Artigos Sistemas construtivos em terra crua: panorama da América Latina nos últimos 30 anos e suas referências técnicas históricas Mariana Kimie da Silva Nito Arquitetura, técnica e contexto: o canteiro e a produção habitacional no Brasil (1960-1990) Jonas de Campos Azevedo O Banco Nacional de Habitação (BNH): uma proposta de revisão bibliográfica Maria Alejandra Bruschi Costa Jacques Pilon: modernismo e mercado imobiliário Marina Rosenfeld Sznelwar Galerias: uma tipologia para a metrópole. São Paulo, 1942 - 1964 Juliane Bellot Rolemberg Lessa Os lugares no espaço: a problematização do Cine Belas Artes como patrimônio cultural de São Paulo Pedro Beresin Schleder Ferreira Os Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade são um periódico da Escola da Cidade criado com o objetivo de divulgar e publicizar as ações de Iniciação Científica desenvolvidas por essa instituição. De caráter acadêmico e científico configuram-se como um espaço de discussão e reflexão dedicado às questões afeitas à pesquisa de arquitetura e urbanismo – bem como áreas afins – em seus múltiplos aspectos. Voltados para a publicação de trabalhos de pesquisa desenvolvidos por alunos de graduação, os Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade buscam qualificar e fomentar as pesquisas desenvolvidas na Escola da Cidade, mas também chamar ao diálogo pesquisadores de outras instituições. Comissão Editorial Amália Cristovão dos Santos (EC / FAU-USP) Eduardo Augusto Costa (EC / IFCH-Unicamp) Fabio Lins Mosaner (EC) Fernanda Mendonça Pitta (EC / Pinacoteca SP) Joana Mello de Carvalho e Silva (EC / FAU-USP) Marianna Boghosian Al Assal (EC) Pedro Lopes (EC / FFLCH-USP) Conselho Consultivo Ana Claudia Scaglione Veiga de Castro (FAU-USP) Cristiane Checchia (ILAACH-Unila) Nilce Cristina Aravecchia Botas (FAU-USP) Renato Cymbalista (FAU-USP) Taisa Helena Pascale Palhares (IFCH-Unicamp) sumário 5 Apresentação 21 Arquitetura, técnica e contexto: o canteiro e a produção habitacional no Brasil (1960-1990) Jonas de Campos Azevedo 33 O Banco Nacional de Habitação (BNH): uma proposta de revisão bibliográfica Maria Alejandra Bruschi Costa Escola da Cidade Ciro Pirondi (Diretor) 45 Jacques Pilon: modernismo e mercado imobiliário Marina Rosenfeld Sznelwar Conselho de Graduação Alvaro Puntoni (Coordenação) 57 Galerias: uma tipologia para a metrópole. São Paulo, 1942 - 1964 Juliane Bellot Rolemberg Lessa 75 Os lugares no espaço: a problematização do Cine Belas Artes como patrimônio cultural de São Paulo Pedro Beresin Schleder Ferreira 91 94 97 110 VII Jornada de Iniciação Científica da Escola da Cidade Programação Resumos dos trabalhos Professores convidados 113 Normas para a submissão de trabalhos Editor Científico Ana Claudia Scaglione Veiga de Castro Marianna Boghosian Al Assal Projeto Gráfico e diagramação três design Associação Escola da Cidade Anália M. M. C. Amorim (Presidente) Conselho Científico Newton Massafumi Yamato (Coordenação) Editora da Cidade Anderson Freitas Fabio Valentim José Paulo Gouvêa Editora executiva Marina Rago Moreira Revista Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade Número 1 / 2015 Rua General Jardim, 65 - Vila Buarque CEP: 01223-011 – São Paulo, SP 9 11 Artigos Sistemas construtivos em terra crua: panorama da América Latina nos últimos 30 anos e suas referências técnicas históricas Mariana Kimie da Silva Nito Apresentação Formulada desde sua criação como um centro de estudos que por meio de relações entre arquitetura, história, cultura, território e natureza, procura introduzir e reinterpretar as diferentes formas de ocupação do espaço, a Escola da Cidade mantém desde 2008 um programa de Iniciação Científica. Atrelado inicialmente ao Núcleo de Pesquisa, e a partir desse ano de 2015, ao Conselho Científico da Escola da Cidade, o programa visou desde seu momento inicial oferecer ao aluno da graduação a possibilidade de refletir criticamente sobre os campos de atuação afeitos à profissão do arquiteto e urbanista, levando em conta seus diálogos e intersecções com questões de outros campos do saber. A proposta ecoava algo que se configurava em grande parte como o motor inicial para a própria criação da Escola da Cidade, tornando-se, neste sentido, um caminho seguro a ser seguido. Outra preocupação fundante da instituição, a de pensar as relações entre teoria e prática, conferiu contornos especiais ao programa de pesquisa junto à graduação. Ao longo desses anos esse programa contou com o fomento oferecido pela Escola, propiciando a conclusão de pesquisas de Iniciação Científica nos moldes acadêmicos tradicionais, mas também pesquisas definidas por seu cunho experimental, dando a chance para novas e instigantes investigações. De um lado, portanto, o programa propiciou o desenvolvimento de pesquisas atreladas ao rigor acadêmico, formando jovens pesquisadores competentes que posteriormente poderão se vincular aos programas de pós-graduação com uma experiência importante. E de outro, propondo um modelo de pesquisa experimental que se afastava das definições tradicionais (mais ligadas às práticas laboratoriais) e se afirmava como investigação propositiva. Essa última, denominada Pesquisa Experimental, está voltada para iniciativas de experimentação no urbanismo e na arquitetura, através dos seus diversos elementos de expressão (linguagem) e conteúdo (técnica). Pressupõe-se assim que o plano ou projeto proposto para realização devem estar imbuídos de propósitos de investigação ou da produção de modelos técnicos, e que, a partir de leituras da diversidade e da complexidade arquitetônica e urbana contemporâneas, se construam hipóteses de descrição, registro e transformação da realidade. Desde quando este programa de Iniciação Científica se iniciou, em 2008, quando o edital abriu as primeiras duas vagas de pesquisa, até o ano de 2015, foram concluídas 42 pesquisas, número que demonstra a consolidação da investigação acadêmica na Escola, com a ampliação do interesse tanto dos alunos quantos dos professores, e não apenas os diretamente envolvidos. Outro fato importante a mencionar refere-se à multiplicidade de temas e questões essenciais ao campo de atuação do arquiteto e urbanista abordados nessas pesquisas, desenvolvidas desde os mais diversos pontos de vista. Questões muitas vezes inicialmente discutidas em sala de aula desdobram-se em novas pesquisas, percorrendo um amplo espectro disciplinar, da habitação social às discussões da paisagem, da arte pública à crítica da arquitetura moderna brasileira, do urbanismo ao design, em todas suas linguagens, métodos e técnicas pertinentes. Outras, suscitadas pelos interesses próprios dos alunos ou por pesquisas desenvolvidas pelos professores em suas atividades de investigação, também renderiam temas de pesquisas contemplados pelo programa. De maneira associada ao fomento da pesquisa junto à graduação, as Jornadas de Iniciação Científica da Escola da Cidade vêm sendo realizadas anualmente desde 2009. Concebida como oportunidade de difusão e de debate das investigações 5 desenvolvidas na Escola, a Jornada possibilita ao jovem pesquisador apresentar e ver discutida a sua análise ao lado de outras, sempre debatida por um pesquisador experiente, em geral ligado às principais universidades brasileiras, o que lhe coloca em um ambiente de discussão intelectual que o prepara para novos desafios. Desde 2014, a Jornada abriu-se também para a apresentação de pesquisas realizadas em outras universidades, faculdades e escolas, ampliando o debate ao receber contribuições não apenas do campo da arquitetura e urbanismo, mas também de áreas afins, como o design, a história, as artes visuais, entre outras. A possibilidade de colocar em diálogo os trabalhos realizados na Escola com aqueles desenvolvidos em outras instituições de ensino superior configurou-se como oportunidade única de ampliação das perspectivas de debate, algo fundamental para o adensamento do pensamento crítico no âmbito da pesquisa científica desenvolvida nesta instituição. Evidência disso foi a importante contribuição dos professores convidados que a cada ano participaram como comentadores da Jornada. Como também o é a expressiva resposta à chamada aos alunos e professores de outras instituições para a possibilidade de participação, apresentação e discussão de suas pesquisas. O número de adesões, tanto em 2014 quanto nessa VII edição da Jornada de Iniciação Científica da Escola da Cidade de 2015, não deixa dúvida sobre o reconhecimento do programa e do próprio evento. É nesse contexto, portanto, que a realização do primeiro número da revista Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade que agora se lança configura a possibilidade de alargamento das fronteiras da pesquisa acadêmica em arquitetura urbanismo na Escola da Cidade, com o crescimento e afirmação de um programa de Iniciação Científica rumo a sua maturidade, estimulando alunos e professores a desenvolverem suas trajetórias acadêmicas na instituição de maneira plena. Mas também, em grande medida, o lançamento dessa revista é a comemoração do caminho percorrido até aqui e a homenagem a todos os envolvidos nesse processo – alunos pesquisadores, seus orientadores e coordenadores, que desde 2009 contribuíram para construir de maneira coletiva a pesquisa na Escola da Cidade. Para configurar esse momento de consolidação do programa, nada mais justo que publicar artigos oriundos de algumas das pesquisas desenvolvidas entre 2009 e 2012. Tais textos são amostra clara do esforço de excelência almejado pelos coordenadores do programa e professores orientadores, mas 6 também do potencial reflexivo desses alunos de graduação que a partir de recortes, temáticas e questionamentos diversos, desenvolveram pesquisas de grande qualidade e interesse. O primeiro desses artigos – “Sistemas construtivos em terra crua: panorama da América Latina nos últimos 30 anos e suas referências técnicas históricas” –, de autoria de Mariana Kimie da Silva Nito, procura contribuir com o debate acerca da importância histórica bem como da relevância e pertinência contemporânea do uso de sistemas construtivos em terra crua. Busca-se, a partir de um levantamento de técnicas e normas e de sua abordagem crítica, destacar esses sistemas construtivos como tecnologia durável relacionada à conservação e restauração do patrimônio cultural, à construção de baixo impacto ambiental da arquitetura e também à produção arquitetônica contemporânea. Ainda com o olhar voltado para o canteiro de obras em suas dinâmicas e práticas, Jonas de Campos Azevedo – em “Arquitetura, técnica e contexto: o canteiro e a produção habitacional no Brasil [1960-1990]” – destaca alguns dos processos de racionalização da construção civil no campo da habitação social no Brasil, entre as décadas de 1960 e meados da década de 1990. Partindo de uma divisão do período em dois momentos distintos – de 1960 a 1980 e de 1980 a 1990 – e da escolha de exemplos emblemáticos analisados para cada um desses momentos, busca-se entender em que medida os processos de racionalização da técnica popular podem levar a produção de modelos habitacionais coerentes com os contextos onde estão inseridos. Embora com outro enfoque, Maria Alejandra Bruschi Costa também toma as políticas para produção habitacional como tema central, concentrando-se na ação do Banco Nacional da Habitação (BNH), que vigorou de 1964 a 1986. O artigo “O Banco Nacional de Habitação (BNH): uma proposta de revisão bibliográfica” expõe assim os resultados parciais da pesquisa que procurou a partir de um amplo levantamento bibliográfico – de documentos oficiais à produção de viés crítico, vinda de acadêmicos que exerciam oposição ao regime militar, ou vinculada ao Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) –, propor uma revisão da atuação desse órgão a partir de três pontos que propõe como centrais para a formulação de ações públicas que pretendam equacionar o problema habitacional: as políticas de desenvolvimento urbano; o desenvolvimento tecnológico na construção civil; e o acesso aos financiamentos para as famílias de menor renda. Ao estudar a obra do arquiteto francês Jacques Pilon (1905- 1962) em São Paulo, entre os anos de 1934 e 1962, Marina Rosenfeld Sznelwar, na pesquisa “Jacques Pilon: modernismo e mercado imobiliário”, investiga a contribuição do arquiteto e de seu escritório para a metropolização de São Paulo, compreendendo sua atuação num mercado imobiliário que então se estruturava em bases empresariais. Ao enfocar o escritório e não apenas a atuação de Pilon, a pesquisa permite conhecer a própria dinâmica do estabelecimento da profissão na cidade, e seu papel na constituição da metrópole paulista. Do mesmo modo, Juliane Bellot Rolemberg Lessa também se interessa pela metropolização da capital paulista, neste caso, procedendo a uma pesquisa sobre edifícios em altura com galerias comerciais em seus térreos, entendendo-os como uma nova tipologia que contribuirá para conceder a almejada feição de metrópole à cidade. Seu artigo, “Galerias: uma tipologia para a metrópole (São Paulo, 1942-1964)”, discute tal tipologia dentro do contexto de americanização dos modos de vida e em relação ao aparecimento da figura do incorporador, importante para o sucesso de vendas, e se pergunta pelos motivos do desaparecimento de tal tipologia na cidade. Em seguida, podemos relembrar, a partir da pesquisa de Pedro Beresin Schleder Ferreira, “Os lugares no espaço: a problematização do Cine Belas Artes como Patrimônio Cultural de São Paulo”, que no início de 2011 o Cine Belas Artes, tradicional sala exibidora do chamado “cinema de arte” em São Paulo, foi ameaçado de fechamento. O artigo permite tomarmos contato com as diversas manifestações realizadas pela sociedade civil em busca da salvaguarda do cinema, e coloca em pauta a possibilidade de sua inclusão no rol do Patrimônio Cultural de São Paulo. A intenção, neste caso, era a de subsidiar discussões sobre os critérios de atribuição de valor predominantes e novas formas de atuação para a preservação e conservação do Patrimônio Cultural no meio ambiente urbano. A revista conta ainda com uma seção dedicada à VII Jornada de Iniciação Científica da Escola da Cidade, composta por um breve relato da Comissão Científica acerca da organização do evento; o registro da composição das mesas; além da relação dos professores convidados e dos resumos das pesquisas apresentadas. A partir deste primeiro número, espera-se fazer destes Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade um espaço aberto à reflexão e ao debate, em que alunos e professores da Escola da Cidade e de outras instituições possam publicizar suas pesquisas, divulgar seus resultados, debater suas questões e encontrar seus leitores. Num mundo saturado de palavras e imagens, espera-se que estes Cadernos possam de fato se tornar um espaço de crítica, um espaço de experimentação, espaço onde estes jovens pesquisadores possam experimentar com liberdade e expressar suas ideias. Que suas pesquisas sejam mais que um pequeno passo nas suas formações, que elas possam também ser um primeiro passo em busca de uma reflexão empenhada na construção de um país melhor. Agradecemos aos demais membros da Comissão Editorial, do Conselho Consultivo e do Conselho Científico da VII Jornada de Iniciação Científica que em muito engrandecem a revista por sua participação e que terão papel fundamental nas decisões futuras da revista; e também à Diretoria da Escola da Cidade, ao Conselho Científico e mais particularmente à Editora da Cidade, por encamparem essa iniciativa de construção de uma revista científica dedicada ao debate, reafirmando a relevância da pesquisa acadêmica na graduação. Por fim, cabe agradecer os autores dos artigos que nos brindam com artigos de grande qualidade, nos ajudando a pautar o perfil dos diversos números da revista que seguirão esse primeiro! Ana Castro e Marianna Boghosian Al Assal Editoras desse número 7 artigos Sistemas construtivos em terra crua: panorama da América Latina nos últimos 30 anos e suas referências técnicas históricas Rammed earth building systems: panorama of Latin America in the last 30 years and its historical references Sistemas de construcción en tierra cruda: panorama de América Latina en los últimos 30 años y sus referencias técnicas históricas Mariana Kimie da Silva Nito1 Orientadora: Profa. Dra. Anália M. M. C. Amorim Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida entre 2011-2012 com financiamento do Núcleo de Pesquisa da Escola da Cidade 10 A pesquisa aqui apresentada dedicou-se à compreensão do potencial tipológico dos sistemas construtivos em terra crua, a fim de levantar o debate sobre a sua utilização como material de construção. Reconhece os sistemas construtivos mais primitivos da humanidade como tecnologia durável relacionada à conservação e restauração do patrimônio cultural, à construção de baixo impacto ambiental da arquitetura e também à produção arquitetônica contemporânea. A sistematização da produção contemporânea indica como os sistemas e técnicas vêm sendo explorados na produção tradicional e contemporânea e dá condições reflexivas a respeito do repertório e da renovação da produção de arquitetura em terra crua. The research presented in this paper was devoted to understanding the typological potential of construction systems for rammed land in order to raise the debate about using this as a building material. Recognizes the most primitive construction systems of humankind as a durable technology related to conservation and restoration of cultural heritage, the construction of architecture of low environmental impact and the contemporary architectural production. The systematization of contemporary production indicates how the systems and techniques have been exploited in traditional and contemporary production and give reflective conditions regarding repertoire and renovation of architectural production in raw land. Palavras-chave Construção em terra crua, tipologia e técnica, América Latina. Keywords Construction of rammed earth, typology and technique, Latin America. La investigación presentada en ese artículo estuve dedicada a entender el potencial de los sistemas de construcción tipológica de tierra cruda a fin de elevar el debate sobre su uso como un material de construcción. Reconoce los sistemas constructivos más primitivos de la humanidad como tecnología duradera relacionada con la conservación y restauración del patrimonio cultural, con la construcción de bajo impacto ambiental de la arquitectura, y con la producción arquitectónica contemporánea. La sistematización de la producción contemporánea indica cómo los sistemas y técnicas han sido explotados en la producción tradicional y contemporánea y da condiciones reflexivas a respecto del repertorio y de la renovación de la producción arquitectónica en tierra cruda. Palabras-clave Construcción en tierra cruda, tipología y técnica, América Latina. 11 Figura 1. Diagrama estabelecido pelo grupo CRATerre das diferentes famílias de sistemas de construção antigos e modernos que utilizam a terra como matéria prima. Fonte: GUILLAUD; HOUBEN, 1989. 1. A terra crua como material de construção As camadas de solo utilizadas para a construção em terra localizam-se abaixo do húmus, a camada superficial do solo2 que contém muita matéria orgânica. A terra resulta do processo de deterioração da rocha e depende de sua composição, das condições climáticas e dos processos de evolução físico-química inerentes a esta. Assim, sua diversidade de propriedades varia em relação a cor, textura, coesão, compacidade, densidade, porosidade, plasticidade, contração linear, etc. (INSTITUTO, 2007). As características mais importantes destas propriedades são a textura, a natureza mineral de suas partículas, sua compacidade, coesão e plasticidade, pois influenciam e definem as técnicas mais adequadas para cada tipo de terra. Tais propriedades são quantificadas através de vários procedimentos de prova específicos e também de campo. A terra natural também pode ser estabilizada para gerar o desempenho desejável à construção. Entre esses mecanismos estão adensamento, reforço, vinculação, cimentação, impenetrabilidade e impermeabilidade. 2. Os sistemas construtivos em terra crua O termo “arquitetura de terra” engloba toda a série de estruturas em que o solo natural é condicionado a edificar elementos construtivos de espaços habitáveis. As edificações em terra crua seguem a mesma lógica que a maioria dos sistemas convencionais: para o desenvolvimento do projeto é necessário ter a consciência de suas limitações e capacidade de carga a partir da compreensão do funcionamento “orgânico” estrutural. Por estas razões são fundamentais a análise e o conhecimento dos sistemas construtivos, as relações que os 12 mantêm, para que foram historicamente desenhadas e o seu estudo e desenvolvimento técnico. Assim, fica claro o porquê de conhecer tanto as caracterizações físicas dos materiais construtivos. De todas as variedades, podemos fazer uma classificação geral para facilitar seu estudo. Estabelecidas pelo grupo CRATerre (Centro Internacional de Construção em Terra), as diferentes famílias de sistemas construtivos antigos e modernos que utilizam a terra crua como matéria-prima são: grupo A - utilização da terra de forma monolítica e portante; grupo B - utilização da terra sob a forma de alvenaria; e grupo C - utilização da terra como enchimento de uma estrutura suporte. 2.1. Sistemas monolíticos Este grupo compreende sistemas de elevação in situ onde não existe separação entre material e componente construtivo, ou seja, a transformação do solo e a edificação são constituídas num mesmo processo. As construções monolíticas podem ser executadas de diversas formas. Fazem parte deste grupo a terra escavada (1); a terra plástica (2); a terra empilhada (3); a terra modelada (4); e a terra compactada (6) [Figura 1] 2.2. Sistemas em alvenaria As paredes de alvenaria em terra crua não são necessariamente portantes, os blocos também são utilizados como vedação. Podem constituir diversas formas como arcos, cúpulas e abóbodas permitindo assim a flexibilidade de seus modos de construção. Na execução destas, são utilizados diferentes tipos de unidades pré-fabricadas, que após a secagem são utilizadas na construção. As formas variam de tamanho de acordo com o uso, geralmente os de maior dimensão são utilizados para muros autoportantes. Exemplos de técnicas deste sistema são Figura 2. Casas construídas em adobe no povoado do Pasmado. Fonte: fotografia Jonas Campos, 2012. os blocos apiloados (6); os blocos prensados (7); os blocos cortados (8); os torrões de terra (9); a terra extrudida (10); adobe mecânico (11); adobe manual (12); e adobe moldado (13) [Figura 1]. 2.3. Sistemas mistos Estas técnicas consistem na associação de uma estrutura suporte no qual a utilização da terra é um elemento secundário, no enchimento ou revestimento de outras estruturas. Estas são de madeira ou de outros materiais de origem vegetal como canas, bambu e outras. Fazem parte desse sistema, conforme diagrama representado acima, a terra de recobrimento (14); a terra sobre engradado (15); a terra palha (16); a terra de enchimento (17); e a terra de cobertura (18) [Figura 1]. Estas duas últimas e também o revestimento de paredes são utilizados para o isolamento térmico. 3. Desenvolvimento dos sistemas construtivos em terra crua O desenvolvimento dos sistemas construtivos em terra crua está baseado no equilíbrio entre a satisfação das necessidades sociais e a previsão das condições de risco dos edifícios. Entre eles, estão a disponibilidade de recursos naturais, o sistema construtivo, a geografia local, entre outros. Sendo os abalos sísmicos e a água os principais agentes de vulnerabilidade das construções de terra crua, existe uma busca para que resistam a estes embates. Com os desenvolvimentos, foram geradas tecnologias construtivas com diversos graus de exclusividade e combinação com outros materiais para se configurar o aprimoramento das técnicas. E assim, possibilitando sua disseminação. 3.1. Normatização construtiva Os documentos normativos, na maioria dos casos, se referem a uma ou duas técnicas e não sobre o uso em geral das construções em terra crua. A diversidade de propriedades da terra é muito peculiar, demandando um conhecimento amplo e sensível para definição da melhor técnica a ser utilizada. Dessa forma, a inclusão dos sistemas construtivos em terra crua nas normativas de construção civil apresenta complexidades intrínsecas à sua matéria prima. Alguns países têm desenvolvido normativas específicas, principalmente nas regiões latinas na qual a tradição de autoconstrução se deriva deste material. As normas sobre os blocos de terra comprimida destacam-se por sua abundancia. A exemplo das normas brasileiras, que diz a respeito do bloco, de sua aparência, características geométricas, físico-químicas, etc. 4. Marcos de referência técnico histórico A terra crua está presente como material desde as primeiras manifestações construtivas do homem3. Está presente em quase todos os ecossistemas habitados pelo homem. Dessa forma, a maioria das culturas tiveram contato com ela em alguma época. Tal diversidade de culturas e características de solo produziu muitos métodos construtivos. Ao longo de nossa história, a terra já foi utilizada em construções populares, edifícios monumentais e até mesmo cidades projetadas em terra, sendo a África e o Oriente Médio as regiões onde registros mais remotos foram encontrados. (GUILLAUD; HOUBEN, 1989) Na península ibérica, as técnicas de construção em terra crua foram introduzidas pelos romanos 13 Figura 3. Corte e detalhes construtivos do anteprojeto para a Vila de Monlevade (Sabará, MG), 1936. Fonte: DETHIER; ZBINDEN, 1982. Figura 4. Foto e plantas Casa Cirrel de Lina Bo Bardi em São Paulo, 1958. Fonte: Arquivo Lina Bo Bardi. e enriquecidas pelos árabes. Já na América pré-colombiana existiram construções em adobe em quase todas as culturas. Estas possuíam técnicas distintas das europeias e em geral suas construções eram feitas em larga escala. Na América Latina, as técnicas foram aperfeiçoadas a partir de inúmeras combinações introduzidas pelo processo de colonização de portugueses e espanhóis. Estes adaptaram e organizaram as formas mais adequadas de construir no novo território4. Tendo uma matéria prima abundante, as técnicas em terra crua se disseminaram por todo o território americano. Assim se formou um vasto acervo histórico-cultural constituído por edificações com matriz estrutural de terra até o início do século XIX. No Brasil, a terra permaneceu e se desenvolveu quando e onde sua utilização se adaptou pela experiência com solo e clima. Assim, formam parte do patrimônio brasileiro, das casas paulistas de taipa de pilão ao longo dos caminhos bandeiristas, até Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, onde a taipa de pilão introduzida foi substituída pelo pau-a-pique ou adobe e/ou perdeu sua função estrutural, combinando-se com estruturas de madeira. Foi de pau-a-pique o primeiro muro na cidade de Salvador, na Bahia, para defesa contra os índios. Inúmeros monumentos com essa tecnologia são encontrados nas cidades coloniais brasileiras. As igrejas e casas de Ouro Preto e Diamantina, em Minas Gerais, as fortificações militares em Recife, Pernambuco, as fazendas de café do Vale do Paraíba, São Paulo, e em tantas outras cidades brasileiras. Porém, num contexto mundial, a industrialização da construção e os avanços tecnológicos determinaram o declínio das técnicas5. O valor e a extensão do patrimônio edificado em arquitetura com terra foi sistematicamente ignorado e ocul- 14 tado por quase todas as disciplinas que envolvem a arte e a arquitetura. Desta maneira, é sabido que 16 dos monumentos mundiais inclusos na “Lista dos 100 monumentos em perigo” do World Monument Watch são feitos em terra; 10% da “Lista do patrimônio cultural da humanidade” da Unesco é construído em terra; e que 56 % da “ Lista do patrimônio cultural em perigo” do World Heritage Centre consiste em locais de arquitetura de terra. Enquanto isso, no Brasil, a herança construtiva cultural em terra crua permaneceu somente pelo interior do país. Na prática do povo rural e de áreas periféricas as grandes cidades as técnicas do pau-a-pique e adobe são encontrados em habitações populares, tanto por seu conhecimento quanto pela facilidade de execução. Estas são adotadas como solução de emergência ou sobrevivência, em sua maioria no contexto da pobreza. Perdurando até hoje em municípios como o de Itinga, no Vale do Jequitinhonha. No século XX, essa situação começaria a mudar no Brasil. Através do movimento moderno é despertado o interesse de arquitetos e outros intelectuais pelas técnicas construtivas em terra crua numa busca de valores de identidade cultural. A partir dos anos 1930, iniciam uma série de propostas, a partir das raízes e das memórias. Estas buscam racionalizar a tradição popular brasileira de construção em terra crua e assim derivam novas técnicas. Tal interesse condiz com a preocupação, de um lado, com o problema da habitação popular, e do outro com a aderência do projeto de moradia às condições humanas, sociais e climáticas do país. Entre estas propostas se destacam: - As casas de “barro armado” para a Vila Operária de Monlevade (Sabará) em 1936 de Lúcio Costa, num implícito primeiro esforço de adaptação entre técnicas populares e processos racionalizados. Assim, estabelecendo um sistema misto entre pau-a-pique e o concreto armado. Evitar os inconvenientes, difíceis sempre de remediar, dos delineamentos rígidos ou pouco maleáveis, procurando, pelo contrário, aquele delineamento que se apresentasse como mais elástico, tornando assim fácil sua adaptação, conveniente às particularidades topográficas locais; reduzir ao mínimo estritamente necessário as despesas com movimentos de terra que, supérfluo se torna frisar, tanto poderiam encarecer o custo global da obra; prejudicar o menos possível a beleza natural do lugar a que se refere, muito a propósito, o programa. Tais requisitos aconselham, de maneira inequívoca, a adoção do sistema construtivo há cerca de vinte anos preconizado por Le Corbusier e P. Jeanneret, e já hoje por assim dizer incorporado como um dos princípios fundamentais da arquitetura moderna - os pilotis: não se estará mais à frente ou atrás da casa, mas sob a casa. (COSTA, 1936). - O início das pesquisas da tecnologia em solo cimento em 1935 até as construções em solo-cimento promovida pela Associação Brasileira de Cimento Portland, nos anos 40. A primeira construção em solo cimento foi a casa de bomba do Aeroporto de Santarém em 1945. - As intervenções em sítios unindo o uso bruto do artesanato vernacular do adobe e da palha com singela geometria da planta funcional da Casa Cirrel, de Lina Bo Bardi em 1958. - A iniciativa exemplar do projeto da comunidade de Cajueiro Seco em Pernambuco do arquiteto Acácio Gil Borsoi de 1963. No qual, racionaliza e pré-fabrica o processo construtivo do pau-a-pique e o sistema de auto-gestão no canteiro de obras. Assim, aprofunda o tema da pré-fabrica- ção, extremamente debatido na época, adaptando-o a uma técnica popular: No uso da madeira em uma casa de taipa (barro-armado), construída segundo a maneira tradicional, verificamos que racionalizando a fabricação dos entrelaços e subdividindo a madeira empregada dando-lhe melhor aproveitamento, chegar-se-ia à duplicação da área vedada, com o emprego da mesma quantidade de material, dando, assim, maior rendimento. A fabricação em série de poucos tipos de painéis, permitiria uma variada e fácil, dentro das disponibilidades econômicas e do interesse de cada família.[...] Essa experiência evidenciou a necessidade sempre maior da pesquisa de soluções locais com a utilização de materiais também locais e traduziu, de certa forma, o problema nos apresentado quando de sua experiência em reabilitação de núcleos de população de baixa renda, onde não obstante existem tijolos à disposição para a construção de casas, a população não consegue utilizá-los por completo desconhecimento em relação ao sistema construtivo (fio de prumo, andaime, nível, amarração dos tijolos). A taipa, por seu turno, permite o emprego da mão-de-obra de toda a família- o homem arma a casa, a mulher e as crianças tecem e vedam com o barro as paredes. (BORSOI apud SOUZA, 2010) - O protótipo de habitações transitórias, do arquiteto Paulo Magalhães, 1965-1967, em placas pré-moldadas de um concreto fibroso, resultado de um de um agregado de cimento, terra e fibra vegetal (no caso, cascalho do campo e canela de ema), armado com bambu. A pesquisa foi abandonada com a constituição do BNH. - A síntese das pesquisas de Lina Bo Bardi sobre o pré-artesanato nordestino realizado na década 15 Figura 5. Painel pré-moldado do projeto da comunidade de Cajueiro Seco, PE. Fonte: SOUZA, 2010. Figura 6. Protótipo de habitação rural em Brasilândia, Distrito Federal de 1967. Fonte: SILVEIRA, 1982. de 60 e a na transição do popular em indústria moderna revelam o contato da arquiteta com o contexto local no projeto habitacional em Camurupim de1975 em Sergipe. Neste o uso da taipa em pré-moldados não portantes com aplicação de barro, cimento e capim. A arquiteta previa para a construção a participação coletiva na produção do canteiro que abarcava também a fabricação mobiliários e a utilização dos materiais da região. Há três tipologias que são desenvolvidos que se destinam a uma “família-tipo” (pais, 5 filhos e criança recém-nascida), mas as suas soluções estruturais e materiais são semelhantes. - O desenvolvimento do sistema de construção de paredes monolíticas de solo-cimento pelo Centro de Pesquisas e Desenvolvimento do Estado da Bahia (Ceped), no âmbito do projeto Thaba. Teve como premissas a utilização de materiais de fácil obtenção com um sistema construtivo razoavelmente simples e com mínimo investimento. Destaca-se sua aplicação em habitações populares e construções escolares pelo mesmo. A partir dos anos 1970, o reconhecimento do significado de patrimônio cultural se torna cada vez mais claro e abrangente através das conferências internacionais e documentos produzidos. Assim como na mesma época se iniciam os debates e conferências mundiais sobre o meio ambiente6. Sendo ambos os assuntos resultados do trabalho conjunto realizado pelo ser humano e pela natureza, formam um patrimônio comum: o natural e o arquitetônico arqueológico. A designação destes exige assim, um cuidadoso equilíbrio em relação ao homem e com a natureza. Nos anos 1980 a repercussão destas ideias ganha alcance e sua perspectiva é compreendida através de reflexos no campo de pesquisa e experimentação na produção de sistemas construtivos 16 em terra crua7. Assim, a investigação e o conhecimento científico de arquitetura em terra avançaram de maneira considerável. Junto a isso, no Brasil, a reavaliação da arquitetura moderna e de seus resultados, a crítica crescente à internacionalização dos métodos e das técnicas de projeto também à crise econômica e energética mundial. A confirmação veio do grande interesse entre jovens arquitetos e estudantes das faculdades de arquitetura pela pequena “versão brasileira” da exposição “arquitetura de terra”, organizada pelo Centre Georges Pompidou de Paris. A exposição realizada no MAM Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro e no MASP Museu de Arte em São Paulo, apresentou trabalhos e experiências de arquitetos como Lúcio Costa (Vila Monlevade/MG,1936), Acássio Borsoi (Cajueiro Seco/ PE,1963), Zanine Caldas (residência/BA,1977), Cydno Silveira e Amélia Gama (residência em Búzios/RJ,1984), entre outros (DEL BRENNA, 1982)8. No século XXI, em decorrência de problemas sociais e ambientais, o uso da terra como elemento construtivo retorna como grande ator no cenário da sustentabilidade. Esta se insere no campo de investigações de materiais e técnicas construtivas do passado recente que se dedicam à produção do ambiente construído de baixo impacto com o ambiente natural. As construções em terra crua são caracterizadas por baixos índices de consumo energético e emissão de carbono, além do controle de umidade e constante nível térmico. (TORGAL; JALALI, 2010.) Hoje, cerca de um terço da população mundial9 vive em construções de taipa, tijolos de abobe, de tabique ou de blocos de terra comprimida. Modestas ou monumentais, estas arquiteturas estão pr sentes em 190 países10 e testemunham uma qualidade de inovações técnicas que aliam estreitamen- te saber-fazer e arquitetura. (CRATerre, 2011) Assim, a produção e o uso da arquitetura contemporânea de terra no Brasil se concentra nos aspectos do patrimônio cultural e da sustentabilidade da construção, que englobam: - reconhecimento perante os sistemas construtivos mais primitivos como tecnologia durável relacionada com conservação e restauro do patrimônio arquitetônico cultural; - com as pesquisas orientadas à otimização de suas características técnicos construtivos, à luz da engenharia moderna; - através da bioarquitetura11, a arquitetura de terra forma um conjunto sistêmico de possibilidades de técnicas. Agregado a investigações de materiais de baixo custo, é matéria em abundância, por em sua fabricação consumir menos energia, entre outros motivos. 5. Panorama América Latina No contexto da produção brasileira, tanto por pertencerem à tradição da construção quanto por oferecerem novas possibilidades de execução e bons resultados, foram escolhidas as seguintes técnicas para representar a produção brasileira em terra crua: a taipa, o adobe e o pau-a-pique pela cultura construtivas remanescentes; os blocos de terra comprimida pelas inúmeras pesquisas encontradas e por sua potencialidade no mercado; e o super-adobe por se difundir através da bio-arquitetura. Em função destas cinco técnicas construtivas, foram analisadas obras construídas a partir de um exemplar representativo brasileiro junto a comparação de 3 a 6 obras selecionadas que correspondem: ao contexto em que se inserem, às variantes da técnica e que tenha variantes culturais na América Latina. Os potenciais de cada técnica foram explorados no âmbito de seu modelo de execução, local e contexto em que estão inseridas, buscando entender como respondem a diferentes situações de uso. A análise levou em conta o possível desenvolvimento tecnológico da técnica construtiva, incluindo também as formas técnicas de execução e associação a outros materiais. Com isso, apresentou-se a diversidade das formas arquitetônicas em terra crua, o estado de sua arte correspondente às condições peculiares do meio social, cultural e econômico, geográfico e climático. Assim, foi possível ter uma aproximação sobre o estado da arte das construções em terra crua e como esta vem sendo utilizada nos últimos 30 anos. 6. Conclusão Na pesquisa, foram encontrados inúmeros estudos técnicos sobre a matéria e seu potencial construtivo, porém estes não tinham aplicação prática ou referências além do protótipo. O mesmo fato ocorre com cartilhas e algumas publicações sobre as técnicas construtivas que abordam o potencial tipológico muito brevemente. Muitas informações sobre as obras foram encontradas nos sites dos autores e boletins arquitetônicos online, mostrando-se uma grande ferramenta de busca e propagação dos sistemas construtivos. A importância da preservação do saber construtivo tradicional brasileiro não se destaca apenas por seu valor histórico e cultural, mas também pela potencialidade construtiva desta na produção arquitetônica atual. Muito mais do que uma ideologia, a escolha do material está estreitamente relacionada ao meio ambiente em que se insere a 17 obra. Esta relação conduz a uma análise das disponibilidades materiais encontradas no local, ao clima, e ao uso desejado. As tipologias arquitetônicas possuem muitas variantes desde obras com expressões mais orgânicas a linhas modernistas e contemporâneas, atende a vários gostos de projetos populares a alto padrão. É importante ressaltar que a forma está atrelada a uma consciência sobre as propriedades físicas da terra. Ou seja, as tipologias correspondem aos trabalhos de compressão da estrutura. Durante a pesquisa, foram encontrados poucos registros sobre a quantidade de matéria prima, a terra crua, utilizada para nas construções, tampouco, informações sobre o local de onde veio a terra utilizada e o que aconteceu com este espaço após a retirada da terra. Ou ainda que tipo de solo foi utilizado na construção. O registro destas informações é essencial, pois a execução da obra começa muito antes de sua fundação. A importância destes fatores pode ser crucial para condicionar a escolha da técnica construtiva mais apropriada que condiciona a qualidade arquitetônica da obra. De certa forma é possível dizer que o saber construtivo ainda está em meios empíricos e se mantém com aqueles que sabem construir. A escolha do sistema construtivo é geralmente associada muito mais ao clima pela capacidade térmica do material do que por sua função estrutural. A terra crua tem grande inércia térmica, proporcionando conforto ótimo para climas extremos. Nas regiões onde são mais utilizadas, absorvem o calor do sol e mantém a temperatura interna amena ao longo do dia e da noite. Em climas frios o calor deve vir de aquecimentos artificiais dentro das construções. Ou seja, é coerente seu uso em climas muito quentes ou muito frias e também em regiões cuja variação térmica é muito grande. Já o fator da espessura de parede está integrado ao espaço construído. Nesta análise foi possível observar a qualidade espacial gerada pelas técnicas. Assim, é possível afirmar que o esforço utilizado para construção de espaços muito pequenos com paredes muito grossas não é justificável. A beleza destas paredes está, também, em percebê-las no espaço. O valor intrínseco da terra viabiliza formas de trabalho em sociedade. Este torna a construção mais próxima da população, pois as técnicas não necessitam de mão de obra especializada. O aprendizado é facilmente difundido, e neste são relevantes as ações participativas de construção não só de uma técnica, mas também de um saber. Mesmo assim, não foram encontradas informações 18 sobre mão de obra especializada utilizada em construções de grande porte. Ademais, é notável como a compreensão estrutural da matéria condiciona o desenvolvimento da técnica. A associação à tecnologia e à indústria são de grande importância em sua inserção no contexto atual, pois promove a utilização destas novas tecnologias no mercado da construção. Os processos mecanizados, mesmo consumindo mais matriz energética que os métodos tradicionais, continuam sendo uma construção mais vantajosa que as técnicas construtivas convencionais. Sendo assim, é possível concluir que o cenário da produção atual em terra crua pode ser classificado em três frentes: 1) produção individual por iniciativa própria e desenvolvimento junto à permacultura e a sustentabilidade; 2) iniciativas sociais tanto por incentivo de organizações não governamentais quanto governamentais, principalmente na produção de habitação, que desenvolvem trabalho participativo com comunidades, multas vezes em mutirão; 3- através de empresas fazendo incorporações que ainda têm pouco espaço no mercado, mas promovem a padronização dos elementos construtivos em terra crua. Esta última ainda não tem, no Brasil, desenvolvimento suficiente para que os sistemas de terra crua sejam vistos como alternativas plausíveis para a população em geral, e seu avanço pode alicerçar o desenvolvimento das outras duas frentes. Referências bibliográficas BESTRATEN S.; HORMÍAS E. (coord.). Informes de la construcción: La tierra, material de construcción. 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Pois, a terra possui características muito específicas que variam de acordo com os processos físico-químicos de sua formação. 6. Como exemplo destes, em 1972, a Unesco realizou uma convenção sobre a Proteção Mundial Cultural e Natural, procurando identificar a Lista de Patrimônio Mundial que corresponde aos valores defendidos. 7. A partir dos promissores resultados obtidos do comportamento da mistura de terra com cimento, também foram desenvolvidas investigações sobre o uso do solo junto a químicos para a fabricação de tijolos e blocos comprimidos de terra. 8. A exposição, promovida pelo Centro Cultural Francês do Rio de Janeiro, pelo IAB e pelo SPHAN foi em seguida apresentada pela UFRJ, na Universidade Santa Úrsula no C.E.P. de Belo Horizonte e no Museu de Ciência e Tecnologia de Salvador. 9. Alguns autores (DETHIER; ZBINDEN, 1986; Genta, [s.d.]; MINKE, 2008) se referem a quase 50% da população. Contudo, estas referências estão cronologicamente defasadas entre si. Portanto não é possível afirmar como essa percentagem se alterou com o tempo. 10. Sem que se possa afirmar uma relação direta entre estes países. 11. Termo utilizado para se referir a construções onde a preocupação ecológica está presente desde sua concepção até sua ocupação. 19 Arquitetura, técnica e contexto: o canteiro e a produção habitacional no Brasil (1960-1990) Architecture, technique and context: the construction site and housing production in Brazil (1960-1990) Arquitectura, técnica y contexto: el sitio de construcción y la producción de viviendas en Brasil (1960-1990) A pesquisa aqui apresentada buscou analisar os processos de racionalização da construção civil no campo da habitação social no Brasil, da década de 1960 até meados da década de 1990. Em função do interesse em analisar as possibilidades de síntese entre as técnicas e os sistemas construtivos populares, os materiais locais e os processos de racionalização da construção, adotamos uma perspectiva historiográfica capaz de situar criticamente o conjunto de projetos estudados. Buscamos, com isso, entender como os processos de racionalização da técnica popular podem levar à produção de modelos habitacionais coerentes com os contextos onde estão inseridos. A estrutura geral do trabalho ancora-se em dois períodos de análise. Primeiro, entre as décadas de 1960 e 1980, foram analisados projetos de cinco arquitetos brasileiros – sendo um deles o trio Arquitetura Nova – sob enfoque do contexto histórico e das obras e projetos representativos para o objeto de pesquisa. No segundo período, entre 1980 e 1990, três projetos foram escolhidos a partir da análise da mudança na produção habitacional, enfatizando possíveis rupturas e continuidades quanto às formas de gestão do canteiro de obras e meios construtivos da casa popular. The research presented in this article sought to study the process of rationalization of construction systems in the social housing field in Brazil, from early 60’s to middle 90’s. Interested in analyzing the possibilities of synthesis between popular techniques, construction systems, local materials and rationalization processes we embraced a historiographic perspective in order to scrutinize the object from a critical point of view. The hypothesis, therefore, was to understand how the processes of rationalization of popular technique can provide a housing production coherent with the context where it is placed. The research’s structure is based on the division in two periods of analysis. The first between 1960 to 1980, where five Brazilian architects were studied – trio Arquitetura Nova being one of them – focusing on historical context, buildings and projects relevant for the object studied. In the second period, between the 80’s and the 90’s, three projects were chosen as to show a change in housing production, highlighting possible ruptures and continuities concerning the management of construction site and constructive techniques used for social housing. La investigación aquí presentada pretendió analizar los procesos de racionalización de la construcción civil en el área de la habitación social en Brasil, desde la década de 1960 hasta la mitad de la década de 1990. En razón del interés analizar las posibilidades de integración entre las técnicas y los sistemas constructivos populares, los materiales locales y los procesos de racionalización de la construcción, elegimos una perspectiva historiográfica que pudiese situar de forma crítica el conjunto de proyectos a estudiar. Intentamos con esta propuesta comprehender de qué forma los procesos de racionalización de la técnica popular pueden resultar en la producción de modelos de habitación en conformidad con el contexto en el cual están insertados. La estructura general del estudio se fundamenta así en dos etapas de analices. En primer lugar, entre las décadas de 1960 hasta 1980, han sido analizados proyectos de cinco arquitectos de Brasil – entre ellos en el trío Arquitetura Nova – a partir del énfasis en el contexto histórico y de las obras y proyectos importantes para la investigación. Del segundo período, desde 1980 hasta 1990, se eligió tres proyectos desde el punto de vista del cambio en la producción habitacional, destacando las posibles rupturas y continuidades en relación a la administración del sitio de construcción y los medios constructivos de la vivienda popular. Jonas de Campos Azevedo1 Orientadora: Profa. Dra. Joana Mello Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida entre 2011-2012 com financiamento do Núcleo de Pesquisa da Escola da Cidade Palavras-chave: Arquitetura brasileira, técnica, habitação social. Keywords: Brazilian architecture, technique, social housing. Palavras-clave : Arquitetura brasileña, técnica, vivienda social. 20 21 Figura 1. O primeiro protótipo de Villà – a “casinha da Unicamp” Fonte: VILLÀ, 2005. 1.Mosaico de cacos: a arquitetura brasileira entre o canteiro e a prancheta Esta pesquisa nasceu do interesse em investigar a relação íntima entre arquitetura e construção. No limite, verificar as possibilidades da arquitetura como construção. A fratura entre o “pensar” e o “fazer” – patologia instalada na maioria das escolas de arquitetura do país – foi tomada como uma questão estrutural para esta pesquisa, um “vício de origem”. Desta perspectiva, lançamos algumas hipóteses que determinaram o objeto da pesquisa e uma metodologia guiada pelo estudo de um grupo de arquitetos brasileiros atuantes entre as décadas de 1960 e 1990. Retomando o material acumulado e decantando algumas reflexões, é possível entender o leitmotiv da pesquisa. O ânimo de correr o risco em um território teórico novo fez pontes entre arquitetos que, de nosso ponto de vista, tinham inúmeras aproximações. A pesquisa, porém, não caminhou no sentido da compreensão autoral das obras estudadas, isto é, não interessava buscar um leque de afinidades eletivas dentro de um “grupo”, mas em compreender o contexto mais abrangente da arquitetura brasileira que, a partir dos anos 1960, seria capaz de criar alternativas de inserção do arquiteto no canteiro de obras. O ponto de partida da análise foi a arquitetura brasileira na cena nacional-desenvolvimentista, momento em que a construção da nova capital representava um ícone da “nova arquitetura”. Olhados à contrapelo, os anos JK mostram frestas de um país arcaico, empacado numa dialética truncada, muito bem definida pelo sociólogo Francisco de Oliveira: “introduzindo relações novas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo” (OLIVEIRA, 2003, p.60). O argumento de Oliveira permitiu situar o objeto da pesquisa de um ponto 22 de vista mais amplo. O tema da habitação e da autoconstrução, vale a nota, foi também objeto das pesquisas do sociólogo pernambucano juntamente com Sérgio Ferro, Rodrigo Lefèvre e Mayumi de Souza Lima. A escolha de uma geração de arquitetos brasileiros não poderia ser, portanto, “casual”. É lastreada em boa medida pelas pautas do SHRU - Seminários de Habitação e Reforma Urbana, criado em 1963, culminando, com o golpe militar no ano seguinte, para uma bifurcação – “cisão e comprometimento”. A nata da arquitetura brasileira participa do Seminário de 1963: Vilanova Artigas, Joaquim Guedes (coordenador), Acácio Gil Borsói, Sérgio Ferro, Rodrigo Lefèvre, Eduardo Kneese de Mello, Lina Bo Bardi, entre outros. Um setor parece mais afinado à “grande industrialização” prometida pelo projeto nacional-desenvolvimentista. Por outro lado, trajetórias que escaparam às formulas arquitetônicas mais ortodoxas começavam a pensar por um outro viés o tema da moradia e dos meios construtivos arraigados. O quadro político a partir de 1964 não deixava brechas, instaurando no BNH um sistema estatal centralizador, de caráter retrógrado e autoritário para o exercício da profissão. Cisão e comprometimento formam um par cuja síntese é difícil de ser tratada como um “modelo teórico”. A ruptura de 1964 desarticula o projeto nacional de industrialização da construção, conforme pensado pelo “grupo de 1963”, gerando a partir daí um nexo tenso na relação entre arquitetura e Estado. A síntese difícil desse par se refere, primeiro, aos arquitetos que se mantem diretamente atrelados a administração pública, mas vão de alguma forma criar mecanismos de projeto que ecoam os sistemas industrializados. São exemplares neste sentido o canteiro experimental de Narandiba, à cargo da construtora Alfredo Mathias, e o Conjunto Zezinho Magalhães Prado, o Parque CECAP de Artigas, que mesmo construídos através de sistemas construtivos tradicionais, apontavam no grau de detalhamento do projeto a crença na industrialização da arquitetura. Por outro lado, esta síntese não fecha um círculo homogêneo entre os arquitetos remanescentes de 1963. A cisão do golpe deflagra o comprometimento em torno das grandes pautas do SHRU – sobretudo o tema da habitação e dos sistemas de racionalização da construção. Um “mosaico de cacos”, por outra via, se forma a partir de arquitetos que escapam aos meios ortodoxos vinculados as demandas estatais. Claramente focados em pensar/construir uma arquitetura contextualizada a partir do canteiro de obras, dos materiais, dos trabalhadores – evocando deles inclusive formas lúdicas de cooperativas autônomas – articula-se, a partir de uma nova geração, o questionamento do próprio ofício. A partir dos escritos, obras e projetos dos cinco arquitetos referenciais da pesquisa – sendo um deles o trio Arquitetura Nova – não cogitamos em nenhum momento que esta “outra arquitetura” pudesse formar uma unidade homogênea. Ao contrário, a diversidade de propostas formuladas apontava para uma síntese possível entre processos de industrialização e a racionalização das técnicas construtivas populares. O “canteiro-escola” de Rodrigo Lèfevre; os “mocambeiros” de Cajueiro Seco; a arquitetura da caatinga, desenhada por Joaquim Guedes em Caraíba; os estudos exaustivos de Lina Bo Bardi sobre a técnica artesanal no Nordeste; e as fábricas de “invenção tecnológica” de Lelé, todos se opõem, a partir de 1964, ao projeto tecnológico e habitacional do BNH. Este vínculo “intelectual” entre as obras de Lina Bo Bardi, Joaquim Guedes, Acácio Gil Borsói, o grupo Arquitetura Nova e Lelé, porém, não é tarefa fácil. Muitas vezes vistos como “feudos”, suas obras esbarram em ideologias que parecem obstruir relações recíprocas de uma geração de arquitetos que buscou alternativas aos entraves da industrialização brasileira. Conforme o ângulo de análise, este “grupo” forma duplas ou trios, uns se aproximam, outros se afastam. Quando mudamos nossa lente de análise, encontramos, sob o aspecto da arquitetura construtiva, paralelos e divergências entre os projetos. Não existe uma “fórmula explicativa”, tampouco um vínculo consensual, mas parece claro um certo afastamento desses arquitetos em relação à ortodoxia do movimento moderno – sua arquitetura desenvolvimentista – e um certo “mal-estar” com uma arquitetura do desenho industrial distante das condições reais de sua produção. Parecia tentador compreender este mosaico, ainda que correndo o risco de um estilhaçamento. A justificativa, insisto, não é de assumir um caráter autoral ou monográfico, mas uma hipótese sobre uma certa arquitetura construtiva que, a partir de Brasília, olha para os fluxos migratórios chegando aos grandes centros urbanos e, deles, repensa o fazer arquitetônico. Os anos 1960 e 1970 escancaram o tema do trabalhador, dos migrantes da seca que chegam ao centro-sul como peões da construção civil2. Esta realidade é percebida por esse “grupo” de arquitetos que, em diferentes contextos, buscam alternativas de inserção da cultura popular no campo construtivo da arquitetura. Esta foi uma das gratas descobertas da pesquisa que, reunindo trechos de entrevistas, fotografias, filmes etc, revelava o peso dado por estes arquitetos ao tema do trabalho e do trabalhador. O sertanejo que manuseia as técnicas artesanais foi objeto dos estudos da arquiteta Lina Bo Bardi, e era a base do país moderno. Para Acácio Gil Borsói e para Joaquim Guedes não foram menos importantes. O 23 “homem da caatinga” para Guedes ou os “mocambeiros” de Cajueiro Seco, para Borsói, foram tomados como herdeiros da boa tradição, a partir da qual deveria nascer a nova arquitetura que, assim, aproveitaria as virtudes técnicas e espaciais da casa brasileira. Lelé é o arquiteto mais arraigado aos caminhos da industrialização da construção. Desde a criação do CEPLAN, em Brasília, com Darcy Ribeiro, até a pequena Fábrica de Abadiania, no interior de Goiás, passamos a lente sobre projetos e entrevistas que rechaçam o senso-comum da assepsia técnica. Pelo contrário, as fábricas de Lelé são indutoras de criação e transferência tecnológica, e, nos casos específicos estudados3, criticam duramente a ortodoxia técnica, priorizando na fábrica e no canteiro sistemas cooperativos de trabalho. É o trabalho e o trabalhador, a inserção do arquiteto no canteiro de obras e o seu papel mediador, que aproxima e, ao mesmo tempo, distancia Lelé do trio Arquitetura Nova. Para Sérgio Ferro, Rodrigo Lefèfre e Flávio Império o protótipo da casa popular brasileira deveria vir dos processos de racionalização da manufatura, do emprego de uma materialidade – linguagem – corrente, capaz de sintetizar as técnicas construtivas populares. Não é, porém, uma racionalização construtiva per se, mas um novo programa para arquitetura brasileira, uma estética chamada “poética da economia”: Assim é que do mínimo útil, do mínimo construtivo e do mínimo didático necessários, tiramos as bases de uma nova estética que poderíamos chamar de poética da economia, do absolutamente indispensável, da eliminação de todo supérfluo, da economia de meios para formulação da nova linguagem, para nós, inteiramente estabelecida nas bases da nossa realidade histórica. [FERRO; LEFÈVRE apud KOURY, 2003, p.61] A poética da economia, porém, não se confunde com apologia ao miserabilismo. É uma crítica aos processos de produção proto-industriais e aos meios de coerção do trabalho no canteiro. O mínimo útil, o mínimo construtivo e o mínimo didático deveriam dar conta de ensinar a construir, por meio de sucessivos ensaios, a moradia popular do país. Os ecos da Arquitetura Nova são flagrados, por um outro viés, na obra de Lina Bo Bardi, sobretudo nos projetos da década de 1970 e início dos anos 80 onde parece clara a sua postura de “projetar in loco”, assumindo os riscos e apostando na poética da mãos e materiais no canteiro. A pequena cooperativa rural de Camurupim, em Propiá, Sergipe, e a Igreja Espírito Santo do Cerrado, 24 em Uberlândia, foram as obras estudadas. O ensaio dos processos construtivos, a opção pelo material mais racional àquele contexto e o caráter didático na relação entre arquiteto e trabalhador são indícios de uma “arquitetura feita por dentro”. O diálogo com a cultura popular, guardiã de um “saber fazer”, sustenta a hipótese de uma nova arquitetura. No caso do “canteiro-escola” de Rodrigo Lefèvre a mediação com o popular ocorre olhando para a realidade do migrante que chega na metrópole e precisa entrar no sistema produtivo. A proposta do arquiteto é verificar o contexto de adaptação deste migrante à periferia da grande cidade, apontando na direção de uma arquitetura baseada na racionalização da técnica popular. Para Lina a hipótese de um “ateliê-canteiro” indica, por outro lado, uma matriz de racionalidade do fazer popular, fruto da necessidade na economia de meios e materiais para construção da casa. Neste sentido, ambos buscam que o trabalhador se aproprie da tecnologia, numa arquitetura mais voltada aos meios de produção e às possibilidades criativas intrínsecas ao canteiro de obras. As cinco trajetórias estudadas na primeira parte da pesquisa – de 1960 a 1980 – parecem formar um trançado difícil de costurar, porém muito rico do ponto de vista das relações semânticas e dos programas para a arquitetura brasileira. Impossível não apontar a distância das fábricas de Lelé, sua industrialização leve em argamassa armada, das demais experiências. O lugar, a escala, os meios construtivos não ortodoxos e os sistemas de cooperação, porém, fazem a ponte com experiências tão “frágeis” quanto encantadoras como Cajueiro Seco. “Frágil” no sentido mais humano do termo, como também parecem ser as casas de platibanda caiada de Caraíba, desenhadas por Joaquim Guedes. A “cidade aberta”, como se referia Guedes sobre o projeto, constitui o caso “particular” da pesquisa. Joaquim Guedes não deixa rastros participativos no canteiro de obras. Por outro lado, atua como um interprete do lugar, tem nexos evidentes com Lina ao abordar o “desenho antropológico da casa” (GUEDES, 1981), relê as casas do sertão com a mesma delicadeza e inteligência de Borsói. Como se vê não há frestas aqui para os “ismos” das correntes arquitetônicas ou formas de classificação. O nosso interesse foi outro. A proposta inicial de uma pesquisa sobre o próprio objeto-ofício da profissão – desenhar/construir – levou a uma metodologia ancorada na história. Em última análise passa a ser o “sentido da formação” (ARANTES; ARANTES, 1997) o produto do mosaico de arquiteturas estudadas entre as décadas de 1960 Figura 2. Associação por Moradia de Osasco – COPROMO: modulação, racionalização e industrialização. Um salto possível? Fonte: foto do autor, 2009. e 1980. Parece menos importante neste sentido as pequenas trincas ao invés da análise historiográfica dos escritos, projetos e obras que levam à formação de “outras arquiteturas” entrelaçadas, considerando o contexto de formação da nova arquitetura. Este é o ponto de chegada. Em que medida os cinco arquitetos referenciais da pesquisa ajudam a ver continuidades e rupturas no período seguinte – anos 80 e 90? Três projetos foram escolhidos neste segundo período, buscando manter os nexos com o objeto da pesquisa – a habitação, os processos de racionalização da construção, a técnica popular, o papel mediador do arquiteto. A história, porém, parece guiar os caminhos alheios à arquitetura. Discutimos através das utopias da realidade e das vanguardas da periferia as imbricações da história. 2. Utopias da realidade Se é verdade que a história, aqui, é antes um “processo” para se chegar ao objeto de estudo, então a metáfora de Carlo Ginzburg parece oportuna ao buscar o “fio e os rastros” do tempo (GINZBURG, 2007). A engrenagem de dois períodos de estudo, a princípio bastante simplificada em “continuidades e rupturas”, não deixa passar o “detalhe revelador” nem as “raízes” a que se refere Ginzburg. Era no prumo de um outro fazer arquitetônico, um fazer que acreditava na inserção do arquiteto no canteiro de obras e na formação dos processos construtivos em cooperação com o trabalhador, que a diversidade de trajetórias pesquisadas parecia construir um sentido notável. Entre 1960 e 1990, impossível não perceber a cisão política como um marco regulatório da pesquisa, isto é, o viés contextualista dessa arquitetura precisava ser decifrado do ponto de vista dos meios de produção disponíveis, dos órgãos de planejamento, dos fluxos migratórios etc. Para além dos embates ideológicos que marcaram este período, procuramos paralelos entre arquitetos que souberam ler os “tempos de chumbo” através de um exercício crítico da profissão. No contexto dos anos 60 e 70, todos sabem, não foi tarefa fácil exercer plenamente a profissão. Muitas frentes foram abertas para que fosse possível dar continuidade, ainda que lentamente, à construção de uma arquitetura fortemente engajada no desenvolvimento do país. Nesta transição agrupamos certas arquiteturas que, aparentemente distantes quanto aos meios, se afinam quanto aos fins. Construir uma nova arquitetura, transversal ao “Brasil-de-verdade”, nos termos de Lina Bo Bardi, menos focada no positivismo da nação, mais atenta à cultura popular. Neste fecho poderíamos especular inúmeros cortes que agrupam a geração pós-Brasília, deixaria, porém, de verificar qual o lugar de uma arquitetura que buscou projetar somente depois de entender “como se faz de verdade”. Na diversidade das arquiteturas pesquisadas, todas se rendem a este “Brasil-de-verdade”, todas enfrentaram primeiro a realidade de um país dependente, onde não bastaria apenas projetar para indústria, mas repensar, reinventar a indústria. É neste sentido que vale a pena reunir ideias e obras tão diversas. Existia, no ânimo destes arquitetos, uma crítica contundente ao arquiteto que projeta alheio à realidade. Um posicionamento diante do contexto local, das possibilidades de uma nova arquitetura pela via do canteiro de obras. É em função deste fator comum – projetar a partir do contexto real – que arriscaria chamar estas arquiteturas como “utopias da realidade”. O caráter utópico das arquiteturas estudadas 25 Figura 3. Trabalhadores montam cobertura com painéis de argamassa armada para escola-modelo de Abadiania. Fonte: LATORRACA, 2000. não está no devaneio, na fuga da realidade, mas no ânimo de construir uma arquitetura ancorada nas possibilidades concretas do país. Lina Bo Bardi e o trio Arquitetura Nova têm trajetórias convergentes neste sentido, pois pensaram, antes, a base produtiva que daria aporte à nova arquitetura. Joaquim Guedes e Acácio Gil Borsói trilharam caminhos mais diversos, experimentaram as demandas do mercado, mas deixaram as utopias de Cajueiro Seco e Caraíba, como quem pergunta: Como se faz arquitetura neste contexto? Último arquiteto da geração pós-Brasília, Lelé atravessa essas trajetórias. Do CEPLAN, onde despontava o projeto da “grande industrialização”, à pequena Fábrica de Abadiânia, no interior de Goiás, vai dos anseios de uma geração que “pensava o país” à realidade mais local, possível, à arquitetura construtiva da pequena escala. Este é o sentido das utopias da realidade que seguem – menor na escala, porém mais arraigadas ao contexto, mais afinadas com as comunidades e com o domínio técnico popular. Um olhar distante poderia dizer que são esporádicas ou “pontuais”, mas as aproximações revelam de imediato a importância da apropriação do contexto em cada projeto estudado. Esta percepção é ainda mais visível nos anos 1980, quando saltamos dos ensaios construtivos à produção real da habitação popular. Nessa década continuam sendo utopias porque não são práticas majoritárias, não representam a massa da produção habitacional. Enfatizam, porém, mais ainda o sentido concreto daquela arquitetura experimental que, nos anos 60, indicava possibilidades de “outras arquiteturas”. Nas palavras de Joan Villà esta trajetória seria “a busca de uma síntese entre construção e arquitetura, na procura de uma expressão poética brasileira comprometida com as condições reais do país” (VILLÀ, 2005). 26 Distantes no tempo e no espaço a “geração do mutirão”, porém, se aproxima de uma certa arquitetura construtiva defendida outrora. Seguem sendo experimentais na forma de pensar o “fazer” arquitetônico, na forma de engrenar projeto e canteiro de obras. Essa engrenagem, porém, cruza outros dados. Uns mais relativos aos materiais, aos processos construtivos e às técnica. Outros encaram a tecnologia como trabalho, explorando o canteiro de obras como um laboratório experimental para construção da moradia. Neste particular as utopias da realidade foram lançadas por Rodrigo Lefèvre e Guilherme Coelho. Lefèvre ensaiava na pequena escala a hipótese de um canteiro-escola, uma abóbada cerâmica que abriga o trabalhador e permite o “fazer-prazer” no canteiro. Em Vila Nova Cachoeirinha o “arquiteto pau-de-arara” (LIMA, 1989) é o protagonista deste canteiro, é ele quem faz a síntese entre os processos industrializados e a linguagem construtiva popular. Talvez o canteiro-escola seja a melhor tradução dessas utopias da realidade, um norte indicativo de que a solução para a moradia da pobreza deveria passar pelas mãos de quem lhe é de direito. A liberdade para construir e o processo habitacional controlado pelo usuário eram as premissas defendidas por John Turner (1976). Pesquisando in loco as favelas da América Latina por quase uma década Turner estruturou uma crítica contundente aos imensos conjuntos habitacionais que “desenhavam” as periferias das grandes cidades. Um cerco de favelas que já não escondia a escala do problema, colocando em xeque a posição do Estado como provedor da habitação. John Turner não apontou apenas os erros, também indicou saídas que passavam pela “pequena escala” tão cara àquela arquitetura experimental, pensando Figura 4. A taipa pré-fabricada de Acácio Gil Borsói em Cajueiro Seco: os caminhos do design autônomo pensado por Lina em Salvador em sua síntese mais elementar. Fonte: SOUZA, 2010. 27 como construir a casa popular apropriando-se de contextos específicos. As perguntas iniciais desta pesquisa não colocavam suspeitas sobre a qualidade dos projetos escolhidos, mas sobre a escala ou o alcance dessas arquiteturas. Da tese de doutorado de Ana Paula Koury (2005), de onde retiramos a noção de uma “arquitetura construtiva”, entendemos a importância de uma revisão profunda na formação do arquiteto. Nas entrevistas buscamos ver o lugar desta arquitetura construtiva – arquitetos, engenheiros e trabalhadores da construção civil foram unanimes ao afirmar que existe uma lacuna imensa entre o traço no papel e a realidade do canteiro de obras. A velha dicotomia entre o canteiro e o desenho, apontada por Sérgio Ferro nos anos 60 e 70, estaria de pé não fossem algumas arquiteturas que insistem em construir utopias da realidade. Sobre este aspecto, de fato, a escala da arquitetura experimental “não resolve”. É um farol, um norte para construção de bairros e cidades menos segregadas. A questão de fundo, porém, é mais profunda, pois coloca esta produção como uma alternativa ao projeto da “grande industrialização” sufocado na década de 1960. Sobre este ponto de vista o alcance da arquitetura experimental foi imenso; se contrapondo aos meios de coerção do trabalhador da construção civil, pensando um canteiro que pudesse ser, ao mesmo tempo, ferramenta de invenção de novos processos construtivos e lugares de inserção de uma classe marginalizada. 3. Vanguardas da periferia Figura 5. A partir do sistema construtivo das abóbadas, Lefèvre desenvolve estudos para processos pré-fabricados. Fonte: LEFÈVRE, 1981. 28 Para além das utopias, questionávamos, no início da pesquisa, o lugar desses projetos no contexto da arquitetura brasileira, isto é, o papel coadjuvante dado aos arquitetos que se dedicaram à prática construtiva da habitação popular. Esta impressão parece mais real nos arquitetos do segundo período, a geração de 1980-1990, onde os termos da utopia social propaladas desde os anos 60 já estavam desgastados. Era o fim das velhas ideologias, nos termos de Daniel Bell (1980), mas não o fim das velhas contradições. Diante do crescimento vertiginoso das periferias, desde os anos 70, a pesquisa buscou verificar as alternativas criadas, os caminhos, ainda que pequenos, que poderiam levar à construção de modelos habitacionais coerentes com o contexto do lugar. Foi, portanto, um salto do estágio de “ensaios”, característicos de alguns arquitetos dos anos 60 e 70, para condição real das periferias. Uma transição de concepção entre uma técnica / um design elementar, estruturadas por arquitetos que pensaram o quadro produtivo de nossa arquitetura, e as propostas concretas de uma nova arquitetura que conseguiu construir pequenos trechos de cidades, apontando, junto com as comunidades, um norte. A chave de ligação entre os dois períodos é uma visão aguda do país, as vísceras do Brasil-de-verdade. É, reafirmo, o sentido da formação. Se Lina Bo Bardi e Sérgio Ferro se colocaram como interpretes do Brasil, lendo o calcanhar de Aquiles da arquitetura desenvolvimentista, nos anos 80 e 90 aparecem arquiteturas engajadas quanto à situação real das periferias brasileiras. Como bem lembra Francisco de Oliveira (2003), num país que mais parece um Ornitorrinco – “um gigante com pés de barro” – as periferias escancaram aquilo que deveria ser o campo prioritário de nossa arquitetura, uma possibilidade evidente de retomar um projeto não cumprido. O tempo curto e o espaço estreito não fizeram jus, nesta pesquisa, a todos que se dedicaram a cumprir esse projeto. Uma leitura parcial, talvez, pois de fato tomamos partido de uma certa arquitetura construtiva – como objeto da pesquisa, e também como um questionamento do nosso metier. Foram criados parâmetros, porém, dos motivos de cada escolha, enfatizando as afinidades e as “rupturas”, e, sobretudo, que não se trata aqui de um campo uniforme de arquiteturas nem de discursos. São escolhas pontuais que representaram, algumas vezes, períodos de cada arquiteto, quando certos projetos explicam uma dedicação especial ao tema da moradia popular e dos processos construtivos. Uma trama aberta parece costurar o objeto em questão: o arquiteto e o canteiro, o arquiteto e o trabalhador, o arquiteto e os materiais disponíveis etc. A condição de minoria coloca esta arquitetura na condição de “utopias da realidade”. Ao entrar nesta realidade tomando contato com as condições concretas da periferia, ganham, porém, um “diferencial”. O contexto das periferias – mais ou menos urbanas – não é apenas objeto de um projeto de arquitetura, são verdadeiros laboratórios sobre autoconstrução, sobre os espaços da casa popular, sobre a técnica, os materiais etc. Sobretudo nos anos 80 e 90 as condições de enfrentamento do canteiro de obras foram determinantes para que a arquitetura experimental saísse da condição de ideia para ganhar a forma de novos meios de produção habitacional. Deste ponto de vista mais do que pioneiros 29 síntese difícil entre manufatura e indústria, entre o braço mecânico e a técnica artesanal. Um sinal de que as “soluções” poderiam – deveriam? – surgir de dentro das comunidades, pela capacidade de transformação das periferias que, levantadas do chão, conseguem se reconstruir cotidianamente. Referências Bibliográficas Figura 6. A Igreja Espírito Santo do Cerrado, em Uberlândia, de Lina Bo Bardi. Fonte: FERRAZ; LATORRACA, 1999. quanto à defesa de uma arquitetura participativa, são experiências focadas no lugar, no contexto onde deve ser inserido uma forma particular de projetar e construir. O canteiro-escola de Rodrigo Lefèvre respinga, por isso, em outros projetos, certamente nas obras de Lina, como enfatizamos, mas também nos inteligentes módulos quadriculados de Cajueiro Seco, dizendo – “monte sua casa”; uma pedagogia do canteiro que também aconteceu na pequena fábrica de Abadiânia, de Lelé. Nos anos 80 os sinais de uma arquitetura participativa e construtiva ganham corpo e espaço; se consolidam como canteiros de “invenção tecnológica”, ganham escala, vão para grande periferia. Se merecem ser tratadas como referenciais porque quebram determinados paradigmas, portanto também merecem sair da condição de “coadjuvante” citada, ou “arquitetos que fazem casas, e não pensam na cidade” como dizem certas vozes duvidosas4. A trajetória desta pesquisa não tinha apenas o intuito de estabelecer paralelos, mas de verificar o lugar de fato dessas arquiteturas, o lugar de vanguardas. Porque vanguardas estão à frente e quebram paradigmas. É uma hipótese conclusiva que, já nos primeiros projetos – os casos estudados até 1980 – indicava os caminhos possíveis de uma outra arquitetura. Da concepção técnica, afinada as bases populares ou a “industrialização rudimentar”, como diz Lelé sobre Abadiânia, é possível rever uma certa “vitrine” da arquitetura brasileira. Um questionamento sobre vanguardas do atraso, talvez – não tínhamos as bases tecnológicas para uma revolução nos modos de produção do espaço. Mas, incontestavelmente, são arquiteturas que pensaram como reconstruir as periferias com os dados do lugar. A escolha deste lugar pode ser Cajueiro Seco, Osasco, Sergipe, uma “casa ensaio”; 30 diferentes escalas para o mesmo fim, experimentando tecnologias do trabalhador, processos construtivos e materiais “possíveis”, buscando resolver nessas periferias – ideais ou concretas – a moradia da pobreza. Vanguardas da periferia em oposição ao centro conservador, pois na terra arrasada desses lugares encontravam, como diz Joan Villà, possibilidades da nova arquitetura (ENTREVISTA, 2009). Dos “tempos de grossura” à uma “arquitetura mecanizada da terra”, como queriam os arquitetos dos anos 80 (LOPES, 2012), esta pesquisa foi um tiro curto na busca por novos caminhos de construção da cidade e da moradia popular. Uma reflexão difícil sobre pensar o que é mais importante – a escala do déficit habitacional, hoje na casa de 7,2 milhões de unidades, ou arquiteturas experimentais que, na pequena escala, serviriam como um norte para os programas públicos de habitação? Uma questão que toca no cerne do problema da produção em massa de habitação, uma vez que o problema atual não seria a capacidade produtiva, mas sim a qualidade do projeto. De outra forma: se houve algum salto tecnológico – em mecanização da construção – as velhas contradições do canteiro permanecem. Do que levantamos até aqui, das arquiteturas mais diversas na escala e no lugar, temos alguns índices de que bons projetos habitacionais passam, sempre, por uma leitura cuidadosa do contexto, uma análise criteriosa dos usos, pela ação participativa do usuário. As arquiteturas da construção, por outra via, deixaram mostras desse caminho. Justamente porque não eram apologias da técnica – um dos erros graves da arquitetura desenvolvimentista – mas apropriações da técnica, tentativas de inserir o trabalhador dentro do processo criativo do canteiro de obras. Talvez esse seja um dos dilemas na ANDREOLI, Elisabetta; FORTY, Adrian (orgs.). Arquitetura Moderna Brasileira. Londres: Phaidon, 2004. ARANTES, Otília; ARANTES, Paulo. Sentido da formação: três estudos sobre Antonio Candido, Gilda de Mello e Souza e Lúcio Costa. São Paulo: Paz e Terra, 1997. ARANTES, Pedro Fiori. Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefèvre: de Artigas aos mutirões autogeridos na periferia de São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2002. Arquitetos brasileiros. Paris: Institut Français D’architecture; Brazil Agency for Inter Rel, 1987. BARDI, Lina Bo. Tempos de Grossura: o design no impasse. São Paulo: Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, 1994. BELL, Daniel. O fim da ideologia. Brasília: Editora Unb, 1980. BIERRENBACH, Ana Carolina de Souza. 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Atualmente é graduando em Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 2. Os documentários da Caravana Farkas, em especial Viramundo, que trata da situação do migrante no auge O Banco Nacional de Habitação (BNH): uma proposta de revisão bibliográfica sa interface. 3. Entre as obras de João Filgeuiras Lima – Lelé – foram estudados os equipamentos públicos construídos pela Banco Nacional de vivienda (BNH): una propuesta de revisión bibliográfica Maria Alejandra Bruschi Costa1 Orientadora: Profa. Dra. Nilce Cristina Aravecchia Botas Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida entre 2010-2011 com financiamento do Núcleo de Pesquisa da Escola da Cidade Este artigo é resultado parcial da pesquisa realizada no âmbito do Programa de Iniciação Científica da Escola da Cidade - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Propõe entender os mecanismos institucionais de provisão habitacional pelo Banco Nacional da Habitação, que vigorou de 1964 a 1986. O levantamento bibliográfico proposto parte da recuperação análoga dos documentos oficiais, e da produção de viés crítico, vinda de acadêmicos que exerciam oposição ao regime militar, assim como também a produção vinculada ao Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). Para a consolidação da revisão adotamos três pontos que consideramos vertebrais na formulação de uma política pública que pretenda equacionar o problema habitacional: as políticas de desenvolvimento urbano; o desenvolvimento tecnológico na construção civil; e o acesso aos financiamentos para as famílias de menor renda. da industrialização de São Paulo, e A mão do povo, dedicado aos estudos de Lina Bo Bardi, são índices des- The Brazilian National Housing Bank (BNH): a literature review Palavras-chave Habitação social, planejamento, BNH This paper is a partial result of a research conducted under the Undergraduate Research Program of the Escola da Cidade - School of Architecture and Urbanism. The article aims to understand the mechanisms of institutional housing provision by the National Housing Bank, which lasted from 1964 to 1986. The literature review started from the simultaneous recovery of official documents, the production of critical bias coming from academics who made opposition to the military regime, and the written production linked to the Institute of Architects of Brazil (IAB). To consolidate the literature review we take three main points in the analysis of the public policy that has the objective to equate the housing problem: policies on urban development, technological development in construction, and access to finance for lower income families. Keywords Social housing, urban planning, BNH Este artículo es el resultado parcial de la investigación realizada dentro del Programa de Iniciación Científica de la Escola da Cidade - Facultad de Arquitectura y Urbanismo. Se pretende entender los mecanismos institucionales de concesión de vivienda por el Banco Nacional de Vivienda, durante el período de 1964 a 1986. La búsqueda bibliográfica propuesta parte de la recuperación análoga de la documentación oficial, y de la producción de un punto de vista crítico, partiendo de académicos de oposición al régimen militar, así como también de la producción escrita vinculada al Instituto de Arquitectos de Brasil (IAB). Para consolidar la revisión adoptamos tres puntos que consideramos vertebrales en la formulación de una política pública que pretenda enfrentar el problema de la vivienda: las políticas de desarrollo urbano; el desarrollo tecnológico en la construcción civil; el acceso a la financiación para familias de menos recursos. Palabras-clave Vivienda social, planeamiento urbano, BNH RENURB, em Salvador, e as escolas pré-fabricadas de Abadiania. 4. É recorrente a crítica de que “o mutirão não desenha a cidade”. Entretanto os próprios termos da crítica já indicam o viés ideológico de quem o faz. 32 33 1. Introdução 2. Contexto político O problema habitacional no Brasil esteve no imaginário e na ação de técnicos e políticos durante todo o século XX e ainda no XXI. Sua importância cresceu na mesma medida da explosão demográfica a partir da década de 1940. Tornou-se um veículo fundamental para impulsionar o crescimento econômico ao final da década de 1960, e manteve-se como um desejo para os que nunca foram contemplados com as ações governamentais, que procuraram opções alternativas como saídas à falta de moradia. Este artigo, desenvolvido no âmbito do Programa de Iniciação Científica da Escola da Cidade, trata da sistematização de alguns discursos sobre habitação nascidos no poder político, nas associações de arquitetos e na academia, durante o período de vigência do órgão responsável pelo financiamento da maior produção habitacional pública do país, o Banco Nacional de Habitação (BNH). Criado pelo governo militar o Banco funcionou de 1964 a 1986, recorte temporal adotado para a revisão bibliográfica. Como forma de organizar essa revisão bibliográfica, adotamos três recortes: a política de desenvolvimento urbano, o desenvolvimento tecnológico na construção civil, e as formas de acesso ao financiamento, pautas escolhidas para facilitar a revisão. As informações vêm tanto das publicações governamentais como das instituições de ensino, que criaram uma frente de oposição às ações do Banco e, consequentemente ao regime político instaurado. Para confrontar a bibliografia sobre o tema propriamente dito, buscamos reconstruir o contexto no qual o Banco Nacional da Habitação se desenvolve, desde os antecedentes da sua criação até seu fechamento em 1986. Diferentes acontecimentos marcaram a atuação do BNH no campo político, no econômico e consequentemente no social, considerando que a crise política que culminou no golpe para a implantação da ditadura militar no país antecede ao ano da sua criação. Segundo Paul Singer (1977), os acontecimentos políticos de 1964 tem derivação direta da crise econômica e social que os antecederam. O tipo de Estado implantado levou reformas de natureza social e econômica a ficarem postergadas ou esquecidas, considerando a necessidade de repressão das forças mais progressistas, para que se instaurasse a política de viés mais conservador. Ao final dos anos 1950 o crescimento econômico do país veio acompanhado de contradições que ficavam demonstradas no aumento progressivo da inflação e numa diminuição do valor do salário real. Isso levou a uma mobilização e radicalização das massas gerando a crise política cujo ápice foi a renúncia de Jânio Quadros em 1961. O agravamento dos problemas chegou ao ponto mais crítico entre os anos de 1963 e 1965. Após a renúncia de Jânio Quadros, seu vice João Goulart deveria assumir. Grandes pressões da oposição determinaram a mudança da forma de governo de presidencialismo para parlamentarismo. Em 1963 foi chamado um plebiscito que decidiu pela volta ao presidencialismo. João Goulart, comprometido com as bandeiras trabalhistas, iniciou a discussão sobre as chamadas reformas de base. Dessas reformas (administrativa, tributaria, bancaria etc.) a agrária chamava maior atenção e produziu as maiores polarizações político ideológicas. Os arquitetos, reunidos no Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), também 34 entraram nessas discussões. O Seminário de Habitação e Reforma Urbana (SHRU), promovido pelo IAB, com o apoio do governo federal através do Instituto de Pensões e Aposentadoria dos Servidores do Estado (IPASE), realizado no Rio de Janeiro e em São Paulo, em 1963, foi organizado nessa perspectiva. Algumas das propostas discutidas durante o seminário seriam apropriadas pelo regime militar que se instaurou no país após 1964, como a centralização das políticas habitacionais em um só órgão. Outras, mais progressistas, seriam sempre postergadas. (KOURY e BONDUKI, 2007). Na política econômica, a adoção do Plano Trienal de Desenvolvimento, na primeira metade de 1963 causou forte recessão, cujas consequências no plano político levaram à derrubada do governo de João Goulart pelas Forças Armadas, em março de 1964. Mesmo com a mudança drástica de poder, as transformações de natureza econômica só seriam significativas a partir do ano de 1967, interrompendo, por fim, uma orientação mais progressista. (SINGER, 1977). O período histórico que começa em 1964 e vai até 1986 pode ser dividido em três etapas: de 1964 a 1974, quando os militares realizam as principais reformas; de 1974 a 1982, quando há um período de distensão eleitoral; e de 1983 a 1988, quando ocorre a abertura democrática. Como primeiro presidente do regime ditatorial, o Marechal Humberto de Alencar Castello Branco instaurou, a partir de abril de 1964, o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG). Foram tomadas várias medidas como o arrocho salarial, o aumento de impostos e tarifas públicas e o corte de subsídios a produtos básicos. No mês de agosto deste mesmo ano foram criados o Banco Nacional da Habitação (BNH) e o Sistema Financeiro de Habitação (SFH). Essa medida buscava demonstrar que o novo governo se importava com as necessidades da população e se apresentava disposto a trabalhar na melhoria de suas condições de vida. Também foi criado o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA), com o objetivo de mostrar sensibilidade às discussões do período anterior. Essas medidas eram necessárias para conter as massas e se possível ter o apoio delas (AZEVEDO; ANDRADE, 1982). Os atos institucionais davam as letras das decisões que orientavam a política, tendo como ápice o AI-5, que teve o objetivo de endurecer ainda mais o regime ditatorial. Em 1973, o general Ernesto Geisel começa uma gradual abertura política. Em 1977, o governo fecha temporariamente o congresso, emenda à constituição e baixa uma série de decretos lei. No mesmo 35 ano, é aprovada a Emenda Constitucional n.11 que revogava as reformas promovidas pelo AI-5. Em 1979 é aprovada a Lei de Anistia e a Nova Lei de Partidos. Em 1983, começam as mobilizações pelas eleições diretas para presidência da república, movimento que ficou conhecido como “direitas já”. 3. O Banco Nacional de Habitação A lei Nº 4380 de 21 de agosto de 1964 instituiu o Plano Nacional de Habitação, criou o Banco Nacional de Habitação (BNH) e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU). Havia deliberada intenção de responder às massas que sofreram uma gradual politização durante o governo de João Goulart. O governo militar tentaria ganhar legitimidade e o problema da habitação seria veículo dessa vontade. É assim que num primeiro período o banco dará prioridade ao problema habitacional em detrimento da política urbana. Também a ideologia da “casa própria”, assim como a geração de empregos pela dinamização da indústria da construção civil em período de crise, influenciou na elaboração dos programas. […] a solução do problema pela casa própria tem esta particular atração de criar o estímulo de poupança que, de outra forma, não existiria, e contribui muito mais para a estabilidade social do que o imóvel de aluguel. O proprietário da casa própria pensa duas vezes antes de se meter em arruaças ou depredar propriedades alheias e torna-se um aliado da ordem. (CAMPOS apud AZEVEDO; ANDRADE, 1982) Num primeiro momento, os fundos para o BNH viriam de 1% da folha de pagamento dos trabalhadores em regime CLT. Em 1967 o governo de Castelo Branco cria o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) – uma forma compulsória de poupança. O BNH administraria poupanças voluntárias de letras imobiliárias e cadernetas de poupança de sociedades de crédito imobiliário, de associações de poupança e empréstimo e das caixas econômicas. A elevação da carga fiscal só foi possível pela centralização do poder no Executivo Central. Assim, a fonte principal dos recursos empregados nas inversões públicas ou que o Estado passou a transferir ao setor privado sob a forma de crédito, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES), pelo Banco Nacional de Habitação (BNH) ou pelo Banco do Nordeste, etc., continuaram sendo os assalariados, como antes, só que a forma como estes recursos passaram a ser “transferidos” mudou. 35 (AZEVEDO; ANDRADE, 1982) A atuação do BNH nos procedimentos executados para desenvolver os programas propostos foi, e continua sendo, alvo de críticas, pelas consequências que a produção massificada de habitação trouxe para as cidades, que segundo alguns autores, contribuíram para agravar os problemas urbanos e de déficit habitacional. Foram três os principais questionamentos levantados frente à atuação do BNH. O primeiro refere-se à incapacidade de cumprir um dos seus principais objetivos, atingir com o programa de financiamento habitacional as faixas de menor renda, ou seja, de 0 a 3 salários mínimos. Outro ponto foi o da uniformização das soluções adotadas no território nacional, que desconsiderava características locais e gerava grandes massas de construção padronizada e monótona. E, por último, a desarticulação entre os órgãos responsáveis pela construção das habitações e o desenvolvimento urbano, que implantou conjuntos em lugares longínquos e carentes da infraestrutura. Numa primeira fase de atuação do Banco de 1964 até 1969 seria destacável a quantidade de habitação financiada para o mercado popular. Já no período 1970-1974, o financiamento deste tipo de habitação decresce quase pela metade em relação ao período anterior. Em 1976 houve um crescimento das operações realizadas pelas COHABs, as Companhias de Habitação Municipais e Estaduais, registrando-se nesta década a primeira superação das habitações do mercado popular em relação às do mercado médio. Foram, no período 1975-1980, financiadas 76% do total de habitações populares construídas durante a existência do BNH. A revisão bibliográfica a seguir traça um paralelo entre publicações institucionais e interpretações críticas. Como adiantado, seguimos o seguinte recorte temático: políticas de desenvolvimento urbano, desenvolvimento tecnológico, e formas de acesso aos financiamentos. 4. Políticas de desenvolvimento urbano Desde a passagem do século XIX para o século XX, a urbanização foi entendida por vários segmentos e também pelo estado como estratégica para o desenvolvimento econômico. Para os setores que ocupam o poder no Brasil a partir de 1964 não é diferente: a urbanização seria a alavanca do próprio desenvolvimento, levando o país ao grupo dos países ricos. Vastas são as citações nos docu- 36 mentos oficiais do BNH em que a urbanização é colocada como fim num processo de desenvolvimento. Exemplos disso podem ser encontrados mesmo nas palavras de Rubens Vaz da Costa, presidente do BNH entre 1971 e 1974 Com a urbanização tornam-se maiores os mercados, cresce a necessidade de produzir mais e melhor, aumentam e se diversificam as oportunidades de emprego, sobe a produtividade em verdadeira espiral de prosperidade e de avanço do bem-estar social. (COSTA, 1973) A história do desenvolvimento econômico é também a crônica da urbanização, da industrialização, da crescente demanda de serviços e da mecanização da agricultura. É, em resumo, a descrição da evolução da humanidade. (COSTA, 1973) Seria novamente Rubens Vaz da Costa que, no Encontro de Prefeitos das capitais sobre desenvolvimento urbano, ao se referir ao crescimento acelerado da população que mora nas cidades, afirmaria: […] são as forças incoercíveis do progresso, da industrialização e do desenvolvimento, transformando a sociedade brasileira. Não devemos opor-nos a elas, mas procurar orientá-las para que se humanizem as cidades, melhore a qualidade de vida, se preserve o meio ambiente, reduzam-se as desigualdades sociais e mais justamente se repartam os frutos do trabalho da nação brasileira. (ENCONTRO..., 1973) Gabriel Bolaffi, um dos autores da vertente acadêmica de crítica ao BNH, coloca no entanto, os limites da relação entre urbanização e desenvolvimento: O valor atingido pela renda per capita em 1978 indica que desde o ano da criação do BNH até o presente, pelo menos em termos nominais, a torta da riqueza nacional nesse país cresceu cinco vezes. Só que em vez de reparti-la, os donos da casa já começam a falar em coibir-lhe o excessivo crescimento. (BOLAFFI, 1979) As análises da realidade brasileira, e dos problemas enfrentados na época consideraram como ponto importante o crescimento da população que seria determinante junto às elevadas taxas migratórias do campo às cidades. Esse discurso é facilmente encontrado em vários documentos oficiais: Estamos enfrentando dificuldades seríssimas para elevar a qualidade de vida em nosso país. Isto é consequência, sem dúvida, da nossa elevada natalidade. [...] A melhoria da qualidade de vida dos brasileiros está relacionada com a melhor utilização dos nossos recursos, especialmente os recursos humanos, da melhoria na distribuição da renda e da riqueza, de reformas que aperfeiçoem nossas instituições políticas, sociais e econômicas, etc. Mas depende também e, fundamentalmente, da adoção de política demográfica, baseada em amplos programas de planejamento familiar voluntário, que reduzam o ritmo de crescimento de nossa população. (COSTA, 1977) Comumente se responsabilizou o crescimento explosivo da população, pelos problemas da falta de infraestrutura e da falta de recursos para enfrentar a expansão horizontal. Porém, vozes dissonantes, novamente representadas aqui por Bolaffi, alertavam para a tendência a certa naturalização dos problemas urbanos: [...] procura-se obscurecer o fenômeno, confundindo-o com os processos naturais. O empobrecimento e a deterioração das cidades são apresentados à população como um processo orgânico de envelhecimento natural, ou de crescimento excessivo, e não como a consequência direta da economia política vigente. Embora se fale em “funções urbanas”, “vias arteriais” e se utilizem outros conceitos derivados de organismo do século XIX, as cidades não são formadas por células vivas, mas por propriedades privadas e por serviços públicos. (BOLAFFI, 1979) As políticas urbanas adotadas no período passam pela trajetória do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFAU), que atuou vinculado ao BNH, e em estreita relação com os municípios. Criado com o objetivo de encaminhar pesquisas sobre o déficit habitacional e ajudar os municípios na elaboração dos seus planos diretores, existiu de 1964 até 1974. Os recursos para seu funcionamento viriam da criação do Fundo de Financiamento para o Planejamento Local (FIPLAN). Alvo de muitas críticas, o SERFHAU não teria conseguido amenizar os problemas crescentes de expansão urbana sem infraestrutura adequada. Em 1967 o órgão sofreu uma reformulação, passando de apoio ao sistema de habitação, para ser apoio ao planejamento urbano e local no Brasil. A condução da política urbana e habitacional foi consolidando um campo de debate teórico e conceitual: O SERFHAU é um órgão de caráter nacional que, no nosso entender, deve ter, cada vez mais, funções normativas; um órgão que tenha a seu cargo a elaboração de normas gerais, o fornecimento sistemático de informações úteis e atuais. Uma fonte de documentação, de natureza especializada e da mais ampla diversificação, no campo dos assuntos municipais, incluindo normas e modelos de planejamento, que evolua em função de suas tarefas e fins específicos, deixando a parte executiva do treinamento, da organização e funcionamento dos cursos a cargo das superintendências. (CAVALCANTI, 1973) Finalmente, durante os seus dez primeiros anos de existência, apesar de instituído o Serviço de Habitação e Urbanismo, com o objetivo de criar condições e estímulos para o planejamento urbano, ao abdicar da gestão dos créditos que concede, o BNH somente contribuiu para agravar os problemas urbanos. Por mais que isto seja paradoxal, o uso que tem sido feito dos recursos do BNH não fez mais do que multiplicar na escala da construção em série, mas sem os ganhos em produtividade desta última, os efeitos urbanísticos dos lotes vendidos a prazo na periferia das grandes cidades “com mil tijolos postos” no terreno. Um processo industrial de favelamento. (AZEVEDO; ANDRADE, 1982) Gradualmente, o BNH foi ampliando seu campo de atuação, do financiamento de habitação ao desenvolvimento urbano. Vários programas foram criados para responder as críticas sobre a falta de infraestrutura nos conjuntos habitacionais, que eram cada vez mais frequentes. Alguns teóricos, porém, encontraram nessa preocupação e nos planos apresentados outros objetivos não manifestos e que serviriam de motivo para a ampliação da intervenção estatal no campo do desenvolvimento urbano. Maricato faz uma distinção entre os investimentos realizados e sua finalidade: [...] apoio aos conjuntos habitacionais (infraestrutura e equipamento complementar); obras urbanas propriamente desligadas de conjuntos residenciais financiados pelo BNH e por vezes desligados até mesmo do uso residencial; obras de apoio a grandes projetos de abrangência inter-regional ou nacional. (MARICATO, 1987) Para a autora, não seria necessário diferenciar o financiamento para as diversas faixas de renda, mas sim diferenciar o que foi produção habitacional propriamente dita dos recursos dirigidos para o desenvolvimento urbano e de polos industriais. Assim se explicitam os interesses das empresas de edificação e das empresas de construção pesada que, muitas vezes, são de maior porte do que as de edificação. Nesse sentido, um dos programas de grande alcance foi o PLANASA, que se encarregaria de estender a rede de água e esgoto a todo o país, como aponta a fala institucional: Os programas cooperativos, lançados pelo Governo Federal no campo do desenvolvimen- 37 to urbano, situam-se entre os maiores do mundo. Destacam-se ao lado do Plano Nacional de Habitação, pedra angular da ação do BNH, o PLANASA, que tem por meta levar água de boa qualidade a 65 milhões de brasileiros em 1980, e a controlar a poluição hídrica através de adequados sistemas de esgotos sanitários, e o grandioso programa recém instituído pelo Presidente Médici – o PLANHAP – cujo objetivo é eliminar o déficit habitacional das populações com renda familiar de um a três salários mínimos, e posteriormente manter em equilíbrio a oferta e a demanda de moradias para as famílias naquela faixa de renda. (ENCONTRO..., 1973) Os recursos a seu dispor permitiram financiar número de vivendas superior à possibilidade de suprimento pelos Estados e Municípios, de serviços de água e esgotos sanitários. O plano Nacional de Saneamento – PLANASA – foi a resposta do BNH a este desafio. Para auxiliar as cidades a preparar planos diretores que ordenem o seu crescimento, estabeleceu um fundo que é administrado pelo Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU). Muitos conjuntos habitacionais construídos com financiamento do BNH ficaram sem ruas calçadas, sem escolas, sem casas comerciais, sem centros comunitários, devido à escassez de recursos das autoridades locais. O BNH criou mecanismos de financiamento que permitem suprir tal deficiência através da construção de equipamento comunitário adequado. (COSTA, 1973) Sem deixar de considerar a importância que o acesso a saneamento tem na saúde da população, a passagem mostra como o PLANASA criou obstáculos aos pequenos municípios, que foram obrigados a sua adesão como condição para a participação do projeto CURA (Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada). O objetivo do projeto CURA era o de estimular o adensamento da população urbana e reduzir os efeitos da especulação imobiliária com obras de infraestrutura. Ele era considerado um dos programas com intenção expressa de reduzir os impactos das obras nos preços dos terrenos, mas acabou muitas vezes por produzir o efeito contrário. (MARICATO, 1987). Tradicionalmente água e esgoto têm sido subsidiados pelas prefeituras municipais. Com o Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), tais serviços, antes considerados “bens públicos”, vêm sendo privatizados, em detrimento dos setores menos privilegiados da sociedade. (AZEVEDO; ANDRADE, 1982) Em 1975 foi posto em prática o Programa de 38 Financiamento de Lotes Urbanizados (PROFILURB). Financiavam-se lotes com luz, água, esgoto e uma pequena unidade do tipo embrião que seria ampliada posteriormente pelo proprietário por autoconstrução. O programa era direcionado a famílias com renda até 3 salários mínimos. Na mesma linha foram criados o Programa de Erradicação da Sub-Habitação (PROMORAR) em 1979, e o Projeto João de Barro em 1984. Este último com base deliberada na autoconstrução, as Prefeituras deveriam dar os terrenos e implantar a infraestrutura necessária enquanto o futuro morador arcaria com a construção da residência. O BNH financiará a urbanização de terrenos, incluindo dotação adequada de equipamentos comunitários, e os poderes públicos estaduais e municipais venderão tais terrenos, a preços subsidiados, às famílias que desejem construir suas moradias com esforço próprio e ajuda comunitária. Quatro programas piloto de terrenos urbanizados estão sendo executados e a experiência que estamos colhendo permitirá a elaboração de planos para facilitar a venda de um milhão de terrenos urbanizados até 1980, a famílias sem renda certa ou de recursos escassos. (COSTA, 1973) O BNH estendeu seu campo de atuação ao desenvolvimento urbano, diferente do caso da Fundação da Casa Popular, órgão que antecedeu e, que, criado em 1946, também propunha a concentração de recursos para a solução habitacional, mas que não foi além da construção de moradias. Isso não isentou o Banco de críticas referentes ao modelo de política de urbanização defendido por ele e a sua atuação como veículo do Estado no papel de distribuição de riquezas. Além do financiamento para obras de saneamento, o BNH investiu em obras de infraestrutura de transportes, como por exemplo, no metrô de São Paulo e do Rio de Janeiro, com custos muito superiores aos metrôs de outras cidades, sendo construídos na mesma época. Essas obras seriam levadas adiante por empresas de construção pesada de grande porte. Um dos planos de maior polêmica foi o investimento da SABESP no SENEGRAN (Sistema de Coleta e Tratamento de Esgotos da Grande São Paulo). Ele não lograria melhorar as condições de esgoto da região metropolitana, tendo como exemplo o tratamento dos poluentes do Rio Tiete. A participação do BNH em obras urbanas teria um incremento até meados da década de 1970, quando houve a tentativa de re-impulsionar os financiamentos para o mercado popular, sendo que, somente a partir dos anos de 1976 as mudan- ças começam a ser perceptíveis com a volta à cena das COHABs. Mesmo com essa série de programas criados pelo governo federal, as periferias das grandes cidades seguiram um crescimento constante. O loteamento clandestino tornou-se uma saída ao acesso à terra e, ao mesmo tempo, um negócio ao longo da década de 70. O loteamento irregular é presença constante em todas as grandes cidades brasileiras, resultando inequívoco de uma política habitacional que desconhece as necessidades habitacionais da maior parte da população e de um processo de crescimento urbano onde os grandes e pequenos especuladores imobiliários gozam de ampla liberdade. (MARICATO, 1987) Essa ocupação e expansão dos locais periféricos têm a ver com o valor do solo, ou seja, com aqueles mecanismos econômicos que segundo Bolaffi: […] conferem ao solo urbano funções econômicas alheias à sua utilidade intrínseca enquanto bem natural e ao papel que deveria desempenhar na composição e na organização do espaço requerido para as atividades públicas ou privadas da população. (BOLAFFI, 1979) Na mesma direção, formula-se a análise de Maricato: A recessão econômica com desemprego em massa que se aprofunda em 1983 causou uma aceleração nos processos de invasão. E se até passado bem recente (1981 e começo de 1982) as invasões eram tratadas como caso de polícia, em seguida, com a crise econômica, e com alguns Estados governados pela oposição, a política é de tolerância. A orientação oficial de urbanizar favela substitui a de remoção. (MARICATO, 1987) Segundo a autora, essa orientação de urbanizar em lugar de remover, não foi algo positivo, e sim uma alternativa criada pelo governo a fim da não aprovação de leis que restringissem a retenção e a especulação da terra urbana. Os resultados da lei federal 6766, criada para dar poderes aos municípios para penalizar os loteamentos clandestinos não satisfaziam, seja por atos de corrupção entre funcionários municipais e loteadores, seja por despreparo dos primeiros. Por parte da crítica à política do BNH, grande expectativa era gerada sobre as iniciativas da sociedade civil, como a lei de “reforma urbana” proveniente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU): Algumas tentativas de controle do parcelamento, do uso e da ocupação do solo urbano, expressas na lei federal de 1979, 6766 ou no anteprojeto de lei de Desenvolvimento Urbano de 1982, são, a nosso ver, medidas que caminham no sentido de eliminar um grande obstáculo à viabilização da produção em massa de habitações “populares”: o custo e a disponibilidade da terra também atuam no sentido de modernizar e disciplinar (com resistências) o crescimento urbano. (MARICATO, 1987) O Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) manifestou-se diversas vezes ao longo do período de funcionamento do BNH na tentativa de reafirmar a importância da política urbana. Em 1964, após ser sancionada a Lei no. 438, o Instituto já manifestava sua análise: Às vésperas da sanção do projeto de lei, o IAB julgou oportuno lembrar ao presidente Castelo Branco, a importância de manter a parte do projeto de lei, referente ao Serviço Federal de Habitação e Urbanismo, aprovada pelas duas Casas do Congresso Nacional, alertando a Sua Excelência quanto às graves consequências resultantes da inteira subordinação do órgão de planejamento da parte técnica do sistema, ao órgão econômico financeiro. (SERRAN, 1976) Em relação ao desenvolvimento urbano o IAB propunha auxílio técnico, aos municípios que não possuíssem quadro técnico suficiente e o orçamento para realizar os estudos e formular planos diretores. O Instituto era contrário aos vetos da lei, que não permitiriam ao BNH o financiamento de serviços urbanos como água, esgoto, luz, arruamentos etc., e ainda criticava os vetos, que consideravam o esvaziamento do setor técnico, o SERFHAU (SERRAN, 1976). Em 1966 o IAB lança as conclusões de uma mesa redonda realizada nos dias 27 e 30 de julho no Rio de Janeiro. Nesta oportunidade teve a colaboração de representantes do BNH, do SERFHAU, do Setor de Habitação do Escritório de Economia Aplicada do Ministério do Planejamento, do Setor de Planejamento Municipal do Ministério do Planejamento, e da Carteira de Habitação da Caixa Econômica Federal do Rio de Janeiro. Considerava-se que as medidas reunidas na lei n. 4380/64 tinham como intenção amenizar a depressão econômica causada pela contenção inflacionária, e não precisamente a solução do problema habitacional. Por isso foi escolhido o setor da construção civil como responsável pela regulação da atividade econômica e como principal agenciador da geração de emprego. Eles observavam que os aspectos financeiros foram ganhando cada vez mais importância em detrimento de fatores técnicos e sociais. Assim, foi enunciada uma lista de conclusões: o vínculo entre problema de moradia e renda familiar; a relação entre a carência de 39 moradia e os problemas econômicos estruturais e não com causas eventuais ou resultantes da crise; falta de vínculo entre o planejamento habitacional e o planejamento urbano e regional; a necessidade do planejamento físico vinculado ao econômico, social e administrativo; necessidade de financiamento de planos municipais e criação de um fundo que garantisse os recursos para sua aplicação; implantação de uma política habitacional correta para corrigir as distorções causadas pelo plano; incentivo ao estudo e pesquisa dos problemas habitacionais e de planejamento. Concluía-se que: [...] o problema fundiário urbano nem sequer foi esboçado. O alto valor do terreno, produto da especulação com a terra urbana, beneficiada por melhorias urbanísticas realizadas às expensas da coletividade, obriga que as novas construções, principalmente para as camadas da população menos favorecidas, sejam realizadas em áreas periféricas aos núcleos urbanos, sem o mínimo de condições de infraestrutura e agravando o sistema de transporte urbano. (SERRAN, 1976) 5. Desenvolvimento tecnológico Quanto ao desenvolvimento de novas tecnologias aplicáveis à construção civil, não se pode deixar de considerar as características da mão de obra que deveria ser empregada, e que aparece como uma das principais questões na criação do BNH e do Sistema Financeiro de Habitação (SFH). Considerou-se, desde o início, o emprego de uma massa de trabalhadores sem qualificação profissional, provenientes, em sua maioria, de áreas rurais, que migravam às grandes cidades na procura de melhores condições de vida. Tratava-se de uma estratégia econômica e social no interior da política habitacional. Esta seria a razão principal, pela qual não haveria interesse na industrialização da construção: No setor da construção civil, os meios tradicionais de produção devem ter a preferência no momento atual, dada a necessidade de criar empregos para mão de obra não qualificada. Os modernos métodos industriais de produção, no entanto, podem ser objeto de estudos, de experimentos, mas a sua utilização no País é ainda prematura, inclusive porque, de modo geral, são mais caros do que os meios tradicionais que empregam mão de obra não qualificada, de baixo salário. É, portanto, o setor da construção civil o que mais tem correspondido à necessidade de criação de empregos; e deverá 40 continuar por muitos anos um baluarte do emprego em nosso País. (COSTA, 1976) Paradoxalmente, seria necessária uma elevação gradual dos salários dos empregados da construção civil, para que pudessem ter acesso à habitação que produziam, impulsionando o crescimento, além do consequente aumento na produtividade destes trabalhadores, que dependeria da implantação de um sistema que permitisse o barateamento da construção, pela racionalização de recursos e o emprego de novas tecnologias. Neste sentido, Bruna conclui: O problema então se resume em grande parte a uma adequação do ritmo de introdução tecnológica à capacidade de acumulação de capital e de criação de empregos, dentro do panorama geral do processo de desenvolvimento econômico. Esta colocação só poderá ser feita adequadamente nos termos de um planejamento a longo prazo que leve em consideração a inter-relação dos fatores mencionados. (BRUNA, 1976) Segundo o autor a possibilidade de uma produção em massa de habitações estava condicionada a alguns requisitos básicos: garantia à indústria da construção de continuidade de trabalho nos canteiros industrializados, e de amortização dos investimentos; diminuição nas variações da demanda, para facilitar a produção de componentes estandardizados; investimento em pesquisa e desenvolvimento; e formação de profissionais especializados nos diversos níveis. O IAB em uma de suas publicações expõe uma análise dos produtos oferecidos pela indústria da construção civil com suas adaptações aos diferentes níveis de renda: Apelando para a indústria tradicional da construção civil, cuja atividade restringe-se aos grandes centros urbanos do país e ao atendimento de classe com poder aquisitivo, adotaram como padrão um produto só possível de ser consumido pelas camadas da população já atendidas anteriormente. O único tipo de tecnologia construtiva aceita pelo BNH, pelo menos até pouco tempo (a casa de alvenaria de tijolos, com cobertura cerâmica e uma infinidade de rígidas especificações construtivas que passou a ser imposta ao país), levou a uma redução progressiva da área de moradia. Como o preço deste tipo é elevado para a maioria da população procurou-se reduzir as dimensões do produto até que, impossibilitados pelo mínimo de bom senso, passam a oferecer parcelas do produto, ou seja: a casa embrião. (SERRAN, 1976) Quanto à utilização de novas tecnologias ou da racionalização das existentes apontava-se a incapacidade da política habitacional até aquele momento de estimular a criação de novas concepções de espaço que partisse de elementos pré-fabricados. Adotavam-se, para a solução do problema de aumento da produtividade, os mesmos processos das casas das classes de maior renda (SERRAN, 1976). Parece correto entender os limites do desenvolvimento tecnológico para a solução dos problemas habitacionais. Mas, por outro lado, é necessário incorporar o problema da cadeia produtiva, aprofundando na análise da composição de forças que está em jogo, a partir das diversas soluções técnicas. De um modo geral, as interpretações advindas da crítica ao BNH análogas à crítica ao regime, também não enfrentaram a problemática da cadeia produtiva em seu conjunto – sua composição, setores, tipos de ação –, que passa, inclusive pelo papel do valor da terra e da renda fundiária na composição do problema da moradia. 6. Acesso ao financiamento O BNH foi o órgão central do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), contando, na sua origem, com um capital de 1 milhão de cruzeiros. A principal diferença do sistema anterior, da Fundação da Casa Popular e das Caixas Previdenciárias, está no fato da instituição ser um banco. O sistema financeiro montado era formado pela poupança compulsória proveniente do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), administrados pelo BNH, e a poupança voluntária formada por cadernetas de poupança e letras imobiliárias, recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE). Os financiamentos contavam com um mecanismo de compensação inflacionária, a correção monetária, que reajustava tanto débitos como prestações segundo as taxas de inflação. A aplicação da correção monetária no SFH era dada pela Unidade Padrão de Capital (UPC). Esta unidade monetária era atualizada a cada trimestre, na proporção da variação do índice de preços: O sistema opera com correção monetária, isto é, opera com valores reais não sujeitos à inflação. Esta é uma condição essencial para que os recursos não se diluam através do processo inflacionário e possa o Banco desempenhar suas responsabilidades de centro do sistema financeiro do desenvolvimento urbano no País. (COSTA, 1972) Sendo autofinanciável, o sistema deixaria livre o Orçamento Geral da União para investimentos em outras áreas. Isso dependeria da arrecadação tanto do FGTS como do SBPE, e também da taxa de inadimplência dos mutuários. Até a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) com a lei n. 5107 de 14 de setembro de1966, o que vigorava era o aporte de 1% da folha de pagamento dos salários dos trabalhadores sujeitos ao regime de Consolidação das leis do Trabalho (CLT). O FGTS seria constituído pelo aporte de 8% dos salários pagos mensalmente. O primeiro pressuposto deste modelo, era o de que as soluções subsidiadas, como as da Fundação da Casa Popular, levavam a uma política clientelística. O segundo dizia respeito à inferioridade da capacidade administrativa do Estado em relação à iniciativa privada. O terceiro, a necessidade da descentralização executiva e a centralização normativa, como condições para assegurar a eficiência do sistema (AZEVEDO; ANDRADE, 1982). Notam-se diretrizes claras nas falas institucionais: O BNH procura operar de acordo com as forças do mercado, aumentando ou restringindo a oferta de recursos, de acordo com a demanda e suas tendências. Exige tarifas que, além de cobrirem todos os custos, permitam financiar a expansão dos serviços. Os subsídios diretos e indiretos são reduzidos ao mínimo necessário a viabilizar programas de interesse social, atender a situações locais ou de natureza especial. (COSTA, 1973) Cada financiamento teria agentes específicos encarregados dos segmentos do mercado definidos pelo BNH. No mercado popular, que inicialmente estava previsto que fosse de 1 a 3 salários mínimos e posteriormente foi ampliado até 5 salários mínimos, o financiamento ficaria com as Companhias Habitacionais (COHABs). No mercado econômico, para famílias de rendas entre 3 e 6 salários mínimos, atuavam as cooperativas habitacionais principalmente de categorias profissionais. No mercado médio, famílias com renda mensal mínima de 6 salários mínimos, encontramos os agentes privados da Sociedade de Credito Imobiliário (SCIs), Associações de Poupança e Empréstimos (APEs) e Caixas Econômicas. Estas instituições formavam o SBPE. A construção, independente do segmento do mercado, ficava à cargo da iniciativa privada. Os empréstimos fornecidos teriam dois tipos de reajustamento dependendo do plano ao qual obedeciam. Um dos planos estava direcionado às famílias de baixa renda e as parcelas seriam reajustadas com a elevação do salário mínimo. No plano des- 41 tinado aos outros setores da população as parcelas seriam reajustadas trimestralmente de acordo com a variação da UPC. Em ambos os casos o saldo devedor seria reajustado trimestralmente. O prazo assim para os financiamentos dedicados a baixa renda podia ser mais ou menos longo dependendo da relação entre o aumento do salário mínimo e a variação da UPC. No caso dos outros planos, isso não aconteceria porque, tanto prestações como saldo devedor teriam o mesmo reajuste. Ao vincular o reajuste das prestações com a elevação do salário mínimo, o BNH buscava tornar viável a compra de moradia por parte dos trabalhadores de baixa renda. (...) em seu afã de levar até as últimas consequências uma atitude empresarial, o BNH manteve o cálculo de saldos devedores baseado na UPC, cujos índices de crescimento, embora menores que a taxa de inflação, eram maiores que os fatores de correção dos salários. (AZEVEDO; ANDRADE, 1982) Este sistema parecia tornar a dívida infinita. Na tentativa de conter esta situação excessiva da dilatação dos prazos, o BNH criou o Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS) para limitar o prazo da dívida nas famílias de baixa renda. Para Azevedo e Andrade (1982), admitindo que se saldasse a dívida apurada no prazo máximo, o BNH finalmente reconhecia que não era possível a aplicação de uma política estritamente empresarial para o caso das famílias de menor renda. A partir de 1970 começa a ser usado o Plano de Equivalência Salarial (PES) para as famílias de baixa renda, também estendido para o mercado econômico e médio. A principal mudança foi a fixação do número de prestações a serem pagas pelos adquirentes, e o Fundo de Compensação das Variações Salariais assume a responsabilidade pelo saldo devedor dos financiamentos contratados. O objetivo era impulsionar o sistema que se demonstrava cada vez mais vulnerável às flutuações inflacionárias. A lógica empresarial escolhida pelo governo foi alvo de intensas críticas, ao mesmo tempo em que uma análise dos dados, facilmente confirmava a dificuldade das faixas de menor renda acessar os financiamentos oferecidos. [...] as inovações introduzidas pela nova política habitacional, ao invés de lhe facilitarem a realização dos objetivos, acentuaram ainda mais o conflito entre eles. A opção por uma base empresarial de atuação eliminou o risco do distributivismo na política habitacional, tornou ainda mais difícil o acesso das camadas de renda baixa à casa própria. (AZEVEDO; ANDRADE, 1982) 42 Nos anos 1970, o BNH passa a atuar como banco de segunda linha, encarregando outros agentes de repassar os créditos por ele concedidos, que ao mesmo tempo deveriam se responsabilizar pelas operações: A confiança na capacidade dos agentes financeiros e a vantagem social de usar estruturas que o setor privado montou levaram o BNH, a atuar, exclusivamente, como banco de segunda linha, em lugar de adotar a opção tentadora, mas cheia de percalços de ter sua própria rede de agências competindo direta ou indiretamente, com o sistema existente. Esta decisão amplia o campo de colaboração e alarga as oportunidades de negócios e lucros para os bancos privados. Porém a área em que a colaboração do sistema bancário ao BNH deve ser objeto do mais caloroso agradecimento é a do recebimento dos depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. (COSTA, 1972) Assim, o BNH transferiria os créditos referentes aos mutuários de baixa renda que até então estavam sob sua responsabilidade. Estes créditos foram repassados para agentes do SBPE assegurando-lhes o retorno em caso de possível prejuízo. Em maio de 1975 estes agentes realizam um relatório endereçado ao BNH onde explicam as dificuldades de cobrança dos créditos concedidos – Relatório de entidades do SBPE: O problema habitacional para essa faixa de renda da população não pode ser simplesmente inserido no bojo de atividades das entidades do SBPE sem o forte e conveniente subsídio governamental, não apenas financeiro, que é indispensável, mas subsídio inclusive sobre o aspecto de apoio logístico, desencadeado através de mecanismo que só o governo tem condições de movimentar. Os problemas de infraestrutura, no plano físico, e os problemas de educação, de policiamento, de mobilidade populacional, de perda de renda, no plano humano, não podem ser resolvidos apenas com soluções financeiras, de diferenciais de juros, altos ou baixos. (AZEVEDO; ANDRADE, 1982) No documento emitido pelo IAB de 1967 está presente a crítica à solução do problema da moradia social considerando a iniciativa privada. Concorre para agravar a situação, a incapacidade já demonstrada de se obter pela iniciativa privada, recursos necessários ao aumento de oferta de moradias de interesse social, pelo menos no ritmo em que se processa o crescimento das populações urbanas. Tem-se, mesmo, observado que um significativo número de ha- bitações providas pela iniciativa privada tem se destinado às classes economicamente mais favorecidas, aumentando o déficit de residências em relação à necessidade total2. (SERRAN, 1976) No período de implantação do sistema, o número de unidades financiadas foi considerável. A produção das COHABs somou 40% dos financiamentos do período de 1964 até 1969. Segundo Azevedo e Andrade (1982) isso se devia à tentativa de legitimação junto às massas, mas se acreditava na capacidade de conciliar os objetivos sociais com o modelo empresarial. Já no período entre 1970 e 1974 houve uma perda de dinamismo e as unidades financiadas pelas COHABs tiveram grande queda. Este período é caracterizado pela alta inadimplência dos mutuários, levando consequentemente ao esvaziamento das COHABs. A deterioração do salário mínimo contribuiu para o agravamento da situação. Novos programas foram então criados para o atendimento às famílias de até 3 salários mínimos, que haviam ficado de fora dos programas das COHABs. O Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados (PROFILURB) era uma dessas alternativas. Por ele, lotes com saneamento e infraestrutura básica eram oferecidos, ficando sob a responsabilidade do mutuário a construção da residência. Ainda direcionado às famílias de menor renda, foi criado o Programa de Erradicação da Sub-Habitação (PROMORAR), em 1979, cujo objetivo era recuperar áreas precárias. No período que vai de 1975 a 1980 a situação do financiamento para o mercado popular foi sendo revertida: a inadimplência diminuiu e aumentou o número de unidades financiadas, quase 75% da produção total do Banco. Segundo Azevedo e Andrade (1982) um dos principais fatores para estes acontecimentos foi o privilégio das faixas mais altas do mercado popular, aquelas entre 3 e 5 salários mínimos, e a compra de imóveis usados por famílias de melhor renda, interpretação compartilhada por Ermínia Maricato: O sucesso do sistema financeiro de habitação no Brasil desde sua estruturação em bases mais exequíveis, em 1968, até 1980, quando entra em profunda crise em consonância com toda a economia do país, se deveu exatamente ao fato de ignorar os setores de menores rendimentos da população e tratar a habitação como uma mercadoria a ser produzida e comercializada em moldes estritamente capitalistas. (MARICATO, 1987) 7. Conclusão Procuramos aqui compreender o funcionamento do sistema montado em torno do Banco Nacional de Habitação, que funcionou de 1964 a 1986, a partir de dois pontos de vista: o institucional e o da literatura crítica. O contato com matérias de diferentes origens e o confronto de tais ideias demonstram as diversas interpretações sobre a problemática habitacional e os diferentes locais que ocupa do ponto de vista das estratégias políticas, econômicas e sociais. A bibliografia institucional, ainda que se trate de material “propagandístico” da política instituída, revela as estratégias vinculadas ao incentivo da construção civil, dentro de um planejamento econômico que privilegiou a concentração dos investimentos nas grandes empresas da iniciativa privada. A bibliografia proveniente do meio acadêmico, e dos arquitetos, apresentando críticas bastante contundentes, direcionou-se, sobretudo, ao reduzido alcance social da política, no que diz respeito à necessidade pungente de distribuição de riquezas. A sensação de superficialidade da bibliografia institucional, baseada sobretudo em intenções genéricas, trouxe consequências para a análise, que buscou analogamente trazer as posturas do governo, da academia e dos arquitetos representados pelo IAB. Ao mesmo tempo em que tentamos nos manter atentos às “construções ideológicas” e aos “lugares comuns”, acreditamos na necessidade de evitar tomar de imediato o partido da crítica, colocando seus argumentos no mesmo grau de importância dos produzidos pelo Banco. Ainda que a crítica tenha se constituído sobre bases sólidas e coerentes, cujas orientações compartilhamos, apontamos a necessidade de um novo balanço sobre a ação do BNH, buscando verificar avanços, retrocessos e impasses do legado habitacional dele resultante. Referências bibliográficas AZEVEDO, Sérgio de; ANDRADE, Luís Aureliano de Gama. Habitação e Poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. BOLAFFI, Gabriel. Habitação e Urbanismo. In: MARICATO, Erminia (org.) A produção capitalista da casa e da cidade. São Paulo: Ed. Alfa Omega, 1979. BONDUKI, Nabil; KOURY, Ana Paula. Das reformas de base ao BNH: as propostas do Seminário de Habitação e Reforma Urbana. In: Anais do XII Encontro da ANPUR. (CDROM). Belém: ANPUR, 2007. 43 BRUNA, Paulo Júlio Valentino. Arquitetura, industrialização e desenvolvimento. São Paulo: Perspectiva, 1976. CAVALCANTI, José da Costa. Discurso do Senhor Ministro do Interior, José Costa Cavalcanti. In: ENCONTRO de Prefeitos das Capitais sobre Desenvolvimento Urbano. Garanhuns, fevereiro de 1973. Rio de Janeiro: BNH; Secretaria de Divulgação, 1973. COSTA, Rubens Vaz da. O Sistema Nacional de Habitação e os Corretores de Imóveis. RJ: BNH, 1976. _____________________. Desenvolvimento e Crescimento Urbano no Brasil. Rio de Janeiro: BNH, 1972. _____________________. Os bancos e a solução dos problemas de desenvolvimento urbano. Rio de Janeiro: BNH, 1972. _____________________. Planejamento Controvertido. Rio de Janeiro: BNH, 1977. _____________________. Estratégia e programas de desenvolvimento urbano: a experiência brasileira. Rio de Janeiro: BNH, 1973. ENCONTRO de Prefeitos das Capitais sobre Desenvolvimento Urbano. Garanhuns, fevereiro de 1973. Rio de Janeiro: BNH; Secretaria de Divulgação, 1973. MARICATO, Ermínia (org.) A produção capitalista da casa e da cidade. São Paulo: Ed. Alfa Omega, 1979. ______________. Política habitacional no Regime Militar: Do milagre Brasileiro à Crise Econômica. Rio de Janeiro: Ed. Vozes,1987. ______________. Por um novo enfoque teórico na pesquisa sobre habitação. Cadernos Metrópole (PUCSP), v. 21, p. 33-52, 2009. São Paulo: PUC, 2009. SINGER, Paul. Evolução da Economia Brasileira: 1955-1975. São Paulo: Estudos CEBRAP, 1977. SERRAN, João Ricardo. O IAB e a Política Habitacional. São Paulo: Schema, 1976. 44 Notas 1. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Jacques Pilon: modernismo e mercado imobiliário Jacques Pilon: modernism and the real estate market Jacques Pilon: modernismo y el mercado inmobiliario Escola da Cidade - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (2012). Atualmente é arquiteta da Secretaria da Habitação da Prefeitura de São Paulo. 2. Resposta do Instituto de Arquitetos do Brasil à Comissão Especial para elaborar anteprojeto de lei para reformular a estrutura do Banco Nacional de Habitação criada pelo Congresso Nacional – preparado pela Marina Rosenfeld Sznelwar1 Orientadora: Profa. Dra. Joana Mello Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida entre 2008-2009 com financiamento do Núcleo de Pesquisa da Escola da Cidade CEPHA-GB atendendo solicitação do Conselho Superior do IAB (SERRAN, 1976). O objeto da pesquisa aqui apresentada foi estudar a obra do arquiteto francês Jacques Émile Paul Pilon (1905-1962) em São Paulo (19341962), inicialmente desenvolvida com o engenheiro civil Francisco Matarazzo Neto (1910-1980) e, a partir de 1940, com a colaboração de outros arquitetos, entre eles os alemães Herbert Dushenes (19142003) e Adolf Franz Heep (19021978), o italiano Gian Carlo Gasperini (1926-) e o brasileiro Jerônimo Bonilha Esteves (1933-). A pesquisa investigou a contribuição do arquiteto e de seus escritórios para a construção de São Paulo em um período em que a cidade passava por um intenso processo de metropolização. Para tanto, buscou-se debater a sua participação nas discussões acerca da arquitetura moderna e a sua atuação no mercado imobiliário que então se estruturava em bases empresariais. A pesquisa esteve vinculada ao projeto temático desenvolvido junto à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), São Paulo: os estrangeiros e a construção da cidade, com apoio da FAPESP, que teve como proposta estudar a cidade e seus processos de transformação física, demográfica, social e cultural a partir do final do século XIX, através da análise da presença dos estrangeiros e de sua produção na cidade. The object of the research presented here was to study the work of the french architect Jacques Émile Paul Pilon (1905-1962) in São Paulo (1934-1962), initially developed with the civil engineer Francisco Matarazzo Neto (1910-1980) and, from 1940 on, in collaboration with other architects, among them the germans Herbert Dushenes (19142003) and Adolf Franz Heep (19021978), the italian Gian Carlo Gasperini (1926-) and the brazilian Jerônimo Bonilha Edwards (1933-). The research investigated the contribution of the architect and its offices for the construction of São Paulo in a period when the city went through an intense process of metropolization. Therefore, the research tried to understand their participation in the discussions concerning modern architecture and his role in the process of a structuring real estate market. The research was linked to the thematic project developed at the Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), São Paulo: foreigners and the construction of the city, with the support of FAPESP, whose proposal was to study the city and its physical, social, cultural and demographic transformation processes from the late 19th century on, through the analysis of the presence of foreigners and their role in the production of the city. El objeto de la investigación que presentamos fue estudiar la obra del arquitecto francés Jacques Émile Paul Pilon (1905-1962) en São Paulo (1934-1962), desarrollado inicialmente con el ingeniero civil Francisco Matarazzo Neto (19101980) y, a partir de 1940, en colaboración con otros arquitectos, entre ellos los alemanes Herbert Dushenes (1914-2003) y Adolf Franz Heep (1902-1978), el italiano Gian Carlo Gasperini (1926-) y el brasileño Jerônimo Bonilha Edwards (1933-). La investigación investigó la contribución del arquitecto y sus oficinas para la construcción de Sao Paulo en una época cuando la ciudad pasó por un intenso proceso de metropolización. Con ese objetivo, se buscó discutir su participación en las discusiones sobre la arquitectura moderna y su papel en el mercado inmobiliario en estructuración. La búsqueda estuve relacionada con el proyecto temático desarrollado en la Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), São Paulo: los extranjeros y la construcción de la ciudad, con el apoyo de la FAPESP, cuya propuesta fue el estudio de la ciudad y su transformación física, social, cultural y demográfico a partir de finales del siglo XIX, a través del análisis de la presencia de los extranjeros y su papel en la producción de la ciudad. Palavra-chave: Jacques Pilon, São Paulo, estrangeiros Keyword: Jacques Pilon, São Paulo, foreigner Palabras-clave: Jacques Pilon, São Paulo, extranjeros 45 1. Introdução Jacques Pilon faz parte de um conjunto de arquitetos estrangeiros que vieram a São Paulo a partir da década de 1930 e colaboraram através de sua atuação no mercado imobiliário para a construção da cidade. Entre esses arquitetos estavam Lucjan Korngold (1897-1963) (FALBEL, 2003), Giancarlo Palanti (1906-1977) (SANCHES, 2004), Gregori Warchavchik (1896-1972) (LIRA, 2008; FARIAS, 1990; FERRAZ, 1965), Bernard Rudofsky (1905-1988) (GUARNIERI, 2003), Francisco Beck (1901-1990), Daniele Calabi (1906-1964) (ZUCCONI, 1992). Ao contrário dos arquitetos citados que mereceram cuidadosos estudos sobre sua formação na Europa e atuação naquele continente e no Brasil, o trabalho de Pilon e os projetos desenvolvidos em seus escritórios, permaneciam menos estudados. Uma questão que problematiza o lugar de Pilon na bibliografia é o fato do projeto da Biblioteca Mário de Andrade fazer parte da exposição Brazil Builds realizada no Museu de Arte Moderna de Nova York em 19422 e não fazer mais parte do livro do Mindlin, o que significa uma seleção clara do que era considerado moderno antes e depois da exposição. Isso talvez explique o fato de sua obra não ser mais valorizada, sendo pouco investigada e quando analisada sempre com ressalvas. Retratado por Carlos Lemos como um homem pragmático, que olhava atentamente para as conveniências financeiras ou econômicas de seus empreendimentos e se dedicava quase que exclusivamente à construção de edifícios comerciais e residenciais no centro de São Paulo, Pilon atenderia de “modo pouco crítico e criativo às demandas do mercado imobiliário”(LEMOS, 1983, p.4). Talvez por isso a sua obra não tenha merecido a mesma atenção que a dos arquitetos acima mencionados. Contudo, Ilda Castello Branco (2002), afirma que Pilon contribuiu para a difusão de certos preceitos da arquitetura moderna na cidade, como a racionalização do projeto, a partir da compactação e 46 funcionalidade dos ambientes, da padronização de elementos construtivos e da relação estreita com métodos racionalizados de construção. Por isso, a autora considera importante estudar a sua obra, ainda que tenha privilegiado a obra construída até os anos 1940 (BRANCO, 2002). Diante disso, a pesquisa desenvolvida se propunha a estudar a produção de Jacques Pilon em São Paulo de 1934, quando se estabelece na cidade e abre a Construtora Pilon & Matarazzo Ltda - Arquitetos, Engenheiros e Construtores (PILMAT) a 1962, quando vem a falecer. Durante todos esses anos Pilon contribuiu para a construção da cidade de São Paulo com diferentes parceiros e produziu por volta de 300 projetos a maior parte deles em São Paulo. Mas Pilon também construiu em Bauru, Belo Horizonte, Catanduva, Guarujá, Jundiaí, Maringá, Piracicaba, Pelotas, Poços de Cauda, Rio de Janeiro, Santos, São Bernardo, São Vicente, Tatuí e Taubaté3. Da mesma forma que não se investigou ainda a produção completa de Pilon, pouco se questionou também, com exceção de Adolf Franz Heep (BARBOSA, 2002), a exata contribuição de cada um dos arquitetos que trabalharam para os escritórios do arquiteto. É possível perceber, contudo, uma mudança em sua produção que coincide com o período de colaboração de cada um dos arquitetos, como mostraremos a seguir. Para compreender melhor sua obra dividimos sua produção em três fases, que não são consideradas rupturas porque tem questões comuns, mas que indicam algumas características específicas que permitem essa divisão. Na pesquisa aqui apresentada, a obra de Pilon não interessou apenas por sua relação com a arquitetura moderna. Isso porque acredita-se que a partir de sua produção seria possível recuperar também a história da construção de São Paulo num período de grandes transformações arquitetônicas e urbanísticas, assim como a inserção e a contribuição do estrangeiro nessa construção, tal como proposto pelo grupo temático ao qual se vinculou este trabalho. Dessa forma, a partir do olhar e compreensão dos projetos de Pilon, pretende-se estudar como a cidade foi pensada e construída no período, e como os arquitetos estrangeiros colaboraram para isso, tomando como guia os edifícios de habitação, os quais tiveram uma importância destacada durante o período de atuação dos escritórios de Jacques Pilon. Para a realização da pesquisa foram buscadas diversas fontes. As primeiras consultadas foram as fontes secundárias ou bibliográficas a partir das quais realizamos uma revisão dos temas relativos à pesquisa: sobre o arquiteto Jacques Pilon e sua obra; sobre os arquitetos estrangeiros que contribuíram para o processo de metropolização de São Paulo; sobre a relação dos arquitetos com o mercado imobiliário; sobre a cidade e os processos de verticalização e de metropolização em curso no período. 2. Jacques Pilon e as diferentes fases do escritório Jacques Pilon nasceu em Le Havre, na França, em 1905. Chegou ao Brasil em 1914, aos cinco anos de idade. Seu pai, Émile Pilon, era diretor do Porto de Le Havre, o maior importador do café brasileiro naquele período. Quando estourou a Primeira Guerra Mundial ele estava no Brasil, sendo nomeado interventor dos negócios franceses no país, onde permaneceu. Passou a trabalhar como interventor dos negócios franceses e foi morar em São Paulo – toda a família se mudou para o Brasil até o final da Guerra. Pilon retornou à França em 1919 para estudar na École Nationale Supérieure de Beaux-Arts de Paris, onde se formou em 19324. Também se formou na faculdade de direito de Paris e fez a escola Militar em Sancerre. Ainda se sabe pouco sobre o período em que viveu em Paris, sobre a sua formação e sobre os seus professores. Recém-formado, em 1933 Pilon retornou ao Brasil, trabalhando inicialmente na construtora do arquiteto escocês Robert R. Prentice, sócio do austríaco Anton Floderer, no Rio de Janeiro. Em 1934, Pilon se transferiu para São Paulo para acompanhar a obra do Edifício da Sul América de Capitalizações - Sulacap (1933-1934), concebido por Prentice. O edifício trouxe referências da arquitetura comercial norte americana para a cidade e, segundo Ilda Castello Branco, foi considerado um modelo de edifício de escritório de alto padrão (BRANCO, 2002, p.56). Porém, segundo Paulo Ormindo de Azevedo (2007), na década de 1930 circulavam revistas e arquitetos de formação alemã que in- fluenciavam na arquitetura brasileira, assim como a atuação de profissionais germânicos que estavam com grande presença no mercado. Desta forma é possível dizer que as referências alemãs também estavam presentes no Edifício Sulacap, suas fachadas lisas e as janelas de canto. Prentice desenhou este edifício com a entrada na esquina, arremates curvos, janelas com ritmo bem marcado, espaços de trabalho e de circulação amplos, preocupou-se com a boa iluminação e ventilação dos espaços e com a segurança das instalações elétricas, hidráulicas e contra incêndio. O primeiro pavimento abrigava os conjuntos comerciais e os demais pavimentos as salas de escritórios, adotando-se uma solução que se popularizou na área central5. Neste mesmo ano, Pilon associou-se ao engenheiro brasileiro Francisco Matarazzo Neto para fundar a construtora PILMAT, em São Paulo. É possível afirmar que a sociedade dá início a primeira fase de sua produção (1934-1948) (MELLO, 2008). Esta primeira fase do escritório englobou tanto os projetos da PILMAT como o período em que Dushenes era chefe do escritório individual de Jacques Pilon. Na PILMAT foram desenvolvidos edifícios públicos, residenciais, mas em sua maioria comerciais, que eram muitas vezes empreendimentos individuais destinados ao aluguel6. A empresa participou também de concursos de grandes obras públicas, como os realizados para o Viaduto do Chá (1934) e para o Viaduto General Olímpio da Silveira (sobre a avenida Pacaembu). No primeiro concurso o projeto apresentado pela PILMAT foi classificado em terceiro lugar, enquanto no segundo a empresa saiu vencedora, o projeto sendo fielmente executado. As obras deste período estão relacionadas à experiência com Prentice e às obras do Sulacap a primeira encomenda da PILMAT em São Paulo. O projeto teve repercussão no desenvolvimento futuro do escritório, especialmente na produção para o mercado imobiliário, isso pode ser notado nas características dos edifícios comerciais, e em certa medida residenciais como o edifício Santo André (1935) localizado na Avenida Angélica esquina com a rua Piauí. Notadamente os edifícios construídos na rua Marconi, também ilustram a influência do Edifício Sulacap. Por exemplo o edifício São Manoel, assemelha-se na volumetria que acompanha o traçado da esquina, janelas de canto, as linhas da marquise, o ritmo e proporção das aberturas, mas, sobretudo, na composição da fachada, lisa, com marcação das linhas horizontais. Essas características também 47 estão presentes em outros edifícios construídos na mesma rua, como o Edifício Ângela Loureiro (19381940) do Escritório Técnico Ramos de Azevedo Severo - Villares Cia. Ltda e o Santa Leonor (19381940) projetado pelo arquiteto Otávio Lotufo e construído pela construtora Richter & Lotufo Ltda. Todos os edifícios foram construídos em concreto armado, uma tecnologia que nos anos 1930 se tornou mais comum, alguns deles, como o edifício Sulacap, marcado também por uma geometrização e abstração, que podem ser identificadas como uma tendência “moderna”(PINHEIRO, 1997). Esta maneira de construir atendia a um dos principais anseios de Pilon: a racionalização e economia da construção, algo que se revelava do ponto de vista estético na simplificação da arquitetura, na adoção de elementos construtivos modulados e de simetria, no emprego de soluções que facilitavam a execução do edifício e de sua estrutura em concreto armado. Se, como aponta Joana Mello (2008), a preocupação com a economia e racionalização da construção era presente na obra de Pilon no período, essa mesma preocupação não acarretou nesse primeiro momento, uma mudança no seu modo de conceber os projetos, que ainda continuavam vinculados ao academicismo (MELLO, 2008). Dos edifícios concebidos por Pilon na PILMAT a sua a obra mais conhecida é a Biblioteca Mário de Andrade (1935). A biblioteca segue as mesmas características dos edifícios anteriores, principalmente a ausência de ornamentação, a marcação das linhas horizontais, a orientação clássica da composição, a harmonia de proporções entre cheios e vazios, a impressão de solidez e a capacidade de desenvolver um programa complexo, que abriga funções diversas. O projeto saudado pelos periódicos nacionais, faz parte também da famosa exposição Brazil Builds (GOODWIN, 1943, p.135). Pode se dizer que existiam dois grupos de edifícios, primeiramente os relacionados ao Sulacap como foi mostrado anteriormente, mas também os edifícios semelhantes à Biblioteca Municipal Mario de Andrade, que era mais clássico tanto nas plantas como na organização do programa. Há ainda um grupo de projetos ecléticos formado por residências unifamiliares e edifícios residenciais, como o São Luís. Se nos edifícios de escritórios Pilon adotava como partido geral a simplificação dos elementos arquitetônicos, preocupado com os custos e a rapidez da construção, nas residenciais unifamiliares e edifícios residenciais, a grande preocupação de Pilon, era com o sentimento das famílias, que solicitavam certo estilo e o arquiteto projetava (BRANCO, 2002). 48 De fato, analisando o projeto para o edifício São Luiz no acervo da FAUUSP, verificamos que havia outras propostas para as fachadas, que eram ora mais ornamentadas e ora mais desprovidas de ornamentos, próximas da linguagem moderna ou art déco. Dessa forma, diferentemente dos edifícios comerciais, que eram destinados à aplicação de um capital e para um público mais diversificado, os edifícios residências e as residências unifamiliares parecem estar mais ligadas às ideias saudosistas dos seus proprietários (BRANCO, 2002). Pilon atuou na PILMAT até junho de 1940, ao contrário do que fora afirmado pela bibliografia para quem a parceria tinha se encerrado em 1939. Segundo o filho mais velho do arquiteto, a sociedade terminou por conta da invasão da Alemanha à França durante a Segunda Guerra Mundial. No ano seguinte, Pilon abriu um novo escritório de projetos e construção próprio chamado Jacques Pilon, arquitetura e construção, onde atuaram como chefes de escritórios Herbert Dushenes, Franz Heep, Gian Carlo Gasperini e Jerônimo Bonilha, além de outros desenhistas estrangeiros cujos nomes não foi possível levantar. Dushenes nasceu em Hamburgo na Alemanha e estudou na Technischen Hochschulen de Praga7 até 1939, quando abandonou os estudos seis meses antes de se formar. Junto com outro irmão, Duschenes decidiu emigrar diante do avanço nazista, fugindo para a Hungria, passando pela Itália e até chegar na Suíça, e com sua família, foram para a Inglaterra e então para o Brasil. Em entrevista a Joana Mello, o arquiteto Gian Carlo Gasperini, afirmou que quando entrou no escritório em 1951, Dushenes já tinha saído, mas sabia que ele era o responsável pelos projetos neoclássicos do Pilon, que eram de alta qualidade.8 Então esta primeira fase do escritório do Jacques Pilon se configura primeiramente pelos trabalhos realizados pela PILMAT, e posteriormente com Dushenes como chefe de projetos. É possível perceber que a maioria dos projetos são de edifícios comerciais, e fazem parte de um momento mais conservador do escritório, uma atitude mais vinculada à academia que aparece na composição geral dos edifícios. Porém não havia uma única forma de projetar, foram feitos edifícios com características modernas como o Edifício Sulacap, clássicas como a Biblioteca Mario de Andrade e ecléticas como a identificada no Edifício São Luis. O arquiteto Heep trabalhou no escritório de Pilon entre 1947 e 1950, modificando, segundo Barbosa (2002), de maneira decisiva a produção de Pilon ao impor o abandono das características acadêmicas do início da carreira em favor da arquitetura moderna. Ainda segundo o mesmo autor, Heep deu leveza e movimento às obras de Pilon através da volumetria recortada e sinuosa, do jogo entre simetria e assimetria, dos brises-soleil, dos elementos vazados, das venezianas e das varandas, características que definem os edifícios d’O Estado de S. Paulo (1948-1953) e da Casa da França (1950) (BARBOSA, 2002). Neste novo contexto, é possível perceber uma alteração tão significativa em sua produção arquitetônica, que uma nova fase se inicia. Nesta segunda fase (1948-1958) a chefia do escritório passa de Dushenes para o Heep. Além disso, a cidade e os investimentos imobiliários passavam por grandes mudanças. Em 1942, é promulgada pelo governo federal a Lei do Inquilinato, que congelava por tempo indeterminado os aluguéis, tornando o investimento no mercado rentista, característico da primeira fase do escritório, desinteressante. Influenciado por esta lei, pela intensa urbanização, pela expansão das classes médias e pelo aumento do crédito imobiliário, o mercado imobiliário altera sensivelmente o seu tipo de investimento (SOUZA, 1994). O mercado imobiliário deixa, então, de investir prioritariamente em edifícios comerciais destinados ao aluguel, para investir no mercado de compra e venda de edifícios residenciais, construídos em sua grande maioria no centro novo e expandido. As classes médias são o principal alvo desse mercado imobiliário que, em virtude da restrita capacidade de compra dessa camada da sociedade, investe inicialmente em pequenos apartamentos, inspirados nos hotéis norte-americanos, conhecidos por quitinetes. As quitinetes garantiam aos membros da classe média o acesso a moradia no centro, ou seja, em áreas providas de toda a infra-estrutura urbana e onde se concentravam os empregos da cidade. A colaboração de Heep ocorre prioritariamente nesse momento (1948-1951), o arquiteto alemão se destacou pela qualidade dos edifícios que concebeu na cidade. Segundo Barbosa (2002, p.178), Heep estava totalmente afinado com os ideais da arquitetura funcionalista dos anos de 1920 e 1930, época de sua formação em Frankfurt, com professores como Walter Gropius e Adolf Meyer, chegando a colaborar com Meyer no departamento Municipal de construções de Frankfurt Am Main de 1926 a 1928, portanto sofrendo a influência das experiências habitacionais desenvolvidas por Ernest May nos bairros de Hohenblick e Romerstadt, com a racionalização dos métodos construtivos. E em um segundo momento Heep estudou na École Specia- le d’Architecture com Mallet Stevens em 1928, quando migrou para a França. Nesta época colaborou com André Lurçat, Le Corbusier (no trabalho de canteiro) e Jean Grinsberg de quem foi colega na École Spéciale e sócio de 1936 até 1945. É possível verificar que seus projetos refletem as influências de sua formação e os ideais da época, como a industrialização dos elementos desde a estrutura até a caixilharia. No escritório de Pilon, com a chegada de Heep, alguns edifícios foram repensados, dentre eles o edifício Atlanta (1945-1949), o edifício R. Monteiro (1945-1948), o Vicente Filizola (1943-1952), o edifício Salim Farah Maluf (19451951), o edifício Santa Mônica (1947-1950), o Basílio Jafet (1946-1950) e o Liga das Senhoras Católicas (1949-1950). A partir de 1957, com a promulgação de um novo Código de Obras, que estabelecia um coeficiente de aproveitamento para edifícios comerciais e residenciais - menor do que os aplicados até aquele momento - e uma área mínima de 35 m2 para apartamentos - a construção de quitinetes é desestimulada, incentivando-se a construção de edifícios de 1 a 3 dormitórios destinados a um público de maior poder aquisitivo (ROSSETTO, 2002). Nessa nova fase, ao contrário da primeira quando predominavam os investidores individuais, os principais investidores e promotores da construção dos edifícios na cidade são empresas imobiliárias, bancos, institutos de previdência e, em menor escala, sociedades particulares9. O setor passa a se organizar em moldes empresariais, consolidando a atividade de incorporação, que englobava a promoção, construção e a comercialização de imóveis. O incorporador participava em muitos casos do investimento da compra do terreno e venda dos apartamentos, passando pela elaboração do projeto, por sua aprovação na Prefeitura e construção. Mas existiam diferentes incorporadores atuando na cidade, como aponta a pesquisa de doutorado de Rossela Rosseto (2002) e o trabalho da Maria Adélia de Souza (1994). No escritório, Pilon era agenciador e empresário, organizava os projetos na busca por diferentes trabalhos e continuava com as encomendas individuais. Além de Heep, contribuiu para essa segunda fase da obra de Pilon, o arquiteto italiano Gian Carlo Gasperini. Com Gasperini, Pilon realizou os edifícios residenciais Paulicéia e São Carlos do Pinhal (1956) e o edifício de escritórios Barão de Iguape (1956). Nos primeiros desenhos para o edifício Paulicéia, os arquitetos assimilaram as lições de Heep no desenho uniforme das fachadas, definido por caixilhos e venezianas padronizadas, ao 49 mesmo tempo em que características da chamada arquitetura carioca são introduzidas por Gasperini. Abrigando três tipos de apartamentos por andar, o projeto dispensa a dependência de empregada no apartamento de quarto e sala, algo raro nos empreendimentos imobiliários de alto padrão à época, mas já presente nos apartamentos tipo quitinetes, como o edifício Porto Feliz (1941) na praça da República, da primeira fase da obra de Pilon. Gasperini desenvolveu diversos projetos iniciados por Heep quando trabalhava no escritório de Jacques Pilon, dentre eles, o Edifício do Estado de São Paulo, uma fábrica em Taubaté, um banco francês em São José dos Campos e a Aliança Francesa em São Paulo. O do Banco Moreira Sales foi desenvolvido a partir do projeto da firma americana Skidmore, Owings and Merril (SOM) que empregou nas fachadas a cortina de vidro, marca registrada dos edifícios do gênero inspirados na obra de Mies van der Rohe (1886-1969). Para a realização deste projeto, Moreira Sales pediu a Pilon, para que o arquiteto fosse aos Estados Unidos. Gasperini acaba indo para Nova York trabalhar no projeto no SOM, trazendo modelos de fachadas típico do escritório, mas gostaria de ter realizado o seu projeto, que segundo ele era um projeto carioca10. Nessa segunda fase é possível concluir que a maioria dos edifícios projetados pelo escritório era residencial e podemos notar a proeminência da arquitetura moderna que se manifestava na relação entre arquitetura e engenharia. Na terceira e última fase (1958-62) do escritório de Jacques Pilon, o chefe do escritório é o jovem Jerônimo Bonilha Esteves, que dois meses depois de formado, em 1958, foi trabalhar no escritório do arquiteto francês. Segundo o relato de Bonilha11 o escritório do Pilon se organizava em um esquema enxuto e realizava obras importantíssimas. Pilon era o dono que, de maneira sábia, cultivava as amizades socialmente importantes, arrumava o cliente e conduzia o escritório. Havia uns cinco ou seis desenhistas projetistas, um engenheiro, um contador e uma secretaria. Desta maneira, o escritório fazia o projeto e cuidava da obra, escolhia as construtoras e empreiteiras, fazia orçamentos. Pilon dirigia a obra, contratava empresas especializadas, muitas delas estrangeiras. Bonillha se tornou chefe do escritório e passou a coordenar o desenvolvimento do projeto e acompanhamento da obra do Banco do Moreira Salles. A maioria dos componentes da obra eram importados, porque aqui não existia ainda na década de 1950, uma indústria da construção civil de fato 50 estruturada. Neste período, as obras mais noticiadas foram: a Sede do Banco Lar Brasileiro (1959), que tinha como referência outro projeto do SOM. Para Paulo Bruna (1988), no projeto Sede do Banco Lar Brasileiro foi retomada a solução de fachada empregada no Barão de Iguape e no Liceu Pasteur, onde se “nota o uso de fortes estruturas de concreto aparente, o uso de cobogós, gárgulas e as cores típicas da arquitetura paulista dos anos 1960” (BRUNA, 1988, p.139). Porém segundo Bonilha12, “o Liceu (Pasteur) foi feito com uma construtora francesa que trouxe a tecnologia para se fazer concreto aparente, como o Le Corbusier fazia. Foi uma das primeiras obras que utilizou concreto aparente e pintaram, ainda ninguém pintava”. Durante essa terceira fase, o escritório passava por dificuldades em virtude da diminuição sensível das encomendas. A arquitetura moderna paulista passou a ganhar espaço e se começou a questionar a relação da arquitetura com o mercado imobiliário. Como foi apontado, a obra de Pilon em São Paulo, pode ser dividida em três fases, que se definem tanto pelo caráter geral de sua produção, pela contribuição específica de cada um dos seus colaboradores, pela maneira como o mercado imobiliário se estruturava e a relação do escritório com o crescimento de São Paulo. Em cada uma dessas fases, Pilon encontrou em São Paulo um espaço e uma situação para que seu escritório pudesse se estruturar em moldes empresarias e produzir em larga escala. Dessa forma, o arquiteto contribuiu para a consolidação de uma das faces do processo de metropolização da cidade, a verticalização das áreas centrais, nesse período se destacaram outros arquitetos estrangeiros, entre eles os já citados Herbert Duschenes, Franz Heep e Gian Carlos Gasperini, além de Lucjan Korngold, Francisco Beck e Giancarlo Palanti. 3. A construção da cidade pelo mercado imobiliário a partir de quatro projetos do escritório Jacques Pilon Os edifícios São Luiz, Goytacaz, Atlanta e Paulicéia parecem sintetizar a produção dos escritórios de Jacques Pilon, as mudanças de sua produção conforme os chefes de escritório e a sua ação no processo de verticalização de São Paulo. Segundo Nadia Somekh (1997) a verticalização que em São Paulo começou nos anos 1920, passou por várias fases13. Uma primeira fase mais intensificada outra de constituição do mercado em bases empresarias, ocorrida sobretudo a partir dos anos 1940, acompanhada da incorporação imobiliária, que em uma terceira fase, começaria a ser controlada pelo poder público. Na primeira fase da verticalização da cidade, houve a promulgação do Código de obras Arthur Saboya, em 1929, que visava assegurar um crescimento racional das edificações (FELDMAN, 2005, p.62). Porém, as principais críticas feitas ao código foram: a falta de um plano coerente de zoneamento, providências inadequadas para a aprovação de plantas e fiscalização da construção, tratamento insuficiente dos problemas de higiene e segurança pública, regulamentação deficiente do loteamento e ausência de qualquer preocupação estética. A partir dos anos 1930 a verticalização se intensificou, acompanhando a transformação do mercado imobiliário estruturado em bases familiares para um mercado imobiliário de bases empresarias. Neste período, o Estado passou a investir em infraestrutura urbana e intervir no setor de edificações mediante às legislações urbanas, caixas econômicas e fundos de financiamentos. Esta fase se consolidou como fase rentista, os edifícios eram construídos para aluguel, na época, a melhor opção de investimento. A classe média, muito interessada neste processo, passa a se aliar com a burguesia que aplicava os seus lucros na construção de edifícios para aluguel. Segundo Carlos Lemos, essa década foi o tempo de propagação do concreto armado e os edifícios residenciais, passaram a ser aceitos, pois a solução de moradia coletiva era até então altamente rejeitada pelo gosto popular, especialmente pela classe média, que não admitia ‘promiscuidades’ que via nos cortiços da cidade (LEMOS, 1983, p.136). Durante a década de 1940, a verticalização se expande. As plantas dos edifícios repetem as soluções de casa térreas: corredores, saletas, salas de almoço junto à cozinha, e de jantar junto à de estar, os edifícios reproduzem as plantas dos palacetes. Um bom exemplo dessa solução é o Edifício São Luiz (1939-1942). Ele começou a ser desenvolvido pela PILMAT, e foi concluído pelo Escritório Jacques Pilon. O projeto interessa porque é um exemplar de mudança do estatuto do escritório e das parcerias. O edifício São Luiz era habitado por uma classe média alta, Jacques Pilon morou nele durante alguns anos14. O cliente Roberto Alves de Almeida, fazendeiro de café e banqueiro (proprietário de outro edifício projetado pelo escritório na Avenida Nova Anhangabaú esquina com a Rua Francisco) teria exigido o desenho eclético e não havia concordado com outra versão mais moderna (BRANCO, 2002). O edifício, implantado na esquina da rua Ipiranga com a avenida São Luiz, demandava um desenho da fachada de esquina diferenciado em função dos recuos exigidos pela legislação. Pilon optou por arredondar o edifício na esquina para que fosse possível uma circulação facilitada na calçada. A fachada foi muito estudada15, nas diversas versões podemos verificar desenhos com menos ornamentos, que se aproximam da fachada dos edifícios na rua Marconi, em uma composição mais clássica. Porém, na versão final a fachada o desenho é eclético e se aproxima de certos edifícios franceses. Se analisarmos o programa, edifício residencial, com comércio no térreo, é possível dizer, que o desenho da fachada é marcado pelo uso residencial. Há um coroamento da marquise, que diferencia o uso. O edifício, em sua implantação final foi desenhado com duas fachadas parciais e duas fachadas cegas para os terrenos vizinhos, a circulação vertical é central por onde se acessa os apartamentos, no qual a circulação interna horizontal é realizada pelos corredores devido a setorização da planta. Neste período houve uma mudança de escala na produção imobiliária, que se intensificou e ocorreu em diferentes segmentos do mercado imobiliário. Em 1942, com a Lei do Inquilinato, foi alterado o modo de produção dos edifícios, iniciou-se um processo de produção para venda, surgiu a incorporação, os condomínios, decorrente de um desestimulo à produção rentista. No campo do urbanismo, segundo Sarah Feldman, a prática inovadora se daria nas formas de controle do uso e ocupação do solo, com demarcação de zonas, articulação de índices urbanísticos definidores de funções, recuos, coeficientes de aproveitamento e taxa de ocupação. Entre o final dos anos 1940 e ao longo dos anos 1950 inúmeros decretos são emitidos definindo extensas áreas exclusivamente residenciais e vias destinadas à verticalização. Avenida 9 de julho, é um exemplo para compreendermos melhor esse período. Essa avenida revela um momento de transformação da cidade, Adriano Augusto Bosetti estudou esse processo e segundo ele, a modernidade na arquitetura encontrou na avenida significativa possibilidade de expressão: “valendo-se cada vez mais dos crescentes avanços na área da indústria da construção civil com o apuro na produção seriada de elementos construtivos pré-fabricados, os arquitetos e engenheiros puderam desenhar edifícios com as mais variadas soluções” (BOSETTI, 2002). O Edifício Goytacaz (1942-44), localizado na avenida Nove de Julho, cujo cliente era Benedito Manhães Barreto, um banqueiro e industrial, também proprietário do Edifício Barão de Ramalho na avenida, é o 51 exemplo desse período. O edifício ainda traz referências mais clássicas na solução do programa, são diferentes tipos de apartamentos, a área molhada está próxima da circulação vertical, separando área de serviço e de estar. Ao mesmo tempo, o projeto da estrutura mostra uma preocupação na liberdade para desenhar os quartos e salas, espaços servidos que por uma questão funcional estão separados dos espaços servidores (cozinha, banheiro e área de serviço). No projeto final, o edifício foi desenhado com três fachadas parciais, uma delas possui uma varanda e na outra as aberturas são para um vazio interno. Duas fachadas cegas, uma para o lote lateral e a outra para o posterior, a circulação vertical é perimetral interna, por onde se acessa os apartamentos, cujas plantas são organizadas pela setorização dos ambientes. Ao analisar os desenhos no Arquivo da FAUUSP verificamos diversos estudos das fachada e perspectivas desenhadas por Herbert Dushenes que revelam a maneira como o edifício e seus detalhes eram projetados. Parece ter sido projetado para uma classe média, porém com ideais ainda burgueses, as perspectivas internas mostram uma casa francesa, foram feitos vários estudos dos ornamentos, detalhes das escadas, croquis das grades do balcão. O desenho dos porta-leites, é indicado a vivência na cidade ainda provinciana, era um momento de contradições São Paulo se transformava em industrial, porém esses detalhes refletem ainda, uma vida mais provinciana. Na década de 40 e 50, as companhias de capitalização, caixas econômicas e empresas de seguros investiram em construções de edifícios para as diferentes classes sociais. Em São Paulo, também são construídos os conjuntos pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões, que visavam um barateamento na construção, uma racionalização e verticalização. A verticalização que primeiramente era comercial passa a ser residencial. Surgem novas formas de morar, destinadas à classe média as quitinetes. Segundo Figueroa, […] ao se pensar o problema e a configuração de uma habitação coletiva não há a figura de um cliente e nem de uma família, portanto nenhuma informação específica ou pessoal de quem irá morar. Há sim, por parte de quem idealiza, seja ele promotor público ou privado, uma noção genérica de quem poderá morar. Portanto, têm-se inevitavelmente um recorte socioeconômico do critério de configuração programática. (FIGUEIROA, 2002, p.227) No escritório de Jacques Pilon foram construídos alguns edifícios quitinetes, como o Edifício 52 Atlanta (1945-1949), localizado na Praça da República. O prédio era um investimento pessoal de Jacques Pilon. A partir da leitura dos processos é possível especular sobre os usos que o edifício teve e quais foram as modificações necessárias para que o projeto fosse aprovado. Primeiramente em 1945, parece ter sido um edifício comercial, pois nas plantas diziam salas, possivelmente salas de escritórios; em 1946, tem uma nota dizendo que os sanitários terão ventilação permanente, o que significa exigência da prefeitura e em 1948 temos dormitórios. Esse edifício contou com a colaboração do arquiteto Adolf Franz Heep, que trouxe novidades na forma de projetar. Seus projetos, principalmente em suas inúmeras quitinetes no centro de São Paulo, visavam a satisfação das necessidades mínimas do homem conforme defendido por Gropius e Le Corbusier. A partir de suas experiências na Europa, Heep traz o desenho de elementos construtivos adaptados para São Paulo: a utilização de brises, uma racionalização e, se possível, simplificação da estrutura e nas plantas dos apartamentos salas e dormitórios integrados em que se compartilha as atividades sociais e íntimas. Entre 1945-1949, o edifício passou por diversas alterações promovidas por Heep do projeto original. Na descrição de Barbosa (2002, p.42), as venezianas de correr, em alumínio, protegem e integram a sala ao terraço que se abre para a praça. As jardineiras funcionam como guarda - corpo, dando uma característica peculiar a este prédio, isso se vê no conjunto de edificações de frente para a praça, compondo a fachada juntamente com o edifício Esther de Álvaro Vital Brasil e Adhemar Marinho, de 1936. O Edifício Atlanta, se comparado a outros projetos de quitinetes na mesma época, mostra uma enorme qualidade, com uma regularidade na multiplicação das unidades esse edifício além de responder ao aproveitamento dos espaços trazia altas possibilidades de lucro. O desenho da implantação final do edifício é constituído por uma fachada plena para a Praça da República, uma fachada parcial e duas fachadas cegas. A circulação vertical é perimetral interna, por onde se acessa os apartamentos, cuja planta é axial. Na cobertura são destacados quatro andares, onde Heep desloca o volume superior para a lateral, encostando na edificação vizinha, possibilitando aberturas na outra lateral, então a fachada é composta nesse desenho assimétrico. É possível dizer que o processo de verticalização as legislações tiveram um papel muito mais incentivador do que inibidor, limitava a altura dos edifícios a partir da largura das ruas, mas era flexibilizada se fossem feitos recuos escalonados, como ocorria na legislação americana. No edifício Atlanta, os processos de aprovação do prédio demonstram a possibilidade de reinterpretar a legislação. Através da atuação de Pilon, que entra com recurso na prefeitura, o projeto foi aprovado em conjunto com outros dois o Santa Mônica, realizado pelo escritório do arquiteto francês, e o da Bolsa de Imóveis, realizado por Lucjan Korngold. Desse modo, foram exigidos recuos laterais apenas nos edifícios Atlanta e Santa Mônica, constituindo um conjunto integrado dos três edifícios. Além dos prédios residenciais com várias de unidades, que destinam o pavimento térreo para comércio e serviços, os anos 1950 são marcados pelo surgimento de edifícios que agregam múltiplas atividades-cinemas, comércios, restaurantes, escritórios - e incorporam galerias comerciais em ruas internas aos quarteirões (SAMPAIO, 2002). Em 1952, o Código Arthur Saboya foi revisto e um novo foi promulgado, mas as questões permaneceram muito genéricas a respeito dos coeficientes máximos de aproveitamento do terreno e zoneamento, estimulando o surgimento de grandes edifícios, que adensaram a cidade. O Edifício Paulicéia (1955-56) parece interessante porque é um exemplar da participação do arquiteto Gian Carlo Gasperini e do investimento de um novo tipo de cliente, não mais o cliente particular, mas sim o incorporador, neste caso a Sul América Capitalização S/A. Ao mesmo tempo, no projeto do edifício se ensaia a possibilidade de reunir diversos programas além do residencial, um cinema no subsolo, que não foi implantado. São três possibilidades de apartamento, um, dois e três dormitórios que reúnem diferentes classes econômicas de moradores. Foram feitos diversos estudos para a circulação vertical. Em um outro estudo os dois edifícios são diferentes, um deles é arredondado e uma ponte com circulação vertical conecta os dois. Nos apartamentos também foram feitas especulações, existiam exemplos com as varandas por toda fachada, alguns desenhos mostravam a organização da área molhada e circulação vertical na parte central do apartamento. Em 1952, com a promulgação da lei municipal que regulamentava a construção de banheiros sem ventilação direta, isso acontece nos apartamentos de um e três dormitórios deste edifício. A implantação final inova com dois grandes edifícios paralelos no mesmo lote configurando um grande térreo jardim, uma laje que vence o desnível das duas ruas, São Carlos do Pinhal e a avenida Paulista. O edifício foi desenhado com uma fachada plena e três par- ciais, cada apartamento possui no mínimo uma fachada plena e uma parcial. A circulação vertical é perimetral interna, por onde se acessa os apartamentos, também existe uma circulação vertical externa que possibilita o acesso às unidades maiores. A planta foi organizada a partir da setorização da área molhada conectada aos quartos a partir da sala. Se compararmos o edifício Paulicéia com outros edifícios da avenida Paulista como o Conjunto Nacional (1954) do arquiteto David Libeskind, ou Três Marias (1952) e o Nações Unidas (1955-1959) projetados pelo arquiteto Abelardo de Souza, podemos afirmar que na década de 1950 esses edifícios eram grandes empreendimentos inseridos em lotes de grandes dimensões, com diferentes soluções arquitetônicas, porém bem localizados, o que garantia importância para a função terciária (SAMPAIO, 2002). Em relação ao programa há uma variação com comércio, serviços e uma grande área destinada a habitação. No edifício Paulicéia a área destinada para a habitação é majoritária. A solução final parece ser a mais simplificada e eficiente. 4. Considerações finais A partir do debate sobre a participação do arquiteto nas discussões acerca da arquitetura moderna e a sua atuação no mercado imobiliário que então se estruturava em bases empresariais, é possível concluir que Pilon foi muito importante para a metropolização de São Paulo. Durante sua produção, primeiramente na PILMAT, Pilon investiu numa linguagem mais simplificada próxima do art deco, de Perret, e dos alemães, para além da eclética e empregou em larga escala a tecnologia do concreto armado. Em seu escritório particular, a partir as contribuições de Dushenes, Heep, Gasperini e Bonilha, difundiu certos preceitos da arquitetura moderna, como a racionalização compactação e funcionalidade dos ambientes. Se na PILMAT ele se envolve mais diretamente com a concepção dos projetos, em seu escritório particular Pilon vai se tornando cada vez mais um administrador. Nesse papel, ele soube perceber as mudanças em curso e contratar bons arquitetos mais conectados com a produção contemporânea da arquitetura, que tinham alta qualidade e ainda na verticalização da cidade, propunham novas tipologias. O papel de Pilon passa a ser de agenciador e empresário, talvez devido a essa postura de Pilon, os arquitetos colaboradores de seu escritório ganhavam muito espaço para projetar e acabavam 53 sendo reconhecidos como autores dos projetos. Segundo Bonilha, que se tornou chefe de projeto no último período do escritório, Pilon […] via a arquitetura como um meio de vida, de construir coisas bonitas e agradáveis para o cliente. Ele tinha uma sensibilidade grande para responder às demandas do momento, sabia contratar bons arquitetos, em geral mais jovens do que ele. Com isso ele foi acompanhando as mudanças na arquitetura e por isso sua obra teve várias fases a depender do parceiro e do período.16 Porém, Pilon se torna preterido no panorama historiográfico, devido ao seu modo de trabalhar para o mercado imobiliário, sua obra passa a ser pouco investigada e quando analisada sempre com ressalvas, e nunca na totalidade dos projetos, sem considerar as reais contribuições de sua arquitetura para a cidade de São Paulo. Neste trabalho procuramos expor todo seu período de produção, expondo suas obras para serem analisadas como um todo. Desta maneira foi possível construir um outro olhar sobre tal arquiteto. Referências bibliográficas ALBA, Lilian Bueno. 1935-1965: trinta anos de edifícios modernos em São Paulo. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004. AZEVEDO, Paulo Ormindo de. Alexander S. Buddeüs: a passagem do cometa pela Bahia. Arquitextos, ano 7, 081.01, fev. 2007. 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Dos projetos analisados, 284 no total, 77 eram residências unifamiliares, 68 edifícios residenciais, 76 edifícios de escritórios, 15 edifícios industriais, 3 edifícios de lazer, 3 edifícios educacionais, 8 fazendas, 2 religiosos e 32 não identificados. Esses dados foram obtidos a partir dos memoriais de catalogação do Acervo Jacques Pilon da Biblioteca da FAU-USP, organizado por Ilda Castello Branco sob a supervisão de Gian Carlo Gasperini. 7. Entrevista elaborada por Joana Mello e Marina Rosenfeld, e concedida por Ronaldo Dushenes, filho de Herbert Dushenes, a Joana Mello em maio de 2009. 8. Entrevista gravada concedida a Joana Mello por Gian Carlo Gasperini em abril de 2008. 9. Existiram diversos momentos na produção de edifícios verticais e nas negociações imobiliárias. Em um primeiro momento, na década de 1940, predominavam os proprietários privados. As sociedades particulares (formais ou informais) que visavam a construção de edifícios, foram aumentando até atingir 19% de 1958 a 1967. A produção das empresas imobiliárias também aumentou gradualmente, em 1944 era cerca de 13% do total construído e em 1967 passa a ser de 40%, o que mostra uma primazia frente aos proprietários particulares. Conclui-se que a atividade imobiliária foi se tornando empresarial (SOMEKH, 1987; ROSSETTO, 2002). 10. Entrevista realizada com Gian Carlo Gasperini citada anteriormente. 11. Entrevista concedida a autora e Joana Mello por Jerônimo Bonilha Esteves em maio de 2009. 12. Entrevista com Jerônimo Bonilha Esteves citada anteriormente. 13. Ver também a esse respeito Sampaio (2002), Rossetto (2002), e Feldman (2005). 14. Segundo Jean Pilon em entrevista realizada com a professora orientadora Joana Mello. 15. Verificamos diferentes estudos no arquivo da FAUUSP. 16. Entrevista realizada com Jerônimo Bonilha já citada. em 1943 que apresentou parte da arquitetura brasileira desde o período colonial. Esta exposição junto ao catálogo abriu um caminho para o reconhecimento europeu da arquitetura moderna brasileira (GOODWIN, 1943). 55 Galerias: uma tipologia para a metrópole. São Paulo, 1942 - 1964 Gallery buildings: a typology for the metropolis. São Paulo, 1942 - 1964 Edificios galería: una tipología para la metrópoli. São Paulo, 1942 - 1964 Juliane Bellot Rolemberg Lessa1 Orientadora: Profa. Dra. Ana Castro Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida entre 2009-2010 com financiamento do Núcleo de Pesquisa da Escola da Cidade 56 O presente artigo é resultante de pesquisa de iniciação científica sobre edifícios em altura com galerias comerciais nos primeiros pavimentos, construídos em São Paulo de 1942 a 1964, entendendo-os como uma nova tipologia que concederia uma almejada feição de metrópole à cidade. Concentraram-se no centro novo da cidade - região à oeste da colina central, que tivera seu acesso facilitado pela construção do Viaduto do Chá - e suas adjacências. Em sua maioria, foram projetados segundo o ideário da arquitetura moderna e inspirados pelo novo modelo cultural norte-americano. O surgimento da figura do incorporador, durante boom imobiliário das décadas de 1940 e 1950, foi também importante para o sucesso de vendas, permitindo aos investidores um maior aproveitamento do lote e a diversidade de usos, gerando uma lucratividade ainda maior. This paper is a partial result of an undergraduate research that studied tall buildings with commercial galleries on the first floor, built in São Paulo from 1942 to 1964, understanding them as a new typology that would grant a long sought-after feature of metropolis to the city. They were located on the new center – a region at the west of the central hill, which had its access facilitated by the construction of the Viaduto do Chá – and neighborhoods. For the most part, these buildings were designed according to the ideals of modern architecture and inspired by the new American cultural model. The emergence of the figure of the developer, during the housing boom of the 1940 and 1950 decades was also important for sales success, allowing investors to a greater utilization of the plot and diversity of uses, generating an even greater profitability. Palavras-chave Galerias, arquitetura moderna, São Paulo Keywords Galleries, modern architecture, São Paulo Este artículo es el resultado parcial de una investigación de iniciación científica sobre altos edificios con galerías comerciales en el primer piso, construidos en São Paulo entre 1942 y 1964, entendiéndolos como una nueva tipología que concederá una característica de metrópolis a tiempos buscada por la ciudad. Esse proceso se centró en el nuevo centro de la ciudad – región al oeste de la colina central, que tuviera su acceso facilitado por la construcción del Viaduto do Chá – y sus inmediaciones. En su mayor parte, esos edificios fueron diseñados según los ideales de la arquitectura moderna e inspirados por el nuevo modelo cultural americano. La aparición de la figura del promotor, durante el boom inmobiliario de las décadas de 1940 y 1950, también fue importante para el éxito de ventas, permitiendo a los inversores a una mayor utilización del terreno y la diversidad de usos, generando una rentabilidad aún mayor. Palabras-clave Galerías, arquitectura moderna, São Paulo 57 Figura 1. Edifício Califórnia, detalhe da fachada para Rua Dom José de Barros. Fonte: fotografia da autora, 2010. 1. Introdução 1.1. São Paulo, 1942-1964. A metropolização da cidade: desenvolvimento econômico, novos modos de vida e transformação das formas de morar. São Paulo se configura definitivamente como metrópole entre os anos 1942 e 1964 (FELDMAN, 2004). Nesse período, o Brasil vivia um momento de intenso crescimento econômico, baseado na industrialização decorrente dos efeitos da segunda guerra mundial. Verifica-se a instalação de setores de tecnologia avançada no país, um processo de desenvolvimento que exigiu grandes investimentos públicos. Primeiramente visava-se atender a demanda do mercado interno, cujo abastecimento fora prejudicado pela guerra, entretanto, o Brasil acabará por se tornar um exportador de industrializados, deixando para trás o estigma de fornecedor de produtos agrícolas. Por se tratar de um período de crescimento econômico acelerado, o clima era de grande otimismo, que se fazia sentir, principalmente durante a década de 1950, em uma efervescência cultural traduzida num sentimento de orgulho e de desejo de integração ao “mundo desenvolvido”. A São Paulo moderna se apresentava nos cinemas, galerias de arte, museus, bibliotecas e nos novos hábitos que em pouco tempo a levariam a figurar dentro do seleto grupo das chamadas cidades cosmopolitas (ALBA, 2004). O “moderno” tornou-se assim, associado ao reconhecimento dessa cidade enquanto metrópole. Dentro desta perspectiva, são, em grande parte, os “arranha-céus” que aparecem como a materialização na arquitetura do grau de desenvolvimento alcançado pela sociedade paulistana. Uma intensificação do processo de verticalização, bem como a opção pelo modelo rodo- 58 viarista no campo do urbanismo, já desde a década de 19302, reforçam que o modelo almejado era Nova York, Chicago, Boston, as grandes cidades dos EUA e não mais a Paris haussmaniana que ocupara corações e mentes das capitais sul-americanas desde o fim do século XIX. São Paulo, como principal centro do parque industrial nacional e, assim, o maior pólo de empregos do país, é protagonista no destino das migrações internas e passa a receber milhares de pessoas que vêm de outras regiões do país tentar a sorte na “cidade grande”. Assim, o crescimento econômico, apoiado na verticalização e na ampliação da malha viária, se fará traduzir em expansão urbana na mesma medida. O crescimento econômico e o desenvolvimento do país, entretanto, não abrem caminho para a superação da enorme desigualdade social. Apesar da pouca mobilidade social, no período em questão se verifica um incremento significativo das “classes médias”; que se dá principalmente pela ampliação do setor terciário. Esse crescimento criará uma demanda nova, que alicerçará o desenvolvimento da tipologia estudada nesta pesquisa. O período em estudo também é caracterizado pela intensificação da atividade imobiliária. Trata-se de um período de inflexão no mercado e, consequentemente, na produção edilícia. Em 1942 é promulgada pelo governo federal a Lei do Inquilinato, que congelava por tempo indeterminado os contratos de aluguel, forçando uma reestruturação do mercado para uma produção de unidades voltadas para a venda, mercado esse que era pressionado pelo crescimento da cidade e da população, pela expansão da classe média e pelo aumento da concessão de crédito, além da retração na oferta de casas para aluguel. A produção imobiliária passa gradativamente a ser realizada menos por investidores individuais e começa a se estabelecer em moldes mais empresariais, quando a atividade de incorporação surge e se consolida (SOMEKH, 1997; ROSSETO, 2002). A cidade fica cada vez mais à mercê da especulação imobiliária que fomenta a indústria da construção civil3. Arquitetos reconhecidos pelo discurso e pela prática modernos, como Gregori Warchavchik, Rino Levi, Franz Heep, Oscar Niemeyer, Abelardo de Souza, Eduardo Corona e outros, projetavam para incorporadores ou eram sócios de empresas incorporadoras e construtoras, e serão responsáveis pela construção de extraordinários edifícios na cidade.4 Alguns conceitos ligados à arquitetura moderna – nesse momento já configurada como uma importante matriz conceitual para algumas das questões e desafios impostos pela vida na metrópole, como habitação econômica, máquina de morar, espaços mínimos de habitar, eficiência produtiva, baixos custos e máximo aproveitamento – despertaram os interesses dos incorporadores (ROSSETO, 2002). Conceitos como estandartização, produção em série5, racionalização dos espaços; buscavam o barateamento da moradia como forma a garantir que todos pudessem ter acesso a uma habitação digna. O mercado imobiliário, entretanto, vislumbrou a possibilidade da garantia de lucro, dentro da lógica capitalista6, com o máximo aproveitamento do lote e os preços diferenciados entre espaços de moradia e de comércio e/ou serviços. Com as novas demandas surgem novos programas e novas tipologias habitacionais. Para parte das classes médias, notadamente a de menor poder de compra, muitas vezes solteiros ou casais que chegavam à cidade, surgem os apartamentos menores em áreas centrais7. Surgem ainda as quitinetes, pequenos apartamentos claramente inspi- rados em experiências norte-americanas de associação entre hotel e residência, os apartment-houses. Essa nova tipologia de moradia permitiu a uma parte das classes menos abastadas morar no centro e, com isso, garantiu-lhes o acesso à infraestrutura urbana de que essa região é provida (ROSSETO, 2002; SAMPAIO, 2002). Vale lembrar que os primeiros edifícios em altura surgiram no que começa a ser chamado de centro velho da cidade, ainda nas primeiras décadas do século XX, mas a inauguração do Viaduto do Chá logo desloca esse crescimento em altura para além do Vale do Anhangabaú, alcançando a rua Barão de Itapetininga e a região da Praça da República (ALBA, 2004; SOMEKH, 1997). Junte-se a isso o fato de que era o centro novo8 que nesse momento era reconhecido como o local de convívio e aglutinador de atividades, local de negócios, comércio e de lazer, com seus cinemas, bares, restaurantes e teatros (ARRUDA, 2005). É, portanto, nessa área que são construídas a maioria das novas edificações, onde o grande fluxo de pessoas e veículos justificava as galerias comerciais no nível da rua. Pode-se dizer, portanto, que é o centro novo que assume o caráter de símbolo da modernidade, reafirmando o progresso da cidade e projetando sua imagem de metrópole através dos novos “arranha-céus”. Quando há a expansão do comércio para regiões que ultrapassam esse centro, e sobretudo nas regiões mais nobres, onde o preço da terra é alto, a pressão do consumo por pontos de venda acabou por colaborar para que surgissem também ali grandes empreendimentos de uso misto. Esses edifícios de uso misto possuem um programa complexo e uma proposta de articulação com a rua e, pode-se dizer, com a própria cidade. As galerias dão continuidade ao traçado das cal- 59 Figura 2. Edifício Califórnia, fachada e acesso na Rua Barão de Itapetininga. Fonte: fotografia da autora, 2010. çadas, integrando o conjunto à cidade ao conceder às áreas comerciais internas o mesmo caráter público da rua (BARBARA, 2004). Isso lhes garantiu uma permeabilidade, uma nova relação entre os espaços públicos e privados, ou públicos e semi-públicos, nunca vistas aqui até então, e que modificam a relação do pedestre com a edificação propondo, de certa maneira, uma nova cidade. Os edifícios de uso misto mais notáveis ainda hoje fazem parte da rotina e do imaginário dos paulistanos, foram ícones de uma geração e se confundem com a própria imagem da cidade, como a Galeria Metrópole, o Copan e o Conjunto Nacional, e, de fato, tornaram-se símbolos da metrópole. 1.2. Debate Urbanístico nos anos da Metropolização: Novos mecanismos de produção do espaço urbano e mudanças na produção arquitetônica. O recorte temporal desta pesquisa (1942-1964) se justifica por englobar o período, cujo contexto geral foi explicitado acima, que alicerçou a produção da tipologia em estudo. Em 1942, quando a Lei do Inquilinato é promulgada por Getúlio Vargas há, como dissemos, uma grande alteração no mercado imobiliário. Ressaltamos que a questão da produção imobiliária em São Paulo já era uma atividade com finalidades capitalistas bastante lucrativas, desde o primeiro ciclo de expansão, a partir de 1870. A expansão da mancha urbana paulista se realizou sob moldes de uma ocupação determinada principalmente pelos objetivos da especulação levada a cabo pela iniciativa privada, onde os interesses públicos geridos pelo estado se subordinavam aos interesses privados (CAMPOS, 2002; SAMPAIO, 2002). O primeiro plano geral para a cidade que só surge em 1930, o Plano de Avenidas de Prestes 60 Maia, não privilegiava as iniciativas reguladoras e concentra boa parte de suas intenções nos projetos viários aliados a soluções “embelezadoras”. Parte de seu mérito era reconhecer uma estrutura de funcionamento da cidade e tentar organizá-la, entretanto, quanto à questão da habitação social, que em poucos anos se tornaria premente, pouco foi dito, acentuando-se o caráter preponderante do investidor privado na cidade9. A saída de Prestes Maia do poder, em 1945, abre espaço para o debate urbanístico, motivado pelas modificações no perfil econômico, político e social da cidade e pelo desenvolvimento do parque industrial. A política urbana começa a ser mais questionada, através principalmente da atuação de Anhaia Mello, que desde a década de 1920 defendia outras medidas urbanísticas, baseadas nas ideias da poli-nuclearidade e da contenção do crescimento, apostando em núcleos urbanos menores ligados por um planejamento regional. Anhaia Mello era um entusiasta de práticas urbanísticas que também se desenvolviam nos Estados Unidos, e as enxergava como modelos para São Paulo. O zoneamento (zoning) é um mecanismo de controle urbano desenvolvido pela política urbana norte-americana, cujos conceitos e experiências fundamentaram as leis em São Paulo. O que se nota é que o planejamento (planning), mesmo nos Estados Unidos, se sujeitou ao zoneamento, uma vez que esse último era ditado pelos interesses imobiliários e da construção civil. Deste modo, o funcionamento do zoneamento – garantir determinadas ocupações e usos do solo adequados ao que se queria para a cidade – foi desvirtuado, já que o mercado vislumbrou oportunidades de lucro e de proteção à propriedade privada e, por isso, utilizava-se desse mecanismo de forma a manter e até valorizar o preço da terra10. Figura 3. Edifício Cia. Seguradora, detalhe das venezianas da fachada principal. Fonte: fotografia da autora, 2010. Aqui o zoneamento foi utilizado de modo a proteger os padrões diferenciais dos bairros de elite, bem como foi flexivo com a verticalização e a multiplicidade de usos em regiões sob pressão do mercado imobiliário. A codificação do zoneamento não se fez de forma democrática, mas sim sobre decretos e regulamentações segmentadas, até a aprovação de uma lei mais completa em 1972, que é a vigente até os dias atuais. Apesar de promovido como meio de criar mecanismos para a coordenação do volume e altura das edificações e da utilização do solo urbano, o zoneamento será utilizado como forma de proteger os valores imobiliários e preservar áreas com grande potencial especulativo. Assim, conclui-se que sua codificação não promoveu mudanças significativas na forma de construir a cidade e muito menos se colocou freio no espraiamento da mancha urbana. Verticalização, multiplicidade de funções, ocupação intensiva do lote entre outras, são as características do recorte tipológico em estudo nesta pesquisa. E todas, de uma forma ou de outra, encontram amparo na legislação do período. Para a tipologia em estudo, a lei 5261 de 1957 foi importante. Conhecida como a “Lei dos CAs”, desagradou alguns setores ao estabelecer parâmetros construtivos vigentes para toda a mancha urbana, que tinham efeitos sobre a verticalização. Para moradia, determinava um coeficiente de aproveitamento de quatro, já para outros usos, como hotel ou comércio, o coeficiente permitido era de seis; além disso, estabelecia um mínimo para uso residencial, de 35 m², e para áreas livres, de 20 m² por habitante. A lei é coerente com o pensamento de Anhaia Mello, que era contrário ao crescimento horizontal da cidade, mas também à verticalização e às altas densidades populacionais. Entretanto, a lei deixou uma brecha ao estipular dois coeficientes diferen- tes; construíam-se os edifícios como não-residenciais, aproveitando-se do maior índice, e depois do “habite-se” o uso do prédio era alterado para habitacional. Em 1964 é proposta a regularização da questão, estabelecendo o mesmo coeficiente para todos os tipos de empreendimentos, e excluindo os outros incômodos índices, como a cota máxima de terreno por unidade e a densidade máxima; que é aprovada em 1966. Reforçando a definição do corte em 1964, há ainda estudos e teses que também sinalizam esse mesmo ano como marca de uma inflexão no sistema de produção imobiliária. Maria Adélia Aparecida de Souza ao periodizar a expansão metropolitana e a verticalização, considera o recorte 1945-64 legítimo e o denomina como “metrópole vertical”, quando: Inicia-se a incorporação imobiliária e o adensamento advindos da verticalização. Acentua-se o caos urbano em face do intenso processo de expansão, que é, apesar de tudo, acompanhado de planejamento e modernização urbanas. Início de um intenso processo de verticalização com função, sobretudo, residencial. (SOUZA, 1994, p.52) Raquel Rolnik também reforça o ano de 1964 como o fim de um período e de uma forma de legislar e pensar a produção urbana: Depois de 1964, durante o período da ditadura militar, o Estado nacional requereu a produção de planos integrados e condicionou a oferta de financiamento federal para projetos de desenvolvimento urbano à apresentação pela municipalidade de um plano integrado. (ROLNIK, 2003) Por fim, mas não menos importante, outro fato que explica 1964 como o ano em que terminamos nosso recorte de estudo é que dali a dois anos, em 1966, é inaugurado o primeiro shopping-center de 61 Figura 4. Edifício Nações Unidas. Vista da Avenida Paulista. Fonte: fotografia da autora, 2010. São Paulo, o Iguatemi, cuja construção é iniciada em 1964. Essa nova forma de organização do comércio, que se remete às próprias galerias comerciais, será responsável, entretanto, por decretar a extinção das mesmas. Os shoppings-centers se afirmarão como uma fortíssima tendência de consumo, que é dominante até a presente data; mas mais que isso se afirmarão como uma nova forma de vida na cidade e, principalmente, com um novo modelo de desenho urbano. Ao contrário das galerias, que ao prolongarem o tecido urbano para dentro do edifício configuravam novos espaços públicos, o que se inaugura com os grandes centros fechados de compra é outra forma de consumo; há a substituição de um padrão por outro. Tem início uma busca pela privatização dos espaços e, consequentemente, uma certa segregação social que encontrará campo fértil com a posterior insegurança pública. Assim, não diferentemente das galerias, os shoppings também desenham trechos urbanos; a diferença, entretanto, reside no tipo de cidade que se busca em cada uma das tipologias. 1.3. Nova Referência Econômica, Política e Social: Mudança de modelo cultural, novos parâmetros urbanos e arquitetônicos. A profunda relação entre as transformações econômicas e as mudanças na estrutura social é de conhecimento geral. Como dissemos, durante os anos de 1945 e 1964 o Brasil vive períodos de franco progresso e otimismo, e é durante esse arco temporal que vários estudiosos consideram que o país finalmente se moderniza. O ano de 1964 também simbolicamente pode ser visto como momento de inflexão, pois sinaliza um corte profundo nos ideais de uma modernização includente que parecia ser 62 possível naqueles anos e que toma força nos anos pré-64 com as iniciativas progressistas que se fazem sentir11. Nos poucos anos desse período se solidifica uma economia moderna, que constrói os alicerces para que essa sociedade rapidamente incorporasse padrões de produção e consumo próprios dos países desenvolvidos. A acelerada industrialização permitiu um desenvolvimento tecnológico nunca visto e, aqui, já se fabricava quase tudo. Os alimentos industrializados e a moda de “comer fora”, a indústria farmacêutica, novos hábitos de higiene e limpeza, os cosméticos; muitas são as modificações nos hábitos nesse período e as influências norte-americanas, facilmente transmitidas pelos cinemas (outro novo costume do paulistano), vão do cheese-burger e batata chips ao tênis e a calça jeans. Como explicam Mello e Novais: A via principal de transmissão do valor do progresso foi sempre, entre nós, a da imitação dos padrões de consumo e dos estilos de vida reinantes nos países desenvolvidos [...] Já no final do século XIX em diante, e acentuadamente a partir dos anos 50, o grande fascínio, o modelo a ser copiado passa a ser cada vez mais o American way of life [...].Não é a toa que o brinquedo preferido dos meninos passa a ser o automóvel, símbolo maior do americanismo. Nem que a riqueza seja muitas vezes identificada com o Cadillac, carro mais luxuoso fabricado nos Estados Unidos. [...] Essa forma de consciência social, que identifica o progresso a estilos de consumo e de vida, oculta os pressupostos econômicos, sociais e morais em que se assentam no mundo desenvolvido. Forma retificada de consciência, acrescentemos, peculiar à periferia, onde é possível consumir sem produzir, gozar dos resultados materiais do capitalismo Figura 5. Edifício Nações Unidas. Vista da Avenida Brigadeiro Luiz Antonio (sentido centro). Fonte: fotografia da autora, 2010. sem liquidar o passado, sentir-se moderno mesmo vivendo numa sociedade atrasada. (MELLO; NOVAIS, 1998, p.604-605) Não coincidentemente há claras referências na arquitetura desse período às emblemáticas construções nos EUA, como a Galeria Metrópole faz ao Edifício Seagram (de Mies van der Rohe em Nova York) e como outros tantos edifícios aqui que irão se basear no Lever House (projeto de Philip Johnson em Nova York). Até mesmo nas tipologias que surgem nesse período verifica-se a mudança de referencial. As quitinetes eram pequenos apartamentos, claramente inspirados em experiências norte-americanas de associação entre hotel e residência, e que serão grande sucesso de vendas aqui para, justamente, uma emergente classe média. Em sua tese, Joana Mello diz: O modelo de ocupação urbana, da reestruturação viária e da verticalização em curso em São Paulo no período é formulado a partir dos Estados Unidos, país que se consolidou como referência econômica, política e cultural no entre-guerras, suplantando a hegemonia europeia. Como em Nova York, a lei exigia que os edifícios fossem implantados no alinhamento da rua e nos limites do lote, definindo a altura dos edifícios em função da largura das ruas e permitindo o aumento do gabarito por meio de recuos sucessivos. (MELLO, 2010) Então, sente-se essa mudança de modelo cultural também nas influências arquitetônicas e nos padrões e referências de modelos urbanísticos. Em 1950 o nova-iorquino Robert Moses é nomeado para realizar um estudo encomendado ao IBEC (International Basic Economy Corporation) pela prefeitura paulista, confirmando o EUA como principal referencial urbano e parceiro econômico. Seu estudo irá se apoiar, em grande parte, no Plano de Avenidas de Prestes Maia; e não poderia ser diferente, considerando que o engenheiro americano era responsável pela idealização de várias vias expressas, pontes, túneis e viadutos em Nova York.12 Campos e Somekh reforçam que o EUA eram a principal referência naquele momento: Os constantes paralelos, traçados entre São Paulo e Nova Iorque, reforçam esse ponto de vista. Como referência desejável, mostram-se expressways norte americanas. A escala metropolitana, as grandes massas de edifícios, automóveis e pessoas surgem como modelo para a cidade. (CAMPOS; SOMEKH, 2002) Essas opções desenham a legislação, que somada às características verticais e até mesmo as referências de uma produção arquitetônica americana, colaboram para a formatação da tipologia de edificação em estudo nesta pesquisa. Por esses motivos, nos interessou estudar a cidade e seus processos de transformação física, demográfica, social e cultural a partir dos ideais de norte-americanização da cidade durante o processo de metropolização. 2. Galerias 2.1. Identificação do padrão das galerias: Recorte tipológico estudado. A escolha de um recorte tipológico das galerias em estudo foi um passo importante da pesquisa. Interessava-nos estudar as galerias cujas edificações se tornaram símbolo da pujança econômica de São Paulo durante os anos 1942-1964, que foram ícones de uma geração e que se confundem com a própria imagem da cidade até hoje. Para tanto, acompanhamos o trabalho de alguns autores que lidaram com o tema. A definição da tipologia que mais nos interessou como recorte foi descrita por Rossela 63 Figura 6. Edifício Cia. Seguradora. Vista da Avenida da Liberdade. Fonte: fotografia da autora, 2010. Rosseto, e pode ser enumerada da seguinte forma: Programa: residências (ou salas comerciais/ escritórios), comércio e serviços em uma só edificação; ou seja, uso misto; Separação volumétrica das funções: diferentes usos são marcados por volumes independentes, articulados entre si e geralmente definidos pela dinâmica da massa horizontal (...) que serve de apoio para o desenvolvimento de outra massa, mas agora vertical (...); Galeria: no térreo, os espaços comerciais são servidos por ruas internas, como uma continuação do tecido urbano e, assim como na rua, podemos observar os acessos dos edifícios; Espaços coletivos: acima da cobertura do volume horizontal, em geral se desenvolve um espaço de uso restrito aos moradores do edifício vertical. É o térreo recuperado para utilização como espaços de convivência e lazer (ROSSETO, 2002). O recorte tipológico proposto por Rosseto nos parece ser o mais interessante na medida em que essa tipologia representa a hipótese que defendemos na pesquisa. É nos edifícios-conjunto que temos a associação de uma produção realizada seguindo o ideário proposto pela arquitetura moderna, mas que teve desdobramentos tanto nos interesses econômicos dos incorporadores e construtores do período, quanto no desejo da sociedade paulista de se identificar com a cidade norte-americana, ou o que se imaginava ser isso (MELLO; NOVAIS, 1998). De fato, trata-se de uma produção arquitetônica de qualidade, e somente isso já nos interessaria; mas ela se torna ainda mais instigante por verificar-se nessas edificações um trabalho que foi realizado para o mercado imobiliário; uma produção da atividade de incorporação e especulativa, mas que produziu um desenho de cidade muito mais interessante do que promove o mercado 64 imobiliário atual. Nos projetos de edifícios-conjunto, as galerias são uma continuação da calçada; sua resolução formal de fato inaugura um novo desenho de cidade. É possível, por exemplo, adentrar na galeria, atravessar toda a projeção do edifício alcançando a saída, às vezes já em outra rua ou em outro trecho da mesma quadra. Sendo assim, sua existência redesenha todo um trecho do tecido urbano. 2.2. Edificações Estudadas: Listagem das galerias Considerando o perímetro13 em estudo e os recortes temporal e tipológico, foram selecionadas para a pesquisa as nove edificações que cumpriam com estes pré-requisitos. Além da leitura e fichamento de teses, dissertações e livros sobre os edifícios e sobre assuntos correlatos, levantei material em revistas e periódicos e, por fim, visitei todos os nove edifícios. Dessa maneira, foi possível montar fichas, contendo dados básicos, descrição e uma breve análise, de cada uma das seguintes edificações: Edifício Metrópole, Edifício Itália, Edifício Eiffel, Edifício Copan, Conjunto Zarvos, Conjunto Nacional. Para os estudos aprofundados selecionamos o Edifício Cia. Seguradora Brasileira, projeto de Rino Levi, por ter sido ainda pouco estudado. O pouco material existente está, em geral, nas pesquisas sobre a produção do arquiteto, e mesmo assim não há um estudo sobre o edifício especificamente; ele aparece dentro de análises sobre os estudos extensivos que Levi realizava para as fachadas ou para proteção contra a insolação excessiva em suas obras. O segundo selecionado, o Edifício e galeria Nações Unidas, que também foi pouco estudado. É verdade que seu material é de mais fácil acesso, já que se destaca dentro da produção de Abelardo de Souza; mas mesmo o arquiteto não foi muito estudado, existindo apenas algumas poucas pesquisas sobre o conjunto de sua obra. Sobre o terceiro edifício estudado, julgamos interessante escolher uma edificação cuja função complementar não fosse habitacional. Entretanto, evitamos as edificações que já foram bastante estudadas, o que não traria novos elementos a nossa pesquisa. A Galeria Califórnia enquadra-se no perfil desejado e também nos interessou por ter sido o primeiro projeto do arquiteto Oscar Niemeyer em São Paulo para o BNI (Banco Nacional Imobiliário), de uma sequência de produções que realizaria para esses incorporadores. 3 Galerias: Estudos Aprofundados 3.1. Edifício Cia. Seguradora Brasileira 3.1.1. Dados Básicos Projeto: Rino Levi Construtor: SABE S/A Brasileira de Engenharia Proprietário: Companhia Seguradora Brasileira Localização: Avenida Liberdade, n.455, Liberdade, São Paulo, SP Data do projeto: 1948 Data da conclusão da obra: 1956 Método e/ou principais materiais construtivos: concreto armado Número de pavimentos: 17 Tipologia: salas comerciais (térreo e sobreloja) e apartamentos 3 dormitórios (4° ao 17° andar). 3.1.2. Estratégias: implantação, distribuição do programa e partido estrutural Implantado em um lote de esquina de formato trapezoidal, no Largo da Pólvora no bairro da Liberdade, a edificação tem maior face para a Avenida Liberdade e outra para Rua Américo Campos, onde está a portaria de acesso ao edifício habitacional. A localização estratégica, junto ao viaduto da Rua Jaceguai, próximo ao Largo da Liberdade e de frente para uma importante avenida, justifica o investimento em um edifício de múltiplo uso. A galeria comercial no térreo aproveita-se da localização onde é intensa a circulação de pessoas locando as lojas no nível da rua. A separação volumétrica das funções, uma das principais características da tipologia em estudo, é exemplar nesta edificação. Um bloco horizontal, o embasamento onde se desenvolve o programa da galeria comercial, e um edifício vertical, suspenso sobre o embasamento pelos pilotis, parece flutuar sobre o volume mais horizontal. Essa solução formal também é interessante na medida em que, além de prolongar o espaço urbano, diluindo as barreiras entre as áreas públicas e privadas, também mantém uma escala agradável ao ser humano, principalmente ao pedestre. O programa previa então um embasamento com dois pavimentos de lojas e espaços comerciais, térreo e sobreloja, onde também se encontra o acesso ao edifício habitacional. Hoje, a galeria comercial não existe mais, o espaço reservado para as lojas foi ocupado inteiramente por um supermercado. A prumada de circulação vertical do edifício habitacional é acessada por uma portaria na rua lateral, entretanto, já no projeto inicial os elevadores e escada se abrem em um hall privativo e não diretamente nas circulações da galeria comercial. O edifício vertical, recebe o programa habitacional e se divide em dois blocos, ambos verticais e paralelos, que estão conectados na região central pela prumada de circulação vertical, onde também se localizam as áreas de serviços dos apartamentos, conformando uma solução em planta H. São 14 pavimentos habitacionais com 4 apartamentos por andar (56 unidades habitacionais); o conjunto alcança 17 pavimentos no total somando os de uso comercial. A edificação habitacional, como já mencionado, está claramente separada do embasamento, suspensa por pilotis gerando um terraço jardim, área de lazer privativa dos moradores do conjunto. Essa também era uma solução comum na tipologia em estudo, que se apresentará também no Copan, na Galeria Metrópole, no conjunto Zarvos, no Conjunto Nacional, no edifício Eiffel e em outros. O partido estrutural se dá através do sistema de vigas e pilares em concreto armado, além de um corpo transversal rígido, formado pelas prumadas de circulação vertical. Esse sistema estrutural é recorrente nas edificações em estudo, entretanto, geralmente se faz necessária uma transição entre a edificação vertical e a lâmina horizontal; essa transição estrutural evita um número excessivo de apoios no nível da galeria comercial, o que poderia atravancar essas áreas em que é desejável a fluidez de percursos e, portanto, a menor quantidade de obstáculos à passagem possíveis. Aqui se apresenta uma brilhante solução pensada pelo arquiteto. Ao invés da grande viga de transição, incômoda e custosa, o número de 65 pilares é o mesmo, mas sua seção vai se transformando a cada ascensão de andar, passando da forma circular, colunas, no subsolo, para paredes estruturais nos apartamentos. Isso significa que apesar de mantido em números, os pilares apresentam sempre a mais interessante solução formal para cada uma das situações requeridas pela diversidade de programas do conjunto; escondendo-se nas vedações quando nos apartamentos, e em colunas onde a planta livre é desejada. O arquiteto, nos primeiros pavimentos, recua as vedações, expondo a transição formal da estrutura. As fachadas, como em tantos outros projetos de Rino Levi, também recebem atenção especial. Neste caso, a diferença de peitoris entre as aberturas retangulares realiza um desenho movimentado para a fachada, evitando a monotonia dos rasgos horizontais e destacando o edifício do seu entorno. 3.1.3. Entendendo o edifício: relações, escolhas e justificativas A diferenciação entre a área comercial e as lâminas habitacionais é exposta com muita clareza, como dito mais acima. O embasamento ocupa 100% do terreno tirando, assim, proveito máximo do lote; e como vimos no primeiro capítulo, a legislação da época não obrigava recuos, permitindo esse tipo de ocupação extensiva que desenha edifícios como o da Cia. Seguradora Brasileira. O fato de o corpo horizontal possuir dois pavimentos também não era novidade e se repetirá em outros edifícios da tipologia em estudo. A distribuição em térreo e sobreloja permite uma grande quantidade de combinações para o desenho desses espaços comerciais, o que explica a supremacia dessa solução em tantas edificações diferentes. Outra inteligente resolução de projeto, é o fato de os acessos às circulações verticais dos apartamentos não se abriam diretamente nos corredores da galeria comercial, mas sim em um hall privativo. Dessa maneira, a circulação dos moradores passava pela galeria comercial, mas o acesso direto aos elevadores e escadas ganhavam a privacidade e segurança necessárias ao programa habitacional. Tributária também da circulação de pessoas na galeria, além da dos moradores do conjunto, é a possibilidade de encurtar o caminho; um convite para acessar os espaços comerciais, além das lojas, é a conexão entre a Avenida Liberdade e a Rua Américo de Campos. Hoje, a galeria comercial não existe mais. Os espaços comerciais foram todos ocupados por um único estabelecimento, um supermercado, que se 66 abre apenas para a Avenida Liberdade e que não permite mais a travessia. O desenho de cidade permitido pela galeria comercial se desfez e o projeto do conjunto foi muito prejudicado; a distinção de espaços privados e públicos é agora claramente marcada, bem como a portaria do edifício habitacional, isolados do restante do conjunto, elevadores e escadas têm acesso direto pela rua lateral, a Rua Américo de Campos. As duas lâminas habitacionais conformam uma planta em H, uma vez que se conectam através de uma prumada central que reúne as circulações verticais: dois elevadores de serviço, dois sociais e escadas. Também no miolo do edifício, se concentram as áreas de serviço dos apartamentos. Essa solução permite que todos os quatro apartamentos do pavimento tipo possuam 3 fachadas livres, o que garante boa ventilação e insolação; preocupações recorrentes em todos os projetos de Rino Levi. Formas de proteger as fachadas contra a insolação excessiva é também outra área de experimentação e de muito estudo por parte do arquiteto. Aqui também as fachadas recebem uma atenção especial; para este edifício, assim como outros edifícios habitacionais, Levi não escolheu brise-soleil, preferindo persianas de enrolar como mecanismo de proteção solar; persianas essas que o arquiteto detalhou minuciosamente. A usual proposta de união das artes, sempre incorporada por projetos de arquitetura modernistas, aqui conhece uma variação. Nem painéis de mosaicos, nem murais pintados, a variação de altura dos peitoris das aberturas é que garante um desenho muito expressivo. O zig-zag conformado pelas janelas quebra a monotonia proporcionada pelos rasgos horizontais mais usuais, desenhando uma fachada que destaca o edifício da paisagem do entorno. É interessante notar também que a alternância na altura dos peitoris das janelas também revela que a fachada está liberta da incumbência estrutural, o que é outro ponto primordial defendido pela arquitetura modernista. A suspensão do edifício habitacional por pilotis destaca-o do embasamento, criando dois volumes formalmente separados e que também se relacionam de formas diferentes com o entorno. O edifício habitacional, solto do volume horizontal do embasamento, fica totalmente isolado da rua, à qual está totalmente integrada a galeria comercial. Essa separação volumétrica diferencia nitidamente para o espectador as funções desenvolvidas no conjunto edificado, mas também cria uma nova cota de contemplação e de espaços para o lazer e descanso dos moradores; áreas que conquistam privacidade pela distância da rua e pela separação do térreo público do conjunto. Entretanto, os espaços cobertos gerados pelos pilotis da torre habitacional sobre o bloco horizontal foram vedados por caixilhos de vidro, com película de tom azul, que prejudicaram a sensação de flutuação da lâmina vertical. O alinhamento do bloco vertical não se dá com a Avenida Liberdade, um pouco enviesado com relação a esta, o edifício foi buscar a melhor orientação leste-oeste, melhor para insolação das unidades habitacionais; ao mesmo tempo em que, com essa implantação, se alinha à Rua Américo Campos, onde se localiza o acesso aos blocos residenciais. O desenho da torre central, núcleo rígido do edifício, também foi muito feliz. Além de conseguir reunir dois jogos de elevadores, aproveita-se para instalar aí a cozinha e área de serviço dos apartamentos, servindo-se desse núcleo para levar prumadas de hidráulica. Essas áreas molhadas recebem vedação em elementos vazados de concreto, comprovando o cuidado por igual do arquiteto com todas as fachadas do edifício. A organização funcional e estrutural é muito importante em projetos como esse, já que todas as prumadas de elétrica, hidráulica e as peças estruturais precisam chegar ao solo, o que significa passar pelas áreas públicas do projeto. Se essas transposições não foram planejadas e projetadas corretamente a galeria comercial pode ter seu desenho seriamente prejudicado, precisando dobrar-se a soluções pouco funcionais para corrigir ou colaborar com a resolução destes problemas. Características reconhecidamente modernas estão presentes. Por exemplo, a alteração do desenho estrutural, que transforma pilares em vedações portantes, denuncia uma clara intenção de racionalizar o processo construtivo. Também o estudo e detalhamento minucioso de elementos (como as venezianas e elementos vazados) demonstram o desejo de criar objetos para a produção industrial. São atitudes exemplares de um arquiteto moderno, que procura se afastar da imagem do desenhista ou do ornamentador de fachada, e assume sua função social e aceita o papel de personagem principal na colaboração com o desenvolvimento do parque industrial nacional. O projeto também é exemplar da tipologia selecionada para esta pesquisa, na medida em que sua galeria comercial se desenvolve amplamente conectada com a rua, é uma edificação que desenha cidade, que não se omite do grande peso urbano do projeto de arquitetura. As diversas funções que se desenvolvem no edifício são separadas volumetricamente e o edifício habitacional, solto do embasamento, gera lugares de privacidade aos moradores. A verticalidade está presente e, até a data atual, o conjunto em muito se destaca do entorno. Por fim, o projeto se enquadra perfeitamente em todos os preceitos da arquitetura moderna, desde o térreo público, passando pelo terraço-jardim, pela fachada desvinculada do sistema estrutural chegando aos estudos de proteção contra a insolação excessiva. 3.2. Edifício Nações Unidas 3.2.1. Dados Básicos Projeto: Abelardo de Souza Construtor: Sociedade de Eng. Cyro Ribeiro Pereira Ltda. Proprietário: Incorporação CNI Localização: Avenida Paulista, n.620-648, Jardim Paulista, São Paulo, SP. Data do projeto: 1952 Data da conclusão da obra: 1959 Método e/ou principais materiais construtivos: concreto armado Número de pavimentos: bloco voltado para a Avenida Paulista tem 18 e o bloco voltado para a Avenida Brigadeiro Luis Antonio tem 21 andares. Tipologia: lojas (térreo e sobreloja) e apartamentos de 1 ou 2 dormitórios. 3.2.2. Estratégias: implantação, distribuição do programa e partido estrutural O conjunto está implantado em um lote irregular, conformado pela Avenida Paulista, pela Avenida Brigadeiro Luis Antonio e pela rua São Carlos do Pinhal, de 4940 m². O embasamento ocupa totalmente o terreno, e as lâminas habitacionais se organizam de tal forma que resultam em uma planta de cobertura em L. Essa solução determina um espaço de lazer no terraço-jardim, na cobertura do embasamento. O arquiteto realizou vários estudos para implantação do conjunto, em virtude da irregularidade do lote e das possibilidades de conexão, bem como para tentar evitar um conjunto de dimensões exageradas, mas não conseguiu convencer os incorporadores, que pretendiam tirar máximo proveito do lote. Resultado são 48.664 m² de área construída. 67 São no total 4 blocos. Um volume horizontal, onde foi implantada a galeria comercial com 25 lojas no nível da rua, todas com mezanino; e três blocos verticais com programa habitacional, totalizando 430 apartamentos. Uma das lâminas, a maior, está implantada no limite noroeste do lote, alinhada com a Avenida Brigadeiro Luiz Antonio. Os dois outros edifícios, de dimensões diferentes, estão alinhados com a Avenida Paulista; um ocupa o limite sudoeste e está voltado diretamente para a avenida e uma outra lâmina menor cuja fachada tem direção oposta a do anterior, para o terraço-jardim do próprio empreendimento e para a Brigadeiro Luiz Antonio; ambos estão perpendicularmente implantados com relação a grande lâmina habitacional. No subsolo, as garagens têm espaço para 300 veículos, estacionamento de grandes dimensões se comparados a alguns outros edifícios selecionados para estudo aqui nesta pesquisa. No último pavimento do embasamento foram programados espaços de lazer, um playground para as crianças; e no terraço da cobertura da lâmina habitacional, um salão para reuniões e festas. As lâminas habitacionais não estão suspensas sobre pilotis, não estão soltas do embasamento. Suas projeções são ocupadas por apartamentos que se abrem diretamente para os espaços livres do terraço-jardim, numa situação excepcional em relação aos outros edifícios estudados, onde esse espaço, em geral, é utilizado como áreas coletivas dos moradores. Nas tipologias habitacionais, deu-se preferência a unidades menores. No bloco alinhado com a Avenida Paulista, há apartamentos de um dormitório (face posterior) e de dois dormitórios. Na lâmina maior, alinhada com a Brigadeiro, somente apartamentos de dois dormitórios, mas com dimensões e distribuição internas diferentes dos apartamentos voltados para a Avenida Paulista. O partido estrutural se dá através do usual conjunto de vigas e pilares em concreto armado, reforçado pelos núcleos rígidos das prumadas de circulação vertical. As novidades estão nos elevadores em volumes independentes, visíveis na fachada posterior da maior lâmina. A cada dois apartamentos há dois elevadores e uma escada, sem necessidade de corredores para os acessos às unidades habitacionais; entretanto, as prumadas de circulação vertical abrem-se diretamente na galeria comercial do térreo, gerando problemas de segurança e privacidade aos moradores. Todas as fachadas foram minuciosamente estudadas e receberam tratamentos distintos. Brises, 68 painéis e aplicação de pastilhas garantiram que, de qualquer ângulo, o conjunto forneceria ao espectador volumetrias e faces diferenciadas. A monumentalidade do conjunto e seu grande impacto na região foram motivos de debates e discussões acaloradas mesmo entre os arquitetos modernistas; por conta do altíssimo aproveitamento do lote, muitas vezes o projeto foi analisado como uma mercantilização do programa habitacional levada ao extremo. 3.2.3. Entendendo o edifício: relações, escolhas e justificativas Pelos motivos expostos, o conjunto do Edifício Nações Unidas foi um projeto polêmico. Em grande parte, seu desenho foi determinado pelos interesses capitalistas de seus incorporadores. Entretanto, é preciso notar que nesse período a influência do projeto da unité de Le Corbusier é muito marcante sobre a arquitetura mundial, e não é diferente no Nações Unidas; nele Abelardo de Souza aplicou todos os cinco princípios da arquitetura corbusiana. O Edifício Três Irmãs, realizado pouco depois, também é implantado na Avenida Paulista e também é fruto de uma incorporação da CNI; entretanto, o programa voltado para um público de maior poder aquisitivo realiza um edifício com menor aproveitamento do lote e cujas relações com o entorno se apresentam muito diversas das construídas pelo conjunto do Nações Unidas. O que vemos é que o programa com diversas atividades, incluindo áreas comerciais e habitações, desenha edifícios de grande porte e de ocupação extensiva; contemporâneos do Edifício Nações Unidas, como o Edifício Copan e o Conjunto Nacional, também são edificações imponentes e de altíssimo coeficiente de aproveitamento do lote. A galeria comercial também foi alvo de muita polêmica. No período de implantação do edifício, a legislação não permitia ainda o uso comercial na Avenida Paulista, cujos espaços eram determinados para utilização restritamente habitacional. A alegação de que não haviam lojas voltadas para a Avenida Paulista (as lojas se abrem para o interior da galeria e para a Avenida Brigadeiro Luis Antonio) e sim apenas um acesso à galeria, conseguiu convencer, e o projeto foi aprovado por uma Junta Consultiva do Código de Obras, da qual o arquiteto Rino Levi fez parte e com certeza colaborou para a aprovação do projeto. A galeria comercial se desenvolve em pé direito duplo, concedendo às lojas dois pavimentos. Além da localização estratégica, em uma esquina de intensa movimentação, a galeria também convida ao passeio por seu interior aqueles pedestres que querem encurtar caminho, uma vez que conecta a Avenida Paulista a Rua São Carlos do Pinhal. Entretanto, ressente-se a ausência de passagens para a Avenida Brigadeiro Luis Antonio, realizadas apenas através das próprias lojas (que possuem dupla fachada, uma para a avenida outra para o interior da galeria); dessa maneira, a face do embasamento voltada para a Avenida Brigadeiro confunde-se com a própria rua. As lojas hoje estão descaracterizadas, sem unidade formal nem visual, o que reforça essa sensação de continuidade do tecido urbano local. O fato de a rua interna da galeria também seguir o desnível do terreno, uma declividade muito suave ressalte-se, reforça a sensação de continuidade do passeio público, as calçadas invadem o edifício, em semelhança com o projeto do edifício Copan. Os acessos aos apartamentos se dão somente através da galeria comercial que, para assimilar todos esses fluxos, de passagem e de moradores, foi projetada com 6 metros de largura. Os elevadores e escadas se desenvolvem em volumes diferenciados, totalizado 18 elevadores e 9 escadas. O alto número de elevadores talvez denunciasse o interesse de manter certa privacidade aos moradores, uma vez que cada jogo de 2 elevadores e 1 escada serve a dois apartamentos por andar apenas, mas de fato está relacionado com os baixos custos desses equipamentos à época da construção, e das necessidades inerentes ao bom funcionamento de um edifício com essas dimensões. Entretanto, o fato de que essas prumadas de circulação se abrirem diretamente na galeria comercial e não em hall privativos, como no Conjunto Nacional ou no Copan, gerou problemas de segurança e privacidade aos condôminos, que até hoje carecem de uma solução adequada. A separação volumétrica das funções é clara entre os edifícios do conjunto, sendo que a separação entre o bloco horizontal comercial e as lâminas habitacionais gera um terraço-jardim. Como já mencionado, diferentemente de outros projetos do mesmo gênero, os edifícios verticais não estão soltos do embasamento, não estão flutuando, pairando sobre pilotis. Ao contrário, se assentam diretamente sobre o volume que abriga as funções comerciais, e há apartamentos cujas aberturas estão em nível com as áreas de lazer projetadas para essa cobertura do volume horizontal. No interior da galeria, recebem destaque os pilares que originalmente eram revestidos de granilite cinza. Na fachada para a Avenida Paulista, os pilares em formato V também eram destacados, uma vez que as vedações eram bem recuadas, gerando inclusive algumas áreas livres cobertas em nível com a avenida. Em ambos os desenhos dessas estruturas, há claras referências a arquitetos cariocas, como Oscar Niemeyer e irmãos Roberto. Já os detalhes do forro da galeria e do coroamento do edifício habitacional voltado para a Avenida Brigadeiro, lembram projetos de Bratke (Edifício ABC). As fachadas, como era recorrente em projetos da arquitetura moderna brasileira, foram alvo de estudos sobre insolação e ventilação. Os edifícios possuíam brises fixos de concreto, que foram removidos posteriormente, além da aplicação de painéis de pastilhas coloridas; que também eram resultados de uma pesquisa formal e de uma outra característica intrínseca da arquitetura modernista, a síntese das artes. No térreo, voltado para a Avenida Paulista, além do acesso a galeria, havia jardins públicos e pequenas praças cobertas, geradas pelo recuo das vedações e a distribuição dos acessos desse bloco, já que se sua posição é perpendicular à galeria. Depois da ampliação da avenida, em 1971, preservou-se apenas um pequeno canteiro em frente a um painel de cerâmica do artista Clóvis Graciano. Dois subsolos totalizam espaço para 300 vagas de veículos, o que parecia anteceder o futuro, já que era uma garagem de tamanho demasiado grande para os padrões da época; tem o mesmo número de vagas oferecido pelo Conjunto Nacional, por exemplo. A galeria passou por uma reforma entre o fim de 2009 e primeiros meses de 2010. Os pilares receberam acabamento em tinta de uma cor nova, uma tonalidade de verde, sem nenhuma referência nem relação com as cores originais da edificação. O piso também foi totalmente substituído por placas de granito. Os acessos aos elevadores, em uma nova tentativa de resolver o problema da privacidade e segurança dos condôminos, foram vedados por pequenos boxes de vidros temperados, também em tom verde. Ainda no interior da galeria, o acabamento do pé direito duplo das lojas foi demarcado com placas de Alucobond (material composto de alumínio), intercalado com granito aparente, que foi mantido apenas nos acessos aos elevadores. A fachada térrea da galeria, voltada para a Avenida Paulista, também foi totalmente vedada por caixilhos de vidro temperado verde, privatizando a pequena praça coberta que é conformada pelos acessos daquele bloco habitacional. Esse edifício voltado para a Paulista também teve seu programa alterado, uma 69 vez que hoje é mais ocupado por firmas e escritórios comerciais do que utilizado como moradia. Todas essas mudanças alteraram bastante o projeto original da galeria mas, diferentemente de alguns outros edifícios, como no Edifício Itália, ela ainda é mantida totalmente aberta durante o horário comercial, sem controle de acesso, o que garante continuidade da grande vitalidade do projeto original da proposta do conjunto. 3.3. Edifício Califórnia 3.3.1. Dados Básicos Projeto: Oscar Niemeyer Construtor:CNI Proprietário: BNI Localização: Rua Dom José de Barros, n.67, República, São Paulo, SP Data do projeto: 1951 Data da conclusão da obra: Método e/ou principais materiais construtivos: concreto armado Número de pavimentos: 15 Tipologia: lojas (térreo e sobreloja) e salas comerciais 3.3.2. Estratégias: implantação, distribuição do programa e partido estrutural Implantado em um lote em L, confinado no denso centro da cidade, o edifício Califórnia foi o primeiro projeto de Oscar Niemeyer para a incorporadora BNI / CNI. O formato do terreno, a legislação e os interesses do incorporador foram determinantes para a definição da implantação do conjunto. Seguindo o modelo tipológico em estudo, o Califórnia ocupa 100% do lote, e por imposição do formato do terreno, o edifício vertical também tem planta em L. A implantação na rua comercial mais requintada, a Barão de Itapetininga, considerada então reduto da nata da sociedade paulistana, justifica tanto a escolha do uso da galeria comercial, com lojas no nível da rua, quanto explica a contratação do já renomado arquiteto Oscar Niemeyer. Seu embasamento e a torre não são separados volumetricamente, a multiplicidade de usos aqui é destaca formalmente, pelo uso dos pilares em V nas fachadas – tanto para rua Barão de Itapetininga quanto para Dom José de Barros. No miolo do conjunto, a planta em L do edifício vertical configura uma praça aberta na cobertura do embasamento, que foi projetado como um terraço-jardim, 70 com desenho do paisagista Burle Marx. No embasamento desenvolve-se o programa da galeria comercial, as lojas todas têm pé direito duplo, com térreo e mezanino. Também no embasamento, há o acesso ao cinema, inicialmente projetado em rampa contínua, ocupa a porção mais interna do conjunto, programa adequado para uma região mais escura e de menor ventilação natural de toda a edificação. Acompanhando a rampa, que não está solta mas junto à uma empena, foi projetado um grande painel representando a “Epopéia das Bandeiras de Piratininga”, em mosaico de pastilhas que encomendado ao Portinari. A passagem interna da galeria comercial, que conecta as duas ruas urbanas, se alarga no miolo da quadra. Aí está tanto o acesso ao cinema quanto a prumada de circulação vertical; esse espaço mais amplo funciona como uma praça de espera para conjunto de elevadores e escada e também como foyer para o cinema. O edifício vertical, com andar tipo com planta em L, pode ter 16 salas por pavimento. Para cada uma há previsão de uma pequena área de serviço particular. A circulação nos pavimentos tipo também é ampla, e são mais largas no átrio dos elevadores, onde há uma grande abertura com vista para o terraço-jardim. Entretanto, por conta de modificações para adequar às exigências dos bombeiros, as aberturas nos corredores em L que proviam alguma iluminação natural, foram ocupadas pelas escadas de incêndio. Essas circulações foram muito prejudicadas pelas novas escadas e hoje são espaços escuros e confinados. Os escritórios têm abertura para o terraço-jardim, que acabou por se tornar um grande fosso de ventilação interno; recebendo as escadas de incêndio construídas posteriormente para adequação do edifício. O partido estrutural se dá através da associação de vigas e pilares em concreto armado aos núcleos rígidos da prumada de circulação vertical. Nos outros edifícios que Niemeyer projeta em São Paulo nesse período, os núcleos de circulação vertical estão soltos do corpo da edificação principal. Aqui, provavelmente por imposição do lote, a prumada de circulação vertical está incorporada ao edifício e ainda faz parte do sistema estrutural. O tratamento das fachadas foi feito de forma diferenciada. A face alinhada com a rua Barão de Itapetininga, mais importante, recebe maior atenção. Os caixilhos estão recuados e protegidos por estreitas varandas; estas se parecem com balcões, uma vez que tanto em cima quanto embaixo há placas perfuradas de argamassa armada. Essas placas não estão chumbadas nas lajes, estão conectadas por pequenas peças, de tal forma que há um espaçamento entre as placas e a estrutura, evidenciando a independência entre estas. No projeto original esses brises estavam em posição oblíqua com relação a laje, mas não foi dessa maneira que foi executado. 3.3.3. Entendendo o edifício: relações, escolhas e justificativas O projeto com a assinatura do arquiteto do conjunto da Pampulha foi utilizado como mais um chamariz de venda, garantindo a lucratividade desejada pelo empreendedor; antes mesmo da conclusão das obras, a grande maioria das unidades já havia sido vendida. Niemeyer, mais acostumado aos projetos de obras monumentais em lote amplos, neste projeto precisou se sujeitar ao perfil do terreno, às exigências da legislação (como já vimos, mais rigorosa nas áreas nobres da cidade) e às pretensões especulativas dos incorporadores. Esses obstáculos não eram compatíveis com o usual volume vertical suspenso, um prisma puro que pareceria flutuar sobre uma lâmina horizontal. Aqui a solução foi menos feliz, mais bruta, ocupando todo o terreno e gerando uma praça confinada no miolo do conjunto construído, espaço sem relação com o entorno e com vista apenas para o céu Na galeria comercial, a presença da mão do arquiteto é mais visível. Primeiramente, pelos pilares em V na fachada. Desentendimentos com os calculistas escolhidos pelos incorporadores não permitiram o desenho dos elegantes apoios em V que Niemeyer irá desenvolver em outros projetos. No edifício Califórnia, eles têm um ângulo muito fechado e volume demasiado, o que gerou um aspecto pesado ao invés do usual desenho sutil e da leveza característica dos projetos do arquiteto. Também no passeio público que se desenvolve no interior da galeria é possível verificar decisões que remetem diretamente ao arquiteto. O sistema estrutural racional e a distribuição regular dos pilares são quebrados pelo desenho sinuoso da laje; que está suspensa, solta do teto, permitindo uma iluminação indireta e agradável para esses espaços internos. No trecho mais amplo da galeria, a rampa contínua que promovia o acesso ao cinema não foi realizada como projetada. Na parte mais alta, em nível com a galeria, foi construída uma escada que tem a rampa como sequência, acessando o nível do cinema. A interessante sensação de continui- dade, de desdobramento de um mesmo espaço que a rampa permitiria se perdeu. O cinema, assim como no Copan, também teve seu uso alterado. Durante os últimos anos funcionou em seu espaço um bingo. No momento de realização desta pesquisa passava por uma reforma e estava sem uso. O painel que acompanha a escada-rampa também não foi realizado como no projeto original. O artista, Portinari, em um momento de grande produção não pode realizar o painel solicitado em tempo, por pressa dos incorporadores combinou outro tema e entregou um mosaico de desenho abstrato em lugar da cena inicialmente encomendada. Neste projeto, a característica proposta de síntese das artes promovida pela arquitetura moderna se apresentou com outros fins. Os incorporadores, na verdade, não estavam muito preocupados com o discurso moderno e, assim sendo, pouco importava o desenho ou tema do painel. Interessava usar o nome do artista, assim como se utilizaram da projeção do arquiteto, para promover o empreendimento e obter lucro maior ainda com as vendas. Na galeria, provavelmente pela maior importância da rua Barão de Itapetininga, as lojas próximas a este acesso são maiores do que as que estão locadas no outro braço com comunicação com a rua Dom José de Barros. O que podemos notar é que, na galeria o desenho característico do arquiteto está mais presente, talvez por serem espaços mais públicos e por possuírem a escala a qual estava mais adaptado. A edificação vertical é mais pragmática, também pelas tantas imposições as quais teve que se sujeitar, conforme já mencionado. Niemeyer não se submeterá novamente a certas condições que aqui se apresentaram, como, por exemplo, o escalonamento dos últimos andares para conseguir o maior número de pavimentos possíveis, retirando o máximo aproveitamento do lote; seus outros edifícios serão sempre prismas puros, conjuntos com desenho mais regular e geométrico. O edifício Califórnia é o mais distante do desenho usual do arquiteto, por ser o primeiro dos conjuntos que Niemeyer projetou em São Paulo, algumas decisões submeteram-se aos interesses dos contratantes. Os projetos posteriores o arquiteto expressará mais livremente sua capacidade criativa e suas características mais marcantes. Por esses motivos, o edifício não atraiu muitas atenções e foi pouco estudo até hoje, como se pode verificar pela escassa bibliografia a disposição. 71 4. Conclusão Por tudo que foi pesquisado, concluímos que as edificações de uso misto se desenvolveram principalmente entre os anos 1942-64. Concentraram-se no centro novo da cidade e suas adjacências e, em sua maioria, foram projetadas segundo o ideário da arquitetura moderna. O contexto de crescimento acelerado de São Paulo, transformando-a rapidamente em uma metrópole, justificava o desejo de uma nova feição para a cidade. A alteração do modelo, com a adoção da cultura, arquitetura e no modo de vida norte-americanos ficará muito visível nesse período. Para o novo empreendedor imobiliário, que surgia nesse momento, o que interessava é que a arquitetura “moderna”, além de gerar impacto na transformação da cidade, alcançando o desejo de feição condizente com a metrópole, também lhe permitia um maior aproveitamento do lote e a garantia, com a diversidade de usos, de uma lucratividade ainda maior. Algumas das edificações mais notáveis da tipologia estudada nesta pesquisa ainda hoje fazem parte da rotina e do imaginário dos paulistanos; algumas foram ícones de uma geração e se confundem com a própria imagem da cidade, como a Galeria Metrópole, o Copan e o Conjunto Nacional, e, de fato, tornaram-se símbolos da metrópole. Apesar do reconhecimento dessa importância, pouco se estudou acerca dessa tipologia a partir do olhar aqui descrito. É a isso que essa pesquisa se propôs: reconhecê-la, estudá-la, analisá-la criticamente como um novo tipo que surgiu, obteve um enorme sucesso nas vendas (portanto na aceitação que tem na sociedade), alteraram a paisagem da cidade e que, hoje em dia, é praticamente abandonada como prática construtiva, como partido arquitetônico. Na procura pelas motivações do abandono da tipologia, a pesquisa levou-nos a embrenhar pelos caminhos percorridos para configuração da legislação atual, e verificar que de fato é proibitiva, os edifícios com galerias no nível do térreo e ocupação extensiva do lote são incompatíveis com as normas atuais. Por fim, a pesquisa me presenteou grandes aprendizados, que ultrapassam o limite do universo acadêmico. No caso específico desta Iniciação, além de todo o conhecimento adquirido pela própria, ela me possibilitou visitar essas edificações, realizar ensaios fotográficos e conseguir acesso a diversos materiais sobre as edificações e suas histórias que não estariam acessíveis ao público geral. Com poucas exceções, nas visitas fui recebida calorosamente; 72 meus anfitriões tinham um certo orgulho estampado no rosto, provavelmente semelhante ao daqueles que vivenciaram os anos de construção desses monumentos; e todos, daquele ou deste tempo, percebem a importância desses trabalhos acadêmicos para a preservação de um patrimônio construído e, ao mesmo tempo, imaterial. Referências bibliográficas ALBA, Lílian Bueno. 1935-1965: trinta anos de edifícios modernos em São Paulo. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004. ALEIXO, Cynthia Augusta Poleto. Edifícios e galerias comerciais: arquitetura e comércio na cidade de São Paulo, anos 50 e 60. Dissertação (Mestrado) Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, São Carlos, 2005. ANELLI, Renato; GUERRA Abílio; KON Nelson. Rino Levi. Arquitetura e Cidade. São Paulo: Romano Guerra, 2001. ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. 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Isso não quer dizer que no período anterior não houvesse investidores privados, como mostra Maria Ruth Amaral Sampaio (1994). 4. Isso complexifica o entendimento da cena da construção civil em São Paulo, nos afastando da dicotomia já notada anteriormente entre arquitetura de mercado (identificada como de baixa qualidade) versus arquitetura erudita (de alta qualidade), às vezes mobilizada por parte da crítica. 5. Processo construtivo facilitado pela produção de componentes padronizados pela indústria. 6. Ainda que não se postule aqui uma separação estrita entre arquiteto e mercado, pois como dissemos acima, muitos arquitetos se transformam em empreendedores do Chá. A partir de então, começará a atrair os maiores investimentos públicos e privados, como se demonstra pelo ajardinamento da Praça da República no início do século, bem como a construção do Teatro Municipal em 1911, entre outros. A esse respeito, ver Candido Malta Os lugares no espaço: a problematização do Cine Belas Artes como patrimônio cultural de São Paulo intenções entre os postulados modernos (estandatização, barateamento, etc.) e a economia de mercado que Los lugares en el espacio: la problematización del Cine Belas Artes como patrimonio cultural de São Paulo Campos (2002) 9. Sua timidez em relação aos chamados “temas sociais”, sobretudo em relação à habitação, é digna de nota, principalmente se pensarmos como o urbanista usa modelos estrangeiros para articular e defender suas opções, já que na Europa tais temas vinham sendo enfrentados desde a primeira guerra. Pedro Beresin Schleder Ferreira1 Orientadora: Profa. Dra. Fernanda Mendonça Pitta Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida entre 2011-2012 com financiamento do Núcleo de Pesquisa da Escola da Cidade 10. Sobre esse debate urbanístico e as gradativas mudanças da legislação ver Sarah Feldman (2005) e Raquel Rolnik (2003). 11. Lembremos como exemplo as Ligas camponesas, ou a criação da SUDENE em 1962, uma ação no campo da sociedade civil, outra no campo institucional, ambas buscando a incorporação do conjunto da população nos benefícios da modernização. 12. Tal tema foi estudado por Cristina Leme no interior do Projeto Temático São Paulo os estrangeiros e a construção da metrópole, conforme texto apresentado no I Workshop do projeto realizado na FAUUSP em maio de 2010. 13. Perímetro definido através dos estudos e levantamentos realizados nesta pesquisa e descritos no primeiro item deste texto. No início de 2011, o Cine Belas Artes, tradicional sala exibidora do chamado “cinema de arte” em São Paulo, foi ameaçado de fechamento. Diversas manifestações foram realizadas pela sociedade civil em busca da salvaguarda da sala de cinema. Tendo em vista tal fenômeno, o presente estudo propõe uma investigação sobre o valor do Cine Belas Artes como bem cultural da cidade e da possibilidade de sua inclusão no rol do patrimônio cultural de São Paulo, a fim de subsidiar discussões acerca de sua preservação e cooperar para o debate de maior amplitude sobre os critérios de atribuição de valor predominantes e novas formas de atuação para a preservação e conservação do patrimônio cultural no meio ambiente urbano. imobiliários, sendo donos de pequenas empresas incorporadoras e construtoras. Assim, há um “casamento” de Places in space: thoughts about the Cine Belas Artes as cultural heritage of São Paulo At the beginning of 2011, the Cine Belas Artes, traditional exhibition room of the so-called “art film” in São Paulo, was threatened with closure. Several demonstrations were held by civil society in pursuit of the cinema. In view of this phenomenon, this study proposes an investigation into the cultural value of the Cine Belas Artes and the possibility of its register as an official cultural heritage. The aim was to support discussions about its preservation and cooperate to the wider debate on the prevailing value criteria and new forms of action for the preservation and conservation of cultural heritage in the urban environment. Keywords: Cultural heritage, intangible heritage, street cinemas A principios de 2011, el Cine Belas Artes, tradicional sala de exhibición del llamado “cine arte” en São Paulo, fue amenazada de cierre. Varias manifestaciones se llevaron a cabo por la sociedad civil en defensa del cine. En vista de este fenómeno, este estudio propone una investigación sobre el valor cultural del Cine Belas Artes así como de la posibilidad de su inclusión en la lista del patrimonio cultural de São Paulo, con el fin de apoyar las discusiones sobre su preservación y cooperar para el debate más amplio sobre los vigentes criterios de valor y nuevas formas de acción para la preservación y conservación del patrimonio cultural en el contexto urbano. Palabras-clave: Patrimonio cultural, patrimonio inmaterial, cines de calle Palavras-chave: Patrimônio Cultural, patrimônio imaterial, cinemas de rua visa o lucro. O que é interessante é como dentro desse sistema pode haver bons e maus projetos, boas e más soluções, edifícios de qualidade e sem qualidade. 7. Pode-se lembrar de Carlos (Walmor Chagas) e Luciana (Eva Wilma), o casal protagonista de São Paulo S A (de Luís Sergio Person, 1965), filme ícone da metropolização de São Paulo, que recém-casados se mudam para um pequeno apartamento no centro novo. O filme mostra também como novos modos de vida se instauravam na metrópole. 8. Trata-se da região à oeste da colina central, que tivera seu acesso facilitado pela construção do Viaduto 74 75 Figura 1. Fachada do Cine Belas Artes. Fonte: fotografia do autor, 2011. 1. Introdução Ninguém sabe melhor que tu, sábio Kublai, que nunca se deve confundir a cidade com o discurso que a descreve. No entanto, há uma relação entre ambos. (CALVINO, 1993, p.59) Em As cidades invisíveis, Marco Polo narra ao imperador Kublai Kahn a diversidade e vitalidade do urbano, observadas ao longo de suas campanhas pelo mundo. As andanças de Polo, fragmentadas em diversos núcleos circunscritos ao Império, talvez sejam, entretanto, fruto de uma única expedição a uma única cidade. À maneira de um cientista, é possível que Polo tenha dissecado esta cidade e revelado à Kahn suas diversas camadas. Boa parte das cidades narradas tem suas principais características fundamentadas no intricado entre a materialidade e a realidade psicossocial. É o caso de “Irene”, cidade dividida entre a parte de cima e a de baixo, distintas pelo olhar de seus habitantes que perambulam pelas ruas mirando o céu ou as calçadas (CALVINO, 1993). As cidades, ou as ordens da cidade, são-nos reveladas pela voz e vontade do experiente navegante. Marco Polo alerta o imperador que “não se deve confundir a cidade com o discurso que a descreve”, porém faz a ressalva: “no entanto, há uma relação entre ambos” (CALVINO, 1990, p.59). O discurso sobre a cidade e sua vivência são filtrados pela subjetividade, portanto distintos do objeto a que se referem. No entanto, a experiência urbana é construída e dirigida por estas mesmas vivências e discursos. A mensagem de Polo parece nos alertar quanto à aparência universal ou científica que os discursos costumam vestir-se, porém, distanciados desses artifícios, devemos reconhecê-los enquanto parte dialética, e não totalizante, da “realidade”. 76 Realidade com aspas, pois nunca capturada por completo, sempre esquiva, em processo. Uma infinda sequência de totalidades que se justapõem e disputam a produção do espaço urbano. Com as lições de Polo na mala, passemos ao caso em questão. Antes de tudo, façamos uma breve advertência: o presente artigo não pretende provar o valor do Cine Belas Artes, cuja existência é um dos pressupostos da investigação, mas compreender os motivos que levaram o caso de seu fechamento à singular comoção pública e agitação social. A questão fundamental consiste na busca dos motivos que levaram centenas de paulistanos a sair às ruas, realizar passeatas, lotar o cinema em seu último mês de funcionamento, preencher extensas listas de abaixo assinado, e ainda organizar um movimento social específico para a busca da preservação dessa sala de cinema. Para procurarmos apreender tal fenômeno, compreendemos a relação do Cine Belas Artes com a vida na metrópole através do fenômeno de “territorialização” (CARLOS, 1996), ou seja, de demarcação social do espaço e construção de significados e valores em aspectos com tendências objetivas e subjetivas. Ao primeiro grupo de aspectos concerne a análise do Cine Belas Artes como equipamento cultural da cidade, relevante na difusão de uma cultura cinematográfica específica e, junto com outros cinemas de rua, engendrador de uma “mancha cultural” importante para a vida de determinados grupos sociais em São Paulo (MAGNANI, 1987). A fim de compreendê-lo, recorremos a estudos anteriores sobre o circuito de cinemas de rua da Avenida Paulista (STEFANI, 2009; TORRES, 1996; ALMEIDA, 1996) e às entrevistas com frequentadores do Cine Belas Artes realizadas por Almeida (1996). Como bibliografia complementar, nos valemos de autores que tratam da trajetória de desenvolvimento das centralidades culturais em São Paulo, como Frúgoli (2000) e Santoro (2004). Quanto à análise subjetiva, concerne a construção de um lugar de representação ao redor do Cine Belas Artes. Um lugar revelador e contenedor de um desejo urbano, que em última instância, coloca-se como um projeto social. Para averiguar a construção desse lugar, valemo-nos de entrevistas realizadas por Almeida (1995) dezesseis anos antes do fechamento, por Ornelas (2011), realizadas durante o mês do fechamento, e por nós um ano após o ocorrido (FERREIRA, 2012a; 2012b; 2012c; 2012d)2.Como referenciais teóricos, recorremos a pensadores que tratam da relação de construção do significado e da identidade no espaço, como Meneses (2006), Hall (2006), Veiga (2005), Carlos (1996), Magnani (1987), Arantes (2006), entre outros. Antes de adentrar as análises, façamos uma breve retrospectiva do caso. Em janeiro de 2011 o Cine Belas Artes recebeu nova ameaça de fechamento (a última havia sido em 2003) por conta da saída de seu antigo patrocinador (HSBC) e a duplicação no preço de seu aluguel. Em março, a advertência se cumpriu e o cinema fechou as portas. Em fevereiro do mesmo ano, após a notícia do iminente fechamento, o Cine Belas Artes realizou uma programação especial de despedida, que angariou público recorde e diversas demonstrações de comoção popular. Alguns choraram, outros se queixaram e organizaram passeatas e abaixo-assinados, mas nada foi suficiente para deter o encerramento. Em decorrência da pressão pública, sustentada pelo aporte da cobertura da mídia e de intelectuais, em abril foram abertos no Conpresp e no Condephaat processos de tombamento do edifício que desde 1952 abrigou a tradicional sala exibidora. A abertura destes processos, requisitados pela ONG Via Cultural, constituiu simultaneamente estraté- gia política e inquietação patrimonial. No pedido protocolado, a argumentação se esforça no sentido de fundamentar valorações “históricas” e afetivas ao bem, considerando como objeto essencial de tais atribuições simultaneamente o uso e a edificação. O desejo manifesto diz respeito à preservação íntegra do Cine Belas Artes, ou seja, não somente de sua estrutura física, mas também das práticas ali realizadas, explicitadas no pedido de tombamento por meio do elogio à singular programação oferecida pela sala exibidora e a particularidade de seu público. Tal coincidência entre objetos ditos materiais e imateriais será foco de amplo debate dentro dos órgãos patrimoniais e suscitará profundos questionamentos acerca de sua atividade, que aqui serão desenvolvidos mais adiante. Em paralelo, o pedido de tombamento compôs recurso emergencial para evitar a transformação do edifício através do cerceamento de propriedade propiciado pela abertura do processo de estudo de tombamento, possibilitando o prolongamento das negociações entre os programadores do Cine Belas Artes e o proprietário do imóvel. Enquanto eram abertos os processos no Condephaat e no Conpresp, um restrito grupo de membros da sociedade civil organizou-se para fazer pressão no poder público a fim de ter seu desejo atendido. Inicialmente, foi composto por cerca de dez pessoas, nas quais se inclui o autor do presente artigo. Durante o primeiro ano, o MBA (Movimento pelo Cine Belas Artes) teve três frentes de atividade: a midiatização, pesquisa, e ação política. Passeatas e debates foram organizados a fim de conquistar a opinião pública e ampliar a ação do movimento. Em paralelo, aproveitando o interesse da mídia no caso, manifesto pela grande repercussão que esta deu ao fechamento do cinema, o movimento enviou diversos releases, a fim de pautar 77 a questão do fechamento do Cine Belas Artes como uma espécie de sinédoque das dificuldades existentes para a manutenção de “casas de cultura” na cidade de São Paulo. Por fim, o movimento organizou documentações e análises, a fim de subsidiar a pesquisa dos órgãos patrimoniais, além de frequentar as reuniões de seus respectivos conselhos. Em meados de agosto, o Conpresp deferiu o arquivamento do processo de tombamento, em contraste aos estudos realizados por Licia M. Alves de Olveira (2011) e Fátima Martin Rodrigues Ferreira Antunes (2011) no âmbito do DPH (Departamento do Patrimônio Histórico), que afirmavam os valores proferidos no pedido e recomendavam o tombamento. Poucos meses depois, no Condephaat também foi deferido o arquivamento do processo, que teve como parecerista o historiador Francisco Alambert, antecipando-se à finalização e análise do estudo encomendado a seu corpo técnico (UPPH – Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico), que fora encarregado à historiadora Deborah R. Leal Neves, ao sociólogo Mário A. Medeiros da Silva e ao arquiteto José A. Chinelato Zagato (2011). Ambos conselhos afirmaram que o tombamento era inviável, pois, de acordo com os atuais contornos interpretativos dados à legislação estadual e municipal reguladora do tombamento pelos órgãos de preservação, a edificação carecia de valor artístico ou “histórico”. Da mesma forma, foi alegado que o tombamento do edifício não garantia seu uso, ou seja, que nem o tombamento ou qualquer outro instrumento de ação de que estão dotados os órgãos patrimoniais seriam capazes de contemplar o valor requisitado pela população civil. Nesse momento, após longas conversas com especialistas, tais como Nabil Bonduki, Walter Pires e Raquel Rolnik, o MBA já estava consciente de que o tombamento não era a solução mais adequada para o caso, porém julgava estratégica a manutenção do cerceamento de propriedade propiciado pela situação de estudo de tombamento, a fim de assegurar a integridade do bem enquanto outras negociações eram realizadas. Assim, em dezembro de 2011, uma liminar da justiça obrigou o Condephaat e o Conpresp a desarquivarem os respectivos processos referentes ao Cine Belas Artes. Em outubro de 2012, após o indeferimento do pedido no Conpresp, o Condephaat, em sessão ordinária de seu conselho, decidiria pelo tombamento da fachada do Cine Belas Artes e de uma faixa de onze metros do interior, contada a partir da frente do edifício. A tática de preservação adotada pelo órgão negou os valores atribuídos 78 ao uso e ao que mais adiante desenvolveremos como o “lugar” Cine Belas Artes. Entende-se que a garantia desse não está ao alcance das leis que regem as atividades do Condephaat, porém o órgão demonstrou dificuldade de renovar-se frente a novos objetos patrimoniais, de buscar estratégias de preservação conjuntas com outros órgãos estatais ou o terceiro setor. Ainda assim, o tombamento foi útil ao movimento ao dificultar a comercialização do edifício, que até 2014 permaneceu abandonado. Foi nessa janela, de 2012 até o início de 2014, que o MBA realizou negociações com as secretarias de cultura do Estado e do município de São Paulo, que por fim acabaram por resultar na promessa de reabertura Cine Belas Artes com patrocínio da Caixa Econômica Federal e gestão do municipal, complementando a preservação iniciada pelo Condephaat (RODRIGUES, 2012; ZANIN, 2014). 2. O lugar de cinema Para a compreensão das valorações construídas acerca do Cine Belas Artes por seus usuários, fez-se necessária a construção de um patamar analítico para o caso. Esse local privilegiado para a observação foi construído, fundamentalmente, a partir dos conceitos de “lugar” e “espaço”, de forma a aprofundar a interação entre práticas sociais e espaço físico, como expresso na valoração simultânea de características materiais e imateriais do Cine Belas Artes. Seguindo Ana Fani Carlos, se assente que: Lugar é a porção do espaço apropriável para a vida [...] é o bairro, é a praça, é a rua, e nesse sentido poderíamos afirmar que não seria jamais a metrópole ou mesmo a cidade lato sensu a menos que seja a pequena vila ou cidade – vivida/conhecida/reconhecida em todos os cantos. [...] A metrópole não é “lugar”, ela só pode ser vivida parcialmente (CARLOS apud VEIGA, 2005, p.44). Um “espaço” está cercado de outros espaços. Um “lugar” está cercado de significados. A existência de um “lugar” depende de sua apropriação por um indivíduo ou grupo. Espaços são apenas as localidades, os endereços e constituições físicas da cidade. Lugares são espaços compreendidos na vida de seus habitantes. Existe um espaço para todos: a cidade. Porém sobre esse mapa do espaço se sobrepões milhares de outros mapas de lugares, constituídos pela afetividade cotidiana de cada indivíduo. Cada um estabelece relações singulares com a cidade e se apropria de elementos e de forma distinta do espaço. Agora imaginemos todos esses mapas da cidade sobrepostos: Se, por hipótese absurda, pudéssemos levantar e traduzir graficamente o sentido da cidade resultante da experiência inconsciente de cada habitante e depois sobrepuséssemos por transparência todos esses gráficos, obteríamos uma imagem muito semelhante a uma pintura de Jackson Pollock, por volta de 1950: uma espécie de mapa imenso, formado de linhas e pontos coloridos, um emaranhado inextricável de sinais, de traçados aparentemente arbitrários, de filamentos tortuosos, embaraçados, que mil vezes se cruzam, se interrompem, recomeçam e, depois de estranhas voltas, retornam ao ponto de onde partiram. (ARGAN, 1992, p.178) Nesse mapa virtual é possível imaginar que agregando os mais distintos trajetos há certos pontos de convergência, de adensamento. Estes podem dar-se por diversos motivos, podem delimitar-se de diversas formas. São esses os lugares que transcendem a representatividade individual. O passeio da Avenida Paulista e o bairro do Bexiga em São Paulo são exemplos deste fenômeno. Magnani (1987) associa grande parte dessas significações urbanas às práticas de lazer, sendo essas grandes agregadoras da vida coletiva paulistana no espaço comum. Veiga (2005) analisa que “o que caracteriza o lugar seria a vivência que dele se faz e o que define o homem seriam os lugares que compõem seu cotidiano”. Dessa forma entendemos que não há um caminho unívoco na determinação de espaços como lugares, mas bidirecional, onde indivíduo ou grupo dão identidade a um espaço, tornando-o lugar, ao passo que esse automaticamente passa a constituir parte da identidade desses atores. Há uma relação de ambivalência dialética entre sujeito-espaço que vai muito além da fruição estética ou do uso. Como indicado por Ana Fani Carlos (1996), um lugar não é apenas conhecido, mas local de reconhecimento, de identificação. Para entender a aplicação desses conceitos no caso do Cine Belas Artes, deve-se primeiramente entender e identificar os grupos sociais participantes do fenômeno estudado. Nossa hipótese inicial para a delimitação do referido grupo, assim como colocado por Torres (1996), partiu da caracterização desse como um público de consumo “intelectualizado”. Diversos depoimentos3 referem-se à qualidade e singularidade da programação deste cinema, desde seus primórdios, referida como “cinema de arte”, caracterizando-o como espaço de encontro de indivíduos que partilham um mesmo gosto. Ainda seguindo o estudo realizado por Torres (1996), acrescido de informações obtidas por nós (FERREIRA, 2012a; 2012b; 2012c; 2012d) e Ornelas (2012), pode-se definir que o grupo social estudado é constituído, em geral, por habitantes da Zona Oeste de São Paulo, em geral dotados de ensino superior completo ou em curso, com idade variante entre dezesseis e sessenta anos, e renda superior a três salários mínimos. Por fim, são frequentadores do polo cultural da Avenida Paulista, ou seja, de suas salas de cinemas que não o Belas Artes, restaurantes, museus, etc. Determinado o grupo social, vejamos quais os valores atribuídos por esses agentes ao Cine Belas Artes. Distinguimo-los em duas vertentes: lugar objetivo e lugares subjetivos. No que diz respeito ao primeiro, notamos que parte da importância do Cine Belas Artes, manifesta em sua defesa, está diretamente relacionada com a particular atividade desenvolvida nesse espaço em tensão com o resto da cidade. Assim, destacam-se na determinação do lugar objetivo o uso e a localização. O mote de abertura do cinema foi a criação de um circuito de programação paralela à hegemonia de Hollywood, presente em mais de 85% das salas de cinema de São Paulo (STEFANI, 2009). Nos últimos anos, após a reforma de 2004, dedicou sua programação a filmes europeus e lançamentos nacionais, assim como manteve um programa de cineclube, cursos de direção e roteiro, e o tradicional “noitão” – sessão extraordinária em que eram exibidos filmes ao longo da madrugada. Além do mais era um dos grandes palcos da Mostra Internacional de Cinema, que tem nos cinemas de rua da Avenida Paulista grande parte de sua atividade desenvolvida. A exaltação da acessibilidade aponta para a locação específica do cinema, tanto no que diz respeito ao acesso, quanto à inserção no polo cultural da Avenida Paulista. Alguns entrevistados afirmam a frequência a outros cinemas e espaços (baladas, cafés, museus, restaurantes, livrarias e bares) da Avenida Paulista, como complemento ao programa. A maioria não tinha uma preferência específica pelo Cine Belas Artes, mas costumavam “perambular” pelos cinemas da região para verificar a programação: “Se o filme de que eu estava a fim de assistir estivesse passando em outro cinema da Paulista, eu não iria ao Belas Artes” – Jorge, 45 anos (FERREIRA, 2012b). Todos os cinemas citados nas entrevistas (CineSESC, Unibanco, Espaço Itaú Frei Caneca, Cine Livraria Cultura e Reserva Cultural) possuem as 79 mesmas qualidades referenciadas ao Belas Artes: programação diversa do circuito comercial e acessibilidade. Dessa forma, o circuito das salas de “cinema de arte” da Avenida Paulista caracteriza-se como uma “mancha”7 urbana que concentra 90% das poltronas destinadas à exibição do “cinema de arte” na cidade, agrupadas em seis salas localizadas no polígono formado pela Avenida Paulista, Rua da Consolação e Rua Augusta. O Cine Belas Artes é um dos vértices dessa formação urbana (STEFANI, 2009). Assim, a nosso ver, este possui características que transcendem uma sala de cinema, beirando, em interação com seus arredores, a configuração de um centro cultural. Dessa forma, pode-se dizer que os aspectos objetivos constituintes do lugar Cine Belas Artes, uso e localização, fundamentam a valoração do cinema como parte basal de um notável polo cultural no cenário do lazer urbano paulista. A fim de tratar do caráter subjetivo da produção desse lugar, partimos da análise da prática discursiva, tanto plural como subjetiva. Procuramos encontrar na fala de nossos entrevistados os momentos em que o particular, individual, transita ao comum, coletivo. No conjunto o fizemos buscando as constantes discursivas enunciadas. Nos particulares, procuramos compreender os momentos em que o discurso se apoia em questões de maior amplitude do que a experiência subjetiva ou que procura reforçar a própria experiência. Assim, buscamos cartografar a ambiência psíquica do Cine Belas Artes enquanto parte da complexa e difusa trama dos sentidos produzidos no meio ambiente urbano. Através desse processo, percebemos a existência de duas camadas na construção do lugar Cine Belas Artes, que apesar de apresentadas separadamente, possuem estreita relação entre si. Coexistem nessa formação os lugares de representação e experiência. 2.1. Lugar de representação Percebemos que para além da resolução do caso do Cine Belas Artes e através dele, os entrevistados proferiam discursos sobre a cidade, revelando como a desejam e imaginam. É de grande valor aqui a distinção feita por Harvey (apud HAESBAERT, 2011) entre lugar de representação e lugar vivido. O lugar vivido é aquele da experiência, seu discurso é restrito à esfera de locações específicas e suas relações com grupos e indivíduos. Já o lugar de representação é construído como suporte para uma reflexão mais ampla da cultura, ele representa alguma coisa. O desejo de permanência do Cine 80 Belas Artes, a nosso ver, representa o desejo de uma radical transformação no processo de construção do ambiente urbano de São Paulo. Dessa maneira, tecemos a hipótese da construção do lugar Cine Belas Artes a partir da constituição de uma identidade de caráter político, na qual a coluna vertebral desse constructo está na maior estima do valor de uso em detrimento do valor de troca na produção do espaço urbano. Assim, o capital especulativo imobiliário e os “cinemas de shopping” emergem nesse discurso enquanto signos do hegemônico, enquanto o grupo, organizado ou não, de ex-usuários vêm-se como antagonistas através de seus próprios signos: cinemas de rua, vida nas ruas, etc. O Cine Belas Artes figura como um lugar de representação quando passa a ancorar um determinado desejo irradiador para todo o urbano, tornando a preservação, dentro dos discursos analisados, um passo “emblemático” para uma mudança nos processos de construção da cidade e, consequentemente, de toda a sociedade. Em suma, o Belas Artes é feito sinédoque de um desejo de cidade a conquistar. A imagem desse anseio urbano pode ser bem delineada na construção da história da vida nas ruas da cidade de São Paulo em que se apoiou o MBA. Nesta o auge dos cinemas de rua está centrado entre os anos 40 e 60, período em que houve grande aumento no número de salas na cidade (SIMÕES, 1990). Em meados dos anos 70, com o advento da televisão no cotidiano popular, junto com outros fatores, como aumento gradual da violência, tem início a redução do público dos cinemas; também se agrava a dificuldade financeira para manter as salas ativas, todas ocupando espaços de aluguel (SIMÕES, 1990, SANTORO, 2004 e ALMEIDA, 1995). A vida privada prevalecendo sobre a pública, esta é a história do lazer em São Paulo narrada a partir deste momento. Em paralelo, o comércio de rua entra em declínio; cenário de extrema fertilidade para surgirem os shopping centers, que passam a ser a opção mais “segura” para a população, além de ocupar um lugar privilegiado na hierarquia da mentalidade consumista que começa a entrar em erupção. Da mesma forma há o gradativo aumento do mercado automobilístico, que reforça o individualismo e possibilita que o habitante da cidade transite entre diversos espaços privados, onde passará a concentrar a maior parte de sua vida, sem nenhum verdadeiro contato com a rua. A este processo Mumford e Jacobs denominarão a desertificação da rua (BONDUKI, 2011). As poucas salas remanescentes ficam na região da Avenida Paulista, onde a vida nas ruas ainda é presente, a tolerância à diversidade existe e a cultura urbana se exacerba (SANTORO, 204). A negação do shopping center, portanto, surge como afirmação do caráter qualitativo da vida desejada na cidade. O shopping, enquanto mimese controlada da rua é encarnado como oposição no discurso. Aponta para o desejo de outra modalidade para o espaço comum na cidade, que não esteja pautada excessivamente pelo consumo, pela vigilância e pelo espetáculo (GHIRARDO, 2009). Dessa maneira, o Cine Belas Artes como lugar de representação é ícone para uma ideia que transcende sua particularidade. A constante de alguns juízos (aversão ao mercado imobiliário e aos shoppings centers; apologia aos cinemas de rua, à acessibilidade, à permanência em detrimento à destruição) nos depoimentos coletados nos permitem construir um panorama de que há por detrás do interesse no caso do Cine Belas Artes uma vontade, um desejo de transformação, tanto da configuração urbana de São Paulo, quanto de seus processos de construção. É saliente que todas as formulações surgem em oposição, negação, ao existente. São simultaneamente críticas e propositivas: Mas de qualquer forma, o movimento em defesa do Cine Belas Artes é emblemático: hoje em dia, a cidade está nas mãos da especulação imobiliária – a preservação e a reabertura do Belas Artes significará uma vitória da cultura, da arte e de todos os valores humanos mais elevados sobre a ganância, a cobiça e esse poder brutal da especulação imobiliária. – Jorge, 45 anos (FERREIRA, 2012b) A movimentação social e a própria preservação do Belas Artes são tidas por seus defensores como uma transformação para além da resolução do caso em particular. Ao tratar de “ganância” e o “poder brutal da especulação imobiliária”, Jorge trata da cidade toda. O “caso emblemático” que propõe se refere ao aspecto difusor de problemáticas urbanas que o caso Belas Artes levantou através da mobilização social e das mídias como lugar de representação. 2.2. Lugar de vivência A segunda face da construção do lugar Cine Belas Artes diz respeito ao lugar vivido. Esse, em contraste com o lugar de representação, refere-se à experiência corriqueira, coletiva ou individual, de um espaço. A construção desse lugar, ao invés de estar relacionado a significações de caráter icônico ou metafóricas, vincula-se aos significados produzidos a partir do contato direto com o espaço. O lugar de vivência, diferentemente do de representação, não existe fora experiência do espaço. A experiência do cinema coopera na construção da memória e do afeto, bases para a elaboração do lugar Belas Artes. Dessa maneira, a partir dos discursos dos ex-usuários, pode-se aferir alguns dos aspectos construtivos da singularidade desse lugar de vivência, cuja manutenção, manifesta na valoração do uso e da localização, é a principal reivindicação da busca pela salvaguarda do Cine Belas Artes. Filmes e salas do circuito e alternativos não são a priori passíveis de julgamento de valor. Mas há talvez, uma distinção de posicionamento e valoração da experiência cinematográfica pelos diferentes públicos. Os cinemas da Paulista abrigam, em maioria, públicos distintos dos cinemas de shopping (ALMEIDA, 1995). A apropriação por determinados grupos sociais, em geral de jovens universitários e intelectuais (SIMÕES, 1990) do Belas Artes transcende o mero uso, no sentido estritamente funcional, tornando-se ponto de encontro, de espera, de pausa, de conversas, enfim, de certa sociabilidade urbana. Distintos púbicos realizam distintas apropriações (“cinema de arte” e cinema comercial) de seus espaços. Seguindo as observações de Stefani (2009) e Almeida (1996), o público do “cinema de arte” estabelece relação sentimental e afetiva com os espaços de exibição, constituindo muitas vezes até certos “ritos” em sua frequência. Esse fenômeno possivelmente está associado tanto com a relação e com o consumo do produto exibido, assim como com a escassez destes espaços de exibição na cidade. Deste modo ambos concluem que possivelmente estes espaços engendram certa identidade, consolidando-se como lugares da cidade para estes grupos. Em contrapartida os frequentadores dos multiplex não estabelecem vinculo sólido com seus espaços de exibição. Independentemente se se encontra em um shopping center ou não, para ambos os autores, o costume de ir ao cinema está para esse indivíduo assim como uma gama de outras atividades de lazer, ou seja, é apenas mais um entretenimento entre outros. Outro fator determinante talvez seja a homogeneidade dos espaços e programação nos multiplex de forma que constituem espaços indistintos (assim como o produto que oferecem) e, portanto, desprovidos de qualquer singularidade capaz de engendrar uma identidade, beirando o que Augé (2010) denomina de não-lugares. Dessa maneira, há para além do julgamento de valor e oposição, alguma disparidade entre os cinemas “de arte” e de shopping center e é razoá- 81 vel o afeto de seus usuários. Almeida (1996) chega a esboçar a ideia de que há uma fidelidade do público com esses espaços, devido à sua escassez e singularidade. Porém também especula que, para além das questões práticas, há: [...] ligações emocionais com certas salas ou regiões da cidade; algumas delas são pontos de encontro casuais com amigos e conhecidos e, portanto, há certa sensação de se estar mais à vontade em determinados locais (ALMEIDA, 1995, p.198). Por último, a própria experiência de assistir a um filme, constitui importante fator engendrador do lugar vivido do Cine Belas Artes. De acordo com Morin (1970) o cinema como cultura de massa passa a ser um dos grandes fornecedores dos mitos condutores da vida, de maneira que se torna compreensível a sua oscilação entre fantasia e realidade, dos saltos que dá do imaginário ao real e vice- versa. “Ela (cultura de massa) não é só evasão, ela é ao mesmo tempo, e contraditoriamente, integração” (MORIN, 1970). A cultura de massa como adaptação ao sistema social, que propõe uma ideologia e “receitas práticas para a vida privada”. Mitos de auto realização, do amor, o modelo do herói, são todos arquétipos fundados no cinema, impulsionados do imaginário em direção à realidade. Para Morin o cinema é um modelo de cultura e, portanto, compartilha com seus espectadores laços mais estreitos do que a simples evasão do entretenimento, ou seja, o cinema é um parâmetro de comportamento para o homem contemporâneo. Em muitos relatos, ex-usuários ao serem estimulados a falar sobre o Belas Artes acabam falando dos filmes que lá assistiram. A sala exibidora passa a ser além de portadora, antropomorficamente, quem lhes ofereceu a oportunidade da experiência. Há um certo ar de gratidão nesse sentido. Seguindo a trilha de Morin (1970), podemos dizer que o cinema constrói maneiras de percepção e reação ao cotidiano. Por isso muitos entrevistados referiam-se ao cinema como espaços de formação ou de aprendizagem. Por exemplo, para Leo, 21 anos, sobre o Cine Belas Artes: “tudo que eu sei, toda minha personalidade, tudo que aprendi, foi aqui mesmo” (FERREIRA, 2012d). Da mesma forma, Hirao, 36 anos define o Cine Belas Artes como “um espaço de formação, informação, sociabilização, cultura e conhecimento” (FERREIRA, 2012c). Confrontar uma obra não se restringe a uma experiência estética ou de entretenimento, é um processo de aprendizagem da construção de significados bilateral, ao passo em que se significa a obra, o faz consigo mesmo e com a vida. 82 Dessa forma, o lugar vivido do Cine Belas Artes constitui-se a partir da soma de vivências coletivas e individuais, estando diretamente relacionados o espaço e a localização do cinema, com seu público e os ritos e valorações desse rito que ali se estabelecem. Uso, programação, localização e espaço encontram-se plenamente fundidos na vivência do lugar, tornando a preservação completa desses aspectos condição sine qua non para a preservação do lugar Cine Belas Artes. 3. Questões patrimoniais O tempo cultural não é cronológico. Coisas do passado podem, de repente, tornar-se altamente significativas para o presente e estimulantes do futuro. (MAGALHÃES, 1985) Antes de penetrar no embate com as problemáticas patrimoniais sugeridas pelo caso, faz-se necessário deslocar e debater certos conceitos, enrijecidos ao longo do tempo, associados à disciplina. Tentaremos, para isso, desnaturalizar algumas noções correntes acerca do patrimônio cultural. Comecemos pelas noções de perenidade, unicidade e universalidade atribuídas à disciplina patrimonial e objetos tombados, que se aproximam da sacralidade de um museu (casa de memória e poder) à qual também se soma o valor da antiguidade per se (CHAGAS, 2002). Em oposição a essa, adotemos a concepção de que o patrimônio cultural é fruto da articulação de discursos, como todo fato social, sendo um constructo cultural, portanto sujeito à transformação e à crítica assim como toda e qualquer forma de organização humana: [...] as considerações dos excluídos, das singularidades e o silêncio na atual escrita da História, é um fator que, juntamente com a percepção do patrimônio como fator cultural, tende a modificar este quadro, pois desvenda o existir não apenas de um patrimônio, mas de patrimônios, cada um dos quais referenciados em memórias específicas ou locais cujo valor tem que ser aferido por critérios múltiplos. (RODRIGUES, 1996, p.203). Qualquer coisa ou fenômeno do mundo é passível de valor patrimonial e de preservação, que são categorias e etapas distintas da disciplina. O valor não está no objeto, mas é atribuído por sujeitos. Dessa maneira temos um patrimônio não só de categorias móveis, mas também dinâmico, pois parte das transformações sociais. A distinção que Halbwachs (1990) faz dos conceitos de História e Memória nos parece análoga às duas formas de patrimônio a que estamos nos referindo, conforme recuperadas por Nora (1993): A história é reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do passado. [...] A memória emerge de um grupo que ela une o que quer dizer, como Halbwachs o fez, há tantas memórias quantos grupos existem; que ela é, por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada. A história, ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá uma vocação para o universal. A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo. (NORA, 1993, p.9) Este trecho nos conduz à outra face da prática patrimonial que nos interessa: a prática do patrimônio como projeto social. Uma acepção da disciplina que leve em conta as duas dimensões colocadas por Nora. Seguindo Antônio Arantes (2006), encontramos no patrimônio a potência de um discurso transformador: A temática do patrimônio quando associada, ao mesmo tempo, às noções de memória e futuro sugere não só uma relação entre memória social e projeto social, isto é, entre a memória social e a construção no presente das perspectivas futuras de uma formação sócio-territorial; sugere também que, de alguma forma, o patrimônio histórico-cultural participa desta relação, da memória social com a construção das soluções dos problemas com os quais se confronta uma sociedade. (ARANTES, 2006, p.3) O patrimônio para além de instrumento museográfico para a preservação da cultura erudita, constrói através da rememoração e da vivência as bases para um projeto social. Decide pela lembrança ou o esquecimento, que serão os possíveis pilares de sustentação para memórias transformadoras (NORA, 1993). Eis a importância da história vista a contrapelo, pois a permanência das derrotas marca a permanência dos conflitos, enquanto o esquecimento tenderá a apagá-los. Uma das possíveis compreensões do fenômeno social de busca pela salvaguarda do Cine Belas Artes tange essa leitura, entendendo o cinema em questão como um espaço de resistência. A terceira noção a ser deslocada diz respeito às categorias da materialidade e imaterialidade de um bem patrimonial. A cultura, em última instância, é um amálgama de símbolos, ritos e práticas, com diferentes formas de manifestação. A materialidade e a imaterialidade de uma cultura são duas faces indissociáveis de uma mesma moeda. Esta interdependência é raramente exaltada em casos de tombamento, menção que permitiria ao discurso patrimonial acerca de bens imóveis expandir-se do âmbito técnico para os diversos valores estabelecidos por outros grupos sociais. Como definido por Argan (1992), o tratamento da cidade deve dar-se em duas vias: a função e o espaço visual, aquele trabalhado também por Lynch (2011), cuja origem é a imagem da cidade construída na interioridade de seus habitantes. Para Argan (1992) um lugar da cidade deve ser objeto de tratamento do urbanismo quando, como se fossem sobrepostos os mapas afetivos de todos os habitantes, este formar pontos de concentração afetiva, constituindo um lugar que transcende a vivencia individual e passa a ser um lugar social. Essa observação equivale ao direito à memória e à cidade, apontados nas reivindicações sóciais observadas no caso em questão. No episódio do Cine Belas Artes, devido a uma suposta ausência de valor material de caráter técnico arquitetônico4, a contradição vem à tona. Comporta memória social e constitui importante lugar para a vida da cidade. O edifício em questão é valorado enquanto recipiente. Há grande recusa entre os técnicos na utilização do instituto do tombamento5 nesses casos, afirmando a restrita abrangência a objetos de valor artístico e excepcional da cultura brasileira, mais especificamente, a bens arquitetônicos e obras de arte. Surge a questão: deve-se abranger a atuação do instituto do tombamento ou criar novas ferramentas6? O último ponto a ser tratado acerca dos deslocamentos das noções do Patrimônio Cultural diz respeito aos limites da disciplina. Os órgãos de preservação do patrimônio cultural são agentes de produção do espaço urbano. Sua atuação, portanto, é política (Arantes, 2006), e está estritamente ligada aos anseios da sociedade enquanto coletividade: A orientação e eficácia do trabalho com o patrimônio cultural dependem, visceralmente, de nosso projeto de sociedade, do tipo de relações que desejamos instaurar entre os homens (MENESES apud ARANTES, 2006, p.194). Toda prática preservacionista está articulada com algum projeto de sociedade e cidade. Pode-se pensar o tombamento do Cine Belas Artes sob duas matrizes: o uso político do tombamento e/ou da transformação das políticas patrimoniais e de seu 83 “projeto de sociedade”. Pela primeira poderíamos pensar que mesmo não garantindo as qualidades requisitadas pela sociedade para o bem em questão, a utilização do de tal instrumento traria poder à sociedade civil, dando validade ao seu desejo: Se a memória social depende da narração para sua continuidade, a paisagem urbana também poderia contribuir a partir da memória do lugar que seria, para o filósofo (Aristóteles), a presença estabilizadora do lugar como um contendor de experiências que contribui tão poderosamente para a sua memorabilidade intrínseca (CASTRIOTA, 2009, p.124). O tombamento poderia ser entendido como um gesto político, que percebe o processo de preservação de maneira mais complexa, em longo prazo. No caso do Cine Belas Artes, possibilitaria à sociedade civil mobilizada realizar a articulação faltante entre o órgão patrimonial municipal (Conpresp) e as secretarias responsáveis pelo planejamento da cidade, ou que se formem estratégias extraoficiais para a preservação do Patrimônio Cultural (à maneira da preservação realizada em 2004, que analisaremos mais adiante). Dentre os órgãos públicos atuantes na cidade de São Paulo, talvez os responsáveis pelo Patrimônio Cultural (Conpresp e Condephaat) sejam os únicos onde é possível que qualquer cidadão abra um processo sem grandes barreiras burocráticas. Essa constitui uma hipótese para o fato de casos, como o do presente estudo, acabarem sendo direcionados aos órgãos patrimoniais e terem seu debate circunscrito a esse campo. As questões de preservação, dizem respeito aos referidos órgãos públicos, porém esse tipo de ação não é específico a esses, havendo diversas possibilidades para que seja efetuado por outros segmentos do Estado que comportam instrumentos eficientes como a desapropriação, as PPP’s (Parceria Público-Privado) e a elaboração e gestão dos Planos Diretores Estratégicos8. Por outro lado, essas políticas estão mais afastadas do cidadão comum, e normalmente comprometidas com agendas políticas pré-estabelecidas das Secretárias Municipais. A recuperação do Cine Belas Artes em 2004, realizada pela produtora O2 Filmes junto à distribuidora Pandora Filmes, pode ser entendida como significativa de uma ação de preservação material e imaterial do cinema independente dos instrumentos oficiais. O edifício então se encontrava em condições materiais inviáveis para desenvolver sua atividade. A reforma do edifício, realizada por Roberto Loeb, agiu sobre o material de acordo com sua valoração imaterial, ou seja, a nosso ver, não consiste em um processo de restauro arquitetônico, 84 mas de restauro de uso, de urbanidade. Dessa forma o arquiteto sentiu-se livre para criar novos espaços de convivência (como o hall do segundo andar, a abertura para a Rua da Consolação e a lanchonete no térreo) assim como reconfigurar livremente as salas de exibição. Note-se que essa ação conseguiu equilibrar o interesse financeiro e mercadológico dos entes envolvidos com a interpretação e respeito ao valor social atribuído para aquele espaço. A ideia dessa recuperação era revitalizar aquele lugar tão caro à cidade de São Paulo. Por isso foi imprescindível a associação de André Sturmn na direção das atividades do cinema. A recuperação tanto do caráter de programação que o cinema havia desenvolvido até os anos 90, assim como de suas atividades de teor cultural, garantiram, junto à recuperação das instalações, que aquele voltasse a ser um lugar da cidade. As movimentações ocorridas no começo de 2011, reunindo desde jovens até idosos, são a prova da eficiência desta ação de preservação, verdadeiramente efetiva não só na preservação da memória, mas também da vida na cidade, contemplando a esfera de valor que aqui lidamos: a manutenção do lugar. 4. Considerações finais Grande parte da problemática desenrolada pelo caso do Cine Belas Artes diz respeito à decisão de que modelo e instrumentos seriam adequados à sua preservação. A dificuldade está concentrada, dentre outras, na ideia de preservação do uso. O uso, tradicionalmente no Urbanismo é tratado de forma restrita a seu caráter utilitário e funcional. Este conceito de uso esquadrinha as experiências da cidade, reduzindo-as a seu caráter quantitativo. Entre o lazer e o trabalho, há a vida de todos habitantes da cidade. Uma sala de cinema não é nem somente funcional, nem somente lazer, mas uma experiência coletiva e individual multifacetada. O objetivo inicial de pesquisa foi entender a mobilização realizada em torno do Cine Belas Artes e suas consequências propositivas para problemáticas da disciplina do Patrimônio Cultural. A conclusão do artigo dá-se, portanto, no entrecruzamento entres estas duas frentes de investigação. Este encontro não chega à dimensão de uma proposta, por mais que possa insinuar caminhos. A quantidade de grafites que cobriram o cinema após seu fechamento é reveladora da posição de seu destaque no imaginário urbano (Figura 1). Como a relva da floresta que encobre velhas construções, os grafites e pichações atestam o abandono. Protes- tam por meio da intensificação do processo de degradação, como catalisadores ou lamentosos oráculos do destino a que está fadado o edifício. “Pasolini passou aqui” é a síntese das valorações atribuídas ao Belas Artes. A primeira, mais literal, diz respeito à sua posição no circuito exibidor paulista, parte do circulo afetivo de determinados grupos ligados a uma cultura cinematográfica. A outra, como descrita pelo próprio autor (VEIGA, 2011), surge da metáfora sobre o destino de Pasolini, que morreu atropelado, assim como, nas palavras dos entrevistados, o foi, por outras forças, o Belas Artes. A compreensão da mobilização ao redor da salvaguarda da sala de cinema em questão teve seu desenvolvimento primordial envolta do conceito de lugar. Foi a partir dele e da busca por uma compreensão especifica de sua construção no caso estudado que formulamos e organizamos nossas percepções acerca desse fenômeno social. Para tanto, lançamos duas hipóteses para a sustentação e elaboração do lugar Belas Artes. A primeira procura compreender o Cine Belas Artes enquanto lugar de representação, ícone do desejo urbano do grupo social analisado. A segunda aborda o cinema enquanto lugar vivido, tendo como foco a construção do lugar a partir da experiência subjetiva e coletiva daquele espaço. Assim, observamos dois lugares distintos para um mesmo espaço. Lidamos, para a primeira, na matriz do lugar de representação, ou seja, o Belas Artes enquanto um lugar no imaginário da cidade. Na segunda o lugar é construído menos pelos discursos que o cercam e mais pelas vivências, experiências e memórias acumuladas naquele espaço. Para cada lugar há um debate patrimonial distinto. Por isso nos propomos a pensá-los separadamente, mas não completamente apartadas, mas antes camadas conspícuas de um mesmo fenômeno. A valoração do edifício que comporta o Cine Belas Artes, sob a ótica do lugar de representação e de memória, está relacionada à idéia de monumento. Esta noção, na modernidade, está associada diretamente com o intricado entre as ideias de rememoração e projeto político (FONSECA, 1997). Foi assim que o SPHAN construiu uma ideia nação brasileira em sua primeira fase de atuação (durante a gestão de Rodrigo Melo Franco de Andrade) (FONSECA, 1997), estratégia seminal da noção moderna de patrimônio surgida na França, em consonância com a formulação de projeto social e político proposta por Arantes (2006). A operação de memória/rememoração pensada para o Belas Artes é de menor escala, porém opera de maneira semelhante. O ato de preservar supõe o ato de esquecer. Esquecer o Belas Artes, simbolicamente, significa esquecer um desejo urbano, em todos os aspectos antes formulados. Por outro lado, preservá-lo denota o reconhecimento dessas mesmas qualidades e aspirações. Assim como, por exemplo, o Obelisco de São Paulo foi erguido em memória à Revolução Constitucionalista de 1932, com o objetivo de firmar certa identidade paulistana e manter acesa a chama dos ideais marcados por aquele movimento. Se entendemos o Belas Artes como monumento paulistano é no estrito sentido da lembrança, da permanência da memória enquanto propulsora do imaginário urbano e de suas consequentes transformações. Seria antes, enquanto lugar de memória, como proposto por Pierre Nora (1993), do que um saudosismo. Retomando ao binômio da história dos “vencedores” e dos “derrotados” podemos pensar que a preservação do Belas Artes seria a construção de um monumento aos “derrotados”, mantendo acesa a chama da luta de identidades, criadas e sustentadas pela oposição (HALL, 2006), que foram construídas ao redor deste espaço enquanto elemento simbólico, lugar de representação. Preservar o Belas Artes seria instituir aos grupos sociais que se articulam ao discurso de desejo urbano aqui caracterizados um lugar de resistência, um lugar de memória que mantém o conflito de interesses na produção do espaço urbano em aberto, que reforça essas contradições ao invés de neutralizá-las a fim de atingir uma suposta “unanimidade”. Se pensado o monumento Belas Artes na matriz da experiência e vivência do cinema, do lugar vivido, chegamos a outra formulação. Entramos em consonância com o pensamento urbano característico dos anos 60/70, do apelo à pequena escala e da valoração de dados subjetivos no pensamento da produção da cidade. O monumento Belas Artes, nesse caso, não trataria exatamente de uma memória coletiva e comum como no outro, mas de um amálgama de memórias e afeto individuais depositados em um mesmo objeto. O foco da valoração é a manutenção da experiência e das práticas dos grupos sociais ligados a esses espaços, que são interdependentes. Ao contrário do monumento anterior, este não seria um objeto que procura confluir em si uma única memória, uma espécie de meta-narrativa comum, mas um objeto que contempla a multiplicidade da experiência urbana, equiparando esse valor ao das “grandes” narrativas históricas. Valoriza o cotidiano do cidadão comum, pretende apenas atuar enquanto mantenedor de um determinado modo de vida na cidade, à maneira 85 como são realizadas ações patrimoniais junto à comunidade indígenas, como o tombamento da Cachoeira do Iauaretê (ARANTES, 2009). Tangenciando o pensamento de Magnani (1987) sobre as manchas urbanas, consideramos que o Cine Belas Artes junto com o Cinearte (atual Cine Livraria Cultura), Cine Unibanco, CineSESC e Reserva Cultural, constituem juntos um lugar para a cidade. Como proferido por muitos de nossos entrevistados e de Almeida (1990): são os “cinemas da Paulista”, compartilhando identidade e público específicos. O Cine Belas Artes não é o lugar de cinema de arte na cidade, mas um dos lugares, o lugar de cinema é constituído pelo conjunto. Dessa maneira, pensar a permanência do Belas Artes unicamente enquanto lugar vivido só faria sentido se pensada em conjunto. As duas noções de monumento propostas não são excludentes, mas complementares uma vez que dão conta de diferentes camadas do fenômeno estudado. Por último cabe analisar estas duas propostas sob a luz das problemáticas patrimoniais levantas pelo trabalho. Ambas contemplam tanto a noção do patrimônio enquanto projeto social, ou seja, um olhar mais amplo para o patrimônio como fenômeno social e parte atuante na concorrência para a produção do espaço urbano. Ambas também consideram a dissolução da distinção entre materialidade e imaterialidade, tanto no que diz respeito à valoração do espaço enquanto recipiente da experiência e afeto de grupos sociais paulistanos, quanto na valoração pelo valor simbólico do edifício, em que a criação do símbolo é uma operação “imaterial”, imaginativa, que pousa sobre uma estrutura física. Para a ação efetiva das duas hipóteses seria necessário o cerceamento do direito de propriedade privada a fim de garantir a preservação proposta. Poderia ser realizada por meio de um acordo, como no caso citado em 2004, porém, se não há consentimento do proprietário, se faz necessária a intervenção do setor público. Os instrumentos utilizados poderiam ser a desapropriação ou o tombamento. A utilização do tombamento, como já mencionado, é limitada tanto pela legislação como em sua eficácia. Nesse caso o tombamento seria útil enquanto gesto político inaugural para uma ação seguinte de desapropriação, de convencimento do proprietário ou de negociação para uma PPP. A desapropriação por sua vez garantiria a posse de propriedade ao Estado, mas assim como tombamento, não garante a preservação. Essa é possível através de ações contundentes da sociedade civil organizada e do Estado para mobilizar 86 patrocinadores e especialistas para retomar o uso do local, como ocorrido na reabertura do cinema realizada em 2004. Referências bibliográficas ALMEIDA, Heloísa Buarque de. Cinema em São Paulo - hábitos e representações do público (anos 40/50 e 90). Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. _______________________ . Janela para o mundo: representações do público sobre o circuito de cinema em São Paulo. In: TORRES, Lilian de Lucca; MAGANANI, José Guilherme. Na Metrópole: textos de antropologia urbana. 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Dessa maneira, para além da voz captada através das entrevistas, destaca-se como importante dado para a pesquisa a própria experiência do autor e sua vivência da cidade. 3. O referido discurso se faz presente nos depoimentos por nós recolhidos com os ex-usuários do cinema envolvidos nas movimentações sociais para sua preservação, Jorge Rubies e Afonso Junior em fevereiro de 2012, assim como nas entrevistas realizadas anteriormente por Torres (1996) e Ornelas (2012) com usuários do Cine Belas Artes. 4. O termo mancha, precisa Magnani, designa “uma ambos os instrumentos, porém, da maneira como estão instituídos e regulamentados é impossível, uma vez que contraditórios no que se refere à qualidade e temporalidade do valor que cada instrumento contempla. 8. Pode-se utilizar como exemplo o Plano Diretor Estratégico de São Paulo (Lei Municipal Nº 13.430/2002), que determina as ZEPECs (Zonas Especiais de Preservação Cultural), que determinam regulamentação específica para determinados trechos urbanos, garantindo uma gestão mais apurada de áreas e bens com valor cultural atribuído pela sociedade de maneira mais flexível que o Instituto do Tombamento e sem a necessidade de onerar o Poder Público, como ocorre na desapropriação. A definição das ZEPECs também viabiliza a utilização de outros instrumentos previstos no PDE de São Paulo, que podem cooperar na negociação entre os interesses públicos e privado sobre a propriedade como o direito de preempção, a permuta de terrenos e a transferência de potencial construtivo. No que tange às PPP’s, a mitigação de impostos via Lei Rouanet (PROAC e PRONAC), tem grande potencial para a preservação de bens culturais, como já foi realizado no próprio Cine Belas Artes, que foi patrocinado pelo HSBC de 2004 até 2010. área contígua do espaço urbano dotada de equipamentos que marcam seus limites e viabilizam – cada qual com sua especificidade, competindo ou complementando – uma atividade ou prática predominante” (MAGNANI, 1987, p.3). 5 Segundo Fonseca, é notório que a prática dominante de ações de preservação de bens materiais no Brasil permanece pautada pelos valores de excepcionalidade das obras no que se refere ao seu valor artístico ou arquitetônico (FONSECA, 1997). 6. Regido no Estado de São Paulo pelo Decreto Estadual nº 13.426, de 16/mar/1979, pautado no DL nº 25/37. 7. Um exemplo elucidativo dessa questão é o registro da Cachoeira do Iauaretê (AM), realizado pelo IPHAN em 2006. O valor reconhecido pelo IPHAN nesse local remete-se ao valor espiritual e mítico atribuído pelas tribos indígenas que vivem às redondezas da cachoeira. Nesse caso, a opção pelo Registro é coerente por não enrijecer o valor daquele espaço, pois se tratando de uma valoração de ordem espiritual e mítica, está sujeito á mudanças ao longo do tempo. Dessa maneira, o bem valorado é preservado através da chancela do IPHAN e mantém as atribuições materiais e imateriais do bem distintas para futura manutenção. Porém, no caso de uma disputa por essa propriedade, como ocorre comumente em meios ambientes urbanos como o de São Paulo, o Registro demonstra-se pouco eficiente para a garantia dos valores culturais preservados, pois não propicia o cerceamento de propriedade à maneira do instituto do tombamento. No caso do Cine Belas Artes, seriam necessárias para a preservação as qualidades de 89 VII jornada de iniciação científica VII Jornada de Iniciação Científica da Escola da Cidade A Jornada de Iniciação Científica, que a Escola da Cidade promove anualmente desde 2009, foi concebida como oportunidade de difusão e de debate de pesquisas que se realizavam no âmbito do Programa de Iniciação Científica e Pesquisa Experimental fomentados pelo antigo Núcleo de Pesquisa da própria escola. Em sua VII edição a jornada se reafirma como esse espaço prolífico de debate inicialmente idealizado, bem como evidencia a diversificação e as múltiplas possibilidades que a pesquisa no âmbito da graduação assume atualmente na Escola da Cidade a partir de suas três modalidades – iniciação científica, pesquisa experimental e vivência externa em pesquisa – abrigadas a partir de 2015 junto ao Conselho Científico. Repete-se no evento desse ano a experiência iniciada em 2014 de abrir-se para a apresentação de pesquisas de iniciação científica de arquitetura e urbanismo (e áreas afins) também realizadas em outras universidades, faculdades e escolas de ensino superior. A possibilidade de colocar em diálogo os trabalhos realizados na Escola com aqueles feitos em outras instituições de ensino é uma oportunidade única de ampliação das perspectivas de debate, fundamental para o adensamento do pensamento crítico no âmbito da pesquisa científica desenvolvida nesta instituição. Este ano, oito mesas, que abarcam 31 pesquisas de alunos de graduação, contarão com os comentários de profissionais respeitados em seus campos de atuação, o que uma vez mais só têm a nos honrar. A VII Jornada de Iniciação Científica propõe ainda a realização de uma mesa de encerramento que procura discutir estruturas de grupos de pesquisa e possibilidades de articulação de suas atuações com profissionais em suas diferentes etapas de formação, bem como das relações entre o universo teórico e a prática cotidiana da profissão do 92 arquiteto urbanista na dinâmica acelerada de nossas cidades. A mesa Invenções do morar convida a ex-professora da casa, Nilce Aravecchia, agora docente na FAU-USP, para, a partir de um universo de pesquisas com caráter e objetos bastante diversos, discutir os sentidos do morar. As pesquisas aqui em debate tencionam as relações entre o espaço do morar e suas relações sociais internas e externas, ao olharem para exemplos particulares e provocativos de novas reflexões e perspectivas de análise. Já a mesa Técnicas e estratégias projetuais conta com a participação de Franklin Lee, que traz sua experiência como professor e profissional que busca o encontro de tecnologias de design para gerar geometrias social e ambientalmente sensíveis em projetos de arquitetura e de desenho urbano. Busca-se nessa mesa explorar estratégias diversas da concepção e da análise de projetos arquitetônicos, em diálogo com as novas tecnologias disponíveis do universo digital, mas também a partir de um caráter multidisciplinar que ora aproxima a arquitetura das discussões no campo da estética, ora a coloca como resultante de lógicas intrínsecas do universo da matemática. Habitação e a ação do Estado pretende lançar luz na importante temática da habitação de interesse social no nosso país, a partir de pesquisas que, adotando perspectivas de análise diversas, abordam vários programas e estratégias que procuraram atender às carências habitacionais nas últimas décadas. A participação de Ana Paula Koury, professora do Programa de Pós Gradação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu e coordenadora junto com Nabil Bonduki da pesquisa Pioneiros da Habitação Social no Brasil que resultou nos três volumes publicados em 2014, traz assim contribuição valiosa. Igualmente impor- tante é a contribuição da professora livre-docente e curadora do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), Ana Magalhães, à mesa Artes – circuitos e diálogos, na qual estão reunidos trabalhos que aproximam a formação do arquiteto dos campos artísticos – quer seja pelos elementos complementares do espaço construído ou pelas possibilidades da luz na construção do espaço cênico, quer seja pelas perspectivas mais próximas à história da arte de reflexão sobre movimentos, trânsitos e artistas. A mesa Derivas do urbano traz reflexões sobre os complexos e por vezes contraditórios processos de produção e leitura dos espaços urbanos a partir de diversificados recortes e escalas de análise; e contará com os comentários de Leandro Medrano, professor livre-docente da FAU-USP, cujas pesquisas têm se centrado, entre outras temáticas, nos processos de produção da cidade e da economia urbana. Também com foco na perspectiva urbana, mas deslocando-a para um território mais próximo da história das cidades e da construção de suas memórias, inseridas nas dinâmicas sociais do passado e do presente, a mesa Memórias, registros e espaço construído convida a também professora da FAU-USP Ana Castro (ex-docente da casa), para o diálogo. Com a prestimosa colaboração da professora da FAU-USP e diretora do CPC-USP Monica Junqueira de Camargo discute-se, em Miradas do moderno, pesquisas que procuram desvelar os percursos ricos e diversificados a partir dos quais a arquitetura moderna procurou se construir, afirmar e difundir no Brasil. Em Espaços do educar Lilian L’Abbate Kelian, traz sua reconhecida experiência de reflexão sobre educação e políticas educacionais, para a discussão de pesquisas que procuram evidenciar as intricadas lógicas que ligam o projeto de espaços escolares ao percurso de reflexão de seus arquitetos, mas também a dimensões pedagógicas, políticas ou urbanas. Por fim, embora certamente não menos importante, a mesa Investigações em rede na arquitetura e no urbanismo convida ao diálogo o Núcleo de Estudos das Espacialidades Contemporâneas – através de seu coordenador Fabio Lopes; o Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade – através das professoras Raquel Rolnik (FAU-USP) e Paula Santoro (FAU-USP); o Grupo de Pesquisa Da Experimentação ao Projeto: Materialidades e Traduções – através das professoras Myrna de Arruda Nascimento (Centro Universitário SENAC) e Valeria Cássia dos Santos Fialho (Centro Universitário SENAC); e o Usina – Centro de Trabalho para o Ambiente Habitado – através de seu atual coordenador Flavio Higuchi Hirao. A partir do relato desses grupos e espaços de pesquisa distintos, de suas estratégias diversas de compreensão de seus objetos, mas também da estruturação de seus espaços – institucionais ou não - de pesquisa; trata-se de oportunidade riquíssima para abrir novos horizontes de reflexão sobre as possibilidades de construção de redes de pesquisa que procuram em escalas e de formas diversas enfrentar questões de interdisciplinariedade e das possíveis conexões com o universo prático que lidar com o objeto construído nos traz. Comissão Científica Eduardo Costa Fernanda Pitta Luis Octavio Pereira Lopes de Faria e Silva Maira Rios Marianna Boghosian Al Assal Pedro Lopes 93 programação 27 de outubro de 2015 mesa 1 Invenções do morar comentário: Profa. Dra. Nilce Aravecchia Botas (FAU-USP) coordenação: Prof. Ms. Pedro Lopes 1. Habitar o invisível: residências reais para uma São Paulo inventada Vitor Hugo Pissaia (EC / bolsista PE-EC) orientação: Profa. Ms. Ana Carolina Tonetti (EC) 2. A arquitetura da moradia estudantil da Unicamp Giovana Bertazzoni de Martino (FEC-Unicamp / bolsista Pibic-CNPq) orientação: Profa. Dra. Ana Maria de Goes Monteiro (FEC-Unicamp) 3. Domesticidade em esquadro: o Escritório Técnico F. P. Ramos de Azevedo e algumas propostas para o espaço doméstico paulistano na virada do século XIX para o XX Carlos Thaniel Moura (EFLCH-Unifesp / bolsista Pibic-CNPq) orientação: Prof. Dr. Fernando Atique (EFLCHUnifesp) 4. Casa-aldeia: microcosmo Thiago Benucci (EC / bolsista Fapesp) orientação: Prof. Dr. Pedro Cesarino (FFLCH-USP) mesa 2 Técnicas e estratégias projetuais comentário: Prof. Ms. Franklin Lee (AA) coordenação: Prof. Dr. Luis Octavio Pereira Lopes de Faria e Silva 1. Aspectos construtivistas na arquitetura contemporânea Gabriella Neri Gutierrez (Centro Universitário 94 3. O cliente coletivo: Estado, habitação social e arquitetura moderna Anne Mayara Almeida Capelo (IFCH-Unicamp / bolsista Fapesp) orientação: Profa. Dra. Silvana Rubino (IFCHUnicamp) 4. Análise crítica das dimensões dos espaços funcionais de habitações populares – COHAB, SEHAB, CDHU e PMCMV Micherlâne Lima (IFSP / bolsista IFSP) orientação: Prof. Dr. Alexandre Kenchian (IFSP) SENAC / bolsista Pibic-CNPq) orientação: Profa. Dra. Myrna de Arruda Nascimento (Centro Universitário SENAC) 2. Experimentações nas obras contemporâneas de Peter Eisenman Luis Paulo Hayashi Garcia (Centro Universitário SENAC) orientação: Profa. Dra. Valeria Cássia dos Santos Fialho (Centro Universitário SENAC) 3. Geometria e estrutura: construção de estruturas complexas a partir de módulos geométricos Mariana Tiemi Uemura Kawaguti (IFSP) orientação: Profa. Dra. Patrícia Andréa Paladino (IFSP) 4. Influência das curvas cônicas na arquitetura: a elipse e as galerias do sussuro Giovanna Rodrigues Cardoso (IFSP/bolsista IFSP) orientação: Profa. Dra. Patrícia Andréa Paladino (IFSP) mesa 3 Habitação e a ação do Estado comentário: Profa. Dra. Ana Paula Koury (USJT) coordenação: Profa. Ms. Maira Rios 1. O papel das ZEIS na política habitacional Leticia Haspene Santaella (FEBASP) orientação: Profa. Dra. Débora Sanches (FEBASP) 2. A Caixa Estadual de Casas para o Povo (CECAP) e o interior paulista: a atuação de uma autarquia governamental na construção de conjuntos habitacionais Michele Aparecida Siqueira Dias (EFLCH-Unifesp bolsista Fapesp) orientação: Prof. Dr. Fernando Atique (EFLCHUnifesp) mesa 4 Artes – circuitos e diálogos comentário: Profa. Dra. Ana Magalhães (MAE-USP) coordenação: Prof. Dr. Fernanda Pitta 1. Luz - elemento constitutivo da forma, espaço e tempo. Experiência de iluminação cênica do espetáculo “O filho” (Teatro da Vertigem) Naiara Abrahão (EC / bolsista VE-EC) orientação: Prof. Ms. Alexandre Benoit (EC) 2. Círculo y Cuadrado e Grupo Ruptura: os movimentos uruguaio e brasileiro e o debate sobre a relação entre surrealismo e construtivismo Olívia Mendes Tavares (EC / bolsista IC-EC) orientação: Profa. Dra. Fernanda Pitta (EC) 3. Anita Malfatti como retratista: análise das relações entre a artista e os retratados nos anos 1930-1940 Morgana Souza (IEB-USP / bolsista IC- Santander) orientação: Profa. Dra. Ana Paula Cavalcanti Simioni (IEB-USP) 4. Inventários: altares de Taubaté e Guaratinguetá – levantamento e análise de artes complementares João Paulo Gobbo e Marina Carneiro Murad (UNITAU / bolsistas UNITAU) orientação: Prof. Dr. George Rembrandt Gutlich (UNITAU) mesa 5 Derivas do urbano comentário: Prof. Dr. Leandro Medrano (FAU-USP) coordenação: Profa. Ms. Amália Cristovão dos Santos 1. São Paulo – duas cidades em uma. Um estudo sobre a Galeria Metrópole e o conjunto Cidade Jardim Débora Cristina da Silva Filippini (EC / bolsista IC-EC) orientação: Profa. Dra. Marina Grinover (EC) 2. O centro de São Paulo e o mercado imobiliário residencial Daniel Souza de Carvalho (EC) orientação: Prof. Ms. Felipe Noto (EC) 3. Análise dos usos informais do espaço público no bairro Jardim América, São Paulo Cesar Hiro Okinaga (FEBASP) orientação: Prof. Dr. Ademir Pereira dos Santos (UNITAU / FEBASP) 4. A deriva como método para a interpretação do espaço urbano Thamires de Cássia César (UNITAU) orientação: Prof. Dr. Ademir Pereira dos Santos (UNITAU / FEBASP) mesa 6 Memórias, registros e espaço construído comentário: Profa. Dra. Ana Castro (FAU-USP) coordenação: Prof. Ms. Gian Spina 1. Buenos Aires: memórias de dor na paisagem urbana Rebeca Lopes Cabral (EC / bolsista Fapesp) orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al Assal (EC) 2. Edifício Anchieta: formalizando memórias e patrimonializando a arquitetura moderna Rebeca Domiciano de Paula (EC / bolsista Fapesp) orientação: Profa. Dra. Flavia Brito do Nascimento (FAU-USP) 3. Por detrás dos muros – o industrial Sabbado D’Angelo e os paradoxos de sua memória Lucas Florêncio da Costa (EFLCH-Unifesp) orientação: Prof. Dr. Fernando Atique (EFLCH-Unifesp) 4. Registros de um arquiteto peregrino: identificação e organização do acervo fotográfico de Eduardo Kneese de Mello Elisa Horta da Silva (FEBASP) orientação: Prof. Dr. Ademir Pereira dos Santos (UNITAU / FEBASP) mesa 7 Miradas do moderno comentário: Profa. Dra. Monica Junqueira de Camargo (FAU-USP) 95 coordenação: Profa. Dra. Joana Mello 1. Moderno e regional: trajetória e projetos residenciais de Severiano Porto em Manaus (AM) Isabella De Bonis Silva Simões (EC / bolsista IC-EC) orientação: Profa. Dra. Joana Mello (EC) 2. Lina Bo Bardi e o projeto moderno no Brasil Luiz Gustavo Sobral Fernandes (FAU-Mack / bolsista Fapesp) orientação: Profa. Dra. Lizete Rubano (Fau-Mack) 3. Técnica e tradição: Os caminhos da Azulejaria no Brasil e em Portugal em meados do século XX a partir das leituras particulares Giulia Godinho (EC / bolsista VE-EC) orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al Assal (EC) 4. Congresso Brasileiro de Arquitetos entre 1945-1954: debates para a construção de uma escola moderna de arquitetura Fernando Shigueo Nakandakare (FEC-Unicamp / bolsista Pibic-CNPq) orientação: Profa. Dra. Ana Maria Reis de Goes Monteiro (FEC-Unicamp) mesa 8 Espaços do educar comentário: Profa. Lilian L’Abbate Kelian (Nupsi-USP / CENPEC) coordenação: Prof. Ms. Fabio Mosaner 1. O projeto da Escola Técnica de São Paulo no contexto da obra de Zenon Lotufo Tamires Kafka Faceira (IFSP / bolsista IFSP) orientação: Prof. Dr. João Fernando Blasi de Toledo Pisa (IFSP) 2. Por uma arquitetura social: o legado de Mayumi Watanabe de Souza Lima Bruna Marchiori Souto (EC / bolsista IC-EC) orientação: Profa. Dra. Joana Mello (EC) 3. Construção de cidade e cidadania – o legado da arquitetura escolar e o desafio dos Territórios CEU Rafael de Jesus Silva (EC/Bolsista VE-EC) orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al Assal (EC) 96 mesa fechamento Investigações em rede na arquitetura e no urbanismo coordenação: Profa. Dra. Anália M. M. C. Amorim Núcleo de Estudos das Espacialidades Contemporâneas Prof. Dr. Fabio Lopes (IAU-USP) Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade Profa. Dra. Raquel Rolnik (FAU-USP) e Profa. Dra. Paula Santoro (FAU-USP) Grupo de Pesquisa Da Experimentação ao Projeto: Materialidades e Traduções Profa. Dra. Myrna de Arruda Nascimento (Centro Universitário SENAC) e Profa. Dra. Valeria Cássia dos Santos Fialho (Centro Universitário SENAC) Usina – Centro de Trabalho para o Ambiente Habitado Prof. Ms. Flavio Higuchi Hirao Resumos dos trabalhos mesa 1 Invenções do morar comentário: Profa. Dra. Nilce Aravecchia Botas (FAU-USP) coordenação: Prof. Ms. Pedro Lopes 1. Habitar o invisível: residências reais para uma São Paulo inventada Vitor Hugo Pissaia (EC / bolsista PE-EC) orientação: Profa. Ms. Ana Carolina Tonetti (EC) Este trabalho experimental pretendeu ser um fazer crítico sobre três chaves do projeto de arquitetura: programa, metodologia e representação. Como em uma metonímia, buscou-se entender fragmentos da cidade contemporânea de São Paulo através de suas partes menores, as habitações e seus habitantes imaginados – aqui entendidas como reflexo de seu contexto maior. O projeto procurou ser capaz de condensar, através de intersecções com a literatura, as histórias em quadrinhos e a linguagem arquitetônica, um pensamento crítico sobre a cidade de São Paulo. Como produto final foi elaborada a Casa hidráulica – ou a Casa das oportunidades perdidas –, que consiste em uma estrutura vertical cheia de água. Assim se estabelecem as narrativas: primeiro a narrativa visual, ritmada pelo virar das páginas e do deslocamento para o fundo do desenho; a narrativa do memorial arquitetônico, que ora se comporta como descrição das intenções do objeto, ora como as intenções do próprio projeto experimental; depois as memórias do personagem, revelando uma camada mais pessoal, da experiência do corpo; por fim, mas não menos importante, pensamentos de dois outros figurantes da casa. Esse material foi formatado através de uma publicação que também estabelece a sequência da leitura e as modificações do espaço através do tempo. 2. A arquitetura da moradia estudantil da Unicamp Giovana Bertazzoni de Martino (FEC-Unicamp / bolsista Pibic-CNPq) orientação: Profa. Dra. Ana Maria de Goes Monteiro (FEC-Unicamp) Essa pesquisa teve como objetivo geral traçar o histórico da implantação da Moradia estudantil da Unicamp, especialmente o processo de concepção e o projeto de arquitetura. Com isso, buscou-se compreender os princípios programáticos que nortearam a adoção do partido arquitetônico e o sistema construtivo adotado, bem como a atuação dos diversos agentes sociais envolvidos (arquitetos, discentes e representantes da Universidade) e finalmente, sua implantação. A partir da revisão bibliográfica de teses, livros e revistas, das consultas à órgãos e arquivos da Universidade, e ainda, de visitas feitas ao local, foi possível entender o cenário histórico e a base conceitual que envolve o projeto do arquiteto Joan Villá. A pesquisa discorre sobre a relação entre o aluno, a habitação estudantil e a Universidade, em diferentes aspectos e contextos, tanto dentro quanto fora do Brasil, criando uma base comparativa que norteou a análise do projeto da Moradia estudantil da Unicamp. Durante esse processo foi desenvolvido material gráfico, contendo diagramas, fotografias e croquis que sintetizam essa reflexão. Conclui-se assim que o projeto de arquitetura da Moradia estudantil da Unicamp se caracteriza por três aspectos. O primeiro, o movimento estudantil TABA, considerado um dos mais organizados da história da Universidade, foi quem constatou a necessidade de moradia e deu início às negociações com a reitoria. O segundo, o LabHab, Laboratório de Habitação da Unicamp, que não somente desen- 97 volveu uma tecnologia de construção, inovadora para a época, como também foi o responsável pelo envolvimento do arquiteto Joan Villá no projeto. Finalmente, o terceiro ponto é o processo de projeto participativo, que une os alunos ao arquiteto, fazendo com que os usuários participem ativamente das discussões e decisões de projeto. Esses aspectos combinados resultam na moradia estudantil como um espaço dinâmico e único dentro da Universidade. 3. Domesticidade em esquadro: o Escritório Técnico F. P. Ramos de Azevedo e algumas propostas para o espaço doméstico paulistano na virada do século XIX para o XX Carlos Thaniel Moura (EFLCH-Unifesp / bolsista Pibic-CNPq) orientação: Prof. Dr. Fernando Atique (EFLCH-Unifesp) A presente pesquisa investiga como a criação arquitetônica do Escritório Técnico Francisco de Paula Ramos de Azevedo incorporou a concepção de uma domesticidade capaz de expressar a opulência típica dos interiores oitocentistas, ajudando a reforçar a construção de uma imagem destacada da elite paulistana. Busca-se, em última análise, compreender as redes relacionais a partir do estudo deste bureau de projetos, que congregou arquitetos, construtores, decoradores, proprietários e divulgadores dessas obras, de maneira a tornar mais densa o sociograma envolvido na produção de um “sistema doméstico”. A pesquisa está no início de seu percurso, mas conta com hipótese levantada a partir de fontes textuais, de que o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo estava direto e indiretamente mobilizado, de forma a contribuir para a organização e decoração dos ambientes domésticos organizados, projetados e construídos pelo escritório, assim como outras instituições ligadas ao escritório. Como citado acima, até o presente momento temos algumas hipóteses, que nos levam a algumas conclusões parciais, tais como: 1) a produção de mobiliário no Liceu de Artes e Ofícios estava ligada aos palacetes/residências que o Escritório Técnico F. P. Ramos de Azevedo projetava, deixando uma relação clara entre decoração e arquitetura; 2) os professores responsáveis pelo ensino no Liceu (imigrantes e amigos de Ramos de Azevedo convidados pelo mesmo), em sua maioria trabalhavam no Escritório. Até o momento essas conclusões parciais têm alimentado reflexões de quão influente foi a obra arquitetônica e seu ambiente interno para a construção de um espaço 98 doméstico projetado para uma nova concepção do morar em São Paulo, a partir do Escritório Técnico F. P. Ramos de Azevedo e da rede que estava por trás de toda sua produção. 4. Casa-aldeia: microcosmo Thiago Benucci (EC / bolsista Fapesp) orientação: Prof. Dr. Pedro Cesarino (FFLCH-USP) Este projeto de pesquisa reflete sobre a relação simbiótica entre casa e cosmologia, através da investigação dos aspectos socioculturais que agem na produção e concepção da casa coletiva yanomami: a casa-aldeia. Procura-se assim aprofundar a noção que relaciona a casa-aldeia a um microcosmo social e simbólico da cultura yanomami. Propõe-se guiar esta questão central através da iconografia pictográfica yanomami, a partir de exemplares selecionados de coleções particulares, como do acervo de Claudia Andujar, e possivelmente coletados em campo. Tais desenhos, produzidos por diversos artistas e em diversas épocas, podem ser considerados como importantes instrumentos de indiciação, mediação e tradução de noções ontologicamente heterogêneas; e como guias e diretrizes para a análise das relações simbólicas que operam entre as concepções cosmológicas e a casa coletiva. No que tange a intrincada relação entre a casa coletiva e cosmologia, uma descrição de David Kopenawa e Bruce Albert sobre o rito de iniciação xamânico yanomami, conduz para uma noção que extrema esta relação central e ilustra parcialmente a questão central do trabalho. Os autores assinalam a ideia de uma “morada celeste” habitada pelos espíritos (xapiripë). Esta “casa dos espíritos”, nos termos de Kopenawa, não se compara com as casas comuns: são suspendidas do chão, fixadas no peito do céu e de proporções descomunais. Além disso, os elementos estruturais que a compõem representam o interior do corpo do xamã e estabelecem uma relação de correspondência entre a casa dos espíritos e o peito do xamã iniciado, conduzindo-nos assim a uma noção similar a da “maloca interna” marubo, levantada por Pedro Cesarino. Pretende-se assim contribuir para uma maior compreensão da complexidade em torno das habitações indígenas através de um estudo interdisciplinar (aproximando os campos da arquitetura e da antropologia) da cultura yanomami e de sua concepção de mundo e de espaço, simultaneamente. mesa 2 Técnicas e estratégias projetuais comentário: Prof. Ms. Franklin Lee (AA) coordenação: Prof. Dr. Luis Octavio Pereira Lopes de Faria e Silva 1. Aspectos construtivistas na arquitetura contemporânea Gabriella Neri Gutierrez (Centro Universitário SENAC / bolsista Pibic-CNPq) orientação: Profa. Dra. Myrna de Arruda Nascimento (Centro Universitário SENAC) O projeto de pesquisa em questão estuda a influência dos princípios e características do movimento construtivista soviético em fenômenos arquitetônicos contemporâneos, com especial ênfase à compreensão do impacto deste movimento, na abordagem do arquiteto americano contemporâneo Steven Holl e nas produções do escritório brasileiro SPBR-Arquitetos, representado pelo arquiteto Angelo Bucci. Desenvolvemos um percurso analítico de aprofundamento conceitual sobre o construtivismo russo, embasado em premissas do racionalismo moderno, bem como identificamos obras nacionais e internacionais, de renomados arquitetos contemporâneos, visando investigar possíveis associações / conexões destas obras com os atributos do movimento vanguardista do início do século passado. Identificamos assim características comuns como: experimentações volumétricas, qualidade cromática, relação entre cheio e vazio e, especialmente, os predicados estéticos e de composição plástica - qualificados por um modo de expressão marcante, no qual figuras geométricas dispostas de determinadas maneiras remetem à sensação de movimento, pela sobreposição de planos e pelo uso de materiais aparentes. Esta pesquisa também contemplou visitas a produções arquitetônicas nacionais selecionadas previamente, com a finalidade de expor a pesquisadora a uma vivência efetiva, em contato presencial com as obras (desenvolvendo a percepção do contexto espacial e conhecendo o fenômeno arquitetônico através da experiência corpórea). O estudo permitiu à pesquisadora selecionar exemplos pontuais paradigmáticos da conexão buscada (entre arquitetura contemporânea e movimento construtivista); estabelecer contato com o arquiteto Angelo Bucci, sócio-diretor do escritório SPBR-Arquitetos; e assim identificar os pressupostos dos projetos estudados, assim como a influência da abordagem de Steven Holl, nos trabalhos atualmente desenvolvidos por este escritório. 2. Experimentações nas obras contemporâneas de Peter Eisenman Luis Paulo Hayashi Garcia (Centro Universitário SENAC) orientação: Profa. Dra. Valeria Cássia dos Santos Fialho (Centro Universitário SENAC) Esse projeto de iniciação científica busca, por meio de estudos com modelos tridimensionais, tanto físicos como virtuais, compreender as experimentações projetuais e conceituais desenvolvidas pelo arquiteto e teórico Peter Eisenman em sua produção contemporânea. Busca-se assim, dar continuidade ao estudo previamente desenvolvido pelo aluno, de série de dez residências produzidas por esse mesmo arquiteto. Essa nova abordagem pretende buscar o entendimento de conceitos filosóficos, teorias e métodos, assim como o papel da utilização de softwares para auxílio generativo / paramétrico, no processo produtivo do arquiteto. Para melhor compreender a articulação arquitetônica dos projetos selecionados, os modelos, virtuais e físicos, são de importantíssima ajuda, além de desenhos manuais e computacionais. Exterioridades, recorte principal da carreira do arquiteto neste estudo, são questões mundanas que se transformam em aliados para Eisenman, tornando-se articulações arquitetônicas essenciais. As obras selecionadas para estudo – abordadas anteriormente – são: Biocenter for J.W. Goethe, Frankfurt, Alemanha (1986-1987); The Virtual House (1997); e City of Culture, Santiago de Compostela (1999). A escolha das obras está relacionada à sua importância conceitual que traz questões para debate no âmbito arquitetônico e os processos compositivos que o arquiteto apresenta com esses projetos. 3. Geometria e estrutura: construção de estruturas complexas a partir de módulos geométricos Mariana Tiemi Uemura Kawaguti (IFSP) orientação: Profa. Dra. Patrícia Andréa Paladino (IFSP) A geometria modular compõe um vasto campo de estudo. O termo módulo vem do latim modulus que significa medida pequena. As pequenas peças agrupadas da maneira correta podem render grandes e belos resultados. A construção modular consiste em criar um objeto complexo a partir da repetição de várias peças unitárias semelhantes. O comportamento geométrico dos módulos pode seguir técnicas de transformações como a repetição, a reflexão, a rotação e a translação. A lógica da geometria 99 modular foi utilizada por muitos matemáticos e filósofos da história por representar harmonia e beleza das formas. A facilidade de se criar peças modulares chegou ao seu ápice com a vinda da Revolução Industrial cujo desenvolvimento tornou viável e barato tal produção em larga escala. O aprofundamento das técnicas de encaixe a cada dia influenciam mais o mercado da construção civil trazendo variação de formas, agilizando projetos, economizando espaços e barateando custos. Na arquitetura, a geometria modular teve como marco importante 1851, com a construção do Palácio de Cristal, em Londres – feito inteiramente de peças pré-moldadas de aço fundido e vidro. Na área do design, as peças modulares são sinônimo de flexibilidade e beleza, criando novas formas e modificando os espaços. O avanço nessa área de conhecimento agrega valor à plasticidade dos projetos e contribui como alternativa morfológica abrindo espaço à arquitetura contemporânea. Este trabalho pretende desenvolver alguns objetos de design por meio da composição de oito peças modulares. O projeto tem como finalidade elaborar quebra-cabeças lúdicos para o aperfeiçoamento de habilidades geométricas inspirados na arquitetura modular e na tradicional arte oriental do origami. 4. Influência das curvas cônicas na arquitetura: a elipse e as galerias do sussuro Giovanna Rodrigues Cardoso (IFSP / bolsista IFSP) orientação: Profa. Dra. Patrícia Andréa Paladino (IFSP) As curvas cônicas, em particular as elipses, sempre foram alvo de estudos devido às suas propriedades. O fato das órbitas em torno dos planetas serem elípticas, por exemplo, foi um aspecto que intrigou grandes cientistas como Newton e Galileu. A partir de suas descobertas, os estudos relacionados às elipses aprofundaram-se. Outro aspecto interessante das elipses são os métodos utilizados para desenhá-las, que têm sido pesquisados e desenvolvidos por arquitetos e engenheiros. Este trabalho busca estudar esses mecanismos e entender de que modo eles se relacionam com as propriedades das elipses. As elipses também estão diretamente relacionadas com a arquitetura, principalmente no campo da acústica e da óptica. Isso se dá devido à sua propriedade reflexiva, a qual permite que uma onda deixe um dos focos, encontre um ponto da elipse e reflita, passando por outro foco. Desse modo, edifícios que tenham o teto com o formato elíptico podem ser, na verdade, galerias do sussurro: lugares em que, se duas 100 pessoas se posicionarem sobre os focos da elipse e sussurrarem, o som de uma pode ser ouvido perfeitamente pela outra. Para desenvolver este trabalho, foi realizado um estudo matemático das curvas cônicas, um levantamento de galerias do sussurro existentes e um estudo sobre os recursos tecnológicos para a construção de elipses por meio de softwares além de instrumentos para desenhar uma elipse. Com base nisso, este projeto busca ainda explorar essas características e mostrá-las por meio da construção de um compasso e uma maquete. Este trabalho aborda aspectos que permeiam a área do desenho e do conforto acústico. Tendo o estudo matemático como base necessária para compreender essas duas áreas, é possível notar a importância da relação entre a matemática e a formação do arquiteto. mesa 3 Habitação e a ação do Estado comentário: Profa. Dra. Ana Paula Koury (USJT) coordenação: Profa. Ms. Maira Rios 1. O papel das ZEIS na política habitacional Leticia Haspene Santaella (FEBASP) orientação: Profa. Dra. Débora Sanches (FEBASP) A presente pesquisa visa entender a trajetória da questão da moradia na cidade de São Paulo e o contexto histórico em que se inserem as ZEIS – categoria de zoneamento em estudo – buscando comprovar sua efetividade na política habitacional. Para tanto, foram levados em consideração neste breve estudo a desigualdade territorial na metrópole e o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de cada região da cidade comprovando que na periferia e em áreas de vulnerabilidade o índice é desproporcionalmente inferior quando comparado a regiões centrais ou de concentração de empregos. A pesquisa busca aprofundar-se na categoria de zoneamento destinada a habitações de interesse social e evidenciar sua efetividade na produção de moradia para a população de baixa renda. 2. A Caixa Estadual de Casas para o Povo (CECAP) e o interior paulista: a atuação de uma autarquia governamental na construção de conjuntos habitacionais Michele Aparecida Siqueira Dias (EFLCH-Unifesp / bolsista Fapesp) orientação: Prof. Dr. Fernando Atique (EFLCH-Unifesp) A presente pesquisa de iniciação científica preten- de refletir sobre a política habitacional do primeiro órgão do governo do Estado de São Paulo destinado a produção de habitação de interesse social, a autarquia CECAP – Caixa Estadual de Casas para o Povo – durante o período da ditadura civil-militar. Segundo a historiografia da habitação social, o período militar foi caracterizado pela institucionalização de órgãos federais para garantir recursos destinados ao financiamento de moradias, ao mesmo passo em que as soluções construtivas utilizadas demonstravam um interesse maior nos aspectos financeiros do que na inserção urbana dos conjuntos e a qualidade arquitetônica. Esta pesquisa pretende analisar três conjuntos habitacionais promovidos pela CECAP no interior de São Paulo (nas cidades de Taubaté, Serra Negra e Caçapava) durante a década de 1970 – momento em que a autarquia propôs a construção de habitações de qualidade como parte de uma política governamental para o desenvolvimento do interior do Estado. Sendo assim, para analise desta pesquisa, pretendemos compreender como estes conjuntos habitacionais foram planejados, seus pressupostos arquitetônicos, o que foi efetivamente construído e como foi a recepção dos mesmos pelos seus moradores. 3. O cliente coletivo: Estado, habitação social e arquitetura moderna Anne Mayara Almeida Capelo (IFCH-Unicamp / bolsista Fapesp) orientação: Profa. Dra. Silvana Rubino (IFCH-Unicamp) O presente projeto de iniciação científica procura estudar a produção de habitação social ligada aos institutos de aposentadoria e pensões (IAPs) partindo do pressuposto de que o trabalho elaborado para a construção desses edifícios não é limitado ao plano tectônico, mas sim elaborado em duas principais camadas: aquela relativa à necessidade da promoção de habitação para os trabalhadores urbanos e a questão simbólica, em que a qualificação do trabalhador como cidadão, tão própria do Estado Novo, se faz presente e fundamental para o entendimento das escolhas e narrativas empregadas a esses conjuntos. Nesse sentido, o entendimento da figura central dessa pesquisa, o nosso “cliente coletivo”, grupo basicamente composto por trabalhadores urbanos, é pensada como figura ativa no processo de demanda e legitimação do emprego da arquitetura moderna nos projetos realizados. Assim, esses indivíduos que são, basicamente, trabalhadores das indústrias e escritórios, constituem um novo grupo capaz de estimular através das necessidades de solução das suas novas demandas, uma nova arquitetura. Os fundamentais conceitos de cidadania, trabalhismo e modo de morar foram (re)elaborados para que fosse possível entender o diálogo entre esses e a arquitetura moderna. A produção habitacional é encarada, portanto, como modelos funcionais do presente que apresentam e legitimam novos hábitos e comportamentos de uma possível sociedade do futuro sintonizada a uma demanda estatal e do próprio cliente coletivo nos seus papéis de construtores ex nihilo de uma nova sociedade, de um novo trabalhador / cidadão. 4. Análise crítica das dimensões dos espaços funcionais de habitações populares – COHAB, SEHAB, CDHU e PMCMV Micherlâne Lima (IFSP / bolsista IFSP) orientação: Prof. Dr. Alexandre Kenchian (IFSP) Com a crescente expansão da população e compactação dos ambientes construídos, torna-se essencial uma análise crítica das dimensões dos imóveis oferecidos a uma camada da população carente de recursos financeiros e sociais que, como consequência de tal condição, é a mais afetada pela redução desenfreada dos espaços habitacionais. Dessa forma, o presente trabalho pretende estudar minuciosamente, do ponto de vista dimensional, um conjunto de tipologias habitacionais oferecidas às camadas mais carentes da população, na Zona Noroeste da cidade de São Paulo, por órgãos públicos como a Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB-SP) e a Companhia do Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), por agentes financeiros, como é o caso do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) do governo federal e, ainda, as tipologias outrora produzidas pelos mutirões autogeridos entre os anos de 1989 e 1992, coordenados pela Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB). A análise dimensional dos espaços de tais habitações, através de estudos de casos, direciona a um estudo qualitativo do espaço construído: como este se adequa ao público alvo, ou seja, como interfere na configuração dos mobiliários e equipamentos domésticos e, consequentemente, na qualidade de vida de seus habitantes. mesa 4 Artes – circuitos e diálogos comentário: Profa. Dra. Ana Magalhães (MAE-USP) coordenação: Prof. Dr. Fernanda Pitta 101 1. Luz - elemento constitutivo da forma, espaço e tempo. Experiência de iluminação cênica do espetáculo “O filho” (Teatro da Vertigem) Naiara Abrahão (EC / bolsista VE-EC) orientação: Prof. Ms. Alexandre Benoit (EC) Partindo da experiência de estágio na equipe técnica de iluminação da companhia do Teatro da Vertigem, elabora-se uma reflexão em pesquisa sobre a iluminação cênica e a arquitetura, relacionando a luz por suas variadas camadas simbólicas, narrativas percepcionais da forma, do espaço e do tempo. A Luz teatral transforma um ambiente, gerando atmosferas distintas e recortando o tempo e a forma em uma matriz, articulando a experiência percepcional em narratividade. A arquitetura se ocupa da materialidade da forma para sustentar a narrativa projetual, refletindo a luz como experiência da sensação, relacionando corpo e espaço, gerando diálogos semióticos da vivência e assim constituindo não só um ambiente, mas também um lugar a partir de relações percepcionais. A percepção como partido projetual, é o que se busca entender do ponto de vista tanto da arquitetura como do teatro. Busca-se igualmente evidenciar a ampliação das relações do corpo no espaço de maneiras distintas, através do uso da luz como um elemento imaterial. Explorando a dinâmica da experiência da forma, do tempo e do espaço que se modifica, pelo dia e pela noite, se constrói a iluminação. A matéria que sustenta a forma na arquitetura pode ser alterada pela não matéria da luz, e a percepção torna-se instrumento de projeto do espaço como condutor de estímulos se valendo da bagagem simbólica do corpo que se relaciona e constrói o lugar. Assim, procura-se estabelecer ligações do projeto entre iluminação e arquitetura, entendendo a percepção como instrumento do desenho do espaço. Transformando figura e fundo, vazio e cheio em claro e escuro, as construções tornam-se aquilo que se pode enxergar ou suprimir. 2. Círculo y Cuadrado e Grupo Ruptura: os movimentos uruguaio e brasileiro e o debate sobre a relação entre surrealismo e construtivismo Olívia Mendes Tavares (EC / bolsista IC-EC) orientação: Profa. Dra. Fernanda Pitta (EC) O projeto propõe o estudo das relações entre o construtivismo brasileiro e o movimento Círculo y Cuadrado, partindo das propostas e ideias gestadas no grupo Cercle et Carré, reunido em Paris no final dos anos 1920. Através do estudo das exposi- 102 ções: III Salão de Maio, Exposição do figurativismo ao abstracionismo e a Primeira Bienal Internacional de São Paulo, pretende-se discutir e elucidar as ligações entre os dois movimentos e suas produções artísticas. 3. Anita Malfatti como retratista: análise das relações entre a artista e os retratados nos anos 1930-1940 Morgana Souza (IEB-USP / bolsista IC- Santander) orientação: Profa. Dra. Ana Paula Cavalcanti Simioni (IEB-USP) Anita Malfatti é uma artista brasileira famosa por ter inspirado e participado do movimento modernista brasileiro. A sua exposição de 1917 causou a emblemática rixa entre os modernistas e Monteiro Lobato e representa, na historiografia tradicional, o momento de rompimento com os modelos oitocentistas da elite paulista. A sua produção posterior, que perdura até os anos 1960, é usualmente posta de lado e considerada de qualidade inferior. Tal decaimento teria sido causado por diversas pressões sociais e familiares sob a figura frágil e sensível da pintora. Este trabalho propõe uma nova visão sobre seus trabalhos pós-1917 ao analisar a grande quantidade de retratos dos anos 1930-1940 de amigos, familiares e alunos. Informações biográficas encontradas sobre os retratados, assim como documentos e entrevistas do Fundo Marta Rossetti Batista no Arquivo IEB-USP, revelam que a artista mapeou as suas relações pessoais da época. Inicialmente, estas obras podem ser percebidas apenas como exemplos de sua afeição, entretanto, é possível perceber a existência de discretos motivos mercadológicos. Após seu retorno da Europa, em 1928, Anita precisou dar aulas de pintura e aceitar encomendas como forma de sustentar a si, sua família e a sua pintura. A produção de retratos deste período pode então ser percebida como uma ferramenta para estabilidade financeira e – como Portinari havia feito com a sua própria produção retratística – a criação de uma rede de mecenas. Portanto, percebe-se que outros períodos da vida da artista revelam uma produção tão interessante quanto aquela dos anos 1910 e, de certa forma, também apresentam novas facetas da sensível Anita. 4. Inventários: altares de Taubaté e Guaratinguetá – levantamento e análise de artes complementares João Paulo Gobbo e Marina Carneiro Murad (UNITAU / bolsistas UNITAU) orientação: Prof. Dr. George Rembrandt Gutlich (UNITAU) O objeto deste estudo se compõe pela associação ornamental entre altares e retábulos, portanto essa pesquisa teve a finalidade de propor um levantamento e análise de artes complementares da arquitetura nas Igrejas de Guaratinguetá e Taubaté, cidades de grande valor histórico e arquitetônico para o Vale do Paraíba e o Estado de São Paulo. As populações dessas cidades são predominantemente católicas, e em seu antigo território foi encontrada a imagem de Nossa Senhora Aparecida e posteriormente nasceu Frei Galvão, o primeiro santo brasileiro. O método de pesquisa se definiu em duas linhas, pelo estudo da literatura relativa aos temas e pelo registro gráfico e decomposição dos elementos ornamentais. Tal procedimento se deu num recorte temporal que envolve desde o início do séc. XVI até meados do séc. XX e o material coletado é objeto de análise estilística, de procedência e disseminação do gosto. Para a efetivação desta análise optou-se pela seguinte metodologia: a definição de estratégias e critérios de documentação e análise; em seguida será realizada pesquisa de campo com registro gráfico documental, catalogação das imagens e elaboração de ficha técnica específica. Como resultado parcial elaborou-se um inventário analítico nas artes complementares da arquitetura como fonte para estudo da disseminação dos modelos do gosto, que será direcionado à elaboração de uma cartilha de educação patrimonial. mesa 5 Derivas do urbano comentário: Prof. Dr. Leandro Medrano (FAU-USP) coordenação: Profa. Ms. Amália Cristovão dos Santos 1. São Paulo – duas cidades em uma. Um estudo sobre a Galeria Metrópole e o conjunto Cidade Jardim Débora Cristina da Silva Filippini (EC / bolsista IC-EC) orientação: Profa. Dra. Marina Grinover (EC) O projeto de pesquisa propõe uma leitura contemporânea da cidade de São Paulo, estudando por um viés social e espacial a segregação da cidade. Serão examinadas diferentes conformações históricas, arquitetônicas e culturais de dois objetos de estudo: a Galeria Metrópole, e o conjunto e sho- pping Cidade Jardim. Os objetos de estudo apresentam duas propostas diferentes de cidade. De um lado, o edifício e Galeria Metrópole, que, pertencente ao contexto ainda modernista da implantação de edifícios de uso misto nos anos 50/60, permitiu espaços coletivos no térreo, e abriu o projeto para a área central da cidade. De outro lado, o conjunto residencial e comercial Shopping Cidade Jardim, um empreendimento imobiliário para alta renda, que possui uma proposta mais privativa do uso misto e que foi construído em uma região de centralidade econômica relativamente recente da cidade. A partir da análise destes dois edifícios análogos, a intensão da pesquisa é aprofundar o debate do papel ético da arquitetura na conformação da cidade e a responsabilidade social do arquiteto ao projetar para empreendedores privados. Além disso, a pesquisa tem como contexto uma São Paulo que permite diversas conformações de cidade dentro de si, resultantes de diferentes interesses econômicos em distintos contextos históricos. 2. O centro de São Paulo e o mercado imobiliário residencial Daniel Souza de Carvalho (EC) orientação: Prof. Ms. Felipe Noto (EC) A intenção dessa pesquisa é analisar os atuais e novos empreendimentos do mercado imobiliário no centro da cidade de São Paulo e levantar hipóteses sobre esses empreendimentos em relação à morfologia, seus moradores e também à dinâmica urbana da qual fazem parte; além de compreender como o conjunto desses novos empreendimentos vão influenciar na dinâmica urbana local e atual. Busca-se assim entender que tipos de empreendimentos são esse, e, a partir de diversas informações, o quanto tais intervenções, de projetos pontuais e isolados cada um em seu lote, podem influenciar e intervir no meio urbano. Compreender o conjunto desses projetos pontuais pode levar a constatações sobre a forma pela qual a cidade agora tende a mudar e para que rumo segue a dinâmica urbana no centro da cidade de São Paulo. A partir desse ponto a pesquisa tem como objetivo mapear, identificar, quantificar e qualificar tais empreendimentos (em construção ou construídos nos últimos 5 anos) no centro da cidade, no intuito de responder questões relacionadas a quem são os novos moradores que o centro abrigará, a que classe social tais empreendimentos se destinam, quais os impactos e mudanças que trarão as dinâmicas urbanas atuais e que dinâmicas possivel- 103 mente irão resultar. Essa pesquisa – incluída na investigação proposta pela tese de doutoramento Quarteirão como suporte da transformação do centro de São Paulo, desenvolvida por Felipe de Souza Noto – se oferece como aprofundamento de um de seus temas de trabalho 3. Análise dos usos informais do espaço público no bairro Jardim América, São Paulo Cesar Hiro Okinaga (FEBASP) orientação: Prof. Dr. Ademir Pereira dos Santos (UNITAU / FEBASP) O presente trabalho tem por objetivo a compreensão do processo de transformação ocorrido no projeto do Jardim América e os desdobramentos que resultaram em sua atual configuração espacial. Pioneiro na América do Sul em exigir a organização das edificações no lote, em usar traçados orgânicos e densas áreas verdes, o subúrbio ajardinado destinado à habitação surgiu em São Paulo no início do século XX como o primeiro bairro concebido aos moldes das cidades-jardins, idealizadas por Ebenezer Howard na virada do século XIX. Loteado pela Companhia City e projetado por Barry Parker – arquiteto inglês que junto de seu sócio Raymond Unwin foi responsável pelo projeto da primeira cidade-jardim inglesa, Letchworth –, o bairro passou por sucessivas modificações em seu projeto original que resultaram na gradativa perda de seus espaços públicos durante e após a sua ocupação. O estudo utiliza como fonte as plantas oficiais da Companhia City somadas às plantas do Município de São Paulo de diferentes períodos, que serviram de base para a elaboração da análise cronológica e dos estudos gráficos comparativos. A primeira grande perda de área pública foi a erradicação das áreas insulares para uso compartilhado no interior das quadras, tal como eram previstas no projeto original. Esse processo de eliminação das áreas públicas é o objeto principal da análise aqui desenvolvida. Busca-se compreender esse fenômeno assim como as posteriores apropriações informais dos espaços públicos pelos próprios moradores do bairro. Conclui-se que essa apropriação se assemelha aos casos de urbanismo informal registrados nos assentamentos irregulares e ocupações geralmente associados às classes de baixa renda, evidenciando que o fenômeno de apropriação de espaços públicos tão comum às metrópoles não é uma exclusividade dos menos favorecidos. Trata-se de um traço da cultura urbana brasileira que por sua vez, exige reflexões mais acuradas. 104 4. A deriva como método para a interpretação do espaço urbano Thamires de Cássia César (UNITAU) orientação: Prof. Dr. Ademir Pereira dos Santos (UNITAU / FEBASP) Após o encerramento do CIAM em 1956, iniciou-se um profícuo período de questionamentos sobre a Carta de Atenas (1933) e o pensamento urbanístico funcionalista ortodoxo. No ano de 1957 foi fundado em Paris o grupo Internacional Situacionista, em função da busca de uma abordagem que contemplasse o aspecto lúdico da cidade, retomando o legado dadaísta, surrealistas e de outros movimentos de vanguarda do início do século XX. As ideias do grupo eram difundidas primeiramente pela Revista Potlatch e posteriormente pela Revista Internacional Situacionista. A base do pensamento situacionista tem como fundamento e destaque a Teoria da Deriva, apresentada em 1958 por Guy Debord, como um procedimento de interpretação e leitura da cidade pautada no ato de caminhar. A pesquisa exploratória de base documental e bibliográfica se justifica pela necessidade de se sistematizar e desenvolver abordagens interpretativas sobre a cidade baseada na percepção e na experimentação, ampliando a capacidade de compreender fenômenos que fogem dos instrumentos tradicionais de interpretação e representação do espaço urbano. Os resultados compreendem uma síntese dos conceitos da deriva, devidamente contextualizada pela produção dos principais expoentes da Internacional Situacionista. Num segundo momento, serão apresentados usos do conceito de Deriva nos estudos urbanos e de modo especial nas Artes Plásticas. mesa 6 Memórias, registros e espaço construído comentário: Profa. Dra. Ana Castro (FAU-USP) coordenação: Prof. Ms. Gian Spina 1. Buenos Aires: memórias de dor na paisagem urbana Rebeca Lopes Cabral (EC / bolsista Fapesp) orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al Assal (EC) Este projeto de pesquisa pretende estudar as relações dinâmicas e muitas vezes conflituosas que história e memória estabelecem com o espaço urbano. Constituem o objeto central da presente pesquisa as memórias relacionadas à violência de Estado argentina referentes à última e mais violenta ditadura vivida pelo país, entre os anos 1976 e 1983. Com o fim da ditadura, os lugares de memória coletiva relacionados às violências de Estado foram reivindicados enquanto provas jurídicas, espaços de significados políticos e simbólicos. Nesse contexto, espacializaram-se disputas entre os diferentes grupos da comunidade que compartilhavam diferentes versões sobre os fatos históricos. O estudo, centrado na cidade de Buenos Aires, se divide, assim, em duas etapas: A primeira busca compreender a conformação dos percursos e caminhos que formam uma topografia da dor na capital argentina; enquanto a segunda pretende aproximar-se de casos específicos, buscando entender como disputas se deram no reconhecimento desses lugares de memórias dolorosas. Desse modo objetiva-se, em última análise, entender a maneira pela qual essas memórias foram social e espacialmente construídas, a partir e através da paisagem urbana de Buenos Aires. 2. Edifício Anchieta: formalizando memórias e patrimonializando a arquitetura moderna Rebeca Domiciano de Paula (EC / bolsista Fapesp) orientação: Profa. Dra. Flavia Brito do Nascimento (FAU-USP) A pesquisa trata do Edifício Anchieta localizado na esquina da Avenida Paulista com a Rua da Consolação, na cidade de São Paulo, construído em 1941 para abrigar funcionários do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI). Tomando o edifício como recorte e elemento principal, busca-se empreender uma leitura da arquitetura moderna, buscando compreender as dificuldades de sua preservação física e as construções de memória em torno da mesma. O edifício conjuga com maestria a linguagem arquitetônica moderna, em especial do escritório carioca de arquitetura MM Roberto, Milton e Marcelo Roberto – responsáveis pela obra. Sua proposta de habitação resultou do encontro de diferentes visões e debates sobre a moradia dos trabalhadores feita a partir do Estado Novo por meio dos Institutos de Aposentadorias e Pensões e protagonizou décadas de mudanças da Avenida Paulista. Estruturou-se um estudo histórico do Edifício Anchieta, contemplando a produção arquitetônica moderna do período e organizando a importância e os desdobramentos que a arquitetura do edifício caracterizou no processo de desenvolvimento da cidade de São Paulo. Os objetivos da pesquisa foram considerar sua importância como patrimônio edificado da cidade, compreender a importância da arquitetura moderna como processo de transformação da arquitetura paulista, visando sua importância para a memória coletiva e, finalmente, compreender o trabalho dos Irmãos Roberto, ampliando os dados sobre sua obra. Desta forma, considerou-se relevante problematizar a preservação do objeto arquitetônico, articulando as questões de memória e da história urbana, através da metodologia do registro da história oral com os moradores mais antigos, além do levantamento material, num esforço de pesquisa inédito. O levantamento cronológico a partir dos diferentes valores (arquitetônico, urbano, histórico e social) em que o Edifício Anchieta se insere, afirma o objeto estudado como um elemento, cuja valoração permite ir além de sua edificação. A urbanidade se dá também dentro do objeto edificado e principalmente nas conformações da vivência do mesmo. Com isso, é certo que o espaço é passível de um passado atribuído a sua materialidade, constituindo-o como um possível lugar de memória na cidade. 3. Por detrás dos muros – o industrial Sabbado D’Angelo e os paradoxos de sua memória Lucas Florêncio da Costa (EFLCH-Unifesp) orientação: Prof. Dr. Fernando Atique (EFLCH-Unifesp) Quem foi Sabbado D’Angelo? Através de fotografias, excertos de jornais, propagandas e outras fontes se investigou a trajetória do empresário e industrial italiano Sabbado Umberto D’Angelo (1879-1938). Se D’Angelo alcançou relativa fama com sua fábrica de cigarros Sudan foi através de uma inteligente rede social articulada na São Paulo do início do século XX. Desse modo, contatando redações de jornais e financiando festas públicas, o industrial arquitetou para si uma imagem bastante positiva de empresário bem-sucedido e de benfeitor social. É investigando a dinâmica de afirmação e inserção no cenário paulista da época - que estará muito atrelada às trocas simbólicas de Bourdieu – que procuramos entender a presença do “rei do fumo” na cidade. Se a memória social legada por esta dinâmica de afirmação é a do “prestígio social” e do sucesso, é numa leitura crítica dessas “construções discursivas” que conseguimos desvelar certos conflitos postos à época, propondo uma análise de todo o cenário que envolvia o empresário. Assim, buscamos averiguar qual o lugar deste indivíduo na história da imigração italiana. E se um dos objetivos primordiais da pesquisa é entender a relação de tal indivíduo com o espaço 105 da cidade de São Paulo no início do século XX, o fizemos, focalizando a reflexão em Itaquera; uma vez que lá se encontra o casarão de Sabbado D’Angelo, construção que serviu ao industrial como casa de veraneio. Buscou-se entender o Casarão como um indício primordial da presença de D’Angelo na cidade, refletindo a partir dele sobre o papel que a iniciativa privada teve na formatação social e espacial da cidade de São Paulo. E se hoje o favorecimento da sensação de pertencimento a uma comunidade é um norte à urbanização e a discussão do Patrimônio, pensamos esse patrimônio edificado à luz das discussões que Maria Cecília Londres Fonseca apresenta. 4. Registros de um arquiteto peregrino: identificação e organização do acervo fotográfico de Eduardo Kneese de Mello Elisa Horta da Silva (FEBASP) orientação: Prof. Dr. Ademir Pereira dos Santos (UNITAU / FEBASP) Este trabalho tem como objetivo apresentar o estágio atual das pesquisas e atividades do trabalho final de graduação em arquitetura e urbanismo em desenvolvimento. Eduardo Kneese de Mello (19041994) formou-se Engenheiro-Arquiteto pelo Mackenzie em 1931 e teve uma carreira marcada pela militância no Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA), além de integrar os conselhos do Condephaat e Iphan, assim como a equipe do Arquiteto Oscar Niemeyer em projetos emblemáticos como o Parque do Ibirapuera em São Paulo e Brasília. Sua trajetória tem como uma primeira fase a produção de residências ecléticas até os primeiros anos da década de 1940, quando se converteu às causas do movimento moderno. Sua militância na divulgação do modernismo é o que caracteriza a segunda fase de sua vida profissional, quando se tornou conhecido como pioneiro da arquitetura industrializada no Brasil, cujo marco é o Conjunto Residencial dos estudantes da Universidade de São Paulo (CRUSP), projetado em 1964. Foi também professor dos cursos de Arquitetura da USP, Universidade Brás Cubas, FAAP, Belas Artes e Universidade de Guarulhos (UNG), onde projetou o edifício dedicado ao curso. Na condição de representante do IAB, viajou por praticamente todos os estados brasileiros e dezenas de países de quase todos os continentes. Produziu nas suas andanças cerca de 16 mil diapositivos (slides) que integram o acervo do arquivo hoje sob a responsabilidade do Centro Universitário Belas Artes. Apresenta-se aqui o trabalho de organização 106 das imagens produzidas pelo arquiteto que além da contagem dos diapositivos, tem como atividade destacada a identificação correta dos lugares e o nome das obras, bem como a localização geográfica dos registros fotográficos. O trabalho contempla ainda a leitura de artigos e livros produzidos por Kneese, bem como dissertações, teses e artigos sobre a sua trajetória profissional. Espera-se assim contribuir para a revisão da biografia do arquiteto a partir da cronologia das imagens, da geração de gráficos e mapas dos roteiros seguido em suas viagens. Depois de organizado e identificado, o acervo de slides deverá ser digitalizado e disponibilizado para pesquisados e interessados por meio da internet. mesa 7 Miradas do moderno comentário: Profa. Dra. Monica Junqueira de Camargo (FAU-USP) coordenação: Profa. Dra. Joana Mello 1. Moderno e regional: trajetória e projetos residenciais de Severiano Porto em Manaus (AM) Isabella De Bonis Silva Simões (EC / bolsista IC-EC) orientação: Profa. Dra. Joana Mello (EC) A presente pesquisa foi formulada com a intenção de analisar a trajetória e a obra residencial construída pelo arquiteto Severiano Porto na cidade de Manaus. Severiano Mario Porto nasceu em Uberlândia em 1930, formou-se pela Faculdade Nacional de Arquitetura, em 1954, no Rio de Janeiro, onde morou até 1965, quando convidado pelo governador do Amazonas Arthur Reis, mudou-se para Manaus. Com a grande demanda de trabalho, Severiano acabou permanecendo em Manaus por mais de trinta e cinco anos, nos quais realizou mais de duzentos projetos. Severiano criou soluções inteligentes para responder às questões climáticas, culturais e da paisagem amazônica, sempre escolhendo bem os materiais e apreendendo os conhecimentos locais de construção. Desse modo, este projeto de pesquisa estuda sua trajetória do Rio de Janeiro a Manaus, procurando compreender a sua formação, a sua contribuição para a leitura sobre a arquitetura amazônica e a sua forma de aliar este conhecimento com os preceitos formadores da arquitetura moderna brasileira. Como material de análise foram escolhidas algumas casas construídas por Severiano, principalmente as localizadas no condomínio Parque Residências e Praia da Lua, ambos loteamentos feitos pelo arquiteto em Manaus. A justificativa para esse recorte se baseia tanto na pertinência do objeto com relação às questões postas acima, quanto pelo fato de que essa produção ainda é pouco conhecida e documentada, podendo-se contribuir para a melhor compreensão de sua obra e também preencher uma lacuna sobre estudos da arquitetura Amazonense. Os métodos que estão sendo aplicados são: levantamentos bibliográficos, visitas aos projetos construídos e visitas ao acervo do Núcleo de Pesquisa e Documentação da UFRJ que detém o acervo de projetos do arquiteto. Essa pesquisa continuará em andamento mesmo completado o ano de iniciação científica da Escola da Cidade. sempre presente é verídica, ela também não é absoluta e completa. Outros temas da arquiteta são sempre frequentes e distantes de uma reflexão necessariamente popular: poucos consideram que a “operação popular” que Lina realiza é parte de um projeto estético que foi largamente trabalhado no Brasil ao longo de praticamente todo o século passado. Aclamadas e criticadas, as propostas voltadas a esse projeto estético, são referência de uma formulação outra de moderno para o país tropical. Lina Bardi tem tangência com essas discussões, fundindo, incorporando e fazendo um projeto particular de arquitetura. 2. Lina Bo Bardi e o projeto moderno no Brasil Luiz Gustavo Sobral Fernandes (FAU-Mack / bolsista Fapesp) orientação: Profa. Dra. Lizete Rubano (Fau-Mack) 3. Técnica e tradição: Os caminhos da Azulejaria no Brasil e em Portugal em meados do século XX a partir das leituras particulares Giulia Godinho (EC / bolsista VE-EC) orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al Assal (EC) Lina Bo Bardi apresentou, ao longo de intensa trajetória profissional, características singulares. Colocar as discussões tomadas pela arquiteta brasileira e pelo – assim denominado – quadro artístico que se formava no Brasil em confronto é uma operação necessária, a fim de encontrarmos possíveis relações de similaridade e distanciamento. Para tal procedimento é realizada leitura da bibliografia selecionada, que interpreta e debate o trabalho de Lina, as publicações realizadas sobre seus projetos e seus próprios artigos. Posteriormente são lidos textos que trabalham sobre a modernidade brasileira recortada na pesquisa (“modernização”, Mario e Oswald de Andrade e a Tropicália). A partir disso relações entre os trabalhos de Lina e a modernidade que se desenvolveu no Brasil são traçadas. Nos três projetos analisados (Casa de Vidro, Igreja do Espírito Santo do Cerrado e SESC Pompeia) pode-se encontrar temas que tangenciam as temáticas abordadas pela “modernidade brasileira”. A Casa de Vidro tem aproximações com a arquitetura popular, uma abordagem recorrente no Brasil (a modernidade das primeiras décadas do século XX), onde o moderno ganha ares de brasilidade. A igreja mineira trabalha com uma abordagem distinta, porém com uma perspectiva semelhante, onde o saber fazer popular é a grande temática. No SESC Pompeia as ironias de Lina e as recomposições de elementos existentes no projeto poderiam aproximar seu procedimento de algumas operações estéticas realizadas pelo tropicalismo. Se a interpretação do trabalho de Lina a partir da suposição de que o popular é uma pauta fundamental e O projeto de pesquisa em questão aborda o uso, na arquitetura, da azulejaria em meados século XX no Brasil e em Portugal, tendo como ênfase o olhar para trajetórias particulares, com o intuito de compreender as trocas e relações existentes nos trabalhos desenvolvidos por autores específicos. Utilizando-se do tema da azulejaria, presente nos murais desenvolvidos em edifícios icônicos do modernismo, analisa-se os contextos e possíveis relações que levaram às escolhas dos painéis, na tentativa final de desmistificar as relações de influência que a historiografia propõe na construção da azulejaria entre os dois países. A historiografia brasileira, se conforma sob um diálogo de superação de períodos da arquitetura ou mesmo de importação desta, construindo um panorama de hierarquização entre elas. No entanto, quando direcionados os focos para a leitura da azulejara no tempo, percebe-se que o desenvolvimento desta arte se dá ao decorrer da história, e não apenas se configura em um ou outro país, numa relação de influência, como descreve a historiografia. A arquitetura moderna brasileira, foi reconhecida em Portugal e no mundo a partir da década de 1940 com a exposição Brazil Builds: architecture new and old, ocorrida em 1943 no MOMA (Museum of Modern Art), em Nova Iorque, e com ela, a azulejaria moderna foi apresentada ao mundo, como uma arte reconhecidamente brasileira. A partir de então, arquitetos portugueses passam a olhar a arte, considerada esquecida com novas possibilidades para composições espaciais. No entanto, muitos arquitetos portugueses já vinham pensan- 107 do e produzindo novos usos para a azulejaria, dentro do contexto moderno português, que teria sido, contudo, tratada sob uma ótica saudosista. Ao final do século XIX, Rafael Bordalo passa a desenvolver, dentre diversas obras, azulejos aplicados à fachadas e ornamentação interna. A partir de 1900, Raul Lino utiliza em ambientes internos e externos azulejos, para compor espacialidades em suas obras. O campo era, por tanto, fértil para receber mais tarde os conceitos da azulejaria brasileira. Do mesmo modo, Portinari que vinha desenvolvendo leituras espaciais capazes de fugir dos temas da tela, teria então sido convidado a criar um painel de azulejos externo ao Ministério de Educação e Cultura do Rio (MEC). Deste modo, se mostra relevante contrapor a construção da ideia de influência sugerida entre os dois países, no contexto de importantes artistas que pensaram simultaneamente o uso e a importância do azulejo. 4. Congresso Brasileiro de Arquitetos entre 1945-1954: debates para a construção de uma escola moderna de arquitetura Fernando Shigueo Nakandakare (FEC-Unicamp / bolsista Pibic-CNPq) orientação: Profa. Dra. Ana Maria Reis de Goes Monteiro (FEC-Unicamp) A pesquisa realizada consiste no levantamento e organização dos documentos referentes ao I e IV Congresso Brasileiro de Arquitetos, ocorridos em 1945 e 1954, respectivamente. Buscou-se sintetizar um quadro de acontecimentos que pontue o contexto no campo político, educacional e cultural do período. Como o objeto de estudo consistiu nos documentos que relatavam os congressos, desenvolveu-se o levantamento e sistematização de organizadores, temas e, quando disponíveis, resoluções adotadas. A consulta aos arquivos do Instituto de Arquitetos Brasileiros (IAB), à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAUUSP), e aos jornais e revistas da época resultaram em uma coletânea de notícias, imagens e resoluções que possibilitaram o desenvolvimento de uma linha do tempo e sistematização dos organizadores do evento. Esse conjunto de documentos evidencia o caráter ideológico presente nos congressos em relação à produção dos arquitetos modernos desse período, contribuindo para o entendimento da atuação de membros do IAB e FAUUSP na intricada relação entre prática e ensino da arquitetura voltado à afirmação da ideologia moderna. Em constante diálogo com o Estado que vislumbrava na arquitetura a imagem do futuro que propunha, 108 o congresso preencheu o espaço entre a arquitetura e a política em manutenção à ideologia desenvolvimentista que buscou utilizar da regularização do ensino como ferramenta para continuidade das suas propostas. mesa 8 Espaços do educar comentário: Profa. Lilian L’Abbate Kelian (Nupsi-USP / CENPEC) coordenação: Prof. Ms. Fabio Mosaner 1. O projeto da Escola Técnica de São Paulo no contexto da obra de Zenon Lotufo Tamires Kafka Faceira (IFSP / bolsista IFSP) orientação: Prof. Dr. João Fernando Blasi de Toledo Pisa (IFSP) A pesquisa aborda a biografia do arquiteto paulista Zenon Lotufo, sua formação acadêmica; carreira como arquiteto – com projetos associados ao modernismo brasileiro, e projetos urbanísticos em Santos e Campos do Jordão – e como professor na Escola Politécnica e da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo; assim como sua participação em diversos concursos de arquitetura pelo país e sua parceria em projeto com seu filho, Vitor Amaral Lotufo. Inserido em sua carreira, e com influência de suas experiências vividas ao longo de sua formação acadêmica, está o projeto do atual Instituto Federal de São Paulo, antiga Escola Técnica de São Paulo, onde parte de seu projeto inicial foi construído e mantém sua função até os dias de hoje. A pesquisa objetiva assim igualmente um estudo detalhado do projeto do Instituto Federal, suas etapas de construção, a concepção inicial do arquiteto e a diferença de sua ideia original para o que foi realmente concretizado, assim como as reformas pelas quais o edifício passou ao longo do tempo. 2. Por uma arquitetura social: o legado de Mayumi Watanabe de Souza Lima Bruna Marchiori Souto (EC / bolsista IC-EC) orientação: Profa. Dra. Joana Mello (EC) Essa pesquisa busca analisar a trajetória e obra da arquiteta Mayumi Watanabe de Souza Lima (19341994), cuja carreira contribuiu significativamente para a reflexão acerca das questões sociais das cidades, sobretudo a moradia popular e a educação. Mayumi nasceu em Tóquio (Japão) no ano de 1934, veio para o Brasil em 1938 e graduou-se em Arqui- tetura e Urbanismo pela FAU-USP em 1956. Assumindo um posicionamento crítico e investigativo sobre o desenho dos espaços coletivos, sempre sob o viés do usuário, a arquiteta atuou principalmente na construção de escolas infantis, no início dos anos 90 na capital de São Paulo. Os métodos aplicados na análise de sua trajetória serão: levantamentos bibliográficos, viagens de campo para Universidade de Brasília (UnB) e Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP), onde concluiu mestrado e iniciou como docente; e onde lecionou durante seus últimos anos, respectivamente; visitas às obras construídas e ao acervo pessoal da arquiteta, localizado no Centro de Memória Sérgio Buarque de Holanda (Fundação Perseu Abramo) em São Paulo, e entrevistas com pesquisadores, usuários, colegas de trabalho e amigos. Buscando compreender seu processo criativo, a técnica e a metodologia de trabalho, através de um olhar analítico sobre sua produção textual e projetos públicos, justifica-se a abordagem de caráter documental sobre a obra de Mayumi, que ainda é pouco estudada e conhecida. A pesquisa tem como objetivo último, contribuir para a divulgação da obra e ensinamentos da arquiteta para além da esfera acadêmica, sob a forma de uma publicação. 3. Construção de cidade e cidadania – o legado da arquitetura escolar e o desafio dos Territórios CEU Rafael de Jesus Silva (EC/Bolsista CE-EC) orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al Assal (EC) organizar os laços que vinculam o recorte preciso dos Territórios CEU no seu contexto físico, época, arquétipos precedentes, historiografia e questões práticas da sua aplicabilidade. O termo “construção” identifica o gesto próprio da postura técnica dos especialistas e no empreendimento de narrativas novas e formativas em um país em desenvolvimento como o Brasil, identificado no desenho urbano ou “geração” de “cidade” onde só havia ocupação. Disso também se destaca a própria agenda proposta no intuito de incluir populações marginalizadas na plena prática da “cidadania”, ou seja, inclui-las à re de de relações formais e participativas. “Legado da arquitetura” procura dar conta de absorver no trabalho parte do léxico acumulado sobre o desenvolvimento técnico e programático ao longo da história recente, sobretudo na cidade de São Paulo e em “escolar” já se define um eixo específico de interesse, identificando a própria riqueza da tipologia, tanto na consolidação de um patrimônio cultural arquitetônico, quanto no desenvolvimento de políticas públicas inovadoras. “Desafio” entende o projeto como algo novo, ainda em fase de implantação e que, portanto, dá relevo às próprias dificuldades da gestão dos projetos, da identificação de terrenos, da engenharia financeira, do calendário político, da assimilação e participação social, além da sua vinculação com o próprio programa educacional municipal e nacional em vigência. Território CEU deixa claro o ponto de partida e também constitui terreno onde se pretende algum avanço deste projeto de pesquisa, por fim, São Paulo, é o que o contextualiza política e geograficamente. O projeto de pesquisa parte de reflexão anteriormente desenvolvida sobre dois projetos de tipologias arquitetônicas, ações públicas e de desenvolvimento urbano, colocados em paralelo no intento de especular sobre os pontos de aproximação e contraste entre aqueles objetos, implantados em diferentes cidades, de diferentes países do continente latino-americano: a rede CEU, na cidade de São Paulo, e as Bibliotecas Públicas, na cidade de Medellín. A partir das questões levantadas naquele exercício primeiro de reflexão constrói-se a presente pesquisa, assumindo o programa dos Territórios CEU – projeto urbano e educacional levado adiante pela atual administração municipal de São Paulo – como eixo ordenador. Construção de cidade e cidadania – legado da arquitetura escolar e desafio dos Territórios CEU em São Paulo, é o título que inicialmente carrega o projeto de pesquisa. Nele, cada nomenclatura procura dar conta de exprimir um desejo de guia para a pesquisa, e de 109 Professores convidados Profa. Dra. Ana Castro Arquiteta e urbanista (1997), mestre (2005) e doutora (2005) pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Docente do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da FAU-USP. Tem experiência na área de arquitetura e urbanismo, com ênfase em fundamento sociais da arquitetura e urbanismo, atuando principalmente nos seguintes temas: cidade, história, historiografia e cultura urbana. Profa. Dra. Ana Magalhães Historiadora da arte, possui bacharelado em história pelo IFCH-Unicamp (1992), mestrado em História da Arte e da Cultura (Unicamp, 1995) e doutorado em História e Crítica da Arte (USP, 2000). Professora livre-docente e curadora do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP); bem como docente do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte e do Programa de Pós-Graduação em Museologia na mesma instituição. Foi coordenadora editorial da Fundação Bienal de São Paulo entre 2001 e 2008. Membro do Comitê Brasileiro de História da Arte (CBHA) desde 2000. Profa. Dra. Ana Paula Koury Arquiteta e urbanista (1991), mestre (1999) pelo IAU-USP e doutora (2005) pela FAU-USP. Professora Doutora do Programa de Pós Gradação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu. Entre 2004 e 2014 coordenou com Nabil Bonduki o levantamento, sistematização de dados e produção de textos para a publicação em 3 volumes da Coleção Pioneiros da Habitação Social no Brasil. Atualmente coordena com Fernando Lara a pesquisa Planning and participation: a new agenda for urban and environmental policies in 110 tória da Arquitetura e Estética do Projeto da FAUUSP. Seus principais trabalhos abordam questões relacionadas ao desenvolvimento urbano das cidades; teoria da arquitetura e do urbanismo; urbanismo; economia urbana; espaço urbano; habitação coletiva; habitação de interesse social e ensino superior. Brazil com apoio Fapesp e Universidade do Texas e realiza estágio de Pós Doutorado no Instituto de Estudos Brasileiros (USP). Prof. Dr. Fabio Lopes Possui graduação em Arquitetura e urbanismo pela FAU-USP (1980), Master of Arts pelo Royal College Of Arts (1984) e doutorado em Arquitetura e urbanismo pela FAU-USP (2000). Realizou diversas exposições de artes plásticas. Atualmente é professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo em São Carlos, Universidade de São Paulo. Tem experiência docente na área de Arquitetura e Urbanismo, atuando principalmente nos temas arte e cidade, identidade nacional e artes plásticas. Prof. Ms. Flavio Higuchi Hirao Possui graduação em arquitetura e urbanismo pela Universidade Estadual de Campinas (2005) e mestrado em Arquitetura e urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP, 2015). É coordenador geral da Usina – Centro de trabalho para o ambiente habitado. Fez parte do Coletivo Risco. Prof. Ms. Franklin Lee Arquiteto e diretor do escritório SUBdV. AA Diploma Unit 2 Master de 2005 a 2010. Lecionou no Instituto Pratt e na Universidade de Columbia, em Nova York. Coordenador do AA Visiting Schools no Brasil. Prof. Dr. Leandro Medrano Formado pela FAU-USP (1992) onde também obteve o título de doutor (2000), fez mestrado na Universitat Politecnica de Catalunya (1995), pós-doutorado na Universitad Politecnica de Madrid (2011-2012) e livre-docência na Unicamp (2010). Atualmente é Professor Livre-docente do Departamento de His- Profa. Lilian L’Abbate Kelian Historiadora formada pela Universidade de São Paulo (1999). Atua na educação de crianças e jovens, na formação de educadores, gestão e avaliação institucional de projetos educacionais, na perspectiva da educação democrática. Co-fundadora da Escola Lumiar e da Associação Politeia. Fundadora e pesquisadora associada do Núcleo de Psicopatologia, Políticas Públicas de Saúde Mental e Ações Comunicativas em Saúde Pública (NUPSI-USP). Atualmente é coordenadora executiva do Projeto Jovens Urbanos no Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC). Profa. Dra. Monica Junqueira de Camargo Arquiteta e urbanista (1977), mestre (1995) pela Universidade Mackenzie, doutora (2000) e livre-docente (2009) pela FAU-USP. Professora do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da FAU-USP onde desenvolve a linha de pesquisa Arquitetura e Cidade Moderna e Contemporânea, com particular interesse para a arquitetura brasileira e para patrimônio histórico. Conselheira do Conpresp no período de 2004 a 2007 é atualmente Diretora do CPC - Centro de Preservação Cultural da USP. Profa. Dra. Myrna de Arruda Nascimento Arquiteta e urbanista (1985) mestre (1997) e doutora (2002) pela FAU-USP, fez também mestrado em Ciências da Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero (1994). Professora e pesquisadora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – junto ao Departamento de Projeto. É também professora da graduação e pós-graduação do Centro Universitário SENAC-SP. Tem experiência na área de arquitetura, urbanismo e design, atuando como pesquisadora principalmente nos seguintes temas: ensino e experimentação, analogias entre design e arquitetura, projeto-linguagem-representação, comunicação-espaço-significação, semiótica e história da arte. Profa. Dra. Nilce Aravecchia Botas Arquiteta e urbanista (2000), mestre (2005) pelo IAU-USP e doutora (2011) pela FAU-USP. Docente do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da FAU-USP. Tem experiência na área de arquitetura e urbanismo, com ênfase nas pesquisas de história, atuando principalmente nos seguintes temas: história da habitação; o papel dos engenheiros e dos arquitetos no serviço público; história da tecnologia e da industrialização na arquitetura habitacional; arquitetura, habitação e processos de urbanização nas questões do desenvolvimento. Atualmente desenvolve pesquisa sobre a relação entre arquitetura, habitação e planejamento na América Latina. Profa. Dra. Paula Santoro Arquiteta e urbanista (1997), mestre (2004) e doutora (2012) pela FAU-USP com estágio doutoral na Universidade Politécnica da Cataluña (ETSAB-UPC). Fez especialização em Política de Terras na América Latina pelo Lincoln Institute of Land Policy, Panamá (2007). Foi Assistente Técnica do Ministério Público do Estado de São Paulo nos temas Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente (2011-2013) e pesquisadora do Instituto Pólis (2001-2011), do Instituto Socioambiental - ISA (2007-2008) e do Laboratório de Urbanismo da Metrópole - LUME FAUUSP (2001). Atualmente é docente do Departamento de Projeto da FAU-USP. Profa. Dra. Raquel Rolnik Arquiteta e urbanista (1978), mestre (1981) pela FAU-USP, doutora pela Graduate School Of Arts And Science History Department - New York University (1995) e livre docência pela FAU-USP (2015). Docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Foi Diretora de Planejamento da cidade de São Paulo e consultora de cidades brasileiras e latino-americanas em política urbana e habitacional. Foi também Secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades entre (2003-2007) e Relatora Internacional do Direito à Moradia Adequada do Conselho de Direitos Humanos da ONU (2008-2014). Profa. Dra. Valeria Cássia dos Santos Fialho Possui graduação em arquitetura e urbanismo pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo (1992), mestrado (2002) e doutorado (2007) pela FAU-USP. Docente e coordenadora do Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo e do o curso de pós-graduação em Arquitetura Comercial no Centro Universitário SENAC. Tem experiência na área de projetos de arquitetura, urbanismo e design, com diversos projetos publicados no Brasil e no exterior. 111 normas para submissão de trabalhos 112 Normas para submissão de trabalhos 1. Condições Gerais As colaborações (fluxo contínuo) serão sempre bem-vindas e apreciadas pelo conselho editorial, que avaliará a pertinência de sua publicação e encaminhará o texto para a avaliação de pareceristas. É responsabilidade do autor encaminhar textos de acordo com as normas estabelecidas pela revista, sob pena de não serem aceitos para publicação. Cabe à revista e seus editores adequar os textos originais ao seu padrão editorial, submetendo os artigos à revisão gramatical e de estilo, assim como estabelecer os prazos para publicação. O padrão de formatação tem por base as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), conforme as orientações que se seguem. As colaborações para publicação deverão ser encaminhadas através do e-mail [email protected]. A Revista Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade não se responsabiliza pela redação, nem pelas ideias emitidas pelos colaboradores e autores dos trabalhos publicados. Todas as submissões deverão ser acompanhadas de declaração assinada segundo o modelo a seguir. Para trabalhos com mais de um autor, cada autor deve encaminhar uma declaração. DECLARAÇÃO - REVISTA CADERNOS DE PESQUISA DA ESCOLA DA CIDADE - Eu, (nome completo), CPF (número), RG (número), residente no endereço (endereço completo), autorizo a revista Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade a publicar o artigo (título e subtítulo). - Atesto como sendo expressão absoluta da 114 verdade as seguintes afirmações: - Sou o único autor do artigo acima nomeado / Sou autor do artigo acima nomeado, em co-autoria com (nomes completos dos co-autores) [escolher uma das duas alternativas]. - O artigo enviado para avaliação é inédito / foi publicado em (dados completos da publicação original) [escolher uma das duas alternativas]. - Sou responsável exclusivo pela redação, ideias e opiniões presentes no artigo. - Assumo total responsabilidade pelas imagens utilizadas no texto, devidamente identificadas com fonte e crédito. (Local e data) (Assinatura e nome completos do autor) 2. Formatação Os arquivos devem ser encaminhados em formato .doc ou .docx. O texto deve apresentar título (eventual sub-título) e nome por extenso do autor acompanhado de nota de rodapé onde deverão constar as seguintes informações: formação acadêmica, titulação, vínculo institucional e endereço eletrônico. Os Artigos devem ter entre 30.000 e 75.000 caracteres (com espaço) e conter título, resumo (máximo de 300 palavras) e palavras-chave em português, inglês e espanhol. Caso o trabalho tenha obtido apoio financeiro de alguma instituição, esta informação deverá ser mencionada abaixo do nome do autor. Os textos deverão seguir o seguinte padrão: Formato A4 – Margens 2cm – Alinhamento justificado – Parágrafo com espaçamento 6pt (sem tabulação) e entre linhas simples. Fonte Arial tamanho 11 (para textos e títulos) e 9 (referências bibliográ- ficas, notas e citações). As notas explicativas e referências bibliográficas deverão ser apresentadas ao final do texto. boração). As referências devem ser listadas no final do trabalho, em ordem alfabética, utilizando fonte Arial 9. 3. Apresentação 5. Imagens 3.1. Seções O texto deve seguir a ABNT NBR 6024/2003 (Informação e documentação – Numeração progressiva das seções de um documento escrito – Apresentação). As divisões do trabalho são numeradas com algarismos arábicos, sem utilizar qualquer outro sinal (ponto, parêntese ou travessão). O indicativo de seção ou de título deve ser escrito em negrito. Serão aceitas entre 4 e 6 imagens para cada artigo, publicadas ao final dos textos. As imagens deverão assim ser numeradas e encaminhadas em formato .jpg, com resolução mínima de 300dpi (10x15cm), acompanhadas de documento .doc ou .docx com legendas que acompanhem a numeração. As legendas devem também conter obrigatoriamente informações sobre fonte e crédito das imagens. 3.2. Citações Seguem o padrão da ABNT NBR 10520/2002 (Informação e documentação – Citações em documentos – Apresentação). Todos os textos citados devem constar na lista de referências. As citações diretas ou indiretas no corpo do texto devem seguir o sistema de chamada autor-data. As citações diretas com mais de três linhas devem ser formatadas em arial 9, entre linhas simples, recuo de 4cm da margem esquerda e sem aspas ou itálico. 3.3. Notas explicativas As notas devem ser exclusivamente explicativas e deverão ser enumeradas sequencialmente, com algarismos arábicos. Todas as notas deverão ser listadas no final do trabalho, usando fonte arial 9. 4. Referências bibliográficas Deverão seguir o padrão ABNT NBR 6023/2002 (Informação e documentação – Referências – Ela- 115 fontes Noto Sans e Noto Serif papel alta alvura 90g/m2 impressão Gráfica Flavio Motta 1a Edição São Paulo Março de 2016 tiragem 500