquemática da taquicardia atrial com condução AV 1:1. (A) (V) ( A) Triângulo vermelho representa a contração atrial ( V) Triângulo azul representa a contração ventricular Fonte: o autor Diagnóstico Diferencial: Nos casos de taquicardia sinusal deve-se fazer o diagnóstico diferencial com outras taquiarritmias supraventriculares: tais como a taquicardia atrial, flutter atrial e a taquicardia supra-ventricular. Conduta Pré-Natal: Os casos de taquicardia sinusal são geralmente benignos e associados a situações de estimulação adrenérgica, como por exemplo a própria movimentação fetal. Sendo assim, a conduta para esses casos consiste no acompanhamento do crescimento fetal, sua vitalidade e também no tratamento de situações que podem estar desencadeando o estímulo adrenérgico (Strasburger, 1997). 27 Figura 9: Conduta pré-natal frente a evidência de taquicardia sinusal. TAQUICARDIA SINUSAL FETAL AVALIAÇÃO MATERNA Anamnese Exame físico Ex. laboratoriais AVALIAÇÃO FETAL USG Obstétrica USG Doppler Cardiotocografia Ecocardiograma Fonte: o autor Conduta Obstétrica: O obstetra deve acompanhar o pré-natal, observando a evolução clínica do feto. Como a taquicardia sinusal geralmente apresenta-se de forma benigna, sem comprometimento da vitalidade fetal, deve-se conduzir a gestação até o mais próximo do termo, a não ser em casos de risco materno ou fetal. Conduta Neonatal / Prognóstico: A taquicardia sinusal por apresentar-se na maioria das vezes como uma arritmia fetal benigna, apresenta prognóstico neonatal favorável e poucas vezes exige cuidados intensivos ou tratamento neonatal diferenciado. Porém é importante que o neonatologista seja informado sobre o diagnóstico obstétrico e esteja atento a sinais clínicos de possíveis (Emmanouilides, et al. 1995). complicações com descompensação clínica 28 4.2-TAQUICARDIA SUPRA-VENTRICULAR: Conceito: No feto, a taquicardia supra-ventricular (TSV) é definida por um aumento persistente da freqüência cardíaca acima de 200 batimentos por minuto, estando geralmente entre 240 – 290 batimentos por minuto. A TSV é uma arritmia geralmente mal tolerada, com freqüente evolução para insuficiência cardíaca diastólica e hidropisia fetal secundária. Quando a seqüência atrioventricular é mantida, as manifestações de sofrimento são geralmente mais tardias e menos intensas. (Bergmans,1985; Hallak et al, 1991; M, Zielinsky, 1996) Incidência: É uma arritmia pouco freqüente, porém é a forma mais comum de taquiarritmia fetal. Numa análise de 1379 fetos realizada por Kleinman e colaboradores (2004), observou-se que os fetos encaminhados à sua instituição para avaliação de arritmias cardíacas fetais, 1213 (88%) apresentavam um ritmo sinusal normal ou extrassístoles isoladas, as quais se resolveram com a evolução da gestação ou nos primeiros dias de vida; dos 166 fetos que apresentavam arritmias cardíacas sustentadas, a maioria (69) caracterizava-se por apresentar TSV. 29 Figura 10: Representação gráfica da TSV x Outras arritmias cardíacas fetais. Análise de 166 fetos com arritmias sustentadas. TSV Outras TSV 43% Outras 57% Fonte: O autor Etiopatogenia: Há dois mecanismos propostos para definir a etiopatogenia da TSV, podendo ambos apresentarem-se de forma contínua ou intermitente. 1) Reentrância com conexão átrio-ventricular acessória: apresenta uma pequena variabilidade batimento a batimento, de início e término súbitos, sustentado ou não, havendo concordância átrio-ventricular em 1:1 com início e resoluções espontâneas súbitas (Tanel & Rhodes, 2001). Geralmente, caracteriza-se por ser secundária ao aumento da automaticidade do foco atrial sinusal ou não, apresentando uma alta associação com cardiomiopatias. (Jones & Garmel, 2001). 2) Foco ectópico: caracteriza-se por apresentar foco ectópico com características de marcapasso, normalmente com freqüência cardíaca muito elevada (Tanel & Rhodes, 2001; Jones & Garmel, 2001). 30 Diagnóstico Pré-Natal: O diagnóstico de TSV caracteriza-se pela presença de uma freqüência cardíaca onde as taxas variam entre 200-300 bpm. Normalmente a freqüência cardíaca é superior a 240 bpm, embora índices fisiológicos também possam ser observados em determinados momentos. O diagnóstico deve ser realizado através do ecocardiograma fetal Modo-M. Segundo Zielinsky, 1998 foram revisados os registros médicos de 3117 gestantes encaminhadas para um centro terciário de cardiologia fetal, de janeiro/89 a outubro/97, neste trabalho o diagnóstico baseou-se na análise da seqüência temporal da contração atrial e ventricular ao ecocardiograma uni-bidimensional. Foram diagnosticados 25 casos (0,83%) de taquiarritmias fetais, sendo 17 casos de TSV. Figura 11: Representação esquemática da taquicardia supra-ventricular com condução AV 1:1, geralmente com freqüência cardíaca superior a 240 bpm. (A) (V) ( A) Triângulo vermelho representa a contração atrial (V) Triângulo azul representa a contração ventricular Fonte: o autor 31 Diagnóstico Diferencial: Nos casos de taquicardia sinusal deve-se fazer o diagnóstico diferencial com outras taquiarritmias supraventriculares: taquicardia atrial e o flutter atrial. Conduta Pré-Natal: Segundo Crosson & Scheel, 1996, a decisão em tratar a TSV depende de alguns critérios que necessitam ser avaliados: 1) Idade gestacional no momento do diagnóstico da TSV; 2) Presença de sinais de insuficiência cardíaca; 3) Duração dos episódios de taquicardia; 4) Opinião dos pais sobre o tratamento a ser instituído. Confirmado o diagnóstico de TSV é necessário hospitalizar a gestante, pois há um grande risco de instalação de insuficiência cardíaca congestiva com hidropisia fetal não-imune, determinando uma piora significativa no prognóstico fetal. (Sharland, 2001, Hallak et al., 1991). O tratamento medicamentoso utiliza drogas que apresentam ação de supressão da condução elétrica cardíaca e prolongam os períodos refratários no nódulo AV ou no tecido acessório. O tratamento deve ser iniciado com antiarrítmicos administrados de forma transplacentária, preferencialmente em esquema de monoterapia. A digoxina é a droga de escolha: - Dose de ataque: 1,0 – 1,5 mg via oral (VO) / dia durante 03 dias. - Dose de manutenção: 0,5 – 0,75 mg VO / dia até o parto. 32 Figura 12: Esquema de tratamento para a TSV não sustentada. Digoxina Ataque Manutenção 1 – 1,5 mg / d 0,5 - 0,75 mg / d Fonte: o autor Nos casos de TSV sustentada ou com evolução para hidropisia fetal nãoimune deve-se indicar a terapêutica fetal de ataque via cordocentese e a terapêutica de manutenção via transplacentária: - Dose de ataque (Cedilanide): 0,04 mg/Kg/feto - Dose de manutenção (Digoxina): 0,5 – 0,75 mg VO / dia até o parto 33 Figura 13: Esquema de tratamento para a TSV sustentada ou sinais de hidropisia. TSV Sustentada Hidropisia Ataque Manutenção Cordocentese Transplacentária Cedilanide 0,04 mg/Kg Digoxina 0,5 / 0,75 mg/d Fonte: o autor A digoxinemia materna deve ser monitorizada a cada dois dias quando se está na fase de dose de ataque, sabendo-se que a dose terapêutica fetal é atingida quando a digoxinemia materna atinge 1,5 - 2,0 ng/ml. A possibilidade de intoxicação digitálica materna é real, sendo aconselhável que se faça todo este tratamento com monitorização materna em ambiente hospitalar (Bergmans, 1985; Hallak et al,1991; Gimosky et al, 2004;) . Outras opções de tratamentos utilizam drogas alternativas: beta-bloqueadores (propanolol); bloqueadores de canais de cálcio (verapamil); antiarrítmicos tipo IA (quinidina, procainamida); e antiarrítmicos tipo III (amiodarona, sotalol). O flecainide também é muito efetivo no tratamento de taquicardia supraventricular fetal, porém seu uso é limitado devido seus possíveis efeitos pró-arrítmicos. A amiodarona pode 34 ser utilizada no tratamento das taquicardias supraventriculares, porém sua baixa tolerabilidade restringe seu uso como droga de primeira linha, principalmente por estar associada à supressão da função tireoidiana (Oudijk et al., 2002, Jouannic et al., 2003). Conduta Obstétrica: Deve-se monitorar a evolução da gestação nos casos de reversão total para o ritmo sinusal. Nos casos de não reversão da taquiarritmia supraventricular ou em fetos hidrópicos com maturidade pulmonar atingida, a resolução da gestação deve ser formalizada e o tratamento realizado pós-natal, pois ocorre um grande prejuízo na transferência transplacentária de drogas devido ao edema placentário. Figura 14: Esquema representando a conduta obstétrica conforme evolução da TSV sustentada ou com hidropisia fetal não imune. TSV Sustentada Hidropisia Fetal Maturidade pulmonar (-) (+) Interrupção Corticóide + Interrupção Tratamento Neonatal Fonte: o autor 35 Figura 15: Esquema representando a conduta obstétrica conforme evolução da TSV intermitente ou com reversão total para o ritmo sinusal. TSV Intermitente / com reversão total Ritmo Sinusal Ecocardiograma controle 2 -2 semanas Fonte: o autor Assistência Neonatal: O tratamento da TSV no neonato tem como principal objetivo a manutenção do ritmo sinusal e a prevenção da ICC, promovendo alívio dos sinais e sintomas da congestão venosa sistêmica e pulmonar; melhorar o desempenho do miocárdio; melhorar a perfusão periférica e aumentar o suprimento tecidual de oxigênio. (Buck, 2005; Emmanouilides, et al. 1995). A TSV intermitente ou quando apresenta reversão completa para o ritmo sinusal durante a gestação costuma apresentar um prognóstico neonatal favorável e eventualmente exige cuidados intensivos. Nestes casos, deve-se manter o antiarrítmico por um período de 6 – 12 meses. Nos casos de fetos com TSV persistente ou com sinais de hidropisia, o prognóstico torna-se reservado e o neonatologista deve estar atento para uma descompensação clínica e uma evolução desfavorável. 36 O neonatologista deve estar atento a sinais clínicos de insuficiência cardíaca congestiva (ICC) no neonato: cardiomegalia, taquicardia, taquipnéia e hepatomegalia. O conjunto desses sinais é tão importante que, na ausência de um deles, devemos questionar o diagnóstico de ICC. Alguns exames podem ser úteis para avaliação complementar: 1) Radiografia do tórax: observar se há alterações na área cardíaca e sinais de congestão venocapilar pulmonar. 2) Eletrocardiograma: importante para avaliação diagnóstica e evolutiva da TSV no neonato. 3) Ecocardiograma: é fundamental para confirmação do diagnóstico, possibilitando uma avaliação estrutural do coração (outras possíveis cardiopatias congênitas, miocardiopatias, valvulopatias) e avaliação funcional (dimensão das cavidades ventriculares, função sistólica e diastólica ventricular). 4) Exames laboratoriais: Hemograma, VHS, eletrólitos, glicemia, urina e gasometria arterial. (Braunwald, et al. 2001; Sharland 2001). 37 4.3- FLUTTER ATRIAL: Conceito: A terminologia foi usada inicialmente em adultos para descrever os traçados eletrocardiográficos que apresentavam despolarizações atriais regulares numa freqüência de 260 – 340 batimentos por minuto. No feto, o flutter atrial é definida como uma freqüência regular atrial rápida de 300-600 bpm acompanhada por graus variáveis de bloqueio da condução AV, resultando em uma menor freqüência ventricular. (Lisowski,2000; Tanel & Rhodes, 2001.) Quando a freqüência atrial apresenta essas características, o nó AV realiza um bloqueio fisiológico do estímulo elétrico numa proporção 2:1 (Bloqueio átrioventricular de segundo grau). Incidência: O flutter atrial representa um terço das taquiarritmias fetais (26,2%), sendo a mais comum taquicardia atrial primária (Tanel & Rhodes, 2001; Matta & Cuneo, 2010). A maioria dos fetos e recém-nascidos com flutter atrial apresentam o coração estruturalmente normal. No entanto, há uma maior incidência do flutter atrial quando presente algumas anomalias cardíacas estruturais, tais como anomalia de Ebstein de valva tricúspide e defeitos septais AV (Naheed et al, 1996; Porat et al, 2003). Segundo Southall et al (1981), em 3383 nascidos, apenas 1 recém nascido apresentava flutter atrial, isso porque o flutter atrial geralmente apresenta conversão espontânea para o ritmo sinusal no parto e a sua recorrência é pouco freqüente. 38 Etiopatogenia: A etiopatogenia do flutter atrial está relacionado a um circuito de arritmia reentrante restrita as câmaras atriais, não envolvendo o nódulo AV, o qual transmite com graus de bloqueio variáveis os estímulos aos ventrículos. A diminuição ou bloqueio do nódulo AV não acaba com a arritmia. Essa situação, apenas diminui a resposta ventricular, mantendo um assincronismo atrioventricular e altas pressões atriais, pois os átrios mantêm-se contraídos contra válvulas atrioventriculares fechadas durante a sístole ventricular. (Lisowski,2000) Figura 16: Esquema representando a etiopatogenia do Flutter Atrial. Circuito de Arritmia Reentrante - AD Restrita aos Átrios Não envolve nódulo AV Bloqueio AV variável Assincronismo A-V Fonte: o autor Como regra geral, o flutter atrial origina-se no átrio direito, enquanto que na fibrilação atrial, que é mais freqüente em adultos, tem origem no átrio esquerdo. Um circuito de flutter envolve: 1) barreira anatômica ou funcional; 2) zona de condução lenta (ou condução sobre um circuito alargado); 3) área de bloqueio unidirecional. 39 Diagnóstico Pré-Natal: O flutter atrial geralmente é suspeitado pela ausculta dos batimentos cardíacos fetais. Ecocardiograficamente caracteriza-se por uma freqüência atrial em torno de 400 – 500 batimentos por minuto, com condução átrio-ventricular variável, mais freqüente numa proporção 2:1; sendo a freqüência ventricular entre 200 – 250 batimentos por minuto. O flutter atrial é uma taquiarritmia fetal que quando diagnosticada exige providências terapêuticas imediatas devido ao alto risco de IC e hidropisia (Tanel & Rhodes, 2001; Matta & Cuneo, 2010). Figura 17: Representação esquemática do flutter atrial com bloqueio parcial dos estímulos para os ventrículos, resultando numa condução A-V 2:1. (A) (V) ( A) Triângulo vermelho representa a contração atrial (V) Triângulo azul representa a contração ventricular Fonte: o autor 40 Diagnóstico Diferencial: Nos casos de flutter atrial com condução 1:1, é necessário o diagnóstico diferencial com a taquicardia atrial sustentada. Esse diagnóstico diferencial pode ser feito através da administração de adenosina ao feto. Observa-se então o desencadeamento de um bloqueio AV nos fetos que apresentam o flutter atrial. (Leiria, et al 2000). Conduta Pré-Natal: A conduta pré-natal requer inicialmente a confirmação diagnóstica da arritmia cardíaca fetal através da realização do ecocardiograma fetal. A terapêutica do flutter atrial assemelha-se as outras taquiarritmias supraventriculares fetais. Inicia-se o tratamento com a administração materna de digital. A passagem do digital através da barreira placentária é em torno de 50 – 70%. Sendo assim, são necessárias doses maiores do que as que habitualmente seriam administradas a mãe. Inicia-se a digitalização com uma dose de ataque: 2,0 – 2,5 mg em um período de 24 horas, dividida em 3 doses. Figura 18: Tratamento do Flutter Atrial - via transplacentária. Fonte: o autor 41 Importante a monitorização eletrocardiográfica materna contínua e a realização de dosagem diária dos níveis de digoxina sérica materna. Após a reversão do flutter atrial, a dose de manutenção deve ser ajustada para 0,25 – 0,5 mg/dia. Nos casos de persistência da arritmia após a obtenção de níveis séricos de digoxina, indica-se o uso do sotalol por via materna. A dose inicial do sotalol é de 80 – 160 mg / dia, podendo aumentar em períodos de 03 dias até no máximo de 480 mg / dia. O uso de sotalol deve ser monitorado através de ECG materno diário. A eficácia do uso do sotalol é superior a 80%, com reversão para ritmo sinusal. Quando a resposta terapêutica ao tratamento via transplacentária não for satisfatório, pode ser realizada a cordocentese e realizar a terapêutica fetal direta. Inicialmente indica-se a digitalização com digoxina numa dose de 0,03 mg / Kg de peso. No insucesso dessa droga, pode-se utilizar ainda: amiodarona 15 mg / Kg. Segundo Krapp et al, 2003, o flutter atrial é uma arritmia de difícil reversão intra-uterina e necessita de criatividade terapêutica para o seu manejo. Oudijk et al, 2000, defendem que o tratamento inicial do flutter atrial deva ser iniciado diretamente com o sotalol, devido ao mal resultado obtido com o uso do digital. Conduta Obstétrica: A conduta obstétrica deve levar em consideração alguns aspectos importantes: 1) Idade gestacional no momento do diagnóstico do flutter atrial; 2) Presença de sinais de insuficiência cardíaca / hidropisia; 3) Presença ou ausência da maturidade pulmonar. 42 Nos casos em que se constata a maturidade pulmonar, a gestação deve ser interrompida e o tratamento de deve ser realizado pós-natal. (Krapp, 2003) Assistência Neonatal: O atendimento neonatal de um recém nascido com diagnóstico de flutter atrial preenche os mesmos princípios básicos do atendimento de um recém nascido com TSV: manutenção do ritmo sinusal; prevenção da IC; promovendo o alívio dos sinais e sintomas da congestão venosa sistêmica e pulmonar; melhorar o desempenho do miocárdio; melhorar a perfusão periférica e aumentar o suprimento tecidual de oxigênio. (Buck, 2005; Emmanouilides, et al. 1995). 43 4.4- TAQUICARDIA VENTRICULAR: Conceito: A taquicardia ventricular caracteriza-se pela presença de três ou mais extrasístoles ventriculares consecutivas. Nesses casos, a freqüência ventricular é variável entre 100 – 400 bpm e a atividade atrial é independente, porém menor que a ventricular( Kleiman et al, 2004; Maeno et al, 2009). Incidência: É uma arritmia cardíaca fetal extremamente rara, apresenta um diagnóstico difícil e na maioria das vezes não necessita de tratamento, sendo geralmente bem tolerada. (Lopes & Zugaib, 1997) Etiopatogenia: O mecanismo fisiopatológico da taquicardia ventricular decorre de um mecanismo de competição com o ritmo sinusal, apresentando dissociação átrioventricular. Observa-se uma dissociação atrioventricular com perda da relação 1:1 entre contrações atriais e ventriculares, mas sem uma freqüência cardíaca muito elevada ( Zielinsky, 1996). Diagnóstico Pré-Natal: O diagnóstico dessa arritmia é realizada pelo ecocardiograma fetal que demonstra uma freqüência ventricular variável entre 100 – 400 bpm, com atividade atrial independente – dissociação átrio-ventricular. Nesses casos, a arrritmia caracteriza-se por apresentar uma freqüência atrial independente e menor que a 44 ventricular. ( Kleiman et al, 2004; Maeno et al, 2009). Figura 19: Representação esquemática da taquicardia ventricular com dissociação da condução AV. A freqüência atrial é independente e menor que a ventricular. (A) (V) ( A) Triângulo vermelho representa a contração atrial (V) Triângulo azul representa a contração ventricular Fonte: o autor Diagnóstico Diferencial: Deve-se distinguir a taquicardia ventricular dentre as principais taquiarritmias fetais, já que esta apresenta características próprias que a diferenciam das demais taquiarritmias fetais. Conduta Pré-Natal: A maioria dos casos de taquicardia ventricular apresentam uma freqüência cardíaca abaixo de 200 bpm, sendo assim, são bem toleradas e muitas vezes apresentam reversão expontânea e não necessitam de tratamento (Maeno et al, 45 2009). Nos casos de persistência da taquicardica ventricular ou freqüências acima de 200 bpm, a terapêutica básica é a utilização materna de mexiletine ou procainamida. A digoxina deve ser evitada nesta circunstâncias. Indica-se também a monitoração ecográfica e ecocardiográfica para avaliação freqüente do feto. (Fouron, 2004) Figura 20: Tratamento da taquicardia ventricular persistente. Conduta Pré-Natal: FC > 200 bpm Mexiletine 100 – 200 mg 8/8 horas Tranplacentária (Fouron, 2004) Procainamida 3 – 6 g VO ao dia Fonte: o autor Situações onde a freqüência cardíaca fetal apresenta-se superior a 200 bpm, ou ainda, o feto apresenta alterações ecográficas sugestivas de hidropisia fetal não imune, exigem intervenções mais agressivas. Nesses casos, indica-se a cordocentese com a utilização de drogas como a lidocaína ou ainda o propranolol (Fouron, 2004). 46 Figura 21: Tratamento da taquicardia ventricular persistente com sinais de hidropisia fetal não imune. Conduta Pré-Natal: FC > 200 bpm Hidropisia Fetal Licocaína 1mg/Kg/dose Cordocentese Propranolol 80 – 320 mg/d Fonte: o autor Conduta Obstétrica: A conduta obstétrica deve basear-se na evolução clínica da gestação. Nos casos em que o feto apresenta reversão espontânea da arritmia ou ainda a tolera bem, deve-se monitorar a evolução do quadro pelo menos até que se alcance a maturidade pulmonar. Fetos com maturidade pulmonar, a resolução da gestação deve ser ultimada e o tratamento realizado pós-natal (Maeno et al, 2009; Kleiman & Neghme, 2004). Assistência Neonatal O tratamento está relacionado às condições do nascimento, fetos com sinais eminentes de insuficiência cardíaca ou hidropisia necessitam de atenção e manejo 47 cuidadoso. Na maioria das vezes, o neonato não necessita de qualquer tratamento, o que mostra o bom prognóstico desse tipo de arritmia. (Sharland,2001) Tabela 2: Drogas antiarrítmicas utilizadas no tratamento das taquiarritmias fetais. Droga Digoxina Amiodarona Quinidina Dosagem 0,5 – 1 mg/dia Efeitos Colaterais Bradicardia, BAV Ataque: 600 mg VO 6/6h Trombocitopenia,disfunção tireoidiana, Manutenção: 800 mg/d RCIU, prolongamento de QT. 300 mg 6/6 horas Trombocitopenia Máx. 3 g/dia Flecainide 100 – 400 mg/d Anormalidades de condução, óbito fetal, distúrbios visuais. Propranolol 80 – 320 mg/dia Procainamida 600 mg EV / 20 min. Bradicardia, RCIU TPP, prolongamento QT 3.000 – 6.000 mg VO / dia Sotalol 40 – 180 mg/d Prolongamento de QT Verapamil 80 – 160 mg 8/8 horas Bradicarida, óbito fetal Lidocaína 1 mg/Kg/dose Alterações neurológicas maternas Fonte: o autor 48 5- CONSIDERAÇÕES FINAIS: O advento da ultrassonografia, o aprimoramento dos equipamentos e a utilização do Doppler, proporcionou um benefício significativo a obstetrícia. Nos dias de hoje, a realização de ultra-sonografia obstétrica no acompanhamento pré-natal é rotina obrigatória, e sempre que possível realizada no primeiro, segundo e terceiro trimestres. A evolução da propedêutica biofísica fetal viabilizou o surgimento e o desenvolvimento de uma especialidade recente, a Medicina Fetal. Ao longo dessa última década, houve amadurecimento tanto na importância quanto na utilização desses métodos na assistência pré-natal, criando rotinas e desenvolvendo novas técnicas e aplicações, auxiliando a boa prática clínica. As cardiopatias congênitas constituem um conjunto de anomalias do desenvolvimento do sistema cardiovascular fetal, que assumem importância visto corresponderem à cerca de 10% das anomalias congênitas diagnosticadas no recém-nascido. O diagnóstico intra-uterino precoce de anomalias cardíacas fetais, anatômicas ou funcionais, nos permite em alguns casos o tratamento intra-uterino do concepto possibilitando adequado planejamento do parto, com equipe especializada para prestar adequado atendimento ao recém-nascido. O estudo do coração fetal deve ser realizado por volta da 20° semana de gestação, através da ecocardiografia fetal. Esta por sua vez, deve ser utilizada para o diagnóstico preciso das anormalidades cardíacas fetais. Sendo assim, utilizamos primeiramente a ultra-sonografia bidimensional (Modo-B), seguindo-se com o modoM, com o Doppler-pulsátil, e finalmente com o Doppler-colorido. A utilização dessas quatro técnicas é fundamental para o completo exame do coração fetal, tanto em termos morfológicos quanto funcionais. 49 As taquiarritmias fetais caracterizam-se por elevar a morbimortalidade fetal em decorrência do desenvolvimento de IC fetal e hidropsia. A maioria dos casos são diagnosticados durante o último trimestre da gestação, pois é a fase onde há maior probabilidade de ocorrer processos destrutivos no sistema de condução cardíaca e também o período onde mais se realiza a monitorização da freqüência cardíaca fetal (Kleiman & Neghme, 2004). A terapêutica fetal também em constante evolução seja via transplacentária ou de forma invasiva através da cordocentese, tem a finalidade de melhorar a função cardíaca, mantendo o ritmo sinusal, prevenindo o desenvolvimento da IC, promover o alívio dos sinais e sintomas da congestão venosa sistêmica e pulmonar, melhorando as condições fetais e favorecendo uma boa evolução clínica para o neonato. Sendo assim, este trabalho permitiu uma revisão sobre as principais características das taquiarrtimias fetais, proporcionando a formação de condutas e opções terapêuticas para uma boa assistência fetal, obstétrica e neonatal. 50 6- REFERÊNCIAS 1. Allan LD, Santos R, Pexieder T. Anatomical and echocardiographic correlates of normal cardiac morphology in the late first trimester fetus. Heart 1997; 77: 68-72. 2. Bergmans, M.G.M; Jonker G.J; Kock H.C.L.V. - Fetal supraventricular tachycardia. Review of the literature. Obstet Gynecol Surv 1985; 40: 618. 3. Braunwald E, Zipes DP, Libby P. Heart Disease – A Textbook of Cardiovascular Medicine. 6th ed, Harcourt International Edition, Pennsylvania, USA, 2001. 4. Buck LM. Use of Carvedilol in children with cardiac failure. Pediatric Pharmacotherapy 2005; 11: 2. 5. Callen, Peter W. Ultra-sonografia em Obstetrícia e Ginecologia. Editora Guanabara Koogan S.A, 2010. 6. Carvalho, A. C. Ecocardiografia Fetal. Novas Fronteiras Arq. Bras. 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