PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E ENSINO RELIGIOSO: PROPOSIÇÕES E EFETIVAÇÕES Josiane Priscila Barbosa Martins, (IC, Fundação Araucária), Unespar – Câmpus de Campo Mourão, [email protected] Aline Pereira Lima, (OR), Unespar – Câmpus de Campo Mourão, [email protected] RESUMO: Historicamente os currículos escolares brasileiros são marcados por conflitos no que diz respeito ao Ensino Religioso (ER). Tendo percebido em pesquisa anterior (MARTINS; LIMA, 20122013) que desde 1996 um número considerável de trabalhos acadêmicos, em nível de mestrado e doutorado, se atentaram para a disciplina nas escolas públicas e muitos desses apresentam propostas ou indicações metodológicas para essa área de ensino é que surge esta pesquisa. A presente pesquisa pretende discutir e problematizar as dimensões, direcionamentos e práticas pedagógicas sugeridas nos trabalhos selecionados. Trata-se então de uma pesquisa com caráter bibliográfico, que traz para o centro das discussões as indicações de práticas feitas por trabalhos de mestrado e doutorado que abordam o tema ER e escola pública. Palavras-chave: Ensino Religioso. Práticas Pedagógicas. Escola pública. 1 INTRODUÇÃO Ao longo da história da educação brasileira muitos foram os desafios em relação à educação escolarizada, sendo um deles desatrelar a religião da educação escolar. Em parte isso é conseguido com a formação do estado laico, no entanto, como demonstram pesquisas (CUNHA, 2007; LIMA, 2008; BARBOSA e CUNHA, 2009) práticas religiosas diversas ainda se fazem presentes na escola pública. Além das práticas religiosas (por vezes proselitistas) em diversas escolas públicas brasileiras, há outro fato polêmico que tem despertado o interesse de pesquisadores da educação, o Ensino Religioso (ER) enquanto disciplina, que mesmo reconhecida constitucionalmente não está livre de dissensos quanto a sua presença e forma na educação básica. Atualmente, presente no currículo escolar, o ER é visto legalmente como área de conhecimento e patrimônio da humanidade que deve ser trabalhado nas escolas públicas brasileiras. A Constituição Federal (CF) de 1988, por exemplo, em seu artigo 210, parágrafo 1º, o trata como “disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”. Assim o ER é parte da educação básica, com matrícula facultativa para os alunos. Diante dessa nova forma de conceber o ER, sua regulamentação por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e efetivação na escola pública temos nos dedicado a investigações sobre a temática. Algumas voltadas para a presença de práticas religiosas diversas em escolas públicas (LIMA, 2004), e finalidades e sentidos atribuídos ao ER em âmbito escolar (LIMA, 2008), outras destinadas a comparar a natureza de regulamentações estaduais (LIMA, 2011) e verificar se mesmo diante da heterogeneidade e diversidade que marcam a regulamentação do ER em alguns IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014 ISSN 1981-6480 estados brasileiros há um movimento de atribuição de sentidos e interpretações dessa legislação que conduzem a ideais e práticas muito próximas (LIMA, 2012). Mais recentemente (MARTINS; LIMA, 2012-2013) nos propomos a investigar as produções acadêmicas em nível de mestrado e doutorado sobre ER e escola pública buscando observar em que medida o marco regulatório (CF e LDB) têm influenciado as produções acadêmicas, bem como interesses de instituições religiosas na produção acadêmica sobre o tema, entre outros aspectos. Para o desenvolvimento dessa pesquisa traçamos um percurso metodológico que num primeiro momento, de quantificação, teve como objetivo levantar os trabalhos sobre ER e ensino público produzindo algumas análises: quantos trabalhos de mestrado e doutorado que apresentam discussões sobre prática pedagógica e escola pública, quais as dimensões, direcionamentos e práticas pedagógicas sugeridas, quais universidades produzem mais trabalhos com indicações de práticas. Nesse primeiro momento, constatamos que há um número significativo de trabalhos defendidos em universidades confessionais que indicam práticas para sala de aula, sendo que ciências da religião e teologia somaram treze trabalhos, enquanto educação produziu apenas seis. Com isso, pudemos perceber que outras áreas do conheciemnto têm produzido mais trabalhos pensando em práticas concernentes ao âmbito educacional. No contato com o material de pesquisa observamos também que alguns conceitos adotados na pós-modernidade são utilizados para discussões no âmbito da disciplina ER, entre eles: alteridade e diálogo inter-religioso. A alteridade evocada nos trabalhos está relacionada ao ver o outro (diferente) relacionar-se com pessoas de credos diferentes e vê-lo como seu semelhante. Logo, Não se trata de abandonar sua crença em detrimento de outra, mas de conhecer as diversas maneiras de ver o sagrado. Já o diálogo inter-religioso propõe que a diversidade seja reunida havendo assim comunicação entre religiões cristãs e não cristãs. Ao que parece as discussões estão progredindo ao menos no que diz respeito aos discursos, resta saber se as escolas estão aderindo esta forma de conceber o ER. Na análise qualitativa dos dados, observamos que havia um número significativo de trabalhos empenhados em problematizar práticas de ER e propor práticas pedagógicas diferenciadas para a disciplina. Daí surgiu à pesquisa que aqui descreveremos os resultados. Nosso objetivo é problematizar e analisar as dimensões, direcionamentos e práticas pedagógicas sugeridas em trabalhos levantados que apresentam indicações de práticas relacionadas ao ER nas escolas. No relatório parcial apresentamos análise mais quantitativa de dezoito trabalhos, sendo que elaboramos categorias onde pudemos aproximar os trabalhos por eixos para averiguar com mais clareza as produções. Criamos então quatro eixos que tornam pontos comuns entre os trabalhos: 1.currículo diferenciado; 2.educação em valores; 3.dialogo inter-religioso e interdisciplinar; 4.fusão da religião e cultura. IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014 ISSN 1981-6480 Eixo dos trabalhos n°. de trabalhos Eixo 1 6 Eixo 2 4 Eixo 3 5 Eixo 4 3 Tabela 1 trabalhos categorizados Os trabalhos agrupados como sendo (1) currículo diferenciado sugerem propostas de um novo modelo para a disciplina ER, procuram demonstrar que áreas do conhecimento como antropologia, sociologia e ciências da religião poderiam contribuir para formação específica do professor, superando os conflitos existentes entre professor-aluno em sala de aula. Esta forma de conceber o ER romperia com os modelos teológicos, confessionais e catequéticos ainda existentes nas escolas brasileiras. Algumas indicações estão voltadas para (2) educação em valores, é o que propõe os trabalhos com subsídios teóricos acerca de formar cidadãos éticos conscientes de suas ações em sociedade. Estes trabalhos alegam que a sociedade está passando por um momento da perda de seus valores morais e éticos, diante dessa análise o ER em moldes morais poderia formar os alunos. Quanto à suposta perda de valores ou a dita “crise” de valores que cotidianamente ouvimos em meio educacional, apoiamo-nos em La Taille e Menin (2008) para compreender que os valores (morais) não desapareceram, estão mudando de interpretação. Há na sociedade um processo de transformação dos valores, mas não sua ausência ou progressivo desaparecimento. Com isso há de se entender, como afirma Lima (2008) que a escola já não é mais a mesma e assume hoje novos desafios e novas tarefas na sociedade contemporânea. Há também a sugestão de ocorrer em sala de aula um (3) diálogo inter-religioso e interdisciplinar, tal modelo sugere que a diversidade seja contemplada de modo a evidenciar o sagrado nas diversas culturas. Logo, acredita-se que a falta de conhecimento em relação ao outro provoca a intolerância religiosa. Deste modo, o fim para este “mal” seria conhecer o diferente. Ainda encontramos trabalhos que apresentam uma proposta voltada a (4) fusão da religião e cultura, nesta visão a disciplina ER perpassa as diferentes culturas para mostrar como se constituiu o sagrado para cada uma delas. Deste modo, a história das religiões seria o objeto de discussões. É possível perceber que a maioria dos trabalhos estão preocupados em discutir um currículo diferenciado para as aulas de ER, este fato justifica-se pela série de conflitos em torno do componente curricular, ou ainda buscar consenso para a identidade da disciplina. IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014 ISSN 1981-6480 Há trabalhos que apresentam discussões de cunho moral, tais produções preocupam-se em recorrer à religião para formar sujeitos éticos. Esta forma de conceber o ER parece ser comum até os dias de hoje nas escolas públicas. As produções que apresentam um número menor (eixo4) estão voltadas a defender o ER como uma área do conhecimento e permeia todas as culturas. Logo, o objetivo é aliar o ER a cultura dos povos, bem como o estudo da origem das religiões. No segundo momento da pesquisa, por haver uma quantidade razoável de trabalhos que poderiam em sua análise integral, em função do tempo, tornar a pesquisa inviável, fizemos ainda alguns recortes de modo que tivéssemos uma quantidade menor. Para compor o quadro de trabalhos selecionamos um de cada categoria, assim tivemos, considerando a área do conhecimento: um trabalho de teologia, um de educação e dois de ciências da religião. As produções foram selecionadas também por apresentarem um modelo de ER que pode refletir na prática diária de sala de aula, pois nosso intuito é perceber como tem sido pensada essa disciplina pelas diversas áreas do conhecimento, bem como em que condições e finalidades tais propostas tem sido apresentadas. Portanto, descrevemos a partir de agora as análises dos trabalhos que apresentam práticas relacionadas à disciplina ER para as escolas. 2 Ensino Religioso: reflexões sobre as práticas Na tese “O Ensino Religioso Entre Catequese e Ciências da Religião: Uma avaliação comparativa da formação dos professores do ER do Brasil e da aprendizagem interreligiosa na Alemanha em busca de um ensino religioso interteológico e interdisciplinar”, pertencente à categoria 1 (Currículo diferenciado), o autor faz uma comparação da formação dos professores do ER no Brasil (Fortaleza) com a formação na Alemanha, na qual constatou que o ER na cidade de Fortaleza tem deixado a desejar nos aspectos da interdisciplinaridade e interreligiosidade. Sendo assim, propõe um curso de formação de professores unindo as três características que considera importante para formar professores aptos para atuar na pluralidade recorrente de sala de aula: 1.interteologia, 2.interreligiosidade e 3.interdisciplinaridade. Esse modelo de ER (interreligioso, interdisciplinar e interteológico) foi sugerido com o intuito de sanar alguns problemas que poderiam ocorrer no ER baseado em ciências da religião, que segundo o autor tem sido difundido e aceito pelos pesquisadores atuais. O ER na visão das ciências da religião traz para sala de aula um professor cientista “neutro”, ou seja, o chamado “ateísmo didático” que tem por finalidade formar cidadãos. Tal visão nega o confessionalismo e se coloca na posição de ER científico. Becker (2010), o autor da tese, alega que essa visão acaba por esvaziar o sentido de estudar IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014 ISSN 1981-6480 as diversas religiões, além do mais alguém que estudou sobre a diversidade religiosa e não a viveu a fundo na sua fé não poderá ensinar os alunos o sentido “real” das religiões. Na proposta apresentada, cada uma das características assume um papel dentro da formação dos professores, sendo que a primeira (interteológico) se justifica por contar com uma gama de profissionais habilitados com intuito de fornecer um aprendizado coerente de cada religião em específico, isso porque segundo o autor cada professor é autêntico, já que seria membro de sua própria tradição religiosa. A segunda (que expressa o caráter interreligioso) trata de assuntos relacionados à transcendência, justiça, paz entre outros. Já a terceira (interdisciplinaridade) abordaria temas relacionados à cidadania e o meio ambiente, bem como os diversos conhecimentos das tradições religiosas. O autor destaca um elemento que considera primordial na formação do docente, onde propõe um colegiado com especialistas das ciências da religião e teólogos de diversas religiões sendo, estes responsáveis por planejar, executar e avaliar o processo de ensino e aprendizagem dos docentes em questão. De acordo com Becker (2010, p. 287), o autor do trabalho, O colegiado é o elemento principal e mais importante para o sucesso e o bom andamento do processo de ensino e aprendizagem, já que significa um engajamento numa pedagogia interativa e dialógica. Pois a interligação de diversos saberes possibilita a produção de novos saberes e de saberes de um tipo novo. Esse colegiado dentro do projeto é considerado essencial para desenvolver um currículo para a formação dos professores do ER, um projeto que, no seu entendimento, poderá ser desenvolvido com o apoio de instituições e do mundo acadêmico. O autor se preocupa também em demonstrar a validez do trabalho para o processo de ensino e aprendizado dos docentes assinalando como se daria as aulas de ER dentro do molde apresentado. Mostraremos alguns exemplos dados pelo autor de como seria as aulas de ER em caráter interreligioso, interdisciplinar e interteológico. Para ministrar aulas em um campo temático escolhido para determinado bimestre ou semestre, o professor de cada tradição religiosa seria responsável por demonstrar, por exemplo, o que significa ética em suas respectivas tradições religiosas, (o teólogo budista apresenta como a ética é vista dentro da tradição budista e assim o cristianismo, judaísmo, bem como outras religiões). Portanto, o exemplo citado é tido com caráter interteológico e interdisciplinar, por haver várias religiões envolvidas no processo de ensino. O molde interreligioso apresenta-se com algumas religiões previamente estabelecidas pelo colegiado para serem ministrados aos alunos. Exemplo: três religiões abraamicas são estudadas, são IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014 ISSN 1981-6480 apresentados os fundamentos, o personagem central, lugar santo, prática de oração, festividades, prática de jejum, ética e lugar de romaria de cada tradição religiosa. Tal molde se daria em uma rede de conhecimentos primeiramente apontando as semelhanças entre as crenças e depois as especificações. A descrição acima foi retirada de um quadro explicativo do trabalho analisado, foi possível observar que ao demonstrar prática de oração e jejum do cristianismo utilizou-se como exemplo o rosário e a quaresma. Sabemos que os cristãos se assemelham em suas tradições, contudo existem diferenças básicas nas práticas de oração e jejum, logo podemos inferir que há propensão na prática cristã católica. Neste sentido, Becker acredita que para ser um bom professor de ER é necessário ter fé em específico, ou seja, o chamado “tato religioso” que tem por intuito levar o aluno ao mais profundo encontro consigo mesmo. Logo afirma que (2010, p. 264): […] O docente deve oferecer ao educando o espaço de refletir sobre a transcendência da sua existência e sobre como isso representa uma nova dimensão a sua existência deixando nele uma marca própria para construção de uma sociedade justa, solidária e sustentável. Ao que parece o ER é visto como redentor de todos os problemas vivenciados pela sociedade atual. Seria, portanto possível que conhecer a si mesmo por meio de reflexão existencial, poderia formar seres humanos autônomos capazes de transformar a realidade social. Sobre este aspecto uma pesquisa relevante é o texto: “AUTONOMIZAÇÃO DO CAMPO EDUCACIONAL: efeitos do e no ensino religioso”, que tem como autor Luiz Antonio Cunha (2005). Nessa leitura foi possível perceber como disputas têm sido travadas no campo educacional. Cunha (2005) faz uma retomada histórica mostrando que desde o movimento da educação nova. Seus idealizadores já exigiam autonomia no âmbito educacional, mesmo que pouca atenção tem sido dada á essa questão, Cunha (2005) salienta que uma das principais reivindicações dos manifestantes era o de desatrelar a religião da educação. Contudo, apesar de haver progressos de início os laicistas perderam, pois a bancada religiosa cristã se uniu para manter o ER nas escolas. De acordo com Cunha (2005, p.6): […] A posição laica ficou ainda mais restrita depois da LDB e de sua reforma. A anterior oposição confessionalismo X laicismo foi substituída, na prática, pela oposição confessionalismo X interconfessionalismo, na qual a laicidade foi descartada. IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014 ISSN 1981-6480 Com isso, a preocupação da grande maioria dos pesquisadores não é mais pela luta da laicidade, antes disso, preferem modificar a disciplina ER apresentando formatos interdisciplinares, interconfessionais, inerteológico entre outros. O segundo trabalho analisado na íntegra, pertencente à categoria 2. (Educação em valores) foi a dissertação de mestrado “O ensino Religioso como Instrumento para Minimizar as Desigualdades Sócio-Educacionais no Contexto Escolar” que sugere um ER capaz de formar integralmente os alunos. Constatada uma “degradação dos valores”, o trabalho começa mostrando como o ER pode ser um grande aliado na formação dos alunos. É necessário que o professor aja sobre o aluno mostrando, por meio de exemplos bíblicos, como devem se portar diante de uma situação, comportando-se como cidadão exemplar. Assim, segundo o autor, o aluno se modificará durante o processo de ensino e aprendizagem. O professor de ER precisa ter um olhar interdisciplinar para debater os diversos desafios da sociedade atual: desigualdade social, violência, corrupção, etc. Nesta visão, o docente precisa trabalhar com os alunos o amor ao próximo de acordo com a bíblia, mostrando que só devemos desejar aos outros, aquilo que queremos a nós mesmos. Problematizando essa crença, utilizamos as ideias de Cunha (2005), que nos mostra haver uma crescente na aceitação do ER por parte do professorado, justamente pelo discurso da perda de valores básicos para convivência em sociedade. Não há dúvidas que muitos são os desafios em sala de aula e que além de ensinar o professor enfrenta problemas vivenciados pelos alunos como: violência, drogas, criminalidade entre outros. No entanto, seria essa a solução? O ER seria capaz de “salvar” os alunos? Ao que parece, a religião é vista como uma espécie de “cartada final”, ou seja, um caminho favorável para retomar os valores perdidos que a família e a educação não deram conta. Voltando à dissertação analisada, o autor ainda expõe alguns exemplos de como ensinar os alunos a terem uma boa conduta usando um fato corriqueiro de sala de aula a “cola”: Um exemplo comum das mentiras é colar na escola, nesse caso o educador poderá analisar: Que dizer de “colar” em provas de matemática ou de leitura? Na verdade, os resultados podem não ser igualmente espetaculares — de início. Se o aluno não conseguiu dominar as matérias, contudo, talvez verifique futuramente que se “afunda” no mercado de trabalho! E um diploma conseguido por meio da “cola” não servirá muito como salva-vidas. A Bíblia diz: “a obtenção de tesouros por meio duma língua falsa é uma exalação impelida para longe” (Pv 21.6). Quaisquer vantagens derivadas duma mentira são tão efêmeras quanto o vapor (ABREU, 2009, p. 13). Observamos que os fundamentos para trabalhar, conduta moral e ética são bíblicos o que nos indica que o cristianismo está em evidência para pensar o ER nas escolas. Apesar de a legislação proferir um ER sem proselitismo, pensando sempre na diversidade religiosa existente no Brasil, nos IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014 ISSN 1981-6480 deparamos com outras áreas do conhecimento teorizando acerca da disciplina ER em um modelo confessional, catequético e por vezes evangelístico. Apesar da descrição acima, o autor da dissertação alerta que os textos bíblicos só devem ser trabalhados em alguns casos e para isso o professor precisa ter uma visão ampla do processo de ensino para que não ocorra um ER baseado na catequização. Ainda salienta que os textos bíblicos não devem ser utilizados para conquistar adeptos para esta ou aquela religião, mas trabalhados de maneira ecumênica apenas para ensinar valores básicos, buscando uma formação plena do (aluno) cidadão. Para concluir o trabalho o autor da dissertação apresenta algumas proposições para o ER nas escolas, baseado no modelo de Edgar Morin, que sugere sete saberes necessários á educação, mas a escola nega ao aluno, por isso o autor denomina tais práticas como “buraco negro”. Descreveremos sinteticamente: 1.conhecimento: segundo o autor da dissertação a escola prima pela transmissão de saberes deixando em segundo plano o conhecimento, isso acaba por privilegiar conteúdos não condizentes com a realidade, formando assim alunos acríticos. 2.Conhecimento pertinente: o erro da escola está em trabalhar com conteúdos inadequados que fragmenta o conhecimento no modelo disciplinar, impedindo a construção do saber por meio do todo. 3.identidade humana: A escola tende a não trabalha-la, logo é necessário compreender a constituição dos sujeitos, pois apesar de ser “múltiplo o ser humano também é parte de uma unidade”. O autor salienta que o homem não se define apenas pelo trabalho, mas também somos homo ludens (jogos), homo mictholoicos, (crenças e mitos), homo sapiens (espécie), entre outros. 4.compreensão humana para com o semelhante: não trabalhada, é preocupante pois o individualismo tem aumentado significativamente na sociedade capitalista. Neste sentido, é necessário que a escola ensine a compreensão do outrem e também de si mesmo. 5.incertezas: o autor alerta para o fato de que a escola ensina apenas certezas e é preciso considerar as incertezas, pois assim os sujeitos serão capazes de se programar para o inesperado, podendo estabelecer estratégias de ação caso necessário. 6.condição planetária: vivemos um momento de globalização, recebemos informações a todo momento e não é possível processar, ameaça letal, degradação da vida planetária, bem como a ameaça ecológica. Tais questões são abordadas de maneira tímida pela escola e deve ser trabalhado em caráter de urgência. 7.antropo-ética: seria o desenvolver da ética e autonomia pessoal, para isso é necessário partir da democracia para que os cidadãos exerçam seu papel enquanto participantes do processo social, assumindo seu lugar de seres históricos. IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014 ISSN 1981-6480 O autor termina o trabalho alertando para os desafios da disciplina ER, dentro da escola pública, porém argumenta que o ER deve ser baseado na pedagogia da pergunta, pois esta foi a diretriz de Cristo. Diante desse modelo de ER, buscamos refletir sobre a construção dos valores morais que parecem preocupar alguns pesquisadores e sobre a laicidade. Para discutir sobre a construção de valores, apoiamo-nos na dissertação de Lima (2008), onde a autora sugere pensar a construção da moralidade pelo viés piagetiano. A autora mostra que na obra “O juízo moral da criança” Piaget pesquisou como a criança desenvolve a moralidade, mostrando que o processo se dá em torno dois estágios: heteronomia e autonomia, sendo que no primeiro a criança ainda não tem uma noção clara sobre as regras, mas aceita por obediência ou medo de sofrer punição, pois nesse período a criança ainda não compreende o sentido real de cumprir-las. Já a segunda ocorre quando a criança reconhece o sentido das normas, pois é necessário respeitar o outro para ser respeitado. Desta maneira, a criança é capaz de dialogar com outrem para modificar as regras se necessário, pois se trata de uma relação mútua. Esse processo de passagem da heteronomia para autonomia não ocorre de maneira linear, sendo necessário favorecer o aprendizado de maneira que a criança participe de seu meio social ouvindo e sendo ouvida, assim poderá identificar-se com as regras que não são apenas impostas, mas discutida e alteradas a depender do consenso dos pares (LIMA, 2008). De acordo com Lima (2008, p.34) Se é principalmente a partir do relacionamento entre pares que a criança sai do realismo moral atingindo um estágio superior, a escola se configura como locos privilegiado para essas relações. A escola é espaço de diversidade, atendendo alunos de diferentes meios sócio-culturais, familiares, com experiências, aprendizagens, conceitos, leituras e representações de mundo, de valores, formas de julgamento e de comportamento distintos. É um lugar de construção e reconstrução de conhecimentos, de convivência coletiva, social e de vivência de valores. Diante das discussões apresentadas acreditamos que o ambiente escolar pode contribuir para a formação de sujeitos moralmente autônomos sem fazer uso de procedimentos religiosos. Acrescentamos ainda, que não estamos defendendo uma abordagem piagetiana na escola. Estamos apenas alertando para o fato de que a moralidade pode (e deve) ser pensada por vias mais científicas e principalmente laicas. Com relação à laicidade preocupamo-nos principalmente por esta ser uma proposta para escola pública. Diante da proposta do autor para que o ER seja pensado pelo jargão “o que Jesus faria” (utilizado no cristianismo), tendo em vista que os valores estão se deteriorando pela “escuridão espiritual” existente na sociedade atual. IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014 ISSN 1981-6480 Na categoria 3. (diálogo interreligioso e interdisciplinar) tomamos para análise a dissertação “Liberdade e Diversidade Religiosa em Anápolis: Construção da Harmonia na Pluralidade”, que apresenta um estudo exploratório do ER em três escolas sendo uma particular confessional, uma municipal e uma estadual. O autor buscou identificar como têm sido ministradas as aulas de ER nessas escolas. O autor deixa claro que é preciso respeitar a legislação oferecendo um ER sem proselitismo, pois nosso país possui diversas “vozes” e nenhuma deve ser privilegiada. Antes disso, o diálogo é essencial para convivência harmoniosa. Dentro dessa perspectiva sugere-se a possibilidade de adequar o ER em caráter interdisciplinar para que ocorra um ensino dialógico entre as disciplinas, nesta visão o aluno seria privilegiado, pois o modelo interdisciplinar seria substituído pelo domínio multidisciplinar que segundo o autor não corresponde a um modelo ideal, já que as disciplinas são estudadas sem relação entre si. O diálogo interreligioso tem por finalidade aproximar as diversas religiões abrindo caminho para o respeito mútuo entre pessoas que tem crenças distintas. Contudo, salienta que não é dever da escola “educar na fé”, antes disso o professor da disciplina ER deve trazer para sala de aula o estudo do fenômeno religioso, levando em consideração as diferentes manifestações religiosas. Portanto, é necessário que os alunos tenham uma educação sem descriminação, que segundo o autor envolve conhecer as religiões na perspectiva da alteridade em um processo onde se ouve e é ouvido. Filho (2006), o autor da dissertação, assume a dificuldade de ministrar aulas de diversas tradições religiosas sem fazer uso do proselitismo, porém acredita ser uma prática possível se houver uma mudança na mentalidade dos sujeitos reconhecendo o valor das tradições religiosas, bem como o direito a liberdade das diversas formas de compreender o sagrado. Para o autor o maior problema da disciplina é o fato de a maioria dos profissionais da educação não encarar o ER como um fenômeno a ser explorado, supostamente quando um professor não habilitado assume as aulas de religião vê uma oportunidade de propagar sua crença e isso pode gerar um mal estar entre os alunos que certamente são de crenças distintas. Esse modelo de ER é bem difundido entre os pesquisadores, por sugerir um ensino pautado no diálogo com outras posturas religiosas. Há uma crença que o ER pode legitimar a luta por seres humanos melhores. Na categoria (4) fusão da religião e cultura, o trabalho avaliado foi uma dissertação de mestrado intitulada “O Tempo e o Espaço na construção do Ensino religioso: Um Estudo sobre a concepção de Ensino Religioso na lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”. Neste trabalho, o autor sugere duas maneiras de pesar o ER como disciplina escolar: na primeira propõe pensar um ER sobre a ótica pluralista e; na segunda indica um ER baseado no modelo de ciências da religião. IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014 ISSN 1981-6480 Nesse primeiro modelo há necessidade de aliar o estudo das religiões com a cultura, pois o ser humano é dotado de experiências no que diz respeito à fé e tais noções ocorrem no cotidiano. Nessa perspectiva, é de suma importância considerar as relações dos sujeitos com a sociedade em que vivem, bem como focalizar a importância de conhecer o diferente para construir relações de empatia entre os sujeitos. Segundo Stigar (2009), o autor da dissertação, conhecer as diversas tradições religiosas pelo viés cultural corresponde a entender o sentido real das manifestações religiosas, superando o desrespeito, a intolerância, bem como o preconceito religioso. O autor reconhece que o espaço para reflexão religiosa seria a igreja, porém salienta que a escola como espaço socializador do conhecimento pode contribuir para o pensar crítico, porém com respeito ao outro, vendo o diferente como seu semelhante. O professor de ER, na defesa que se realiza no trabalho, deve trazer para sala de aula o estudo das religiões como um fenômeno a ser explorado levando em consideração a cultura de cada formação religiosa para assim mostrar o sentido que cada religião tem para seus adeptos. De acordo com o autor: Educar para conhecer as diversas religiões e compreender as culturas que lhes dão forma, analisar a relação entre o presente e o passado para produzir um saber histórico implica exercitar o diálogo com o diferente, baseado no respeito profundo e no desejo de preservar a dignidade e o direito de existência de cada manifestação cultural-religiosa (STIGAR, 2009 p.134 -135). Nessa perspectiva, acredita-se que se o ER for trabalhado em sala de aula sem proselitismo fazendo uso de elementos da cultura dos povos poderá auxiliar no desenvolvimento do ser enquanto sujeito capaz de superar o preconceito existente na sociedade atual. Com relação à segunda forma de pensar o ER (a inserção de ciências da religião como modelo norteador do ER), a disciplina poderia por fim aos modelos proselitistas ainda encontrados nas escolas. O autor argumenta que os professores graduados em ciências da religião são os profissionais com maior habilitação para conduzir a disciplina ER, já que tratam a religiosidade como um fenômeno antropológico e sociocultural. O autor evidencia que para além de tratar o ER como modelo científico é preciso também refletir sobre a formação dos professores e angariar fundos para investir nos docentes. A defesa pelo modelo baseado em ciências da religião é defendido por muitos trabalhos de pós-graduandos na área, isso por que tal modelo propaga o cientificismo didático. Portanto, para essa forma de conceber o ER não há necessidade de retirar a disciplina das escolas, pois as controvérsias ocorridas seriam minimizadas pela neutralidade concernente ao estudo das religiões. 3 Considerações finais IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014 ISSN 1981-6480 Pudemos observar durante as análises dos trabalhos que apesar de haver diferença nas práticas sugeridas para sala de aula, encontramos semelhanças básicas principalmente no que diz respeito ao discurso de formar cidadãos por intermédio do ER, formar integralmente, bem como superar o preconceito religioso. Entendemos que o ER como disciplina escolar tem sido discutido por diversas áreas do conhecimento, principalmente após a regulamentação da disciplina. Contudo, foi possível observar que há uma crescente de discussões no que se refere a pensar em outras possibilidades de adequar o ER nas escolas públicas. Geralmente os autores investigam uma ou mais escolas, que por sua vez encontram um ER proselitista, confessional, catequético, etc. Quando se deparam com tais modalidades, procuram apresentar um modelo diferenciado com propostas que se assemelham no que tange a área do conhecimento. Uma pesquisa relevante é a de Valério (2008), onde fez uma investigação para saber se as aulas de ER em uma escola pública têm respeitado a legislação, o que constatou foi uma disciplina ministrada por professores que não são habilitados, que apenas ministram as aulas de ER para cumprir carga horária, logo a disciplina assume um caráter confessional e até catequético. Ainda na pesquisa os alunos informaram que os assuntos abordados geram polêmicas e constrangimento, pois ao invés de estudar o fenômeno religioso, o professor prefere falar de sua própria crença religiosa. Essa é apenas uma das muitas pesquisas que apontam fragilidades no ER como disciplina escolar e que, a nosso ver, dificultam a objetivação ou efetivação das propostas de ER para a escola pública. Entendemos que algumas das práticas apresentadas nos trabalhos são viáveis a escola pública na medida em que apresentam um ensino pautado na legislação brasileira respeitando a diversidade religiosa. Contudo, é importante ressaltar que a disciplina possui ainda um longo percurso no que diz respeito ao seu caráter de fenômeno a ser explorado. É preciso desatrelar o ER da visão cultural de catequização, não é mais aceitável que a escola assuma posturas de ensino privilegiando essa ou aquela religião. Diante do exposto acreditamos que o ensino religioso é um campo polêmico que tem gerado inúmeras discussões no âmbito educacional, deste modo propomos em nossa pesquisa um olhar reflexivo para os diferentes direcionamentos das produções analisadas. REFERENCIAS ABREU, Gilton. O Ensino Religioso como Instrumento para Minimizar as Desigualdades SócioEducacionais no Contexto Escolar (Dissertação mestrado) – Escola Superior de Teologia. Programa de Pós-Graduação. Mestrado em Teologia. São Leopoldo, 2009. IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014 ISSN 1981-6480 BACKER, Michel. O Ensino Religioso Entre Catequese e Ciências da Religião: Uma avaliação comparativa da formação dos professores do ER do Brasil e da aprendizagem interreligiosa na Alemanha em busca de um ensino religioso interteológico e interdisciplinar (Doutorado em Educação) Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2010. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Rio de Janeiro, RJ: Degrau. ________. Lei Complementar n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996. ________. Lei no 9.475, de 22 de julho de 1997. Dá nova redação ao art. 33 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, 1997. CUNHA, L. A. Automatização do Campo Educacional: efeitos do e no ensino religioso Revista Contemporânea de Educação. Faculdade de Educação da UFRJ, 2005 FILHO, O.V. de Souza. Liberdade e Diversidade Religiosa em Anápolis: Construção da Harmonia na Pluralidade. (Mestrado em Ciências da Religião). Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2006. LIMA, Aline Pereira. O uso da religião em escola públicas de Presidente Prudente. Relatório de Iniciação Científica - Faculdade de Ciências e Tecnologia- Unesp, Presidente Prudente, 2004. LIMA, Aline Pereira. O uso da religião como estratégia de educação moral em escolas públicas e privadas de Presidente Prudente. (Mestrado em educação) Universidade Estadual Paulista, Júlio de Mesquita Filho, Presidente Prudente, 2008. MARTINS, Josiane B. LIMA, Pereira Lima. A produção do conhecimento cientifico sobre o ensino religioso a partir de alguns marcos regulatórios (Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) in: apresentação painel VII EPCT- Encontro de produção cientifica e tecnológica, agosto. 2012. MARTINS, Josiane B. LIMA, Pereira Lima. A produção do conhecimento cientifico sobre o ensino religioso a partir de alguns marcos regulatórios (Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) in: apresentação V ENIEDUC- Encontro Interdisciplinar de Educação. Junho. 2013. MARTINS, Josiane B. LIMA, Pereira Lima. A produção do conhecimento cientifico sobre o ensino religioso a partir de alguns marcos regulatórios (Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Relatório parcial de Iniciação Científica. NUPEM, 2012. MARTINS, Josiane B. LIMA, Pereira Lima. A produção do conhecimento cientifico sobre o ensino religioso a partir de alguns marcos regulatórios (Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Relatório final de Iniciação Científica. NUPEM,2013. STIGAR, Robson. O Tempo e o Espaço na construção do Ensino religioso: Um Estudo sobre a concepção de Ensino Religioso na lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. (Mestrado em Ciências da Religião) Pontifícia Universidade Católica (PUC) São Paulo, 2009. IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014 ISSN 1981-6480 VALÉRIO, Denize Bezerra. O Ensino Religioso na Escola uma Questão Complexa. (monografia) Universidade de Pernambuco (UPE) Arcoverde, Pernambuco, 2008.