1 Uso do Poder de Compra Governamental e o Setor Brasileiro de Software e Serviços Resumo O artigo objetiva discutir a utilização do poder de compra governamental como instrumento de fomento para o desenvolvimento do setor brasileiro de software e serviços, que apresentase como um segmento prioritário da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE). São discutidas as possíveis restrições de legislação, a capacitação do governo na aquisição de software e serviços e, por fim, a capacitação das empresas do setor, especialmente, micro e pequenas empresas, para fornecer para o governo. A metodologia abrange reflexão sobre a utilização do marco teórico desenvolvido no contexto dos estudos da indústria de software e serviços. Ao longo do texto procura-se apontar alguns temas problemáticos com a finalidade de apresentar outras políticas públicas e privadas que poderiam auxiliar o setor tanto, ou mais, que o próprio uso do poder de compra. As conclusões indicam que o poder de compra governamental não é exercido para fazer política industrial do setor de software e serviço em razão da falta de qualificação para aquisição de software, pela inadequação do marco regulatório licitatório e necessidade de revisão da lei de micros e pequenas empresas Palavras-chave: componentes, licenças, compra governamental, software e serviços correlatos. Abstract The purpose of this article is to discuss the application of the governmental acquisition power as a fomentation instrument to the development of Brazilian software and services field, which presents itself as a major and priority segment of the Industrial, Technological and Foreign Trade Policy. Here are discussed the possible legislation restrictions and constraints, the government competence in software and services acquisition, and finally, the capability of enterprises and companies of this sector, particularly small businesses, in supplying the government. The methodology includes consideration on the utilization of the theoretical mark developed in the context of software and services industry studies. All along the text the aim was highlighting and pointing some problematic issues, in order to present other public 1 2 and private policies that might help the sector, either as much as or even more than the very utilization of the acquisition power. Conclusions indicate that the governmental acquisition power is not exercised to do industrial policy to the software and services sector, due to a lack of qualification in software acquisition, to an inadequacy of the regulatory licitation mark and in function of the necessity of a revision regarding the small businesses legislation. Keywords: components, licenses, governmental purchase, software and services Resumo El artículo tiene como objetivo discutir la utilización del poder de compra gubernamental como instrumento de fomento para el desarrollo del sector brasileño de software y servicios, que se presenta como un segmento prioritario de la Política Industrial, Tecnológica y de Comercio Exterior (PITCE). Son discutidas las posibles restricciones de legislación, la capacitación del gobierno en la adquisición de software y servicios y, por fin, la capacitación de las empresas del sector, especialmente de pequeñas y medianas empresas (PYMEs), para proveer al gobierno. La metodología abarca una reflexión sobre la utilización del marco teórico desarrollado en el contexto de los estudios de la industria de software y servicios. A lo largo del texto, se busca señalar algunos temas problemáticos con la finalidad de presentar otras políticas públicas y privadas que podrían auxiliar al sector tanto o mas que el propio uso del poder de compra. Las conclusiones indican que el poder de compra gubernamental no es ejercido para hacer política industrial del sector de software y servicios en razón de: la falta de calificación para adquisición de software, la inadecuación del marco que regula las licitaciones y la necesidad de revisar la ley de pequeñas y medianas empresas (PYMEs). Palavras clave: componentes, licencias, compra gubernamental, software y servicios. Introdução No campo da política pública, o uso do poder de compra governamental esteve ausente da agenda dos governos brasileiros durante algum tempo. Agora que se pode falar neste tema, em alguns setores corre-se o risco de cair num discurso oposto, ao repetir constantemente que este é o instrumento privilegiado para fomentar o desenvolvimento econômico. A importância da discussão do uso do poder de compra governamental no setor de software e serviços é evidenciada por Roselino (2006, p.168) que afirma que o setor público constitui em um potencial demandante, devido ao grande volume de informações que necessita processar, 2 3 as aplicações nas áreas de Saúde, Educação e Assistência Social, bem como na própria gestão do aparato estatal. Além de ser um potencial demandante, “a experiência internacional reforça a percepção de que a demanda do setor público é freqüentemente empregada como instrumento indutor do desenvolvimento e fortalecimento da indústria nacional de software” (id. ibid). Outro fator que torna o governo um importante comprador para este setor é o seu volume de compra tendo em conta seus diversos níveis. Ao todo, o país é composto por 5562 municípios, 27 unidades da federação, governo federal e autarquias. Este artigo tem por objetivo discutir se o desenvolvimento do setor de software no Brasil passa pelo uso do poder de compra governamental. Para tanto, o artigo está dividido em quatro seções, além desta introdução e da conclusão. Inicialmente é realizada uma revisão bibliográfica sobre a racionalidade e os mecanismos de intervenção da política de compras governamentais. A segunda seção apresenta o as possíveis restrições de legislação relativas a compras governamentais. A terceira seção trata da capacitação das empresas do setor, especialmente, micro e pequenas empresas (MPES), para fornecer para o governo. O tema da quarta seção é a capacitação do governo na aquisição de software e serviços. Por fim, algumas reflexões à guisa de uma conclusão. 1. Política de Compras Governamentais: racionalidade e mecanismos de intervenção Por estimular o desenvolvimento de determinados segmentos industriais, a utilização do poder de compra do Estado deve ser entendida como uma política de corte seletivo - também conhecida como política vertical. As políticas industriais e tecnológicas seletivas privilegiam deliberadamente indústrias específicas, normalmente aquelas com vantagens competitivas dinâmicas e com potencial para crescer e ganhar mercados. É importante ressaltar que, quando se decide utilizar o poder de compras do Estado como um mecanismo indutor do desenvolvimento da produção doméstica de determinados bens e serviços, aceita-se que, eventualmente, irá se pagar um sobrepreço temporário em favor do desenvolvimento da produção nacional (MOREIRA e MORAES, 2002). Frente à exacerbação da competitividade inter-firmas e entre os países, à elevação dos custos de P&D, ao recrudescimento dos riscos inerentes ao investimento inovativo, tendo em vista o encurtamento do ciclo de vida dos produtos (e dos processos), entre outros, a utilização do poder de compra do Estado para estimular determinadas indústrias locais e, 3 4 concomitantemente, fomentar a capacitação tecnológica e a geração de empregos nessas indústrias, torna-se cada vez mais relevante (FERRAZ e COUTINHO, 1995). Um exame da literatura que trata da política de compras governamentais revela que este é um instrumento de política pública que pode ser utilizado para alcançar múltiplos objetivos, tais como: a) Aumentar a demanda agregada; b) Estimular a atividade econômica e a geração de empregos; c) Aumentar a competição entre empresas domésticas incitando-as a se engajarem em atividades de P&D; d) Remediar disparidades regionais; e) Promover a criação de empregos em segmentos marginais da força de trabalho de um país, entre outros (ROLFSTAM, 2005). Edquist e Hommem (1998) trabalham com a idéia de que a política de compras governamentais pode ser não apenas uma modalidade de política industrial, como também um instrumento de estímulo à inovação. Estes autores dão ênfase aos nexos entre a política de compras governamentais e as várias teorias da inovação, destacando as aquisições do setor público que contribuem para o desenvolvimento da interação usuário-fornecedor. De acordo com Edquist e Hommem (1998), há duas modalidades de política de compras governamentais: a política de compras governamentais simples e a política de compras governamentais de cunho inovativo. A política de compras governamentais simples ocorre quando as autoridades públicas compram produtos simples e prontos (ready made products) como canetas ou papéis, ou seja, quando não ocorre atividade de P&D para o atendimento da demanda pública. Por outro lado, a política de compras governamentais de cunho inovativo (government technology procurement) é aquela na qual uma agência do governo encomenda um produto ou sistema que não existem no mercado. Um trabalho adicional ou o desenvolvimento de uma nova tecnologia é requerido para satisfazer a demanda do comprador. Segundo Edquist e Hommem, “Este é o tipo ideal de compras governamentais” (1998, p. 4). Diferentemente do que é apregoado pela corrente econômica hegemônica, segundo a qual os mercados são considerados mecanismos efetivos para a articulação e a satisfação da maioria das necessidades econômicas ou demandas da sociedade, o ponto de partida para a aplicação de uma política de compras governamentais de cunho inovativo deve ser a satisfação de necessidades sócio-econômicas genuínas, as quais dificilmente poderiam ser garantidas pelo mercado. Logo, destaca-se a ineficiência de uma agenda de política de compras governamentais que coloca o mercado como principal ator para a promoção do desenvolvimento econômico, social e tecnológico de um país. 4 5 Assim, os produtos e sistemas que são desenvolvidos - e a mudança técnica que permite sua provisão - como resultado da política de compras governamentais de cunho inovativo, devem ser criados com o objetivo de solucionar problemas específicos, que o mercado, por si só, não daria conta (EDQUIST e HOMMEM, 1998). Há numerosos exemplos históricos que corroboram a eficiência e a importância da política de compras governamentais, sobretudo no que diz respeito às compras governamentais de cunho inovativo. A Suécia, em particular, é um país que oferece muitos exemplos de colaborações entre o setor público e o setor privado, nas quais as encomendas governamentais demandaram esforço inovativo por parte do setor privado (EDQUIST e HOMMEM, 1998; FRINDLUND, 1997). A respeito da política de compras governamentais de cunho inovativo, pode-se subdividi-la em três variantes, de acordo com o usuário final do produto ou sistema encomendado e com o papel desempenhado pelo setor público nessas aquisições, a saber: 1ª) Entidade governamental é o usuário final do produto ou sistema demandado; 2ª) Usuário final do bem ou serviço encomendado é a população, num contexto em que a entidade governamental atua de modo a maximizar os benefícios da população; 3ª) Produto ou sistema é destinado inicialmente ao setor público e, posteriormente, à população. Na primeira modalidade o setor público - representado por uma empresa estatal, sociedade de economia mista, instituto público de pesquisa, autarquia, fundação etc. - encomenda um produto ou sistema para uso próprio. Aqui, a política de compras governamentais é um caso sui generis de relação usuário-fornecedor, na medida em que o usuário final é o próprio setor público, o qual apresenta um poder de compra de grande envergadura e, em alguns casos, competência tecnológica de fronteira. Na segunda variante da política de compras governamentais de cunho inovativo, o setor público atua como catalisador, coordenador e fonte técnica para beneficiar os usuários finais, que nesse caso é a população de um país. Aqui, apesar de não ser o usuário final do produto ou sistema encomendado, o setor público define aos fornecedores um padrão tecnológico. As demandas dos consumidores são expostas ao setor público, que por sua vez as repassa às empresas fornecedoras. Logo, nessa variante, o Estado utiliza seu poder de regulamentação tomando como ponto de partida demandas e problemas da sociedade. A terceira e última variante é caracterizada pelo uso dual de um produto, artefato ou equipamento, ou seja, algo que inicialmente fora desenvolvido em função de uma demanda do 5 6 setor público, mas que com o tempo acaba tendo uma destinação comercial. Aqui, cabe destacar o caso da política de compras do Departamento de Defesa do Estados Unidos para os setores aeronáutico, de computadores, de software entre outros, da qual se extrai inúmeros exemplos de spin-offs, ou seja, de transferência ao mercado civil de tecnologias que originalmente foram concebidas para atender a uma demanda do setor militar1. Em resumo, a partir da análise da política de compras governamentais, depreende-se que a demanda do setor público de um país, dominado por objetivos sociais, econômicos, políticos, militares, entre outros, pode estimular ou retrair a inovação no seio do tecido produtivo local. É importante frisar que o poder de compra do setor público pode ser benéfico à inovatividade das indústrias locais, na medida em que dissipa muita das incertezas e riscos concernentes à concepção de uma nova tecnologia ou sistema (GREGERSEN, 1992), assim como, pode criar oportunidades de desenvolvimento partilhado (EDQUIST e HOMMEM, 1998) e de aprendizagem interativa. Antes de analisar se o poder de compra governamental está sendo utilizado como política para estimular a inovação no setor de software, que pode ser irradiada daí para outros setores dado seu caráter transversal na economia, a próxima seção examina a legislação brasileira para analisar se ela é permite e/ou estimula este papel. 2. A legislação brasileira sobre compras governamentais A questão do tratamento preferencial para empresa brasileira nas compras governamentais suscita muita discussão e divergências entre os doutrinadores e operadores do direito. Dallari (2000) apresenta que a Constituição Federal brasileira, de 1988, admitia em seu artigo 171 o tratamento preferencial à empresa brasileira de capital nacional No entanto, a Emenda Constitucional no. 6, de 15/08/1995, revogou este dispositivo, mas em seu art. 170, IXi, preservou o “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país”. Com a revogação do art. 171 da Constituição Federal, a preferência outrora concedida à empresa brasileira de capital nacional foi afastada, de modo que, com essa alteração, deixou de existir no mundo jurídico o conceito de empresa brasileira de capital nacional. De acordo com Furtado (2005, p. 2) “Essas transferências ocorrem tanto intra-setorialmente (nuclear militar para o civil, aviação militar para a civil, espacial militar para a civil) como intersetorialmente (espacial para telecomunicações, nuclear para medicina, militar para eletrônica)”. 1 6 7 No entanto, cabe analisar se com o art. 3º da Lei 8.248/91 (lei de informática), alterado pela Lei 10.176/2001, remanesceria alguma espécie de privilégio para bens e serviços de informática produzidos por empresas brasileiras de capital nacional, e é neste ponto que há divergência entre os doutrinadores, alguns advogando que o citado preceito foi revogado, e, outros, de que ele permanece vigente, possuindo as empresas nacionais privilégio em tais compras governamentais, o que se verá, sucintamente, a seguir. A Lei no. 10.176, de 11/01/2001, alterando, parcialmente, a Lei no 8.248, de 23/10/1991, dispõe, em seu art. 3o. que os órgãos e entidades da Administração Pública Federal e organizações sob o controle direto ou indireto da União darão preferência, nas aquisições de bens e serviços de informática e automação, observada a seguinte ordem: i) bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País; e ii) bens e serviços produzidos de acordo com processo produtivo básico, na forma a ser definida pelo Poder Executivo. A pergunta suscitada é concernente à possibilidade jurídica de serem objetos de direito de preferência os bens e serviços de informática desenvolvidos com tecnologia nacional e com significativo valor agregado local, na forma do Decreto 1.070/94, que regulamentou a Lei. 8.248/91, e alterada pela 10.176. Freitas (2002), em parecer emitido ao Ministério da Ciência e Tecnologia, firmou entendimento de que está em vigor o direito de preferência em relação aos bens e serviços produzidos com tecnologia nacional ou com significado valor agregado nacional, com fundamento constitucional nos artigos 218 e 219 da Constituição Federal ii, sendo o primeiro para amparar o regime protecionista especial em favor do bem produzido no Brasil, e o segundo para promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica, abaixo transcritos. Portanto, o autor constata que subsiste o direito de preferência para aquisição de bens e serviços com tecnologia desenvolvida no país, elencando, inclusive, os documentos comprobatórios de tal condição. Moreira e Moraes (2002) seguem esta corrente e afirmam que é ressalvada a aplicação do princípio de tratamento nacional apenas para as aquisições de bens e serviços com tecnologia desenvolvida no Brasil e aos bens e serviços produzidos em conformidade com o processo produtivo básico, de acordo com o art. 3o, da Lei 8.248/91. A corrente doutrinária divergente desta posição defende que não subsiste tal preferência. Entre os autores desta corrente, destaca-se Dallari (2000, p. 92), o qual defende que: A derrogação do artigo 171 da Constituição da República importam na derrogação 7 8 de toda e qualquer norma infraconstitucional instituidora de privilégio ou preferência que decorra, direta ou indiretamente, de ser a empresa brasileira ou estrangeira, talvez com a isolada ressalva – aí arrimada no artigo 219 -, dos bens de informática, na medida em que lei federal específica consagrasse direitos de preleção quanto àqueles produzidos no país. Contudo, Dallari (2000) afirma que esta ressalva para os bens de informática é inconsistente, e cita o caso concreto submetido ao Tribunal de Contas da União, cujo plenário julgou improcedente representação que apresentava como ilegal edital de licitação para aquisição de bens e serviços de informática, que não previa o direito de preferência em favor de bens produzidos no país. Outra previsão de direito de preferência encontra-se no artigo 3º, da Lei 8.666/93iii – que trata de Licitações e Contratos da Administração Pública –, o qual assegura preferência aos bens e serviços produzidos ou prestados no país, como critério de desempate. Bittencourt (2005) afirma que é totalmente válido o inciso II, do § 2º, do art. 3º, da Lei nº 8.666/93, considerando que a Emenda Constitucional 6/95 não negou a possibilidade do direito de preferência “tão significante para o desenvolvimento do importante setor de informática brasileiro, consolidando, inclusive, a política industrial aprovada pelo Congresso Nacional, dando-se preferência nas licitações aos produtos e serviços fabricados no País”. Todavia, na prática dos processos licitatórios, em que pese a aplicação do critério de desempate privilegiando as empresas brasileiras, o que se observa é que as exigências prescritas nos editais publicados pela União, Estados ou Município desqualificam as empresas nacionais e principalmente as de pequeno e médio porte, em decorrência da quantificação para faturamento, números de empregados, tempo de mercado, número de implementações, entre outras. Ressalta-se que é recorrente no mercado de desenvolvimento a presença de pequenas e médias empresas que dispõem de tecnologias de ponta, no entanto, com as exigências dos editais publicados elas se deparam com a necessidade de celebrar parcerias com empresas de grande porte para viabilizar sua participação no mercado de compras do setor público. Caso seja alterado este processo, as pequenas e médias empresas da área de tecnologia da informação terão melhores condições para competir neste mercado, tendo como conseqüências positivas a geração de empregos e o desenvolvimento de novas tecnologias no Brasil, garantindo ao governo um menor investimento e uma maior receita (FGV e Câmara Brasileira do Comércio Eletrônico, 2002). 8 9 As divergências doutrinárias quanto à aplicação ou não do direito de preferência aos bens de informática desenvolvidos com tecnologia nacional tendem a se acirrar no ambiente competitivo de internacionalização das atividades econômicas – financeiras, produtivas e comerciais – o que é lamentável. É necessária uma análise extensiva do marco regulatório atinente à matéria não apenas do ponto de vista do direito tecnicista, mas ampliando para outras dimensões – tais como a econômica, industrial, social e tecnológica, visando promover o desenvolvimento econômico do país por intermédio do fortalecimento da indústria nacional. Enquanto no Brasil as discussões gravitam em torno da aplicabilidade e/ou legalidade do direito de preferência, em outros países, notadamente os desenvolvidos, esta prerrogativa é utilizada amplamente com instrumento para fortalecer a economia nacional, concedendo preferência às empresas domésticas, em especial às de pequeno porte. No Estados Unidos, por exemplo, destaca-se a destinação das compras governamentais ao mercado doméstico, em conformidade com exigências prescritas nas normas e procedimentos de compras governamentais, derivadas das disposições inseridas nos programas Buy American Act, Balance of Payments Program e Small Business Act. As políticas de apoio às pequenas empresas são amparadas nas diretrizes definidas no Small Business Act, o qual foi aprovado pelo congresso daquele país em 1953. Este programa definiu os princípios básicos para a atuação do Poder Executivo em apoio às pequenas empresas, apregoando que o Estado deve apoiar, assistir e proteger, na medida do possível, os interesse destas empresas. O Small Business Act determina que todas as aquisições de bens e contratações de serviços e obras públicas de valor entre US$ 2.500 e US$ 100.000 sejam automaticamente destinadas às pequenas empresas estadunidenses, além de dar preferência a empresas de pessoas e grupos sociais em desvantagem econômica e social. Para o cumprimento dessas determinações por parte dos órgãos e empresas públicas, foram criados rigorosos mecanismos de acompanhamento e avaliação dos processos licitatórios. É importante destacar que a política de preferência às pequenas empresas estabelecida no Small Business Act, não pode ser derrogada por acordos internacionais firmados pelo Estados Unidos. Logo, evidencia-se a forte restrição à entrada de empresas estrangeiras no mercado estadunidense de compras governamentais (MOREIRA e MORAES, 2002, p. 89). Portanto, destaca-se o caráter explicitamente protecionista e seletivo do arcabouço legal que rege as compras das entidades governamentais estadunidenses, em contraste com as controvérsias acerca da aplicabilidade ou não do direito de preferência no Brasil, de modo que o país perde a oportunidade de utilizar um importante instrumento de apoio ao 9 1 0 desenvolvimento de empresas domésticas, sobretudo daquelas com necessidades especiais como as MPES. O objetivo da próxima seção é introduzir a discussão sobre o setor de software brasileiro, enfocando a capacitação das empresas que atuam setor, com destaque para as micro e pequenas, em termos de fornecimento de software e serviço para o setor público. 3. As empresas brasileiras de software e a capacitação para fornecer ao governo É sempre complicado desenhar o quadro do mercado de software brasileiro devido à dificuldade “natural” de mensuração deste setor econômico (as atividades de software não são bem cobertas pelas categorias de atividades econômicas devido à defasagem destas em relação às atividades de uma indústria marcada pelo dinamismo econômico e tecnológico), o que é agravado na situação brasileira. Os números apresentados abaixo são considerados as melhores estimativas possíveis. O Brasil é dotado de um mercado interno substancial em termos de volume (US$ 7,41 bilhões segundo IDC 2006 – e robusto em termos do atendimento a uma demanda qualificada, colocada em parte pelas empresas multinacionais presentes no país. De acordo com o estudo da Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro SOFTEX (2003), sobre a indústria de software no Brasil, realizado em parceria com o Massachussets Institute of Technology (MIT), o crescimento do mercado brasileiro de software ao longo da última década proporcionou uma formidável expansão no número de empresas de software e serviços. Estima-se que 96% destas empresas brasileiras seja micro e pequenas empresas com faturamento de até 10 milhões de reais/ano segundo dados de 2002 (GUTIERREZ e ALEXANDRE, 2004). Roselino (2006) estima que existam mais de 10 mil empresas de atividades de informática no país, distribuídas desigualmente pelas classes do setor 72 da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), conforme exposto na tabela 1 abaixo. A maior parte das empresas situa-se nas classes de atividades do entorno da produção de software (processamento de dados e manutenção de equipamentos), atividades estas que empregam grande parte do pessoal ocupado. Entretanto, a classe 7220 é que a possui a maior receita líquida total. 10 1 1 Tabela 1 – Total de empresas, receita líquida e pessoal ocupado segundo classes de atividades de informática e serviços relacionados (2002) CLASSE CNAE (v. 1.0) Total de empresas Receita líquida total (R$ milhões) Pessoal Ocupado total 871 3.035 22.682 7220 - Desenvolvimento e edição de software, prontos para uso e Desenvolvimento de software sob encomenda e outras consultorias em software 1.592 6.897 67.031 7230 - Processamento de dados 4.120 3.830 62.490 7240 - Atividades de banco de dados e distribuição on-line de conteúdo eletrônico 89 204 1.966 7250 - Manutenção, reparação e instalação de máquinas de escritório e de informática 3.784 1.749 34.067 7210 - Consultoria em hardware Fonte: Adaptação de Roselino (2006) que usou microdados da Pesquisa Anual de Serviços (PAS/IBGE 2002). Tabela 2 – Participação das empresas nos diferentes mercados de software, conforme origem de capital (2002) Nacionais Nacionais privadas públicas Estrangeiras Total Serviços de software de baixo valor Numero de Empresas 368 13 36 417 % 88% 3% 9% 100% Receita Líquida Total 3.800 1.180 1.349 6.330 % 60% 19% 21% 100% Pessoal Ocupado Total 60.082 13.686 6.235 80.003 % 75% 17% 8% 100% Serviços de software de alto valor Numero de Empresas 140 11 151 % 93% 7% 100% Receita Líquida Total 968.089 951.672 1.919 % 50% 50% 100% Pessoal Ocupado Total 9.437 2.847 12.284 % 77% 23% 100% Produtos Numero de Empresas 149 29 178 % 84% 16% 100% Receita Líquida Total 894.349 1.161.088 2.055.437 % 44% 56% 100% Pessoal Ocupado Total 8.274 2.798 11.072 % 75% 25% 100% Fonte: Roselino (2006) que usou dados das pesquisas PAS-IBGE (2002), CEB-BACEN (2000) e RAIS/MTE (2002). Nesta tabela pode-se ver que grande parte das empresas das atividades de informática está situada em elos da cadeia de pouco valor agregado. Isto é confirmado pela análise de Roselino, que partiu de uma amostra cerca de 800 empresas da pesquisa PAS-IBGE de 2002, classificadas agora segundo a principal receita de seus produtos e serviços – o que resultou em 11 1 2 três modelos de negócio (serviços de software de baixo valor, serviços de software de alto valor e produtos) – e também segundo a origem de capital (empresas nacionais privadas, empresas nacionais públicas e empresas estrangeiras). Os resultados são apresentados na tabela 2. Mais da metade das empresas nacionais privadas atuam com serviços de software de baixo valor de menor rentabilidade. As empresas estrangeiras, embora também atuem nestes mercados, concentram-se principalmente nos serviços de software de alto valor e no mercado de software produto. Cruzando estes dados com os gastos com informática do governo federal, Roselino (2006) mostrou que, em 2002, do total R$ 727 milhões de compras de software e serviços do governo federal: a) A maior parte de suas compras foi concentrada em empresas públicas, (com mais de 62% do valor total demandado) e em serviços de baixo valor agregado; b) O valor total adquirido junto às empresas nacionais privadas supera em quase sete vezes o total adquirido junto a empresas estrangeiras; c) As compras de empresas voltadas às atividades mais dinâmicas tecnologicamente são significativamente menores; e) A demanda por soluções (software produto) oriundas de empresas estrangeiras supera a das empresas nacionais. Em resumo, apesar do governo federal comprar software e soluções das empresas nacionais privadas, isto não representa o maior volume nem estas compras são realizadas primordialmente para áreas mais dinâmicas tecnologicamente. Estes números coincidem com a percepção das empresas. De acordo com o estudo SOFTEX (2003), 38% das 57 empresas entrevistadas, consideradas as mais competitivas do país, percebiam que havia uma preferência por uso de tecnologia importada no mercado interno e 29% que havia a ausência de uma política de compras governamentais focada no setor, e que esses dois fatores representavam fortes barreiras ao desenvolvimento da indústria (Gráfico 1). Olhando por outro ângulo, as MPEs, que formam a grande massa de empresas do país, possuem condições competitivas (em termos de competência técnica e musculatura financeira) para concorrer em licitações públicas e fornecer suporte para suas soluções ao longo do tempo? No caso das MPEs, o acesso a capital e a preferência por tecnologias importadas no mercado interno aparecem como as barreiras mais significativas para o desenvolvimento da indústria de software no país. Esta percepção, aliada a outros dados, ajuda a responder uma parte da questão, qual seja, a fragilidade financeira destas empresas. 12 1 3 Na visão dos especialistas, reunidos em um exercício de cenários sobre a indústria brasileira de software e serviços (SOFTEX, 2006), a situação atual é marcada por uma baixíssima maturidade em questões críticas para empresas deste setor tão dinâmico, como capacidade de gestão e qualidade de processos. A opinião quanto ao futuro foi dividida em três possibilidades: 1) não ocorrer alterações nos próximos anos, 2) ocorrer um lento aumento da maturidade pelas exigências das contratantes multinacionais ou 3) ocorrer um lento aumento da maturidade em função do aumento dos incentivos de políticas públicas. Gráfico 1 – Barreiras ao desenvolvimento da indústria Pre fe rê ncia por te cnologia im portada ( no m e rcado inte rno ) e de s conhe cim e nto do Softw are Bras ile iro ( no m e rcado e xte rno ) 38% Ace s s o ao capital 35% Aus ê ncia de um a política indus trial 35% Falta de m e canis m os de ince ntivo à e xportação ( ince ntivos fis cais e facilidade s ) 33% 29% Com pras gove rnam e ntais Baixa capacidade de m ark e ting 24% Carga tributária incide nte s obre os s alários 24% De ficiê ncia na inte ração unive rs idade e e m pre s a Proce s s os burocráticos (barre iras re gulatórias , de m ora libe ração financiam e ntos e fraca atuação e m baixadas ) 22% 20% Fonte: Softex (2003). Dessa forma, o que o exercício de cenários aponta é que se fazem necessárias políticas públicas e privadas para melhorar a capacitação e maturidade das empresas nacionais, para então estas empresas terem condições melhores de atender prioritariamente a demanda do governoiv. Da mesma forma que indagou-se se as empresas de origem de capital nacional têm condições técnicas e econômicas para se tornarem fornecedoras ao governo, sendo a resposta de que isto ainda precisa ser construído para as MPEs embora já seja a realidade de algumas grandes empresas, na próxima seção do texto investiga-se se o governo brasileiro é capacitado no processo de aquisição de software. 4. O governo brasileiro e sua capacitação para aquisição de software Esta seção parte de um panorama pouco animador. Em linhas gerais, o governo, nas diversas instâncias, não tem pessoal para fazer a avaliação dos critérios estipulados nos processos 13 1 4 licitatórios, nem possui pessoal qualificado para aplicar diligências nos fornecedores para comprovação das boas práticas de engenharia de software. Em resumo, podemos observar que não existe pessoal qualificado no governo para a execução das atividades de construção do questionário de critérios de avaliação, criação de gabarito e de avaliação das respostas (tanto leitura das respostas quanto diligências às empresas para comprovação). Considerando esta realidade, uma primeira recomendação seria não a construção de um manual de aquisição para a administração publica, mas talvez a contratação de consultoria de universidades ou entidades de pesquisa idôneas para a realização dessas atividades (para esta solução é necessário que exista uma licitação anterior para que essas organizações não sejam escolhidas de forma arbitrária). Aos argumentos expostos acima, junta-se o fato de que a aquisição de Software e Serviços é um processo complexo, principalmente no que diz respeito à caracterização dos requisitos necessários ao software e serviços e às condições envolvidas na contratação como, por exemplo, qualidade esperada, forma de aceitação, gestão de mudanças, artefatos esperados, entre outros. Este ambiente apresenta riscos para as partes envolvidas e, como conseqüência, é comum a ocorrência de sérios conflitos na relação entre fornecedores e adquirentes de software. Além da aquisição de software e serviços temos ainda a contratação de serviços de tecnologia da informação (TI), sistema de informação (SI), tecnologias da informação e comunicação (TIC) e cada um destes domínios com riscos e dificuldades para o cliente e fornecedor. Outro fator que devemos considerar é o custo de realização de diligências para comprovação das respostas dos fornecedores (este custo deveria ser assumido pelo governo e/ou pelos fornecedores?). A finalidade de uma aquisição é a obtenção de bens e serviços de um modo eficiente, eficaz e competitivo. Uma aquisição deste tipo deverá ser justa, eqüitativa, transparente e eficaz em termos de custos e prazos (ALVES, 2002). Muitos projetos de desenvolvimentos de software, resultantes de processos de aquisição, tornam-se excessivamente onerosos e incapazes de fornecer a qualidade, confiabilidade e capacidade necessárias dentro dos prazos previstos. Os problemas são conhecidos: desvios orçamentários significativos, não cumprimento de prazos e deficiências de desempenho. Dada a amplitude dos contratos públicos, a implementação de processos de aquisição eficazes 14 1 5 permite economia considerável por parte dos governos e, conseqüentemente, dos contribuintes. Segundo o relatório de 2004 do Standish Group (2005): a) Cerca de 30% de projetos de tecnologias de informação (TI) são bem sucedidos, ou seja, entregue no prazo, dentro do orçamento previsto e com a implementação de todas as funcionalidades e funções especificadas; b) Cerca de18% foram não exitosos, ou seja, ou foram abortados ou foram entregues ao cliente e nunca foi utilizado; c) Cerca de 53% são considerados projetos desafiadores, ou seja, sofreram atrasos, excederam o orçamento inicial e não implementaram todas as funcionalidades e funções previstas na especificação de requisitos. Atualmente os governos buscam o setor privado para a obtenção e suporte de sistemas nas mais diversas áreas, desde os sistemas administrativos (folha de pagamento ou sistemas de contabilidade), sistemas científicos (relacionados com a pesquisa na área de saúde, biotecnologia), até sistemas de gestão específicos (meteorologia). Os sistemas citados são sistemas de grande dimensão e complexidade. São difíceis de planejar, avaliar, implementar, e manter atualizado, muitas iniciativas falhando devido à complexidade dos requisitos e aos processos de aquisição utilizados. Existe uma grande variedade de regras, linhas de conduta e padrões que são seguidos em diferentes países. Como exemplo, temos na União Européia o EURO Method, o EPHOS e o GOSIP. De um modo geral, estes são vistos como orientações e não como abordagens obrigatórias, havendo uma liberdade considerável para as entidades/ministérios escolherem o método que pretendem seguir. A raiz de muitos dos problemas que afetam a aquisição de produtos de software encontra-se normalmente em fatores relacionados à falta de capacidade de gestão, e não a dificuldades técnicas. Uma organização imatura em seus processos de aquisição para sistemas de software pode levar o projeto ao fracasso, da mesma forma que uma organização com processo de desenvolvimento de software imaturo. A Figura 1 apresenta os riscos inerentes a um projeto de aquisição, considerando a maturidade e capacidade do cliente e fornecedor. Uma situação que pode se configurar em desastre ocorre quando ambos, fornecedor e cliente são imaturos e incapazes e a melhor situação ocorre quando ambos têm o mesmo nível de maturidade e capacidade. 15 1 6 O Departamento de Defesa dos Estados Unidos (DoD), procurando melhorar seus métodos de aquisição, estudou as melhores práticas comerciais e então comparou com suas práticas internas. A melhoria de seus métodos incorporou aspectos relativos à especificação de requisitos, seleção de fornecedores, processo de desenvolvimento, práticas de negócio, integração e manutenção de sistemas e diretos de propriedade sobre os produtos gerados Alto Figura 01- Maturidade e capacidade de cliente versus fornecedor Não combina Cliente maduro é mentor da aquisição Combina Comprador e fornecedor maduros Fornecedor imaturo Desastre Sem disciplina Sem processo Sem produto Perfil Técnico e de Gestão Alta probabilidade de sucesso Não combina Comprador Fornecedor imaturo maduro Clientes encorajam short cuts Baixo Comprador Saídas não previsíveis Baixo Fornecedor Alto Fonte: adaptado de SEI (2006) A experiência mostra que as práticas de aquisição não só diferem de projeto para projeto, como também diferem dentro da mesma organização. É importante que, adicionalmente à promoção do tipo de eficiência que permitirá ao governo obter a quantidade e qualidade necessária do software, a política de compras seja utilizada para eficazmente desafiar e transformar as práticas de gestão existentes e promover práticas eficazes em novas empresas que surjam. Através da abertura do sistema a novos fornecedores e através dos termos que define nos contratos, o governo é capaz de utilizar seu poder de compra como alavanca com a qual trará novas empresas para o fluxo principal da economia e promoverá práticas éticas e padrões de trabalho. Note-se que a instauração de novas orientações pressupõe um esforço de adaptação dos métodos de trabalho tradicionais. Trata-se, porém, de um processo difícil e por vezes doloroso, particularmente quando as relações existentes são fundadas nos hábitos e nos laços privilegiados e em preferências pessoais. Independentemente da premência das necessidades, 16 1 7 será ilusório acreditar que práticas tradicionais bem enraizadas serão abandonadas de um dia para o outro. As múltiplas experiências e resultados analisados introduzem muitos conceitos e caminhos a seguir, por vezes até mesmo conflituosos. Fundamentalmente, é necessário compreender como a aquisição no setor público difere do setor privado e procurar identificar os aspectos chave, quer da perspectiva do cliente quer do fornecedor, de modo a estabelecer políticas claras, consistentes e bem documentadas para serem seguidas. Devemos observar que um governo não pode operar com a mesma liberdade que empresas do setor privado assim como não existem “melhores práticas” universalmente aceitas para a aquisição de software. Devemos lembrar ainda que, de modo a assegurar que a máxima eficiência e eficácia sejam obtidas, regras, regulamentos e políticas, devem ser estabelecidas apenas quando os seus benefícios claramente excedem os custos do seu desenvolvimento, implementação, administração e execução. Isto se aplica a processos administrativos internos e a regras e a procedimentos que se aplicam à comunidade de fornecedores. O sistema deve fornecer uniformidade que contribua para a eficiência, num contexto em que impere a justiça e a preditabilidade. Por outro lado, deve encorajar a inovação e a adaptação local onde a uniformidade não é essencial. Consideramos que se deverá procurar conceber uma abordagem global e não apenas um processo concentrado na aquisição, devendo a mesma poder ser ajustada às contingências dos projetos individuais. Considerações finais Retomando os argumentos discutidos no texto, temos que, segundo os especialistas do setor (ALVES, 2002, SOFTEX, 2003 e ROSELINO, 2006), o poder de compra do governo não é exercido para fazer política industrial e tecnológica do setor de software. Conforme foi apresentado ao longo do texto, há um intenso debate acerca da legalidade ou não do direito de preferência aos bens de informática com tecnologia nacional. Contudo, o que se pode afirmar é que, controvérsias à parte, diferentemente do que se observa em outros países, notadamente os Estados Unidos, a política de compras governamentais brasileira, na prática, tem sido escassamente utilizada para fomentar a competitividade das empresas brasileiras. O poder de compra do governo tem sido utilizado em países como EUA e China para fomentar o desenvolvimento dos setores econômicos. Enquanto no Brasil as discussões gravitam em torno da aplicabilidade e/ou legalidade do direito de preferência, em outros 17 1 8 países, notadamente os desenvolvidos, esta prerrogativa é utilizada amplamente com instrumento para fortalecer suas economias nacionais, concedendo preferência às empresas domésticas, em especial às de pequeno porte. Da parte do governo, falta qualificação nos aspectos técnicos do processo de aquisição de software, conforme discutido na seção 4. Falta uma visão mais apurada também nos aspectos estratégicos, pois, por um lado, há competição dentro do próprio governo pelo poder de compra, pois a maior parte da aquisição de serviços de informática por parte do governo federal é feita de empresas públicas nacionais. Por outro lado, como apresenta Roselino (2006, p.171): O recurso às compras governamentais de software produto, customizáveis ou sob encomenda, para atender necessidades ligadas às políticas voltadas à universalização do acesso às tecnologias de informação e comunicação na rede oficial de ensino, ou programas federais voltados à informatização das administrações federais, por exemplo, seriam potenciais demandantes de soluções que fortaleceriam empresas nacionais privadas, conferindo a estas melhores condições no enfrentamento de um cenário crescentemente competitivo. Da parte da regulação, a despeito das divergências doutrinárias quanto à aplicação ou não do direito de preferência aos bens de informática desenvolvidos com tecnologia nacional, na prática os processos licitatórios desqualificam as empresas nacionais e principalmente as de pequeno e médio porte. A revisão do marco regulatório pode ajudar neste aspecto, como a Lei Geral das MPEs (PL 123/04) que poderá ser um importante instrumento de política pública para atender as necessidades internas, estruturais e sistêmicas que as MPEs possuem para participar de forma competitiva no mercado. Da parte das empresas de software e serviços, há o clamor geral de que o poder de compra do setor público brasileiro pode ser um importante mecanismo de fomento ao setor, pois além do fôlego financeiro que conferiria aos fornecedores domésticos, as empresas participantes do mercado governamental ganhariam referências de peso, o que representa um tíquete importante neste setor econômico (FORMAN, 2006). Desta forma, respondendo à questão colocada inicialmente, o desenvolvimento do setor de software e serviços no Brasil passa certamente pelo uso do poder de compra. Entretanto, há passos concomitantes que precisam ser dados, como por exemplo: a) fortalecer as empresas do setor, através de diversas políticas públicas e privadas, várias já em curso; b) capacitar o 18 1 9 governo no processo de aquisição de software e serviços; e c) revisão do marco regulatório para tratar desigualmente os desiguais. Bibliografia ALVES, A. M.. Contratação de Produtos e Serviços de Software. 2002.258 f. Dissertação Mestrado – Faculdade de Engenharia Mecânica, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP – 2002. BITTENCOURT, S. A licitação de bens e serviços de informática, com as alterações determinadas pela Lei nº 10.176/01 à Lei nº 8.248/91. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6469 Acesso em: 04 jul 2005. DALLARI, A. A. Aspectos jurídicos da Licitação. Editora Afiliada: 2000, 5ª ed., pág. 92 EDQUIST, C. E HOMMEN, L. Government Technology Procurement and Innovation Theory. 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IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.” ii Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas. § 1º - A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências. § 2º - A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional. § 3º - O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho. § 4º - A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho. § 5º - É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular parcela de sua receita orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica. Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal. i 20 2 1 iii Artigo 3º - A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa par a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (...) Parágrafo 2º - Em igualdade de condições, como critério de desempate, será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços: (...) II – produzidos no País. iv Neste sentido, podem ser citadas diversas políticas realizadas por intermédio do programa SOFTEX, como ações para fomentar empreendedorismo, melhoria de processo de software e também na aquisição de software (MPS.BR), capacitação técnica e organizacional, etc. Para maiores informações, consultar www.softex.br 21