Uso do Poder de Compra Governamental e o Setor Brasileiro de So

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Uso do Poder de Compra Governamental e o Setor Brasileiro de
Software e Serviços
Resumo
O artigo objetiva discutir a utilização do poder de compra governamental como instrumento
de fomento para o desenvolvimento do setor brasileiro de software e serviços, que apresentase como um segmento prioritário da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior
(PITCE). São discutidas as possíveis restrições de legislação, a capacitação do governo na
aquisição de software e serviços e, por fim, a capacitação das empresas do setor,
especialmente, micro e pequenas empresas, para fornecer para o governo. A metodologia
abrange reflexão sobre a utilização do marco teórico desenvolvido no contexto dos estudos da
indústria de software e serviços. Ao longo do texto procura-se apontar alguns temas
problemáticos com a finalidade de apresentar outras políticas públicas e privadas que
poderiam auxiliar o setor tanto, ou mais, que o próprio uso do poder de compra. As
conclusões indicam que o poder de compra governamental não é exercido para fazer política
industrial do setor de software e serviço em razão da falta de qualificação para aquisição de
software, pela inadequação do marco regulatório licitatório e necessidade de revisão da lei de
micros e pequenas empresas
Palavras-chave: componentes, licenças, compra governamental, software e serviços
correlatos.
Abstract
The purpose of this article is to discuss the application of the governmental acquisition power
as a fomentation instrument to the development of Brazilian software and services field,
which presents itself as a major and priority segment of the Industrial, Technological and
Foreign Trade Policy. Here are discussed the possible legislation restrictions and constraints,
the government competence in software and services acquisition, and finally, the capability of
enterprises and companies of this sector, particularly small businesses, in supplying the
government. The methodology includes consideration on the utilization of the theoretical
mark developed in the context of software and services industry studies. All along the text the
aim was highlighting and pointing some problematic issues, in order to present other public
1
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and private policies that might help the sector, either as much as or even more than the very
utilization of the acquisition power. Conclusions indicate that the governmental acquisition
power is not exercised to do industrial policy to the software and services sector, due to a lack
of qualification in software acquisition, to an inadequacy of the regulatory licitation mark and
in function of the necessity of a revision regarding the small businesses legislation.
Keywords: components, licenses, governmental purchase, software and services
Resumo
El artículo tiene como objetivo discutir la utilización del poder de compra gubernamental
como instrumento de fomento para el desarrollo del sector brasileño de software y servicios,
que se presenta como un segmento prioritario de la Política Industrial, Tecnológica y de
Comercio Exterior (PITCE). Son discutidas las posibles restricciones de legislación, la
capacitación del gobierno en la adquisición de software y servicios y, por fin, la capacitación
de las empresas del sector, especialmente de pequeñas y medianas empresas (PYMEs), para
proveer al gobierno. La metodología abarca una reflexión sobre la utilización del marco
teórico desarrollado en el contexto de los estudios de la industria de software y servicios. A lo
largo del texto, se busca señalar algunos temas problemáticos con la finalidad de presentar
otras políticas públicas y privadas que podrían auxiliar al sector tanto o mas que el propio uso
del poder de compra. Las conclusiones indican que el poder de compra gubernamental no es
ejercido para hacer política industrial del sector de software y servicios en razón de: la falta de
calificación para adquisición de software, la inadecuación del marco que regula las
licitaciones y la necesidad de revisar la ley de pequeñas y medianas empresas (PYMEs).
Palavras clave: componentes, licencias, compra gubernamental, software y servicios.
Introdução
No campo da política pública, o uso do poder de compra governamental esteve ausente da
agenda dos governos brasileiros durante algum tempo. Agora que se pode falar neste tema,
em alguns setores corre-se o risco de cair num discurso oposto, ao repetir constantemente que
este é o instrumento privilegiado para fomentar o desenvolvimento econômico.
A importância da discussão do uso do poder de compra governamental no setor de software e
serviços é evidenciada por Roselino (2006, p.168) que afirma que o setor público constitui em
um potencial demandante, devido ao grande volume de informações que necessita processar,
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as aplicações nas áreas de Saúde, Educação e Assistência Social, bem como na própria gestão
do aparato estatal. Além de ser um potencial demandante, “a experiência internacional reforça
a percepção de que a demanda do setor público é freqüentemente empregada como
instrumento indutor do desenvolvimento e fortalecimento da indústria nacional de software”
(id. ibid).
Outro fator que torna o governo um importante comprador para este setor é o seu volume de
compra tendo em conta seus diversos níveis. Ao todo, o país é composto por 5562 municípios,
27 unidades da federação, governo federal e autarquias.
Este artigo tem por objetivo discutir se o desenvolvimento do setor de software no Brasil
passa pelo uso do poder de compra governamental. Para tanto, o artigo está dividido em
quatro seções, além desta introdução e da conclusão. Inicialmente é realizada uma revisão
bibliográfica sobre a racionalidade e os mecanismos de intervenção da política de compras
governamentais. A segunda seção apresenta o as possíveis restrições de legislação relativas a
compras governamentais. A terceira seção trata da capacitação das empresas do setor,
especialmente, micro e pequenas empresas (MPES), para fornecer para o governo. O tema da
quarta seção é a capacitação do governo na aquisição de software e serviços. Por fim, algumas
reflexões à guisa de uma conclusão.
1. Política de Compras Governamentais: racionalidade e
mecanismos de intervenção
Por estimular o desenvolvimento de determinados segmentos industriais, a utilização do poder
de compra do Estado deve ser entendida como uma política de corte seletivo - também
conhecida como política vertical. As políticas industriais e tecnológicas seletivas privilegiam
deliberadamente indústrias específicas, normalmente aquelas com vantagens competitivas
dinâmicas e com potencial para crescer e ganhar mercados.
É importante ressaltar que, quando se decide utilizar o poder de compras do Estado como um
mecanismo indutor do desenvolvimento da produção doméstica de determinados bens e
serviços, aceita-se que, eventualmente, irá se pagar um sobrepreço temporário em favor do
desenvolvimento da produção nacional (MOREIRA e MORAES, 2002). Frente à exacerbação
da competitividade inter-firmas e entre os países, à elevação dos custos de P&D, ao
recrudescimento dos riscos inerentes ao investimento inovativo, tendo em vista o
encurtamento do ciclo de vida dos produtos (e dos processos), entre outros, a utilização do
poder
de
compra
do
Estado
para
estimular
determinadas
indústrias
locais
e,
3
4
concomitantemente, fomentar a capacitação tecnológica e a geração de empregos nessas
indústrias, torna-se cada vez mais relevante (FERRAZ e COUTINHO, 1995).
Um exame da literatura que trata da política de compras governamentais revela que este é um
instrumento de política pública que pode ser utilizado para alcançar múltiplos objetivos, tais
como: a) Aumentar a demanda agregada; b) Estimular a atividade econômica e a geração de
empregos; c) Aumentar a competição entre empresas domésticas incitando-as a se engajarem
em atividades de P&D; d) Remediar disparidades regionais; e) Promover a criação de
empregos em segmentos marginais da força de trabalho de um país, entre outros
(ROLFSTAM, 2005).
Edquist e Hommem (1998) trabalham com a idéia de que a política de compras
governamentais pode ser não apenas uma modalidade de política industrial, como também um
instrumento de estímulo à inovação. Estes autores dão ênfase aos nexos entre a política de
compras governamentais e as várias teorias da inovação, destacando as aquisições do setor
público que contribuem para o desenvolvimento da interação usuário-fornecedor.
De acordo com Edquist e Hommem (1998), há duas modalidades de política de compras
governamentais: a política de compras governamentais simples e a política de compras
governamentais de cunho inovativo. A política de compras governamentais simples ocorre
quando as autoridades públicas compram produtos simples e prontos (ready made products)
como canetas ou papéis, ou seja, quando não ocorre atividade de P&D para o atendimento da
demanda pública. Por outro lado, a política de compras governamentais de cunho inovativo
(government technology procurement) é aquela na qual uma agência do governo encomenda
um produto ou sistema que não existem no mercado. Um trabalho adicional ou o
desenvolvimento de uma nova tecnologia é requerido para satisfazer a demanda do
comprador. Segundo Edquist e Hommem, “Este é o tipo ideal de compras governamentais”
(1998, p. 4).
Diferentemente do que é apregoado pela corrente econômica hegemônica, segundo a qual os
mercados são considerados mecanismos efetivos para a articulação e a satisfação da maioria
das necessidades econômicas ou demandas da sociedade, o ponto de partida para a aplicação
de uma política de compras governamentais de cunho inovativo deve ser a satisfação de
necessidades sócio-econômicas genuínas, as quais dificilmente poderiam ser garantidas pelo
mercado. Logo, destaca-se a ineficiência de uma agenda de política de compras
governamentais que coloca o mercado como principal ator para a promoção do
desenvolvimento econômico, social e tecnológico de um país.
4
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Assim, os produtos e sistemas que são desenvolvidos - e a mudança técnica que permite sua
provisão - como resultado da política de compras governamentais de cunho inovativo, devem
ser criados com o objetivo de solucionar problemas específicos, que o mercado, por si só, não
daria conta (EDQUIST e HOMMEM, 1998).
Há numerosos exemplos históricos que corroboram a eficiência e a importância da política de
compras governamentais, sobretudo no que diz respeito às compras governamentais de cunho
inovativo. A Suécia, em particular, é um país que oferece muitos exemplos de colaborações
entre o setor público e o setor privado, nas quais as encomendas governamentais demandaram
esforço inovativo por parte do setor privado (EDQUIST e HOMMEM, 1998; FRINDLUND,
1997).
A respeito da política de compras governamentais de cunho inovativo, pode-se subdividi-la
em três variantes, de acordo com o usuário final do produto ou sistema encomendado e com o
papel desempenhado pelo setor público nessas aquisições, a saber: 1ª) Entidade
governamental é o usuário final do produto ou sistema demandado; 2ª) Usuário final do bem
ou serviço encomendado é a população, num contexto em que a entidade governamental atua
de modo a maximizar os benefícios da população; 3ª) Produto ou sistema é destinado
inicialmente ao setor público e, posteriormente, à população.
Na primeira modalidade o setor público - representado por uma empresa estatal, sociedade de
economia mista, instituto público de pesquisa, autarquia, fundação etc. - encomenda um
produto ou sistema para uso próprio. Aqui, a política de compras governamentais é um caso
sui generis de relação usuário-fornecedor, na medida em que o usuário final é o próprio setor
público, o qual apresenta um poder de compra de grande envergadura e, em alguns casos,
competência tecnológica de fronteira.
Na segunda variante da política de compras governamentais de cunho inovativo, o setor
público atua como catalisador, coordenador e fonte técnica para beneficiar os usuários finais,
que nesse caso é a população de um país. Aqui, apesar de não ser o usuário final do produto
ou sistema encomendado, o setor público define aos fornecedores um padrão tecnológico. As
demandas dos consumidores são expostas ao setor público, que por sua vez as repassa às
empresas fornecedoras. Logo, nessa variante, o Estado utiliza seu poder de regulamentação
tomando como ponto de partida demandas e problemas da sociedade.
A terceira e última variante é caracterizada pelo uso dual de um produto, artefato ou
equipamento, ou seja, algo que inicialmente fora desenvolvido em função de uma demanda do
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setor público, mas que com o tempo acaba tendo uma destinação comercial. Aqui, cabe
destacar o caso da política de compras do Departamento de Defesa do Estados Unidos para os
setores aeronáutico, de computadores, de software entre outros, da qual se extrai inúmeros
exemplos de spin-offs, ou seja, de transferência ao mercado civil de tecnologias que
originalmente foram concebidas para atender a uma demanda do setor militar1.
Em resumo, a partir da análise da política de compras governamentais, depreende-se que a
demanda do setor público de um país, dominado por objetivos sociais, econômicos, políticos,
militares, entre outros, pode estimular ou retrair a inovação no seio do tecido produtivo local.
É importante frisar que o poder de compra do setor público pode ser benéfico à inovatividade
das indústrias locais, na medida em que dissipa muita das incertezas e riscos concernentes à
concepção de uma nova tecnologia ou sistema (GREGERSEN, 1992), assim como, pode criar
oportunidades de desenvolvimento partilhado (EDQUIST e HOMMEM, 1998) e de
aprendizagem interativa.
Antes de analisar se o poder de compra governamental está sendo utilizado como política para
estimular a inovação no setor de software, que pode ser irradiada daí para outros setores dado
seu caráter transversal na economia, a próxima seção examina a legislação brasileira para
analisar se ela é permite e/ou estimula este papel.
2. A legislação brasileira sobre compras governamentais
A questão do tratamento preferencial para empresa brasileira nas compras governamentais
suscita muita discussão e divergências entre os doutrinadores e operadores do direito.
Dallari (2000) apresenta que a Constituição Federal brasileira, de 1988, admitia em seu artigo
171 o tratamento preferencial à empresa brasileira de capital nacional No entanto, a Emenda
Constitucional no. 6, de 15/08/1995, revogou este dispositivo, mas em seu art. 170, IXi,
preservou o “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis
brasileiras e que tenham sua sede e administração no país”.
Com a revogação do art. 171 da Constituição Federal, a preferência outrora concedida à
empresa brasileira de capital nacional foi afastada, de modo que, com essa alteração, deixou
de existir no mundo jurídico o conceito de empresa brasileira de capital nacional.
De acordo com Furtado (2005, p. 2) “Essas transferências ocorrem tanto intra-setorialmente (nuclear militar
para o civil, aviação militar para a civil, espacial militar para a civil) como intersetorialmente (espacial para
telecomunicações, nuclear para medicina, militar para eletrônica)”.
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No entanto, cabe analisar se com o art. 3º da Lei 8.248/91 (lei de informática), alterado pela
Lei 10.176/2001, remanesceria alguma espécie de privilégio para bens e serviços de
informática produzidos por empresas brasileiras de capital nacional, e é neste ponto que há
divergência entre os doutrinadores, alguns advogando que o citado preceito foi revogado, e,
outros, de que ele permanece vigente, possuindo as empresas nacionais privilégio em tais
compras governamentais, o que se verá, sucintamente, a seguir.
A Lei no. 10.176, de 11/01/2001, alterando, parcialmente, a Lei no 8.248, de 23/10/1991,
dispõe, em seu art. 3o. que os órgãos e entidades da Administração Pública Federal e
organizações sob o controle direto ou indireto da União darão preferência, nas aquisições de
bens e serviços de informática e automação, observada a seguinte ordem: i) bens e serviços
com tecnologia desenvolvida no País; e ii) bens e serviços produzidos de acordo com
processo produtivo básico, na forma a ser definida pelo Poder Executivo.
A pergunta suscitada é concernente à possibilidade jurídica de serem objetos de direito de
preferência os bens e serviços de informática desenvolvidos com tecnologia nacional e com
significativo valor agregado local, na forma do Decreto 1.070/94, que regulamentou a Lei.
8.248/91, e alterada pela 10.176.
Freitas (2002), em parecer emitido ao Ministério da Ciência e Tecnologia, firmou
entendimento de que está em vigor o direito de preferência em relação aos bens e serviços
produzidos com tecnologia nacional ou com significado valor agregado nacional, com
fundamento constitucional nos artigos 218 e 219 da Constituição Federal ii, sendo o primeiro
para amparar o regime protecionista especial em favor do bem produzido no Brasil, e o
segundo para promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação
tecnológica, abaixo transcritos. Portanto, o autor constata que subsiste o direito de preferência
para aquisição de bens e serviços com tecnologia desenvolvida no país, elencando, inclusive,
os documentos comprobatórios de tal condição.
Moreira e Moraes (2002) seguem esta corrente e afirmam que é ressalvada a aplicação do
princípio de tratamento nacional apenas para as aquisições de bens e serviços com tecnologia
desenvolvida no Brasil e aos bens e serviços produzidos em conformidade com o processo
produtivo básico, de acordo com o art. 3o, da Lei 8.248/91.
A corrente doutrinária divergente desta posição defende que não subsiste tal preferência.
Entre os autores desta corrente, destaca-se Dallari (2000, p. 92), o qual defende que:
A derrogação do artigo 171 da Constituição da República importam na derrogação
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de toda e qualquer norma infraconstitucional instituidora de privilégio ou preferência
que decorra, direta ou indiretamente, de ser a empresa brasileira ou estrangeira,
talvez com a isolada ressalva – aí arrimada no artigo 219 -, dos bens de informática,
na medida em que lei federal específica consagrasse direitos de preleção quanto
àqueles produzidos no país.
Contudo, Dallari (2000) afirma que esta ressalva para os bens de informática é inconsistente,
e cita o caso concreto submetido ao Tribunal de Contas da União, cujo plenário julgou
improcedente representação que apresentava como ilegal edital de licitação para aquisição de
bens e serviços de informática, que não previa o direito de preferência em favor de bens
produzidos no país.
Outra previsão de direito de preferência encontra-se no artigo 3º, da Lei 8.666/93iii – que trata
de Licitações e Contratos da Administração Pública –, o qual assegura preferência aos bens e
serviços produzidos ou prestados no país, como critério de desempate.
Bittencourt (2005) afirma que é totalmente válido o inciso II, do § 2º, do art. 3º, da Lei nº
8.666/93, considerando que a Emenda Constitucional 6/95 não negou a possibilidade do
direito de preferência “tão significante para o desenvolvimento do importante setor de
informática brasileiro, consolidando, inclusive, a política industrial aprovada pelo Congresso
Nacional, dando-se preferência nas licitações aos produtos e serviços fabricados no País”.
Todavia, na prática dos processos licitatórios, em que pese a aplicação do critério de
desempate privilegiando as empresas brasileiras, o que se observa é que as exigências
prescritas nos editais publicados pela União, Estados ou Município desqualificam as empresas
nacionais e principalmente as de pequeno e médio porte, em decorrência da quantificação
para faturamento, números de empregados, tempo de mercado, número de implementações,
entre outras. Ressalta-se que é recorrente no mercado de desenvolvimento a presença de
pequenas e médias empresas que dispõem de tecnologias de ponta, no entanto, com as
exigências dos editais publicados elas se deparam com a necessidade de celebrar parcerias
com empresas de grande porte para viabilizar sua participação no mercado de compras do
setor público. Caso seja alterado este processo, as pequenas e médias empresas da área de
tecnologia da informação terão melhores condições para competir neste mercado, tendo como
conseqüências positivas a geração de empregos e o desenvolvimento de novas tecnologias no
Brasil, garantindo ao governo um menor investimento e uma maior receita (FGV e Câmara
Brasileira do Comércio Eletrônico, 2002).
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As divergências doutrinárias quanto à aplicação ou não do direito de preferência aos bens de
informática desenvolvidos com tecnologia nacional tendem a se acirrar no ambiente
competitivo de internacionalização das atividades econômicas – financeiras, produtivas e
comerciais – o que é lamentável. É necessária uma análise extensiva do marco regulatório
atinente à matéria não apenas do ponto de vista do direito tecnicista, mas ampliando para
outras dimensões – tais como a econômica, industrial, social e tecnológica, visando promover
o desenvolvimento econômico do país por intermédio do fortalecimento da indústria nacional.
Enquanto no Brasil as discussões gravitam em torno da aplicabilidade e/ou legalidade do
direito de preferência, em outros países, notadamente os desenvolvidos, esta prerrogativa é
utilizada amplamente com instrumento para fortalecer a economia nacional, concedendo
preferência às empresas domésticas, em especial às de pequeno porte. No Estados Unidos, por
exemplo, destaca-se a destinação das compras governamentais ao mercado doméstico, em
conformidade com exigências prescritas nas normas e procedimentos de compras
governamentais, derivadas das disposições inseridas nos programas Buy American Act,
Balance of Payments Program e Small Business Act. As políticas de apoio às pequenas
empresas são amparadas nas diretrizes definidas no Small Business Act, o qual foi aprovado
pelo congresso daquele país em 1953. Este programa definiu os princípios básicos para a
atuação do Poder Executivo em apoio às pequenas empresas, apregoando que o Estado deve
apoiar, assistir e proteger, na medida do possível, os interesse destas empresas.
O Small Business Act determina que todas as aquisições de bens e contratações de serviços e
obras públicas de valor entre US$ 2.500 e US$ 100.000 sejam automaticamente destinadas às
pequenas empresas estadunidenses, além de dar preferência a empresas de pessoas e grupos
sociais em desvantagem econômica e social. Para o cumprimento dessas determinações por
parte dos órgãos e empresas públicas, foram criados rigorosos mecanismos de
acompanhamento e avaliação dos processos licitatórios. É importante destacar que a política
de preferência às pequenas empresas estabelecida no Small Business Act, não pode ser
derrogada por acordos internacionais firmados pelo Estados Unidos. Logo, evidencia-se a
forte restrição à entrada de empresas estrangeiras no mercado estadunidense de compras
governamentais (MOREIRA e MORAES, 2002, p. 89).
Portanto, destaca-se o caráter explicitamente protecionista e seletivo do arcabouço legal que
rege as compras das entidades governamentais estadunidenses, em contraste com as
controvérsias acerca da aplicabilidade ou não do direito de preferência no Brasil, de modo que
o país perde a oportunidade de utilizar um importante instrumento de apoio ao
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0
desenvolvimento de empresas domésticas, sobretudo daquelas com necessidades especiais
como as MPES.
O objetivo da próxima seção é introduzir a discussão sobre o setor de software brasileiro,
enfocando a capacitação das empresas que atuam setor, com destaque para as micro e
pequenas, em termos de fornecimento de software e serviço para o setor público.
3. As empresas brasileiras de software e a capacitação
para fornecer ao governo
É sempre complicado desenhar o quadro do mercado de software brasileiro devido à
dificuldade “natural” de mensuração deste setor econômico (as atividades de software não são
bem cobertas pelas categorias de atividades econômicas devido à defasagem destas em
relação às atividades de uma indústria marcada pelo dinamismo econômico e tecnológico), o
que é agravado na situação brasileira. Os números apresentados abaixo são considerados as
melhores estimativas possíveis.
O Brasil é dotado de um mercado interno substancial em termos de volume (US$ 7,41 bilhões
segundo IDC 2006 – e robusto em termos do atendimento a uma demanda qualificada,
colocada em parte pelas empresas multinacionais presentes no país.
De acordo com o estudo da Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro SOFTEX (2003), sobre a indústria de software no Brasil, realizado em parceria com o
Massachussets Institute of Technology (MIT), o crescimento do mercado brasileiro de
software ao longo da última década proporcionou uma formidável expansão no número de
empresas de software e serviços. Estima-se que 96% destas empresas brasileiras seja micro e
pequenas empresas com faturamento de até 10 milhões de reais/ano segundo dados de 2002
(GUTIERREZ e ALEXANDRE, 2004).
Roselino (2006) estima que existam mais de 10 mil empresas de atividades de informática no
país, distribuídas desigualmente pelas classes do setor 72 da Classificação Nacional de
Atividades Econômicas (CNAE), conforme exposto na tabela 1 abaixo. A maior parte das
empresas situa-se nas classes de atividades do entorno da produção de software
(processamento de dados e manutenção de equipamentos), atividades estas que empregam
grande parte do pessoal ocupado. Entretanto, a classe 7220 é que a possui a maior receita
líquida total.
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Tabela 1 – Total de empresas, receita líquida e pessoal ocupado segundo classes de atividades de
informática e serviços relacionados (2002)
CLASSE CNAE (v. 1.0)
Total de empresas
Receita líquida
total (R$ milhões)
Pessoal Ocupado
total
871
3.035
22.682
7220 - Desenvolvimento e edição de software,
prontos para uso e Desenvolvimento de
software
sob
encomenda
e
outras
consultorias em software
1.592
6.897
67.031
7230 - Processamento de dados
4.120
3.830
62.490
7240 - Atividades de banco de dados e
distribuição on-line de conteúdo eletrônico
89
204
1.966
7250 - Manutenção, reparação e instalação
de máquinas de escritório e de informática
3.784
1.749
34.067
7210 - Consultoria em hardware
Fonte: Adaptação de Roselino (2006) que usou microdados da Pesquisa Anual de Serviços (PAS/IBGE 2002).
Tabela 2 – Participação das empresas nos diferentes mercados de software, conforme origem de capital
(2002)
Nacionais Nacionais
privadas
públicas Estrangeiras
Total
Serviços de software de baixo valor
Numero de Empresas
368
13
36
417
%
88%
3%
9%
100%
Receita Líquida Total
3.800
1.180
1.349
6.330
%
60%
19%
21%
100%
Pessoal Ocupado Total
60.082
13.686
6.235
80.003
%
75%
17%
8%
100%
Serviços de software de alto valor
Numero de Empresas
140
11
151
%
93%
7%
100%
Receita Líquida Total
968.089
951.672
1.919
%
50%
50%
100%
Pessoal Ocupado Total
9.437
2.847
12.284
%
77%
23%
100%
Produtos
Numero de Empresas
149
29
178
%
84%
16%
100%
Receita Líquida Total
894.349
1.161.088
2.055.437
%
44%
56%
100%
Pessoal Ocupado Total
8.274
2.798
11.072
%
75%
25%
100%
Fonte: Roselino (2006) que usou dados das pesquisas PAS-IBGE (2002), CEB-BACEN (2000) e RAIS/MTE
(2002).
Nesta tabela pode-se ver que grande parte das empresas das atividades de informática está
situada em elos da cadeia de pouco valor agregado. Isto é confirmado pela análise de
Roselino, que partiu de uma amostra cerca de 800 empresas da pesquisa PAS-IBGE de 2002,
classificadas agora segundo a principal receita de seus produtos e serviços – o que resultou em
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três modelos de negócio (serviços de software de baixo valor, serviços de software de alto
valor e produtos) – e também segundo a origem de capital (empresas nacionais privadas,
empresas nacionais públicas e empresas estrangeiras). Os resultados são apresentados na
tabela 2.
Mais da metade das empresas nacionais privadas atuam com serviços de software de baixo
valor de menor rentabilidade. As empresas estrangeiras, embora também atuem nestes
mercados, concentram-se principalmente nos serviços de software de alto valor e no mercado
de software produto.
Cruzando estes dados com os gastos com informática do governo federal, Roselino (2006)
mostrou que, em 2002, do total R$ 727 milhões de compras de software e serviços do governo
federal: a) A maior parte de suas compras foi concentrada em empresas públicas, (com mais
de 62% do valor total demandado) e em serviços de baixo valor agregado; b) O valor total
adquirido junto às empresas nacionais privadas supera em quase sete vezes o total adquirido
junto a empresas estrangeiras; c) As compras de empresas voltadas às atividades mais
dinâmicas tecnologicamente são significativamente menores; e) A demanda por soluções
(software produto) oriundas de empresas estrangeiras supera a das empresas nacionais.
Em resumo, apesar do governo federal comprar software e soluções das empresas nacionais
privadas, isto não representa o maior volume nem estas compras são realizadas
primordialmente para áreas mais dinâmicas tecnologicamente.
Estes números coincidem com a percepção das empresas. De acordo com o estudo SOFTEX
(2003), 38% das 57 empresas entrevistadas, consideradas as mais competitivas do país,
percebiam que havia uma preferência por uso de tecnologia importada no mercado interno e
29% que havia a ausência de uma política de compras governamentais focada no setor, e que
esses dois fatores representavam fortes barreiras ao desenvolvimento da indústria (Gráfico 1).
Olhando por outro ângulo, as MPEs, que formam a grande massa de empresas do país,
possuem condições competitivas (em termos de competência técnica e musculatura
financeira) para concorrer em licitações públicas e fornecer suporte para suas soluções ao
longo do tempo?
No caso das MPEs, o acesso a capital e a preferência por tecnologias importadas no mercado
interno aparecem como as barreiras mais significativas para o desenvolvimento da indústria
de software no país. Esta percepção, aliada a outros dados, ajuda a responder uma parte da
questão, qual seja, a fragilidade financeira destas empresas.
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1
3
Na visão dos especialistas, reunidos em um exercício de cenários sobre a indústria brasileira
de software e serviços (SOFTEX, 2006), a situação atual é marcada por uma baixíssima
maturidade em questões críticas para empresas deste setor tão dinâmico, como capacidade de
gestão e qualidade de processos. A opinião quanto ao futuro foi dividida em três
possibilidades: 1) não ocorrer alterações nos próximos anos, 2) ocorrer um lento aumento da
maturidade pelas exigências das contratantes multinacionais ou 3) ocorrer um lento aumento
da maturidade em função do aumento dos incentivos de políticas públicas.
Gráfico 1 – Barreiras ao desenvolvimento da indústria
Pre fe rê ncia por te cnologia im portada ( no m e rcado inte rno )
e de s conhe cim e nto do Softw are Bras ile iro ( no m e rcado
e xte rno )
38%
Ace s s o ao capital
35%
Aus ê ncia de um a política indus trial
35%
Falta de m e canis m os de ince ntivo à e xportação ( ince ntivos
fis cais e facilidade s )
33%
29%
Com pras gove rnam e ntais
Baixa capacidade de m ark e ting
24%
Carga tributária incide nte s obre os s alários
24%
De ficiê ncia na inte ração unive rs idade e e m pre s a
Proce s s os burocráticos (barre iras re gulatórias , de m ora
libe ração financiam e ntos e fraca atuação e m baixadas )
22%
20%
Fonte: Softex (2003).
Dessa forma, o que o exercício de cenários aponta é que se fazem necessárias políticas
públicas e privadas para melhorar a capacitação e maturidade das empresas nacionais, para
então estas empresas terem condições melhores de atender prioritariamente a demanda do
governoiv.
Da mesma forma que indagou-se se as empresas de origem de capital nacional têm condições
técnicas e econômicas para se tornarem fornecedoras ao governo, sendo a resposta de que isto
ainda precisa ser construído para as MPEs embora já seja a realidade de algumas grandes
empresas, na próxima seção do texto investiga-se se o governo brasileiro é capacitado no
processo de aquisição de software.
4. O governo brasileiro e sua capacitação para aquisição
de software
Esta seção parte de um panorama pouco animador. Em linhas gerais, o governo, nas diversas
instâncias, não tem pessoal para fazer a avaliação dos critérios estipulados nos processos
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1
4
licitatórios, nem possui pessoal qualificado para aplicar diligências nos fornecedores para
comprovação das boas práticas de engenharia de software. Em resumo, podemos observar que
não existe pessoal qualificado no governo para a execução das atividades de construção do
questionário de critérios de avaliação, criação de gabarito e de avaliação das respostas (tanto
leitura das respostas quanto diligências às empresas para comprovação).
Considerando esta realidade, uma primeira recomendação seria não a construção de um
manual de aquisição para a administração publica, mas talvez a contratação de consultoria de
universidades ou entidades de pesquisa idôneas para a realização dessas atividades (para esta
solução é necessário que exista uma licitação anterior para que essas organizações não sejam
escolhidas de forma arbitrária).
Aos argumentos expostos acima, junta-se o fato de que a aquisição de Software e Serviços é
um processo complexo, principalmente no que diz respeito à caracterização dos requisitos
necessários ao software e serviços e às condições envolvidas na contratação como, por
exemplo, qualidade esperada, forma de aceitação, gestão de mudanças, artefatos esperados,
entre outros. Este ambiente apresenta riscos para as partes envolvidas e, como conseqüência, é
comum a ocorrência de sérios conflitos na relação entre fornecedores e adquirentes de
software. Além da aquisição de software e serviços temos ainda a contratação de serviços de
tecnologia da informação (TI), sistema de informação (SI), tecnologias da informação e
comunicação (TIC) e cada um destes domínios com riscos e dificuldades para o cliente e
fornecedor.
Outro fator que devemos considerar é o custo de realização de diligências para comprovação
das respostas dos fornecedores (este custo deveria ser assumido pelo governo e/ou pelos
fornecedores?).
A finalidade de uma aquisição é a obtenção de bens e serviços de um modo eficiente, eficaz e
competitivo. Uma aquisição deste tipo deverá ser justa, eqüitativa, transparente e eficaz em
termos de custos e prazos (ALVES, 2002).
Muitos projetos de desenvolvimentos de software, resultantes de processos de aquisição,
tornam-se excessivamente onerosos e incapazes de fornecer a qualidade, confiabilidade e
capacidade necessárias dentro dos prazos previstos. Os problemas são conhecidos: desvios
orçamentários significativos, não cumprimento de prazos e deficiências de desempenho. Dada
a amplitude dos contratos públicos, a implementação de processos de aquisição eficazes
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5
permite economia considerável por parte dos governos e, conseqüentemente, dos
contribuintes.
Segundo o relatório de 2004 do Standish Group (2005): a) Cerca de 30% de projetos de
tecnologias de informação (TI) são bem sucedidos, ou seja, entregue no prazo, dentro do
orçamento previsto e com a implementação de todas as
funcionalidades e funções
especificadas; b) Cerca de18% foram não exitosos, ou seja, ou foram abortados ou foram
entregues ao cliente e nunca foi utilizado; c) Cerca de 53% são considerados projetos
desafiadores, ou seja, sofreram atrasos, excederam o orçamento inicial e não implementaram
todas as funcionalidades e funções previstas na especificação de requisitos.
Atualmente os governos buscam o setor privado para a obtenção e suporte de sistemas nas
mais diversas áreas, desde os sistemas administrativos (folha de pagamento ou sistemas de
contabilidade), sistemas científicos (relacionados com a pesquisa na área de saúde,
biotecnologia), até sistemas de gestão específicos (meteorologia). Os sistemas citados são
sistemas de grande dimensão e complexidade. São difíceis de planejar, avaliar, implementar, e
manter atualizado, muitas iniciativas falhando devido à complexidade dos requisitos e aos
processos de aquisição utilizados.
Existe uma grande variedade de regras, linhas de conduta e padrões que são seguidos em
diferentes países. Como exemplo, temos na União Européia o EURO Method, o EPHOS e o
GOSIP. De um modo geral, estes são vistos como orientações e não como abordagens
obrigatórias, havendo uma liberdade considerável para as entidades/ministérios escolherem o
método que pretendem seguir.
A raiz de muitos dos problemas que afetam a aquisição de produtos de software encontra-se
normalmente em fatores relacionados à falta de capacidade de gestão, e não a dificuldades
técnicas. Uma organização imatura em seus processos de aquisição para sistemas de software
pode levar o projeto ao fracasso, da mesma forma que uma organização com processo de
desenvolvimento de software imaturo.
A Figura 1 apresenta os riscos inerentes a um projeto de aquisição, considerando a maturidade
e capacidade do cliente e fornecedor. Uma situação que pode se configurar em desastre
ocorre quando ambos, fornecedor e cliente são imaturos e incapazes e a melhor situação
ocorre quando ambos têm o mesmo nível de maturidade e capacidade.
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1
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O Departamento de Defesa dos Estados Unidos (DoD), procurando melhorar seus métodos
de aquisição, estudou as melhores práticas comerciais e então comparou com suas práticas
internas. A melhoria de seus métodos incorporou aspectos relativos à especificação de
requisitos, seleção de fornecedores, processo de desenvolvimento, práticas de negócio,
integração e manutenção de sistemas e diretos de propriedade sobre os produtos gerados
Alto
Figura 01- Maturidade e capacidade de cliente versus fornecedor
Não combina
Cliente maduro é
mentor da aquisição
Combina
Comprador e
fornecedor maduros
Fornecedor imaturo
Desastre
Sem disciplina
Sem processo
Sem produto
Perfil Técnico
e de Gestão
Alta probabilidade de
sucesso
Não combina
Comprador Fornecedor
imaturo
maduro
Clientes encorajam
short cuts
Baixo
Comprador
Saídas não previsíveis
Baixo
Fornecedor
Alto
Fonte: adaptado de SEI (2006)
A experiência mostra que as práticas de aquisição não só diferem de projeto para projeto,
como também diferem dentro da mesma organização.
É importante que, adicionalmente à promoção do tipo de eficiência que permitirá ao governo
obter a quantidade e qualidade necessária do software, a política de compras seja utilizada
para eficazmente desafiar e transformar as práticas de gestão existentes e promover práticas
eficazes em novas empresas que surjam. Através da abertura do sistema a novos fornecedores
e através dos termos que define nos contratos, o governo é capaz de utilizar seu poder de
compra como alavanca com a qual trará novas empresas para o fluxo principal da economia e
promoverá práticas éticas e padrões de trabalho.
Note-se que a instauração de novas orientações pressupõe um esforço de adaptação dos
métodos de trabalho tradicionais. Trata-se, porém, de um processo difícil e por vezes
doloroso, particularmente quando as relações existentes são fundadas nos hábitos e nos laços
privilegiados e em preferências pessoais. Independentemente da premência das necessidades,
16
1
7
será ilusório acreditar que práticas tradicionais bem enraizadas serão abandonadas de um dia
para o outro.
As múltiplas experiências e resultados analisados introduzem muitos conceitos e caminhos a
seguir, por vezes até mesmo conflituosos. Fundamentalmente, é necessário compreender
como a aquisição no setor público difere do setor privado e procurar identificar os aspectos
chave, quer da perspectiva do cliente quer do fornecedor, de modo a estabelecer políticas
claras, consistentes e bem documentadas para serem seguidas. Devemos observar que um
governo não pode operar com a mesma liberdade que empresas do setor privado assim como
não existem “melhores práticas” universalmente aceitas para a aquisição de software.
Devemos lembrar ainda que, de modo a assegurar que a máxima eficiência e eficácia sejam
obtidas, regras, regulamentos e políticas, devem ser estabelecidas apenas quando os seus
benefícios claramente excedem os custos do seu desenvolvimento, implementação,
administração e execução. Isto se aplica a processos administrativos internos e a regras e a
procedimentos que se aplicam à comunidade de fornecedores. O sistema deve fornecer
uniformidade que contribua para a eficiência, num contexto em que impere a justiça e a
preditabilidade. Por outro lado, deve encorajar a inovação e a adaptação local onde a
uniformidade não é essencial.
Consideramos que se deverá procurar conceber uma abordagem global e não apenas um
processo concentrado na aquisição, devendo a mesma poder ser ajustada às contingências dos
projetos individuais.
Considerações finais
Retomando os argumentos discutidos no texto, temos que, segundo os especialistas do setor
(ALVES, 2002, SOFTEX, 2003 e ROSELINO, 2006), o poder de compra do governo não é
exercido para fazer política industrial e tecnológica do setor de software. Conforme foi
apresentado ao longo do texto, há um intenso debate acerca da legalidade ou não do direito de
preferência aos bens de informática com tecnologia nacional. Contudo, o que se pode afirmar
é que, controvérsias à parte, diferentemente do que se observa em outros países, notadamente
os Estados Unidos, a política de compras governamentais brasileira, na prática, tem sido
escassamente utilizada para fomentar a competitividade das empresas brasileiras.
O poder de compra do governo tem sido utilizado em países como EUA e China para
fomentar o desenvolvimento dos setores econômicos. Enquanto no Brasil as discussões
gravitam em torno da aplicabilidade e/ou legalidade do direito de preferência, em outros
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1
8
países, notadamente os desenvolvidos, esta prerrogativa é utilizada amplamente com
instrumento para fortalecer suas economias nacionais, concedendo preferência às empresas
domésticas, em especial às de pequeno porte.
Da parte do governo, falta qualificação nos aspectos técnicos do processo de aquisição de
software, conforme discutido na seção 4. Falta uma visão mais apurada também nos aspectos
estratégicos, pois, por um lado, há competição dentro do próprio governo pelo poder de
compra, pois a maior parte da aquisição de serviços de informática por parte do governo
federal é feita de empresas públicas nacionais. Por outro lado, como apresenta Roselino
(2006, p.171):
O recurso às compras governamentais de software produto, customizáveis ou sob
encomenda, para atender necessidades ligadas às políticas voltadas à universalização
do acesso às tecnologias de informação e comunicação na rede oficial de ensino, ou
programas federais voltados à informatização das administrações federais, por
exemplo, seriam potenciais demandantes de soluções que fortaleceriam empresas
nacionais privadas, conferindo a estas melhores condições no enfrentamento de um
cenário crescentemente competitivo.
Da parte da regulação, a despeito das divergências doutrinárias quanto à aplicação ou não do
direito de preferência aos bens de informática desenvolvidos com tecnologia nacional, na
prática os processos licitatórios desqualificam as empresas nacionais e principalmente as de
pequeno e médio porte. A revisão do marco regulatório pode ajudar neste aspecto, como a Lei
Geral das MPEs (PL 123/04) que poderá ser um importante instrumento de política pública
para atender as necessidades internas, estruturais e sistêmicas que as MPEs possuem para
participar de forma competitiva no mercado.
Da parte das empresas de software e serviços, há o clamor geral de que o poder de compra do
setor público brasileiro pode ser um importante mecanismo de fomento ao setor, pois além do
fôlego financeiro que conferiria aos fornecedores domésticos, as empresas participantes do
mercado governamental ganhariam referências de peso, o que representa um tíquete
importante neste setor econômico (FORMAN, 2006).
Desta forma, respondendo à questão colocada inicialmente, o desenvolvimento do setor de
software e serviços no Brasil passa certamente pelo uso do poder de compra. Entretanto, há
passos concomitantes que precisam ser dados, como por exemplo: a) fortalecer as empresas
do setor, através de diversas políticas públicas e privadas, várias já em curso; b) capacitar o
18
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9
governo no processo de aquisição de software e serviços; e c) revisão do marco regulatório
para tratar desigualmente os desiguais.
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group.com/visitor/chãos.htm>, 2005.
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios: (...) IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras
e que tenham sua sede e administração no País.”
ii
Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação
tecnológicas. § 1º - A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem
público e o progresso das ciências. § 2º - A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução
dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional. § 3º - O Estado
apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, e concederá aos que delas
se ocupem meios e condições especiais de trabalho. § 4º - A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam
em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e
que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos
ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho. § 5º - É facultado aos Estados e ao Distrito
Federal vincular parcela de sua receita orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa
científica e tecnológica. Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a
viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica
do País, nos termos de lei federal.
i
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2
1
iii
Artigo 3º - A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a
selecionar a proposta mais vantajosa par a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade
com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da
probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são
correlatos. (...) Parágrafo 2º - Em igualdade de condições, como critério de desempate, será assegurada
preferência, sucessivamente, aos bens e serviços: (...) II – produzidos no País.
iv
Neste sentido, podem ser citadas diversas políticas realizadas por intermédio do programa SOFTEX,
como ações para fomentar empreendedorismo, melhoria de processo de software e também na aquisição de
software (MPS.BR), capacitação técnica e organizacional, etc. Para maiores informações, consultar
www.softex.br
21
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