RELATO DE CASO Erastóstenes Soares Pereira de Freitas 1 Érica Falleiros Diogo 2 Patrícia Laguna Roselino 3 Graduandos do 4o ano de Odontologia da Universidade de Franca (Unifran). 3 Docente da disciplina de Odontologia em Saúde Coletiva da Universidade de Franca (Unifran). 1, 2 Microabrasão do esmalte como tratamento conservador da fluorose dental Enamel microabrasion as a conservative treatment of dental fluorosis RESUMO: a ampla utilização dos métodos fluoretados contribuiu para uma queda na prevalência de cárie em diversas localidades, mas como conseqüência podemos observar um aumento na ocorrência de fluorose dentária. O aparecimento dessas manchas na superfície dental pode levar a um comprometimento estético. Atualmente a busca pelo tratamento estético restaurador vem aumentando, porém, apesar do grande desenvolvimento dos materiais restauradores, ainda não existe no mercado nenhum material que possua propriedades e características iguais à estrutura dental. Buscando um tratamento conservador capaz de devolver a estética dental, este trabalho teve como objetivo avaliar o uso da técnica de microabrasão com ácido fosfórico a 37% associado à pedra-pomes, através de casos clínicos na Clínica de Odontologia da Universidade de Franca (Unifran), tendo como critério para avaliação os casos registrados inicialmente e após aplicação da técnica, através de fotografias iniciais e finais. Após a realização da microabrasão, foram realizados polimento e aplicação tópica de flúor. Os resultados alcançados foram muito satisfatórios, devolvendo assim a estética do sorriso dos pacientes, sem a utilização de nenhum método invasivo ou restaurador. Palavras-chave: microabrasão do esmalte; fluorose dentária; esmalte dentário. ABSTRACT: the large utilization of fluoride methods contributed for a decreasing of tooth decay prevalence in many places, but as consequence we can observe an increase of stains on dental surface that can affect the esthetic. Nowadays, the search for esthetic restorative treatments is increasing, although the great development of restorative materials, there is no material in the market whith the same properties and characteristics of dental structures. In the searching for a conservative treatment able to develop a dental esthetic, this study aimed to evaluate the use of the microabrasion technique with phosphoric acid at 37% associated with pumice through clinical cases in the dental office at Universidade de Franca, having as evaluation pattern the cases initially registered and, after using the technique, through initial and final pictures. After the performance of microabrasion, it was made the polishing and the topic use of fluoride. The achieved results were very satisfactory, and the smile esthetic of these patients was given, without using any invasive restoring method. Key words: enamel microabrasion; dental fluorosis; dental enamel. Investigação – Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP) v.6 n. 1 p. 41–46 jan. / abr. 2006 41 INTRODUÇÃO DESCRIÇÃO (RELATO CLÍNICO) Caso 1 A Odontologia, na atualidade, tem a estética como parte importante, onde a beleza é influenciada pelo contorno, forma, simetria, alinhamento e principalmente a cor dos dentes (VASCONCELOS; DUTR A; ALBUQUERQUE, 1999). É comum deparar-se com manchas superficiais ou profundas nas superfícies vestibulares de dentes anteriores e posteriores, oriundas de uma alteração conhecida como fluorose, sendo esta uma desordem envolvendo a formação do esmalte durante a odontogênese. A prevalência, quantidade e a severidade são diretamente proporcionais à quantidade de flúor ingerido na época de formação do esmalte (SUNDFELD et al., 1995). As alterações na morfologia e coloração dos dentes, muitas vezes, se limitam a porção mais superficial do esmalte dentário podendo ser resolvidas facilmente com a microabrasão e remineralização do esmalte, sendo por sua vez uma técnica simples, de fácil execução, extremamente conservadora e de acordo com as expectativas atuais da Odontologia (MATOS; TURBINO; MATSON, 1998; CHAFAIE, 2004). Estudos mostram o uso da técnica de microabrasão, utilizando uma pasta contendo o ácido fosfórico a 37% na forma de gel e pedra-pomes na proporção de 1 para 1 aplicada na superfície dentária com uma escova de Robson em baixa rotação ou espátula de madeira por 10 segundos seguida de lavagem com spray água e ar por 20 segundos; a pasta pode ser aplicada até 10 vezes em uma única sessão (MENDES; MONDELLI; FREITAS, 1999; MONDELLI et al., 1995; RASTELLI; PEREIRA, 1998). O ácido fosfórico é menos danoso em relação aos outros ácidos, se houver algum contato acidental com pele, mucosa ou olhos do paciente e dos profissionais. (MONDELLI et al., 1995). A proposta deste trabalho é avaliar a efetividade da técnica de microabrasão, apresentando casos clínicos de manchas brancas superficiais, descrevendo a seqüência da técnica e os materiais usados. A pesquisa foi submetida à avaliação da Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade de Franca, com protocolo nº 041/05, tendo sido aprovada. Seguido de um termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos respectivos responsáveis. Investigação – Revista Científica da Universidade de Franca 42 Franca (SP) Paciente K. A. C., da Disciplina de Saúde Coletiva (extra-muro), 9 anos de idade, sexo feminino, relatou insatisfação estética por apresentar manchas brancas diversas nas superfícies vestibulares dos dentes 11, 12, 21 e 22. A mesma juntamente com a responsável foram convidadas para participar do trabalho, na Universidade de Franca. Após avaliação, paciente e mãe foram orientadas sobre o que seria tal alteração e sobre os procedimentos que seriam realizados para o tratamento. Os dentes da paciente foram limpos utilizando taça de borracha e pasta profilática. Após a limpeza, os dentes a serem tratados foram fotografados a fim de obter-se registro do pré-tratamento (Figura 1). . Figura 1 – Fotografia inicial do caso. A paciente foi equipada com óculos protetor e avental de plástico, tendo em seguida sua mucosa (gengiva e lábios) protegida por pomada Omcilon-A em Orabase e posteriormente realizado o isolamento absoluto (Figura 2). Figura 2 – Após isolamento absoluto, observa-se presença do manchamento causado pela fluorose. v. 6 n. 1 p. 41–46 jan. / abr. 2006 Após o isolamento, o agente microabrasivo (ácido fosfórico a 37% e pedra-pomes) manipulado em porções 1:1 foi aplicado nas superfícies vestibulares dos dentes com uma escova de Robson em motor de baixa rotação (Figura 3). Figura 5- Aspecto após uma semana da microabrasão. Figura 3 - Realização da microabrasão, após isolamento dos dentes . Caso 2 Paciente A.D.L.J, do sexo masculino, com 9 anos de idade, apresentou-se com manchas brancas no terço incisal dos dentes 11, 12, 21 e 22 (Figura 6). Classificada como fluorose muito leve (FEJERSKOV et al., 1994). Em uma única sessão foram realizadas dez aplicações de 10 segundos cada, intercaladas com uma lavagem de 20 segundos com spray de água e ar. Após a lavagem, os dentes foram avaliados ainda úmidos para verificação do desaparecimento de manchas. Ao atingir um resultado considerado satisfatório, prosseguia-se com o polimento do esmalte com um disco extrafino, sof-lex (3M) (Figura 4). Figura 6 - Aspecto inicial dos dentes que apresentavam fluorose. Considerando que o paciente apresentava fluorose muito leve, como opção de tratamento realizou-se a técnica de microabrasão supradescrita. No entanto foram realizadas apenas cinco aplicações, quantidade considerada satisfatória ao caso. Notou-se que após este procedimento houve desaparecimento do aspecto esbranquiçado da superfície vestibular dos dentes (Figura 7). Figura 4 - Após a realização da microabrasão e aplicação do fluoreto. Em seguida foi realizada uma aplicação de fluoreto de sódio a 1% na forma de gel, durante 4 minutos, e, finalmente, feita a remoção do isolamento absoluto. Logo após o tratamento, foi observado o desaparecimento de grande parte das manchas esbranquiçadas. A paciente recebeu orientação de não ingerir alimentos e bebidas que possuíssem corantes para evitar pigmentação superficial dos dentes. Após uma semana foi realizada uma avaliação e novos registros (Figura 5). Investigação – Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP) Figura 7 - Aspecto após a realização da microabrasão e retirada do isolamento. v. 6 n. 1 p. 41–46 jan. / abr. 2006 43 Após uma semana, tendo o paciente retornado à clínica, constatou-se que o resultado foi realmente satisfatório, pois as manchas desapareceram em 70% e o paciente ficou satisfeito (Figura 8). Figura 10 - Aspecto inicial dos dentes 12 e 13 antes da microabrasão. Figura 8 - Após uma semana, observa-se o ótimo resultado obtido. Caso 3 Paciente K.D.F, do sexo feminino, com 12 anos de idade, apresentava ao exame clínico manchas brancas nos dentes 12, 13, 22 e 23. Para esse caso decidiu-se realizar a microabrasão nos dentes 12 e 13 em um primeiro momento (Figuras 9 e 10), deixando os dentes homólogos como um meio de comparação. Após oito aplicações, notou-se um desaparecimento parcial das manchas, embora em algumas áreas ainda fossem observados pequenos pontos. Optou-se por utilizar uma espátula de madeira para aplicação da pasta com movimentos de fricção por 10 segundos. Feita a lavagem, notou-se o desaparecimento dos pontos (Figura 11), podendo ser feita a comparação com os dentes que não receberam a técnica (Figura 12). A Paciente retornou na semana seguinte para procedimento idêntico nos dentes 22 e 23, após o qual se notou um resultado estético satisfatório. Figura 11 - Aspecto final dos dentes 12 e 13, sem a presença das manchas em esmalte. Figura 12 - Comparação com os dentes 22 e 23, que ainda não haviam passado pela microabrasão. Figura 9 - Aspecto inicial dos dentes 12 e 13 antes da microabrasão. Investigação – Revista Científica da Universidade de Franca 44 Franca (SP) COMENTÁRIOS Os resultados deste relato demonstraram que a técnica da microabrasão foi efetiva para eliminar ou pelo menos atenuar manchas superficiais do esmalte cuja causa seria a fluorose em dentes permanentes. Em relação aos materiais que podem ser utilizados no tratamento da microabrasão, temos o Prema Compound (Premier Dental Company), a pedra-pomes associada ao ácido clorídrico a 18% ou ao ácido v. 6 n. 1 p. 41–46 jan. / abr. 2006 fosfórico a 37%, sendo que o último apresenta a vantagem de ser preparado diretamente no consultório e ter um baixo custo (MONDELLI et al., 1995; BEZERRA et al., 2005). A correção da cor se deve tanto à microabrasão do esmalte quanto às novas propriedades ópticas da camada superficial após o uso do material. A superfície sofre erosão e abrasão simultaneamente, ficando altamente polida devido à mistura do abrasivo (pedrapomes) mais ácido fosfórico a 37%, formando uma porção intrínseca da camada mais externa do esmalte que ref lete e refrata a luz camuf lando imperfeições suaves ainda existentes (BOODDEN; HAY WOOD, 2003; ALLEN; AGOSTA; ESTAFAN, 2004). Um dos fatores que explicam a maior insolubilidade da superfície do esmalte microabrasionado envolve o ataque ácido-abrasivo. Tal ataque altera a estrutura dos prismas de esmalte permitindo que produtos minerais sejam compactados na periferia dos prismas. O padrão de ataque pode também induzir a dissolução da superfície do esmalte, a qual pode remineralizar-se com minerais de fluidos externos contribuindo para formação de hidroxapatita (WEFEL et al., 1997). Nos casos descritos neste trabalho, foi observado que o número de aplicações na técnica de microabrasão está diretamente relacionado à profundidade e à quantidade de estrutura de esmalte envolvido pelas manchas. Ao término da técnica, é visível o desgaste do esmalte dentário, apesar de não ser possível quantificá-lo. Mendes; Mondelli e Freitas (1999) demonstram por meio de um estudo haver uma perda média de 160 ± 30 µm, considerando que a espessura do esmalte no terço médio da face vestibular dos dentes anteriores é em torno de 2,5 mm (2500 µm), considerada, proporcionalmente, uma perda pequena. O ácido fosfórico a 37% misturado à pedra-pomes indicou desgaste menor em razão de características favoráveis e menos agressivas desse material. Terminadas as operações de microabrasão e eliminação das manchas da superfície dos dentes, os pacientes podem ficar surpresos pelo fato de a superfície do esmalte tornar-se amarelada; isso é explicado pelo fato de os pacientes ignorarem que o dente permanente é naturalmente amarelado, especialmente se comparado à dentição decídua ou à coloração anorInvestigação – Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP) mal dos dentes com fluorose. Nos casos realizados, nenhum dos pacientes queixou-se de alguma sensibilidade pós-operatória e desconforto de qualquer natureza decorrente da aplicação tópica de fluoretos de sódio a 1% durante 4 minutos após a microabrasão do esmalte, o qual aumenta a sua resistência à desmineralização. Diante das vantagens da sua utilização, pode-se considerar a técnica da microabrasão como a primeira opção de tratamento nos casos de manchas superficiais do esmalte. Nos casos analisados, pôde-se obser var que a técnica de microabrasão com ácido fosfórico a 37% e pedra-pomes, utilizada tanto com instrumentos rotatórios como com auxílio da espátula de madeira aplicada manualmente, apresentou resultados clínicos satisfatórios. Concluímos que a técnica mostrouse simples, rápida e sem inconvenientes ou risco para o paciente, simultaneamente eficaz na remoção das manchas causadas pela fluorose dental. No entanto, é importante ressaltar que um diagnóstico correto é imprescindível para se obter sucesso na indicação deste procedimento. REFERÊNCIAS ALLEN, K.; AGOSTA, C.; ESTAFAN, D. Using microabrasive material to remove f luorosis stains. J. Am. Dent. Assoc., v. 135, n. 3, p. 319-323, Mar. 2004. BEZERRA, A. C.; LEAL, S. C.; OTERO, A. S.; GRAVINA, D. B.; CRUVINEL, V. R.; TOLEDO, A. O. Enamel opacities removal using two different acids: an in vivo comparison. J. Clin. Pediatr. Dent., v. 29, n. 2, p. 147150, 2005. BOODDEN, M. K.; HAYWOOD, V. B. 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Microabrasão: uma possibilidade estética e conservadora. Revista Paulista de Odontologia, São Paulo, v. 20, n. 4, p. 8-10, jul./ago. 1998. SUNDFELD, R. H.; CROLL, T. P.; MAURO, S. J.; HOL- Patrícia Laguna Roselino Rua José de Belo, 148 Bairro: Vl. Sta Maria São Sebastião do Paraíso - MG CEP: 37950-000 Telefone: (16) 3623-4964 / (16) 3625-8266 E-mail: [email protected] LAND JÚNIOR, C. Novas considerações clínicas sobre microabrasão do esmalte dental: efeitos da técnica e tempo de análise. Revista Brasileira de Odontologia, Rio de Janeiro, v. 52, n. 3, p. 30-36, maio/jun. 1995. VASCONCELOS, W. A. DUTR A, R. A; ALBUQUER- Investigação – Revista Científica da Universidade de Franca 46 Franca (SP) v. 6 n. 1 p. 41–46 jan. / abr. 2006