Qualidade e Âmbito dos Registos Clínicos Electrónicos nos Cuidados Primários: uma revisão sistemática Almeida, N.; Amaral, P.; Couto, N.; Fernandes, P.; Pinto, N.; Ricardo, M.; Sousa, P. B.; Sousa, P. C.; Teixeira, P.; Vasconcelos, F. Abstract Contextualização: Cada vez mais a qualidade dos serviços prestados nos cuidados primários depende dos dados clínicos existentes sobre o paciente. Simultaneamente, verifica-se um incremento na implementação dos registos clínicos electrónicos (RCE) em várias instituições de saúde. Assim, é fundamental analisar a qualidade e âmbito dos RCE, avaliando se estes serão uma possível resposta à necessidade crescente de um melhor tratamento dos dados clínicos. Métodos: Revisão sistemática de artigos classificados como clinical trials publicados até 2004, em português e inglês. Fontes de dados: MEDLINE Resultados: Da pesquisa resultaram 1932 artigos. Após uma primeira selecção, incluímos 143 artigos. Posteriormente e de acordo com os nossos critérios de inclusão, reunimos um conjunto de 20 artigos. Os RCE reúnem claras vantagens para os cuidados primários, sendo a principal a influência na aderência às guidelines pelos médicos, a qual pode ser aumentada através de sistemas de apoio à decisão e de alertas e lembranças. Foi analisada a influência dos RCE em diferentes âmbitos, como a prescrição, doenças cardiovasculares e hipertensão e HIV. Como cada um destes âmbitos apresenta necessidades diferentes, registaram-se resultados diferentes. Conclusão: Os estudos realizados sobre os RCE são ainda muito subjectivos, não apresentando escalas válidas de avaliação da qualidade. É necessário um aumento de 1 estudos sobre este assunto, definindo parâmetros objectivos que permitam uma melhor avaliação dos registos. Pode-se, contudo, concluir que os RCE são uma boa resposta para a necessidade urgente de melhores registos sobre cada paciente, apresentando inúmeras vantagens e sistemas extras que ajudam os profissionais de saúde tanto no diagnóstico como no tratamento. Introdução Nos cuidados de saúde devem ser considerados dois níveis de prestação de cuidados: os cuidados primários e os cuidados hospitalares. Como cada um destes níveis possui necessidades diferentes, neste estudo limitamo-nos ao primeiro destes níveis, onde “os sistemas de informação podem ser utilizados para a prestação de cuidados directamente ao paciente e de uma forma global, com partilha de informação clínica com os cuidados hospitalares, facilitando cuidados partilhados” (25). Há uma relação cada vez mais evidente entre a qualidade dos serviços de saúde prestados nos cuidados primários e a informação clínica existente sobre cada paciente. Melhores registos clínicos, isto é, com toda a informação essencial sobre o doente (tal como a sua história clínica, exames efectuados e medicação) facilitam a avaliação por parte do profissional de saúde, levando a um diagnóstico mais preciso (18) . Note-se que, para além de ser necessário uma melhoria dos registos clínicos em si, o acesso a estes registos é também algo de extrema importância, sendo indispensável para a prestação de serviços de alta qualidade. Torna-se, então, essencial uma qualidade cada vez maior dos registos efectuados, tal como uma maior facilidade ao seu acesso. O uso de tecnologia aliada à informação torna-se fundamental, ao tornar mais eficaz o acesso, a gestão, a utilização e a troca de vastas quantidades de dados entre várias pessoas e entidades (2) . Considerando que, nos últimos tempos, se verificou uma implementação crescente de 2 computadores nas várias instituições de saúde (13) e um crescimento do entusiasmo da população em geral relativamente aos benefícios da utilização de computadores nos cuidados primários (12) , a resposta para esta necessidade poder-se-á encontrar nos Registos Clínicos Electrónicos (RCE). Os RCE são uma base de dados informatizada criada por profissionais de saúde e actualizada constantemente, que contém as informações pessoais e o historial clínico de cada paciente (21) . Estes acompanham a evolução das ciências informáticas, vindo a substituir os registos clínicos tradicionais (1). No entanto, os RCE são mais do que uma simples informatização dos registos clínicos em papel, podendo participar activamente nos cuidados clínicos, através do fornecimento de uma selecção vasta de serviços de informação. (26) Os RCE têm amplas aplicações auxiliando na prestação de cuidados de saúde e na decisão médica, avaliando os cuidados de saúde prestados, na gestão e planeamento de recursos médicos e ainda apoiando a investigação e a educação médica (22) . Tendo dito isto, torna-se útil e necessário um estudo sobre a qualidade e âmbito dos RCE. O nosso objectivo é, portanto, avaliar se a implementação dos RCE poderá ser uma melhor solução para o registo dos dados do paciente e em que sectores dos cuidados primários são estes registos mais utilizados. Métodos Fontes de dados Pesquisou-se artigos publicados até 2004, usando como base de dados a Medline. Os termos MeSH utilizados foram “Medical Records Systems, computerized” e “Medical Informatics”. 3 Para identificar estudos relacionados ao sector dos cuidados primários utilizou-se como termo MeSH “Primary Health Care”. Utilizaram-se, também, várias keywords, tais como, “general practice”, “family practice”, “primary care” e “primary health care”. No entanto, as duas primeiras foram eliminadas da query por não trazerem artigos significativos para a nossa pesquisa. Restringiu-se a pesquisa a artigos publicados em inglês e português. No final, a query utilizada foi “("Primary Health Care"[MeSH] OR "primary care" OR "primary health care") AND ("Medical Records Systems, Computerized"[MeSH] OR "Medical Informatics"[MeSH]) AND (Portuguese[Language] OR English[Language])” Selecção de artigos Os artigos encontrados foram distribuídos por grupos de 3 elementos. Cada elemento do grupo procedeu à selecção através da leitura dos títulos e dos abstracts. Posteriormente, comparou-se os artigos seleccionados entre os elementos do grupo e, no caso de discordâncias, tentou-se averiguar qual a melhor solução. Critérios de inclusão e exclusão Visto que o objectivo era a realização de uma revisão sistemática, seleccionou-se apenas artigos classificados como Clinical trials (ensaios clínicos), por serem estes os estudos mais fiáveis, permitindo evitar (ou pelo menos controlar) erros sistemáticos. Como dito anteriormente, o estudo era restrito aos cuidados primários, tendo todos os artigos fora deste âmbito sido imediatamente rejeitados. Excluiu-se também artigos que, apesar de usarem RCE nos seus estudos, não os centravam como seu tema de estudo, nem retiravam qualquer conclusão acerca deles. 4 De cada artigo incluído, após obtenção do texto completo (na MEDLINE ou através de pedidos por e-mail aos autores), extraiu-se dados relativos ao tipo de estudo, revista de publicação, países envolvidos, data de estudo, tamanho da população estudada, métodos utilizados, âmbito do estudo, qualidade dos RCE utilizados e tipos de dados introduzidos. Avaliação da qualidade dos estudos Diferentes estudos podem apresentar diferentes resultados em relação ao mesmo tema. Tendo isso em conta, elaborou-se uma escala que permitiu a classificação dos artigos com diferentes pontuações, para determinar quais deles teriam mais peso nas nossas conclusões (ver Quadro 1). Por cada critério atribuiu-se uma pontuação de 0 a 2. Assim, a pontuação máxima que um artigo poderia ter seria de 16 pontos. As várias pontuações foram transformadas em percentagem de maneira a ser efectuada uma melhor avaliação da qualidade de cada artigo e dos artigos em geral. Os artigos que possuíam uma pontuação inferior a 8 (50%) foram imediatamente excluídos. Quadro 1: Critérios de avaliação: 0, 1 ou 2 pontos por critério ou subcritério (pontuação máxima = 16) Critério 1: População a) Qualidade da amostragem b) As características dos grupos estão bem definidas c) Tamanho da amostra Critério 2: Métodos a) Descrição suficiente dos métodos b) Métodos sistemáticos Critério 3: Avaliação da qualidade a) A avaliação da qualidade dos RCE foi o principal objectivo do estudo b) A qualidade dos RCE foi avaliada com uma escala válida Critério 4: Limitações do estudo Os autores apontaram e discutiram as limitações do seu estudo 5 Resultados / Discussão Da pesquisa resultou um total de 1932 artigos. Após uma primeira selecção foram incluídos 143 artigos (7%), todos classificados como clinical trials. Destes, foram excluídos 115 artigos após leitura dos abstracts, obtendo-se, no final, 28 artigos, cujos estudos foram efectuados entre 1976 e 2004. Desses 28 artigos conseguiu-se adquirir 18 textos completos. No entanto, acabaram por ser incluídos 20 artigos, visto que 2 abstracts apresentavam informações que eram úteis para esta revisão sistemática. Qualidade dos artigos A avaliação da qualidade dos artigos apresentou algumas limitações, devido ao facto de terem sido incluídos no nosso estudo artigos que apenas apresentavam abstracts. Assim, alguns parâmetros (tais como a descrição da população e os métodos utilizados) não puderam ser avaliados nestes artigos. Foi, como tal, decidido que estes não deveriam ser incluídos na média da qualidade, visto que poderiam dar uma ideia errada da mesma. Deste modo, a média de pontuações obtida foi de 10,65 o que em termos de percentagem equivale a 66,6%. A pontuação máxima atribuída foi de 14 pontos (87,5%), tendo sido atingida apenas por 1 artigo (13). No entanto, o valor máximo a atingir estava, desde logo, limitado pelo facto de nenhum artigo possuir uma escala válida que medisse a qualidade dos RCE. A classificação dos artigos científicos era baseada no facto de os resultados serem “melhores” e de estes se tornarem “mais efectivos” em determinadas situações, mas, na maior parte dos casos, não havia uma definição clara e objectiva de critérios. Considerando que a partir de 50% obtemos uma pontuação razoável, sendo boa a partir de 75% e Excelente a partir de 90%, podemos concluir que os artigos utilizados nesta revisão sistemática têm apenas uma qualidade razoável, o que, de certa forma, se apresenta como uma limitação ao nosso estudo. 6 Outra condicionante do nosso trabalho refere-se ao facto de apenas quatro artigos terem como objectivo principal a avaliação dos RCE (5,13,14,17). Os restantes 16 usavam RCE, não sendo a avaliação da sua qualidade o principal objectivo do estudo, tendo, no entanto, sido retiradas algumas conclusões que foram usadas nesta Ano de publicação (Gráfico 1) Tem havido progressivamente um aumento da publicação de estudos Número de artigos publicados revisão sistemática. 12 Gráfico 1: Evolução do número de artigos publicados ao longo dos anos 10 8 6 4 2 0 1987-1989 1990-1992 1993-1995 1996-1998 1999-2001 2002-2004 relacionados com RCE, principalmente Ano de publicação Ano de publicação após 1997, o que denota um interesse crescente por este assunto. Revista de publicação (gráfico 2) Analisou-se a evolução dos tipos de revistas onde os vários artigos foram publicados ao que, se inicialmente eram apenas publicados em revistas generalistas (como a BMJ e a Medical Care), cada vez mais, os artigos relacionados com RCE são publicados em Percentagem de Artigos publicados longo do tempo. Verificou-se Gráfico 2: Evolução do do tipo artigos referentes aos RCE Gráfico 2: Evolução tipodedepublicações revistas de onde artigos referentes a RCE são publicados 120% 100% Generalista Informática médica Cuidados primários Outros 80% 60% 40% 20% 0% -20% 19841988 19881992 19921996 19962000 20002004 revistas mais específicas. Isto vem demonstrar a relevância do uso dos RCE em diferentes áreas de prestação de cuidados. 7 Local do estudo (tabela 1) Em termos de resultados totais, a maior Tabela 1: Países onde decorreram os estudos. parte dos estudos teve lugar nos EUA, o que não vem de encontro ao artigo que tomamos como referência. Nesse artigo, a maior parte dos estudos era efectuado no Reino Unido. (18) Isto Local Número de Número de do publicações publicações estudo (total) (per capita - ) EUA 12 4,06 x10-08 UK 4 6,62 x10-08 Canadá 2 6,10 x10-08 * 3 artigos não referiam o local do estudo talvez possa dever-se a uma preferência em estudos experimentais nos EUA, em contraste com o Reino Unido, sendo muitos artigos deste país excluídos aquando da limitação da pesquisa a clinical trials. Publicações que não se encontram em inglês nem em português estão em desvantagem devido aos nossos critérios de selecção: uma perspectiva geral poderia levar a conclusões diferentes. Note-se porém que, analisando os resultados per capita já obtemos uma maior prevalência de artigos no Reino Unido. Independentemente da perspectiva que tomemos, conseguimos concluir que os estudos sobre RCE ocorrem em países bem desenvolvidos, onde há um progresso mais rápido nas tecnologias informáticas associadas à saúde, o que tanto é causado por serem realizados cada vez mais estudos sobre este assunto, como consequência deste facto. População/amostra Os RCE têm influência tanto nos profissionais de saúde como nos pacientes e até nas próprias clínicas (principalmente a nível administrativo), o que nos levou a dividir as populações em 3 secções: profissionais de saúde, pacientes e clínicas. Diferentes estudos analisavam diferentes populações. Em 9 artigos era referida uma diferença entre a amostra recolhida inicialmente e a que concluía o estudo, tanto nos médicos como nos pacientes (3,4,6,9,11,13,16,17,20,23). Nos 8 pacientes isto prendia-se com o facto de estes deixarem de comparecer às consultas, o que não permitia um seguimento do estudo. Outras vezes, eram os próprios pacientes que se recusavam a fazer parte do estudo. Em um dos artigos (cujo objectivo principal era a análise da qualidade dos RCE) comparou-se a idade dos médicos que abandonaram o estudo com a dos que permaneceram, verificando-se que estes últimos eram ligeiramente mais novos do que aqueles que não participaram verificou noutro estudo, mas desta vez os visados eram os pacientes (17) . O mesmo se (20) . Estes factos podem demostrar um maior interesse das populações mais jovens pelas novas tecnologias e a sua implementação nos cuidados de saúde, sendo esta constatação bastante coerente, pois, normalmente, são os mais jovens os mais interessados nas várias aplicações das tecnologias informáticas. Caracterização dos softwares Foram referidos vários softwares que apresentavam diferentes características. Uma delas era relativa aos tipos de dados registados, havendo uma predominância do registo dos dados clínicos do paciente (Ver tabela 2). Tabela 2: Tipos de dados registados pelos vários softwares Número Tipos de dados registados (percentagem) de softwares (n=19) Gestão dos dados clínicos do paciente 13 (68% ) (medicamentos, exames efectuados) Diagnóstico ou sintomas do paciente 10 (53%) Aspectos gerais do paciente (história clínica, 8 (42%) estatuto socioeconómico, imunização) *note-se que cada software pode registar mais do que um tipo de dados 9 Alguns dos softwares, para além de fazerem um simples registo dos dados, utilizavam esses registos para funções adicionais, tal como acontecia com os softwares de sistema de apoio à decisão (CSS – computerised support system). Identificámos 12 artigos onde este sistema era utilizado (4,5,7,8,9,11,12,13,15,16,17,23) . Os CSS podem ser definidos como sistemas que comparam os dados do paciente com um saber de base, guiando o profissional de saúde através de aconselhamento acerca do melhor procedimento (4). Têm a vantagem de serem capazes de sintetizar informação específica do paciente, efectuar avaliações complexas e apresentar rapidamente os resultados aos profissionais de saúde (11). Um dos estudos não especificava o tipo de CSS utilizado (13). Em 3 artigos o software aconselhava o médico acerca do melhor diagnóstico. (8,11,12) Nos 8 restantes, o programa estava direccionado para a prescrição, podendo dar conselhos acerca da melhor dosagem, por exemplo, tendo em conta as características do paciente (como o sexo, idade e peso). Num estudo efectuado em doentes com dor crónica, constatou-se que não havia grandes diferenças entre as decisões tomadas pelos computadores e aquelas seguidas por um grupo de médicos, havendo a vantagem de os CSS ajudarem os clínicos gerais a resolverem problemas relacionados com a dor crónica sem terem que estar constantemente a remeter os doentes para especialistas. Desta forma, há uma diminuição de custos e de tempo, o que provoca uma maior satisfação quer dos médicos, quer dos pacientes (7). Outro “extra” que existia em 10 dos softwares que registavam os dados clínicos dos pacientes eram sistemas de alertas e lembranças (1,3,4,9,10,12,13,17,19,24) . Um dos artigos distinguia estes dois sistemas. Alertas são mensagens enviadas pelo computador que informam o clínico acerca de um evento importante relacionado com um determinado 10 paciente (por exemplo, se um paciente estivesse medicado com zidovudine e os granulócitos descessem a um nível abaixo de 750 per mL, seria mandada uma mensagem para o médico ou enfermeiro responsável por esse paciente). Já as lembranças são mensagens que apenas aparecem quando o clínico abre o registo do paciente em causa (por exemplo, um médico que estivesse a visualizar um registo de um paciente na hora de uma consulta marcada poderia receber uma lembrança de que o paciente devia ser vacinado contra algo) (13) . Os restantes artigos não distinguiam entre estes dois componentes, definindo-os no geral como sistemas que notificam o médico de resultados anormais em exames, lembram tanto médicos como doentes (através do envio de e-mail’s) da aproximação de uma consulta e avisam o profissional de saúde que falta preencher alguns campos de dados. Os médicos, ao contrário dos enfermeiros, não se mostraram, na sua maioria, muito entusiasmados com estes softwares adicionais. Apenas uma minoria de clínicos se mostrou interessada no potencial do computador para os lembrar de levarem a cabo certas iniciativas, ou mesmo para sugerir uma acção. Em testemunhos recolhidos num dos estudos, alguns médicos mostraram alguma preocupação em confiar num computador para tomar decisões. Consideravam também que as opções sugeridas pelo CSS eram muitas vezes inapropriadas. Relativamente ao sistema de lembranças e alertas, alguns médicos referiram que os “avisos de que faltavam dados eram irritantes”, visto que nem sempre era possível ou necessário preencher todos os campos (12) . O desinteresse e a falta de aderência por parte dos médicos a estes tipos de sistemas poderá, porventura, ser explicado pelo facto destes acharem o software de difícil utilização, ou de não terem sido alertados para os potenciais benefícios que estes sistemas poderão trazer para a prática médica. Uma explicação mais extrema poderá ser o receio dos médicos de virem a ser substituídos por máquinas, o que, actualmente, é 11 uma situação algo irreal, visto que a relação estabelecida entre médico e paciente nos cuidados primários é essencial para uma melhor prestação dos cuidados de saúde. Já os enfermeiros se mostraram muito interessados em ambos os sistemas, tendo-se constatado que aderiam mais rapidamente à informatização de dados do que os médicos (12) . O entusiasmo dos enfermeiros é de fácil explicação: a utilização destes sistemas por estes profissionais de saúde poderá ser responsável por um aumento da sua responsabilidade no diagnóstico e tratamento de pacientes. Note-se, no entanto, que apesar dos resultados positivos obtidos em vários estudos, os CSS necessitam de um maior desenvolvimento e avaliação antes da sua introdução no quotidiano dos cuidados primários. (11) Características dos RCE Cada estudo estava mais direccionado para certas características dos RCE, havendo apenas uma pequena percentagem de artigos a referir cada ponto (ver Tabela 3). Com base nisso, cada autor concluía acerca da qualidade dos RCE, determinando se estes seriam mais ou menos vantajosos num determinado âmbito dos cuidados primários do que os registos clínicos tradicionais. Em quinze dos (1,3,5,7,8,9,10,12,13,14,15,17,19,23,24) estudos, os RCE foram considerados vantajosos , havendo apenas cinco que concluíram que a sua aplicação não traria nada de novo, não sendo, no entanto, desvantajosa. Apesar de não haver muitos artigos a referir as mesmas características, há um aspecto dos RCE que foi apontado por 60% dos estudos, o que demonstra a sua importância: a influência dos RCE na aderência às guidelines. Isto porque, tal como foi demonstrado em várias revisões sistemáticas, os sistemas computorizados são um meio eficaz para a implementação de guidelines nos cuidados primários, isto é, o facto de os 12 médicos registarem os dados no computador fazia com que seguissem com mais eficácia os protocolos existentes para cada situação (12) . A utilização de CSS e de sistemas de alertas e lembranças vem aumentar ainda mais esta eficácia. Note-se que, geralmente, estes sistemas são baseados em guidelines; assim, ao alertarem ou ao ajudarem o médico a tomar decisões, estão apenas a seguir as guidelines existentes para cada caso, daí a sua influência. Não convém, contudo, esquecer que, enquanto que com uma guideline escrita o médico pode decidir o que é relevante e prioritário para um paciente em particular, com guidelines computorizadas é o computador que compara o que se sabe acerca de um paciente com conhecimento formalizado, apresentando depois soluções. Não há assim, capacidade de julgamento da qualidade dos dados nem da sua relevância para cada ocasião (12) . Esta desvantagem das guidelines computorizadas poderá ser um factor explicativo do insucesso dos CSS referida anteriormente. Relativamente aos custos a nível de material e manutenção do sistema, foram efectuados sete estudos cuja conclusão foi que, a longo prazo, a informatização dos dados se torna vantajosa (1,5,6,7,11,15,17) . Nenhum artigo apontou qualquer prejuízo em termos financeiros. Contudo, algumas desvantagens foram apontadas. Um artigo refere que 22% dos profissionais de saúde tiveram vários problemas a nível de falhas de hardware e software, o que reduziu a frequência do uso do computador (tendo afectado os resultados do estudo), tendo sido necessária uma infraestrutura extensiva para resolver os inúmeros problemas técnicos com os computadores e as bases de dados dos pacientes (17). Para além disso, foram também expostos problemas em relação à navegação no sistema. Foi várias vezes referido que muitos clínicos que experimentavam os softwares os achavam de difícil navegação. Alguns médicos reconheciam que, caso houvesse 13 formação específica que os familiarizasse com os sistemas, talvez este problema fosse ultrapassado. (4,7,12,16,17,20) Os problemas supracitados afectaram a frequência do uso do computador, o que veio a limitar vários estudos, e, por conseguinte, esta revisão sistemática. Os médicos simplesmente deixavam de utilizar os computadores, o que condicionava os resultados obtidos nesses estudos. Daí muitas vezes não se observar qualquer efeito aquando a introdução dos RCE. Ao contrário do que se podia pensar, não foi provado que o uso de um computador durante a consulta interfira com a relação médico-paciente (7) . No entanto, é necessária caução na análise destes dados, visto que os próprios médicos apresentam já alguns preconceitos em relação a este facto: mostram-se relutantes em utilizar os computadores durante a consulta, preferindo fazê-lo enquanto aguardam a entrada dos pacientes (7,12). Tabela 3: Características gerais dos RCE referidas nos artigos Número (percentagem) de Características publicações (n=20) Maior facilidade do fluxo e no acesso à informação 5 (25%) Introdução de dados mais fácil e com menos erros 5 (25%) Informação facilmente actualizada 3 (15%) Informação disponibilizada de forma legível, precisa e 2 (10%) objectiva Partilha de informação entre os vários profissionais de 7 (35%) saúde Acesso dos utentes à informação 2 (10%) Mais rápida e completa aderência às practice guidelines 12 (60%) Problemas relacionados com privacidade e 1 (5%) confidencialidade Exigência de formação específica dos profissionais de 6 (30%) 14 saúde e actualização de conhecimentos constante Não Compensa compensa Custos a nível de material e manutenção do sistema 7 (35%) 0 Âmbito dos RCE Os âmbitos mais estudados foram: Prescrição (4 artigos), Hipertensão e doenças cardiovasculares (4), Doenças crónicas – dor crónica, asma e angina (3) e HIV (2). Influência dos RCE na prescrição: Uma boa prescrição não é necessariamente barata. É natural que os médicos prescrevam tratamentos que, embora sejam muito eficazes, são também muito dispendiosos. Um estudo analisou o efeito do uso de um software em que os RCE eram aliados a um sistema de sugestões de prescrições. Neste estudo verificou-se que aumentou, com o apoio do computador, o número de vezes que os médicos prescreviam um medicamento mais barato mas com igual eficácia (ou seja, um genérico). Para além disso, os médicos prescreviam medicamentos mais rapidamente, havendo, ao mesmo tempo, uma melhoria da qualidade da prescrição. A população médica revelou-se bastante satisfeita com este sistema: 59% afirmou que o sistema era bastante útil e que muito provavelmente o usaria; 88% achou o sistema de fácil navegação (ao contrário do que se verificava em muitos outros softwares, como referido anteriormente) (23). Outro estudo analisou o efeito dos RCE na prescrição e na descontinuidade de receitas inapropriadas. Apuraram que, em relação à prescrição inapropriada, esta era 18% mais baixa no grupo que utilizava RCE (conjuntamente com um CSS) do que no grupo de controlo. Já no caso da descontinuidade não houve impacto em relação ao grupo de controlo, pois, apesar de todas as receitas inapropriadas terem sido 15 descontinuadas no grupo que utilizava RCE, a diferença de 14% em relação ao grupo de controlo não era estatisticamente significativa. Os investigadores também constataram que os médicos conseguiam identificar mais rapidamente uma duração excessiva da terapia e interacção de drogas resultantes de haver mais do que uma fonte de prescrição para o mesmo paciente (17). Relativamente à dosagem, um estudo provou que o uso de RCE reduzia eficazmente a quantidade de antibiótico (vancomicina) prescrito, diminuindo o risco de o paciente adquirir resistência a este. Note-se que neste estudo, o registo dos dados requeria o uso de guidelines, realçando a importância do uso das mesmas (15). Influência dos RCE no tratamento de hipertensão e doenças cardiovasculares: Três estudos foram realizados sobre este tema. Num desses estudos, em que o software estava aliado a um CSS, não houve diferenças clínicas ou estatisticamente significativas entre o grupo de controlo e o grupo experimental no número total de visitas de emergência, hospitalizações, número de óbitos e satisfação dos pacientes. Este resultado desapontante ocorreu numa clínica onde o uso de tecnologias informáticas já tinha provocado consequências satisfatórias quando aliado à medicina preventiva e ao uso de guidelines na monitorização dos medicamentos. No entanto, os médicos não tinham mostrado grande entusiasmo no uso do computador no tratamento destas doenças, tendo-se recusado a aceitar as sugestões que o sistema informático lhes dava sobre como tratar os seus pacientes. É possível que os médicos tenham achado o sistema intrusivo e consumidor de tempo. (20) Resultados semelhantes foram obtidos num outro estudo: em termos de percentagem de pacientes com um risco cardiovascular de 5 anos superior a 10%, não se registava qualquer diferença com a introdução dos RCE aliados a CSS. Uma possível explicação 16 apontada pelos autores é que o programa pode ter sido confuso para os profissionais de saúde, apesar de todos terem recebido treino específico. (11) No entanto, o mesmo já não se verificou num terceiro estudo, realizado em doentes com hipertensão “moderada”. Após introdução dos dados do paciente do computador, o sistema fornecia ao médico gráficos com a evolução da pressão arterial ao longo do tempo e comentários acerca do tratamento prescrito pelo médico, baseando-se nas guidelines. Houve uma diminuição da pressão diastólica nos doentes do grupo experimental para níveis definidos como normais (>90 mm Hg), não tendo tal sucedido no grupo de controlo, ou seja, o uso de RCE melhorou os resultados obtidos nos pacientes com hipertensão moderada (9). Influência dos RCE no tratamento da dor crónica, asma e angina: Relativamente à dor crónica, um estudo foi efectuado no qual o software sugeria um tratamento com base nos RCE introduzidos pelo profissional de saúde. Verificaram-se resultados positivos em 213 de 250 casos, isto é, o software prescrevia um tratamento correcto em 85% dos casos. Contudo, em 5 casos, os especialistas consideraram que o tratamento sugerido era totalmente inapropriado. Apesar deste último facto, os autores referiam que o uso de RCE pode ser útil neste âmbito, visto que se verificou uma diminuição dos custos (por os pacientes não terem de estar constantemente ser remetidos para especialistas) e uma maior satisfação tanto dos médicos como dos pacientes. (7) Nos estudos efectuados em pacientes com asma e angina, não foram encontrados efeitos estatisticamente significativos no uso dos RCE aliados a CSS. Isto ter-se-á devido ao baixo nível de utilização do software. (4,12) 17 Influência dos RCE no tratamento de HIV: O tratamento de pacientes infectados com HIV é um dos maiores desafios mundiais; as estimativas sugerem que 30 milhões de pessoas infectadas podem precisar de diagnóstico e tratamento. Num estudo realizado em pacientes infectados com HIV, em que o computador registava todo o tipo de informações sobre os doentes (listas de problemas, medicação, evolução da doença, entre outros) associado a um sistema de lembranças e alertas, verificou-se que os médicos agiam mais rápido a alterações nos níveis de CD4 (o qual, muitas vezes, afecta o tratamento de doentes seropositivos), o que, obviamente, leva a um melhor tratamento destes doentes. (13) Em suma, verificou-se que o uso dos RCE traz bastantes vantagens na prescrição: permitem o aumento da qualidade da prescrição sem aumentarem o custo, a diminuição de prescrições inadequadas, a identificação de interacção de medicamentos diferentes e uma dosagem mais adequada do medicamento a prescrever. Já no tratamento da asma, angina e doenças cardiovasculares, não se verificaram quaisquer diferenças com a introdução de RCE. Convém, contudo, referir, que tais resultados podem-se apresentar falseados pela baixa frequência de uso dos computadores por parte dos médicos, como anteriormente referido. Isto porque, relativamente às doenças cardiovasculares, um dos estudos obteve melhorias no tratamento, o que não sucedia com os outros. Infelizmente, não havia diferenças na nota de qualidade destes 3 artigos, não se podendo concluir qual o estudo que teria resultados mais fidedignos. No tratamento de HIV obtiveram-se resultados positivos, o que se compreende. Os pacientes infectados com HIV necessitam de ser constantemente monitorizados e de receber diversas terapias. Para além disso, informações fundamental sobre o HIV são 18 descobertas mais rapidamente do que alguma vez aconteceu com qualquer outra doença na história da medicina(13). Como supracitado, os RCE permitem uma disseminação da informação médica bastante rápida, possibilitando também uma monitorização bastante eficaz que alerta o médico sobre eventuais problemas (através do sistema de alertas e lembranças). Não é, então, surpreendente, que os RCE sejam úteis no âmbito do HIV. Conclusão Não restam grandes dúvidas de que os RCE poderão ser a nova resposta para o registo dos dados do paciente, devido às suas imensas aplicações. O apoio que fornecem ao médico pode vir a melhorar a qualidade dos cuidados de saúde prestados, ajudando tanto no diagnóstico como no próprio tratamento. No entanto, é ainda necessária uma grande evolução deste tipo de softwares, sendo necessário torná-lo mais acessível e de mais fácil utilização. Da mesma forma, é necessário mudar a abordagem actual dos médicos em relação aos RCE, que os vêm com desconfiança e um certo desinteresse. Por outro lado, os enfermeiros com o seu entusiasmo face a novas tecnologias poderão ser a ‘chave’ para um aumento significativo na utilização dos RCE, devido ao seu maior entusiasmo por esta área. Bibliografia 1. Baker AM, McCarthy B, Gurley VF, Yood MU. Influenza immunization in a managed care organization. J Gen Intern Med. 1998 Jul;13(7):469-75. 2. Buckovich SA, Rippen HE, Rozen MJ. Driving Toward Guiding principals: a goal for privacy, confidenciality, and security of health information. J AM Inform Assoc 1999;6(2):122-133 3. Dexter PR, Wolinsky FD, Gramelspacher GP, Zhou XH, Eckert GJ, Waisburd M, Tierney WM. Effectiveness of computer-generated reminders for increasing discussions about advance directives and completion of advance directive forms. A randomized, controlled trial. Ann Intern Med. 1998 Jan 15;128(2):102-10. 4. Eccles M, McColl E, Steen N, Rousseau N, Grimshaw J, Parkin D, Purves I. 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