52 ANÁLISE DA VIABILIDADE E DA ULTRA

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ISSN 0102-5716
Veterinária
e Zootecnia
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ANÁLISE DA VIABILIDADE E DA ULTRA-ESTRUTURA DE EMBRIÕES
OBTIDOS DE ÉGUAS SUPEROVULADAS
Karen Regina Peres I
Claudia Barbosa Femandes
Marco Antonio Alvarenga'
Femanda da Cruz Landim-Alvarenga
RESUMO
Embora a indução de ovulações múltiplas em eqüinos apresente inúmeras vantagens, não
existem estudos a respeito da qualidade dos embriões obtidos após a superovulação ovariana.
Desta forma, este experimento objetivou o estudo da viabilidade e morfologia de embriões
coletados de éguas submetidas a tratamento superovulatório com FSH eqüino purificado. Os
embriões foram avaliados por meio da análise da integridade das membranas plasmáticas dos
blastômeros utilizando-se sondas fluorescentes (viabilidade) e por meio da microscopia
eletrônica de transmissão (MET) para análise ultra-estrutural. A viabilidade e a ultra-estrutura
foram comparadas à de embriões obtidos de éguas não-superovuladas (controle). Todos os
embriões obtidos das éguas controle (9/9) e 89,3% (25/28) dos obtidos das éguas
superovuladas foram classificados, visualmente como bons e excelentes de acordo com as
normas da "International Embryo Transfer Society "-IETS. O estudo da viabilidade foi
realizado em sete embriões do grupo controle e em 1O do grupo tratado, mostrando que 70%
dos embriões obtidos das éguas superovuladas e 100% dos embriões das éguas controle eram
viáveis. Os resultados de MET (n = 2 no grupo controle e 3 no grupo tratado) mostraram uma
semelhança entre a ultra-estrutura dos embriões obtidos de éguas superovuladas e dos
embriões controle. De acordo com os resultados obtidos, a administração de gonadotrofinas
com o intuito de promover múltiplas ovulações em éguas parece não comprometer a
qualidade dos embriões.
Palavras-chave: embrião, eqüino, superovulacão, ultra-estrutura, viabilidade.
ANAL YSIS OF VIABILITY AND UL TRA STRUCTURE OF EMBRYOS OBT AINED
FROM SUPEROVULA TED MARES
ABSTRACT
Although the induction of multiple ovulations is a very desirable technique in the horse
industry, there were no studies conceming the quality of embryos obtained from
superovulated mares. This experiment aimed to study the viability and morphology of equine
embryos collected from mares submitted to superovulatory treatment using eFSH. The
embryos were analyzed using fluorescent probes to study membrane integrity (viability) and
through transmission electron microscopy to study the ultra-structural morphology. Embryos
obtained from non-stimulated mares were used as controI. All embryos from control mares
(9/9) and 89.3% (25/28) of embryos obtained from superovulated mares were classified
visually as excellent or good according to the IETS procedures. The membrane integrity was
analyzed in seven embryos from control group and in 10 from treatment group, showing that
70% of the embryos collected from superovulated mares and 100% of embryos collected from
Departamento de Reprodução Animal, FMVZ - USP, Pirassununga, São Paulo, 13630-090, Brasil
Departamento de Reprodução Animal e Radiologia Veterinária, FMVZ - UNESP, Botucatu, São Paulo, 18618000, Brasil - femandarã),fmvz.unesp.br
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control mares were viable. The transmission electron microscopy analysis (n = 2 for control
and 3 for treatment group) showed that the ultra-structure of superovulated embryos was
similar to the morphological characteristics observed in the control group. The obtained
results indicate that, the administration of gonadotrophins to induce multiple ovulations in
mares, apparently, do not interfere with the quality of produced embryos.
Key words: embryo, equine, superovulation, ultra-structure, viability.
ESTUDIO DE LA VIABILIDAD Y UL TRA-ESTRUCTURA
DE EMBRIONES
RECUPERADOS DEYEGUAS SUPEROVULADAS
RESUMEN
Aunque Ia inducción de múltiples ovulaciones en equinos presenta innumerables ventajes, no
existen estudios con respecto a Ia calidad de los embriones obtenidos después de Ia
superestimulation ovariana. De esta forma, este experimento tuvo como objetivo el estudio de
Ia viabilidad y de Ia morfología de los embriones recogidos de yeguas sometidas al
tratamiento supereovulatório
con FSH equino purificado. Fueron evaluados Ia integridad de
Ias membranas plasmáticas de blastorneros, haciendo uso de sondas fluorescentes (viabilidad)
y haciendo análisis de Ia ultra-estructura por microscopia electrónica de transmisión (MET).
La viabilidad y Ia ultra-estructura fueron comparadas a embriones recogidos de yeguas nosuperovuladas (el control). Todos los embriones obtenidos de yeguas control (9/9) y 89.3%
(25/28) de los obtenidos de yeguas superovuladas, fueran clasificados visualmente como de
buenos hasta excelentes, de acuerdo a Ias normas de Ia IETS. En el estudio de Ia viabilidad,
70% (7/1 O) de los embriones obtenidos de yeguas superovuladas y todos (717) los embriones
de yeguas control fueran viables. Por Ia MET (n = 2 para control y 3 para tratamiento) fue
verificado que los embriones obtenidos de yeguas superovuladas presentaban Ia ultraestructura similar aquella observada en los embriones controI. Concluyendo, el procedimiento
de administración de gonadotrofinas con Ia intención de promover múltiples ovulaciones en
yeguas parece no comprometer Ia calidad de los embriones.
Palabras-c1ave: embriones, equino, superovulacion, ultra-estructura. viabilidad.
INTRODUÇÃO
A espécie eqüina é poliéstrica estacional, sendo que em lugares com estações bem
definidas as éguas ovulam apenas durante a primavera e o verão. Além disso, normalmente as
éguas têm apenas uma ovulação por ciclo. Por essa razão, vários protocolos têm sido
estudados na tentativa de se promoverem múltiplas ovulações em éguas. Adicionalmente, a
superovulação traz benefícios econômicos quando associada aos programas de transferência
de embriões. por diminuir principalmente os gastos com a manutenção de receptoras vazias. O
aumento no número de ovulações também proporciona um aumento no número de embriões
comercializados e colabora com os estudos de crio preservação embrionária.
Dentre os agentes testados, o extrato de pituitária eqüina (EPE) e. mais recentemente,
o FSH eqüino purificado são os que têm apresentado os resultados mais consistentes.
Alvarenga et aI. (2001) obtiveram os melhores resultados descritos até o momento com o uso
do EPE, com uma média de 7,1 ovulações e 3,5 embriões por égua, contudo os resultados
encontrados na literatura, com o uso do EPE, são muito variáveis, principalmente em
decorrência da grande diferença encontrada na proporção das gonadotrofinas (LH:FSH) dos
preparados. O uso do FSH eqüino purificado tem a vantagem de obter resultados mais
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constantes de taxa ovulatória (4 a 5,6 ovulações por égua) e de recuperação embrionária (2 a
2,2 embriões por égua) (ALV ARENGA et al., 2003; MACHADO et al., 2003; PERES et al.,
2005).
Embora a superovulação
represente um grande avanço na reprodução
assistida de
equinos, melhorando a eficiência reprodutiva da espécie, para a aplicação comercial desta
tecnologia
é necessário
assegurar não apenas o resultado da técnica, mas também, e
principalmente,
a viabilidade destes embriões. Os resultados descritos na literatura em relação
à taxa de prenhez obtida com a transferência
de embriões de éguas superovuladas
são
contraditórios
(WOODS & GINTHER,
1984; SQUIRES et al., 1987) e, até hoje, nenhum
estudo foi realizado com o intuito de se avaliar a qualidade morfológica
dos embriões
oriundos de tratamentos
superovulatórios.
Diante disto, o objetivo deste experimento
foi
avaliar a viabilidade
e a morfologia microscópica
e ultra-estrutural
de embriões eqüinos
coletados de éguas com ovulações múltiplas e únicas.
MA TERIAL E MÉTODOS
Para a obtenção dos embriões foram utilizadas 27 éguas mestiças, de três a 15 anos,
com peso médio de 400 kg e boa condição corporal durante os meses de setembro a dezembro
de 2003, no município de Botucatu, SP, Brasil (Latitude 22°52'S, Longitude 48°27'W, e
temperatura média de 22°C). As éguas foram mantidas sob sistema de criação extensiva em
piquetes de pasto nativo com suplementação
mineral, recebendo diariamente ração peletizada
destinada à manutenção.
Todos os animais encontravam-se
na fase de anestro ou no início da fase de transição
de primavera (folículos menores que 25 milímetros e nenhum corpo lúteo).
No mínimo duas vezes por semana, os ovários eram monitorados com auxílio de um
ultra-som Pie-Medical modelo 450 com transdutor linear de 5,0 MHz. Uma vez detectado ao
menos um folículo de diâmetro médio de 25 mm, as éguas eram destinadas, alternadamente,
para um dos dois grupos experimentais:
1) grupo controle (n=13) - não tratado ou 2) grupo
SOV - superovulado (n=14) - administração
de 12,5 mg de FSH eqüino purificado - eFSH™
(Bioniche, Canadá), im, duas vezes ao dia, até que a maioria dos folículos ~ 30 mm
atingissem um tamanho pré-ovulatório
(~ 35 mm). Quando as éguas do grupo controle
apresentaram um folículo pré-ovulatório,
e quando metade dos folículos ~ 30 mm, das éguas
do grupo SOV, atingiram ~ 35 mm, elas receberam 2500 UI de hCG (Vetecor'", Calier.
Brasil), iv. Em seguida todas as éguas eram inseminadas,
em dias alternados, com sêmen
fresco proveniente de um único garanhão, diluído em meio extensor a base de leite desnatado.
Sete a oito dias mais tarde, realizou-se a recuperação embrionária pelo método não-cirúrgico
com solução de Ringer com Lactato de Sódio (ALVARENGA
et al., 1993).
O rastreamento
dos embriões
foi realizado
com auxílio de um microscópio
estereoscópico
(lupa) sob aumento de 10X e a classificação
embrionária
utilizando-se
aumento de 40X (Fig. 1). A identificação do estágio de desenvolvimento
embrionário [mó rui a
(Mo), blastocisto inicial (Bi), blastocisto (BI), blastocisto expandido (Bx)] e a avaliação
morfológica (escore 1 a 5: 1 = excelente, 2 = bom, 3 = regular, 4 = ruim, 5 = morto ou
degenerado) foram realizadas conforme recomendação
da IETS (MCKINNON
& SQUIRES,
1988).
Para a análise da viabilidade,
sete embriões do grupo controle e 10 do grupo
tratamento foram incubados em solução de DPBS com 0,4% de BSA, acrescida de 125Jlg/ml
de sonda fluorescente iodeto de propídeo (IP) (Sigma Chemical CO, St. Louis) durante 10
minutos. Em seguida foram transferidos para uma gota, sobre lâmina histológica, contendo
solução de l Oug/ml de HOECHST 33342 (Sigma Chemical CO, St. Louis), sendo cobertos
por lamínula e examinados
imediatamente
em microscópio
invertido
de fluorescência
Peres, K.R. et ai. Análise da viabilidade e da ultra-estrutura de embriões obtidos de éguas superovuladas.
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(Leica'f-filtro azul 535 e 617 nrn). Os blastômeros que fluoresceram em azul foram
considerados viáveis (com membrana plasmática íntegra) enquanto aqueles que fluoresceram
em vermelho ou rosa foram considerados inviáveis (Fig. 2). Embriões com menos de 50% de
células vermelhas foram considerados viáveis. Para esta determinação, o número total de
células dos embriões foi estimado com base na correlação (r = 0,97, y = 4,3843x - 457,2)
entre o número de células (y) e o diâmetro do embrião (x) (MOUSSA et aI., 2004). Devido ao
pequeno número de embriões foi realizada apenas uma descrição dos embriões analisados,
sem aplicação de um teste estatístico.
Figura 1 - Embriões equmos coletados sete dias após a ovulação (D7) de éguas nãosuperovuladas (esquerda) e superovuladas (direita) com FSH eqüino purificado. Botucatu/SP,
Brasil, 2005.
Figura 2 - Blastocistos expandidos coletados no D8 de éguas superovuladas, corados com
Iodeto de Propídeo e Hoechst 33342 e examinados sob microscópio de fluorescência
(aumento 100x). O embrião da direita apresenta 100% de suas células íntegras (azuis) e o
embrião da esquerda, classificado como grau 2, apresenta aproximadamente 11% de suas
células da periferia lesadas (vermelhas). Botucatu/SP, Brasil, 2005.
Peres, K.R. et aI. Análise da viabilidade e da ultra-estrutura
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de embriões obtidos de éguas superovuladas.
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Para a análise ultra-estrutural, dois embriões do grupo controle e três do grupo SOV
foram selecionados, aleatoriamente, sem prévia seleção de sua morfologia, e fixados em 2,5%
de glutaraldeído em tampão fosfato a 0,1 M (pH 7,4) e, posteriormente, em 1% de tetróxido de
ósmio utilizando o mesmo tampão. Após a desidratação, em séries crescentes de acetona, os
embriões foram embebidos em Epon 812. Os cortes ultrafinos foram obtidos com navalha de
diamante, montados em grade de cobre e corados com acetato de uranila e citrato de chumbo.
Os embriões foram então examinados em um microscópio eletrônico de transmissão Philips
EM 30 I, no Centro de Microscopia Eletrônica do Instituto de Biociências da UNESP,
Botucatu-SP. Foi realizada uma análise descritiva e comparativa entre os embriões do grupo
controle e aqueles obtidos de éguas superovuladas (grupo SOV).
RESULTADOS
1. Avaliação da morfologia e da viabilidade
embrionária
pelo estereomicroscópio
Nove embriões foram recuperados das éguas do grupo controle (taxa de recuperação
de 0,69 embriões/égua), sendo que dois (22,22%) se apresentavam no estágio de blastocisto
inicial (Bi), três (33,33%) no estágio de blastocisto (BI) e quatro (44,44%) no estágio de
blastocisto expandido (Bx). A maior parte dos embriões obtidos foi classificada como grau 1 1,5 (Quadro 1) de acordo com as normas da IETS.
Das éguas submetidas ao tratamento de superovulação foram recuperados 28 embriões
(taxa média de recuperação de 2 embriões/égua), sendo um embrião (3,57%) no estágio de
Mo, cinco (17,86%) no estágio de Bi, oito (28,57%) no de Bl, 11 (39,29%) no de Bx e três
embriões (l 0,71 %) degenerados. A análise visual revelou que a maioria dos embriões era de
grau 1-1,5, sendo também encontradas estruturas degeneradas (grau 5). Adicionalmente,
foram recuperados seis ovócitos das éguas do grupo SOV (Quadro 1).
Pela análise realizada com microscópio estereoscópio, 100% dos embriões do grupo
controle (9/9) e 89,3% (25/28) dos embriões oriundos de éguas superovuladas, dentro das
condições previamente especificadas, foram considerados com qualidade boa a excelente
(Grau 1 - 1,5).
Quadro 1 - Distribuição dos embriões e das estruturas coletadas do grupo controle e SOV
conforme sua classificação morfológica. Botucatu/SP, Brasil, 2005.
CONTROLE
Classificação
SOV
Embriões
Estruturas
Embriões
Estruturas
1 - 1,5
8 (88,88%)
8 (88,88%)
21 (75%)
21 (61,76%)
2 -2,5
1(11,11%)
1(11,11%)
4 (14,28%)
4(11,76%)
5 (degenerado)
O
O
3 (10,71%)
3 (8,82%)
Não - fertilizado (ovócito)
O
O
O
6 (17,65%)
Total
9 (100%)
9 (100%)
28 (100%)
34 (100%)
2. Avaliação da viabilidade
embrionária
por sondas fluorescentes
Sete embriões do grupo controle foram corados, sendo observado menos de 1% de
células mortas (zero a seis células) em cada um deles; portanto, todos os embriões do grupo
controle foram classificados como viáveis.
Peres, K.R. et aI. Análise da viabilidade e da ultra-estrutura de embriões obtidos de éguas superovuladas.
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Dos 10 embriões do grupo SOV, analisados com sondas fluorescentes, seis
apresentaram menos de 1% de células lesadas (zero a seis blastôrneros inviáveis), um
continha aproximadamente 11,2% de células lesadas (= 150 blastômeros lesados) e três,
apresentaram 100% de suas células lesadas, sendo estes os mesmos classificados como
degenerados. Portanto, 70% dos embriões analisados pelo uso de sondas fluorescentes,
oriundos de éguas superovuladas, foram considerados viáveis.
3. Estudo ultra-estrutural
dos embriões por microscopia eletrônica de transmissão
Os embriões coletados estavam na fase de Bi a Bx. Não foram observadas diferenças
morfológicas entre os embriões obtidos de éguas superovuladas ou do grupo controle, sendo a
descrição a seguir referente aos dois grupos.
Os embriões apresentavam-se envoltos pela zona pelúcida, já bastante delgada e se
desfazendo em alguns pontos e pela cápsula acelular em início de formação (Fig. 3A). A
cápsula era constituída por um material fibrilar, arranjado circunferencialmente sob a forma
de camadas sobrepostas, localizada entre a zona pelúcida e as células do trofoblasto. (Fig. 3A)
Não foram observados canais radiais cruzando a cápsula, como acontece na zona pelúcida.
O espaço perivitelínico, compreendido entre a cápsula e as células do trofoblasto,
mostrou-se estreito e preenchido por microvilosidades presentes na superfície externa das
células (Fig. 3B). Na região apical, as células do trofoblasto encontravam-se unidas por
complexos juncionais caracterizados por zônulas de oclusão e por junções oclusivas (Fig. 3C).
Os contatos celulares estavam reforçados por uma seqüência de desmossomos ao longo das
membranas. Observaram-se tonofilamentos prendendo-se aos desmossomos.
Na região do botão embrionário foi vista uma massa celular interna composta por
células dispersas conectadas entre si por meio de longos prolongamentos citoplasmáticos e
envoltas por um epitélio colunar formado por uma única camada de células, o trofoblasto
(Fig.3A).
O trofoblasto apareceu formado por células cilíndricas com núcleo grande, esférico e
localizado centralmente (Fig. 3A e 3B). A superfície citoplasmática apical, voltada para a
cápsula, apresentou inúmeras vesículas cobertas, as quais, via de regra, pareciam associar-se a
outras vesículas presentes no interior do citoplasma e ao retículo endoplasmático liso. O
material carreado pelas vesículas apareceu como material amorfo de média eletro-densidade
concentrado em grânulos (Fig. 3B).
A massa celular interna apresentou-se constituída por células de aspecto irregular, com
núcleo oval localizado centralmente, contendo cromatina de aspecto difuso (Fig. 3A e 3D).
No citoplasma foi observada a presença de retículo endoplasmático rugoso, poliribossomos e
mitocôndrias,
semelhantes àquelas encontradas nas células do trofoblasto. Longos
prolongamentos emitidos do citoplasma apareceram ligando as células do embrioblasto entre
si, e estas com as células do trofoblasto. Não foi observado nenhum tipo especial de junção
celular entre os prolongamentos, sendo a ligação entre uma célula e outra feita somente pela
aposição das duas membranas.
Grande quantidade de glóbulos, semelhantes a inclusões lipídicas, foram vistos tanto
nas células do trofoblasto como no embrioblasto. Estes glóbulos aparentemente fundem-se
para formar glóbulos cada vez maiores (Fig. 3B e 3D). Com freqüência foram vistas
mitocôndrias associadas a estas estruturas. As mitocôndrias apareceram com formas variadas
sendo principalmente arredondadas ou alongadas.
Em todos os embriões avaliados foram observadas figuras de mitose.
Peres, K.R. et al. Análise da viabilidade e da ultra-estrutura de embriões obtidos de éguas superovuladas. Vet. e
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epv
Figura 3 - Aspecto ultra-estrutural de um embrião eqüino obtido de égua superovulada.
BotucatulSP, Brasil, 2005.
A) Aspecto geral de um blastocisto mostrando a presença da cápsula (c) envolta por uma
zona pelucida (zp) em desagregação. Notar o aspecto cubóide das células do trofoblasto (t) e o
aspecto irregular das células do embrioblasto (e). 2500X
B) Detalhe da morfologia de uma célula do trofoblasto. Notar a presença de microvilosidades
(mv) preenchendo o espaço peri-vitelínico, na face voltada para a cápsula (c). 13000X
C) Aspecto das junções oclusivas (jo) presentes entre as células do trofoblasto. 23000X
D) Detalhe da morfologia das células do embrioblasto. Notar a presença de grandes vacúolos
(v) no citoplasma e a presença dos prolongamentos celulares (pc) unindo uma célula à outra.
10000X
n = núcleo;
nu = nucléolo;
I = grânulos de lipídeo;
m = mitocôndrias;
epv = espaço peri-vitelínico;
reI = retículo endoplasmático liso.
Peres, K.R. et ai. Análise da viabilidade e da ultra-estrutura de embriões obtidos de éguas superovuladas.
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DISCUSSÃO
Na classificação realizada ao estereomicroscópio, 75% dos embriões recuperados das
éguas superovuladas apresentaram boa morfologia e 14,3% apresentavam pequenas
imperfeições. Estes índices estão próximos àqueles observados no grupo controle (88,9% e
11,1%, respectivamente). No grupo das éguas superovuladas também foram recuperados três
(10,75%) embriões totalmente degenerados. Na espécie eqüina é esperado um índice de
degeneração embrionária de 5% (IULIANO & SQUlRES, 1985; MCKINNON & SQUIRES,
1988).
Embora o índice de embriões morfologicamente anormais (grau ~ 3) obtido no grupo
de éguas superovuladas deste experimento, possa parecer alto (10,57%), deve-se considerar
que todos os embriões degenerados foram recuperados de uma mesma doadora, a qual
apresentou seis ovulações. Em éguas com ovulações espontâneas, a recuperação de um
embrião degenerado pode ocorrer devido a um ambiente uterino inadequado para o seu
desenvolvimento, como no caso de éguas com endometrite. Neste experimento não foram
detectadas alterações uterinas no exame ultra-sonográfico e o lavado uterino, recuperado
durante o procedimento de colheita embrionária, apresentou-se límpido. Como os embriões
degenerados apresentaram tamanho (85 - 11Oum) e número de células reduzido, sugere-se
que a morte embrionária tenha ocorrido precocemente devido à presença de alta concentração
de progesterona decorrentes das ovulações múltiplas (AL VARENGA et aI., 2001; PERES et
al., 2005), a qual pode causar alterações no ambiente do oviduto e do útero levando à morte
embrionária (WEBER et aI., 1993; HUNTER et aI., 2003).
A percentagem de ovócitos não fertilizados observada nos animais superovulados
também parece ter sido superior ao descrito na literatura para éguas com ovulações únicas. No
presente experimento, seis ovócitos foram recuperados de 14 éguas superovuladas,
representando 17,7% do total de estruturas recuperadas. São diversos os estudos que
demonstram que ovócitos não fertilizados geralmente são retidos no oviduto e que a taxa
média de recuperação varia de 3,6% (MCKINNON & SQUIRES, 1988; SQUIRES &
SEIDEL, 1995) a 12,9% (WILSON et aI., 1985). Entretanto, assim como ocorre em éguas
com ovulações únicas, os ovócitos podem passar para o ambiente uterino com o auxílio de um
embrião viável responsável pela produção de quantidades suficientes de PGE2 relaxando a
musculatura da parede do oviduto (ALLEN, 2001). No presente experimento, ovócitos foram
recuperados em 35,7% (5/14) dos lavados, sendo que em apenas um caso estes não se
encontravam acompanhados de outro(s) embrião(ões). A presença de estruturas não
fertilizadas no lavado, aparentemente não está relacionada à utilização de uma quantidade
insuficiente de espermatozóides. Da mesma forma a probabilidade de serem ovócitos de
outros ciclos é mínima, pois foi utilizado o primeiro ciclo da estação reprodutiva. Portanto, a
falha na fertilização pode ter ocorrido devido a disfunções no processo de maturação
ovocitária, associada aos tratamentos exógenos com gonadotrofinas que aceleram o
crescimento folicular, interferindo na aquisição da competência ovocitária. Como exemplo da
possível assincronia no processo de maturação ovocitária, uma égua do presente experimento
apresentou seis ovulações sincrônicas e, no entanto, produziu um Bi, três BI, um Bx e um
ovócito. Falhas na maturação dos ovócitos já foram descritas em vacas (HYTTEL et aI.,
1991; BLONDIN et aI., 1996) e em ratas superovuladas (SEMENOV et aI., 1986), mas ainda
são necessários maiores estudos em éguas.
A avaliação com as sondas fluorescentes veio apenas a confirmar o que foi observado
no microscópio estereoscópico. Todos os embriões obtidos das éguas do grupo controle
estavam viáveis, com poucos blastômeros apresentando perda da integridade da membrana
plasmática. Os embriões obtidos das éguas superovuladas também se mostraram viáveis, com
exceção dos três embriões que já foram classificados como degenerados na análise visual. Isto
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significa que o exame visual, realizado por técnico treinado, é suficiente para presumir a
qualidade dos embriões, sendo estes oriundos ou não, de éguas superovuladas.
O estudo ultra-estrutural mostrou que o tratamento superovulatório produziu embriões
que se desenvolveram adequadamente. Com o desenvolvimento da blastocele, a zona pelúcida
foi sendo substituída pela cápsula, informação cronologicamente compatível com o observado
por Flood et al. (1982). Neste experimento foi identificada uma grande quantidade de
glóbulos de lipídeos nos embriões classificados como Bx, os quais apresentavam células do
trofoblasto com formato cilíndrico. Estas observações discordam das de Flood et al. (1982)
que relataram que as gotas de lipídeos, presentes em embriões não expandidos, desapareciam
completamente com a expansão da blastocele, ao mesmo tempo que as células do trofoblasto
mudavam do formato colunar para cubóide em embriões com 500 a 1800 um, As variações
morfológicas encontradas podem estar relacionadas ao fato de que neste experimento foram
avaliados Bx com no máximo 800!lm obtidos no D8, enquanto que Flood et al. (1982)
descreveram embriões de 500 a 1800 um, coletados de sete a 14 dias após a ovulação. É
conhecido que durante o desenvolvimento os estoques de lipídeos são rapidamente
consumidos.
A evidente produção e transporte de material pelas células do trofoblasto, carreadas
pelas vesículas de pinocitose demonstra a intensa atividade celular característica de embriões
em crescimento. Tal fato é corroborado pela presença de figuras de mitose.
CONCLUSÃO
Os resultados obtidos neste experimento indicam que embriões coletados de éguas
superovuladas parecem apresentar viabilidade normal e morfologia microscópica e ultraestrutural compatível a de embriões obtidos de éguas não estimuladas por gonadotrofinas
exógenas. A recuperação de embriões degenerados pode indicar alterações do meio
intratubárico, as quais ainda precisam ser estudadas.
AGRADECIMENTOS
Bioniche Animal Health Inc., Canadá
Laboratórios Calier do Brasil Ltda, São Paulo, Brasil.
CAPES, pela bolsa de estudo.
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Recebido em: 02/02/2006
Aceito em: 08/11/2006
Peres, K.R. et a/o Análise da viabilidade e da ultra-estrutura de embriões obtidos de éguas superovuladas. Vet. e
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