UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO ASPECTOS JURÍDICOS ENTRE O EMPREENDEDOR E O LOJISTA DE SHOPPING CENTER GUILHERME AQUINO REUSING PEREIRA Itajaí, novembro de 2008. UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO ASPECTOS JURÍDICOS ENTRE O EMPREENDEDOR E O LOJISTA DE SHOPPING CENTER GUILHERME AQUINO REUSING PEREIRA Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor Msc. Álvaro Borges de Oliveira Itajaí, novembro de 2008. I AGRADECIMENTO Agradeço a deus pela força e segurança para com esta oportunidade, me proporcionando saúde, disciplina e tranqüilidade, para chegar à conclusão desta pesquisa. Em especial, meus agradecimentos ao professor-orientador Msc. Álvaro Borges de Oliveira, por acolher minhas idéias e, sabiamente, conduzir-me à concatenação delas. II DEDICATÓRIA A minha mãe, Maria Isabel Reusing, pelo amor, pelo carinho e aconchego que me deste em todos os anos de minha vida; Ao meu pai, João Gualberto Pereira, grande homem, que acreditou no meu amor pelo direito. A minha irmã, Stéphanie Cristini Reusing Pereira, pelo seu carinho, cúmplice de vários segredos; Ao meu eterno amigo e primo, André Luis Diniz de Souza in memorian, exemplo de vida, fé e determinação, pelo apoio e incentivo em todas as minhas escolhas. Aos meus avós, Waldir e Maria, Tereza e Aquino in memorian, responsáveis pelas preciosidades da minha vida. III TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí, 06 de novembro de 2008. Guilherme Aquino Reusing Pereira Graduando IV PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Fernando Paulo Martins, sob o título Aspectos Jurídicos entre o Empreendedor e o Lojista de Shopping Center, foi submetida em [Data] à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Msc. Álvaro Borges de Oliveira (presidente) e Msc. Jeferson Custódio (examinador), e aprovada com a nota. Itajaí, 06 de novembro de 2008. Msc. Álvaro Borges de Oliveira Orientador e Presidente da Banca Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia V SUMÁRIO RESUMO.............................................................................................................. VII INTRODUÇÃO ........................................................................................................1 Capítulo 1 .............................................................................................................3 ASPECTO JURÍDICO DO SHOPPING CENTER 1.1 ESBOÇO HISTÓRICO......................................................................................3 1.2 CARACTERISTICAS GERAIS DO SHOPPING CENTER..................................................................................................................8 1.2.1 Aprovação do Projeto da Loja...................................................................16 1.2.2 Proibição da Mudança do Ramo do Comércio.........................................17 1.2.3 Aluguel.........................................................................................................18 1.2.4 Direito de Auditoria.....................................................................................21 1.2.5 Estacionamento..........................................................................................23 1.3 REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA DO SHOPPING CENTER..................................................................................................................... CAPÍTULO 2 ........................................................................................................ 27 INSTITUTOS RELACIONADOS AOS CONTRATOS DE SHOPPING CENTER 2.1 RES SPERATA .............................................................................................. 27 2.2 CESSÃO DO CONTRATO REALIZADO ENTRE O EMPREENDEDOR E O LOJISTA DO SHOPPING CENTER.............................................. ........................31 2.3 AÇÃO RENOVATÓRIA...................................................................................33 2.4 ASSOCIAÇÃO DE LOJISTAS..............................................................................................................36 2.4.1 Fundo de Promoções..................................................................................38 2.5 NORMAS GERAIS COMPLEMENTARES............................................................................................39 VI 2.6 REGIMENTO INTERNO..................................................................................41 Capítulo 3.............................................................................................................43 A APLICABILIDADE DAS RELAÇÕES CONTRATUAIS ENTRE O LOJISTA O EMPREENDEDOR DE SHOPPING CENTER 3.1. CONTRATO DE SHOPPING CENTER ANTE O REGIME CIVILISTA.........43 3.1.1. Características dos contratos civilistas..................................................46 3.2. O CONTRATO DE SHOPPING CENTER SOB O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR......................................................................................................56 3.2.1. Características dos contratos consumeristas........................................66 3.3. A NATUREZA DA RELAÇÃO CONTRATUAL ENTRE O EMPREENDEDOR E O LOJISTA DE SHOPPING CENTER...............................70 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 78 REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS ........................................................... 81 VII RESUMO A presente monografia, trabalho de Conclusão de Curso tem como objetivo a realização de um estudo bibliográfico e exploratório que aborde a relação jurídico-contratual existente entre o empreendedor e o lojista de shopping center. Verifica-se os diferentes institutos relacionados aos contratos de shopping center, a relação civilista e consumerista, suas características e limitações, conceituando os termos inerentes ao tema, como exemplo locação, relação locatícia, consumidor, fornecedor, relação de consumo, expondo-se as inúmeras vertentes a respeito do assunto. Ao final, conclui-se a aplicabilidade das regras de consumo á esta relação, uma vez equiparando lojista a consumidor e o empreendedor como fornecedor, alegando haver uma relação de consumo no que tange à defesa dos direitos do lojista frente ao empreendedor, ora parte visivelmente menos vulnerável nesta relação. VIII ROL DE ABREVIATURAS §: Parágrafo ABRASCE: Associação Brasileira dos Shopping Centers. ALSHOP: Associação Brasileira de Lojistas de Shopping Center. Art.: artigo. CC: Código Civil Brasileiro. CF: Constituição Federal da República Federativa do Brasil. LI: Lei do Inquilinato. STJ: Superior Tribunal de Justiça. TJRS: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. TJSC: Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 1 INTRODUÇÀO Este estudo realizado tem como objetivo principal adquirir um conhecimento maior acerca dos aspectos jurídicos existentes no shopping center, principalmente aquelas realizadas entre o empreendedor e o lojista deste empreendimento, vez que tal fenômeno é extremamente interessante, por ser algo um tanto quanto diferente no mundo jurídico, sendo que possui peculiaridades importantíssimas, o que conseqüentemente, geram inúmeros efeitos jamais conhecidos na ciência do direito. Na investigação deste tema, foram utilizados as técnicas do referente, das categorias, das pesquisas bibliográficas e o método empregado será o dedutivo. A sociedade contemporânea viveu e ainda vive uma época de grande euforia em relação aos shopping centers, sendo que tais empreendimentos, além de uma infra-estrutura moderna, geram ao consumidor uma maior comodidade, pois possui estacionamento seguro, grande variedade de lojas, praça de alimentação, salas de entretenimento, segurança privada, e tem, como principal diferencial das demais lojas, localizadas nas ruas, o de horário prolongado, proporcionando um maior conforto aos clientes. A abordagem do presente estudo divide-se em três capítulos, os quais procuram traçar, em linhas gerais, os principais aspectos relacionados à este gigantesco empreendimento, bem como a relação jurídicocontratual existente entre as partes que relacionam-se à ele, que possuem fenômenos intimamente relacionados entre si: a evolução histórica dos shopping centers e suas características, os contratos relacionados ao empreendimento e, por fim, a relação entre as partes contratuais, ou seja, o empreendedor e o lojista de shopping center. Portanto, conforme a investigação a se perseguir, o Capítulo 1 trata da história e evolução do shopping center, de suas principais características e da lacuna existente no ordenamento jurídico brasileiro em relação a tais empreendimentos, embora sejam importantes e determinantemente inseridos no cotidiano das pessoas que o freqüentam, que tende a cada dia 2 aumentar em função dos benefícios que este gera aos seus clientes, bem como ao local onde é instalado, isto é, a cidade, pois gera um maior desenvolvimento local. No Capítulo 02 encontra-se a explanação dos contratos atinentes à este empreendimento, assim como suas distinções e relevâncias para o desenvolvimento do shopping center e de seus lojistas. Dentre eles encontra-se o contrato realizado entre o empreendedor e o lojista, quando este resolve fazer integrar este fantástico mundo do entretenimento e compras. De forma obrigatória, neste mesmo momento, o lojista deve assinar as Normas Gerais Complementares, ou seja, o contrato, se assim considerado, pelo qual complementa-se as normas não contidas no contrato anteriormente assinado. Por fim, deve o lojista também aderir à Associação de Lojistas, isto é, deverá integrar esta associação, juntamente com os demais lojistas e com o empreendedor, que foi criado com o objetivo de realizar a divulgação do empreendimento, através do Fundo de Promoções, adiante explicado. Por fim, no Capítulo 3 realiza-se a análise da relação jurídico-contratual, gerando um estudo, embora breve, da concepção de contrato. Buscar-se-á entender, de forma clara e sucinta, as relações civilistas e consumeristas, caracterizando-as e pontuando suas peculiaridades, sendo que ao final, será demonstrado a análise da natureza jurídica da relação existente entre o empreendedor e o lojista do shopping center. Ao final, as Considerações Finais encerram o conteúdo deste trabalho acadêmico, contendo as referidas conclusões acerca do estudo abordado, que embora sucinto, é de suma importância para uma maior análise das relações encontradas no shopping center. 3 Capítulo 1 ASPECTO JURÍDICO DO SHOPPING CENTER 1.1 ESBOÇO HISTÓRICO Dentre os estudos jurídicos, sobretudo em matéria de direito civil, consumerista e empresarial, inúmeros são os assuntos a discutir, talvez pela particularidade que apresentam, ou quem sabe, por sua atualidade, o shopping center desperta um interesse enorme da classe empresarial de uma forma geral. Tanto que, no decorrer dos estudos no que diz respeito aos shopping centers, hoje considerados por muitos como a oitava maravilha do mundo1, diante de sua relevância para a sociedade contemporânea, as classes dos lojistas e dos empreendedores agem com intensidade no meio jurídico nacional. Por conta deste deslumbrante crescimento, importante é analisá-lo minuciosamente este estudo, levando-se em consideração os aspectos jurídicos, físicos e funcionais do shopping center. Os shoppings centers têm um enorme potencial, capaz de transformar a vida de uma sociedade, já que seu público alvo são as pessoas que além de visitarem-no, buscam o entretenimento e diversão, acabando por gerarem um maior fluxo de riquezas oriundas das relações de consumo lá estabelecidas. Sumariamente, o termo comércio2 submete-se à idéia de intercâmbio, de relacionamento negocial, ao ato de compra, venda e troca de produtos naturais, artificiais ou industrializados, com inúmeras formas de se comercializar, desde as mais antigas, como por exemplo, o escambo3, até as 1 GONZALEZ, Cristiane Paulsen. Código de Defesa do Consumidor na relação entre lojistas e empreendedores de Shopping Centers. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 15. 2 No latim, commercium traz o sentido tanto de comércio, tráfico, negócio (compra e venda), quanto, em sentido figurado, de relação entre pessoas; igualmente traduz o local em que se comercia e as mercadorias negociadas. FARIA, Ernesto. Dicionário escolar latino-português, p.120. 3 O escambo, tido como o primeiro meio de comercialização, consistia na troca de certos produtos por outros. As pessoas na época trocavam aquilo que mais lhe excediam, por produtos que desejavam ou necessitavam. Sendo assim, o encontro dos vendedores/compradores realizava-se no centro da cidade, na forma de feiras3, onde através de inúmeras negociações, conquistavam 4 formas modernas de negociações da atualidade, o comércio virtual. O comércio foi umas das primeiras atividades do homem no âmbito de desenvolvimento econômico, sendo primordial para a civilização4. As atividades comerciais foram marcadas, preliminarmente, pela informalidade, manifestada por intermédio de barracas de rua, carroças, panos estendidos no chão e com os próprios ambulantes perambulando pelas ruas, anunciando em voz alta, as características e a qualidade de seus produtos, gerando ora desconforto e incomodo, ora satisfações à seus clientes. Ainda na Antiguidade, os artesãos gozavam de uma posição privilegiada entre os povos árabes, sobretudo em razão de sua religião e da origem voltada ao mercantilismo dominante para aquela época. A difusão de tais princípios serve para elucidar as relações de surgimento do bazar5. As feiras6 sugerem ao pesquisador, a imagem de um lugar animado e agradável, com movimento intenso e inúmeros produtos. Na Idade Média, elas eram montadas com a junção de tendas e barracas de exposição de mercadorias, e provocavam um luxo intenso de caravanas de pessoas que vinham de longe cada uma das feiras existentes. A estrutura contava ainda com tendas especializadas na venda de comidas e bebidas, além de escritórios aptos a promover o empréstimo de dinheiro e de moedas. Neste modelo de comércio, há distinção entre o interno e o externo, o público e o privado, além dos domínios masculinos ou femininos, sendo, então considerados chaves para o entendimento acerca das estruturas das cidades. O bazar é responsável pela convivência harmônica entre elementos seus objetivos e retornavam para casa com os produtos pretendidos, além de outros que lhes aguçavam os olhos e faziam-nos comprar. HEILBRONER, Robert L. A formação da sociedade econômica, 4 ed. Rio de Janeiro: Zahar. p. 35. 4 MARTINS, Fran. Curso de direito comercial, 22 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 1-18. 5 Bazar é oriundo da palavra bazaar, proveniente da cultura árabe, que significa mercadorias. HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem, p. 48. 6 A palavra feira é derivada do latim feria, que traduz a adoração, a festa realizada a determinado santo. A feira de Champagne, muito conhecida por seu deslumbrante destaque na história do comércio, teve início em 1.250 e manteve como principal característica à transformação nas atividades, onde deixou-se de lado a venda de tecidos e tornou-se um verdadeiro centro cambial, o qual fez realizar um desenvolvimento intenso e promissor, jamais visto antes. HEILBRONER,Robert L. A formação da sociedade econômica, 4 ed. Rio de Janeiro; Zahar, 1979. p. 61. 5 de diversas classes sociais, pois nele impera a cordialidade entre os indivíduos. Com o passar do tempo, o termo bazar deu espaço a caracterização de um lugar desordenado, estreito e mal-arrumado, passando a diferenciar-se de seus objetivos primitivos, fazendo com que certas atividades permanecessem longe dos centros da cidade. Neste sentido comenta Heliana Comin Vargas: O modo como as várias categorias de comércio dividem-se e agrupam-se no bazar sempre foi objeto de especulação. A localização dos diversos tipos de mercadorias tinha suas razões funcionais. Era desejável que os profissionais ligados às atividades incômodas, como tintureiros, ceramistas e vendedores de pólvora, permanecessem na periferia7. Vale ressaltar que atualmente a concepção de bazar, bem como a de shopping center, sofrem demasiadamente com o efeito acelerado da globalização, tais como a uniformização cultural e a grande velocidade das transformações sociais. Entrementes, passaram os comerciantes a formar as lojas, que consistiam originariamente em mercados onde os produtos ficavam espalhados pelo chão. Dado o desenvolvimento, as estruturas passaram a contar com bancas, tendas, mesas e barracas desmontáveis8. As lojas individuais da Idade Média tendiam a se juntarem em razão da semelhança entre os produtos comercializados, sendo, portanto, facilmente controladas e suprindo as necessidades gerais de convivência e comodidade da população e dos próprios comerciantes. O desenvolvimento do comércio gerou certas modificações no cotidiano das cidades e da população. Como reflexo da Revolução Francesa e tomando o lugar dos mercados cobertos, com espaços amplos reservados à permanência de barracas. No século XIX, na cidade de Paris, criou-se o primeiro espaço completamente fechado para compras9. 7 VARGAS, Heliana Comin. Espaço Terciário: o lugar, a arquitetura e a imagem do comércio, São Paulo: SENAC, 2001, p.114. 8 MARTINS, Fran. Curso de direito comercial, 22 ed, Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 1-3. 9 HICKS, John. Uma teoria de história econômica, Rio de Janeiro: Zahar, 1972, p. 34-57. 6 Sendo assim, já no século XIII, tais mercados tinham formas sólidas, fechadas por lojas e cobertos por um forro leve, sendo que o ferro, mais tarde passou a compor essa arquitetura. Por outro lado, a grandeza destas construções pretendia marcar a atuação dos novos governadores, assumindo as características de local público, capaz de suportar um novo espaço para o desenvolvimento comercial, mesmo que encoberto por um anseio de revelação da supremacia da política existente10. No Século XVI, às lojas foram incorporadas vitrines, capazes de imprimir acentuado ornamento às mesmas, além de proporcionar a observação de preços e produtos, no momento em que o comércio se encontra fechado, instigando por outro lado, o consumismo em espécie. Após alguns anos, porém o mesmo século incluiu-se na comercialização o setor terciário, sendo entendido como aquele que incorpora atividades que não produzem nem modificam objetos físicos e que tem seu fim justamente no momento em que são realizadas. Quanto ao desenvolvimento do setor terciário, comenta Heliana Comin Vargas: O setor terciário divide-se em uma série de categorias de acordo com a função exercida. Compreende, portanto, não apenas o comércio varejista e atacadista, mas a prestação de serviços, as atividades de educação, cultura, lazer, turismo, profissionais liberais, sistema financeiro, administração e marketing11. Entretanto, este setor consiste em um meio que atravessa profundas modificações, com o advento de novas formas de pensamento e de atitudes dos cidadãos do mundo, ante a globalização. A questão da localização do comércio é bastante importante no que refere ao desenvolvimento do setor terciário no Brasil. Sua escolha deve levar em conta diversos fatores, a fim de proporcionar uma melhor adequação ao meio e aceitação por parte da população. 10 RYBCZYNKI, Witold. O centro da cidade: o shopping center, Revista Empreendedor, Florianópolis, v. 9, n. 104, jun/2003, p. 51-59. 11 VARGAS, Heliana Comin. Espaço Terciário: o lugar, a arquitetura e a imagem do comércio, São Paulo: SENAC, 2001, p. 52-53. 7 Recentemente, com o desenvolvimento da comunicação humana e sua abrangência mundial, fontes específicas do comércio têm desenvolvido linguagens e símbolos próprios, que as tornam únicas e identificáveis em qualquer parte do mundo. As marcas ou imagens associadas ao comércio contemporâneo possuem valor significativamente notório, vez que ultrapassam o tempo e os desafios de instabilidade econômica e mantém-se cada vez mais fortes. Os shoppings centers são o reflexo dessas modificações mercadológicas. Surgiram no início do século passado, primeiramente nos subúrbios das cidades americanas, porém, sua difusão foi interrompida em função do advento da Segunda Guerra Mundial, além da depressão econômica sofrida pelo mundo, lembrando que em 1.946, existiam apenas 8 (oito) nos Estados Unidos12. Após esse período turbulento da economia mundial, a proliferação dos shoppings centers tornou-se mais intensificada em função do aumento do poder aquisitivo das pessoas, bem como se transformou a antiga visão de que estes empreendimentos deveriam ser constituídos no centro das grandes cidades, razão pela qual, passaram a seguir rumo às periferias, ocorrendo um crescimento suburbano considerável. Em 1.966, foi inaugurado o primeiro shopping center no Brasil, o Shopping Center Iguatemi13, na cidade de São Paulo. Após a inauguração deste empreendimento, a figura do shopping center, antes vista com restrições, foi se popularizando. Porém, foi somente na década de 80, do século passado, que a expansão destes empreendimentos cresceu, pois foi a partir de então que a população passou a adquirir confiança no empreendimento, principalmente os lojistas. Embora houvesse esse crescimento, eles eram construídos apenas nas capitais brasileiras, fazendo com que a população periférica apenas admirasse-os. 12 RYBCZYNKI, Witold. O centro da cidade e o shopping center, Revista Empreendedor, Florianópolis, v.9, n. 104, Jun/2003, p. 51-59. 13 ABRASCE. Apresenta textos sobre shopping center. Disponível <http://www.abrasce.com.br>. Acesso em: 01 abr. 2008. em: 8 Nota-se que o fator relevante para o desenvolvimento e construção de inúmeros Shoppings Centers, a partir de 1.980, foi a facilidade de financiamentos para os empreendedores, que antes, contavam apenas com os recursos próprios. Atualmente, com o incentivo da Associação Brasileira de Shopping Center, os empreendedores contam com uma linha de financiamento apenas para este setor do comércio, o que faz solidificar os projetos de investimento na área. Em conseqüência de diversos fatores, tais como, avanço tecnológico, melhoramento das noções mercadológicas e um desenvolvimento social e político da população, iniciou-se o efetivo surgimento do shopping center. A partir de então, este empreendimento tem relevante importância para a sociedade, visto o desenvolvimento que trás consigo em cada cidade que é inaugurado, sela ele na periferia ou no centro da cidade. 1.2 CARACTERISTICAS DO SHOPPING CENTER O surgimento do shopping Center fez gerar alto índice de consumismo, principalmente por parte dos jovens que, nos últimos anos, vêm se tornando os principais clientes deste tipo de estabelecimento, não apenas pelos produtos que oferecem, mas também porque vendem sua imagem por ser um local de convívio social e político, capaz de torná-los um pouco menos reservados, já que atualmente, seus dias são vividos em locais fechados, afastados da realidade social atuais, totalmente protegidos, sendo chamados de “geração de confinados” por Frúgoli Júnior·. Para Glandston Mamede: “[...] o surgimento desse centro de compras atesta o amadurecimento das técnicas capitalistas de estímulo ao consumo (criando compulsão à compra, que pode ser coloquialmente definido como consumismo)14”. 14 MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center: abusos e ilegalidades, São Paulo: Del Rey, 2000, p. 24. 9 Sendo uma evolução do comércio moderno, o shopping center resulta de uma estrutura sócio-econômica e jurídica sem precedentes anteriores15. No que tange às vantagens geradas pelo shopping center, aduz Cristiane Paulsen Gonzalez: O shopping reuniu tudo o que era esperado e, como se não bastasse, surpreendeu positivamente, desempenhando inclusive um relevante papel social: além de proporcionar a otimização do tempo, tão escasso diante de inúmeras atividades que o homem moderno tem sob o seu encargo, resgatou o esquecido lazer em família. Nada como unir o útil ao agradável.16 Sendo assim, hoje existem no Brasil 346 Shopping Center, sendo 333 dentre eles em operação e 13 em construção. Em 1983, somente 15% destes empreendimentos estavam no interior do Brasil, e hoje, este percentual elevou-se para 49%. Os 346 shopping centers totalizam ABL (Área Bruta Locável) superior a 7.3 milhões de m², compreendendo mais de 52.000 lojas-satélite, 1.300 lojas-âncora e 1.315 salas de cinema e teatro. A indústria de shopping centers vem demonstrando grande vitalidade, contribuindo para o progresso da qualidade de vida no Brasil. Os Shoppings tornaram-se pontos de encontro, pólo de entretenimento, aliando praticidade e segurança. Desempenhou também importante papel na economia, como geradora de cerca de 525.000 empregos diretos e com expressiva integração com a comunidade17. Os Shoppings centers são empreendimentos imobiliários, disponíveis à comercialização de produtos e serviços, através dos comerciantes/locatários dos espaços disponíveis a esta relação comercial. Este empreendimento, em suma, é um centro de compras planejado e organizado, de 15 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Sistema jurídico do shopping center, Revista Semina , Londrina, v. 15, n.3, Set/2004, p. 216. 16 GONZALEZ, Cristiane Paulsen. Código de defesa do consumidor na relação entre lojistas e empreendedores de shopping centers Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 26. 17 ABRASCE. Apresenta textos sobre shopping center. Disponível em: <http://www.abrasce.com.br>. Acesso em: 06 abril. 2008. 10 fácil acesso, englobados por inúmeras lojas, composta por área de lazer e praça de alimentação, e gera comodidade maior ao freqüentador deste ambiente que evolui cada dia. Diante do ponto de vista econômico, preceitua a International Council os Shopping Centers, citada por Cristiane Paulsen Gonzalez: [...] é um grupo de estabelecimentos comerciais unificados arquitetonicamente e construídos em terreno planejado e desenvolvido. O shopping deverá ser administrado como uma unidade operacional, sendo o tamanho e o tipo de lojas existentes relacionados diretamente com a área de influência comercial a que esta unidade serve. O shopping também deverá oferecer estacionamento compatível com todas as lojas existentes18. Porém, a definição da Associação Brasileira de Shopping Centers, é peculiar e detalhada, senão veja-se: É um centro comercial planejado, sob administração única e centralizada, composto de lojas destinadas à exploração de ramos diversificados de comércio, e que permaneçam, na sua maior parte, objeto de locação, ficando os locatários sujeitos a normas contratuais padronizadas que visam à conservação do equilíbrio da oferta e da funcionabilidade, para assegurar, como objetivo básico, a convivência integrada e que varie o preço da locação, ao menos em parte, de acordo com o faturamento dos locatários – centro que ofereça aos usuários estacionamento permanente e tecnicamente bastante19. Além destes, Caio Mário da Silva Pereira debate: Na sua aparência externa é um edifício de grandes proporções, composto de confortáveis salões para instalação de numerosas lojas, arranjadas com gosto e até com certo luxo, distribuídas ao longo de vários andares, selecionadas em raão de ordenamento especial que atende a estudos destinados a distribuir os ramos de atividades segundo uma preferência técnica (mix) e levando em consideração que é necessário fixar a atenção dos consumidores sobre certas marcas ou denominações de maior atração (lojas18 GONZALEZ, Cristiane Paulsen. Código de Defesa do Consumidor na relação entre lojistas e empreendedores de shopping centers, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 18. 19 ABRASCE. Apresenta textos sobre shopping center. Disponível em: <http://www.abrasce.com.br>. Acesso em 06 abril. 2008. 11 âncora). A situação topográfica é da maior relevância, porque pretende livrar a clientela dos inconvenientes impostos pela concentração urbana em bairros de elevado índice demográfico. Levando ainda em consideração que a freguesia mais numerosa é composta de pessoas de classe média, que usam para sua locomoção o carro unipessoal ou unifamiliar, o shopping tem de oferecer amplo estacionamento para veículos. Atendendo a que, além do cliente, certo que vai à procura de determinado produto, o shopping não descura a clientela potencial, oferecendo atrativos (cinema, play ground, rink de patinação, centro de diversões) distribuídos com tal arte que alia o centro comercial a local de lazer.20 Este fenômeno comercial atual torna-se, a cada dia, algo extremamente necessário à paisagem urbana e à população que, sendo exigente, requer algo “requintado” e prático para realizar suas compras cotidianas. Gruen e Smith, citado por Glandston Mamede21, listam 12 (doze) marcas na estrutura desse empreendimento, que agregam características a sua essencialidade, sendo eles: o planejamento mercadológico; condições de tráfico, através de uma boa localização; características físicas do local, realizando operações comerciais em massa; facilidade de estacionamento; complexo de lojas; o tráfego de clientes e de serviços; estacionamento próximo para clientes; proteção contra o mau tempo; técnicas arquitetônicas; instalações para serviços de alta qualidade; possibilidade de expansão, desafiando a relação entre as instalações das lojas e as técnicas de mercado; e; integração da comunidade. Assim, o shopping é planejado para satisfazer inúmeros desejos inerentes aos mais diversos consumidores, como a necessidade de alimentação, satisfeita nas praças de alimentação, necessidade de abrigo, por ser um local coberto e vulnerável ao mau tempo; necessidade orgânica, com inúmeros banheiros dispostos em seu interior, necessidade de descanso, através de bancos distribuídos no empreendimento; necessidade de segurança; 20 PEREIRA,Caio Mário da Silva. Shopping centers: organização econômica e disciplina jurídica, Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 580, fev/2004, p. 17. 21 MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center: abusos e ilegalidades, São Paulo: Del Rey, 2000, p. 26. 12 necessidades sociais; necessidades de estima; necessidade de auto realização; enfim, satisfazem todas as necessidades de desejo.22 Para o melhor entendimento dos envolvidos nesta relação jurídica, necessário se faz a averiguação das partes: a) o empreendedor, pessoa física ou jurídica, que planeja, organiza, constrói e desenvolve o shopping center, b) o lojista, pessoa física ou jurídica que o explora o espaço comercial ; e c) a administradora, contratada pelo empreendedor, a qual cabe a administração, total ou parcial do empreendimento. Porém, habitualmente há uma confusão entre o empreendedor e o administrador do shopping, já que muitas vezes, aquele exerce funções de administração.23 A gestão dos shoppings centers é exercida por uma única administradora, senda ela o próprio empreendedor ou uma empresa terceirizada, tendo a responsabilidade de planejá-lo de forma a possibilitar aos clientes e lojistas um melhor desenvolvimento do local, pois cada elemento deve ser minuciosamente avaliado para a obtenção do sucesso imediato e promissor do empreendimento. Desde a construção, deve haver o planejamento do mix de serviços, além da criação da atmosfera onírica e sedutora que atraia o público alvo do empreendimento, pois deve ser o empreendedor, através da administradora, que deve planejar, organizar, administrar e conservar o shopping center.24 Assim, desde a escolha do local do empreendimento25 até o funcionamento cotidiano do empreendimento devem ser muito bem planejados por aquele que e exercer a administração, com uma gestão organizacional voltada para a exponenciação do consumo de bens e serviços26. 22 MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center: abusos e ilegalidades, São Paulo: Del Rey, 2000, p. 30/31. 23 MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center: abusos e ilegalidades, São Paulo: Del Rey, 2000, p. 32. 24 MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center: abusos e ilegalidades, São Paulo: Del Rey, 2000, p. 80. 25 A escolha do local de funcionamento do shopping center deve ser realizada com certa precaução, pois busca-se um local com espaço disponível à sua instalação, além de apresentar certas vantagens em relação à vizinhança. 26 MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center: abusos e ilegalidades, São Paulo: Del Rey, 2000s, p. 79. 13 São atividades desenvolvidas pela administradora do shopping center, além dos deveres relativos ao funcionamento do empreendimento, deverá introduzir alterações do projeto estrutural da edificação e na decoração das lojas, quando assim julgar-se necessário; fiscalizar as dependências de uso comum, inclusive o estacionamento de veículos e a arrumação das vitrines; apurar o aluguel variável, com base no faturamento bruto do lojista; examinar a escrituração contábil, balanço patrimonial e inventários das mercadorias das lojas, para a constatação do faturamento bruto destas; imporlhes penalidades quando verificar-se divergências entre os alugueres pagos e o percentual do faturamento bruto apurado, autorizar o uso da marca do shopping para publicidade dos lojistas; estabelecer regimento interno; fiscalizar as vendas efetuadas pelas lojas, vez que proíbe-se a venda de produtos de segunda mão27. Com o objetivo de controlar a atividade comercial, o administrador deve, além de tudo mais, verificar os elementos de vivência comercial e urbana gerando uma maior venda, conseqüentemente, lucro a todos, empreendedores e lojistas, tendo como principal desafio a atração do publico selecionado, com condições econômicas para o consumo28. Desta feita, tanto os objetivos econômicos dos shoppings centers como os aspectos sociais da cidade em que estão situados são relevantes, buscando-se incessantemente o desenvolvimento suburbano das áreas periféricas da cidade, além do crescimento financeiro das pessoas que rodeiam tal parcialmente empreendimento. financiados Muitas pelas vezes, prefeituras, tais pois empreendimentos estas objetivam são o desenvolvimento social de toda a população da cidade, e não somente àquelas que vivem nas regiões centrais do município. Destarte, a proposta de descentralização dos shoppings centers é algo de extrema importância, pois com a saturação dos grandes centros, eles tendem buscar o interior, tanto as zonas periféricas das cidades, 27 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos, 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 43-44. 28 LANA, Luciana. Gente que gasta: shoppings buscam estratégias para qualificar o tráfego. Disponível em:<http://www.abrasce.com.br/arq_virtual/revista/2000/revnov/capa.htm>. Acesso em: 07 abril 2008. 14 quanto as cidade interioranas dos estados. A preferência por zonas mais afastadas dos centros é em função destes lugares apresentarem grandes áreas disponíveis para a construção de grandes empreendimentos, além de geralmente, não possuírem tráfego intenso29. Neste sentido, afirma Nabil Sahyoun, presidente da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping – ALSHOP, citado por Fábio Mayer: “Com a saturação de algumas capitais brasileiras, essa regiões tornam-se atrativas para investidores que aproveitam o poder aquisitivo da população local e oferecem centros de compras, que não diferem dos construídos nas capitais30”. Portanto, a indústria do Shopping Center gera inúmeras transformações, pois atua de formas distintas, ou seja, como desbravadora, pois quando instala-se empreendimentos cria uma imobiliários infra-estrutura residenciais; de e, serviços como e impulsiona modificadora das características da região onde vem a instalar-se, pois leva a um incremento do setor imobiliário, voltando ao setor empresarial e comercial31. Com a construção de Shopping Center numa cidade, tal local passa a influenciar transformações constantes nos hábitos e costumes comuns, onde as pessoas começam a freqüentar mais estes estabelecimentos, gerando um crescimento considerável na economia local, pois, raro é, pessoas freqüentarem o shopping sem ao menos comprar algo para comer ou beber. A destinação do espaço é outro elemento da estratégia organizacional, pois na década de 80, o shopping era projetado para um consumidor que lá passava o dia fazendo compras, porém, hoje as pessoas não possuem mais tanto tempo disponível para fazer isso. 29 GONZALEZ, Cristiane Paulsen. Código de defesa do consumidor na relação entre lojistas e empreendedores de shopping centers, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 21. 30 MAYER, Fábio. Destino dos bons negócios, Revista Empreendedor. Florianópolis, v.27, n.2, Mar/2004, p. 54. 31 CHARRO, Marco Antonio. Reação em cadeia: implantação de shopping centers promove desenvolvimento progressivo nas regiões adjacentes. Disponível em: <http://www.abrasce.com.br/arq_virtual/revista/2001/revset/urbanismo.htm>. Acesso em 21 abril. 2008. 15 Em conseqüência desta busca pela facilidade e comodidade do consumidor de shopping center, criaram-se os chamados tenant mix, ou simplesmente mix, ou seja, uma organização estratégica, realizada através de estudos, que dispõe de lojas de forma a atrair o cliente, atende como base as lojas âncoras32, que como seu próprio nome explica, tem a função precípua de seduzir o cliente. Também quanto a definição do mix, argumenta Glandston Mamede: “a definição de um mix de serviço ao cliente e criação de uma atmosfera onírica e sedutora, que atrai o público-alvo de um determido shopping33”. Portanto, esta forma estratégica e organizacional de disposição das lojas influencia, em muito, as compras do consumidor, pois, se lojas do mesmo ramo encontram-se próximas, enseja-se em lugares próximos, senão do lado, este obterá também uma rapidez em suas compras, quando na maioria das vezes está com pressa. Contudo, a disposição das lojas âncoras em lugares estratégicos do shopping gera uma maior rotatividade dos clientes, atraindo-os, motivando uma maior circulação dos consumidores no interior do shopping. Além destas lojas, existem as chamadas lojas satélites34, destinadas também à atração do público, considerada intermediária, de médio porte. Por fim, encontram-se as lojas de menor porte35, geralmente em forma de estandes ou quiosques espalhados pelo empreendimento, que juntamente com as demais lojas, geram um maior fluxo de clientes, conseqüentemente, aumento de consumo. 32 Sobre isto, cabe citar Cristiane Paulsen Gonzalez (GONZALEZ, Cristiane Paulsen. Código de defesa do consumidor na relação entre lojistas e empreendedores de shopping centers,Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 24.): [...] são eleitas as “lojas âncoras” ou “chamariz”, lojas de departamentos, grandes magazines ou supermercados que se caracterizam pelo prestígio e reconhecimento já conquistados junto ao mercado. São lojas que possuem uma clientela cativa e vão exercer função de atraí-las ao shopping para que todos os comerciantes tirem proveito. Propositadamente, às “lojas âncoras”, serão designados os espaços nobres do empreendimento, próximo às entradas, mas uns distantes dos outros, para motivar a circulação intensa. 33 GONZALEZ, Cristiane Paulsen. Código de defesa do consumidor na relação entre lojistas e empreendedores de shopping centers,Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 80. 34 Lojas satélites são as lojas encontradas entre as chamadas lojas âncoras, que comercializam produtos conhecidos pelos consumidores. 35 Lojas de menor porte geralmente distribuídas nos corredores dos shoppings centers, destinados à venda de um único tipo de produto. 16 Além desta disposição de lojas, encontra-se a praça de alimentação, destinada aos restaurantes dos mais diversos tipos; o playground, composto por brinquedos e jogos de diversão; os cinemas; teatros; área de eventos; desenvolvidos para os mais diversos acontecimentos até as decorações temáticas de datas festivas; além de contarem com salas de repartições públicas, cívicas ou mesmos bancos. 1.2.1 Aprovação do Projeto de Loja Estritamente ligado a destinação do espaço no shopping center, a aprovação do projeto da loja é uma limitação da vontade do lojista frente ao empreendedor, que por sua vez, tem o direito de aprovar ou não o projeto arquitetônico e de decoração da loja instalada deste empreendimento. Esta submissão do projeto ao empreendedor/administrador é necessário para a análise do interior da loja, ocasionando a este uma pré-análise do estilo da loja e ao mesmo tempo, uma possível adequação deste aos ditames do shopping, adaptando-se ao estilo do mesmo, preservando-se seu fascínio, tão árduo de ser conquistado. Para Gladston Mamede: É como se um mesmo padrão de expressão material se conservasse em todos os espaços e, assim, transmitisse uma mensagem: um estilo, uma filosofia, um convite para que o visitante compartilhe da razão de ser do empreendimento: sintamse bem e consuma, ainda que seja uma coisinha – um refrigerante, uma bobagenzinha qualquer, um lanche. Mas muito mais: um convite para que o visitante caminhe por seus corredores, examine suas vitrines, conheça o seu conteúdo, o seu preço; e se não comprar agora, que compre depois36. Portanto, cumprindo os limites impostos no contrato estabelecido entre o empreendedor e o lojista, estes não sofrerão quaisquer dificuldade na adaptação de sua loja às regras do shopping center, à essência 36 MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center: abusos e ilegalidades, São Paulo: Del Rey, 2000, p. 122. 17 deste, pois acima de qualquer outra coisa está o bem comum, a atração do consumidor ao shopping. 1.2.2 Proibição de mudança do ramo do comércio Em decorrência dos estudos de melhor organização do empreendimento e das visões mercadológicas, forma-se no shopping center um tenant mix, beneficiando principalmente o cliente, pois dispõe as lojas de forma estratégica e facilitadora no interior do empreendimento. Em face da formação deste tenant mix, o lojista submete-se novamente às regras do empreendedor, que ao assinar o contrato, fica impedido de mudar o ramo de seus negócios, sem prévia autorização do empreendedor. Assim é imposto, face aos estudos realizados, além do que, busca-se a harmonia e pacificação das negociações ali realizadas, bem como, a livre concorrência entre os lojistas do mesmo empreendimento. Neste sentido, manifesta-se Rubens Requião: “A distribuição das lojas tendo em vista a planificação do conjunto do centro comercial, impedindo-se que uma venha a coincidir com a outra, no seu objetivo de harmonia, constitui em um fato normal, dada a disposição de se obter, no todo a integração37”. Portanto, tem-se como lícita a imposição desta cláusula, face ao conjunto de lojas do mesmo shopping center, objetivando-se uma melhor comercialização, através dos atrativos fornecidos ao cliente. Sendo assim, tal disposição contratual é considerada perfeitamente válida, lícita e admitida juridicamente por vários precedentes jurisprudenciais e pesquisas doutrinárias. Ressalta-se que, dentre tantas cláusulas questionáveis quanto a licitude e admissibilidade no âmbito jurídico, esta é considerada de extrema importância para a preservação da harmonia do shopping center. 37 REQUIÃO, Rubens. Considerações jurídicas sobre os centros comerciais (“shopping centers”) no Brasil, Revista dos Tribunais. São Paulo, n.571, maio/1983, p. 32. 18 1.2.3 Aluguel Dentre as principais características do shopping center, podemos contar com as mais importantes, qual seja, o aluguel, pois este diferencia-se de todas as demais formas de locação. Quando o lojista resolve adentrar neste empreendimento, deve estar ciente de todos os gastos que terá, que por sinal, não são nada insignificantes para qualquer porte da loja. Apesar de não ser uma exclusividade dos contratos de shopping center, o lojista, ao assinar este contrato, obriga-se a pagar, a título de aluguel, um valor fixo ou variável. Assim entende Cristiane Paulsen Gonzalez: Nestes contratos entre lojista e empreendedor, o “aluguel”, mensal, é estabelecido em uma parte fixa e outra variável. A parte fixa corresponde a um “aluguel” mínimo, determinado em conformidade com a área da loja e reajustável de acordo com o índice e periodicidade pactuados; enquanto a parte variável é representada por um percentual “x” incidente sobre o faturamento bruto obtido pela loja. Sempre que o “aluguel” mínimo for inferior ao valor resultante da aplicação do percentual à receita bruta, este último prevalecerá, ou seja, corresponderá ao devido. No entanto, se as vendas não forem satisfatórias, quer dizer, a aplicação do percentual resultar em um valor inferior àquele fixo, terá o lojista que pagar o fixo, ou mínimo38. Aos olhos do empreendedor, o principal objetivo desta duplicidade de aluguéis é o incentivo dado ao lojista para que busque um bom faturamento, para que assim não necessite pagar o valor mínimo, mostrando seu desempenho satisfatório naquele mês. Porém, também há um incentivo ao empreendedor que aplicará mais esforços ao empreendimento, propiciando um maior índice de vendas, conseqüentemente, obtendo uma maior remuneração. Sendo assim, Gladston Mamede nesta seara aduz: É fundamental observar-se a natureza dos negócios jurídicos envolvidos no contrato havido entre o empreendedor e o lojista. 38 GONZALEZ, Cristiane Paulsen. Código de defesa do consumidor na relação entre lojistas e empreendedores de shopping centers, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 40. 19 São dois aspectos, já o dissemos: a locação e fornecimento de serviços de administração do shopping center, incluindo o aspecto mercadológico. A cada qual corresponde uma remuneração específica: à locação corresponde o aluguel (que os contratos denominam “aluguel mínimo”), calculado sobre a área da loja; aos serviços de administração da área física e de mercadologia corresponde um pagamento variável, estipulado a partir de uma cláusula de sucesso através da qual o empreendedor torna variável sua remuneração em função da competência de seu mister: quanto melhor for o resultado de seu trabalho, maiores serão as vendas do centro de compras e maior será sua remuneração pelos serviços fornecidos.39 Podem ser diferentes os meios de explicações da fixação do mínimo e variável, porém, todos chegam ao mesmo resultado ao concluírem que esse último é resultante de um incentivo dado ao lojista e empreendedor. O Aluguel fixo é determinado face à metragem e localização da loja no interior do shopping. Este aluguel (mínimo), apesar de ser pago em dinheiro (na maioria das vezes), é considerado sui generis, por ser apresentado de forma dúplice40. Os alugueis fixos e variáveis são devidamente previstos nestes contratos, porém, nele também é estabelecido a correção destes valores, objetivando um ressarcimento na possível desvalorização da moeda brasileira. Cabe ressaltar a forma da cobrança deste aluguel variável que é em percentual, determinando no contrato, calculando sobre o faturamento bruto da loja, sem desconto de quaisquer despesas e perdas mensais. Sendo assim, não é necessário que este montante, a ser pago sob forma de aluguel, seja determinado, importando sim que este seja determinável. Entretanto, além desta diferenciação na cobrança de aluguel, sendo ele fixo ou variável há outra peculiaridade, a cobrança do 13 Aluguel, o qual corresponde a um aluguel em dobro, devido pelo lojista ao empreendedor, no mês de dezembro ou, excepcionalmente, em outro mês do ano, quando a atividade que exerce tiver seu ápice de vendas do ano. 39 MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center: abusos e ilegalidades, São Paulo Del Rey, 2000, p. 53-54. 40 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Atipicidade mista do contrato de utilização de unidade em centros comerciais e seus aspectos fundamentais, Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 716, Jun/1995, p. 115. 20 Assim explica Maria Helena Diniz: Logo, no mês de dezembro o aluguel mínimo será o dobro do devido nos demais meses, chamado impropriamente de 13º aluguel, que não constituirá um aluguel a mais, mas decorrerá da forma organizacional do shopping, que visa uma cooperação entre empreendedores e lojistas, visto que a empresa que fundou o shopping não teve apenas por finalidade alugar lojas, mas sim participar do lucro obtido por elas, colaborando para que os lojistas tenham privilégios como publicidade e segurança41. Esta autora não considera tal parcela como sendo uma remuneração a mais, e também justifica que assim é cobrado em decorrência de forma organizacional do shopping, face à cooperação existente entre empreendedor e lojista. Porém, alega que esta majoração de remuneração é obtida também em outras datas comemorativas, como na Páscoa e dia das mães. Todavia, outros doutrinadores42 dizem que esta cobrança justifica-se pela necessidade do empreendedor realizar o 13 pagamento dos funcionários do empreendimento. Porém, estes mesmos doutrinadores julgam ser imprópria esta cobrança, apesar de não haver óbice em nenhuma legislação. Tanto que, neste sentido manifesta-se Gladston Mamede: Porém, é esse ônus do próprio empreendimento e não um serviço extra: todo e qualquer empregador, em virtude da legislação trabalhista, está a ele obrigado, constituindo parte de seus custos. Não é diferente com os shopping centers, não havendo fundamento para a transferência do ônus; a cláusula é ilegítima, iníqua, e não-jurídica, criando, no âmbito de uma relação sinalagmática, um ônus ao qual não corresponde bônus, ou ainda, uma obrigação à qual não corresponde retribuição43. Portanto, por quaisquer das justificativas que se utilize, nenhuma é juridicamente reconhecida, pois os argumentos alegados pelos empreendedores/administradores de shopping centers não possuem fundamentos convincentes. Cabe frisar ainda, que todas as demais obrigações de pagamentos, 41 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos, 5 ed., São Paulo : Saraiva, 2003. p. 46. 42 Conforme Gladston Mamede e Cristiane Paulsen Gonzalez. 43 MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center: abusos e ilegalidades, São Paulo Del Rey, 2000 p. 54. 21 estipuladas pelos empreendedores possuem a mesma justificativa, qual seja, a necessidades de cooperação do lojista para a manutenção do shopping. Verificase, no entanto, que o abuso do empreendedor é totalmente latente, frente ao desejo do lojista em pertencer à este mundo tão fascinante que é o shopping center. 1.2.4 Direito de Autoria Em face da cláusula que permite a cobrança do aluguel variável, também se prevê neste contrato a cláusula do direito de autoria, realizado pelo empreendedor, para fiscalizar a receita bruta mensal obtida pelo lojista. Assim é pactuado, para evitar uma possível fraude realizada pelo lojista, objetivando a diminuição do pagamento deste aluguel. Cabe traduzir o pensamento de Caio Mario da Silva Pereira por Ladislau Karpat: A efetividade da fiscalização consiste, precisamente, em apurar se o lojista na realidade registra as vendas que efetua, pois é admissível que, sem um controle imediato, pode deixar de registrar as vendas, e, desta sorte, sonegar ao locador parcelas da receita bruta, burlando a incidência do percentual desta. A operação de venda não é alterada ou perturbada pelo fato de estar um auditor na loja, observando se o lojista ou seu preposto utiliza normalmente o equipamento registrador. Falar em resguardo do sigilo comercial é absolutamente inconsistente. É público e notório que as operações efetuadas no exercício de qualquer atividade não podem ser revestidas de segredos inter partes. As pessoas vinculadas por um contrato não têm o direito de esconder, uma das outras, os atos negociais que praticam à sombra do mesmo contrato...44. Porém, entende-se que esta fiscalização torna-se ilícita no momento em que o lojista aceita tal cláusula no contrato, assinando-o. Portanto, ao aceitar a cláusula do pagamento do aluguel variável, conseqüentemente, o mesmo aceita a averiguação da receita bruta da sua respectiva loja. 44 apud KARPAT, Ladislau. Shopping center: manual jurídico, 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 25 22 Neste sentido, Cláudio Santos afirma: “Assim, se o comerciante abrir mão do direito de sigilo de sua contabilidade, em razão da peculiaridade do empreendimento, não há como negar o direito de fiscalização por parte da administradora, para se assegurar de que a renda bruta está sendo computada e informada com exatidão”.45 Todavia, ao realizar esta fiscalização, o empreendedor deve prevenir-se de certos meios, ora arrolados por Álvaro Villaça Azevedo: “Esta fiscalização, para não configurar abuso, deve conter-se nos lindes da discrição do comedimento e da urbanidade, principalmente quando exercitada no interior do estabelecimento de vendas do utilizador, para que não exista óbice à realização negocial deste”.46 Sendo assim, para não ocorrer qualquer abusividade em sua fiscalização, válido é o empreendimento cercar-se destes critérios transcritos acima, pois, se questionada a validade desta cláusula, pelo menos, não se terá óbices para o questionamento deste exercício, uma vez realizado com toda a cautela possível. Apesar de muitos entendimentos acerca da ilicitude desta cláusula, manifesta-se da seguinte maneira Gladston Mamede: Não se deve afirmar a sua prevalência absoluta, nem a impossibilidade de ser objeto de renúncia por parte do lojista, por reconhecer sua função na estrutura do negócio que aqui se examina. Porém, parece-me que, ainda que contratada a possibilidade de auditoramento das contas para efeito de determinação da remuneração percentual do organizador, a sombra do princípio do sigilo da escrituração comercial (art. 17, CCo) ainda protege o lojista47. Portanto, atinente ao princípio do sigilo da escrituração comercial, possível é o questionamento desta cláusula. Sendo assim, quando o 45 SANTOS, Cláudio. A locação de espaço em “shopping centers”, Revista dos Tribunais. São Paulo, n. 680, jun/1992, p. 17. 46 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Atipicidade mista do contrato de utilização de unidade em centros comerciais e seus aspectos fundamentais, Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 716, jun/1995, p. 118. 47 MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center: abusos e ilegalidades, São Paulo Del Rey, 2000 p. 100. 23 lojista achar que está sendo violado este princípio, poderá questionar esta auditoria judicialmente. Entretanto, se o empreendedor, ao fiscalizar a loja, encontrar qualquer irregularidade ou sonegação, poderá pedir para que o lojista pague-lhes a diferença, embora tenha lhe fornecido a quitação, podendo também, acioná-lo para responder civil e criminalmente.48 1.2.5 Estacionamento O estacionamento é um aspecto importantíssimo no shopping center, pois é o local onde as pessoas guardam seus veículos ao freqüentar estes centros. E como o objetivo da construção dos shopping centers é a facilidade e vantagens oferecidas aos seus freqüentadores, o estacionamento é item essencial. Este ambiente viabiliza uma maior segurança aos consumidores, pois não há incômodos com o horário de funcionamento, vez que é mais amplo que os demais, contam com a vigilância durante todo o tempo que fica aberto.49 Concernente à importância deste ao shopping center, afirma Larissa Freitas Carlos: Logicamente essa estrutura não poderia jamais olvidar de dispor de um estacionamento a tornar mais cômoda ainda a vida dos consumidores. Ora, diante do corre-corre diário da grande maioria das pessoas e frente à proposta de viabilizar a consecução dos objetivos de consumo da população como um todo, nada mais elementar que os shoppings facilitassem também o local para a 48 GONZALEZ, Cristiane Paulsen. Código de defesa do consumidor na relação entre lojistas e empreendedores de shopping centers, Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 43. 49 No que diz respeito à importância desta área nos shoppings centers, afirma a jurisprudência: Responsabilidade Civil. Furto de veículo em estacionamento de centro comercial. Embora não existente pagamento direto, a empresa mantenedora de shopping center ostenta manifesto interesse econômico em dispor de local para estacionamento de veículos, pois atualmente este é o fato mais ponderável para angariar e atrair clientela. Não se trata de contrato de depósito tal como regulado no Código Civil, mas sim de assunção tácita do dever jurídico de guarda e vigilância dos carros. Precedentes do STJ. Recurso especial conhecido e provido. (sem grifo no original). STJ. RESP nº 29198/SP, j. 23/03/93. 24 guarda dos veículos daqueles que são seus freqüentadores. Trata-se de mais uma vantagem. Mais um modo de tornar hegemônica a sua participação na vida dos indivíduos.50 Portanto, condição sine qua non é a presença de um estacionamento compatível com o número de pessoas que freqüentam determinado shopping center¸ o que possibilita uma enorme satisfação por parte dos consumidores destes centros de compras. 1.3 Regulamentação Jurídica do Shopping Center O sistema jurídico do shopping center é algo complexo a ser estudado, pelo fato de não conter uma norma especifica regulamentadora, que oriente as relações nele existente, utilizando-se das normas gerais de direito como fonte conclusiva de algumas discussões a respeito de sua validade no campo jurídico. Assim declara Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira: “O sistema jurídico do shopping center apresenta gama considerável de peculiaridades, em parte, decorrentes da ordem normativa maior, como ainda resultantes da auto-regulamentação. As conseqüências jurídicas analisadas são complexas, necessitando normatização mais equitativa”.51 Portanto, para não dizer que não há qualquer norma jurídica que o rege, expõe-se a “preocupação” da Lei 8.245/199152 (Lei do Inquilinato) que dentre seus inúmeros artigos, trata de tal fenômeno do shopping center em apenas dois deles, os artigos 52 e 5453. Assim, mesmo com a aplicação de tais 50 CARLOS, Larissa Freitas. Estacionamento em shopping center: natureza jurídica da obrigação de indenizar danos ocorridos aos veículos nas dependências desses estabelecimentos. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=612. Acesso em: 09 jun. 2008. 51 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Sistema Jurídico do Shopping Center, Revista Semina. Londrina, v. 15, n. 3, set/1994, p. 214. 52 BRASIL. Lei do Inquilinato. Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre a locação dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. 53 Art. 52 da LI. O locador não estará obrigado a renovar o contrato se: I – por determinação do Poder Público, tiver que realizar no imóvel obras que importarem na sua radical transformação; ou para fazer modificação de tal natureza que aumente o valor do negócio ou da propriedade; II – o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da maioria do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou 25 dispositivos legais, não é possível suprir todas as dificuldades encontradas no decorrer das negociações de shopping centers, em função de sua enormidade de situações diárias que vêm a formar um obstáculo muitas vezes é intransponível. Quanto à aplicação desta lei nas negociações realizadas nos shopping centers, destaca-se o comentário de Maria Helena Diniz: “[...] o shopping center, por ser um contrato atípico, deveria ser regulado por lei própria; mas enquanto não for promulgada, resta aplicar a lei inquilinária, por imposição legal, apenas para proteger o fundo de comércio”.54 Sendo assim, o aspecto imobiliário relativo a este empreendimento é regulado pela Lei do Inquilinato, porém quanto ao aspecto logístico, aplicam-se as regras gerais do direito. Neste sentido, manifesta-se Alfredo Buzaid: Na sua composição entra a locação de prédio; mas este elemento não é assaz idôneo para qualificar aquele tipo de contrato, porque a sua característica não está apenas em ceder, por tempo determinado, o uso e gozo de um imóvel mediante certa retribuição. Além desse elemento objetivo, reputa-se de especial relevância a estrutura, o funcionamento e a orgânica, que tem essencialmente um fundo de comércio próprio criado pelo empresário.55 descendente; § 1º. Na hipótese do inciso II, o imóvel não poderá ser destinado ao uso do mesmo ramo do locatário, salvo se a locação também envolvida o fundo de comércio, com as instalações e pertences. § 2º. Nas locações de espaço em shopping centers, o locador não poderá recusar a renovação do contrato com fundamento no inciso II deste artigo. § 3º. O locatário terá direito a indenização para ressarcimento dos prejuízos e dos lucros cessantes que tiver que arcar com a mudança, perda do lugar e desvalorização do fundo de comércio, se a renovação não ocorrer em razão de proposta de terceiro, em melhores condições, ou se o locador, no prazo de três meses da entrega do imóvel, não der o destino alegado ou não iniciar as obras determinadas pelo Poder Público ou que declarou pretender realizar. Art. 54 da LI. Nas relações entre lojista e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta Lei. § 1º. O empreendedor não poderá cobrar do locatário em shopping center: a) as despesas referidas nas alíneas a, b e d do parágrafo único do art. 22; e b) as despesas com obras ou substituições de equipamentos, que impliquem modificar o projeto ou o memorial descritivo da data do habite-se e obras de paisagismo nas partes de uso comum. § 2º. As despesas cobradas do locatário devem ser previstas em orçamento, salvo casos de urgência ou força maior, devidamente demonstradas, podendo o locatário, a cada sessenta dias, por si ou entidade de classe exigir a comprovação das mesmas. 54 DINIZ, Maria Helena. Lei de locação de imóveis urbanos comentada, p. 225. 55 PINTO, Roberto Wilson Renault; OLIVEIRA, Fernando A. Albino de (coord.). Shopping Centers: questões jurídicas: doutrina e jurisprudência, São Paulo; Saraiva, p. 13 26 Importante é a observação feita por Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira: “Sob esse aspecto, as normas especiais reguladoras das relações jurídicas em shopping center têm caráter normativo cogente, nos limites daquele universo. Em estrutura escalonada, estão as “normas gerais” do shopping center que abrigam todas as demais56.” Destarte, ressalta-se que, entre as partes envolvidas na relação jurídica existentes nos shopping centers, o que prevalece é o estipulado entre as partes, pois através da liberdade de pactuação dos contratos, as mesmas obtêm o direito de discutir as cláusulas pertinentes aos contratos estabelecidos. Contudo, importante comentar sobre essa liberdade de pactuação contratual, vez que, quando na prática, quem realmente tem liberdade é somente o empreendedor, que estabelece as normas e as impõe ao lojista que, tendo o desejo de fazer parte de tal empreendimento, assume riscos mais tarde questionáveis. 56 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Sistema Jurídico do Shopping Center, Revista Semina. Londrina, v.15, n.3, set/2004, p. 215. 27 Capítulo 2 INSTITUTOS RELACIONADOS AOS CONTRATOS DE SHOPPING CENTER 2.1 RES SPERATA Em Face da importância do âmbito social e jurídico do shopping center, relevante é o estudo dos contratos oriundos da relação entre lojista e empreendedor/administrador destes estabelecimentos. Cabe analisar de forma sucinta e objetiva os aspectos proeminentes destes contratos face a importância que vêm tendo a partir do surgimento de tais empreendimentos. Portanto, analisando-se os contratos que o lojista adere no momento que adentra no shopping. Contudo, enfrenta-se inúmeros obstáculos quanto a regulamentação jurídica destes, haja vista que não possui qualquer norma específica. Entretanto, através dos princípios gerais dos contratos e também do direito, alcança-se um melhor entendimento e aplicabilidade dos contratos de shopping centers, vez que a sua existência depende unicamente da autonomia da vontade das partes, através da liberdade de contratar. Ao projetar o shopping center, o empreendedor, inúmeras vezes não possui todo o capital necessário para instalá-lo. Este, apesar de não possuir tal capital para a construção do empreendimento, também não aceita compartilhar da propriedade deste bem, preferindo concentrar todo o poder em suas mãos. Sendo assim, criou-se a res sperata que, conforme Cristiane Paulsen Gonzales: “Para suprir esta deficiência, “inventou-se” a res sperata, ou seja, uma quantia, normalmente mensal, que é paga pelos lojistas, em um primeiro momento para auxilio ou subsídio à construção do shopping, do qual, é claro, tirarão proveito, ou pelo menos pretendem neste sentido”.57 57 GONZALEZ, Cristiane Paulsen. Código de defesa do consumidor na relação entre lojista empreendedor de shopping center, Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 35. 28 Todavia, ao pagar a res sperata, o lojista passa a contribuir para construção do empreendimento, apesar de não compartilhar desta propriedade, mas em contrapartida, passa a usufruir benefícios em decorrência desta ajuda que presta ao empreendedor, conseqüentemente, ao próprio empreendimento e demais lojistas. Porém, este fator gera um contrato independente, diferente do contrato de locação realizado posteriormente pelo empreendedor e lojista, pois trata-se de contrato aleatório, tendo como objeto coisa futura, portanto, presente está o risco do negócio, assumido pelo adquirente. Assim também conceitua Caio Mário da Silva Pereira: “Com esta ou aquela denominação, é um contrato que se perfecciona na etapa de construção e aparelhamento do shopping center, com todas as características de negócio jurídico contratual, e que não se confunde com o contrato que vigorará, após a conclusão da obra, para a utilização dos salões”.58 Contudo, para a determinação do valor desta remuneração, verifica-se o tamanho da futura loja que o lojista pretende alugar, bem como sua localização no interior do shopping e, principalmente, o tempo de vigência do contrato, que na maioria das vezes, é realizado com prazo determinado de 5 (cinco) anos. Porém, estão dispensadas do pagamento deste valor, as lojas âncoras que, por terem um enorme poder atrativo dos consumidores, é visto pelo empreendedor como um interessante negócio. Neste sentido, comentando-se as vantagens auferidas pelo locatário/lojista, destaca Ana Maria Goffi Flaquer Scartezzini: Ressalta-se ainda que, sob o enfoque do lojista, futuro locatário da loja do shopping center a ser construído, a sua adesão a esse empreendimento não está relacionada ao custo da obra, mas a outros fatores: a sua expectativa de faturamento do novo estabelecimento, o que leva a aceitar o pagamento de uma importância, geralmente elevada, como a res sperata, e a pactuar 58 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Shopping center: organização econômica e disciplina jurídica, Revista dos Tribunais. São Paulo. n. 580, fev/1984, p. 19. 29 valores locativos determinados - o aluguel mínimo mensal e o 59 percentual. Entretanto, quando o lojista paga ao empreendedor, a título de direito de reserva da localização, ele espera uma contraprestação, qual seja, a sua localização no shopping e a promoção realizada pelo empreendedor, que deverá, de forma objetiva, realizar a publicidade, atraindo, a clientela ao shopping center. Este pagamento serve também como um preço relative à adesào ao empreendimento, significando uma garantia de integração ao shopping. Todavia, nota-se que muitos doutrinadores entendem ser este pagamento não a res sperata, mas sim um simples preço de adesão ao empreendimento ou ainda, uma forma re remuneração do fundo do comércio do shopping center. Além do que, outros entendem que a res sperata é considerada luvas, pois se garante um prazo mínimo da duração da futura locação. Neste sentido, afirma Ladislau Karpat: Assim, o interessado em locação de espaço situado em Shopping Center, necessitará de um cuidado especial. Ao aderir a um empreendimento, momento em que normalmente ocorre o pagamento de “LUVAS”, deverá exigir um prazo contratual locativo de, no mínimo, cinco anos. Este prazo conferir-lhe-á, mais tarde, o direito à renovação da locação, caso assim deseje, evitando um possível despejo abrupto e rápido no vencimento do contrato. Evidentemente, faz-se a idéia de que todas as vezes que há o pagamento de “LUVAS”, no início da locação, o locatário terá, em contrapartida, um contrato locativo com prazo de 5 (cinco) anos. Todavia, não é o que ocorre na prática. Alguns Shopping Centers, pertencentes a proprietários menos tradicionais, vêm adotando a prática de cobrança de “LUVAS”, no momento da adesão ao empreendimento, o que ante a nova legislação em vigor, é perfeitamente legal. Não concedem, todavia, ao locatário um prazo contratual de 5 (cinco) anos, na tentativa de cobrar, na renovação da locação, novamente “LUVAS”, o que o estatuto inquilinário veda. É que a cobrança de “LUVAS” no início da locação tornou-se “legal”, continuando 59 SCARTEZZINI, Ana Maria Goffi Flaquer. O shopping center e o abuso do poder econômico, Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo. São Paulo, v.6, n.11, jun/2003, p. 110. 30 proibida tal prática no momento da renovação, ante a expressa disposição contida no art. 45. 6061 Quando se trata da natureza jurídica da res sperata entendida como luvas, cabe-se ressaltar que a ilegalidade das luvas está na cobrança desta remuneração na renovação de contrato. Portanto, o autor pretende argumentar que lícita é esta cobrança, quando realizada anteriormente ao contrato de espaço em shopping center, porém, para que isto não seja ilegalmente realizado, existe a necessidade de que no futuro, o contrato tenha um prazo igual ou superior a 5 (cinco) anos. Ao contrario, Caio Mario da Silva Pereira manifesta-se acerca desta material: A outra é uma forma de captação de recursos em que o empreendedor recebe dos futuros usuários, ou futuros lojistas, quantias com que contribuem durante a fase da construção, até o momento em que a edificação se completa e é aberta à utilização efetiva. Já tive ensejo de estudar esta modalidade de investimento, eliminando, desde logo, a figura da “luva”, proibida no art. 29 do Dec.24.150, de 20/4/34, pois que se não trata de pagamento antecipado de aluguel, nem de benefícios especial ou extraordinário, já que esta é uma etapa pré-locatícia, não sujeita ao império da lei que disciplina o “renovamento dos contratos de locação”.62 Assim, o empreendedor oferece aos candidatos a lojistas todos os estudos acerca da viabilidade econômica e social do shopping center, o que, em contrapartida, obriga-se ao pagamento da res sperata até que o empreendimento seja edificado, alegando ser esta contraprestação apenas uma segurança de reserva de uma das lojas lá localizadas. Muito embora, ainda existe a teoria de que a natureza jurídica da res sperata é entendida como fundo comercial do shopping center. 60 Art. 45 da LI: São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente lei, notadamente as que proíbam a prorrogação prevista no art. 47, ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto. 61 KARPAT, Ladislau. Shopping centers: manual jurídico, 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, p. 102103. 62 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Shopping center: organização econômica e disciplina jurídica, Revista dos Tribunais. São Paulo, n. 580, fev/1984. p.19. 31 Esta teoria é assim entendida pelo fato de, em um mesmo empreendimento estarem reunidas inúmeras lojas e demais atrativos do público que gera um equilíbrio ao shopping center, ocasionando-lhe um adicional, tanto no público alvo, quanto na credibilidade do empreendimento. Este, contudo, considerando os demais aspectos peculiares que envolvem o shopping center, torna-se algo essencial, pois visa a credibilidade e confiança do empreendimento que se instala objetivando um enriquecimento tanto da cidade, no qual será sediado, quanto dos comerciantes. 2.2 CESSÃO DO CONTRATO FIRMADO ENTRE O EMPREENDEDOR E O LOJISTA DE SHOPPING CENTER Uma peculiaridade imposta por uma das cláusulas constantes no contrato firmado entre o empreendedor e o lojista de shopping center é a que veta o lojista de ceder, transferir, sublocar ou emprestar a outrem, sem espaço neste empreendimento, salvo se for expresso consentimento do empreendedor, sob pena de rescisão do respectivo contrato. A aludida cláusula, cuja qual faz estas proibições ao lojista, possui justificativa, conforme aduz Cláudia Santos: Justifica-se porque este não é um mero investidor imobiliário. No benefício geral ele seleciona os lojistas, evita, quando possível, a proliferação de comerciantes do mesmo ramo ou os limita, estuda a melhor colocação do espaço de cada um, balanceando os braços do centro com atrativos especiais, trabalha para o aumento geral da produtividade e da receita dos locatários, até porque dela depende, administra e fiscaliza o estabelecimento cuida de sua publicidade, segurança, etc.63 Tendo em vista que, trata-se de um contrato personalista64, torna-se legítima a inclusão desta cláusula nestes contrato, haja vista que, em benefício à estabilidade do empreendimento e das circunstâncias do negócio, 63 SANTOS, Cláudio. A locação de espaço em shopping centers, Revista dos Tribunais. São Paulo. n. 680, jun/1992, p. 20. 64 Para a realização deste contrato, torna-se condição sine qua non para a sua realização o conhecimento de ambas as partes das qualidades do locador e locatário. 32 qualquer modificação na relação contratual das partes poderá promover um prejuízo comercial de difícil solução, causando a conturbação harmônica do estabelecimento, bem como, a integralidade do mesmo. Esta cláusula contida nos contratos entre empreendedor e lojista de shopping center diferencia-se da cessão de locação simples, vez que neste contrato, a respectiva cláusula se torna ineficaz, proibida de pleno direito, em face da fundamental diferença entre ambos os contratos, qual seja, o regime jurídico existente entre as partes em um deles é totalmente diferente do outro, pois cada um possui sua identidade própria, o qual resultam conseqüências relevantes. Muito embora exista uma vasta corrente doutrinária que julga ser licita esta cláusula, outra parte dela, assim como Ladislau Karpat, argumenta ser ela nula, conforme segue: Considero também, como quase toda a corrente doutrinária, nula a cláusula que proíbe a cessão da locação nos Shopping Centers, mas não nula aquela que condiciona a cessão à anuência do empreendedor. Preserva-se assim a liberdade contratual, restrita apenas pelos limites legais impostos, mantendo a proteção legal ao Ponto Comercial, respeitando o direito do empreendedorlocador que tem o dever legal de proteger o seu empreendimento.65 Contudo, uma vez aceita esta clausula no contrato, é do livre e exclusivo arbítrio do locador a decisão sobre o assunto, de forma lícita tal interferência quanto a cessão, podendo através, de motivos graves, opor-se a esta transferência da titularidade da utilização do imóvel, tendo em vista que a cláusula pretende proteger não apenas o interesse pessoal do contratante, mas também o interesse da pluralidade de locatórios do empreendimento. Também se questiona a validade desta cláusula quando trata da alteração de mais da metade capital social do locatório, da transferência do controle administrativo desta ou ainda do caso de falecimento de um dos sócios, o que ocasiona a transferência à seus herdeiros. Tais questionamentos 65 KARPAT, Ladislau. Shopping center: manual jurídico, 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.69 33 são formas de alteração e substituição, direta ou indireta, dos sócios da pessoa jurídica locatária. Outrossim, quando o empreendedor pretender a alienação do imóvel locado, segue a mesma regra das locações em geral, conforme reza o art. 2766 da Lei do Inquilinato, sendo que este, pretendendo vender o imóvel utilizado pelo lojista, deverá oferecer as mesmas condições com as quais oferecerá ao terceiro interessado, vez que o lojista goza do direito de preferência na aquisição do imóvel frente ao terceiro interessado. Caso o empreendedor não cientificar o lojista da sua pretensão de venda ou cessão daquele espaço, este poderá reclamar perdas e danos, segundo dispõe o art. 3367 mesma lei. 2.3 AÇÃO RENOVATÓRIA Com o objetivo de amparar a enorme valoração do fundo do comércio do shopping center, constituído, principalmente, pelo trabalho do locatário no empreendimento, juntamente com a necessidade de permanência deste num local certo e fixo, é o que inspirou os legisladores a criarem condições do lojista ter direito à renovação do contrato de locação firmado com empreendedor do shopping center. O direito a ação é resguardado pela Lei do inquilinato, cujo art. 52 parágrafo 2 , estabelece que este contrato tenha sido realizado de forma escrita e com prazo determinado de no mínimo 05 (cinco) anos, ou que os contratos realizados sucessivamente e sem interrupções, somem no mínimo o aludido tempo. 66 Art. 27 da LI. No caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar-lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca. Parágrafo único. A comunicação deverá conter todas as condições do negócio e, em especial, o preço, a forma de pagamento, a existência de ônus reais, bem como o local e horário em que pode ser examinada a documentação pertinente 67 Art. 33 da LI. O locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no Cartório de Imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel. Parágrafo único. A averbação far-se-á à vista de qualquer das vias do contrato de locação, desde que subscrito também por duas testemunhas. 34 Relevante se faz abordar que tendo o lojista direito de renovação compulsória do contrato, o contrato ora renovado não está sujeito à análise pelo juízo, de sua validade ou de suas cláusulas, devendo ser observado apenas a continuidade da relação contratual locatícia, porém, mantendo integralmente a estrutura originária do contrato. Assim, quando se propõe a ação renovatória, busca-se apenas a renovação do contrato firmado, e não a discussão acerca das cláusulas inseridas, as quais deverão ser discutidas em ação própria, bem como, o aluguel, principal ponto controvertido nestes espaços, que deverá ser abordado em sua respectiva ação revisional. Porém, neste momento o empreendedor utiliza-se da condição de superioridade que possui sob o lojista, conforme alega Mario Cerveira Filho: A prática comercial ensina-nos que, nessas condições, o empreendedor, aproveitando-se desse momento propício, altera as condições contratuais primitivas, majorando o valor do aluguel e aditando cláusulas que desfavorecem aquele que está adquirindo o ponto comercial, prejudicando, com esse procedimento, a negociação entre o lojista que está cedendo e o terceiro interessado na aquisição.68 Agindo dessa forma, o empreendedor prejudica sua negociação, sendo que no momento da renovação do aluguel, deve-se permanecer as clausulas estabelecidas no contrato primitivo, contudo, se houver necessidade de alguma alteração, ambas as partes devem estar de acordo, pois o lojista terá o direito de questioná-las via ação revisional. E em relação ao direito à ação renovatória, Caio Mário da Silva Pereira manifesta-se da seguinte maneira: Não obstante, a composição do shopping center, a atividade, a eficiência, o tratamento, a qualidade da mercadoria, a variedade da mesma, o arranjo do mostruário, todo um conjunto atribuído às qualidades do usuário firma o seu conceito, atrai e cultiva clientela 68 CERVEIRA, Mário Filho. Ações renovatórias e revisionais em shopping center, São Paulo: Saraiva, p. 85. 35 e concorre para, independentemente dos fatores logísticos materiais, criar elementos imponderáveis que permitem a uma clientela certa procurar “aquela loja” e não outra, não obstante a aparente igualação de todas no conjunto. Apesar de todo o esquema padronizado do shopping center e das campanhas publicitárias que o projetam como um todo, é jurídico aludir ao fundo de comércio, ligado à atividade de um lojista, merecedor de proteção. 69 Sendo assim, objetivando resguardar o fundo de comércio constituído pelas atividades desenvolvidas por todos os locatários de espaços em shopping center, criou-se o direito à renovação do contrato, pelo prazo mínimo de 05 (cinco) anos, independente do prazo estipulado no contrato anterior, o que, quase sempre, é o mesmo prazo contratual. São requisitos básicos para a propositura da ação renovatória: sua propositura dentre o 01(um) ano, no máximo, 06(seis) meses, no mínimo, anteriores a data do término do contrato; contrato escrito e de prazo determinado; o lojista estar explorando a mesma atividade comercial, a pelo menos, 03(três) anos ininterruptos; o lojista deverá provar ainda o cumprimento integral de suas obrigações assumidas no contrato; declarações dos fiadores aceitando tal renovação, se forem os mesmos, se forem outros, sua qualificação completa, comprovando, desde logo sua idoneidade financeira, através de certidões forenses, e conforme for o caso, certidões imobiliárias junto ao Registro de Imóveis competente, atestando a qualidade de proprietários; e, a indicação, clara e precisa, das condições oferecidas para a renovação do aluguel, no que diz respeito ao valor do aluguel, tanto no concernente ao valor mínimo como ao percentual.70 Outra discussão levantada pela doutrina é o motivo justificado pelo empreendedor quando este não aceita a renovação, alegando, ele mesmo, utilizar o espaço. Contudo, para pacificar os diferentes argumentos dos estudiosos nesta área, a própria Lei do Inquilinato assim expõe, em seu art. 52, 69 PEREIRA,Caio Mário da Silva. Shopping centers: organização econômica e disciplina jurídica, Revista dos Tribunais. São Paulo, n. 580, fev/1984, p. 24. 70 CERVEIRA, Mário Filho. Ações renovatórias e revisionais em shopping center,São Paulo, Saraiva, 2003, p. 20-21. 36 parágrafo segundo, dispõe que o locador não pode recusar a renovação do contrato argumentando que o imóvel será utilizado por ele próprio. 2.4 ASSOCIAÇÃO DOS LOJISTAS A Associação dos lojistas é uma sociedade civil, sem fins lucrativos, que possui personalidade autônoma, devendo seu registro ser realizado junto ao Registro Civil de Pessoas Jurídicas, entendendo-a como elemento da organização de um shopping center. Esta associação é composta por lojistas e empreendedores do shopping, tendo como objetivo primordial o de dar a publicidade ao empreendimento. Ao adentrar ao shopping através de contrato realizado junto ao empreendedor, o lojista obriga-se a ser parte integrante desta associação, assumindo assim a responsabilidade de fazer o recolhimento, estipulado pelo Estatuto da mesma, de cerca de 10% (dez por cento) do aluguel, o qual deverá ser destinado ao Fundo de Promoções, encarregado da campanha publicitária a ser realizada por este órgão, para a divulgação do empreendimento. Também deve fazer parte desta associação o empreendedor, que por sua vez, possui interesse, tanto quanto ao lojista, na divulgação do shopping center. Acerca desta matéria, cuja qual faz menção a associação dos lojistas, Maria helena Diniz justifica a finalidade da existência deste elemento organizacional dentro de um shopping center: A associação dos lojistas é pessoa jurídica de direito privado, sem intuito lucrativo, que tem por finalidade: cultivar relações entre pessoas físicas e jurídicas locatárias de lojas do shopping, promovendo entre elas um intercâmbio de informações e experiências; estabelecer normas disciplinadoras das atividades comerciais de seus associados; realizar estudo ou pesquisa e serviço de utilidade para os associados; praticar atos que beneficiem os interesses dos associados; amparar os interesses dos associados perante órgãos públicos ou entidades de direito privado; cooperar com órgãos de identidades afins para obtenção de maior unidade da ação no tratamento dos assuntos relativos à comercialização em shopping center; promover a divulgação das 37 atividades do shopping, utilizando para tanto os recursos 71 referentes ao Fundo de Promoção do shopping center. Portanto, com a necessidade de amparar os interesses dos lojistas do shopping, criou-se as associações de lojistas, para que assim, tivessem maior representatividade perante diversos órgãos em determinadas situações, e também, perante o empreendedor, apesar deste ser também um associado e ter seus interesses protegidos quando dizem respeito ao conjunto do empreendimento. Destarte, sendo que a Associação dos Lojistas é um órgão que constitui-se juntamente com o shopping center, frisa-se que o responsável pela formulação de seu Estatuto, é o próprio empreendedor, vez que ainda, não há lojistas que o contemplem, os quais vêm a integrá-lo somente após sua aderência junto ao shopping. Esta associação possui um Estatuto próprio que o regulamenta, sendo que costumeiramente dispõe sobre: a) as duas categorias de associados, os sócios-titulares, caracterizada pelo direito ao voto que o lojista possui e, pela obrigação principal deste contribuir para o Fundo de Promoções; e, os sócios-colaboradores ou honorários, sendo aqueles que possuem algum interesse no desenvolvimento do empreendimento, por exemplo, as empresas que fornecem produtos aos lojistas, assim são consideradas, pois são engajados nos objetivos da associação; b) encontra-se também como cláusula comum nestes estatutos a que prevê as penalidades aos seus associados que cometeram infrações junto à associação, dentre ela cabendo desde a suspensão das atividades sociais durante certo prazo até a expulsão deste quadro associativos; e. c) a que prevê as finalidades da associação, dentre elas a promoção e o amparo às pessoas integrantes do shopping center, defender e representar os interesses dos associados; realizar estudos de interesse desta associação; e, promover a divulgação deste empreendimento.72 71 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos, 5 ed. São Paulo: Saraiva, p. 44. 72 GONZALEZ, Cristiane Paulsen. Código de defesa do consumidor na relação entre lojista e empreendedor de shopping center, p. 54. 38 Ademais, para a promoção da divulgação do shopping através das campanhas publicitárias, a associação deve conjugar seu senso de organização, profissionalismo e principalmente a criatividade, para que assim realize uma atividade coerente ao empreendimento. Sendo assim, nesta seara, leciona Álvaro de Villaça Azevedo: “Resta evidente que a referida Associação, administrando esse Fundo, deve preocupar-se em manter sólida propaganda e promoções que, realmente, solidifiquem o prestígio do centro comercial e aumentem o desejo de sua freqüência por seus clientes”.73 Não obstante, todas as atribuições da associação anteriormente citadas, o estatuto prevê ainda que este órgão administre o fundo de promoções que origina-se, conforme afirma Rubens Requião: No meu modo de entender, a origem do “Fundo de Promoções Coletivas” não é resultante do contrato de locação do “centro”, mas constitui uma criação da “Associação de Lojista”, a quem compete angariar suas contribuições e administrá-lo, em proveito coletivo dos lojistas. Daí por que também o empreendedor deve para ele contribuir, pois as atividades decorrentes da propaganda e das promoções vão se refletir no prestígio do nome do “centro comercial”, aumentando sua produção, da qual participa o locador.74 Ainda, cabe ressaltar que, a criação da associação dos lojistas é valida somente após a inauguração do shopping center, ou seja, após o efetivo funcionamento das lojas, pois sem elas estarem em atividade, não justifica-se a permanência deste, vez que visa a divulgação deste centro. 2.4.1. Fundo de Promoções Conforme dito anteriormente, a Associação de Lojista possui, dentre outras, a atribuição de administrar do Fundo de Promoções, o qual 73 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral dos contratos típicos e atípicos, São Paulo: Atlas, p. 168 74 REQUIÃO, Rubens. Considerações jurídicas sobre os centros comerciais (“shopping centers”) no Brasil, Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 571, maio/1983, p. 29. 39 possui características próprias, mesmo não possuindo personalidade. Sobre o assunto, manifesta-se Gladston Mamede: “Em fato, ao passo que a Associação de Lojistas é uma pessoa jurídica, vale dizer, um sujeito personalizado de direitos e deveres, o fundo de promoção não possui personalidade: é um capital destacado, reconstituído mês a mês a partir da contribuição do lojista e do empreendedor, e que possui finalidade específica”.75 O fundo de promoções foi criado para a associação o administrar, utilizando-o para a realização de promoções através das campanhas publicitárias, divulgando o shopping center, assim como os lojistas que ali trabalham e desenvolvem sua atividade comercial, beneficiando assim, tanto o lojista da loja âncora, como o proprietário da loja satélite, das lojas de menor porte, assim como o empreendedor e os fornecedores que, por livre arbítrio, resolvem fazer parte. E, caso o lojista venha questionar a destinação dos recursos de fundo de promoções, este poderá notificar a administração deste, para que esclareça suas dúvidas, porém, caso não haja resposta a esta notificação, ou haja uma resposta incompleta, o lojista terá o direito de impetrar ação de prestação de contas para que possa suprir as suas dúvidas quanto a destinação correta, conforme prevista no estatuto da associação. Concluindo, este fundo é a fonte financiadora das campanhas publicitárias do shopping center, tendentes a divulgar e promover o empreendimento, beneficiando todos ali que atuam, como lojistas, empreendedores ou até mesmo, os fornecedores de produtos às lojas. 2.5. NORMAS GERAIS COMPLEMENTARES As Noras Gerais Complementares constitui um instrumento que complementa o contrato realizado entre o empreendedor e o lojista que adentra no shopping center onde, no momento em que assina este contrato, 75 MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center: abusos e legalidades, Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 133. 40 obriga-se a aceitar este, não desconfigurando qualquer relação contratual entre as partes. Este documento contempla as obrigações e deveres dispostos no contrato, com o objetivo único de não prolongar muito o contrato primitivo, evitando que este, se torne extenso, e, demasiadamente minucioso. Para melhor definir, Rubens Requião contempla: Mas como inúmeros problemas e pormenores influem na constituição e no funcionamento do “centro comercial”, o empreendedor lança mão de um documento aditivo do contrato de locação, ao qual denomina de “Normas Gerais Complementares de Locação dos Salões Comerciais situados no Centro Comercial”, regulando obrigações, sob o prisma da locação, desde a construção do imóvel e sua destinação; modificações do projeto de construção; projetos e obras; utilização dos salões comerciais; as áreas de circulação e uso comum e dos serviços; o aluguel; a fiscalização do aluguel apurado com base nas vendas brutas; os encargos e despesas decorrentes da locação; a garantia das exigências dos Poderes Públicos; a cessão, sublocação ou empréstimo dos salões comerciais; o regulamento interno e a associação dos lojistas.76 Sendo assim, o lojista obriga-se aceitar os princípios que regem o funcionamento da empreendimento; acatar as disposições ali constantes; reconhecer a locação e se associar à Associação dos Lojistas que objetiva o lucro comum.77 É de extrema importância, lembrar que, este instrumento compõe um contrato bilateral e sinalagmático, porém, é considerado por inúmeros doutrinadores um contrato standard, ou seja, um contrato que foi elaborado uma única vez, e que é aproveitado por todos os lojistas que adentram ao empreendimento, não havendo qualquer individualização entre um locatário e outro. 76 REQUIÃO, Rubens. Considerações jurídicas sobre os centros comerciais (“shopping centers”) no Brasil, Revista dos Tribunais, n. 571, mai/1983, p. 27. 77 CERVEIRA, Mário Filho. Shopping Center: direitos dos lojistas, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 86. 41 Para obter o maior esclarecimento referente as normas gerais complementares via judicial, o lojista não poderá impetrar ação declaratória, porém, se assim desejar, deverá provar seus direitos, demonstrar seu interesse processual e comprovar seus prejuízos, além de convencer o nobre julgador, declarar que as cláusulas contidas nas respectivas normas são ilegais. Ainda, as aludidas normas gerais complementares tendem a facilitar as negociações entre o lojista e o empreendedor, pois é feita com o objetivo único beneficiar esta relação negocial, demonstrando de forma clara os direitos e obrigações de ambas as partes, apesar de nem sempre haver disposições acerca das obrigações do empreendedor, como citado anteriormente. 2.6. REGIMENTO INTERNO Com a finalidade única de evitar qualquer conflito entre os envolvidos nas relações de shopping center, bem como para delimitar os limites de atuação de cada um destes, criou-se o Regimento Interno do empreendimento, considerado por muitos como um verdadeiro regulamento da vida do empreendimento.78 No momento em que o lojista adere ao shopping center, é necessário que conheça o Regime Interno, dentre os demais instrumentos, como o contrato e a normas gerais complementares, pois nele estão contidas as limitações diárias que virá a sofrer no empreendimento, como por exemplo, na sua liberdade de exercer a atividade comercial escolhida. Caso o lojista venha descumprir uma das cláusulas contidas no Regimento Interno, este poderá ter como penalidade o pagamento de multa ou mesmo a sua conseqüente rescisão do contrato com o empreendedor, vez que complementa o contrato e as normas gerais complementares, no que estes forem omissos. 78 MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center: abusos e legalidades, Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 114 42 Contudo, na maioria dos casos, estes Regimentos são considerados abusivos, pois trazem em seu corpo uma série de atribuições privilegiadas aos empreendedores, enquanto que, aos lojistas traz apenas obrigações, conseqüentemente, não respeitando a autonomia de vontade daqueles que vem a contratar junto ao shopping center. Resta evidente que, os empreendedores ofendem um principio clássico e fundamental para a permanência do Direito, qual seja, o principio da liberdade de contratar. Assim, se o empreendedor pretender alterar unilateralmente este regimento interno, este estará cometendo uma ilegalidade, ou seja, tal ato torna-se nulo, pois deles fazem não só o proprietário ou administrador do shopping, mas também o lojista, que ao adentrar no empreendimento, possui tanto direito quanto este, no que diz respeito às possíveis alterações que quaisquer contratos que este venha assinar em conjunto com aquele. Infere-se que, para a perfeita manutenção do shopping center, bem como das relações entre o empreendedor e os lojistas, o Regimento Interno torna-se essencial vez que complementa várias disposições contidas no contrato e nas normas gerais complementares. 43 Capítulo 3 A APLICABILIDADE DAS RELAÇÕES CONTRATUAIS ENTRE O LOJISTA E O EMPREENDEDOR DE SHOPPING CENTER 3.1. CONTRATO DE SHOPPING CENTER ANTE O REGIME CIVILISTA O contrato civilista teve várias definições, sendo que conforme a teoria contratual clássica o simples pacto realizado entre as partes, não tinha força vinculante entre ambas, além do que, com influência do Direito Romano, os contratos não continham disposições gerais, vez que os estudiosos tinham conhecimento somente em alguns tipos de contratos particulares. Sobre este assunto, comenta Silvio de Salvo Venosa: No Direito Romano, convenção e pacto eram conceitos equivalentes e significavam o acordo de duas ou mais pessoas a respeito de um objeto determinado. O simples acordo, convenção ou pacto, porém, não bastava para criar uma obrigação juridicamente exigível. O simples pacto não criava a obrigação. Essa noção, que vem do Direito clássico, atinge a época de Justiniano. Para que se exteriorizassem à vista dos interessados. A solenidade dava força às convenções. Cada uma dessas convenções, sob certas formalidades, constituía um contractus. Não conhecia, portanto, o Direito Romano uma categoria geral de contrato, mas somente alguns contratos em particular.79 O contrato durante a atividade do Estado Liberal era pactuado sem qualquer intervenção do Estado, ou seja, as partes interessadas pactuavam conforme lhes era conveniente, sem necessitar cumprir qualquer disposição estatal, vez que nem existia. Todavia, todos os acontecimentos do século passado e conforme dito anteriormente, o contrato passou a ter uma teoria contemporânea, conforme conceitua Rogério Marrone de Castro Sampaio: “Modernamente, 79 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, 3ed. 2 vol. São Paulo: Atlas, 2003, p. 365. 44 entende-se por contrato negócio jurídico (espécie de ato jurídico) bilateral que tem por finalidade gerar obrigações entre as partes. Sob esse aspecto, portanto, o acordo de vontades a que chegam as partes tem objetivo certo, efeito este antevisto pelas partes (intuitu negocial) que se consubstancia na criação, modificação ou extinção de direito”.80 Neste novo contexto, o contrato é considerado o negócio jurídico em que as partes envolvidas expõem suas vontades, desde que em conformidade com a ordem econômica, os princípios da função social do contrato e o da boa-fé, sumariamente, visto que os demais princípios também são aplicados à todos os contratos. Para conceituar, assim aduz Caio Mario da Silva Pereira: Aqui é que se situa a noção estrita de contrato. É um negócio jurídico bilateral, e de conseguinte exige o consentimento; pressupõe, de outro lado, a conformidade com a ordem legal, sem o que não teria o condão de criar direitos para o agente; e, sendo ato negocial, tem por escopo aqueles objetivos específicos. Com a pacificidade da doutrina, dizemos então que o contrato é um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos. Dizendo-o mais sucintamente, e reportando-se à noção que demos de negócio jurídico, podemos definir contrato como o “acordo de vontades com a finalidade de produzir efeitos jurídicos.81 Portanto, ao formar-se um contrato, necessário é a exteriorização da vontade de ambas as partes contratuais, sendo que, ao externarem estes desejos, formalizam a relação contratual. Neste sentido manifesta-se Fábio Ulhoa Coelho82 quando diz que o contrato resulta da convergência de negócios jurídicos unilaterais realizados entre as partes. O contrato nasce do vínculo existente entre as partes, surgindo do acordo de vontades, porém, antes de efetivar-se, é dotado de uma 80 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito Civil: contratos, 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 17. 81 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 10 ed. Vol. 3, Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 02. 82 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, vol 3. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 82. 45 proposta e aceitação, os quais, por si só, não são considerados negócios jurídicos. Porém, uma vez consentidas a proposta e a aceitação, efetivam-se os contratos e inicia-se a relação contratual entre as partes. Contudo, cabe ressaltar a importância do estudo do contrato específico de locação, vez que com o intuito primordial de proteger o locatário de possíveis abusos por parte do laçador, e com a necessidade daqueles em alugar um imóvel. O legislador criou a Lei do Inquilinato com o objetivo de incessantemente buscar o melhoramento das relações contratuais locatícias. Sendo assim, o contrato de locação de imóvel possui como características principais: a) bilateralidade, pois se origina obrigações à ambas as partes, e por isso, é também um contrato sinalagmático; b) onerosidade, sendo que gera direitos e deveres à ambas as partes, comumente pecuniária, vez que não existe locação gratuita, se assim for a relação, caracteriza-se como comodato; c) comutatividade, pois as obrigações de ambas as partes são previamente conhecidas; d) tipicidade, sendo que é previsto por sua forma contratual; e) o contrato de locação não necessita de uma forma preestabelecida, portanto, é um contrato não formal; f)também é um contrato de trato sucessivo, vez que se prolonga no tempo; g) geralmente é consensual, pois as partes, na maioria das vezes, chegam a um acordo referente aos direitos e obrigações; h) este contrato pode ser de prazo determinado ou indeterminado.83 Outra característica primordial dos contratos de locação regidos pela Lei do Inquilinato, conforme argumenta Slvio de Salvo Venosa: “Tal como no CDC, a Lei do Inquilinato comina com nulidade apenas cláusulas dos contratos e não todo o negócio jurídico. Trata-se de nulidade parcial, porque evidentemente o legislador não pretende a nulidade da locação, eis que sua intenção é justamente preservar sua manutenção”.84 Porém, nem todas as locações são regidas por esta lei, algumas são regulamentadas pelo próprio Código Civil, conforme dispõe o art. 83 VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada: doutrina e prática: Lei nº 8.245, de 18-10-1991, 6 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 25-28 84 VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada: doutrina e prática: Lei nº 8.245, de 18-10-1991, 6 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 38. 46 1 85 da Lei do Inquilinato, como as locações de imóveis públicos, vagas para estacionamento de veículos, espaços publicitários, apart-hoteis, hotéis residência e os equiparados à estes e o arrendamento mercantil. Conclui-se assim e, conforme as disposições legislativas, que somente regulam-se pela Lei do Inquilinato as locações urbanas, conseqüentemente, exclui-se as locações rurais de qualquer gênero. Todavia, importante perceber a diferença e regulamentação regida pelo Código Civil das Locações regidas pela Lei do Inquilinato, vez que possuem peculiaridades relevantes concernentes a interpretação do contrato. Não menos importante é a caracterização dos contratos, bem como, a conceituação para assim entender-se de forma mais clara a vontade das partes contratantes, e ajudá-las, caso necessário, a cumprir o que nele encontra-se disposto. 3.1.1. Características dos contratos civilistas Conforme dito, o contrato inicia-se através da proposta e da aceitação, onde, a partir de então, o contrato realmente efetiva-se, constituindo-se através de instrumento, público ou particular, sempre com a assinatura de 2 (duas) testemunhas para que tenha validade, a obediência das determinações estabelecidas pela ordem pública, e principalmente, é necessário que tenha uma equivalência de obrigação entre as partes, um certo equilíbrio, ocasionando assim a melhor qualidade do contrato, pois então não será necessário qualquer intervenção estatal para o equilíbrio da situação. O contrato possui características próprias, conforme descreve Rogério Marrone de Castro Sampaio: 85 Art. 1º da LI. A locação de imóvel urbano regula-se pelo disposto nesta Lei. Parágrafo único. Continuam reguladas pelo Código Civil e pelas leis especiais: a) as locações: 1. de imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas; 2. das vagas autônomas de garagem ou de espaços para estacionamento de veículos; 3. de espaços destinados à publicidade; 4. em apart-hoteis, hotéis-residência ou equiparados, assim considerados aqueles que prestam serviços regulares a seus usuários e como tais sejam autorizados a funcionar; b) o arrendamento mercantil, em qualquer de suas modalidades. 47 Isto é, em que pese a coincidência de declarações ou convergências de vontades ser essencial ao aperfeiçoamento do contrato, este tem algumas características peculiares: 1. necessidade de o acordo de vontades ter por finalidades gerar obrigações às partes e não simples regras de condutas, o que ocorre, por exemplo, com os acordos normativos; 2. plurititularidade – consiste na co-participação de sujeitos de direito com interesses econômicos contrapostos. “A contraposição é essencial, não passando o contrato, assim, de uma composição” (GOMES, Orlando. Contratos. 17 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 11); 3. noção de parte como centro de interesses e não como pessoa física ou jurídica. Fato este que explicaria uma única pessoa representando ambas as partes (autocontrato ou contrato consigo mesmo).86 Necessário se faz a aplicação de todas as características nos contratos, razão pela qual, gera maior segurança às partes e ao Estado quando verifica a consonância dos contratos com os princípios a serem cumpridos, vez que intervêm nas relações privadas, de suma importância é o cumprimento de tais “regras” por ele impostas. Juntamente com estas características, para que realmente se efetive a relação contratual, é necessário o cumprimento de alguns pressupostos e requisitos, conforme dispõe o art. 10487 do Código Civil, tais como a capacidade das partes, ou seja, para a realização e validade do negócio jurídico, é necessário que as partes possuam capacidade absoluta para exercer atos da vida civil, conforme dispõe o art. 5 88 do Código Civil. Além deste requisito, verifica-se a necessidade do objeto do contrato ser lícito possível e determinado, isto é, que o objeto da avença contratual deve ser lícito, conforme à moral, à ordem pública e os bons costumes; deve também ser certo quanto a sua existência ou, pelo menos, determinável quanto aos fins almejado pelas partes. Não cumprindo esta determinação, o 86 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito Civil: Contratos, 4 ed. São Paulo:Atlas, 2002, p. 17-18 87 Art. 104 do CC. A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei. 88 Art. 5º do CC. A menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. 48 contrato será considerado nulo, conforme dispõe o art. 166, inciso II89 do Código Civil. E por fim, devendo o negócio jurídico possuir forma prescrita ou não defesa em lei, significa dizer que este deve ser externado de alguma forma, podendo o contrato ser típico ou atípico, ou que não possua, quando da sua constituição, qualquer restrição na lei. Tratando-se dos contratos típicos e atípicos, juntamente com a multiplicidade de posicionamentos acerca da relação jurídica existente entre o empreendedor e o lojista de shopping center, necessário se faz a diferenciação e indagação destes conceitos, aplicando-os ao tema em estudo. Destarte, em referência aos contratos típicos, argumenta Celso Marcelo de Oliveira: Os contratos típicos ou nominados são aqueles que têm uma estrutura legalmente definida. São regulamentados nos seus principais aspectos por textos legais, tais como os contratos de compra e venda, a locação, o mútuo e o comodato. Segundo Maria Helena Diniz “o nosso Código Civil rege e esquematiza dezesseis tipos dessa espécie de contrato: compra e venda, troca, doação, locação, empréstimo depósito, mandato, gestão, edição, representação dramática, sociedade, parceria rural, constituição de renda, seguro, jogo e aposta, e fiança”90. Sendo assim, o contrato típico é aquele que encontra amparo legal que determine que as cláusulas e condições obrigatórias sejam inseridas no respectivo contrato. Dispensando-se assim as exceções, não há questionamentos quanto a sua natureza jurídica, muito menos, quanto às cláusulas pré-determinadas na legislação própria. 89 Art. 166 do CC. É nulo o negócio jurídico quando: [...] II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; [...] 90 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Teoria geral dos contratos: tratado de direito bancário, Campinas: LZN, 2002, p. 108. 49 Quanto aos contratos atípicos, comenta Adalgiza Paula Mauro: Os contratos atípicos estão diretamente ligados ao progresso, à dinâmica das relações econômicas da vida moderna. Nascem das necessidades de adequação de interesses variados, não enquadráveis nos modelos legais pré-estabelecidos, cabendo, por conseguinte, às partes, o assentamento dos direitos e das obrigações dele decorrentes. Em regra, basta para sua validade que as partes sejam capazes, o objeto do contrato seja lícito, possível e suscetível de apreciação econômica.91 Entrementes, conclui-se que os contratos atípicos possuem como característica primordial a consensualidade e a autonomia de vontades, razão pela qual as partes determinam sua validade, bem como suas condições. Este tipo de contrato é algo extremamente moderno, ocasionado pelo progresso da sociedade, o qual, infelizmente, o positivismo não consegue alcançar. Há também os chamados contratos mistos, referindo-se àqueles contratos em que as partes criam regras, porém, com o auxílio e utilização simultânea de contratos típicos. Neles, encontram-se características próprias de determinados contratos típicos, bem como dos contratos atípicos, sendo, por vezes, parcialmente regulamentado em lei.92 Referindo-se aos contratos de locação, fala-se na sua tipicidade, conseqüentemente, regido pela Lei do Inquilinato. A Lei do Inquilinato, dentre seus 90 artigos, tratou dos shoppings centers apenas nos arts. 52, § 2º e 54, o que é completamente insuficiente quando se trata de tal empreendimento, o que torna a relação do empreendedor e lojista ainda mais complicada de ser realizada. Para ilustrar, importante destacar o comentário de Gildo dos Santos: 91 MAURO, Adalgiza Paula, Contratos atípicos: limites legais e dogmáticos para criação – uma nova perspectiva a partir do Código Civil, Revista Jurídica Consulex. Brasília, v. 9, n. 192, jan/2005, p. 50. 92 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral dos contrato típicos e atípicos, São Paulo: Atlas, 2002, p. 131-134. 50 De qualquer modo, a regra revelou a preocupação do legislador em deixar claro que a locação de espaço em shopping center está submetida à nova lei de locação urbana, apesar de o respectivo contrato conter cláusulas atípicas para um mero ajuste locatício, mas que, nem por isso, o afastam de uma locação, em que pese a insistência dos empreendedores na tentativa de descaracterizá-lo como de locação.93 Em referência a aplicação da Lei do Inquilinato nestas relações, a opinião de Silvio de Salvo Venosa é favorável, quando entende sê-la aplicável, porém operando com certas restrições, pois considera ser um contrato de locação especial, senão vejamos: Nessa relação existe o cunho locacional, o qual, no entanto, não é o único, e nem sempre o preponderante. Parte da doutrina nega a existência de uma locação nesse negócio. A Lei do Inquilinato, contudo, é expressa em abranger ao menos parte dessa relação jurídica. Outra não pode ser a solução tendo em vista a presença do art. 54 e do §2º do art. 52. [...] Desse modo, não se podem transplantar pura e simplesmente os clássicos princípios do microssistema da Lei do Inquilinato para essa modalidade de arrendamento.94 Destarte, Caio Mário da Silva Pereira95, destaca como elementos da locação a coisa cujo uso é cedido, o preço é ajustado e o acordo de vontades para a realização deste negócio. Seu entendimento encaixa-se perfeitamente ao contrato realizado entre o empreendedor e lojista do shopping e ainda, mesmo que o contrato de locação das lojas de shopping center possua características próprias, não faz dele um contrato de natureza diferente do de locação. Portanto, alega que este contrato se enquadra ao de locação, embora tenha características próprias, dentre elas, destaca-se o aluguel fixo e percentual, 13 93 aluguel, fiscalização de balanço mensal da loja, a SANTOS, Gildo dos. Locação e despejo: despejo: comentários à Lei 8.245/91. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004., p. 54. 94 VENOSA, Silvio de Salvo. Alguns aspectos da locação nos “shopping centers”, Revista Literária de Direito. São Paulo, v. 7, n. 41, jul/2001, p. 19-20 95 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Shopping center: lei aplicável à locação de unidades, Revista dos tribunais. São Paulo, n. 596, jun/1985, p.9. 51 possibilidade do administrador/locador se envolver em assuntos pertinentes à loja, como decoração e promoções. Outros doutrinadores posicionam-se na defesa de que este é um contrato atípico misto. Neste sentido, confirma Álvaro Villaça Azevedo: “Acontece que, como deixei claro, o elemento típico, quando somado com outro elemento típico, ou, mesmo, atípico, desnatura-se, compondo-se esse conjunto de elementos um novo contrato, uno e complexo, com todas as suas obrigações formando algo individual e indivisível”.96 Nesta mesma seara, contempla Orlando Gomes: Por esses e outros traços inusitados no contrato proteiforme de locação, inclina-se o investigante para colocá-lo na área dos contratos inominados ou atípicos, e, nestes, na subcategoria dos contratos mistos, assim entendidos os contratos sem autonomia dogmática, sua estrutura engloba elementos típicos de dois ou mais contratos nominados.97 E quanto a natureza atípica mista deste contrato, aduz Maria Helena Diniz: Há um modus vivendi peculiar no shopping center que não terá personalidade jurídica, por ser uma organização resultante de atos e idéias, que redundam em contratos diversificados, que, por sua vez, se fundem numa unidade econômica e jurídica, transformando-se num só contrato sui generis, atípico e misto. Não haverá coligação de contratos,mas apenas unidade econômica e pluralidade jurídica98 Estes doutrinadores alegam ser este contrato assim considerado, por haver uma mescla de elementos de contrato de locação, bem 96 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral dos contratos típicos e atípicos. São Paulo: Atlas, 2002. p. 178. 97 GOMES, Orlando. Traços do perfil jurídico de um shopping center, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p. 12. 98 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos, 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 51. 52 como cláusulas livremente pactuadas entre as partes, conforme possibilita o art. 5499 da Lei do Inquilinato. Contudo, este entendimento se faz relevante frente aos vários conceitos trazidos à baila, pois afirma ser o shopping center uma instituição desprovida de personalidade jurídica, porém, que se funde numa única unidade, tanto econômica, quanto jurídica. Conseqüentemente, gera um contrato só, um contrato não disciplinado pela legislação brasileira, porém, admitido no direito pátrio, por ser algo que tem como prevalência, a liberdade de contratação das partes, gerada através da autonomia de cada um. Por conseguinte, entende que a lei do Inquilinato, somente é aplicável aos contratos de shopping para proteger o fundo de comércio, porém, se este não for conflitante com as cláusulas livremente pactuadas. Porém, diferentemente desse entendimento e favorável à não aplicação da Lei do Inquilinato nos contratos de shopping center, posicionase Rubens Requião: 99 Art. 54 da LI. Nas relações entre os lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta Lei.§ 1º. O empreendedor não poderá cobrar do locatário em shopping center: a) as despesas referidas nas alíneas a, b e d do parágrafo único do art. 22; e b) as despesas com obras ou substituições de equipamentos, que impliquem modificar o projeto ou o memorial descritivo da data do habite-se e obras de paisagismo nas partes de uso comum.§ 2º. As despesas cobradas do locatário devem ser previstas em orçamento, salvo casos de urgência ou força maior, devidamente demonstradas, podendo o locatário, a cada 60 (sessenta) dias, por si ou entidade de classe exigir a comprovação das mesmas. Art. 22 da LI.O locador é obrigado a: I – entregar ao locatário o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina; II – garantir, durante o tempo da locação, o uso pacífico do imóvel locado; III – manter, durante a locação, a forma e o destino do imóvel; IV – responder pelos vícios e defeitos anteriores á locação; V – fornecer ao locatário, caso este solicite, descrição minuciosa do estado do imóvel, quando de sua entrega, com expressa referência aos eventuais defeitos existentes; VI – fornecer ao locatário recibo discriminado das importâncias por este pagas, vedada a quitação genérica; VII – pagar as taxas de administração imobiliária, se houver, e de intermediações, nestas compreendidas as despesas necessárias à aferição da idoneidade do pretendente ou de seu fiador; VIII – pagar os impostos e taxas, e ainda o prêmio de seguro complementar contra fogo, que incidam ou venham a incidir sobre o imóvel, salvo disposição expressa em contrário no contrato; IX – exibir ao locatário, quando solicitado, os comprovantes relativos às parcelas que estejam sendo exigidas; X – pagar as despesas extraordinárias de condomínio. Parágrafo único. Por despesas extraordinárias de condomínio se entendem aquelas que não se refiram aos gastos rotineiros de manutenção do edifício, especialmente: a) obras de reformas ou acréscimos que interessem à estrutura integral do imóvel; b) pintura das fachadas, empenas, poços de aeração e iluminação, bem como das esquadrias externas; c) obras destinadas a repor as condições de habitabilidade do edifício; d) indenizações trabalhistas e previdenciárias pela dispensa de empregados, ocorridas em data anterior ao início da locação; e) instalação de equipamentos de segurança e de incêndio, de telefonia, de intercomunicação, de esporte e de lazer; f) despesas de decoração e paisagismo nas partes de uso comum; g) constituição de fundo de reserva.(grifou-se) 53 No “centro comercial” não vejo organização jurídica deste tipo. Os contatos que surgem em torno da organização não se fundem, nem resultam num novo contrato. Eles apenas se congregam, ou melhor, se coligam, a fim de disciplinar o empreendimento comum. Cada um reconhece com a sua individualidade jurídica própria, embora unidos por laços econômicos de interesses entre seus componentes100. Sendo assim, é impossível tratar-se de contratos atípicos sem se falar em liberdade de contratar, pois nestes contratos, através da autonomia da vontade, as partes pactuam conforme lhe interessem, objetivando o benefício de ambos, conforme dita o art. 54 da Lei do Inquilinato. Nestes casos, nota-se que a liberdade de contratar torna-se ampla, vez que não existe lei específica para regulamentar este empreendimento. Neste sentido, comenta Adalgiza Paula Mauro: De fato, uma liberdade desmedida, pode levar a abusos e injustiças, ao arbítrio, à sobreposição do mais forte, pois é certo que nem sempre as partes estão em pé de igualdade numa determinada situação, como à evidência do exemplo clássico do fornecedor em face do consumidor. Assim, a resistência à criação de contratos atípicos está no potencial lesivo da liberdade exacerbada, na constatação da existência de casos em que a decantada autonomia de vontade, é de um só, restando ao outro contratante apenas o receio do impacto sombrio que o princípio do pacta sunt servanda pode ter em sua vida. Como se vê, seria mesmo, a inversão de valores101. Tendo em vista a existência deste fenômeno, inúmeras injustiças e exageros são causados, o que no caso em tela, na maioria das vezes , é realizado por parte do empreendedor quando impõe ao lojista os contrato que o mesmo deve assinar, pois caso haja alguma manifestação negativa a respeito das condições impostas nestes contratos, e o mesmo queira aderir-los, existirá outro lojista que aceitará tais condições e fará parte do empreendimento. 100 REQUIÃO, Rubens. Considerações jurídicas sobre os centros comerciais (shopping centers) no Brasil, Revista dos Tribunais. São Paulo, n. 571, mai/1983.p. 17. 101 MAURO, Adalgiza Paula O. Contratos atípicos: limites legais e dogmáticos para criação – uma nova pesquisa a partir do Código Civil, Revista Jurídica Consulex. Brasília, v. 9, n. 192, jan/2005.p. 50. 54 Em referência a interpretação destes contratos, cabe salientar as ponderações descritas por Rogério Marrone de Castro Sampaio: Com base neste proceder, formularam a doutrina e a jurisprudência algumas regras de interpretação, dentre as quais destacam-se as seguintes: 1. deve-se ter em vista a comum intenção das partes e os fins econômicos que as levaram a contratar; 2. o contrato deve ser interpretado contra o próprio estipulante que, podendo ser claro, não o foi; 3. interpreta-se sempre de maneira menos onerosa para o devedor; 4. as cláusulas de um contrato interpretam-se em harmonia e não isoladamente; 5. se um contrato é seguido de outro, modificando-o em parte, devem ambos ser interpretados como um todo; 6. deve-se levar em consideração a conduta das partes, principalmente nos contratos de execução diferida; 7. as cláusulas duvidosas interpretam-se em favor de quem se obriga; 8. quando determinada cláusula tem sentido ambíguo, a interpretação deve ser feita no sentido de torná-la eficaz; 9. havendo conflito entre duas cláusulas, a contradição prejudicará o outorgante e não o outorgado; 10. entre cláusulas impressa e cláusula datilografada, prevalecerá a segunda.102 A interpretação dos contratos deve objetivar o alcance da verdadeira declaração de vontade das partes, razão pela qual, levando-se em consideração as regras de interpretação dos contratos descritos acima,de forma simplificada será obtido a melhor forma de resolução do contrato. Conforme dispõe o art. 113 do Código Civil, os contratos devem ser interpretados segundo a boa-fé e os bons costumes. Os contratos devem ter sua formação segundo dispõe o art. 427 a 435103 do Código Civil, sendo que uma vez oferecida a proposta, 102 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito Civil: contratos, 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002.p. 34-35. 103 Art. 427 do CC. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso. Art. 428 do CC. Deixa de ser obrigatória a proposta: I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação 55 proponente se obriga a mantê-la e cumpri-la, exceto quando houver uma proposta. Não menos importante é salientar que o contrato reputar-se-á celebrado no local onde foi realizada a proposta. Concernente à prova da realização do contrato, onde os contratantes dispõem meio que comprovem a existência da relação jurídica contratual, sendo eles: confissão, documento, testemunha, presunção, perícia, translados e certidões, ou mesmo escritos em língua estrangeira.104 O desfazimento das relações contratuais pode ocorrer através de sua extinção, encontrado quando o contrato se resolve por ter sido integralmente cumprido, porém, pode ocorrer a extinção do contrato de forma anormal, ou seja, quando o contrato é desfeito em função da alteração na sua execução ou mesmo quando antecipado o seu cumprimento105. Esta forma anormal de extinção pode ser feita através da resilição ou a resolução. A primeira é encontrada quando as partes, por mútua vontade, resolvem desfazer o vínculo contratual, segundo o art. 472106 do Código Civil. A inexecução involuntária de umas das partes seja ela por caso fortuito ou força maior, é uma forma de resolução do vínculo contratual. Por sua vez, conceituando resolução, assim descreve Orlando Gomes, citado por Silvio de Salvo Venosa: “Resolução é, portanto, um semelhante; II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente; III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado; IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente. Art. 429 do CC. A oferta ao público equivale a proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos. Parágrafo único. Pode revogar-se a oferta pela mesma via de sua divulgação, desde que ressalvada esta faculdade na oferta realizada. Art. 430 do CC. Se a aceitação, por circunstância imprevista, chegar tarde ao conhecimento do proponente, este comunicá-lo-á imediatamente ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos. Art. 431 do CC. A aceitação fora do prazo, com adições, restrições, ou modificações, importará nova proposta. Art. 432 do CC. Se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa. Art. 433 do CC. Considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante. Art. 434 do CC. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto: I - no caso do artigo antecedente; II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta; III - se ela não chegar no prazo convencionado. Art. 435 do CC. Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto. 104 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral dos contratos típicos e atípicos, São Paulo: Atlas, 2002. p. 52-53. 105 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, 3 ed. vol. 2. São Paulo: Atlas, 2003. p. 499. 106 Art. 472 do CC. O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato. 56 remédio concedido à parte para romper o vínculo contratual mediante ação judicial”107. Ou seja, quando no contrato há uma disposição expressa pelas partes que o descumprimento de uma de suas cláusulas gera, automaticamente, a resolução do contrato. Esta cláusula é chamada de cláusula resolutória expressa. Outra forma de resolução contratual, não menos importante, é quando ocorre o inadimplemento antecipado, isto é, quando se constata, de plano, a insolvência do devedor, ocasionando a impossibilidade antecipada do cumprimento das obrigações inicialmente acordadas. Portanto, o contrato nasce, cresce, desenvolve-se e extingue-se, via de regra, pela vontade das partes, cabendo exceções à esta assertiva, tendo às partes o arbítrio de acordarem acerca da realização do negócio jurídico de acordo com as regras impostas pelo poder público, bem como, a realizar de forma beneficente à ambas os contratantes, possibilitando uma equiparação de obrigações e direitos, para que assim, não ocorra maiores dificuldades na execução do contrato. Sendo assim, de fundamental importância a observação dos princípios contratuais anteriormente expostos, gerando maior segurança às partes contratantes e ao Estado Social, que possui interesse na preservação benéfica desta relação. 3.2. O CONTRATO DE SHOPPING CENTER SOB O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em seu art. 5 , inciso XXXII108, declara que o Estado deverá defender os direitos do consumidor, na estipulada na lei. Sendo assim, com o advento desta Constituição, o consumidor passou a possuir um direito fundamental, ou seja, a proteção dos interesses econômicos do consumidor, através do equilíbrio 107 apud VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, 3 ed. vol. 2. São Paulo: Atlas, 2003. p. 502. 108 Art. 5º da CF. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindos e aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos temos seguintes: [...] XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. 57 contratual entre este e o fornecedor de produtos ou serviços, ou mesmo, através do controle de cláusulas abusivas. Conseqüentemente, o consumidor é considerado como um agente protegido de forma especial, ou seja, por lei própria para a defesa de seus interesses. Sendo o direito do consumidor um direito fundamental básico, assim disposto constitucionalmente, todo cidadão brasileiro que for considerado um consumidor poderá exigir do Estado uma proteção efetiva. A Constituição Federal identificou o consumidor como sendo o sujeito economicamente mais vulnerável, vez que possui um direito individual constitucional. Ressalta-se que ao proteger e dar ao Estado este dever protegendo de forma eficaz, a Constituição limitou o direito da livre iniciativa, assim disposta no art. 170109 da mesma, porém desde que tal limitação seja em função dos direitos do consumidor. Como resultado à esta proteção constitucional e com a exigência de uma lei especial que protegesse, criou-se a Lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor110. Com isso, o direito brasileiro passou a contar com uma nova ramificação de sua ciência, qual seja, o direito do consumidor, que possui como objetivo principal proteger todos os consumidores, bem como, os equiparados a estes, dando amparo às relações contratuais abusivas, imposta por uma das partes. Outrossim, o Estado busca compatibilizar os consumidores e fornecedores viabilizando a necessidade de desenvolvimento tecnológico e econômico aos cidadãos brasileiros, tutelados por este novo direito. Destacando a importância dos contratos, aduz Claudia Lima Marques: 109 Art. 170 da CF. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] V – defesa do consumidor; 110 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078/90, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. 58 O contrato é o instrumento de circulação das riquezas das sociedade, hoje é também instrumento de proteção dos direitos fundamentais do consumidor, realização dos paradigmas de qualidade, de segurança, de adequação dos serviços e produtos no mercado brasileiro. Estes paradigmas concretizam não só a nova ordem econômica constitucional (art. 170, V, da Constituição Federal), mas também os mandamentos constitucionais de igualdade entre os desiguais (art. 5º da Constituição Federal), de liberdade material das pessoas físicas e jurídicas (art. 5º c/c art. 170, V, da Constituição Federal) e, em especial, da dignidade deste sujeito quanto pessoa humana (art. 1º, III c/c art. 5º, XXXII, da Constituição Federal)111 Com o advento do capitalismo, os contratos passaram a ter maior valor, vez que possui como principal objetivo a circulação de riquezas. Porém, o Estado busca resguardar a parte contratual mais frágil concedendo-lhe direitos constitucionais resguardados. E, dando ênfase aos contratos de consumo, de forma sucinta, dispõe Cláudia Lima Marques: Atualmente, denomina-se contratos de consumo todas aquelas relações contratuais ligando um consumidor a um profissional, fornecedor de bens ou serviços. Esta nova terminologia tem como mérito englobar a todos contratos civis e mesmo mercantis, nos quais, por estar presente em um dos pólos da relação um consumidor, existe um provável desequilíbrio entre os contratantes. Este desequilíbrio teria reflexos no conteúdo do contrato, daí nascendo a necessidade do direito regular estas relações contratuais de maneira a assegurar o justo equilíbrio dos direitos e obrigações das partes, harmonizando as forças do contrato através de uma regulamentação especial112. Portanto, contata-se a relação de consumo quando uma das partes é caracterizada como consumidor, seja no conceito stricto sensu ou mesmo quando equiparado à este, podendo ser uma pessoa física ou jurídica. O art. 2 111 do Código de Defesa do Consumidor113, consta que a pessoa jurídica MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais, 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 213. 112 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais, 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002 p. 252. 113 Art. 2º do CDC. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou 59 também pode ser assim considerada e adentrar numa relação de consumo, estando ela no pólo vulnerável e hipossuficiente da relação contratual, desde que prove tal situação. Quando se trata dos princípios fundamentais contratuais, importante é a lição de Ruy Rosado de Aguiar Júnior: Os princípios fundamentais que regem os contratos deslocam seu eixo do dogma da autonomia da vontade e do seu corolário da obrigatoriedade das cláusulas, para considerar que a eficácia dos contratos decorre da lei, a qual sanciona porque são úteis, com a condição de serem justos. [...] O primado não é da vontade, é da justiça, mesmo porque o poder da vontade de uns é maior do que o de outros e nos contratos de adesão, como é o caso dos estudos, é mínimo o componente de vontade do aderente para estabelecer o conteúdo da avença114. Com esta nova concepção de contrato, juntamente com a aplicabilidade dos princípios contratuais, o Código de Defesa do Consumidor passa a controlar com maior efetividade o equilíbrio das partes e a equidade aplicada aos contratos firmados. Tratando-se das definições das partes dos contratos de consumo, verifica-se que o art. 2 do Código de Defesa do Consumidor traz a definição de consumidor, pois é considerada a parte primordial nesta relação negocial, pois sem ele, a relação consumerista jamais existirá. Todavia, o conceito de consumidor não é interpretado unicamente, apesar de estar definido em lei, vez que a doutrina e a jurisprudência dividem-se em duas correntes para defini-lo, quais sejam: a escola subjetiva ou finalista; e, a escola objetiva ou maximalista. A teoria subjetiva ou finalista trata o consumidor stricto sensu, como destinatário final tático e econômico do bem ou serviços, serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. 114 AGUIAR Jr., Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo, Revista do Direito do consumidor. São Paulo, n. 12, 1995.p. 21. 60 independentemente deste ser pessoa física ou jurídica, ou seja, o bem ou serviço adquirido deve ser utilizado para uso pessoal, e não profissional. Nesta diapasão, Fátima Nancy Adrighi115 relata os pressupostos desta teoria, quais sejam: a) o consumidor deve ser aquele que ultima a atividade econômica com a retirada, do bem ou serviço, de circulação, com a finalidade de consumir para a necessidade pessoal; b) o consumidor deve retirar o bem ou serviço de circulação permeado através do critério econômico; e, c) a figura de destinatário final ser considerada restritivamente, devendo o consumidor da teoria subjetiva ser o destinatário final tático e econômico. Concordando com esta teoria, Claudia Lima Marques argumenta: Em resumo e concluindo, concordamos com a interpretação finalista das normas do CDC. A regra do art. 2º deve ser interpretada de acordo com o sistema de tutela especial do Código e conforme a finalidade da norma, a qual vem determinada de maneira clara pelo art. 4º do CDC. Só uma interpretação teleológica da norma do art. 2º permitirá definir quem são os consumidores no sistema do CDC. Mas além dos consumidores strictu sensu, conhece o CDC os consumidores-equiparados, os quais por determinação legal merecem a proteção especial de suas regras. Trata-se de um sistema tutelar que prevê exceções em seu campo de aplicação sempre que a pessoa física ou jurídica preencher as qualidades objetivas de seu conceito e as qualidades subjetivas (vulnerabilidade), mesmo que não preencha a de destinatário final econômico do produto ou serviço116. Portanto, os aderentes à teoria subjetiva determinam que o conceito de consumidor deve ser interpretado stricto sensu, bem como, o consumidor deve ser o destinatário final fático e econômico do bem ou serviço, utilizando-se para o consumo próprio, não tendo qualquer relação com a profissão que exerce, ou que o ajude na obtenção de lucros. 115 ANDRIGHI, Fátima Nancy. O conceito de consumidor direito e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Revista de direito renovar. Rio de Janeiro, n. 29, mai.-ago./2004.p. 2-4. 116 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais, 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.p. 240. 61 Por outro lado, tratando-se da teoria objetiva ou maximalista, manifesta-se Fátima Nancy Andrighi da seguinte maneira: Não influi na definição de consumidor o uso privado ou econômico-profissional do bem, porquanto quem adquire ou utiliza, bem ou serviço, com vistas ao exercício de atividade econômica, sem que o produto ou serviço integre diretamente o processo de produção, transformação, montagem, beneficiamento ou revenda, o faz na condição de destinatário final, ainda que meramente fático, o que caracteriza o conceito de consumidor.117 Nesta teoria, o consumidor e a situação de destinatário final são interpretados objetivamente, ou seja, a questão da destinação final deverá ser meramente fática, ou seja, desde que o consumidor adquira o bem com o intuito de utilizá-lo para uso pessoal ou profissional, pois este tira o bem de circulação, pouco importando a necessidade de ser suprida. A pessoa jurídica não é considerada consumidor, via de regra, porém, aplicando-se esta teoria, esta deve demonstrar vulnerabilidade ou hipossuficiência frente ao fornecedor, para que possa assim ser considerado. Curioso citar a posição do Superior Tribunal de Justiça frente a conceituação de consumidor, qual seja, a da teoria objetiva ou maximalista, no entanto, considerando o consumidor como o destinatário final fático, não necessitando que este seja econômico, o que pressupõe um conceito jurídico de consumidor, enquanto a teoria subjetiva parte do conceito econômico deste118 . Portanto, verifica-se que a própria lei consumerista, em seu art. 29119, prevê equiparações ao consumidor stricto sensu, o que denota grande conflito na interpretação destas pessoas, vez que questiona-se se estes indivíduos, mesmo que primariamente tenha realizado um contrato de natureza civil, possa ser equiparado como consumidor pela interpretação deste artigo. 117 ANDRIGHI, Fátima Nancy. O conceito de consumidor direito e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Revista de direito renovar. Rio de Janeiro, n. 29, mai.-ago./2004. p. 6. 118 ANDRIGHI, Fátima Nancy. O conceito de consumidor direito e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Revista de direito renovar. Rio de Janeiro, n. 29, mai.-ago./2004 p. 1-15. 119 Art. 29 do CDC. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. 62 Neste sentido, manifesta-se Cristiane Paulsen Gonzalez concordando com o entendimento de Cláudia Lima Marques: Categoricamente sustenta que, no dispositivo em voga, foram superados os “estritos limites da definição jurídica de consumidor”, o que entendemos por destinação final; assim, expõe o art. 29 como pronto para atingir, independente de avaliações, a relação entre profissionais, entre fornecedores e entre agentes econômicos, na esfera contratual e de práticas comerciais, porém, desde que presente a vulnerabilidade, princípio sine qua non para a proteção do direito do consumidor120. Sendo assim, cabe esclarecer a vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor de produtos e serviços, conforme dispõe o art. 4 , inciso I do Código de Defesa do Consumidor, vez que se trata de uma condição de inferioridade da parte contratual considerada ou equiparada a consumidor, frente ao fornecedor superior à este. A vulnerabilidade pode ser técnica ou fática. A primeira é a pessoa, física ou profissional liberal, frente à uma instituição bancária ou financeira, o qual, de plano verifica-se esta condição em relação às duas. A vulnerabilidade fática é encontrada quando uma parte contratual possui uma extrema superioridade fática frente ao parceiro contratual121. Portanto, à pessoa física sempre é presumida a vulnerabilidade, porém, a pessoa jurídica, deve ser provada vez que se analisa todas as relações que estas possuem, além de verificar-se a condição de inferioridade econômica, jurídica, fática e técnica de uma parte contratual frente à outra. Com efeito, analisa-se a situação demonstrada do art. 51122 do Código de Defesa do Consumidor, vez que trata das cláusulas considerados 120 GONZALEZ, Cristiane Paulsen. Código de defesa do consumidor na relação entre lojistas e empreendedores de shopping center, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.p. 144. 121 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais, 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 290-291. 122 Art. 51 do CDC. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o 63 abusivas, pois muitas vezes o fornecedor utiliza-se da condição de vulnerabilidade do consumidor inclui no contrato cláusulas que beneficiam a ele próprio. Portanto, a parte lesada pela cláusula abusiva contidas neste contrato é equiparada a consumidor, contanto no caput deste artigo o mesmo trata de fornecedor, vez que num contrato só existe fornecedor quando a outra parte é caracterizada como sendo o consumidor, dos bens ou serviços comercializados por aquele. Sendo assim, o conceito de fornecedor é muito mais abrangente que o de consumidor, vez que este possui certos privilégios nas relações de consumo. Importante ressaltar que o fornecedor deve exercer atividade habitual dos produtos ou serviços comercializados. Importante então destacar o conceito de fornecedor em três espécies por Marcos Roberto Socoowski Brito, conforme vejamos: Em relação ao tipo, podemos classificar os fornecedores em três espécies: o real, que é aquele que fabrica, constrói efetuando todas as atividades da cadeia produtiva de um determinado bem de consumo; O aparente, que é aquele que assume perante o consumidor o papel de fornecedor real, mesmo sem de fato sê-lo, consumido-pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste Código; III - transfiram responsabilidades a terceiros; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; V – (Vetado); VI – estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem; VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; IX – deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIV – infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais; XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias. § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que: I ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. § 2° A nulidade de uma cláusula contratual ab usiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. § 3° (Vetado); § 4° É facultado a qualquer consumidor ou entidad e que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes. 64 inclusive assumindo toda responsabilidade sobre eventuais danos e prejuízos oriundos do produto (25); e por fim temos o fornecedor presumido que é aquele que assume esta posição em razão da importação de um determinado serviço ou ainda no caso de ser impossível a identificação do fornecedor real, incluindo-se nesta espécie os importadores, os comerciantes e varejistas123. Nesta classificação, importa ressaltar o fornecedor real que por muitas vezes, não efetivamente tido como fornecedor, porém, considera-se assim pelo fato de aparentemente estar exercendo uma relação de consumo, bem como, aquele fornecedor presumido, quando o fornecedor real não pode ser claramente identificado. Claudia Lima Marques expõe a questão da relação entre os iguais e desiguais, senão vejamos: Interessante notar que os novos estudos europeus, sobre a vulnerabilidade, enquanto noção, procuram distingui-la de sua fonte ou base filosófica, a igualdade ou desigualdade entre sujeitos. Isto porque, a igualdade é uma visão macro, do homem e da sociedade, noção mais objetiva e consolidada, onde a desigualdade se aprecia sempre pela comparação de situações e pessoas, como fizemos acima: aos iguais, trata-se igualmente, aos desiguais, trata-se desigualmente para alcançar à Justiça. Já a vulnerabilidade é filha deste princípio, mas noção flexível e não consolidada, que apresenta traços de subjetividade, que a caracterizam: a vulnerabilidade não necessita sempre de uma comparação entre situações e sujeitos124. Sendo que as relações entre os iguais são caracterizadas pela equivalência de condições de conhecimento, financeiras e técnicas das partes contratuais. Porém, a relação entre as partes desiguais é aquela em que claramente manifesta-se a submissão de uma para com a outra. 123 BRITTO, Marcos Roberto Socoowski. A importância da boa-fé como norma de conduta e instrumento de harmonização entre as partes na relação de consumo. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4271>. Acesso em: 19 de out. de 2008. 124 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais, 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.p. 269. 65 Não menos importante é analisar-se estas relações para que assim alcance o objetivo tão esperado, o de proteção às partes contratuais desiguais que ocupam a condição de inferioridade de uma parte para com a outra. Outrossim, cabe ressaltar que não existe qualquer relação de consumo se não houver em um pólo o consumidor, stricto sensu ou aquele equiparado a este, e no outro pólo o fornecedor, em qualquer de suas classificações, conforme citado acima. Analisando-se os contratos de adesão como sendo aqueles contratos em que uma das partes elabora o contrato, e a outra, apenas aceita sem haver qualquer discussão e tratativa das condições ali expostas. Portanto, nestes contratos, a parte que resolve aderir à este contrato é totalmente prejudicada, vez que em momento algum pode expressar sua vontade, o que gera rompimento, principalmente, do contrato da boa-fé. Para conceituar o contrato de adesão, segue os ensinamentos de Salvo de Silvio Venosa: É o típico contrato que se apresenta com todas as cláusulas predispostas por uma das partes. A outra parte, o aderente, somente tem a alternativa de aceitar ou repelir o contrato. Essa modalidade não resiste a uma explicação dentro dos princípios tradicionais de direito contratual, como vimos. O sentimento manifesta-se, então por simples adesão às cláusulas que foram apresentadas pelo outros contratantes. Há condições gerais nos contratos impostas ao público interessado em geral. Assim é o empresário que impõe a maioria dos contratos bancários, securitários, de transporte de pessoas ou coisas, de espetáculos públicos, etc. Isso não significa que, por exceção, esse empresário, em situações excepcionais, deixe de contratar, sob a forma tradicional, um seguro, um financiamento bancário ou o transporte de determinada pessoa ou coisa. Não é, no entanto, a regra geral. Para o consumidor comum, não se abre a discussão ou alteração das condições gerais dos contratos ou das cláusulas predispostas. Enquanto houver adesão ao contrato, as condições gerais dos contratos não ingressam no mundo jurídico125. 125 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, 3 ed. vol. 2. São Paulo: Atlas, 2003.p. 382. 66 O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 54126 define a questão dos contratos de adesão, bem como presta diretrizes concernentes à interpretação destes, e dispõe que quando houver cláusulas que implicarem em limitação ao direito do consumidor, deverão ser redigidas de forma a possibilitar ao consumidor de claramente identificá-la. Os contratos de adesão devem ser interpretados conforme sua regra geral, qual seja, quando seu conteúdo não for de clara interpretação, este será realizado de forma mais favorável ao aderente127 Todavia, indiscutível é o prejuízo ocasionado a parte aderente, vez que têm seus direitos limitados, além do que, nos contratos de adesão, quase que em sua totalidade, são encontrados cláusulas abusivas, vez que o fornecedor dos produtos e serviços, lhe beneficia, limitando os direitos do consumidor e aumentando seus deveres, em grau de total desproporcionalidade. 3.21. Características dos Contratos Consumeristas Em se tratando da nova concepção dos contratos num Estado Social e protecionista, cujo qual interfere nas relações contratuais entre indivíduos para proteger a parte inferior, manifesta-se da seguinte maneira Cláudia Lima Marques: Esta visão dinâmica e realista do contrato é uma resposta à crise da teoria das fontes dos direitos e obrigações, pois permite observar que as relações contratuais durante toda a sua existência (fase de execução), mais ainda, no seu momento de elaboração (de tratativas) e no seu momento posterior (de pós126 Art. 54 do CDC. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. § 1° A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato. § 2° Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2° do artigo anterio r. § 3° Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. § 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão. § 5° (Vetado) 127 GOMES, Rogério Zuel. Teoria contratual contemporânea: função social do contrato e boafé, Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 68. 67 eficácia), fazem nascer direitos e deveres outros que os resultantes da obrigação principal. Em outras palavras, o contrato não envolve só a obrigação de prestar, mas envolve também uma obrigação de conduta! A relação contratual nada mais é do que um contato social, um contato na sociedade que une, vincula pessoas, contato onde necessariamente não se pode esquecer ou desrespeitar os deveres gerais de conduta, os deveres de atuação conforme a boa-fé e conforme o direito. Estes deveres de conduta (Verhaltenspflichten) obrigam-nos a todos, todos os dias, nas relações extracontratuais e muito mais, nas relações contratuais128. (grifo no original) Destarte que os contratos consumeristas vieram a surgir após o advento da teria contratual contemporânea, onde o legislador buscou a efetivação da proteção do consumidor, vez que muitas vezes é a parte vulnerável ou hipossuficiente em uma relação contratual. Sendo assim, a relação de consumo é tratada como uma relação efetiva entre consumidor e fornecedor, objetivando a satisfação de ambas as partes, porém, sem prejudicar qualquer um dos pólos contratuais. Para conceituar esta relação de consumo, importante salientar as considerações de Marcos Roberto Socoowski Brito: Definem-se relações de consumo como aquelas que ocorrem entre dois entes, o consumidor (individual ou coletivo), sendo este necessariamente o destinatário final e um fornecedor de produtos e serviços. Tal relação visa a satisfação das necessidades ou desejos dos consumidores, consubstanciando-se num vínculo jurídico entre as partes, gerador de obrigações tais como de cooperação probidade, lealdade, boa-fé e, principalmente por parte do fornecedor, o zelo à saúde, segurança do consumidor frente aos produtos e serviços prestados, bem como da efetiva e eficaz prevenção e reparação de todo e qualquer dano patrimonial ou moral sofrido pelo consumidor em decorrência desta relação jurídica129. 128 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais, 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.p. 183. 129 BRITTO, Marcos Roberto Socoowski. A importância da boa-fé como norma de conduta e instrumento de harmonização entre as partes na relação de consumo. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4271. Acesso em: 19 de out. de 2008. 68 Portanto, obtendo-se uma relação de consumo, importante verificar a qualificação de cada parte contratual, bem como as vontades exteriorizadas por elas, além de analisar-se o cumprimento, ou mesmo seu início, e as obrigações a serem cumpridas no decorrer do tempo de vigência deste contrato. Efetivando o equilíbrio contratual, assim declara Cláudia Lima Marques: “Efetivando, com o advento do CDC o contrato passa a ter seu equilíbrio, conteúdo ou equidade mais controlados, valorizando-se o seu sinalagma”130. Outrossim, quando se trata dos contratos de consumo, logo surge-se na mente a figura do consumidor, parte vulnerável e hipossuficiente frente ao fornecedor, pessoa de grandes condições financeiras. Além da figura do consumidor e do fornecedor na relação de consumo, importante frisar as regras específicas que estes contratos apresentam conforme leciona Fábio Ulhoa Coelho: Quando o contrato é de consumo, a autonomia privada é balizada por regras específicas, das quais, como ilustração, destaco as seguintes: i) não vale a cláusula que impossibilite, restrinja ou libere o fornecedor de responsabilidade por vícios nos produtos ou serviços, salvo se o consumidor é pessoa jurídica (CDC, art. 51, I); ii) as informações suficientemente precisas veiculadas por publicidade integram o contrato que vier a ser firmado entre fornecedor e consumidor (art. 30); iii) a revisão do contrato por onerosidade excessiva não depende da imprevisibilidade do fato superveniente, bastando a alteração das condições econômicas que dificultem de forma acentuada o adimplemento das obrigações pelo consumidor (art. 6º, V); iv) as multas moratórias relativas à obrigação de o consumidor pagar o preço parcelado ou financiado do produto ou serviço não podem superar 2% do valor da prestação (art. 52, §1º); v) na hipótese de fornecimento de produto ou serviços viciado, o consumidor, além das ações 130 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais, 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 240. 69 redibitórias e estimatórias, tem também a alternativa de exigir o saneamento do vício (arts. 18, §1º, I, e 20, II).131 Todavia, inúmeros benefícios são dados aos consumidores quando realizam um contrato de consumo, ou mesmo quando ele assim não é caracterizado de plano, pode vir a ser, desde que presentes a figura do consumidor e fornecedor de produtos ou serviços. Nestes contratos, mais do que nunca, deve-se observar e cumprir todos os princípios contratuais anteriormente expostos, vez que, o intervencionismo estatal efetiva-se quando busca a proteção da parte vulnerável, alcançando todos os benefícios que esta deve ter, bem como, analisando-se cada falha ou abuso, por parte do fornecedor, quando da confecção do contrato. Entretanto, a interpretação das relações de consumo deve ser analisada caso a caso, pois podem demonstrar grandes diferenças quando comparados a contratos que aparentemente seriam iguais. Sobre a interpretação destes contratos, argumenta Luiz Antonio Rizzato Nunes: Não será possível interpretar adequadamente a legislação consumerista se não se tiver em mente esse fato de que ela comporta um subsistema no ordenamento jurídico, que prevalece sobre os demais – exceto, claro, o próprio sistema da Constituição, como de reto qualquer norma jurídica de hierarquia inferior –, sendo aplicável às outras normas de forma supletiva e complementar.132 Esta lei protetiva, traz inúmeros benefícios às partes, pois age com o intuito de alcançar a verdadeira justiça através da interpretação dos contratos de consumo. Tendo o Código de Defesa do Consumidor prevalência entre todas as outras leis, somente não quando frente à Constituição Federal, vez que 131 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, vol 3. São Paulo: Saraiva, 2005.p. 67. NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exercícios, 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005 p. 65. 132 70 possui supremacia dentre as leis esparsas, é interpretado de forma própria e autônoma, pois se trata de uma lei principiológica. 3.3. A Natureza da Relação Contratual entre o Empreendedor e o Lojista de Shopping Center Os contratos realizados entre o empreendedor e o lojista é muito questionado quanto à sua natureza, vez que a doutrina é divida no que tange a essa caracterização. Sendo assim, por ser um contrato de cunho importantíssimo para as partes que integram este empreendimento, cabe ao estudo, analisar, mesmo que de forma sucinta, a aplicabilidade da natureza civilista ou consumerista às relações nele existente. Alguns doutrinadores133 entendem ser este um contrato puro de locação comercial, ao contrário de outros134, que de modo diverso, entendem como sendo um contrato atípico propriamente dito ou misto. Sendo assim, por não haver uma legislação específica que trate dos shopping center, alguns doutrinadores julgam ser um contrato regulamentado pela Lei do Inquilinato, vez que nela consta, mesmo que em meros 2 artigos, a regulamentação aplicada aos shopping centers. Ao passo que outros entendem não ser este contrato regulamentado por qualquer lei, pois é um contrato pactuado pelo livre acordo de vontade das partes e não existe uma forma específica, sendo, portanto aplicado, quando necessário, a analogia para suprir as dificuldades existentes. Enquanto não houver uma legislação que regulamente as relações de shopping center, cabe a todos questionar o melhor entendimento das relações existentes entre empreendedores e lojistas nestes empreendimentos que, no momento, necessitam de amparo jurídico para melhor defini-las. 133 Como Silvio de Salvo Venosa, Caio Mário da Silva Pereira e Rubens Requião. Conforme Mario Helena Diniz, Cristiane Paulsen Gonsalez, Orlando Gomes e Gladston Mamede. 134 71 Portanto, existe vários questionamentos, principalmente quanto o nomen iuris deste contrato, o caracterizando como um contrato de locação propriamente dita, e segundo o doutrinador acima, após a edição da Lei do Inquilinato, supriram todas as dúvidas acerca da natureza jurídica desta relação. Para argumentar, expressa Paulo Henrique Wendt: Parte da Doutrina considerava que dadas as particularidades existentes nas relações entre Empreendedor e Lojistas, tais como o aluguel percentual e a fiscalização das vendas, entre outras, tais contratos classificariam-se como atípicos, por não se enquadrarem em nenhum dos tipos legalmente considerados. Outra parte, por sua vez, inobstantes as peculiaridades inerentes, classificava tais contratos como puramente de locação, lançandoo às formalidades previstas para tal espécie. Felizmente, com o advento da Lei 8.245/91 – Lei de Locações – tal dicotomia fora expurgada de nosso cenário jurídico, eis que tal legislação trazia em seu bojo, pela primeira vez, determinações legais quanto à formalidades inerentes aos Shopping centers135. Sendo assim, os doutrinadores defendem ser a locaçào a natureza jurídica do contrato realizado entre o empreendedor e o lojista de shopping center alegam que este contempla todos os requisitos exigidos pela Lei do Inquilinato. No mesmo entendimento, manifesta-se Fábio Ulhoa Coelho136 que alega ser um contrato típico de locação, embora seja revestido de cláusulas especiais para que entendam as características do empreendimento. Em contrapartida, manifestam-se doutrinadores entendendo ser este contrato atípico, vez que entendem não ser o contrato puramente de locação, pois não contempla todos os seus elementos deste. 135 WENDT, Paulo Henrique. Aspectos destacados dos shopping centers. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=611>. Acesso em: 20 de out de 2008. 136 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, vol. 1. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.p. 114 72 Maria Helena Diniz argumenta: A moldura do contrato de locação não é idônea para guarnecer a relação entre o empreendedor do shopping e o lojista. Este contrai obrigações que não são próprias de um locatário. [...] Duas outras cláusulas do contractus mater retiram tal contrato do rol da locação, que são as referentes à obrigação do lojista de contribuir para um fundo de promoções coletiva e ao dever de filiar-se à associação, onde deverá permanecer por ser condição imprescindível para poder continuar exercendo atividades no shopping, por ser de grande importância no conjunto das práticas necessárias ao funcionamento regular do shopping center.137 Sendo assim, e dentre outras características peculiares como o pagamento da res sperata no momento em que o lojista adentra no empreendimento, o aluguel fixo e percentual, a fiscalização do empreendedor na contabilidade do lojista, a submissão do projeto da loja ao empreendedor, entre outras, todas estas desqualificam a figura de locação. Assim, existe uma nova figura no direito brasileiro, apesar de conter semelhanças com a locação, se distingue por possuir elementos próprios, peculiaridades e natureza jurídica. Ainda, manifesta-se Alfredo Buzaid ao dar nomenclatura própria a estes contratos: Aquele, que consiste em ceder o uso e gozo da coisa, por tempo determinado, não é contrato de locação, embora até hoje assim tivesse sido cognominado. É, a nosso ver, um contrato de estabelecimento, nomen iuris, que tomamos a liberdade de propor para qualificar a relação jurídica, pondoa em harmonia com a estrutura, o funcionamento e a organização do shopping center. Ainda que nele conste a cessão de uso e gozo do imóvel por tempo determinado, este elemento não é fundamental, nem decisivo para configurar o contrato como locação, porque ele não é autônomo, antes integrado num negócio jurídico, mas não tem o condão de determinar-lhe a natureza. Os contratos, que o shopping center celebra com o titular de unidade autônoma, têm outros elementos constitutivos. Só a reunião de todos esses 137 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos, 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 49-50. 73 elementos forma a sua unidade jurídica, é idônea a qualificar a sua característica e apta a atribuir-lhes legitimamente um nome138. Contudo, não qualificando o contrato como as de locações fosse, o jurista, intérprete das normas oriundas do shopping center, evolui no entendimento dos diversos modelos jurídicos existentes, pois busca-se, através de estudos, aplicar por analogia e a interpretação dos contratos típicos, naquilo em que for possível. Portanto, nestas contratações prevalece a aplicação dos princípios contratuais, fazendo-se uma mescla de contratos, através da manifestação da vontade dos contratantes. Porém, quando se interpreta estes contratos, deve o jurista obedecer simplesmente às normas de interpretação e, se necessário, por analogia, aplicar regras semelhantes de outros contratos. Aderente à natureza jurídica de contrato atípico misto, Matheus Carneiro Assunção comenta: “Dessa forma, malgrados os abalizados entendimentos doutrinários em contrário, acreditamos ser a relação entre empreendedor e lojista um contrato atípico misto, formado por um elemento típico, de natureza locatícia (obligatio dandi), e por elementos atípicos, representados por cláusulas específicas, a serem analisadas oportunamente adiante”139. Concernente a importância da liberdade de contratar nestes estabelecimentos, considera José Ricardo Pereira Lira: “Em suma, de forma simples e direta, a liberdade de contratar constitui, no Brasil e no mundo, o fundamento essencial do regime jurídico do shopping center”140. Isto posto, relevante é a importância da liberdade contratar no caso dos shopping centers, pois sem ela as partes, lojistas e empreendedores, não teriam condições suficientes para realizar sua negociações, por se tratar de algo novo e de relevantes peculiaridades para o mundo jurídico, econômica e social. 138 BUZAID, Alfredo. Estudo sobre “shopping center”. PINTO, Roberto Wilson Renault; OLIVEIRA, Fernando Albino de. Shopping center: questões jurídicas, doutrina e jurisprudência, Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4271>. Acesso em: 22 de out. de 2008. p. 13. 139 ASSUNÇÃO, Matheus Carneiro. Apontamentos sobre os contratos de shopping center. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8292>. Acesso em: 24 out. 2008. 140 LIRA, José Ricardo Pereira. A liberdade de contratar e os shopping centers, Disponível em: <http://www.abrasce.com.br/revista2006.htm>. Acesso em: 20 jul. 2008. p. 54. 74 Após sanada certas dúvidas acerca da natureza jurídica dos contratos entre empreendedor e lojista de shopping center, passa-se a analisar a relação jurídica-contratual existente entre as partes que compõem este contrato, verificando-se a aplicabilidade da relação civilista ou consumerista. Para que possa concluir a jurídica natureza desta relação, necessário se faz destacar algumas posições jurídicas acerca do regime civilista, uma vez publicada a Lei do Inquilinato para suprir as duvidas concernentes à estes empreendimentos, embora seja considerado um contrato atípico misto. Contudo, para ser tratado pelo regime civilista, é necessário que as partes sejam equiparadas entre si, essa equiparação equivale tanto ao conhecimento quando aos aspectos técnicos e financeiros, tratando-se, no entanto, de uma relação entre iguais. Porém, claro é o desequilíbrio contratual encontrado entre as partes relacionadas ao contrato de shopping center, que muito embora sejam pessoas jurídicas, possuem notável diferença de conhecimento, tanto jurídico quanto técnico, necessário para discernir as cláusulas que sejam benéficas ou maléficas para o futuro da negociação, ou mesmo, quando este não tem opção de negociar estas mesmas cláusulas por se tratar de um contrato meramente de adesão, onde o empreendedor expõe o contrato e aquele que tiver interesse em aderir, deve consenti-lo sem qualquer modificação dele. Quando se trata de contrato de adesão nas relações locatícias, alega Silvio de Salvo Venosa: Doutro lado, quando o negócio da locação se inserir no conceito de contrato de adesão, seja o locador forncedor ou não, inelutável que os princípios do art. 54 e seus parágrafos serão integralmente aplicáveis, porque a Lei do Consumidor aí nada mais fez do que trazer para o direito positivo aquilo que a doutrina há muito solidificara. Embora o contrato de adesão geralmente sirva para a contratação em massa, no inquilinato, com muita freqüência, existe a predisposição de cláusulas exclusivamente pelo locador, ainda que pessoa natural, sem habitualidade no fornecimento desse serviço. [...] E mais, ao se cuidar de contrato nesse nível, as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais 75 favorável ao locatário (art. 47 do CDC, dentre as disposições gerais de proteção contratual)141. Portanto, sendo classificados estes contratos como o de adesão, aplicáveis serão regras consumeristas, para que assim beneficie-se o inquilino/consumidor, e também, através de interpretação do contrato, que quando redigido de forma a gerar dúvidas, tais questionamentos serão dirimidos em favor deste. Tratando-se dos contratos, em que se encontram as partes em desequilíbrio, assim argumenta Cláudia Lima Marques: No caso dos contratos, o problema é o desequilíbrio flagrante de forças dos contratantes. Uma das partes é vulnerável (art. 4, I), é o pólo mais fraco da relação contratual, pois não pode discutir o conteúdo do contrato; mesmo que saiba que determinada cláusula é abusiva, só tem uma opção “pegar ou largar”, isto é, aceitar o contrato nas condições que lhe oferece o fornecedor ou não aceitar e procurar outro fornecedor. [...] Este desequilíbrio de forças entre os contratantes é a justificação para um tratamento desequilibrado e desigual dos contratantes, protegendo o direito àquele na posição mais fraca, o vulnerável, o que é desigual fática e juridicamente. Aqui os dois grandes princípios da Justiça moderna (liberdade e igualdade) combinam-se, para permitir o limite à liberdade de um, o tratamento desigual a favor de outro (favor debilis), compensando a “fragilidade”/”fraqueza” de um com normas “protetivas”, controladas da atividade do outro, e resultando no reequilíbrio da situação fática e jurídica142. Todavia, conclui-se pela aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor mesmo nas relações locatícias, equiparando-se o inquilino ao consumidor, em função de sua vulnerabilidade frente à parte contratual adversa. Tangente ao empreendedor do shopping center, possível é a sua qualificação como fornecedor vez que desenvolve atividades de prestação de serviço, conforme dispõe o art. 3 141 do Código de Defesa do Consumidor. Também VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada: doutrina e prática, 6 ed. São Paulo: Atlas, 2003.p. 41. 142 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais, 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 268. 76 é clara esta situação quando analisando a superioridade que exerce frente ao lojista/consumidor, através da redução de impessoalidade deste, sendo que é apenas mais um destinatário da atividade econômica exercida no universo do shopping center, além do que o lojista desconhece as particularidades técnicas dos serviços oferecidos e não raro, possui condição econômica inferior ao do empreendedor143. Manifesta-se Gladston Mamede: O empreendedor/administrador de shopping center é um fornecedor de serviços, antes de mais nada. Ele possui o conhecimento das estruturas administrativas e mercadológicas para a concretização de uma organização desta envergadura e é capaz de levantar o capital necessário para fazer frente às exigências do investimento. [...] Em contrapartida, por todos esses esforços e investimentos, possui o empreendedor a expectativa de se ver recompensado com o retorno do que investiu, além de lucros que remunerem mais do que satisfatoriamente a sua iniciativa144. Contudo, uma vez caracterizado o empreendedor como fornecedor de produtos ou serviços, embora equiparado, ora lojista interessado no desenvolvimento de suas atividades, clara é a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nestas relações, pois trata-se da parte vulnerável às condições que são impostas. Gladston Mamede trata esta como uma relação de consumo imprópria, senão vejamos: Transpondo essas regras para a situação examinada neste livro, faz-se necessário concluir existir uma relação de consumo imprópria na relação entre lojista e a administradora do shopping center. Afinal, para o empreendedor, grande capitalista, o lojista (exceto aqueles que se encaixam no conceito de “lojas-âncoras”) não é mais do que um consumidor, entre tantos, de seus serviços. Fora da proteção da lei e do Judiciário, nenhum poder tem esse 143 MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center, São Paulo: Del Rey, 2000.p. 84. 144 MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center, São Paulo: Del Rey, 2000.p. 81-82. 77 lojista contra o império do grande capital e das pressões do empreendedor145. Ainda, importante destacar o entendimento de Cristiane Paulsen Gonzalez: Se a relação entre lojista de shopping center e empreendedor não se tipificasse como de consumo, tampouco fosse alcançada pela equiparação, considerando a omissão da legislação que lhe é específica, a identidade de circunstâncias (desequilíbrio, abusividade, etc.) e a nítida presença da vulnerabilidade, seria de qualquer forma abrangida pelo amparo do CDC, mas analogicamente146. Destarte, conclui-se que a relação existente entre o empreendedor e o lojista de shopping center é na sua essência de consumo, vez que este qualifica-se como consumidor, mesmo que equiparado, e o empreendedor enquadra-se na qualidade de fornecedor de serviços, onde exerce uma relação clara de vulnerabilidade e hipossuficiência frente ao lojista, conforme os inúmeros argumentos supracitados neste estudo. 145 MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center, São Paulo: Del Rey, 2000.p. 88. 146 GONZALEZ, Cristiane Paulsen. Código de defesa do consumidor na relação entre lojista e empreendedor de shopping center, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.p. 193. 78 CONSIDERAÇÕES FINAIS As considerações finais que seguem, têm por base a meta alcançada no presente trabalho, procurando uma exposição objetiva obedecendo a ordem exposta no sumário. Shopping center é um conjunto de lojas planejadas sob uma administração única; é composto por lojas de diversos ramos do comércio, como também por prestadores de serviços; possuem lojas-âncoras, encarregadas de atrair o público ao empreendimento; oferece segurança, estacionamento e local coberto para fazer as compras e se divertir com tranqüilidade; além do que, possui peculiaridades concernentes aos contratos que o lojista assina ao adentrar no shopping. Sendo assim, o shopping center é um empreendimento que atrai inúmeras pessoas em função da diversidade de produtos e entretenimento nele encontrados, gerando uma grande procura por parte dos lojistas, pois para muitos, fazer parte deste centro é como se estivessem garantindo seu futuro. Porém, se não realizado com as observações inerentes à ele, pode ser um passo para o fracasso, pois passa a ter várias despesas para conseguir se manter nele, além do que, a concorrência é mais aferrada. Este empreendimento, além de ser um grande centro de compras e entretenimento, é também um poderoso centro de negócios, vez que nele giram investimentos fantásticos, ocasionando uma multiplicação da renda e de empregos. No shopping center há uma integração entre pessoas de diferentes classes sociais, sendo que nele, todos se igualam, vez que tornam-se consumidores dos atrativos deste empreendimento. Os shopping centers possuem várias peculiaridades, como a submissão do projeto da loja à administração do shopping para verificar se está de acordo com o restante das lojas nele integradas; a proibição do lojista em alterar seu ramo de comércio enquanto fizer parte deste empreendimento, em função do tenant mix ali exposto, que é o estudo realizado sobre a melhor disposição das lojas, para que atraia-se mais os consumidores; o aluguel fixo e variável, este sendo cobrado sobre o lucro mensal do lojista; a possibilidade do empreendedor fiscalizar o lucro do lojista ao final do mês, ferindo o sigilo fiscal e 79 contábil da empresa; e, o estacionamento, sendo que é obrigatório que todos os shopping centers o tenham, possibilitando uma maior comodidade aos clientes. Ao resolver adentrar ao shopping center, o lojista deve pagar ao empreendedor a res sperata, quantia esta cobrada com a justificativa de contribuição para o término da construção do empreendimento, pois sem ela, o empreendedor não conseguiria terminar esta grandiosa obra. O contrato que o lojista deve assinar para integrar o shopping center é o contrato de locação, embora questionado seu nomem iuris, é assim considerado, por não haver uma outra nomenclatura, porém, é questionado se é um contrato tipicamente locatício ou um contrato atípico misto, vez que contém certos elementos de alguns contratos típicos, assim como a própria locação. Os lojistas, ao assinar este contrato, obrigam-se a assinar também as normas gerais complementares, a cumprir o regimento interno do empreendimento, bem como, a participar da associação de lojistas, onde tem por objetivo atuar na publicidade do empreendimento, através do fundo de promoções. Este empreendimento é muito questionado em face da ausência de uma legislação específica que o regulamente, vez que o direito brasileiro é omisso quanto as negociações nele existentes, prevalecendo-se, no entanto, o livre acordo de vontades, mas sempre nos limites impostos por lei, não podendo ser cometido nenhum abuso, por qualquer uma das partes contratuais. Contudo, quando ocorre a equiparação do lojista a pessoa do consumidor e o empreendedor como fornecedor, encontra-se ali a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nestas relações, coibindo-se qualquer abusividade contida no contrato. Ainda, o estudo em análise referiu-se à esta conclusão, juntamente com o alicerce de muitos doutrinadores, acabou-se por verificar a perfeita aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nestas relações, 80 porém, desde que expostas todas as questões anteriormente anotadas, como a relação de desigualdade de conhecimentos entre lojista e empreendedor. Portanto, através deste estudo sanadas foram as dúvidas quanto ao shopping center, assim como os objetivos e hipóteses apresentados no projeto de pesquisa, como a verificação da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nestas relações, o estudo da abrangência do conceito de consumidor exposto neste código e, por fim, a supressão da lacuna existente no ordenamento jurídico brasileiro no que diz respeito á este assunto, vez que, por analogia e por intermédio dos princípios contratuais, interpreta-se os contratos existentes entre o empreendedor e o lojista do shopping center. Isto posto, o trabalho exposto vem a contribuir para o estudo das relações existentes no interior do shopping center, ajudando tanto o jurista que venha a julgar tais casos, bem como os lojistas e empreendedores, que de forma clara e sucinta, buscam sanar algum questionamento existente quanto a tal empreendimento. 81 REFERÊNCIAS DAS FONTES BIBLIOGRÁFICAS ABRASCE. Apresenta textos sobre shopping center. 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Locação comercial – Ação revisional conexa com ação de despejo c/c cobrança de cláusula penal – Julgamento simultâneo – Procedência do pedido revisional e improcedência dos pedidos desalijatório e de cobrança – Inconformismo – Contrato de adesão – Ofensa ao princípio da liberdade contratual – Centro comercial – Inserção de cláusula contratual estabelecendo restrição à venda de produtos de terceiros – Limitação comercial imposta somente a um lojista – Abuso de direito e afronta a boa-fé contratual – Nulidade reconhecida – Sentença mantida – Recurso improvido. Aderindo ao contrato, o aderente não exterioriza autonomia e liberdade de contratar porque a adesão é manifestação viciada. É abusiva e, conseqüentemente, nula - por abuso de direito e violação ao princípio da boa-fé objetiva - a cláusula contratual imposta somente a um lojista/locatário integrante de centro comercial quando os demais não sofrem incidência da mesma cláusula, que estipula a comercialização exclusiva de produtos de fabricação própria do lojista. Apelação Cível nº 02.018436-0. Relator: Desembargador Monteiro Rocha. Florianópolis, 18 de novembro de 2004. Disponível em: http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegraAvancada.do. Acesso em: 26 out. 2008. BRAVO, Maria Celina; SOUZA, Mário Jorge Uchoa. O contrato no terceiro milênio. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2365. Acesso em 10 set. 2008. BRITTO, Marcos Roberto Socoowski. A importância da boa-fé como norma de conduta e instrumento de harmonização entre as partes na relação de consumo. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4271. Acesso em: 19 de out. de 2008. 83 BUZAID, Alfredo. 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