Ao adormecer no metro

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Ao adormecer no metro
Muitas são as viagens que realizamos adentro das muitas outras que realizam
as nossas almas. O esforço é constante, prolongado, contínuo, mas tudo
aguentamos por amor à aventura, à loucura e à coragem de sermos humanos.
Numa tarde qualquer que se perdeu definitivamente na memória, o pintor
cansado sentou-se no metro.
O barulho imenso, o apinhado de gente incómoda, fechamos os olhos e
subitamente, num instante, evadimo-nos para um outro local sem espaço e
sem tempo. Desta feita o cansaço realizou o milagre e ajudou-nos a transpor
o véu interdimensional. Atingimos o lugar privilegiado dos Sonhos.
Tudo o que é vivo tem um Sonho e nós humanos Sonhamos …
O túnel escuro do metro começa a iluminar-se de clarões brancos potentes
que deixam rastros de cauda de cometa nas paredes fumadas. A cor começa
a iluminar as trevas que em breve e totalmente se transmutam em luz. Azul,
dourado, verde, violeta, amarelo e vermelho.
Aqui, para alem de vida existe Super Vida e aqui para alem de matéria existe
Super Matéria. É para lá que todos queremos ir. Sem cansaço, sem dor e
com beleza.
O pintor foi e encontrou a luz e aprisionou a luz e trouxe a luz para a sua
criação. Lá existe harmonia e paz, o pintor foi lá e trouxe harmonia e paz.
Por isso desta vez Carlos Mota traz-nos um objecto estético pleno de beleza
e “…posto em sossego”. Acabou-se a angústia xenófoba de “Territórios” –
na Super Vida não existem diferenças de cor de pele. E, agora não é mais
necessária a cadeira de rodas dos “Palhaços de Deus” - na Super Vida
locomovemo-nos no sonho. Atrás ficaram os territórios conhecidos, à frente
não existem mapas, está-se à beira de ter asas.
Não existem mais diferenças ou divisões, as rochas falam connosco, as
plantas transpiram amor e os troncos das árvores sabedoria. As memórias
são vivas e têm forma, as culturas têm luz, som e música. A Paz é uma
pomba e voa lado a lado com os peixes que nadam. Vogamos em outros
domínios da experiência cósmica. Livres de dor e de entropia vivemos para
além da lei da morte … poucas vezes porém, nós humanos conseguimos
aceder a este lugar de sonho/realidade que por direito nos pertence.
Atingimo-lo quando vemos o salto excêntrico dos golfinhos – carregados de
energia – cortam o ar e vão num momento que é Tudo à Super Vida.
Atingimo-lo de igual modo quando escutamos os pássaros cantarem de
manhã ou à noite, sempre ritmadamente à mesma hora. Sabedoria universal
que é Super Vida.
O pintor saturado dessa mesma visão dedica-se à obra da criação e tem
consciência que nós humanos somos responsáveis por manter o Sonho
cósmico, universal.
A luz suprema tenta plasmar-se e visitar a substância. É então que
ousadamente o pintor se apropria da tela, enche-a de cor e confere-lhe
volumetria.
Surgem “átomos” na matéria, surgem dinâmicas antes insuspeitas, surgem
Universos, e surgem cenários capazes de transmutar as anteriores coisas
pequenas da apenas vida.
Estamos a falar de Super Vida – azul, dourado, verde, violeta, amarelo e
vermelho.
A matéria já dominada passa a enquadrar-se no contexto saturado da Vida.
Falta a cor, a luz … pois estamos a falar de memórias deixadas em Sonho.
Carlos Mota trabalha a cor e todas as suas cambiantes possíveis. Surge um
“degrade” semelhante à escala musical e por isso estes quadros têm som. O
processo de criação desenrola-se e torna-se necessário utilizar linguagens
plásticas capazes de estabelecerem a ponte … simples instrumentos de
criação. Surgem simultaneamente expressões herdeiras do minimalismo
plástico e do barroco arquitectónico. Não sei como se podem conciliar as
duas formas de expressão artística, mas o pintor ousadamente consegue-o.
Os quadros socorrem-se de linguagens minimalistas na representação de
apenas a unidade. É o pleno retrato da Super Vida por inteiro, um universo
total que começa e acaba, que é alfa e ómega e consequentemente tudo
contem. Cada quadro vive por si só e não precisa de qualquer complemento,
nem que seja o do quadro seguinte. Nada, cada um é um nada que contem o
todo.
O Barroco! Dir-se-ia que podíamos encontrá-lo nas formas túrgidas das telas
… mas é mais do que isto. O Barroco aqui retoma todo o esplendor do efeito
cénico e toda a magia capaz de provocar espanto, surpresa e conduzir o
espectador ao domínio imediato do inesperado! Estamos perante janelas que
se debruçam directamente sobre o Sonho … e claro trazem inovação e
produzem impacto!
É assim que o pintor cria e vai um passo à frente dos restantes, porque tal
como no salto dos golfinhos e no canto dos pássaros na madrugada, ele
trabalha de forma autêntica e verdadeira a partir da esfera da Super Vida.
Por isso Arte é igual a Verdade e por isso estes quadros são Arte.
As portas do metro abrem-se na estação terminal, as sirenes de aviso cortam
o ar. À frente o túnel voltou a ser negro. O Artista adormeceu no metro!
Teresa Tomé
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