9CC>!( '! %( ^Ueb_<ciências psicologia @C9AE91DB91l@C93?CC?=ÂD931l@C93?@5417?791l>5EB?@C93?<?791l@C93?D5B1@91 JULHO C5D5=2B?TU" !#1^_)>¡# 14 anos Ce`\U]U^d_Uc`USYQ\ 99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\ 1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q BY_TU:Q^UYb_!!TUQW_cd_TU" !! ?bWQ^YjQ|z_*3\veTY_DQTUe4Q^YU\BYRUYb_ U:_c}<eYj=QbdY^cT_>QcSY]U^d_ www.atlanticaeditora.com.br neuro<ciências psicologia Sumário II JORNADA FLUMINENSE DE COGNIÇÃO IMUNE E NEURAL Academia Nacional de Medicina Rio de Janeiro, 11 de agosto de 2011 organização: Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro e José Luiz Martins do Nascimento EDITORIAIS As Jornadas sobre Cognição Imune e Neural como plataforma para a criação de uma nova neuroimunologia, Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, José Luiz Martins do Nascimento .......................................... 3 Cognição imune e neural - Encontros e desencontros? Vivian M. Rumjanek, Marcello André Barcinski ................................................................... 5 OPINIÃO Immunology and intentionality - Observing immunologists, Nelson Monteiro Vaz...................................................................................................... 11 ARTIGOS Psicofármacos para aprimoramento das funções cognitivas, José Luiz Martins do Nascimento, Gilmara de Nazareth Tavares Bastos ............................ 18 Plasticidade sináptica como substrato da cognição neural, Ricardo Augusto de Melo Reis, Mário C. N. Bevilaqua, Clarissa S. Schitine ........................ 27 A distinção entre o próprio e o não próprio pelo sistema immune adaptativo, Maristela O Hernandez, Jorge Kalil ................................................... 42 O mestre dos sonhos à casa torna: revisitando Freud, Sidarta Ribeiro.............................. 49 Reconhecimento do próprio pelo sistema imune inato, Marcello André Barcinski................................................................................................ 55 A redundante composição antigênica do universo biológico, o parasitismo e o desafio da tolerância aos auto-antígenos, Yuri Chaves Martins, Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro ........................................................... 60 Neurociência, a ciência do sistema nervoso: da descoberta do impulso nervoso ao estudo da consciência e a uma nova revolução tecnológica, Luiz Carlos de Lima Silveira, Manoel da Silva Filho, José Luiz Martins do Nascimento................................................... 80 2 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q neuro<ciências psicologia ISSN 1807-1058 Revista Multidisciplinar das Ciências do Cérebro Editor: Luiz Carlos de Lima Silveira, UFPA Editor associado: Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, Fiocruz Editor-assistente: Bruno Duarte Gomes, UFPA Presidente do conselho editorial: Roberto Paes de Carvalho, UFF Conselho editorial Álvaro Machado Dias, UNIFESP (Psicologia experimental) Aniela Improta França, UFRJ (Neurolingüística) Bruno Duarte Gomes UFPA (Fisiologia) Carlos Alexandre Netto, UFRGS (Farmacologia) Cecília Hedin-Pereira, UFRJ (Desenvolvimento) Daniela Uziel, UFRJ (Desenvolvimento) Dora Fix Ventura, USP (Neuropsicologia) Eliane Volchan, UFRJ (Cognição) João Santos Pereira, UERJ (Neurologia) Koichi Sameshima, USP (Neurociência computacional) Leonor Scliar-Cabral, UFSC (Lingüística) Lucia Marques Vianna, UniRio (Nutrição) Marcelo Fernandes Costa, USP (Psicologia Experimental) Marco Antônio Guimarães da Silva, UFRRJ/UCB (Fisioterapia e Reabilitação) Marco Callegaro, Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (Psicoterapia) Marco Antônio Prado, UFMG (Neuroquímica) Rafael Linden, UFRJ (Neurogenética) Rubem C. Araujo Guedes, UFPE (Neurofisiologia) Stevens Kastrup Rehen, UFRJ (Neurobiologia Celular) Vera Lemgruber, Santa Casa do Rio de Janeiro (Neuropsiquiatria) Wilson Savino, FIOCRUZ (Neuroimunologia) Neurociências é publicado com o apoio de: SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento) Presidente: Marcus Vinícius C. Baldo www.sbnec.org.br Atlântica Editora e Shalon Representações Praça Ramos de Azevedo, 206/1910 Centro 01037-010 São Paulo SP E-mail: [email protected] www.atlanticaeditora.com.br Editor assistente Guillermina Arias [email protected] Atendimento (11) 3361 5595 /3361 9932 E-mail: [email protected] Assinatura 1 ano (4 edições ao ano): R$ 160,00 Editor executivo Dr. Jean-Louis Peytavin [email protected] Diretor Antonio Carlos Mello [email protected] Direção de arte Cristiana Ribas [email protected] Todo o material a ser publicado deve ser enviado para o seguinte endereço de e-mail: [email protected] Atlântica Editora edita as revistas Fisioterapia Brasil, Fisiologia do Exercício, Enfermagem Brasil e Nutrição Brasil I.P. 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Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Editorial As Jornadas sobre Cognição Imune e Neural como plataforma para a criação de uma nova neuroimunologia Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro*, José Luiz Martins do Nascimento** Nesta edição de Neurociências apresentamos artigos referentes a comunicações realizadas por imunologistas e neurocientistas na II Jornada sobre Cognição Imune e Neural. Promovida pelo Instituto Oswaldo Cruz e pela Academia Nacional de Medicina (ANM), a Jornada ocorreu nos salões da ANM em 11 de agosto de 2011. As reflexões realizadas chamam a atenção para a necessidade de que cientistas dessas áreas pensem e escrevam sobre o tema “cognição” com as abordagens e paradigmas que usam em suas vivências cotidianas e repertórios de conhecimentos que norteiam seus pensares nas áreas em que atuam, com o intuito e a perspectiva de ampliar a agenda de debates sobre a maneira como os seres vivos aprendem e se adaptam ao meio em que habitam. Somos, todos nós, afetados pela (e nos queixamos da) falta de tempo para ler e nos manter atualizados com a literatura de nossa própria área e áreas afins. No entanto, são as contribuições de fora de nosso domínio estrito de atuação que, muitas vezes, se mostram decisivas para a mudança de paradigmas e o avanço conceitual. Ler os discursos de colegas laureados com o Premio Nobel de Fisiologia ou Medicina pode ser bastante útil para ilustrar essa realidade. Assim, para discutir o tema dessa Jornada, a idéia foi trazer contribuições sob a forma de ensaios que, embora descrevam conhecimentos acerca de variados temas transversais às ciências imunológica e neural, concernem tópicos apresentados e discutidos na Jornada potencialmente consideráveis como relativos à questão da cognição. Desse modo, os artigos publicados aqui, não guardam um ordenamento temático. Estudos voltados aos sistemas cognitivos, como as neurociências e as imunociências têm experimentado uma rápida transformação nos últimos anos, testemunhando revoluções sem precedentes na genética; biologias celular, molecular e do desenvolvimento; fisiologia celular; processamento de informação, proteômica e vários campos do conhecimento, relacionados ou não a questões cognitivas. Está Organizadores da II Jornada Fluminense sobre Cognição Imune e Neural, *Centro de Pesquisa, Diagnóstico e Treinamento em Malária, Fiocruz, *Laboratório de Neuroquímica Molecular e Celular, UFPA Correspondência: Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, [email protected], José Luiz Martins do Nascimento, [email protected] 3 4 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q claro que os processos moleculares são, em última analise, responsáveis pelos resultados finais que poderíamos rotular, simplificadamente, de determinantes de comportamentos do sistema no indivíduo e deste no ambiente. O atributo que talvez mais bem defina os sistemas cognitivos é que eles, além de complexos e altamente organizados em redes, envolvem mecanismos de resposta específica e geração de memória nas interações celulares e moleculares que resultam em fenômenos como consciência e processos autopoiéticos e que, vistos por observadores externos, podem ser considerados como “análises” e “interpretações” dos sistemas e estarem na origem da definição do indivíduo imune e neural. O entendimento de que o sistema imune, como o nervoso, é organizado em redes (idiotípicas em vez de neurais) produziu impacto em cientistas, que puderam: a) entendê-lo como capaz de fazer seu autoreconhecimento e exercer um permanente controle interno de seu estado de ativação; e b) pensá-lo como dotado de circuitos que criam e trocam informações com plasticidade, de forma dependente do repertório de vivências imunológicas individuais e determinante das modalidades de interação do individuo com seus ambientes. Fica para trás a idéia de um sistema imune voltado para o mundo externo, funcionando como um exército e com finalidades diagnosticadas (por nós) no contexto de metáforas defensivas. Portanto, essa é a segunda coletânea de palestras oriundas de uma Jornada sobre Cognição Imune e Neural (as palestras da primeira Jornada foram publicadas em: Neurociências vol 5 número 4 – out/dez de 2009) envolvendo imunologistas: Marcello André Barcinski e Claúdio Tadeu Daniel-Ribeiro (IOC/Fiocruz); Jorge Kalil (Inst. Butantan/USP); Nelson Monteiro Vaz (ICB/UFMG) e neurocientistas: José Luiz Martins do Nascimento e Luiz Carlos de Lima Silveira (UFPA), Sidarta Ribeiro (IC/UFRN); Ricardo Augusto de Melo Reis (IB/UFRJ) de atuação diferenciada em sua áreas de competência. Ela se firma como uma ferramenta potencialmente útil para o debate e ponto de convergência para a identificação de temas, conceitos e paradigmas comuns nos (que reconhecemos como) processos cognitivos dos sistemas imune e neural. Pensamos que tal abordagem pode estar na origem da criação de uma neuroimunologia cognitiva. Boa leitura ! Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Editorial Cognição imune e neural Encontros e desencontros? Vivian M. Rumjanek*, Marcello André Barcinski** A pesquisa multidisciplinar está na ordem do dia já há muitos anos. A pesquisa transdisciplinar é mais jovem e a translacional é quase recém-nascida (a não ser que consideremos que Carlos Chagas e Oswaldo Cruz já a faziam desde o início do século passado, com outro nome). Muitas são as estratégias de indução para a formação de grupos fazendo ciência como descrito acima. Estas vão desde a simplória solução de passar a chamar de Programas os antigos Departamentos até a criação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia agregando grupos das diferentes áreas do saber. Outros, como o da presente reunião, fazem algo intermediário: colocam juntos, em um simpósio, pesquisadores que trabalham em temas que se quer ver agregados. Falta agora uma avaliação crítica bem feita para que efetivamente se saiba quais foram os impactos destas medidas no avanço da nossa ciência. Na ocasião da 2a Jornada Fluminense sobre Cognição Imune e Neural tratou-se de dar continuidade à idéia de Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, secundado primeiro por Luiz Carlos de Lima Silveira e depois por José Luiz Martins do Nascimento de unir neurocientistas e imunologistas para buscar visões diversificadas e ao mesmo tempo propiciar uma aproximação entre as duas áreas. Com esse espírito foram realizadas duas Edições da Jornada em 2009 e 2011. A relação entre os sistemas Nervoso e Imune, com o aparecimento de diversas neuroimunlogias foi mencionada anteriormente nesta mesma revista [1]. Historicamente a relação é antiga. Em 1927 Ivan Petrovich Pavlov publicou o livro Conditioned Reflexes: An Investigation of the Physiological Activity of the Cerebral Cortex, na versão traduzida por Anrep, em que Pavlov expunha seu trabalho de mais de 25 anos. Sob o impacto da Teoria da Evolução e das descrições de Pavlov, outro russo Serguei Metalnikov percebe que, sob o ponto de vista evolutivo, um aprendizado associativo neuroimune faria sentido como uma *Instituto de Bioquímica Médica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, **Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz Correspondência: [email protected], [email protected] 5 6 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q maneira de responder de forma eficaz a agentes infecciosos potencialmente patogênicos. Segundo ele, o reflexo condicionado descrito por Pavlov estaria também presente nas respostas imunes. Em 1926 publica com Chorine os resultados de experimentos que realizou mostrando que condicionando animais com diferentes estímulos, por exemplo, coçando as costas dos mesmos, e associando esse estímulo a injeções de patógenos era possível aumentar a sobrevivência dos animais e a quantidade de anticorpos produzidos [2]. Esse tipo de experimento foi reproduzido nos anos subsequentes por Nicolau e Antinescu-Dimitriu em 1929 e Ostravskaya em 1930, até serem gradativamente esquecidos e re-descobertos por Ader e Cohen na década de 1970. Mas dentro do escopo de cognição, o próprio reflexo condicionado é visto, dependendo da linha, como envolvendo ou não uma atividade cognitiva. Para esta Jornada foi sugerido que a discussão não resvalasse para receptores e mediadores comuns aos dois sistemas, ou sobre a influência de um sistema sobre o outro, mas discutíssemos, com o auxílio de exemplos das áreas de atuação de cada expositor, o que cada grupo entendia por cognição. Padronizar definições de termos científicos não é tarefa fácil (principalmente não se tratando de uma reunião sobre nomenclatura). Homogeneizar conceitos é ainda mais difícil. A primeira pergunta que fica é se a normatização é indispensável ou se dá para conviver e trabalhar juntos, desde que cada um dos atores saiba qual é a interpretação de um dado conceito adotada pelo colega de outra disciplina. A imunologia se apropriou de muitos termos das neurociências, mas será que conceitualmente eles se equivalem? Se procurarmos por sinapse encontraremos em torno de 50.000 artigos sobre a sinapse nervosa e de 650 sobre a sinapse imunológica; mais de 51.000 artigos sobre memória (envolvendo o sistema nervoso) e mais de 18.000 sobre memória do sistema imune; finalmente, artigos sobre cognição no sistema nervoso na ordem de mais de 35.000 e no sistema imune cerca de 600. Não há dúvida que tendo nascido nas neurociências esses termos sejam menos frequentes quando abordamos o sistema imune. Mas, será que os próprios neurocientistas concordam entre si sobre o que consideram cognição? Isso não parece ser o caso, como veremos nas discussões que se seguem. Entre os participantes da Jornada havia desde aqueles que consideram que cérebro e pâncreas tem a mesma capacidade cognitiva (o que gera a dificuldade de caracterização da “dualidade mente/pâncreas”) até os que sugeriram que tentássemos nos limitar a estender e aplicar aos sistemas imune e nervoso o entendimento de cognição expresso no dicionário [Houaiss 1ª edição (1-ato ou efeito de conhecer; 2-processo ou faculdade de adquirir um conhecimento; 3-Derivação: por extensão de sentido, percepção, conhecimento)] Ainda dentro das neurociências, a disputa entre emoção ser ou não ser uma atividade cognitiva ilustra este aspecto [3] e mostra a dificuldade das definições. Uns consideram a percepção produzindo uma resposta como um processo cognitivo, outros consideram como cognição o processamento do estímulo pós-perceptual. Nelson Vaz, o primeiro palestrante levantou imediatamente a questão “do que entendemos como cognição?” [4]. Vaz já discutiu em diversas ocasiões que a imunologia clonal, resultado da expansão de clones de linfócitos não relacionados entre si, em que a memória imunológica resultaria do aumento da frequência de clones de linfócitos reativos a um determinado antígeno, sofre da dificuldade de explicar a regulação desse modelo, que necessitaria de mecanismos de regulação para regular a própria regulação [5]. Ele sugere a necessidade de uma organização resultante de uma conservação de relações internas ao organismo. A especificidade imunológica, normalmente atribuída em relação a um agente externo, seria, na verdade, conferida por nós, observadores. As células e moléculas Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q que participam do que classificamos como sistema imune, fazem o que podem fazer, e, nesta abordagem, as entidades cognitivas na imunologia seriam os imunologistas. Essa é uma forma de pensar bastante influenciada pelos neurobiólogos Humberto Maturana e Francisco Varela. Segundo eles, cognição pode ser atribuída a todos os seres vivos, com e sem sistema nervoso e a atividade neurobiológica é tratada por eles como “não-cognitiva”. O sistema nervoso, assim como o sistema imune seriam, cada qual, uma rede fechada, que sofre perturbações em seu contacto com o organismo e modifica a sua estrutura em compensação a essas perturbações. Dentro dessa moldura conceitual, não existe “reconhecimento”, ao se intervir com uma célula afetam-se todas as demais que se re-organizariam dentro de modificações compensatórias possíveis dentro desse sistema. Mas voltando ao ponto da reunião, o que seria cognição? Segundo Ricardo Reis [6] “o termo cognição pode ser definido como o ato de adquirir conhecimento, ou a faculdade de conhecer”. Na sua abordagem, ele focalizou a plasticidade sináptica sob o ponto de vista de moléculas e receptores envolvidos, da morfologia celular e de novas redes com a geração de novos neurônios. A importância biológica do processo cognitivo não foi o ponto de discussão, mas sim, como o sistema nervoso, que é o foco de seu trabalho, pode modificar-se para se adaptar às mudanças enfrentadas durante todo o desenvolvimento do indivíduo. Discutiu-se mudanças morfológicas em estruturas que se transformam em espinhas dendríticas aumentando a possibilidade de chegada de informações excitatórias e o dinamismo de estruturas pré e pós-sinapticas. Um outro elemento, trazido à tona, foi a neurogênese adulta que acontece em primatas, incluindo o homem. Neste caso observa-se uma circularidade, por exemplo, a neurogênese no hipocampo participa dos processos cognitivos de memória e aprendizagem, e, por outro lado o aprendizado leva a geração de novos neurônios. Todos esses processos sofrem influência de vários fatores e hormônios. Entre outros dados, o grupo de Ricardo Reis demonstrou como as ampacinas, compostos pró-cognitivos, são capazes de regular a neurogênese in vitro. A possibilidade de melhorar funções cognitivas foi o tema discutido, em seguida, por José Luiz Martins do Nascimento [7]. Por funções cognitivas ele define “habilidades intelectuais que envolvem pensamento, percepção, atenção, linguagem, memória, aprendizagem, criatividade, raciocínio lógico” e a apresentação discorreu sobre fármacos nootrópicos e seu uso indiscriminado por pessoas saudáveis sem déficit cognitivo. Sem esquecer de lembrar sua importância em pacientes com Alzheimer, Parkinson, coreia de Huntington, demência senil, déficit de atenção e hiperatividade entre outras doenças neuropsiquiátricas. O uso de psicofármacos cresceu com o aumento do nosso conhecimento sobre circuitos neurais, eventos celulares e moleculares, fazendo dos diferentes tipos de sinapses o alvo biológico de escolha. Dentre esse grupo discutiu-se o metilfenidato, o modafinil, as ampacinas e a memantina. No entanto, outros alvos biológicos foram mencionados entre eles fármacos que atuam na vascularização, drogas que atuam no metabolismo celular, e substâncias que atuam na transdução de sinal. Um maior conhecimento das funções cognitivas do cérebro está permitindo que se interfira e se regule essas funções. Até em torno dos anos 90 do século XX o processo cognitivo era identificado com o estado de consciência, levantando dúvidas sobre se em um estado inconsciente como o sono haveria o envolvimento do processo cognitivo [8]. Sidarta Ribeiro prendeu-se menos à discussão sobre cognição per se e trouxe a baila o fato que graças a novas abordagens de neurociências e psicologia experimental é possível atualmente reexaminar algumas proposições freudianas [9]. A dicotomia do mundo consciente e inconsciente foi levantada. Com isso discutiu-se a importância do sono como consolidador de memórias e aprendizado, 7 8 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q mostrando como a reativação neural durante o sono leva não só a um processamento neurofisiológico, mas também, a expressão gênica diferenciada. E, nesse caso o processo cognitivo pode ocorrer de forma inconsciente. O aspecto abordado se referiu mais ao processamento da informação e consolidação da memória, levando consequentemente à adaptação da resposta. Esses tipos de estudo só foram possíveis com o conhecimento atual em neurociências. Esse caminho para conhecer melhor as propriedades e organização do sistema nervoso, foi bastante longo, mas nos últimos anos a velocidade de informação adquirida já nos permite sistemas de obtenção de imagens do cérebro em funcionamento. Uma história detalhada desse desenvolvimento foi transmitida por Luiz Carlos de Lima Silveira [10]. Ele também falou sobre “Consciência”, como um aspecto fundamental da compreensão da existência, integrando a noção do “eu”, e a pergunta envolvida é se haveria “alguma maneira de registrar a atividade consciente, ou seja, usar algum tipo de neuroimageamento cuja análise revele exatamente o que um ser humano esteja pensando”. Várias questões foram levantadas e foram discutidas inclusive dentro do enquadramento da hipótese do centro dinâmico de Edelman [11] o qual propôs uma teoria biológica sobre a Consciência, a qual procura associar determinados tipos de processos neurais às propriedades chaves da experiência consciente. Sugere que a consciência não é uma propriedade de uma localização específica ou tipo de neurônio mas o resultado de interações dinâmicas entre neurônios, dependendo da complexidade dessas interações e do nível de integração entre esses complexos neuronais. O fato de Edelman ter estado envolvido em um ambiente em que as teorias imunológicas estavam sendo formuladas (ele recebeu o Prêmio Nobel pela estrutura da imunoglobulina) talvez tenha pesado na sua conceituação de interação de dois níveis de organização nervosa uma responsável por categorizar estímulos externos e outra responsável pelo controle homeostático, ambas em constante interação [12]. Para grande parte dos imunologistas a abordagem conceitual enquadra-se na dicotomia do sistema reconhecer entre o “próprio” e o ”não próprio”, e esse ponto foi discutido em algum momento por todos os palestrantes da área, mesmo definindo que esse conceito não resistiu à prova do tempo. A semelhança genômica e proteômica entre vários seres vivos e o homem, dificultando muito a noção de “próprio” e “não próprio”, foi discutida por Claudio Tadeu Daniel-Ribeiro [13]. O conceito de mimetismo molecular infere que parasitas com estruturas homólogas àquelas de seus hospedeiros garantiriam a sua sobrevivência não somente por escaparem a uma resposta imune, mas, também, por reconhecer e responder a sinais fisiológicos presentes no meio. Devido à grande homologia encontrada entre microrganismos (patogênicos ou não) e a nossa espécie, existe a possibilidade de autorreatividade e a de indução de patologia resultante dela. Está claro que o fenômeno denominado “tolerância imunológica” está envolvendo reatividade, resultando em uma resposta altamente regulada, no caso aos antígenos parasitários assim como a todos os elementos integrantes do organismo. A cognição sob o ponto de vista imunológico envolveria reconhecimento (um processo perceptivo) e memória imunológica (envolvendo processamento e mudanças prévias). O sistema imune é um sistema altamente redundante, com vários pontos de controle envolvendo interações celulares e moleculares e seria seu desequilíbrio que, mais do que a existência de antígenos comuns entre microorganismos e seus hospedeiros vertebrados, poderia desencadear reatividade patológica e doença. A complexidade do sistema imune envolveria a formação de uma memória imune adaptativa, não dependente de circuitos neurais, mas formada por células do sistema imune e moléculas capazes de interagir entre si. Exemplos claros do mimetismo molecular desencadeando doenças autoimunes foram Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q discutidos por Jorge Kalil [14]. A semelhança entre moléculas do Streptococcus pyogenes e a miosina cardíaca pode ser determinante para desencadear reações auto-imunes na febre reumática e na doença reumática do coração. Outro exemplo foi o da infecção pelo protozoário Trypanosoma cruzi produzindo uma resposta capaz de reagir com protozoário e com miosina cardíaca. Isso ilustra claramente a reatividade contra nossas próprias estruturas e a necessidade de vários mecanismos de controle central e periféricos para manter a tolerância imunológica. Um conhecimento mais aprofundado de como ocorre essa regulação permitiria um controle da autoimunidade. O conceito original do reconhecimento imunológico, entre o próprio e o não próprio, envolvia especificidade e receptores clonais em linfócitos. Essa discriminação representaria o processo de cognição do sistema imune adaptativo. No entanto, existe um sistema paralelo, que recebeu a denominação de imunidade inata, que permite a identificação de padrões moleculares presentes em microorganismos patogênicos (PAMPs) e de padrões moleculares associados a perigo, isto é, moléculas provenientes de células que sofreram traumas ou injurias (DAMPs). Neste sistema a dualidade permanece, como discutido por Marcello Barcinski [15], os PAMPs equivalem aos ligantes exógenos e os DAMPs aos endógenos. No entanto, quando se trata de doenças o eixo se desloca. A discriminação passa a ser realizada em uma primeira instância por células consideradas por anos pelos imunologistas como “células acessórias” como macrófagos, células dendríticas e neutrófilos, e não pelos linfócitos com seus receptores recombinados. O reconhecimento de estruturas como PAMPs e DAMPs induziriam processos inflamatórios e/ou imunoprotetores capazes de modular o dano tecidual. Com Alberto Nóbrega, voltamos a uma tentativa de integrar sistemas. Ele apresentou a visão de Jacques Monod sobre a regulação alostérica, segundo o qual esta constitui o cerne da regulação metabólica de todo ser vivo, uma vez que a regulação enzimática por alosteria não depende do produto ou substrato, podendo ser efetuada por qualquer tipo molecular que atue sobre o sítio regulatório da enzima, conferindo uma extrordinária “liberdade” ao processo evolutivo para criar redes metabólicas complexas e arbitrarias, através de mutações dos sítios regulatórios. Alberto observou como o conceito de Monod sobre a alosteria molecular se estende naturalmente para uma “regulação alostérica generalizada” entre diferentes tipos celulares que constituem os organismos metazoários, cada célula considerada agora como uma “unidade alostérica generalizada”, que é regulada por centenas/milhares de ligantes. Nesse caso, a complexidade da regulação aumenta de forma exponencial quando passamos das unidades moleculares para as unidades celulares, capazes de gerar todo um organismo com suas complexas redes metabólicas e celulares. As redes neurais seriam construídas essencialmente de modo equivalente às redes alostéricas generalizadas, de tal modo que as simulações computacionais de ambas apresentam um isomorfismo algorítmico. Alberto sugeriu que esta equivalência poderia ser considerada como elemento definidor do processo cognitivo dos sistemas biológicos, variando conforme o grau de complexidade das redes regulatórias. No organismo biológico existem subsistemas incluídos no sistema maior que forma o todo. No caso do sistema imune, Alberto sugeriu que o complexo principal de histocompatibilidade desempenhe o papel de elemento regulador alostérico. Afinal, o que entendemos por cognição? O fato de ser uma Jornada, e por definição restrita a um dia de duração, não permitiu a reflexão e o debate que o tema propiciava de forma exaustiva. No entanto, as Jornadas vêm, desde a sua primeira edição em 2009, chamando a atenção para a necessidade desse debate e se tornando um fórum para que ele ocorra. 9 10 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. Daniel-Ribeiro CT. Neuroimunologias. Neurociências 2009;5:3-5. Metalnikov S e Chorine V. Rôle des réflexes condicionnels dans l’immunité. Annales de l’Institut Pasteur 1926;40:893-900. Leventhal H e Scherer K. 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Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Opinião Immunology and intentionality – Observing immunologists Imunologia e intencionalidade – Observando os imunologistas Nelson Monteiro Vaz Abstract When we consider the immune system as a cognitive system, as most immunologists do, our questions and the criteria we use to validate the answers to these questions, will inevitably follow what we understand as cognition. An alternative is to ascribe cognition to what immunologists do when they operate as human observers and generate descriptions of immunological activities. In this uncommon way of seeing, which I prefer, we ascribe the specificity of immunological observations to what we do as humans observers operating in human language, rather than to what cells and molecules, such as lymphocytes and immunoglobulins, do as components of the immune system. In this alternative way of seeing, we, immunologists, are the true cognitive entities in immunology. Médico, Doutor em Bioquímica e Imunologia, Professor emérito de Imunologia, Instituto de Ciências Biológicas (ICB), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Position paper to: II Jornada Fluminense de Cognição Imune e Neural, Academia Nacional de Medicina, Rio de Janeiro, 11 de agosto de 2011 Correspondência: Departamento de Bioquímica e Imunologia, ICB-UFMG, Caixa Postal 486 Pampulha 30161-970 Belo Horizonte MG, Fax: (31) 3499-2640, E-mail: [email protected] 11 12 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Oral tolerance In the late 1970s, I was heading a small laboratory at CARIH (Children’s Asthma Research Institute and Hospital) associated to the University of Colorado, in Denver. Together with Donald G. Hanson and Luiz Carlos Maia, I had literally bumped into a phenomenon presently know as “oral tolerance”, which consisted in a drastic reduction of specific antibody formation - i.e. of lymphocyte specific responsiveness - to proteins previously ingested as food [1,2]. All animals eat thousands of different proteins and many other proteins produced by the intestinal microbiota; would all the responses to these proteins be also blocked? This leads to a picture that simply didn’t fit - and it still doesn’t - standard immunological understanding. We were fabbergasted. In the more than 30 years that separate us from those findings, “oral tolerance” has generated many hundreds of publications, but is still poorly understood [3]. Current interpretations argue that oral tolerance regulates immune responses initiated at the gut because, otherwise, progressive (secondary-type) immune responses would generate inflammatory bowel diseases (IBDs) [4]. Although it is correct to believe that oral tolerance prevents IBDs, this cannot explain its nature or evolutionary origin [5-7]. Enters Francisco Varela Simultaneously with our encounter with “oral tolerance”, I had another unforeseen encounter: a fascinating meeting with the young Chilean neurobiologist, Francisco Varela, who I immediately invited to our laboratory and stayed with us for about one semester. For Francisco, unaware of the immense changes this demanded from immunologists, “oral tolerance” represented the natural insertion of the organism in its antigenic environment. I was then unaware that, although quite young, Francisco was already famous as a neurobiologist and “cognitive scientist”, praised by Gregory Bateson and other giants on the field. I was also unaware of the existence of Humberto Maturana, who had been Francisco’s mentor and main collaborator. Francisco summarized and simplified his epistemological (cognitive) approach in a publication in Co-evolution Quartely, presented as a conversation with Donna Johnson, entitled “Observing Natural Systems”. In that paper, he dealt with the identity of systems, their wholeness - Varela’s main interest throughout his career - and claimed that the wholeness of systems may be perceived when we figure their organizational “closure”, i.e. when we see that, as compound unities (as systems), they are circularly or more elaborately turned into themselves [8]. With these and other arguments, Francisco introduced me to the notion of systems as “closed” networks. Coincidentally, Niels Jerne, a leading immunologist of the time, who I greatly admired, had recently published his theory explaining immunological activity as derived from the operation of immunological networks, created by anti-antibodies (anti-idiotypic antibodies) [9]. Antigen-induced antibodies generated anti-antibodies which were sustained each other in a complex interconnected network; this network embodied the immune system. This was very similar to what Francisco was telling and Jerne’s initiative could represent a major theoretical breakthrough, beyond clonal explanations of immune activity. Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Francisco and I wrote a paper arguing that Jerne’s paper, although utterly important, was incomplete, exactly because it lacked the notion of “closure” (systemic organization), which Francisco deemed as essential in the description of any system [10]. We sent the paper to Jerne, who praised it. Actually, Jerne himself, had formerly claimed that: “...we must now accept that the immune system is essentially “closed” or self-sufficient in this respect” (in its recognitions and activations) [11]. This statement appeared in Jerne’s internal report as Director of the Basel Institute for Immunology but, to my knowledge, was never published elsewhere. Actually, Jerne’s main paper lacked this idea of “self-sufficiency”I [9]; he refers to “a revolutionary new idea that would change immunology as a whole”, but fails to describe this idea explicitly. It could not be the idea of (anti-idiotypic) anti-antibodies - the links in the immune network -, because these connections could not be all equal. I believe, as Varela also did, that this missing idea was actually the idea of “closure”, or, more simply, the idea of the inner organization which embodies the wholeness of systems. Without the idea of an invariant organization (of a “closure” onto itself) the idea of anti-antibodies is confusing, rather than clarifying. Thus, we wrote “Self and nonsense: an organism-centered approach to immunology”. It was rejected by the European Journal of Immunology as “too theoretical” - which, of course, it indeed was - and we published it in Medical Hypotheses [10]. In addition to its network aspect, our paper was also devoted to “oral tolerI Which is not the idea of organizational “closure”, but rather a step in a similar direction. ance”, or the drastic inhibition of immune responsiveness to previously ingested proteins. The analysis of “oral tolerance” turned out to be a lifelong objective in my own laboratory, but was abandoned by Varela in his future association with immunological research, in Antonio Coutinho’s laboratory at the Institute Pasteur, in Paris (more on this below). In retrospect, then, I had stumbled on a surprising phenomenon that nobody understands (“oral tolerance”) through which immune responses to foreign proteins is drastically reduced. We could transfer this “tolerance” from “tolerant” mice to normal mice with T-lymphocytes [12]. Thus, rather than being a selective subtraction of immune responsiveness, oral tolerance added to the immune system something we didn’t understand. Concomitantly, through the arguments of Francisco Varela, I was convinced that the immune system operated as a “closed” network of lymphocyte and antibody interactions. Immunologists are mainly concerned with self/nonself discrimination, but our paper described the immune system as a “closed” network of interactions, such that whatever fell outside this “closed” domain, was simply nonsensical. Moreover, the very notion of anti-antibodies (anti-idiotypic antibodies) [9], that provides an abundant internal connectivity of antibodies and lymphocytes, denied in itself the idea of self/nonself discrimination - although Jerne was never clear on this point. We also claimed that, in “oral tolerance”, the immune network assimilates proteins encountered as food or as products of the gut flora. Thus, in addition to the attempt to add the notion of organizational “closure” to Jerne’s (idiotypic) network [9], we proposed that physiological contacts with potential antigens involved an assimilation, rather than 13 14 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q a rejection of these materials [10,13]. This was a second very important point. Varela, Coutinho & Stewart In his subsequent association with immunologists, Varela totally neglected the relevance of “oral tolerance” [14]. Curiously enough, he was also able to maintain a close collaboration with Coutinho for many years, in spite of Coutinho’s explicitly denial of the concept of closure: “I did not agree (and I still do not agree today, despite many discussions with Nelson Vaz) that their (Vaz-Varela) central claim was right. I continue to think that a ‘decision-making behavior’ naturally emerges from the immune system’s development, structure and operation, allowing for the differential treatment of molecular shapes it identifies either as ‘self’ or ‘nonself.’” [15]. However, in our paper we explicitly claimed that: “... the transformations of the cognitive domain of the immune network in an organism’s ontogeny are a combination of its recursivity (its closure) and the fact that it is exposed to random perturbations or fluctuations from the environment (its openness). In other words, it exhibits self-organization, the transformation of environmental noise into adaptive functional order, in a manner similar to many other biological systems such as cells, nervous systems, and animal populations.” [10]. Coutinho confounded the idea of “closure” with solipsism and insisted to ‘put the network back into the body’ although Varela himself was careful in explaining that, although ‘closed’ in its organization, the system is ‘open’ for intractions [8]. I can only ascribe the conciliation of these opposing views to Varela’s great personal talent in establishing associations with other scientists. Here we touch a delicate point because, in his collaboration with Coutinho and Stewart, Varela added an important collection of new findings to immune networks, but his ideas on organizational closure remained in a low key. What was at stake then? What was behind the titles of Varela’s papers, such as: “What is the immune network for?” [16]; or, “Immuknowledge: The immune system as a learning process of somatic individuation” [17]? A hint to what might have happened derives from their proposal to divide immune responsiveness into two immune systems, called CIS and PIS [18]. A central immune system (CIS) would roughly correspond to Jerne’s idiotypic network, i.e., to a systemic description; and a peripheral immune system (PIS) was responsible for lymphocyte clonal expansions in specific immune responses, as traditionally studied in immunology - actually, a separation between “local” and “global” events as is common in connectionist approaches to cognitive sciences [19]. In our way of seeing, there is only one immune system, but different ways of seeing and describing its activity. But, as it was standard in Varela’s approach to cognition, the human observer, its operation in language and its way of seeing remained hidden. This is in sharp contrast with Maturana’s attitude, who always tries to make explicit the different phenomenal domains which may be described by the observer in his actions in human languaging [20,21]. As almost everybody else, Varela conceived the immune system as a cognitive system, a self with a defined identity [22]. Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q In his own words, his main interest was the emergence of cognition, which he saw emerging everywhere [23]. On the other hand, for Maturana, cells, organs, etc. are totally blind (in cognitive terms) to their respective media; only organisms, as wholes, are capable of “effective actions” that we identify as cognitive actions [20]. In Maturana’s publications and presentations, the presence of the human observer and the importance of human languaging in the construction of what is experienced as real, are always made explicit. The characterization of separate domains of description, which are typical of the context established by Maturana in his Biology of Cognition and Language, which is minimized in Varela’s work, is totally absent from current immunological literature. Enters the immunologist as an observer Describing a cognitive immune system is quite different from claiming that the immunologist arbitrates which phenomena are specific and which are not, tracing a boundary between antibodies and unspecific immunoglobulins, as Jerne [24] and Talmage [25] did in the not so distant past. As a consequence, descriptions of immunological activities based on Varela’s ideas, or based on Maturana’s ideas, are significantly different. I have recently expanded this discussion and argued that the specificity of immunological activity resides in immunological observations, i.e. that the specificity derives from what we immunologists do as human observers, operating in human languaging [26]. That this specificity is not inherent to lymphocytes of antibody molecules is (or should be) consensual among immunologists and has been treated as “degeneracy” [27] or “polyspecificity” [28]. But, to my knowledge, no one has ascribed immunological specificity to what we do, as languaging humans, because this may be understood as solipsism and scientists insist to be dealing with an objective observer-independent reality. Maturana advise us about a reality [in parentheses] that depends on the history of the human observer, a kind of ‘inter-subjectivity” we can build among ourselves with our actions and beliefs [21]. Demise and resurrection of immune networks The prolonged association of Varela with frontier reasearch in immunology in Coutinho’s laboratory brought forth truly systemic ideas, mathematical formalism and computer modelings to the idiotypic network, which were all lacking in Jerne’s proposal [9] almost two decades before. Coutinho had been an important collaborator of Jerne at the Basel Institute and produced an impressive array of experimental evidence in favor of the network model both before, during and after the association with Varela [29]. The 1980s coincided with abundant experimental and theoretical investigations on immune networks, leading to the publication of about five thousand papers. This, however, had a negligible impact on the main questions of immunology and the interest in networks gradually waned and disappeared from sight [30]. Why this happened? Because only the wrong questions were made, i.e. anti-idiotypic antibodies were seen as subsidiary means to “regulate” immune responses, when actually the idea of circular networks (systems) should totally replace ‘cause/effect’ (sti- 15 16 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q mulus/response/regulation) frameworks. Perhaps the interest in immune networks will resurrect when the right questions are finally made. I foresee different, yet compatible, pathways to this end. In one pathway, we should continue and improve our analysis of immune networks paying special attention to their robust stabilizing mechanisms and try to define their invariant organization - amid a ceaseless structural change; i.e., we should find the relations which are kept constant while the individual components are replaced by equivalent ones. This is already being done in several laboratories [31,32]. Another, more radical pathway involves recognizing the immunologist as the human observer responsible for his observations and for the configuration of his realities. Immunologists have configured many different realities. In clinical and experimental laboratories, in spite of their degeneracy or polyspecificity, antibodies have been used as if they were invaluable specific biochemical reagents, which seem to be tailor-made by living organisms to fit the most diverse configurations. We should not confuse the use of antibodies as biochemical reagents, with the emergence of natural immunoglobulins and their spontaneous organization in robustly stable cellular and molecular networks. Organisms produce immunoglobulins which we, as human observers, may (legitimately and profitably) use as specific reagents in thousands of different applications. The aim of basic immunologists is to investigate the organization of these networks, not the production of specific antibodies, because the organism does not produce antibodies: it produces immunoglobulins that we may use as if they were specific antibodies. If this minimally fulfill my expectations, we may finally abandon the idea of immune systems as “cognitive” systems, endowed with a memory and the ability to recognize foreign substances, as epitomized by Capra in his article “The immune system: our second brain” [33]. Acknowledgments I am grateful to Roger Harnden for discussing these ideas. References 1. 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Drogas inteligentes ou também chamadas de nootrópicas, que incluem modafinil, metilfenidato, propanolol e ampacinas, tornaram-se populares, porque elas podem aumentar atenção, sociabilidade, habilidade de lembrar eventos e performance cognitiva. Essas drogas podem variar em suas ações, propriedades fisiológicas e psicológicas e outras consequências imprevisíveis. Palavras-chave: memória, atenção, cognição, drogas nootrópicas, alvos moleculares Abstract Modern neuroscience has begun to identify neuronal circuits and molecular/ neurotransmitter events on synapse formation related to cognitive performance. Molecular and cellular changes are the basis to understanding many neurological and psychiatric disorders. This knowledge is important to development of molecular therapies. Smart or nootropic drugs which included modafinil, methylphenidate, propanolol and ampakines, have become popular, because they enhance attention, sociability, ability to remember events and cognitive performance. These drugs may differ in their pharmacological properties, physiological and psychological effects and unpredictable consequences. Key-words: memory, attention, cognition, nootropic drugs, molecular targets. *Professor Associado III do Instituto de Ciências Biológicas, Laboratório de Neuroquímica Molecular e Celular, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, **Professora Adjunta I do Instituto de Ciências Biológicas, Laboratório de Neuroinflamação, Universidade Federal do Pará Correspondência: José Luiz Martins do Nascimento, Laboratório de Neuroquímica Molecular e Celular do Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Pará, 66075-110 Belém PA, E-mail: [email protected]. Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Introdução A palavra performance e/ou aprimoramento está em evidencia. Para isso, existem diversas maneiras para aumentar o desempenho. Na prática esportiva em grandes competições o uso de anabolizantes é de uso comum, o Viagra vem sendo usado em grande escala, inclusive entre jovens para melhorar a performance sexual. Nessa ultima década, uma demanda da sociedade que vem aumentando exponencialmente o seu consumo são os aprimoradores de cognição. Existem diversas maneiras de aprimoramento do cérebro, tais como ambiente enriquecidos, dietas alimentares, vitaminas, exercícios físicos e os psicofármacos que são bastante utilizados na atualidade. A razão para seu uso indiscriminado é que supostamente espera-se uma ação mais rápida dessas drogas, na medida que possam induzir modificações estruturais e funcionais nas sinapses centrais envolvidas nas redes cognitivas [1, 2] Habilidades intelectuais que envolvem pensamento, percepção, atenção, linguagem, memória, aprendizagem, criatividade, raciocínio lógico, são ditas funções cognitivas [3]. Essas funções supostamente podem melhorar o seu desempenho pelo uso de fármacos chamados de neuroaprimoradores ou nootrópicos. Essas drogas podem variar em efeitos fisiológicos, psicológicos e em suas propriedades farmacológicas [3-5]. Drogas neuroaprimoradoras, que incluem modafinil, metilfenidato, propanol, amapacinas, memantinas, atomoxetina, anfetaminas, piracetam, entre outras, foram usadas inicialmente com o intuito de restaurar algumas funções cognitivas e déficit de memória em pessoas envelhecidas e em doenças neurodegenerativas [2]. Por essa conduta terapêutica, esses fármacos tornaram-se populares entre jovens saudáveis que os usam atualmente com o intuito de melhorar suas performances cognitivas. Figura 1 - O filme Sem limites dirigido por Neil Burger com roteiro de Leslie Dixon (2011) foi baseado no romance The Dark Fields, 2001 de Alan Glynn (1960) [6]. O filme mostra a história de um escritor mal sucedido, desmotivado e sem habilidades cognitivas para escrever um livro contratado a uma grande editora, mas que subitamente ao ingerir uma droga nootrópica, passa a redigir sem parar, focado na elaboração do texto, aumento da memória e com o uso regular da droga passa a ter grande capacidade de resolver problemas e outras habilidades cognitivas. 19 20 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Entretanto, é preciso cuidado com o uso dessas drogas, pois muito desses fármacos ainda não foram avaliados suficientemente por testes clínicos de longa duração em humanos para serem usados com esse objetivo, sem esquecer as implicações éticas e sociais sobre seu uso [1,6,8]. As bases farmacológicas e moleculares da ação dos nootrópicos sobre os circuitos neuronais e os sistemas de neurotransmissores envolvidos nas funções cognitivas ainda estão em estudo e é objetivo dessa revisão. Histórico dos psicofármacos Desde os anos 50 quando se descobriram as potentes ações sedativas da reserpina, um fármaco que interfere no armazenamento das vesículas sinápticas de varias aminas transmissoras e os efeitos antipsicóticos da clorpromazina (que bloqueia receptores dopaminérgicos), a partir dessas duas evidências farmacológicas, foi sugerida a hipótese de que é nas sinapses que nascem a maior parte das patologias neurológicas e psiquiátricas e são essas os alvos biológicos susceptíveis que se modificam por ação dos fármacos. A utilização clinica dessas drogas no tratamento das enfermidades mentais (ansiedade, esquizofrenia, mania, crise do pânico, enxaqueca) e neurológicas (Parkinson, Huntington, epilepsias), alem do uso das drogas nootrópicas no tratamento da perda de memória que resulta em doenças como Alzheimer, demência vascular ou traumas craneoencefálicos e AVC. Portanto, a aplicação dos psicofármacos na neuropsiquiatria é bastante diversificada, além de seu uso atual na cognição [9-13]. Aprimoradores de cognição e memória Neurobiologia da memória De um modo sucinto, aprendizagem e memória constituem-se em uma das propriedades mais importantes para as funções cognitivas. O gênero humano se caracteriza por fazer uso intenso dessa propriedade e através dela pode desenhar planos de atuação antecipatória. A memória tem um substrato molecular determinado e regulado pelo genoma, mas que pode sofrer modelagem quanto ao numero, tipo e função das conexões entre as sinapses, essa regulação sináptica que é intensa durante o período crítico, chamamos de plasticidade. O termo plasticidade foi cunhado por William James em 1890, para descrever a susceptibilidade e modificações no comportamento humano. Liu e Chambers [14] mostraram pela primeira vez a formação de botões sinápticos no SNC. A partir dessa evidencia morfológica, tem-se acumulado um grande numero de dados na literatura que o SNC tem a capacidade de sofrer modificações morfológicas e funcionais nas sinapses e mais recentemente tem-se demonstrado que as redes neurais dos mamíferos permanecem plásticas durante toda a vida do organismo, incluindo a produção de novas células neurais [15]. Bliss e Lomo, em 1973, demonstraram que estímulos repetidos no córtex entorrinal de coelhos e registrados eletrofisiologicamente em neurônios do giro denteado, produziam mudanças na amplitude dos potenciais pós-sinápticos, que foi denominado de potenciação de longa duração (LTP). Inúmeras evidências indicam que esse fenômeno é uma maneira que o cérebro tem de armazenar memória, particularmente Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q no hipocampo [16,17]. Ao se considerar que as sinapses, onde ocorre LTP são excitatórias e o glutamato é o neurotransmissor majoritário, é de se esperar que ao ser liberado pré sinapticamente, esse neurotransmissor atue em receptores pós-sinápticos que coexistem nas espinhas sinápticas. Esses receptores são do tipo AMPA, que respondem preferencialmente ao agonista do glutamato chamado AMPA e receptores NMDA que respondem preferencialmente ao agonista NMDA [18-20]. Na transmissão sináptica normal, a chegada de um potencial de ação do terminal axonal produz a liberação do glutamato que interage em receptores AMPA, que ao serem ativados produzem uma maior densidade de corrente pós-sináptica despolarizante através de canais de sódio. Os receptores de NMDA contribuem muito pouco, nesse momento por encontrarem-se inibidos por íons magnésios. Contudo, na medida em que aumenta a frequência de estímulos, ocorre uma despolarização maior da membrana pós-sináptica e o íon Mg++ se dissocia do receptor de NMDA, que permite a entrada de íons Ca++ e ativação de proteína cinase dependente de Ca++- Calmodulina e fosforilação, nesse momento ocorre a inserção de novos receptores AMPA [2,21,22]. A entrada de íons Ca++ também aumenta a produção de fosfolipídeos na membrana, como o ácido aracdônico e aumento na atividade de NO-sintase neuronal e formação de óxido nítrico. Essas moléculas podem ser mensageiros retrógrados para manter a sinapse ativa por muito tempo [2]. Doenças que afetam a memória O salto no conhecimento, dos eventos moleculares á clínica que mostram toda a dinâmica dos diferentes tipos de sinapses presentes no SNC, tem permitido avanços importantes no estabelecimento das etiologias e patogêneses das enfermidades psiquiátricas e neurológicas. Esse avanço possibilitou o desenvolvimento de novos fármacos e algumas estratégias terapêuticas para contornar o déficit cognitivo e a qualidade de vida de pacientes com essas desordens [23]. As doenças neurodegenerativas, como doença de Alzheimer, Parkinson, coréia de Huntington, demência senil, doenças vasculares e outras enfermidades como epilepsias, depressão, desordem do humor, déficit de atenção, entre outros, apresentam em seu estado mais grave severa perdas de memórias com impedimentos cognitivos. Todas as etapas de aprendizado e estocagem de informação que vão desde a aquisição de informações até memória de longa duração estão severamente comprometidas em algumas dessas doenças [2,24]. Os mecanismos neurais subjacentes envolvidos parecem afetar vias preferenciais (redes neurais) do sistema límbico, hipocampo e córtex pré-frontal que modulam memória explícita [2,23,25,26]. No caso particular da doença de Alzheimer em que ocorre uma perda acentuada da memória, o tratamento preconizado inicialmente foi de aumentar a concentração de acetilcolina para melhorar o desempenho cognitivo, já que ocorre degeneração das células colinérgicas no principal núcleo neural que projeta para o córtex, chamado núcleo basal de Meynert, localizado na substancia inominata. Esse núcleo recebe inúmeras fibras do sistema límbico e dá origem a quase totalidade das fibras colinérgicas do córtex [5,13,27,28]. Os resultados obtidos ainda são inconclusivos; pois os efeitos 21 22 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q dessas drogas colinérgicas podem levar diversas semanas para produzir algum efeito e até o momento, não foram registrados uma associação entre drogas inibidoras de acetilcolinesterase e melhora de desempenho cognitivo. Mesmo assim, inibidores da AChE (tacrina e donepezil) que permitem um aumento nos níveis cerebrais de acetilcolina e recentemente um antagonista não competitivo de receptor de NMDA (memantina), o qual está indicado para as formas moderadas a graves da doença, são os únicos fármacos atualmente aprovados pelo FDA (U.S. Food and Drug Administration) para o tratamento da doença de Alzheimer [13,20,27-30]. Psicofármacos para a cognição Os fármacos que afetam o sistema nervoso influenciam a vida de quase todo o mundo. O que seria da cirurgia moderna sem os anestésicos, a qualidade de vidas de pacientes terminais com câncer sem os opiáceos e seus derivados. Hoje, dispomos de medicamentos que incrementam a atenção, reduzem ou aumentam o sono, reduzem a ingestão de alimentos, tratam a depressão, mania, esquizofrenia, transtorno bipolar, ansiedade, convulsões, doenças neurodegenerativas e a consciência. Também é importante observar os efeitos adversos dos psicofarmacos na memória, como é o caso dos diazepínicos que produzem amnésia, os efeitos adversos dos alucinógenos e anfetaminas sobre a percepção [31,26]. Os psicofármacos também podem servir de opção como ferramentas moleculares importantes para dissecção das vias preferenciais das redes neurais, que constituem os substratos das funções mais importantes relacionadas a cognição de nosso cérebro (consciência, memória, pensamento abstrato, associação de idéias, habilidades e potencial criativo) [27,32]. Esses fármacos atuam preferencialmente na dinâmica da sinapse, modificando a sua síntese, armazenamento, liberação, ação nos receptores, recaptação e degradação metabólica. Esses são os alvos moleculares que estão afetados nas enfermidades e como o uso dos psicofármacos podem melhorar o desempenho cognitivo. Portanto, existe uma razão a priori de se acreditar que as drogas nootrópicas ao atingir seu alvo podem ativar vias preferenciais das redes neuronais [33,34]. As duas drogas que são mais usadas atualmente para fins não terapêuticos são o metilfenidato e o modafinil. O metilfenidato (Ritalina) é o neuroestimulante mais usado hoje e de maior eficácia no tratamento do transtorno de défict de atenção e hiperatividade (TDAH) na redução da sonolência em narcolépticos, diminuição da fadiga e vem sendo usado em grande escala para tratamento da obesidade [31]. O alvo neuroquímico primário do Metilfenidato é o transportador de dopamina e da noradrenalina, essas duas drogas atuam diferentes das anfetaminas e não são capazes de se ligarem em receptores pré- sinápticos aminérgicos, não induzem dependência química e não produzem efeitos cardiotóxicos. Em estudos epidemiológicos recentes com diferentes metodologias de analises estatísticas para medir atenção, humor, memória, vigília, motivação e funções executivas mostraram que Metilfenidato em dose única foi capaz de melhorar a memória, mas não os outros parâmetros analisados. Não existem dados sólidos sobre seu uso por períodos longos [4,35-39]. Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Modafinil foi usado inicialmente para o tratamento do sono excessivo da narcolepsia. Depois seu uso foi ampliado para tratamento da síndrome da apneia e hipopneia obstrutiva do sono, desordem do sono em trabalhadores noturnos, melhora cognitiva de esquizofrênicos [2,31,35,36,40,41]. A ação neuroquímica do modafinil apesar de pouco conhecido, parece atuar principalmente sobre o transportador de dopamina e noraepinefrina.com aumento na liberação dessas aminas [35,36,40,41]. Outros sistemas de neurotransmissores são afetados somente secundariamente. Parece que existe certa seletividade de ação nas áreas corticais sobre as sub-corticais. Em doses terapêuticas parece melhorara atenção, memória de trabalho e memória episódica e outros processos dentro do córtex pré-frontal. Esses efeitos são observados em roedores, indivíduos adultos e sadios, bem como em varias desordens psiquiátricas. Contudo em doses repetidas, modafinil foi incapaz de impedir a deterioração da performance cognitiva por um período de tempo mais longo em indivíduos de privados de sono [31,41]. Diferentes das anfetaminas não produzem dependência química e apresentam pouco efeitos colaterais [32]. Ampacinas Outro grupo de moléculas nootrópicas são ampacinas que ativam sinapses glutamatergicas excitatorias no córtex cerebral. Sua ação é sobre os receptores AMPA que despolarizam a membrana por entrada de íons sodio. Essa despolarização ativa receptores de NMDA que podem induzir LTP, portanto essas moléculas seriam importantes para aquisição de novas informações e estocagem de memória. As ampacinas estão em fase adiantada de testes clínicos e apresentam resultados promissores para o tratamento de disfunções de memória associadas ao Alzheimer [2,8,13]. Memantina A memantina foi sintetizada e patenteada em 1968 e usada pela primeira vez para tratar pessoas envelhecidas com déficits de memória e mais recentemente na doença de Alzheimer severa. A estratégia é baseada no principio que a droga só entra em ação em estados patológicos devido á estimulação excessiva do receptor de NMDA [28,29]. A memantina se liga próximo ao sítio do Mg e bloqueia a atividade canal do receptor. Ainda não existem dados sobre o efeito dessa droga na performance de pessoas jovens. Seu potencial uso como nootrópico é para ajudar no raciocínio e memória [28,29,41]. Drogas que atuam na circulação cerebral e como aprimoradores metabólicos Existem drogas nootrópicas que podem melhorar a performance cognitiva atuando na vascularização. Por apresentar uma altíssima taxa metabólica, o cérebro consome 1/5 da utilização do oxigênio disponível no corpo, por isso demanda um grande aporte de sangue. Portanto, qualquer impedimento no fluxo sanguíneo cerebral e consequente diminuição no suprimento de oxigênio podem influenciar as funções cognitivas. Ginkgo biloba é considerada uma droga que pode atuar no leito vascular como vasodilatadora, alteração na viscosidade cerebral e função plaquetária. Essa planta é usada em muitos países para tratar o 23 24 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q impedimento cognitivo durante o envelhecimento, em doenças neurodegenerativas e demências [2,7,42-44]. O piracetam é outra droga usada por muitos anos em diferentes países para tratar impedimentos cognitivos no envelhecimento e em doenças neurodegenerativas. O seu mecanismo de ação foi inicialmente relacionado a modulação dos sistemas colinérgico e glutamatérgico e com isso melhorar eventos relacionados a neuroplasticidade. Mais recentemente suas ações foram relacionadas ás propriedades reológicas e melhora na fluidez das membranas, inclusive das mitocondrias de células neuronais. Ao fazer isso, o piracetam poderia trazer benefícios e contribuir para sua eficácia terapêutica com repercussões na captação de glicose e produção de ATP e melhorar o desempenho cognitivo [2,7,42,45,46]. Substancias naturais e seus derivados, podem ser usadas com êxito em doenças psiquiátricas e também como drogas nootrópicas, como é o caso da glutationa e seus derivados, por suas ações antioxidantes [44,47,48]. Drogas que atuam em mecanismo de transdução de sinal As moléculas de sinalização celular exercem seus efeitos após sua ligação com os receptores expressos nas células-alvos, que, por sua vez, ativam uma serie de alvos intracelulares, como enzimas, segundo mensageiros, canais iônicos, transcrição gênica em uma sequência de reações resultando em mecanismo de transdução do sinal. Drogas neuroaprimoradoras podem afetar de modo seletivo essas vias de sinalização. As metilxantinas parecem afetar os níveis de AMPc por inibição de sua enzima de degradação, a fosfodiesterase do AMPc pro- duzindo propriedades estimulatórias. As cinases são enzimas envolvidas nas vias de sinalização que podem ser bastantes uteis como alvos de drogas nootrópicas, entre as cinsases mais importantes como alvo de drogas temos a Proteina cinase A , proteína cinase C, proteína cinase ativada por Ca++-calmodulina. Entre os fatores de transcrição mais estudado por sua participação em memória de longo prazo é o CREB (cAMP response element-binding). Manipulações genéticas que levam a um aumento na função do CREB parecem não interferir na aprendizagem e memoria de curto prazo, mas aumentam a memória de longo prazo, podendo ser um alvo importante para o desenvolvimento de droga aprimoradora de memória [2,49,50]. Conclusão A importância do conhecimento dos circuitos neurais, dos eventos moleculares e neurotransmissores relacionados a performance cognitiva, vai desde a função normal do cérebro aos distúrbios psiquiátricos e neurodegenerativos, permitindo que novas drogas aprimoradoras ou nootrópicas sejam desenvolvidas, como estratégias para exercerem efeitos específicos e benéficos sobre a cognição e ajudem pacientes com doenças neuropsiquiátricas na redução dos sintomas e melhora em sua qualidade de vida. Referências 1. Langreth R. Viagra for the brain. Forbes Magazine; 2002 2. 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Estímulos ambientais modificam a estrutura dos circuitos neurais, refinando e tornando as sinapses mais eficientes. O tamanho e a área de superfície do cérebro de primatas superiores, portadores de cérebros girencefálicos, são fatores determinantes nas habilidades intelectuais. Neste ensaio serão discutidos como as mudanças plásticas nas sinapses ocorrem (os pontos de contato entre as células na ordem de centenas de milhares por neurônio) e como se dá a transferência de informações no sistema nervoso, que tem um papel essencial nos processos cognitivos. A plasticidade sináptica é discutida do ponto de vista de moléculas (glutamato e seus receptores), células e suas protuberâncias (espinhas dendríticas) e de redes elaboradas a partir da geração de novos neurônios nos chamados nichos neurogênicos. Palavras-chave: plasticidade, Hebb, cálcio, cognição, glutamato, sinapse, memória, neurogênese, epigenética *Laboratório de Neuroquímica, **Laboratório de Neurobiologia da Retina, Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro Correspondência: Ricardo Augusto de Melo Reis, Laboratório de Neuroquímica, Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, CCS, UFRJ, 21949-900 Rio de Janeiro, Tel: (21) 2562-6594, E-mail: [email protected] 27 28 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Abstract The human brain is constituted by almost a hundred billion neurons organized in neuronal-glial networks that allow a great number of behavioral outputs. The interaction of the environment with the genetic contents of neural cells modifies the structure of neural circuits, refining the synapses into a more efficient structure. Here we discuss how plastic changes at the molecular, cellular and network levels target the synapses (the space between neuronal-glial cells that might reach up to 104 per neuron) and how information is exchanged in the nervous system, an essential role in cognition. Synaptic plasticity might be related to distinct mechanisms such as the traffic of glutamatergic receptors, spine volume modification, integration of novel neurons in established networks and potentiation or depression of synaptic pathways. Key-words: plasticity, Hebb, calcium, cognition, glutamate, synapse, memory, neurogenesis, epigenetics. Introdução O termo cognição pode ser definido como o ato de adquirir conhecimento, ou a faculdade de conhecer. Os que estudam a cognição têm associado diversos mecanismos cerebrais subjacentes à percepção, à atenção, à memória e ao pensamento, com as etapas do desenvolvimento do cérebro pós-natal e a interação com o ambiente durante a infância e a adolescência. Estudos envolvendo a psicologia do desenvolvimento frequentemente geram perguntas sobre como as redes neurais são refinadas através de experiências sensório-motoras, fruto de interações entre o conteúdo genético herdado e a influência de aspectos ambientais que resulta na elaboração da riqueza dos comportamentos. Perguntas do tipo: como a consciência surge e se modifica em meio à interatividade das redes neurais? Como a atividade neural origina o sentido de sermos seres conscientes? E como o desenvolvimento do sistema nervoso central (SNC) leva a emergência das faculdades mentais, são chaves no entendimento desse assunto [1-3]. O tamanho e a área de superfície do cérebro de mamíferos de forma geral e a girencefalia, presente nos primatas su- periores são dois fatores determinantes nas habilidades intelectuais. A maior densidade neuronal parece estar relacionada com o aparecimento de um grupo de células progenitoras de rápida amplificação, e que durante a evolução, gerou uma estrutura neocortical mais densa, com neurônios migratórios cujas trajetórias modificadas produziram variantes das encontradas nos demais mamíferos [4]. O elaborado desempenho cognitivo nos humanos tem sido relacionado com parâmetros quantitativos celulares, envolvendo o número de neurônios e de células não neuronais [5], o volume de massa cinzenta e de substância branca [6] e com a complexidade e o volume de espinhas dendríticas de neurônios de vertebrados superiores [7], entre outros aspectos. Estudos recentes referentes ao escalonamento do cérebro humano sugerem que, em números absolutos, este órgão apresenta vantagens na constituição cerebral em relação aos roedores e aos demais primatas, contendo um maior número de neurônios [5], e consequentemente de pontos de contatos entre estas células, o que favoreceria as habilidades cognitivas. Registros arqueológicos apontam poucos sinais de inventividade nos hominídeos presentes no período anterior a Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q 200.000 anos atrás na Africa; porém, com o surgimento do Homo sapiens durante o Paleolítico superior, houve um salto na criatividade por volta de 50.000 anos atrás [8]. É possível que substituições de aminoácidos em alguns genes, como do fator de transcrição Forkhead box p2 (Foxp2) envolvido na evolução da linguagem, possam ter acarretado mudanças cognitivas substanciais em nossos ancestrais [9]. É no mínimo tentador correlacionar as consequências neurológicas com a possibilidade de como a fala, a linguagem e a capacidade cognitiva diferenciaram os humanos dos demais hominídeos no passado remoto. Nesse sentido, camundongos com um gene Foxp2 de humanos apresentam maior plasticidade sináptica e comprimentos dendríticos, pelo menos nos circuitos entre o córtex e os núcleos da base analisados. A introdução da versão humana de Foxp2 em camundongos levam a alterações na vocalização ultrassônica e no comportamento exploratório desses animais, assim como nas concentrações de dopamina cerebral [10]. Neste ensaio, discutiremos como as mudanças plásticas nas sinapses ocorrem (os pontos de contato entre as células na ordem de centenas de milhares por neurônio) e como se dá a transferência de informações no sistema nervoso, que tem um papel essencial nos processos cognitivos. Abordaremos a plasticidade sináptica do ponto de vista de moléculas (glutamato e seus receptores), células e suas protuberâncias (espinhas dendríticas) e de redes com a geração de novos neurônios nos chamados nichos neurogênicos. A sinapse O termo sinapse surgiu por volta de 110 anos atrás com o fisiologista britâ- nico Charles Sherrington. Num trecho de sua obra de 1897, Sherrington atribui aos espaços observados entre os neurônios (visualizados na época por Santiago Ramon y Cajal e outros usando a técnica de impregnação de prata nos neurônios desenvolvida por Camilo Golgi), uma importante função na troca de informações elétricas no sistema nervoso. A resposta da sinapse é modificável, o que gera uma plasticidade, que é uma propriedade essencial do desenvolvimento e uma das principais funções cerebrais [11]. É sabido que o cérebro é sensível aos fatores ambientais, seguindo inicialmente um plano genético durante a fase pré-natal, com a elaboração de gradientes moleculares especificados no eixo dorsoventral no embrião. A rápida proliferação de células progenitoras gera múltiplos neurônios e células gliais, através de uma orquestração de genes pró-neurogênicos e gliogênicos [4]. Estímulos ambientais modificam a estrutura dos circuitos neurais, refinando e tornando as sinapses, alvo de ação dos neurotransmissores, mais eficientes por meio de atividade elétrica e mensageiros químicos. Essa plasticidade resulta na modificação da estrutura e da função do sistema nervoso. A questão de quanto e de como o ambiente influencia no desenvolvimento do cérebro é de grande interesse geral, com particular atenção nos campos da neurobiologia do desenvolvimento, desenvolvimento infantil, educação e psicopatologia infantil. Inúmeros modelos de plasticidade sináptica são observados em diversos circuitos cerebrais [11]. Nesse sentido, podem ser citadas estruturas como o hipocampo e a amigdala que estão envolvidas com processos de consolidação de memória espacial e emocional, proces- 29 30 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q sos associativos nos sistemas límbicos, pré-frontais e subcorticais, com a participação de várias moléculas e processos celulares. Durante o envelhecimento pode ocorrer perda de cognição associada com sinaptotoxinas em desordens neurodegenerativas, como os oligômeros dos peptídeos beta-amilóide, encontradas na patologia do mal de Alzheimer, e a proteína do príon com a interação em alvos sinápticos. Um dos elementos que reforçam a atividade sináptica e que só recentemente adquiriu um status apropriado na formação dos circuitos neurais é a célula da glia, em especial os astrócitos, que juntamente com os neurônios pré- e pós-sináptico formam a chamada sinapse tripartite [12]. Embora tenham sido descritas há mais de um século, por muito tempo essas estruturas gliais foram apresentadas como tendo um papel meramente acessório no cérebro. A constatação de que a glia contribui para o refinamento sináptico [13], só foi possível a partir da utilização de métodos apropriados para o estudo de propriedades encontradas nas macro- e microglias, como ondas de Ca2+ geradas por transmissores, secreção de fatores tróficos mantenedores de populações seletivas, potenciação e depressão sinápticas, entre outras [12]. Como os astrócitos estão associados às sinapses de forma íntima e compartimentalizada, a integração da informação química e elétrica é frequentemente modificada nos circuitos por fatores gliais o que leva a uma intensa modulação neuro-glial. Existem questões em aberto sobre os mecanismos e o local exato de expressão da plasticidade sináptica nos circuitos neurais em desenvolvimento e no adulto. Existem dúvidas se ocorrem na estrutura pré-, pós-sináptica, em ambas ou se resulta do produto da interação entre neurônios e células gliais. A estrutura pré-sináptica se apresenta como um sítio de plasticidade quando ocorre um aumento na liberação de vesículas contendo neurotransmissores [14], processo chave na liberação exocitótica dependente de Ca2+. Diversos sinais convergem em sensores de Ca2+ localizados na região pré-sináptica, sendo a proteína sinaptotagmina a mais importante, induzindo uma liberação de vesículas via o complexo SNARE que é frequentemente modulado [15]. A estrutura pós-sináptica de uma sinapse excitatória (glutamatérgica) é muito dinâmica e tem grande controle na densidade de receptores pós-sinápticos, principalmente os complexos pertencentes às subfamílias de receptores ionotrópicos AMPA e NMDA. Um dos processos mais implicados com a plasticidade sináptica envolve o tráfego de subunidades de receptores AMPA (subunidades GluAs) de regiões extra-sinápticas para as regiões sinápticas, processo esse que requer pelo menos duas etapas, e que envolve vias regulatórias e constitutivas, dependendo do tipo de subunidade em questão [16]. As subunidades GluA1 apresentam uma longa cauda carbóxi (COOH) terminal, e são transferidas do citoplasma para a membrana da região extra-sináptica por processos regulatórios, que tem a participação das enzimas Ca2+ Calmodulina Cinase II e a via da Pi3Cinase. Esse processo é dependente de atividade e fundamental nos períodos de intensa plasticidade, como no período crítico [17]. Se a habilidade para mudar o comportamento depende do fortalecimento e do enfraquecimento seletivo das sinapses, o incremento de subunidades GluA1 na região extra-sináptica (vindo do Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q citoplasma) pode ser o primeiro passo para que estas subunidades atinjam a região sináptica e aumentem a densidade de receptores, e que uma vez ativados, induzam despolarização, fluxo de Ca2+ e modificações estruturais com base na polimerização de filamentos de actina. Isso leva a transformação de estruturas imaturas (filopódios) presentes durante o desenvolvimento a se transformarem em protuberâncias compartimentalizadas (espinhas) volumosas na forma de cogumelo e em cálice, ricas nos estoques intracelulares de cálcio, e que uma vez ativadas, se tornam funcionais (e deixam de ser silenciosas) [18]. Nesse contexto, é sabido que modelos de plasticidade como a LTP (potencialização de longo termo, discutido em seguida) e a LTD (depressão de longo termo) podem ser expressos com a inserção e a remoção de subunidades de receptores AMPA, respectivamente [18] e esse modelo pode ser a base para o estudo de funções cognitivas e de disfunção sináptica. Crescimento cerebral pós natal e plasticidade sináptica Entre os primeiros dias após o nascimento e a infância (por volta dos 6 anos de idade), uma criança sadia está em um período em que apresenta a sua maior plasticidade e interatividade com o meio e o seu cérebro passa de cerca de 350 para 1200 gramas, e que chega até 1400 gramas no pico da adolescência (um pouco maior nos garotos em função do peso corporal e influência hormonal) [19]. A atividade neural relacionada com a experiência nos mais diversos níveis (sensorial, motora, emotiva e social) é talvez o principal substrato para o grande aumento dos processos nas redes neurais, o que induz uma grande interatividade entre as células e consequente aumento do número de sinapses. Estudos realizados na década de 1970 em cerca de 2600 cérebros autopsiados de um banco de órgãos em Washington, EUA, mostrou que durante o desenvolvimento, o crescimento cerebral aumenta rapidamente entre os primeiros meses e os primeiros anos de vida, e que a curva (no formato de U invertido) e se estabiliza na adolescência [19-20]. Essa análise foi revisitada recentemente com o imageamento de centenas de cérebros de crianças, adolescentes e adultos (3-27 anos), com o emprego de uma técnica não invasiva (ressonância magnética funcional) e que confirmou a curva em U invertida para diversos parâmetros. Porém, o estudo mostra que diferentes áreas cerebrais amadurecem em momentos distintos, e que os circuitos neurais têm diferentes trajetórias durante o desenvolvimento no que concerne ao volume de massa cinzenta (onde estão os corpos celulares dos neurônios e astrócitos) e a branca (conjunto de fibras que conectam as regiões) [6]. Os bilhões de células no cérebro estão conectados de forma a permitir um grande repertório de respostas comportamentais, desde a execução de padrões básicos de movimento até na elaborada tarefa de improvisar um longo discurso. Para que os circuitos cerebrais controlem essa diversidade de respostas, foram necessárias a proliferação e a diferenciação de progenitores no embrião em uma diversidade de neurônios, células gliais e outros tipos, e que atingissem os locais corretos. No pico da embriogênese, estima-se que cerca de 250 mil neurônios são gerados por minuto [19] – processo controlado por fatores que se difundem 31 32 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q ao longo do tubo neural e que ativam genes responsáveis por diversas proteínas, que regulam a produção da neurogênese. Se a produção dos neurônios sofrer uma interferência nessa fase da ação de drogas (canabinóides ou do álcool), de toxinas ambientais (como o metil-mercúrio), ou ainda de um particular defeito genético, pode ocorrer a formação incorreta da estrutura do sistema nervoso. Hoje é aceita a ideia que os circuitos cerebrais se transformam através de uma combinação de influências genéticas e ambientais, e que o ambiente e a genética contribuem para a construção cerebral. Os primeiros eventos no desenvolvimento cerebral (no embrião) são grandemente dependentes dos genes, seus produtos, e do milieu no qual isso ocorre. Em resumo, a interação entre a genética e o ambiente conectando as sinapses mostra-se necessária para a formação dos substratos neurais necessários para a riqueza do comportamento humano [2]. psicólogo canadense Donald Hebb. Essas sinapses hoje são conhecidas como hebbianas, e as regras hebbianas são aplicadas a modelos de aprendizagem no neocórtex e em estruturas plásticas [22]. Estudos recentes mostram que as espinhas dendríticas (em média, com cerca de 0,5-2 µm de comprimento, chegando a 6 µm na região CA3 do hipocampo) são muito dinâmicas, heterogêneas em forma e estrutura, e modificadas por experiência e por atividade (alvo de LTP), e que poderia ser o substrato morfológico da plasticidade sináptica. Um neurônio maduro apresenta de 1–10 espinhas/ µm num dendrito, sendo esse o local de chegada das informações excitatórias no SNC. Embora o imageamento dessas estruturas mostrando a motilidade evidencie o possível impacto funcional no neocórtex e no hipocampo em neurônios vivos, o siginificado da plasticidade das espinhas ainda é um assunto polêmico [23]. LTP, Hebb e memória Plasticidade via novos neurônios no cérebro adulto O fenômeno de LTP (potencialização de longo termo) foi descrito na década de 1970 como uma forma de plasticidade encontrada nos circuitos hipocampais [21]. Estímulos tetânicos (de alta frequência) quando apresentados a uma via pré-sináptica provocam o aumento da resposta da região pós-sináptica, em termos de incremento dos potenciais excitatórios pós-sinápticos (PEPS), de forma sincrônica e numa escala temporal que pode ultrapassar segundos e minutos, chegando a horas, ou mesmo a dias ou semanas. Esse modelo de resposta foi logo reconhecido como sendo adequado para explicar o processo de memória, algo que foi postulado inicialmente pelo Um importante paradigma estabelecido há quase um século, e tido como dogma até recentemente, dizia que “o número de neurônios no cérebro é determinado durante o desenvolvimento embrionário, e que durante a vida pós-natal, o cérebro é incapaz de gerar novos neurônios” [24]. Entretanto, algumas observações iniciais questionaram este paradigma na década de 1960, e revelaram uma capacidade até então desconhecida no cérebro de vertebrados adultos: a geração de novos neurônios (neurogênese). Sidman et al. [25] desenvolveram a técnica da incorporação de timidina tritiada, que ao ser incorporada ao DNA durante sua síntese, revela células que foram geradas após Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q sua administração. Esta técnica sugeriu a geração de novos neurônios, e destacou uma importante área cerebral pela sua capacidade neurogênica: o hipocampo [26]. Nas décadas seguintes, estabeleceu-se que novos neurônios recebem aferências sinápticas e estendem prolongamentos [27]. Estudos em pássaros canoros foram fundamentais para a implicação funcional da neurogênese adulta. Canários precisam aprender novas canções e para isso, novos neurônios são gerados e adicionados aos “centros vocais” desses pássaros a cada ano. A geração desses novos neurônios parece acompanhar flutuações hormonais e expressão de fatores de crescimento que ocorrem de forma sazonal [28]. A neurogênese adulta foi inicialmente vista como um fenômeno exclusivo de animais evolutivamente menos complexos, excluindo, dessa forma, os primatas [29]. Entretanto, a partir dos anos 90, vários trabalhos identificaram nichos neurogênicos no cérebro de mamíferos superiores, incluindo o homem [30-31], participando de processos cognitivos como na memória e no aprendizado [32-34]. Atualmente, a capacidade neurogênica é uma das formas de plasticidade celular, associada a diversas linhas de pesquisa que procuram identificar as bases, as funções e as implicações da geração de novos neurônios no cérebro adulto. Circuitos neurais nos nichos neurogênicos Os nichos neurogênicos apresentam condições específicas para a geração de novas células, como a sua composição celular e a presença de um ambiente favorável contendo fatores essenciais para o desencadeamento desse processo. Duas regiões do cérebro se destacam onde a neurogênese é amplamente reconhecida: a zona subventricular (ZSV), situada nas paredes dos ventrículos laterais e a zona subgranular (ZSG) do giro denteado do hipocampo (figura 1). Os novos neurônios gerados na ZSV migram através de uma rota precisa, a rota migratória rostral (RMS) e se estabelecem no bulbo olfatório, onde continuadamente substituem interneurônios locais [35]. Os neurônios imaturos gerados no hipocampo adulto, especificamente na zona subgranular (SVZ) do giro denteado, migram para o interior da zona granular onde se estabelecem e emitem/recebem contatos sinápticos [36] (figura 1). Os progenitores encontrados em ambos os nichos neurogênicos têm natureza astroglial [37]. Neurogênese na zona subventricular A presença de células proliferativas na ZSV tem sido estudada há bastante tempo e demonstrada em vários vertebrados. Tais células têm características astrocitárias, sendo conhecidas como “astrócitos da zona subventricular”. De fato, tais células expressam marcadores de células astrogliais, como GFAP, GLAST e outros [38-39]. Essas células-tronco da ZSV são conhecidas como “células B”. As células B dão origem a uma população de células altamente proliferativas: os precursores intermediários (PI) conhecidos como células C. As células C têm importante papel como amplificadoras do potencial proliferativo do nicho neurogênico. Os precursores intermediários dão origem aos neuroblastos (células A). As células A migram em cadeia para o bulbo olfatório onde se diferenciam em interneurônios GABAérgicos (inibitórios) 33 34 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q e se integram a circuitos previamente estabelecidos (figura 1) [40-41]. Dados recentes mostram que na ZSV ocorre geração de neurônios glutamatérgicos (excitatórios), e não apenas interneurônios inibitórios do bulbo olfatório durante a fase adulta [42]. Explantes de ZSV pós-natal e adulta dão origem a neurônios glutamatérgicos quando colocados em contato com a zona ventricular embrionária [43], evidenciando maior plasticidade dessa região em relação ao fenótipo neuronal gerado. Experimentos de imageamento revelaram ainda que células provenientes da ZSV, até a primeira semana pós-natal, apresentam migração para regiões do cérebro como o córtex, estriado e núcleo acumbens, onde se diferenciam em interneurônios GABAérgicos [44]. Essa migração no animal adulto pode ter implicações importantes, pois tem sido mostrado que após lesões cerebrais, neuroblastos podem ser direcionados para os locais de lesão. Esse processo poderia ocorrer após isquemia estriatal e cortical, assim como em modelos animais de Parkinson e na doença de Huntington [45-48]. Visando a plasticidade de circuitos cerebrais, progenitores da ZSV são considerados fonte de células reparadoras, capazes de substituir células de regiões afetadas por lesões [49]. Existe ainda uma grande expectativa em relação aos mecanismos celulares e moleculares do controle da neurogênese, face ao contínuo envelhecimento da população mundial e da incidência crescente de doenças neurodegenerativas, que permitiriam novas estratégias para tratar déficits cognitivos. Em busca de compostos pró-cognitivos Existe uma família de compostos pró-cognitivos chamada de ampacinas, capazes de estabilizar os receptores glutamatérgicos do tipo AMPA no seu estado aberto, potencializando a resposta sináptica excitatória [51]. Esse composto melhora o desempenho em diversos modelos em animais com privação de sono [51] e em testes de memória em humanos idosos [52], além de reduzir os sintomas em modelos de Parkinson [53], esquizofrenia e em lesões isquêmicas [51]. Sabendo que as células na ZSV de animais adultos apresentam receptores glutamatérgicos funcionais do tipo NMDA e AMPA e que o neurotransmissor glutamato regula eventos de diferenciação e proliferação na ZSV [39,54], o uso de ampacinas poderia modular o processo de neurogenêse nessa região. Resultados do nosso grupo mostram que a ampacina CX 546 aumenta o número de neurônios funcionais em culturas de células derivada da SVZ [55]. Diversos marcadores permitem a identificação e o acompanhamento das células desde o nicho neurogênico (ZSV) até o seu destino final (bulbo olfatório). Enquanto as células progenitoras expressam marcadores tipicamente gliais como a proteína acídica fibrila ácida (GFAP), os neuroblastos expressam a molécula de adesão neural associada ao ácido poli-siálico (PSA-NCAM) e a proteína doublecortina (DCX). Após a integração na circuitaria do bulbo olfatório (na camada de células granulares ou na camada periglomerular), as células expressam receptores glutamatérgicos dos tipos AMPA e NMDA. Vale ressaltar que desde o estágio proliferativo até a integração sináptica, os novos neurônios expressam receptores de GABA [36]. Vários fatores regulam as etapas da neurogênese na ZSV. Durante o estágio proliferativo, a neurogênese é regulada Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q por sinalização via ativação de receptores de serotonina, dopamina e acetilcolina. Diversas moléculas como hormônio tireoidiano, prolactina, polipeptídeo de ativação da adenil ciclase pituitária (PACAP), além de fatores de crescimento como o fator de crescimento epidérmico (EGF), fator de crescimento de fibroblastos (FGF), fator neurotrófico derivado de gânglio ciliar (CNTF) e fator neurotrófico derivado de cérebro (BDNF), entre outros, também atuam modulando a neurogênese na ZSV. Durante a migração na rota migratória rostral e no bulbo olfatório, a própria migração e diferenciação celular é regulada via sinalização GABAérgica e interação com componentes do microambiente, como PSA-NCAM, efrinas e neuroregulinas. A sobrevivência e a integração dos novos neurônios no bulbo olfatório podem ser afetadas ainda pela ação da acetilcolina, e de fatores ambientais como atividade sensorial, e a exposição do animal a novos odores [revisado em 56]. A integração contínua de novos neurônios no bulbo olfatório parece ter papel importante na plasticidade da discriminação de novos odores. Em um estudo realizado com animais com expressão deficiente da proteína NCAM (necessária para a migração celular), foi demonstrado que o número de interneurônios no bulbo olfatório foi drasticamente reduzido e que o animal apresentava dificuldades em discriminar odores semelhantes [57]. Este estudo sugere que a neurogênese na ZSV adulta pode ser importante para a função olfativa. Neurogênese no hipocampo adulto O giro denteado do hipocampo é uma das duas regiões cerebrais onde a neurogênese é largamente verificada num cérebro adulto e as etapas que seguem a geração desses novos neurônios são bem conhecidas. Milhares de novos neurônios são diariamente gerados no hipocampo de ratos adultos [58]. No giro denteado, novos neurônios são originados a partir de progenitores ou precursores localizados na própria estrutura. As células progenitoras hipocampais têm características astrocitárias e são concentradas na chamada “camada de células granulares”. A camada de células granulares fica localizada entre o hilus e a camada molecular, sendo o sítio neurogênico encontrado especificamente, na camada de células subgranulares, região adjacente ao hilus (Figura 1). No sítio neurogênico, mais especificamente na zona subgranular, três tipos de células podem ser identificados: células B, células D e células G. As células B são astrócitos que são fortemente marcados com anticorpos anti-GFAP. Tais astrócitos emitem prolongamentos radiais para o interior da camada de células granulares. As células B sofrem mitose e podem gerar novas células B ou células D. As células D são amplificadoras e proliferam rapidamente, gerando novas células D que amadurecem e dão origem a novos neurônios granulares. As células G são neurônios granulares maduros (figura 1) [59]. Os neurônios imaturos (células D) estendem um prolongamento apical em direção a camada molecular, ao mesmo tempo em que migram para o interior da camada de células granulares. Além disso, estendem axônios em direção aos neurônios piramidais de CA3 [36]. As células que não são integradas aos circuitos são eliminadas por apoptose. A maior parte da morte celular parece ocorrer quando as células saem do ciclo celular 35 36 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Figura 1 - Os nichos neurogênicos são representados pela zona subventricular (ZSV) localizada nas paredes dos ventrículos laterais e pela zona subgranular (SVZ) do giro denteado no hipocampo. A presença de células proliferativas na ZSV tem sido demonstrada em vários vertebrados, com células que mantêm capacidade proliferativa durante a vida adulta. A geração dos novos neurônios depende de um ambiente favorável contendo fatores essenciais para o desencadeamento desse processo. Os novos neurônios gerados na ZSV migram através de uma rota precisa, a rota migratória rostral e se estabelecem no bulbo olfatório, onde continuadamente substituem interneurônios locais. Os neurônios imaturos gerados no hipocampo adulto, especificamente na zona subgranular migram para o interior da zona granular onde se estabelecem e emitem/recebem contatos sinápticos. Os progenitores encontrados em ambos os nichos neurogênicos têm natureza astroglial. e se tornam pós-mitóticas, expressando ambos os marcadores DCX e calretinina. Acredita-se que o processo de eliminação das células não integradas aos circuitos seja constitutivo e balanceado por fatores promotores da sobrevivência celular [60]. A funcionalidade da neurogênese hipocampal adulta ainda é um assunto bastante controverso. Haveria uma razão para a geração de milhares de neurônios por dia? Esses novos neurônios substituiriam outros que porventura morreram durante o desenvolvimento? Ou mesmo aqueles que morreram durante a vida adulta? De fato, Gould e colaboradores mostraram [61] uma substancial morte de neurônios na camada de células granulares, especialmente entre os novos neurônios Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q nos cérebros de roedores e primatas em situação controlada. Entretanto, sabe-se que fatores ambientais são responsáveis por aumentar o potencial neurogênico do hipocampo e a sobrevivência desses novos neurônios [33]. Com base em tais fatos, uma importante questão pode ser levantada: seriam as condições experimentais dos trabalhos em laboratório (ausência de estímulos) a razão da morte dos neurônios recentemente gerados? Será que os animais vivendo em seus habitats naturais apresentariam o mesmo balanço entre geração e morte de novas células hipocampais? A neurogênese hipocampal parece estar diretamente envolvida em processos cognitivos de memória e aprendizagem. Sabe-se que fatores que aumentam a neurogênese no hipocampo têm importante impacto em tarefas mnemônicas, avaliadas no teste do labirinto aquático de Morris [33]. É interessante notar que o próprio aprendizado tem efeito pró-neurogênico [31]. Além do aprendizado em si, a permanência do animal em um ambiente enriquecido promove mais oportunidades de aprendizado do que um ambiente padrão. Fatores intrínsecos e neurogênese Dentre os fatores intrínsecos que regulam a neurogênese hipocampal destacam-se a via de sinalização desencadeada pelos fatores Wnt, Notch, a proteina morfogênea óssea (BMP) e Sonic hedgehog (Shh). A superexpressão de Wnt3 aumenta a neurogênese no hipocampo enquanto o seu bloqueio diminui esse processo [62]. Para uma melhor compreensão desses fatores envolvidos com a neurogênese, destaca-se o papel de Notch cuja superexpressão do fator Notch1 ativado, aumenta a proliferação das células hipocampais e a manutenção da expressão de GFAP pelas células progenitoras [63]. As BMPs são moléculas extracelulares que geralmente antagonizam a neurogênese [64]. Noggina, que inibe as proteínas BMP, aumenta os níveis de neurogênese [64]. Shh é uma molécula solúvel que atua no desenvolvimento do sistema nervoso e a sinalização mediada por Shh exerce importantes funções na expansão e no estabelecimento dos progenitores pós-natais do hipocampo [65]. Outros reguladores relevantes da neurogênese são o estresse e o exercício físico. Estresse é um dos mais potentes inibidores da neurogênese hipocampal e sua ação foi demonstrada em várias espécies de mamíferos [66]. O efeito deletério do estresse na proliferação celular foi evidenciado por diferentes paradigmas, como por subordinação ou provocado por invasão de um intruso [67], choque, odor de predadores [68] entre outros [60]. A duração do estímulo não parece ser relevante nos diferentes protocolos de estresse, já que tanto o paradigma agudo quanto o crônico diminuem a proliferação celular no hipocampo [66]. A neurogênese hipocampal é bastante sensível ao aumento dos níveis de corticóides [66], isto é, tais hormônios regulam negativamente a neurogênese. Um estudo recente mostrou que a ablação da neurogênese hipocampal modulou as taxas de glicocorticóides após um estresse moderado, mantendo as taxas desse hormônio altas após o evento estressor [69]. Existem inúmeras evidências recentes mostrando que o exercício físico além de beneficiar a saúde dos indivíduos, melhora o desempenho cognitivo e outras funções cerebrais [70]. Em roedores, a 37 38 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q corrida voluntária aumenta a proliferação dos progenitores neurais da zona subgranular do giro dentado em animais jovens e envelhecidos [34]. Além disso, a corrida voluntária aumenta a magnitude da LTP no giro dentado e aumenta o desempenho no labirinto aquático de Morris [34]. Perspectivas futuras Inúmeros modelos de plasticidade sináptica são observados em diversos circuitos cerebrais, como no hipocampo, no córtex, nos sistemas límbicos, e em estruturas subcorticais, com a participação de várias moléculas e processos celulares. O rápido envelhecimento da população humana e o aumento na incidência de demências têm preocupado a todos na busca por mecanismos que preservem as habilidades cognitivas dos animais. Existe uma relação entre a cognição manifestada por mamíferos e primatas superiores e a complexidade dos terminais pré- e pós-sinápticos presentes nas redes neurogliais. A modificação da transmissão da informação no cérebro conta com a participação de diversas moléculas interferindo em processos de fortalecimento e enfraquecimento da eficácia sináptica. A neurogênese adulta, vista inicialmente como um fenômeno em animais evolutivamente menos complexos, hoje é tida como processo chave na elaboração de novos circuitos nos nichos neurogênicos no cérebro de mamíferos superiores, incluindo o homem. Atualmente, a capacidade neurogênica é uma das formas de plasticidade celular, associada a diversas linhas de pesquisa que procuram identificar as bases, as funções e as implicações da geração de novos neurônios no cérebro adulto. Agradecimentos Apoio financeiro do INNT-INCT, CNPq, CAPES e FAPERJ. Referências 1. Quartz SR, Sejnowski, TJ. The neural basis of cognitive development: A construtivist manifesto. Behav Brain Sci 1997;20:537-96. 2. LeDoux J. Synaptic self: How our brains become who we are. New York: Viking; 2002 3. Oliva AD, Dias GP, Reis RAM. Plasticidade sináptica: natureza e cultura moldando o self. Psicologia: Reflexão e Crítica 2009;22:128-35. 4. Lui JH, Hansen DV, Kriegstein AR. Development and evolution of the human neocortex. 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Neste breve artigo iremos discutir o processo de seleção dos linfócitos e também alguns mecanismos para a manutenção homeostática deste sistema. Já sabemos que falhas na resposta imune adaptativa levam às doenças. Precisamos agora identificar maneiras de controlar a resposta imune específica. Assim poderemos contribuir para melhorar o tratamento de doenças autoimunes, onde ocorre ativação exacerbada contra autoantígenos. Ao mesmo tempo poderemos favorecer uma melhor resposta imune em doenças onde o sistema imune é reprimido, como câncer. *Pesquisadora Científica do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração – InCor, FMUSP, São Paulo, **Professor Titular de Imunologia Clínica e Alergia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP, São Paulo (SP), Brasil, Diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração – INCOR, São Paulo (SP), Coordenador do Instituto de Investigação em Imunologia (III), INCT – MCT, Diretor do Instituto Butantan, São Paulo Correspondência: Prof. Dr. Jorge Kalil, Av. Dr Eneas de Carvalho Aguiar, 44 bloco II 9 andar São Paulo SP, Tel: (11) 2661-5900, e-mail: [email protected] Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Todos os organismos, de bactérias até vertebrados possuem sistemas que permitem discriminar o próprio do não próprio e todos possuem mecanismos de defesa contra o não próprio. Este sistema de imunidade inata, em geral, está baseado na utilização de receptores geneticamente codificados, que reconhecem moléculas comuns a muitos patógenos, e possibilita uma resposta imune imediata. Um sistema imune bem mais complexo é encontrado em vertebrados. Além da imunidade inata, os vertebrados também contam com o sistema imune adaptativo (Figura 1). As células, chamadas de linfócitos T e B, montam receptores antigênicos capazes de reconhecer antígenos específicos através da recombinação aleatória de genes. Uma vantagem importante é que este sistema é capaz de memória, guardando a informação para fazer uma resposta imune mais rápida frente ao mesmo antígeno no futuro [1-3]. Figura 1 – Esquema ilustrativo da evolução do sistema imune indicando a presença da imunidade adaptativa somente em vertebrados. Enquanto os receptores da imunidade inata reconhecem especialmente moléculas não próprias, o sistema imune adaptativo precisa aprender a fazer esta distinção. A habilidade de discriminar o próprio e o não próprio é feita inicialmente nos órgãos linfóides primários, sendo chamada de tolerância central [4]. No timo, para os linfócitos T, e na medula óssea, para os linfócitos B, ocorre a eliminação das células que reconhecem antígenos próprios com alta afinidade. O receptor de antígenos encontrado nos linfócitos T é chamado de TCR e aquele encontrado nos linfócitos B é o BCR. O processo de seleção dos linfócitos utiliza inicialmente somente antígenos próprios e ele é dividido em duas etapas. Inicialmente ocorre seleção positiva – somente células que expressam um receptor antigênico funcional recebem sinal para sobrevivência. Em sequência ocorre a seleção negativa – morte dos clones que apresentam alta afinidade por antígenos próprios (Figura 2). A apresentação dos antígenos é feita por células especializadas, entre elas as células dendríticas, os macrófagos e as células epiteliais do timo, chamadas coletivamente de APC (Antigen Presenting Cell). As APC associam os antígenos a moléculas do complexo MHC (Major Histocompatibity Complex) e este complexo é então reconhecido pelos linfócitos (Figura 3) [5]. Assim, através da interação com as APC, os linfócitos são capazes de reconhecer simultaneamente células próprias já que elas identificam as moléculas MHC e ainda identificam o antígeno que está sendo exposto. Figura 2 – Durante o processo de seleção clonal, os linfócitos cujo TCR não reconhece as moléculas do MHC são eliminados, sofrem processo de morte e sua diferenciação não segue a diante 43 44 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q (Negligência). As células que apresentam um TCR funcional, mas com alta afinidade por antígenos próprios sofrem processo de seleção negativa, também por indução de morte celular. Já os linfócitos com TCR funcional, mas com afinidade intermediária por antígenos próprios são selecionados positivamente e após o completo processo de seleção e maturação eles seguirão para a periferia. Figura 3 – Esquema representativo da interação entre uma célula apresentadora de antígenos e um linfócito T. O receptor antigênico dos linfócitos T, o TCR, somente reconhece antígenos associados a moléculas de MHC presente nas células apresentadoras. Este complexo, associado a outras proteínas, é chamado de sinapse imunológica. A interação entre a célula apresentadora de antígeno e o linfócito é essencial para o desenvolvimento da resposta imunológica. O sítio onde ocorre este contato entre as células é chamado de sinapse imunológica. As sinapses imunológicas são formadas, como resultado da firme ligação entre o receptor de células T e o complexo péptido-MHC presente na membrana da APC [6,7]. Neste sítio de interação entre as células encontramos proteínas do citoesqueleto e moléculas de adesão, responsáveis por manter um firme contato entre as duas células. Neste complexo também são encontradas as proteínas responsáveis pela chamada transdução do sinal, cascata de ativação das proteínas que tornarão o linfócito ativado. Assim, a formação da sinapse imunológica é vital então para o reconhecimento do antígeno, para a manutenção da estabilidade da interação entre as células e ainda para ocorrer a própria ativação dos linfócitos. Este agrupamento de toda a maquinaria responsável pela ativação dos linfócitos se correlaciona com uma resposta imune eficiente capaz de gerar linfócitos T efetores e de memória [6,7]. Embora tenhamos mencionado a formação da sinapse imunológica em linfócitos T ela também é observada em linfócitos B. A “rota” para o processo de seleção e ativação seguida pelos linfócitos T pode ser resumida da seguinte maneira: as células precursoras saem da medula óssea e entram no timo através dos vasos sanguíneos. Estas células devem então montar um receptor TCR funcional através de um processo de recombinação gênica. A partir daí começam a interagir com as células epiteliais do córtex tímico. As células cujo TCR funcional, capaz de reconhecer MHC das APC com afinidade Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q intermediária pelos antígenos próprios, são selecionadas positivamente, se diferenciam em linfócitos CD4+ ou CD8+ e migram para a medula tímica onde interagem com as células dendríticas ou com as células epiteliais. Na medula as células que reconhecem antígenos próprios com alta afinidade sofrem processo de morte induzida [8]. Os linfócitos que conseguem passar por todo este processo seguem para a periferia. O processo de diferenciação dos linfócitos B é bastante semelhante. No entanto o processo de rearranjo é feito na medula óssea [9]. Na periferia estes linfócitos podem então encontrar um antígeno que ligue ao seu receptor. Quando ocorre a ligação receptor-antígeno os linfócitos se tornam ativados, proliferam, possibilitando uma resposta específica para o antígeno alvo. Alguns dos linfócitos ativados vão se diferenciar em linfócitos de memória, são estas as células que induzirão uma resposta rápida se o mesmo antígeno for encontrado no futuro [10]. Apesar do processo de seleção muitos linfócitos autorreativos vão para a periferia. Em muitos casos esses linfócitos induzem doenças autoimunes [11], como o lupus e a esclerose múltipla. Para evitar tamanho problema o sistema imune conta ainda com mecanismos adicionais de controle de ativação (Figura 4). Figura 4 – O reconhecimento de um antígeno pelo TCR pode induzir diferentes tipos de resposta imune. Após processo de seleção dos linfócitos T no timo (ou linfócitos B, na medula óssea), os linfócitos seguem para a periferia. Os linfócitos que reconhecem moléculas não próprias, ao encontrarem seu antígeno específico, se tornam linfócitos efetores e dão origem à resposta imune adaptativa. Durante este processo também ocorre a formação de linfócitos de memória. Quando ocorre o reconhecimento de um antígeno próprio, o sistema imune conta com mecanismos de indução de tolerância periférica, onde ocorre a morte ou a anergia do linfócito autorreativo. O reconhecimento do antígeno próprio sem a indução de tolerância induz o desenvolvimento de doenças autoimunes. Linfócitos T que reconhecem antígenos não próprios podem favorecer o desenvolvimento de doença autoimune devido à semelhança molecular entre o antígeno não próprio (de um patógeno, por exemplo) e um antígeno próprio, por reatividade cruzada. Um deles é a tolerância periférica. Em geral a seleção negativa elimina os clones com alta afinidade por antígenos próprios, então os mecanismos de tolerância periférica têm que lidar com receptores de afinidade media por antígenos próprios. As células apresentadoras de antígeno, em especial as células dendríticas (DC), têm papel crucial na manutenção da tolerância periférica. Na presença de patógenos, por exemplo, as DC aumentam a expressão de moléculas co-estimulatórias e do MHC e se tornam imunogênicas (Figura 4). Estas DC induzem/ativam os linfócitos a secretarem fatores de crescimento autocrinos, como a interleucina-2 favorecendo a proliferação 45 46 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q dos linfócitos. É possível então montar uma resposta immune eficaz [12]. Por outro lado, DC que apresentam antígenos próprios secretam fatores envolvidos com a indução de anergia nos linfócitos. A anergia é um estado de hiporreatividade dos linfócitos, estes não se tornam ativados após o encontro com um antígeno (Figura 4), possivelmente devido à intereção com CTLA4 ou PD1 (Cytotoxic T-Lymphocyte-Associated Antigen 4 e Programmed Cell Death, respectivamente). CTLA-4 é necessário para a indução do processo anérgico. O PD-1 é essencial para manter os linfócitos no estado de não resposta, em parte inibindo a interação estável entre os linfócitos e as células apresentadoras de antígeno [12,13]. Além da anergia, linfócitos autorreativos podem ser levados à morte por apoptose através dos chamados receptores de morte, como o Fas. Os linfócitos autorreativos podem também ser controlados na periferia por outros linfócitos T, os chamados linfócitos reguladores (Treg) naturais. Estas células também sofrem processo de maturação no timo conforme descrito anteriormente. No entanto, por um mecanismo ainda pouco conhecido algumas destas células começam a expressar uma proteína chamada FoxP3. Estes linfócitos quando migram para a periferia têm capacidade de inibir a ativação e proliferação de outros linfócitos [14]. Assim observamos que o sistema imune além de aprender a distinguir o próprio do não próprio, selecionando negativamente grande parte dos linfócitos autorreativos também conta com mecanismos para limitar a atividade de células na periferia. Um fato bem interessante é que o sistema imune às vezes pode ser induzido a erro. Um fenômeno curioso é o mime- tismo molécular. O mimetismo molécular é a semelhança estrutural, funcional ou imunológica entre macromoléculas encontradas em patógenos e em tecidos do hospedeiro. Esta semelhança entre moléculas pode ser determinante para o desencadeamento de doenças autoimunes [15]. A resposta imune observada durante uma infecção podem induzir respostas autoimunes que atacam e destroem tecidos e órgãos do corpo, o estado de tolerância é quebrado e uma resposta imune deletéria é observada contra autoantígenos. Assim, a semelhança molecular de um autoantígeno com um antígeno de um patógeno pode favorecer a doença autoimune devido a uma reatividade cruzada (Figura 4). Resultados obtidos em nosso laboratório confirmaram a reatividade cruzada entre patógenos e moléculas do tecido cardíaco [16]. O mimetismo molecular entre antígenos do Streptococcus pyogenes e a miosina cardíaca tem sido considerado como um mecanismo que leva a reações autoimunes na febre reumática e na doença reumática do coração [17]. Em nosso laboratório avaliamos em ensaio de proliferação a resposta das células T obtidas de lesões contra a cadeia leve da meromiosina, peptídeos estreptocócicos M5 e proteínas derivadas de válvula mitral. Vários clones intralesionais de células T apresentaram reatividade cruzada entre os diferentes estímulos. O alinhamento da meromiosina e de peptídeos da proteína M estreptocócicas mostrou homologia frequente entre substituições de aminoácidos conservadas. O alto percentual de reatividade contra miosina cardíaca reforçou assim o seu papel como um dos principais auto-antígenos envolvidos nas lesões cardíacas reumáticas [18]. Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Outro exemplo onde o mimetismo molecular contribui para uma patologia é a doença de Chagas [19]. A cardiomiopatia chagásica crônica é um dos poucos exemplos de autoimunidade pós-infecciosa, onde episódios de infecção com um patógeno, o protozoário Trypanosoma cruzi, claramente desencadeiam danos ao tecido cardíaco. Linfócitos T CD4+ infiltrantes que reconhecem a proteína imunodominante B13 do T. cruzi obtidos de pacientes chagásicos também apresentam reatividade cruzada contra a miosina cardíaca humana. Os dados atuais sugerem fortemente a importância do mimetismo molécular entre miosina cardíaca e proteína B13 de T. cruzi na patogênese da lesão cardíaca na cardiomiopatia chagásica crônica [20]. Desde que Burnet [21,22] formulou a teoria da seleção clonal muito trabalho foi dedicado a elucidar os mecanismo que levam à montagem do repertório de linfócitos de cada indivíduo. Embora o conhecimento sobre o assunto esteja progredindo a cada dia ainda precisamos identificar maneiras de controlar a resposta imune específica. Assim poderemos contribuir para melhorar o tratamento de doenças autoimunes, onde ocorre ativação exacerbada contra autoantígenos. Ao mesmo tempo poderemos favorecer uma melhor resposta imune em doenças onde o sistema imune é reprimido, como câncer. O caminho pode ainda ser longo, mas os resultados serão recompensadores. Referências 1. Müller WE, Blumbach B, Müller IM. Evolution of the innate and adaptive immune systems: relationships between potential immune molecules in the lowest metazoan phylum (Porifera) and those in vertebrates. Transplantation 1999;15;68(9):1215-27. 2. Medzhitov R, Janeway CA Jr. An ancient system of host defense. Curr Opin Immunol 1998;10(1):12-5. 3. R a s t J P , L i t m a n G W . T o w a r d s understanding the evolutionary origins and early diversification of rearranging antigen receptors. Immunol Rev 1998; 166:79-86. 4. G a l l e g o s A M , B e v a n M J . C e n t r a l tolerance: good but imperfect. Immunol Rev 2006;209:290-6. 5. 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Não obstante, os últimos anos vêm testemunhando um intenso recrudescimento do interesse pela produção freudiana em diversos campos de investigação neurocientífica. Neste breve artigo faço um sumário das principais linhas de pesquisa desenvolvidas na confluência da neurobiologia e da psicanálise, com ênfase no estudo da relação entre sonho, memória e o inconsciente. Palavras-chave: psicanálise, refutação, ciência. Abstract Sigmund Freud built an influential theory regarding the architecture and functioning of the mind, but his psychoanalytic work was rejected by science because it was considered to be non-testable, and therefore metaphysical. Nevertheless, the recent years have witnessed an intense resurgence of the interest in Freudian contributions within various fields of neuroscience research. In this brief article I make a summary of the main lines of research developed at the confluence of neurobiology and psychoanalysis, with emphasis on the study of the relationship among dream, memory and the unconscious. Key-words: psychoanalysis, refutation, science. Instituto do Cérebro, Universidade Federal do Rio Grande do Norte Correspondência: Sidarta Ribeiro, Instituto do Cérebro, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Av. Nascimento de Castro 2155, 90560-450 Natal RN, Tel: (84) 3215-2709, E-mail: [email protected] 49 50 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Um outro ramo muito mais significativo de investigação psicológica originário da psiquiatria permanece notavelmente isolado e desconectado, embora mereça mais que qualquer outro campo da psicologia ser chamado de científico [...] por mais que rejeitemos o edifício teórico construído por Sigmund Freud e Carl Jung, [...] não pode haver dúvida de que ambos foram observadores talentosos que assinalaram pela primeira vez certos fatos irrevogáveis e inalienáveis do comportamento coletivo humano. Konrad Lorenz [1] Há 156 anos nascia na Morávia, atual República Tcheca, um dos mais ambiciosos e influentes pensadores de todos os tempos. Excelente escritor, arrojado, prolífico e criativo, Sigmund Freud construiu uma ampla teoria sobre a arquitetura e funcionamento da mente, inicialmente com grandes repercussões na biologia e medicina [2]. Fez múltiplas descobertas seminais sobre a psicologia humana, desenvolveu um revolucionário método terapêutico, conjurou um círculo influente de colaboradores, cultivou discípulos fervorosos e delineou um campo de investigação inteiramente novo, equipado com métodos e terminologias próprios: a psicanálise. Em vida, Freud enfrentou ferrenha oposição, até que a perseguição do nazismo o levou ao exílio e à morte. Entretanto, nada conseguiu impedir que as idéias desse judeu descobridor da sexualidade infantil, pioneiro da investigação do inconsciente e da escuta atenta do paciente invadissem a mentalidade ocidental. Com o tempo a teoria freudiana ultrapassou suas fronteiras originais no âmbito da psiquiatria, extravasando para as ciências humanas e as artes. A onipresença no vocabulário leigo de conceitos como “inconsciente”, “ego”, “repressão” e “complexo de Édipo“ revela a profunda influência da teoria freudiana no imaginário coletivo. Mesmo assim, não é exagero dizer que Freud “ganhou mas não levou”. Se abriu portas e janelas nas Humanidades, não encontrou morada dentro da própria Ciência. Veementemente questionado pela psiquiatria de seu tempo, Freud foi rejeitado pelas gerações seguintes de neurocientistas, até tornar-se alvo de desprezo a priori, indigno mesmo de ser lido e debatido seriamente. Essa ojeriza a Freud remonta à sua descrição do fenômeno onírico como chave essencial para compreender a psiquê, através da relação com os pensamentos inconscientes, os delírios e a transformação simbólica das memórias indesejadas. No início dos anos 1950 descobriu-se que os sonhos coincidem quase sempre com uma fase específica do sono, marcada por movimentos rápidos dos olhos [3,4]. A existência desse estado cerebral conhecido como sono REM (acrônimo de rapid-eye-movement) foi interpretada como um golpe na teoria freudiana, reduzindo o sonho a um mero estado fisiológico de precisa definição mas limitada transcendência [5]. Quase concomitantemente veio um segundo ataque, com a descoberta e rápida disseminação terapêutica da primeira geração de drogas capazes de debelar surtos psicóticos sem qualquer necessidade de escutar o paciente falar sobre suas vivências [6]. Essas drogas atuam como antagonistas do neurotransmissor dopamina, e seu advento pareceu retirar a psicose da nebulosa esfera do sonho para remetê-la ao mundo concreto da farmacologia. O golpe de misericórdia em Freud foram as tentativas fracassadas de corroborar sua teoria das neuroses, segundo a qual traumas psicológicos Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q se expressam como sintomas físicos aparentemente não relacionados com suas causas, mas tratáveis pela tomada de consciência do trauma gerador. Até mesmo por sua natureza idiossincrática, a cura pela palavra permanece controvertida até hoje. O descrédito científico da psicanálise teve profundas consequências. A despeito da origem acadêmica de Freud, os círculos psicanalíticos se voltaram progressivamente para o universo da cultura, afastando-se cada vez mais do empirismo quantitativo da biologia, química e física. Algumas vertentes, em especial a Lacaniana, se entregaram ao sectarismo reativo e ao culto à personalidade, gerando um triunfalismo anti-científico que abdicou integralmente da pesquisa neural e teve resultados desastrosos para a inserção biomédica da psicanálise a partir dos anos 1960. O divórcio foi expresso de forma cabal pelo filósofo Karl Popper, quando afirmou que a psicanálise é intrinsecamente incapaz de produzir hipóteses testáveis. Desde então, vulgarizou-se a opinião de que Freud não construiu ciência alguma e sim uma coleção estapafúrdia de metáforas mitológicas, uma teoria irrefutável por meio de experimentos que não passaria, portanto, de metafísica. Nas palavras de Popper, “a psicanálise é simplesmente não-testável, irrefutável. Não há comportamento humano concebível que possa contradizê-la” [7]. Assim, se é inquestionável que a teoria de Freud impregnou a cultura ocidental, também é forçoso reconhecer que o fez de uma forma banalizada, massificada e pop. Nos últimos 70 anos, Freud foi considerado tão relevante para a neurociência quanto Marx para o mercado de ações ou Darwin para os neo-criacionistas. Parafraseando o biólogo Alfred Kinsey, se todos são freudianos, então ninguém é freudiano. Tratado ao longo do século XX como profeta, depravado ou charlatão, eis que neste início de milênio o velho Sigmund regressa ao centro da pesquisa neurocientífica, ressurgindo em tantas frentes distintas de investigação que já não se pode ignorá-lo. Um dos temas freudianos mais centrais são as reminiscências da vigília dentro do sonho. Tais “restos diurnos” já foram extensamente observados em humanos e roedores durante ambas as fases do sono, tanto a nível molecular [8-11] quanto eletrofisiológico [12-14]. Sabemos hoje que a interrupção da interferência sensorial que o sono propicia induz uma reverberação mnemônica que é crucial para a consolidação duradoura do aprendizado [15,16]. Uma tradução neurobiológica de conceitos clássicos da psicanálise permite atualizar a famosa afirmação freudiana de que “o sonho é o caminho real para o inconsciente”: enquanto as memórias correspondem aos “conglomerados de formações psíquicas”, sua totalidade, o banco completo de memórias adquiridas pelo indivíduo (e todas suas combinações possíveis), constitui “o inconsciente”. Embora apareça nas obras de Paracelsus, Spinoza, Leibniz, Schelling, Schopenhauer, Kierkegaard, Nietzsche, William James e Dostoievski, foi apenas a partir de Freud que o inconsciente passou a ocupar um lugar dominante na Psicologia. Nesse sentido, dois conceitos estritamente associados à obra freudiana são a repressão inconsciente e a supressão consciente de memórias. Através de estudos de ressonância magnética funcional, descobriu-se que a supressão de memórias indesejadas, pioneiramente descrita por Freud, não apenas existe objetivamente como requer uma desa- 51 52 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q tivação de regiões cerebrais dedicadas às memórias e emoções (hipocampo e amígdala), através da ativação de porções relacionadas à intencionalidade (córtex pré-frontal) [17,18]. Quanto à sexualidade infantil, escandalosa na Viena do século XIX, sabemos hoje que se trata de um componente normal do desenvolvimento da criança, tornando-se horrenda apenas quando abusada por adultos. O que nos conduz a uma das partes mais polêmicas da teoria freudiana, justamente a noção de que traumas psicológicos podem ocasionar sintomas comportamentais graves. Por décadas a ciência permaneceu cética a esse respeito, pois duvidava-se de que a exposição precoce a estímulos aversivos poderia marcar uma pessoa de forma perene, sobrepujando determinações genéticas “saudáveis”. Tal opinião mudou radicalmente com a descoberta de alterações hereditárias na expressão de genes e de fenótipos celulares através de mecanismos que não envolvem alterações na sequência dos nucleotídeos, mas sim modificações químicas do ADN capazes de afetar células germinativas e portanto se transferir para a prole. Um exemplo particularmente impactante foi a demonstração de que a regulação epigenética do receptor glucocorticóide no hipocampo humano está associada ao abuso durante a infância [19]. Nesse estudo, descobriu-se que um grupo de suicidas com histórico de abuso infantil expressava menor quantidade de receptores glucocorticóides no hipocampo, associada à metilação do promotor do gene que codifica tais receptores. Ao reduzir a taxa de transcrição do gene e consequentemente diminuir os níveis de receptores, essa metilação pode haver tornado os indivíduos menos tolerantes ao estresse, levando-os ao suicídio. Talvez a objeção mais cáustica à psicanálise seja a afirmação de que seu objeto de pesquisa, o mundo das idéias, é irremediavelmente opaco à observação direta. Mas até essa crítica vem sendo refutada pela pesquisa neurocientífica recente, em face dos avanços tecnológicos que permitem o estudo não-invasivo do conteúdo mental [20]. Se vivo estivesse, Freud provavelmente levaria o divã para dentro de um scanner de ressonância magnética. De todo modo, a rememoração do trauma num contexto de estimulação sensorial amena, típica do setting psicoanalítico, se assemelha bastante ao que ocorre em outras técnicas psicoterápicas validadas pela medicina para o tratamento do transtorno de estresse pós-traumático, como a estimulação repetitiva, o relaxamento, a habituação ao relato traumático, a reinterpretação cognitiva em contexto não-ameaçador, e o uso de fármacos capazes de enfraquecer a memória traumática após sua evocação. Para além da questão clínica, é preciso reconhecer que a psicanálise muitas vezes não objetiva a cura, nem termina por si mesma. Uma de suas funções mais importantes é dar sentido ao complexo conjunto de símbolos que cada um carrega em si, servindo não necessariamente para atingir a cura, mas para o auto-conhecimento. Se a dor é inerente à condição humana, a psicanálise propõe fazer da própria vida uma obra de arte. É chegada a hora do retorno de Freud ao seio da neurociência. Para isso será preciso dissolver os preconceitos mútuos entre psicanalistas e neurocientistas. Os psicanalistas temem, com certa razão, que a ciência invada seus domínios de forma arrogante, prenhe de chauvinismo Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q reducionista, com a tirania da eficácia objetiva, ignorante e desprovida de introspecção. Também têm receio de sair do refúgio seguro que o isolamento provê. A própria tradição freudiana, historicamente fragmentada em guetos beligerantes, padece da carência de diálogo. O desenvolvimento da teoria fundada por Freud clama por novas sínteses fundadas no empirismo biológico. Por outro lado, é premente reconhecer a importância da psicanálise para a neurociência. Freud não é descartável nem mera curiosidade histórica. Ao contrário, ele nos legou um extenso programa de pesquisa, rico em observações relevantes e hipóteses testáveis, um verdadeiro projeto para uma psicologia científica. É preciso reler sua obra com os olhos do presente, testando as idéias e reformando o edifício herdado. A língua franca desse releitura é a investigação experimental da relação entre mente e cérebro. Referências 1. Lorenz K. The natural science of the human species: an introduction to comparative behavioral research (the Russian manuscript). In: Cranach A, ed. 1st ed. Massachusetts: MIT Press; 1996. 2. Freud S. Obras completas. São Paulo: Companhia das Letras; 2010. 3. Aserinsky E, Kleitman N. Regularly occurring periods of eye motility, and concomitant phenomena, during sleep. Science 1953;118:273-4. 4. Dement W, Kleitman N. Cyclic variations in EEG during sleep and their relation to eye movements, body motility, and dreaming. Electroencephalogr Clin Neurophysiol 1957;Suppl 9:673-90. 5. Flanagan O. Dreaming is not an adaptation. Behav Brain Sci 2000;23:936-9. 6. H e a l y D . T h e c r e a t i o n o f psychopharmacology. Massachusetts: Harvard University Press; 2004. 7. Popper KR. 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Se por um lado este conceito, na sua formulação original, aparentemente não resistiu à prova do tempo, por outro ele serviu, e muito bem, para a construção da base teórica sobre a qual repousa o nosso conhecimento sobre os mecanismos de cognição pelo sistema imune de vertebrados mandibulados [1,2]. Há alguns anos, Polly Matzinger fez um interessante relato histórico e uma análise crítica dos diferentes modelos propostos para explicar o reconhecimento imunológico, que se seguiram à postulação de Burnet [3,4]. Em 1970 Bretscher e Cohn [5] propuseram a necessidade de um segundo sinal para a correta e eficiente ativação específica dos linfócitos B. Segundo estes autores este sinal seria gerado por uma outra célula que não os linfócitos B e que foi posteriormente caracterizada como uma célula T auxiliar (helper). A lógica de Bretscher e Cohn para a postulação de um duplo sinal foi a de que este mecanismo de cooperação diminuiria as possibilidade de uma resposta auto-imune. O reconhecimento antigênico por células B na ausência do segundo sinal induziria a morte deste linfócito. Em 1975 Lafferty e Cunningham [6] partindo de observações oriundas da transplantologia experimental e de estudos em doenças auto-imunes, sugeriram, que também as células T necessitam de um segundo sinal para a sua ativação. Este seria fornecido por células hoje conhecidas como células apresentadoras de antígeno (macrófagos e células dendríticas). É interessante notar que ambas as propostas acima descritas foram formulações hipotéticas confirmadas experimentalmente alguns anos mais tarde. A hipótese dos dois sinais de Bretscher e Cohn, confirmada pela descrição da células T-auxiliar (helper T-cell) como já Laboratório de Biologia Celular, Instituto Oswaldo Cruz Correspondência: Fundação Oswaldo Cruz, Instituto Oswaldo Cruz, Av. Brasil 4365 Manguinhos 21040-360 Rio de Janeiro RJ, Tel: (11) 2562-1368, E-mail: [email protected] 55 56 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q descrito acima, e a de Lafferty e Cunnigham pelas observações de Jenkins e Schwartz em 1987 [7] de que macrófagos fixados não eram capazes de ativar células T específicas e que o reconhecimento imunológico na ausência de sinais co-estimulatórios era tolerogênico [8]. Os sinais co-estimulatórios foram posteriormente identificados como as moléculas B7.1, B7-2, CD28, CTLA-4 e CD40 e seu ligante e introduziram um novo nível de complexidade ao fenômeno da regulação da resposta imune [8]. Uma consideração interessante é a de que enquanto a idéia de um segundo sinal de cuja gênese participa um linfócito T, foi imediatamente aceita pela comunidade imunológica da época; o mesmo não foi verdade para a sinalização via macrófago. Uma interpretação possível é a de que esta última célula, por não possuir receptores específicos para antígenos, mas, ao contrário, ser capaz de internalizar qualquer molécula ou partícula, não poderia participar de um mecanismo finamente controlado e com alto poder discriminatório como é o reconhecimento antigênico. É importante chamar a atenção para o fato de que, apesar dos primeiros trabalhos publicados descrevendo a apresentação de fragmentos antigênicos por macrófagos [9-12] serem da mesma época da formulação dos modelos de Bretscher e Cohn e de Lafferty e Cunnigham, o aceite definitivo da noção de que macrófagos - e posteriormente também células dendríticas eram capazes de apresentar fragmentos antigênicos para células T, via moléculas de histocompatibilidade, só aconteceu muitos anos mais tarde. Um verdadeiro corte epistemológico aconteceu em 1989 quando Charles Janeway [13] redefiniu e restringiu a noção do “não-próprio”, reconhecido pelo sistema imune, ao “não-próprio infeccioso” conseguindo assim, pelo menos aparentemente, a síntese da dicotomia do “próprio” e do “não-próprio”. Segundo Janeway, uma série de receptores, geneticamente codificados, expressos em macrófagos e em outras células do sistema imune inato reconhecem estruturas caracteristicamente presentes em microrganismos patogênicos e ausentes nos seus hospedeiros. O reconhecimento destas moléculas confere ao sistema imune a competência de distinguir o “próprio“ do “não próprio infeccioso” e assim iniciar uma resposta inflamatória e eventualmente imunoprotetora [14]. As moléculas presentes nos microrganismos patogênicos e reconhecidas pelos receptores da resposta imune inata foram coletivamente chamadas de PAMPS (pathogen-associated molecular patterns- padrões moleculares associados a patógenos) e os receptores que as reconhecem foram chamados de PRR (pathogen recognition receptores- receptores que reconhecem patógenos). Diferentes PAMPS caracterizam diferentes microrganismos patogênicos, desde vírus até protozoários e diferentes receptores reconhecem padrões moleculares que definem um conjunto de patógenos. O modelo de Janeway reviveu e impulsionou os estudos sobre o sistema imune inato, sedimentou o conceitos da apresentação de antígeno e de co-estimulação e motivou a caracterização molecular e funcional dos PRR como TLRs (Toll-like receptors) que conferiram a Hoffman e Beutler o premio Nobel de 2011. Finalmente, Polly Matzinger postula o modelo do perigo (Danger model) [15] sugerindo que as células apresentadoras de antígeno são ativadas por sinais de Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q perigo provenientes de células e tecidos que sofreram traumas ou injurias de diferentes origens tais como infecções, venenos ou toxinas, irradiações, lesões mecânicas e outras. A mudança conceitual gerada por este modelo está no fato de que enquanto nos modelos anteriormente propostos a qualidade e a intensidade da resposta imune eram definidas por células e sinais do próprio sistema, no modelo do perigo o controle é exercido por todos as células e tecidos de um organismo. Tecidos saudáveis geram tolerância e tecidos lesados geram imunidade. Uma consequência importante do modelo foi definida quando da descrição da morte por apoptose em contraposição à morte por necrose: a primeira era tolerogênica enquanto que a segunda era imunogênica. Por razões que seriam mais apropriadamente discutidas em um artigo sobre história ou sociologia da ciência a hipótese de Polly Matzinger foi recebida como uma curiosidade inteligente e criativa, mas que carecia de uma sólido base experimental e assim encarada com muito ceticismo pela comunidade imunológica da época. A idéia do perigo como gerador de moléculas capazes de ativar o sistema imune inato reviveu, sem necessariamente dar o merecido crédito a Polly Matzinger, incorporando os DAMPs (danger associated molecular patterns) ao repertório de possíveis ligantes de TLRs, como uma alternativa (não mutuamente exclusivas) aos PAMPs de Janeway. Para este renascimento contribuíram os trabalhos que importaram para as doenças infecciosas em animais, os conceitos de resistência e tolerância (não confundir com tolerância imunológica) oriundos da patologia vegetal. Infectologistas e imunologistas em geral assumem que a estratégia de defesa de um organismo envolve mecanismos que bloqueiam a invasão ou eliminam o microrganismo patogênico [16]. No entanto o hospedeiro pode também se defender limitando o dano tecidual causado por uma infecção. Resistência, neste contexto, é definida como a capacidade de limitar a carga infectiva enquanto que tolerância é definida como a capacidade de limitar o dano tecidual induzido pelo microrganismo patogênico incluindo-se aqueles gerados por fenômenos inflamatórios e imunopatológicos [16]. De fato, um trauma físico pode causar efeitos teciduais semelhantes ou idênticos àqueles causados por microrganismos patogênicos. No entanto as respostas esperadas e obtidas em cada uma das situações podem ser muito diferentes. A diferença de sinalização entre PAMPs (ligantes exógenos) e DAMPs (ligantes endógenos) foi experimentalmente evidenciada [17] em um modelo de necrose hepática induzida por um agente tóxico e portanto na ausência de infecção. O fígado de camundongos tratados com um agente hepatotóxico liberam HMGB1(high mobility group Box 1) um componente da cromatina. HMGB, à semelhança de alguns PAMPs, liga-se aos receptores TLR2, TLR4 e TLR9 e induz uma reação inflamatória mimetizando PAMPs. No entanto HMGB1 liga-se também a outros receptores de membrana (e.g. CD-24) e uma lectina ligadora de ácido siálico (Siglec-G). A sinalização induzida pela interação HMGB1 com CD-24 e a consequente formação de um complexo com Siglec-G modificam a sinalização via HMGB1/TLR, inibindo o dano tecidual causado pela ativação de NFkB (Figura 1) [18]. 57 58 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Figura 1 – Sinais de perigo. Sinais exógenos e endógenos, como bactérias e molécu- las de células hospedeiras respectivamente, induzem a resposta inflamatória através receptores Toll-like. No entanto, uma via de sinalização específica limita a resposta aos sinais endógenos. Este mecanismo pode prevenir uma resposta imunológica descontrolada a lesões induzidas por agentes físicos [18]. O complexo CD24/Siglec G reconhece também, por exemplo, proteínas de choque térmico (DAMPs) mas não reconhece LPS, um típico PAMP característico de bactérias Gram negativas. Um fato interessante é o de que ambos, HMGB1 e os TLRs são filogeneticamente mais antigos do que CD-24 e Siglec G que só surgiram nos vertebrados. Este dado sugere que o sistema de controle pelos DAMPs foi evolutivamente co-optado pelo sistema de ativação via TLRs. Hoje já existem bem caracterizados um grande numero de ligantes endógenos com TLRs definidos como seus receptores; dentre eles proteínas e peptídeos, ácidos graxos e fosfolipídios, proteoglicanas e glicosaminoglicanas e ácidos nucléicos isolados ou complexados a proteínas [19]. Assim como em uma resposta imune descon- trolada são observados efeitos colaterais eventualmente danosos ao organismo, também a ativação por níveis elevados de DAMPs pode ser responsável por várias patologias de natureza inflamatória e autoimune inclusive a aterosclerose - doença para a qual alguns autores atribuem uma origem inflamatória/infecciosa – e câncer [19,20]. O ciclo histórico aqui descrito chama a atenção para o sistema imune inato como uma nova forma de operacionalizar a discriminação entre o próprio e o nãopróprio: não no reconhecimento mas no controle da efetuação. Não deixa de ser irônico que um sistema desprovido da sofisticada organização em receptores idiotípicos clonalmente distribuídos, possa exercer uma das mais nobres funções do sistema imune. Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Neste contexto é importante chamar a atenção para a hipótese de que entre as pressões seletivas responsáveis pelo evolução de um sistema imune adaptativo esteja o da necessidade de discriminação entre MAMPs (microbial associated molecular patterns) e PAMPs (pathogen associated molecular patterns) presentes na flora bacteriana de vertebrados [19]. Referências 1. Burnet FM. The clonal selection theory of acquired immunity. Nashville TN: Vanderbilt University Press, Nashville; 1959. 2. K o s h l a n d J r D E . R e c o g n i s i n g self from nonself. Science 1990;24894961):1273. 3. Matzinger P. The danger model: a renewed sense of self. Science 2002;296 (5566):301-5. 4. Matzinger P. 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Para tal, usamos uma abordagem holística utilizando ferramentas de bioinformática aliadas ao crescente corpo de informação disponível sobre o genoma e proteoma dos diferentes organismos que habitam nosso planeta. Concluímos que, embora o compartilhamento de Ag entre patógenos e seus hospedeiros seja lugar comum, tal fenômeno não constitui, via de regra, um risco para a indução de doenças auto-imunes em presença de mecanismos íntegros de regulação da resposta imune. Palavras-chave: genoma, proteoma, bioinformática. *Médico e Doutorando em Imunologia do Laboratório de Inflamação e Imunidade, Departamento de Imunologia, Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes, Universidade Federal do Rio de Janeiro (programa MD/PhD), **Médico e Doutor em Biologia Humana, Membro da Academia Nacional de Medicina, Pesquisador Titular da Fiocruz e do CNPq, Cientista do nosso Estado da Faperj e Coordenador do Centro de Pesquisa, Diagnóstico e Treinamento em Malária da Fiocruz Correspondência: Yuri Chaves Martins, Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, Instituto Oswaldo Cruz – Fiocruz, Laboratório de Pesquisas em Malária, Av. Brasil 4365, Pavilhão Leônidas Deane, 5º andar 21045-900 Rio de Janeiro RJ, Tel/Fax: (21) 3865-8145, E-mail: [email protected], [email protected] Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Abstract In the present paper, we consider and discuss the phenomenon of immune response to pathogens, from the perspective of the challenge of maintaining immune tolerance to self-antigens (self-Ag), that may resemble microbial and parasitic antigens (Ag), in case of infection. We use a holistic approach using bioinformatics tools allied to the growing amount of information available about the genome and proteome of different organisms. We conclude that, although the Ag sharing between pathogens and their hosts is a common place, the induction of autoimmune pathology as a result of infection, is not an usual risk in the presence of intact mechanisms of immune response regulation. Key-words: genome, proteome, bioinformatics Introdução sobre a identidade protéica entre os organismos (ou a redundância de proteomas) como decorrência da evolução genética Somos todos feitos das mesmas coisas... Para construir os objetos de que nos servimos, desde as mais primitivas ferramentas manufaturadas no paleolítico superior até os tempos atuais, o homem se utiliza de um conjunto finito de materiais. Assim, se o leitor olhar para qualquer objeto ao seu alcance visual perceberá que a matéria de que é feito também compõe a estrutura de outros elementos à sua volta. A cadeira na qual provavelmente está sentado pode ser feita de madeira, o mesmo material, possivelmente, da mesa na qual repousa este artigo. A caneta que usa para tomar nota também terá, em sua composição, o plástico de que é, parcialmente, composto o computador (no qual se encontra o arquivo PDF deste documento), que igualmente terá em sua estrutura o mesmo aço que compõe a pulseira de seu relógio que pode, entretanto, ser feita de couro, como o que forra o assento da cadeira. Terão, ainda, composição similar entre si o carpete que cobre o assoalho antigo e a cortina que, entreaberta, permite a entrada da luz necessária para a leitura de nosso texto. Pode ser que sua mesa tenha uma jarra para água, feita de cerâmica, como o ornamento trazido de uma viagem à Amazônia, ou de vidro, como aquele que cobre o tampo da mesa ou o que integra a lente que há em seu porta-lápis, igualmente feito de madeira... ou de aço. Do mesmo modo, os seres vivos que habitam o planeta são feitos de um conjunto finito de estruturas e substâncias redundantesI. Quando falamos de redundância no nível molecular não nos referimos à composição básica de todos organismos em proteínas, açúcares e lipídios, mas sim ao fato de que grande parte das diversas estruturas formadas por esses componentes básicos também foram conservadas durante o curso de evolução dos diversos seres vivos e algumas delas podem estar presentes em todos ou na grande maioria destes. I O objetivo da comparação não é, obviamente, induzir o leitor à uma visão criacionista da origem das coisas, não é nossa praia. A proposta é apenas ilustrar que, assim como o homem faz, devido a forças econômicas, com os objetos que manufatura, as forças evolutivas também tendem a fazer com que a natureza mantenha e reaproveite os materiais e estruturas que dão certo ao longo do tempo. Assim como o homem usa o mesmo metal para fazer trilhos de trem, chaves de fenda, agulhas e estrutura de prédios, porque este é um material durável e disponível em larga escala a preços abordáveis, a natureza também utiliza sequências de aminoácidos parecidas para formar as partes constantes das imunoglobulinas e dos receptores de células T e de tantas outras proteínas. 61 62 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Tal ocorrência está de acordo com uma moderna “teoria da evolução”II, que defende que os organismos evolucionam através do acúmulo sucessivo de mutações em seu genoma, que acaba por gerar alterações em seus proteomas, com consequentes mudanças em sua capacidade de metabolizar e gerar novos açúcares e lipídios. Estas, caso constituam uma vantagem evolutiva, são passadas aos seus descendentes. Contudo, na maioria das vezes, as mutações ocorrem ao acaso e não resultam em nenhuma alteração significativa ou geram consequências desvantajosas para a evolução do organismo (uma desvantagem evolutiva), que tenderia, então, a se extinguir. Desse modo, os organismos vivos tendem à manutenção de seu próprio código genético, que se terá provado funcional ao longo de sua evolução, e desenvolvem mecanismos para evitar que mutações ocorram em seus respectivos genomas. Uma descrição detalhada dos diversos mecanismos que garantem a manutenção do código genético e dos que geram variabilidade de uma maneira controlada está além do escopo do presente artigo. Podemos citar, entretanto, o mecanismo de correção de erros na replicação do DNA existente em algumas formas da enzima DNA polimerase como um mecanismo de manutenção da integridade genética e o sexo como um mecanismo de geração de variabilidade [1,2]. Como há um equilíbrio evolutivo entre forças que estimulam variabilidade e muII A moderna teoria da evolução denota a combinação da teoria da evolução das espécies por meio de seleção natural proposta pelo naturalista britânico Charles Robert Darwin (1809-1882), a genética como base para a herança biológica descrita pelo monge agostiniano, botânico e meteorologista austríaco Gregor Johann Mendel (1822-1884) e a genética de populações. danças estruturais por um lado e forças que tendem a preservar o genoma e, consequentemente, o proteoma dos diferentes organismos, a pergunta que deriva naturalmente dessas observações é qual seria o grau de homologia estrutural entre os diversos organismos vivos conhecidos. A realização de estudos comparando o conjunto de genes (genomas) e de proteínas (proteomas) que compõem os organismos de diferentes espécies é possibilitada pelo desenvolvimento de ferramentas de bioinformática e sequenciamento genético, e nos permite responder a essa pergunta. O grau de homologia entre proteomas diferentes é uma medida da semelhança estrutural entre dois organismos e a comparação dos proteomas (e genomas) de organismos considerados filogeneticamente próximos possibilita a inferência do grau de parentesco entre eles e a obtenção de indícios da existência de algum ancestral comum em suas origens [3]. A quantidade de estudos desse tipo está crescendo com o aumento do número de genomas sequenciados disponíveis nos bancos de dados e com a disponibilidade das ferramentas de bioinformática necessárias para realização desse tipo de análise [3-6]. Por exemplo, a análise do proteoma humano após o sequenciamento do nosso genoma revelou que menos de 1% das nossas proteínas são encontradas exclusivamente na nossa espécie [3], ou seja, foi possível encontrar proteínas com grau de homologia suficiente para se estabelecer parentesco com outras espécies conhecidas em mais de 99% dos casos. Isso não quer dizer que podemos encontrar proteínas idênticas às nossas nos outros organismos em 99% dos casos, mas que 99% das proteínas Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q codificadas pelo nosso genoma tem um grau de identidade suficientemente grande com alguma proteína existente em algum outro organismo a ponto de podermos ter um grau elevado de certeza de que elas tiveram um ancestral comum no passado. O grau de identidade protéica se acentua com a proximidade evolutiva das espécies. Desse modo, quando comparamos o proteoma do camundongo (Mus musculus) com o humano, 80% das proteínas possuem um único ortólogoIII no nosso proteoma e vice-versa. Dentre essas proteínas, o grau de identidade na sequência primária de aminoácidos é 70,1% (mediana igual a 78,5%), um grau de identidade bastante alto que reflete o fato de serem ambos os organismos mamíferos [4]. Contudo, quando comparamos nosso proteoma com o do chimpanzé (Pan troglodytes), considerado nosso parente mais próximo na escala evolutiva, observamos que em torno de 92% das proteínas possuem um único ortólogo no nosso proteoma [5] e estas são extremamente semelhantes, sendo 29% delas idênticas em sua sequência primária de aminoácidos e a grande maioria das demais diferindo em apenas um ou dois aminoácidos [6]. Se tais metodologias permitem inferir, a partir das semelhanças genômicas e proteômicas, a proximidade filogenética de duas espécies, elas também facultam a realização de estudos sobre o sucesso ou insucesso adaptativo da relação de parasitismo que microorganismos podem manter com organismos vertebrados. Semelhanças proteicas entre a samambaia, a bananeira, a vaca, o chimpanzé e o homem são informativas sob o ponto de vista evolucionário. Por outro lado, as similaridades protéicas (e, portanto, antigênicas) no caso de seus hospedeiros dotados de um sistema imune com capacidade de resposta imune adaptativa específica e microrganismos infecciosos (os Schistosoma ou a Fasciola hepatica) podem ser úteis para o estudo e o entendimento do grau de sucesso ou insucesso da relação de parasitismo que essas espécies mantém entre elas. Essa questão foi, inicialmente, averiguada com o auxílio de ferramentas imunológicas que permitem estudar a semelhança dos constituintes de diferentes organismos sob o ponto de vista de sua antigenicidade (falamos, então, de antígenos e determinantes antigênicos, em vez de em proteínas e sequências de aminoácidos). Contudo, ela também pode ser estudada com o auxílio das metodologias que nos possibilitam a comparação de proteomas entre os diferentes seres vivos. Tal abordagem, nova e elegante, nos permite tratar de paradigmas da imunologia, como compartilhamento de antígenos (Ag) (antigen sharing) e mimetismo molecular (molecular mimicry) e suas potenciais implicações para a manutenção da tolerância aos nossos próprios constituintes (próprio ou self) e para a prevenção do desenvolvimento de autoimunidade. III O conceito de mimetismo molecular (molecular mimicry) foi cunhado por Genes ou proteínas ortólogos ou ortólogas são genes ou proteínas similares, mas que estão presentes em duas espécies diferentes. O Mimetismo molecular (molecular mimicry) e a hipótese da rainha vermelha (the red queen hypothesis) Most people are other people. Their thoughts are someone else’s opinions, their lives a mimicry, their passions a quotation. (Oscar Wilde) 63 64 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Raymond T. Damian em 1964 a partir da observação do compartilhamento de Ag (antigen sharing) entre parasitas e hospedeiros [7]. Segundo Damian, parasitas tenderiam a ter estruturas semelhantes a seus hospedeiros, pois isto corresponderia à uma vantagem seletiva para escapar da resposta imune, que aqueles suscitam nestes, que não os reconheceriam como estranhos ao organismo [8]. A inferência teórica para a definição desse mecanismo de adaptação parasitária é a de que microrganismos com maior semelhança antigênica com o hospedeiro teriam menos chances de serem reconhecidos, agredidos imunologicamente e expulsos. Conclui-se, em consequência, que, inversamente, o insucesso desse mecanismo de mimetismo por compartilhamento antigênico poderia submeter os hospedeiros ao risco de desenvolvimento de uma resposta imune dirigida contra Ag comuns aos dois organismos levando a uma reação auto-imune e à agressão do próprio hospedeiro (auto-agressão). Outra vantagem seletiva para a presença de estruturas homólogas em parasitas seria a de reconhecer e responder a sinais fisiológicos presentes no meio e, não somente escapar, mas também modular a resposta imune do hospedeiro de um modo a facilitar a sua sobrevivência. Damian se baseou no conceito de mimetismo criado no século XIX por Henry Walter Bates para explicar porque determinadas borboletas encontradas na Amazônia Brasileira e consideradas saborosas por seus predadores tendiam a se parecer com outra espécie menos palatável, evitando, desse modo, ser o prato principal do dia [9]. As primeiras evidências de mimetismo molecular foram obtidas quando se percebeu, com o auxílio de métodos – tão antigos quanto pouco sensíveis – de imunoprecipitação, que anti-soros contra parasitos também reagiam contra Ag de seus hospedeiros [10-12]. Os autores estudaram “comunidades antigênicas” em extratos de 12 espécies de cestódeos, 12 de nematódeos e 12 de trematódeos, alem de boi, camundongo, cão, carneiro, cavalo, galo, gato, porco, rato, sapo, homem e de caramujos e concluíram que quanto mais próximo do hospedeiro, mais homologia antigênica era observada. Posteriormente, com a utilização de novas técnicas como anticorpos (Ac) monoclonais e clonagem molecular, verificou-se que parasitos e outros organismos infecciosos em geral compartilham Ag com os seus hospedeiros. Assim, Schistossoma mansoni e Fasciola hepatica são capazes de sintetizar Ag de grupo sanguíneo [13-15], muitos helmintos patogênicos são capazes de sintetizar o Ag Forssman (globopentosylceramida), um glicolipídio envolvido na formação de tight junctions que participa na adesão celular) [16]. Esse Ag corresponde a um auto-Ag em cães, carneiros, cavalos, gatos, tartarugas, e está presente em ovas de alguns peixes e certas bactérias (algumas cepas de enterobactérias e pneumococos) e é base para a sorologia da mononucleose infecciosa. A proteína de circumsporozoíta (CSP) de Plasmodium falciparum possui um motivo de 18 aminoácidos praticamente idêntico à região citoadesiva da trombospondina [17-19], Neisseria meningitidis e Escherichia coli possuem Ag capsulares com semelhança estrutural com glicopeptídeos cerebrais humanos [20]. Homólogos funcionais de diversas citocinas, quimiocinas, enzimas, proteínas Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q do citoesqueleto celular [21] e fatores de crescimento humanos já foram descritos em vírus [22], tripanosomas [23], helmintos [24,25] e bactérias [26]... Foge ao escopo deste documento, mas um fenômeno diferente, também classificável como mimetismo molecular segundo alguns autores, é o fato de microrganismos possuírem, em sua superfície, estruturas responsáveis por aderir moléculas do hospedeiro. Por exemplo, alguns vírus como o da imunodeficiência adquirida (HIV) [27], bactérias patogênicas [28], Echinococcus granulosus [29] e Onchocerca volvulus [30] são capazes de aderir a inibidores do complemento presentes no plasma sanguíneo e Trypanosoma cruzi e Trypanosoma brucei possuem trans-sialiases que transferem ácido ciálico de células do hospedeiro para a superfície desses parasitas [31]. Tal mecanismo pode facilitar ou promover a indução de resposta imune favorável ao microrganismo. Partículas de poxvirus formadas durante o processo de replicação viral e tripanosomatídeos podem ser recobertos com fosfolipídios do hospedeiro, passando a se assemelhar a corpos apoptóticos, o que facilita a fagocitose por células do hospedeiro, como macrófagos, promove a replicação viral e beneficia ao microrganismo [32,33]. Além disso, a presença de receptores para citocinas humanas capazes de transdução de sinal e ativação de vias metabólicas e a produção e secreção de substancias capazes de modular a expansão e diferenciação de linfócitos T já foram descritos em protozoários demonstrando que o mimetismo molecular pode ser também funcional e não somente estrutural [34]. Ao mesmo tempo em que parasitas se beneficiam de fenômenos que podem representar formas de escape à resposta imune do hospedeiro e vitória sobre as barreiras impostas às suas sobrevivências, espécies hospedeiras de parasitos também desenvolvem e adquirem mecanismos que as podem favorecer impedindo ou dificultando o estabelecimento de infecção pelos patógenos presentes no mesmo ambiente. Hospedeiros também se beneficiariam de mecanismos de escape de patógenos que poderiam ser classificados de “mimetismo reverso”. Um exemplo recente na literatura é a demonstração de que ovelhas utilizam retrovírus endógenos como fatores de restrição que bloqueariam infecções por retrovírus patogênicos [35]. Nessa interação, que ocorre durante a co-evolução de patógenos e seus hospedeiros, se poderia poeticamente considerar que cada um está tentando vencer as defesas impostas pelo outro. O resultado dessa permanente “corrida armamentista”, seria, entretanto, na verdade, a permanência dos dois no mesmo lugar (de parasita e hospedeiro). Tal formulação foi originalmente proposta pelo biólogo evolucionista americano Leigh Van Valen (1935-2010) sob a denominação de “a hipótese da rainha vermelha” [36]. O nome deriva de uma passagem do livro de Lewis Carroll (1832-1898) Through the Looking-Glass and What Alice Found There na qual a Rainha Vermelha diz a Alice: “[I]t takes all the running you can do, to keep in the same place”IV. IV Numa tradução livre ‘Corra o máximo que você SXGHUSDUD¿FDUQRPHVPROXJDU¶)UDVHGD5DLQKD YHUPHOKDQROLYURGH/HZLV&DUUROO³$OLFHDWUDYpVGR HVSHOKRHRTXHHODHQFRQWURXSRUOi´SXEOLFDGRHP 2OLYURpDFRQWLQXDomRGRFpOHEUH$OLFHQR 3DtVGDV0DUDYLOKDVGH2DXWRUp&KDUOHV /XWZLGJH'RJVRQFRQKHFLGRFRPR/HZLV&DUUROO 65 66 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q A comparação de proteomas como abordagem para o estudo da redundância de proteínas: interesses e limites para a compreensão do fenômeno de mimetismo molecular O número de exemplos de mimetismo molecular tem crescido ao mesmo tempo em que se observa um rápido incremento da quantidade de genomas completamente sequenciados. Além disso, a comparação direta das sequências proteicas de parasitas e hospedeiros pode se mostrar uma ferramenta poderosa para aumentar ainda mais a velocidade de identificação de estruturas que podem exercer mimetismo molecular. Contudo, apesar de extremamente interessantes, os trabalhos que se servem desse tipo de abordagem são escassos na literatura [37-42]. Ao mesmo tempo, talvez por ser ainda um campo de estudo novo, uma análise dos trabalhos publicados aponta para a falta de critérios para a definição das características necessárias para que uma determinada sequência seja considerada uma candidata à classificação de “proteína mimética”. Por exemplo, alguns trabalhos excluem proteínas que mostram semelhança (mesmo que ela seja grande) entre os genomas do parasito e de seu hospedeiro caso elas também estejam presentes em organismos não patogênicos filogeneticamente próximos ou em organismos que estejam em posição intermediária na escala evolutiva entre o parasita e o hospedeiro [42]. Outros não utilizam sequências proteicas inteiras, mas padrões compostos de pequenas sequencias de aminoácidos [40,41]. Um outro problema com esse tipo de abordagem é que ele só permite analisar homologias levando em consideração a sequência primária de aminoácidos das diversas proteínas, o que exclui homologias conformacionais e pode gerar falsos positivos, já que uma mesma sequência de aminoácidos presente em duas proteínas globulares diferentes pode estar localizada na parte externa da conformação de uma proteína e escondida no interior de outra, devido às suas conformações secundárias e terciárias. Da mesma forma, esse tipo de análise não leva em conta as modificações pós-transcricionais sofridas pelas diversas proteínas e que também são capazes de modificar a conformação das mesmas. Essa ausência de critérios faz com que o mesmo conjunto de dados possa ser analisado e interpretado de maneiras diferentes. Por exemplo, quando procuramos proteínas inteiras com alto grau de homologia entre dois proteomas e filtramos os resultados excluindo aquelas que apresentem grau semelhante ou maior de similaridade também com organismos não patogênicos ou que tenham posição intermediária na escala evolutiva entre os dois proteomas comparados, tendemos a ter um número menor de proteínas restantes [42]. Todavia, quando consideramos o proteoma de microorganismos, dividimo-lo em sequências pequenas de aminoácidos e verificamos se elas podem ser encontradas no proteoma do hospedeiro, tendemos a encontrar uma grande sobreposição entre os oligopeptídeos e as proteínas do hospedeiro [40,41]. A primeira abordagem tende a diminuir o número de falsos positivos, mas, consequentemente, aumenta o número de falsos negativos, já que proteínas podem ter importância na interação parasita-hospedeiro, mesmo que também estejam presentes em outras espécies não patogênicas ou em espécies inter- Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q mediárias na escala evolutiva. A segunda abordagem, por outro lado, tem as características opostas, ou seja, aumenta o número de falso-positivos e diminui o número de resultados falso-negativos. Para abordar essa questão, nós calculamos o número de proteínas homólogas entre o proteoma humano e o de vários organismos cujos genomas já foram completamente sequenciados, utilizando uma ferramenta online denominada Procom (de Proteome comparison) [43]. As comparações foram feitas utilizando-se diferentes valores de e-valueV[44] como V E-value é uma abreviação para expectation value (“valor esperado” em uma tradução livre). Ele representa a chance de que a sobreposição encontrada na sequencia de aminoácidos, quando comparamos duas proteína, se deva ao acaso. O processo de geração do e-value quando comparamos uma sequencia com um determinado banco de dados consiste em comparar nossa sequencia com todos os membros do banco de dados e gerar, para cada comparação, um escore arbitrário “S” que dá pontos para aminoácidos iguais ou parecidos e retira pontos (penaliza) quando encontra aminoácidos divergentes. Posteriormente o escore de interesse (que expressa a comparação entre as duas proteínas de interesse) é comparado com o conjunto dos demais escores gerados pelas comparações com as outras proteínas do banco e expresso por um número chamado Z-score, que é uma medida de quão não usual é nosso escore de interesse. O Z-score é calculado da seguinte maneira: Z-score = [S – (S médio)]/ desvio padrão de S. Geralmente consideramos que um Z-score maior que 5 como significativo. A partir dos Z-scores e de sua distribuição na populacão estudada, podemos calcular a probabilidade de que nosso escore original seja devido ao acaso, o famoso p-value. O p-value depende da distribuição dos Z-scores no banco de dados, que na maioria das vezes não é uma distribuição Gaussiana. O e-value é então finalmente calculado multiplicando-se o p-value pelo número de sequencias presentes no banco de dados. O p-value varia entre 0 e 1, mas o e-value varia entre 0 e o número de sequencias no banco de dados. Desse modo, o e-value não depende somente do grau de homologia entre as proteínas (número de aminoácidos homólogos), mas também leva em conta fatores como o tamanho do banco de dados critério para a avaliação da homologia das proteínas do proteoma humano e do de diversos organismos pesquisados (Tabela I). Utilizamos o e-value como medida indireta do grau de sobreposição na sequência de aminoácidos entre duas proteínas diferentes. Quando fazemos tal comparação utilizando um e-value grande (1-10, por exemplo) elas serão consideradas homólogas mesmo que compartilhem apenas pequenas porções (alguns padrões) da sua sequência de aminoácidos (nesse caso a sensibilidade é grande e – como resultado – a homologia é pequena, porque podem ser consideradas homólogas proteínas pouco parecidas). À medida que diminuímos o valor desse parâmetro (e-value de 1-100, por exemplo) apenas proteínas com sequências praticamente idênticas são consideradas homólogas. Ou seja, ao diminuirmos o e-value, diminuímos a sensibilidade da comparação e aumentamos o grau de sobreposição e homologia necessário para que consideremos uma proteína como homóloga. Isso é demonstrado pela diminuição do número de proteínas homólogas encontradas (somente as muito homólogas são retidas). Essa realidade está ilustrada graficamente na Figura 1A. O número médio de proteínas homológas encontradas nos diversos organismos comparados foi 9.336, quando utilizamos um E-value de 10-10, e de 3.558, quando reduzimos o E-value para 10-100. Como o e-value pode variar de acordo com as características dos proteomas comparados, não existe, teoricamente, pesquisado (se dobramos o tamanho do banco de dados dobramos o e-value) e o tamanho da proteína pesquisada, entre outros. Para uma discussão mais detalhada sugerimos a homepage - http://www. clarkfrancis.com/blast/Blast_what_and_how.html ou o livro Introduction to bioinformatics de Arthur M Lesk [44]. 67 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Tabela I - Número de proteínas homólogas entre diversos organismos e o ser humano. Organismo Total de N. de proteínas homologas 1-50 proteí- 1-10 1-100 nas H. sapiens 34.090 P. falciparum 5.333 1.833 (34.37; 5.38) 572 (10.73; 1.68) 217 (4.07; 0.64) E. histolytica 9.771 3.658 (37.44; 10.73) 1.074 (10.99; 3.15) 319 (3.26; 0.94) G. lamblia 9.645 1.845 (19.13; 5.41) 365 (3.78; 1.07) 115 (1.19; 0.34) T. gondii 7.587 2.515 (33.15; 7.38) 787 (10.37; 2.31) 293 (3.86; 0.86) T. brucei 20.697 2.975 (14.37; 8.73) 1.005 (4.86; 2.95) 333 (1.61; 0.98) T. cruzi 25.040 5.183 (20.70; 5.20) 1.527 (6.10; 4.48) 432 (1.73; 1.27) E. cuniculi 1.995 893 (44.76; 2.62) 293 (14.69; 0.86) 110 (5.51; 0.32) C. neoformans 6.571 3.141 (47.80; 9.21) 1.303 (19.83; 3.82) 515 (7.84; 1.51) B. malayi 7.702 4.575 (59.40; 13.42) 2.005 (26.03; 5.88) 838 (10.88; 2.46) L. major 8.080 3.113 (38.53; 9.13) 1.048 (12.97; 3.07) 374 (4.63; 1.10) T. rubripes 33.002 29.948 (90.75; 87.85) 24.994 (75.73; 73.32) 17.761 (53.82; 52.10) A. thaliana 28.580 10.931 (38.25; 32.07) 3.570 (12.49; 10.47) 1.263 (4.42; 3.70) C. elegans 22.296 9.979 (44.76; 29.27) 4.663 (20.91; 13.68) 1.959 (8.79; 5.75) C. intestinalis 15.851 11.239 (70.90; 32.97) 5.813 (36.67; 17.05) 2.712 (17.11; 7.96) D. melanogaster 18.288 12.180 (66.60; 35.73) 7.166 (39.18; 21.02) 3.573 (19.54; 10.48) M. musculus 32.280 29.187 (90.42; 85.62) 24.927 (77.22; 73.12) 18279 (56.63; 53.62) O. sativa 59.711 14.208 (23.79; 41.68) 3.347 (5.61; 9.82) 1.190 (1.99; 3.49) R. norvegius 28.544 27.099 (94.94; 79.49) 23.023 (80.66; 67.54) 16.882 (59.14; 49.52) S. cerevisae 5.885 2.887 (49.06; 8.47) 1.173 (19.93; 3.44) 438 (7.44; 1.28) Negrito= organismos patogênicos; (A;B) = A é a percentagem de proteínas no proteoma do patógeno avaliado que possuem ortólogos no proteoma humano; B é a percentagem de proteínas no proteoma humano que possuem ortólogos no proteoma do patógeno avaliado. Figura 1 - Percentagem de homologia com o proteoma humano (A) e percentagem de homologia do proteoma humano (B) apresentada por diversos organismos quando utilizados diferentes E-values como critério para considerar uma proteína homologa ou não com sua respectiva contraparte no proteoma humano. * B 100 *** 5QRUYHJLXV 0PXVFXOXV 80 5QRUYHJLXV 0PXVFXOXV 7UXEULSHV 40 20 0 1-­10 1 E-­value 1-­100 GH+RPRORJLD A 100 GH+RPRORJLD 68 80 *** 7UXEULSHV 0PXVFXOXV 5QRUYHJLXV 7UXEULSHV 0PXVFXOXV 5QRUYHJLXV 0PXVFXOXV 7UXEULSHV 5QRUYHJLXV 40 20 0 1-­10 1 E-­value 1-­100 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q um valor específico que eleve ao máximo possível a sensibilidade e especificidade dessa metodologia para identificar proteínas que podem exercer mimetismo. Do mesmo modo, não há uma ferramenta ou abordagem de bioinformática perfeita para identificar potenciais proteínas miméticas em todos os casos. Na realidade, as diferentes abordagens podem ser utilizadas de maneira complementar e os critérios e controles utilizados devem variar de acordo com as características dos proteomas comparados e com os objetivos da comparação. A Comunidade Antigênica (somos todos feitos dos mesmos antígenos...) e sua implicação como risco de ruptura da tolerância a autoantígenos A good imitation is the most perfect originalityVI Um paradigma da imunologia é a noção de que o sistema imune possui mecanismos que impedem a formação de respostas imunes contra estruturas ou Ag do próprio organismo [45]. Esse fenômeno, que resulta de um mecanismo ativo (e não da ausência de resposta), e é chamado de tolerância imunológica, ocorre tanto em nível central (órgãos linfóides primários) quanto em nível periférico (órgãos linfóides secundários e todos os outros tecidos do corpo) e impediria nossa autodestruição [46]. Quando os mecanismos de tolerância estão funcionando a contento, permanecemos em um estado de homeostase no qual, ao mesmo tempo em que soVI Maxima de Voltaire. Retirada do artigo de Elde NC & Malik HS. The Evolutionary conundrum of pathogen mimicry. Nature reviews microbiology 2009;7:787-97. mos capazes de, ao entrar em contato com os mais diversos microrganismos e substancias estranhas ao corpo, produzir resposta imune contra Ag externos, evitamos produzir respostas imunes danosas contra componentes próprios (self). Por exemplo, as estruturas de carboidratos A, B, H – Lewis, que no homem correspondem a Ag de grupos sanguíneos, e suas respectivas glicosiltransferases, estão presentes em vários (macro e micro) organismos incluindo diversas espécies de mamíferos, pássaros, répteis, invertebrados, fungos saprófitas e patogênicos, helmintos e plantas. Estão presentes também em bactérias de nosso tubo digestivo. Não é por outra razão que os humanos desenvolvem, desde a mais tenra idade, o que imunogeneticistas e hemoterapeutas chamam de “aglutininas (anticorpos aglutinantes) regulares” contra os Ag A e B do sistema AB0 de forma inversa à presença dos Ag desse sistema que portamos em nossos glóbulos vermelhos. Em outras palavras, esses Ac, ditos regulares (que todos temos e permitiram a LandsteinerVII a descoberta dos grupos sanguíneos AB0 no início do século passado), são, na verdade, resultado da imunização a que nos submetemos, ainda bebês, comendo comida “suja”. A E. coli do sorotipo 86 tem a mesma especificidade (os mesmos determinantes antigênicos da substância H, em cima da qual se constroem as especificidades A e B do sistema AB0. VII Karl Landsteiner (1868-1943), médico e biologista austríaco, distinguiu, em 1900, os grupos sanguíneos ABO, graças a existência das aglutininas regulares no soro dos indivíduos, desenvolvendo a classificação moderna de grupos sanguíneos e possibilitando a transfusão sanguínea. Ele também identificou, com Alexander S. Wiener em 1937, o fator Rhesus (Rh). Landsteiner recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina, em 1930. 69 70 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Quando nascemos, nenhum de nós tem Ac anti-A ou anti-B. Entretanto, se formos do grupo sanguíneo A teremos Ac anti-B, assim como teremos Ac anti-A, se formos B, e anti-A e anti-B se formos do grupo 0. Mas não teremos nenhum desses Ac se formos do grupo AB, do mesmo jeito que não teremos Ac anti-A sendo do grupo A ou anti-B, sendo do grupo sanguíneo B. Essa recusa do organismo em produzir os Ac correspondentes aos Ag que temos presentes em nossos glóbulos vermelhos revela a ocorrência de mecanismos de manutenção da tolerância aos constituintes de nosso próprio organismo (os imunologistas os chamam de auto-Ag) cuja descrição foge ao escopo do presente trabalho. A existência de tais mecanismos foi, entretanto, reconhecida por Ehrlich em 1900 [47]VIII e descrita com o sugestivo nome de “Horror autotoxicus”. Contudo, (embora não saibamos exatamente o porquê em todos os casos) algumas vezes esses mecanismos de tolerância são rompidos e acabamos produzindo reações imunes contra Ag próprios, em um fenômeno denominado de auto-imunidade. Reações auto-imunes VIII Preocupado (na realidade) com o destino de glóbulos vermelhos em caso de hemorragia intra-abdominal, o bacteriologista alemão Paul Ehrlich (1854-1915) injetou, no peritônio de cabras sadias, hemácias provenientes de outras cabras ou de animais de outras espécies e constatou que tal procedimento dava origem, na cabra “experimentada”, ao surgimento de Ac dirigidos contra hemácias do animal doador. Ehrlich surpreendeu-se, entretanto, ao descobrir que tais Ac não eram produzidos quando o animal doador era a própria cabra. Ehrlich concluiu no artigo original em alemão que “o organismo tem mecanismos eficazes que impedem que a reação imunitária, tão facilmente induzida por toda sorte de célula, de reagir com constituintes do próprio organismo, dando lugar à aparição de auto-toxinas... somente quando esses mecanismos de regulação interna não estão mais intactos, pode haver (um) perigo. podem envolver tanto a produção de auto-anticorpos (auto-Ac) quanto a geração de células auto-reativas que podem resultar em destruição tecidual e mesmo em doenças auto-imunes [48]. Um dos mecanismos propostos para explicar a quebra da tolerância imunológica é justamente a exposição do organismo a Ag externos (presentes em microrganismos com os quais dividimos o espaço que ocupamos no planeta) semelhantes, sob o ponto de vista estrutural ou conformacional, a Ag do próprio indivíduo (e dotados de capacidade de reação cruzada com estes). Assim a lista, que já sabemos grande, de Ag comuns a hospedeiros e parasitos (ou parasitos vestidos com roupagens de seus hospedeiros) pode representar também um inventário de perigos e riscos contra os quais nosso organismo deve estar permanentemente vigilante com o objetivo de zelar para que nenhuma resposta auto-imune dê origem a uma situação de auto-agressão e até, eventualmente, de doença. Há, de fato, situações em que, apesar do “bom senso imunológico” ou, por alguma razão, justamente por falta dele, o hospedeiro desenvolve uma resposta imune contra Ag compartilhados, mesmo sob risco de desenvolvimento de uma resposta auto-imune que pode acabar engendrando uma patologia auto-imune. Exemplos concretos são os Ac contra a proteína M estreptocócica do tipo 5, produzidos durante a infecção da orofaringe por Streptococcus pyogenes β hemolíticos do grupo A que reagem contra Ag presentes nas válvulas cardíacas (miosina cardíaca) [49] e causam a cardite reumática; os produzidos durante a infecção pelo HTLV-1 contra a proteína viral HTLV1-tax que reagem cruzadamente contra a proteína ribonuclear nuclear heterogênea Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q A1 (heterogeneous nuclear ribonuclear protein-A1, hnRNP-A1) presente em neurônios causando a paraparesia espástica tropical [50]; a resposta auto-imune, deflagrada pela infecção pelo Trypanosoma cruzi, em pacientes com a miocardiopatia Chagásica [51]; ou aquela dirigida contra Ag compartilhados entre a Klebsiella pneumoniae e o hospedeiro, que poderia participar da gênese da espondilite anquilosante no homem [52]. Outras doenças auto-imunes cuja gênese pode estar ligada a uma reatividade cruzada entre, Ag microbianos e auto-Ag, incluem diabetes melitus tipo 1 [53], esclerose múltipla [54], síndrome de Guillain-Barré [55], polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica [56], artrite da doença de Lyme [57], espondiloartropatias [58], síndrome poliglandular auto-imune [58], cirrose biliar primária [59]. A lista é, novamente, grande. Há também casos em que produzimos auto-Ac não (ou pouco) patogênicos durante infecções. Um exemplo famoso é a produção de hemaglutininas frias durante a infecção por Mycoplasma pneumoniae [60]. Pacientes com essa condição podem desenvolver Ac da classe IgM contra um Ag presente na superfície das hemácias denominado Ag I. Esses Ac se ligam às células vermelhas do sangue e causam sua aglutinação quando a 4oC e, por isso, são denominadas hemaglutininas frias. Elas se desenvolvem entre a primeira e a segunda semana de infecção, têm seu pico de produção com três semanas e declinam lentamente depois de alguns meses. Apesar de servirem para o diagnóstico de infecção por Mycoplasma, apenas raramente esses Ac causam patologia (hemólise) durante a infecção e, quando isso ocorre, é porque, por alguma razão desconhecida, eles começaram a reagir com as hemácias a 37oC [61-63]. Do mesmo modo, não há patologia associada com os auto-Ac dirigidos contra a cardiolipina complexada com lecitina e colesterol, desenvolvidos durante infecções por Treponema spp [64] e usado para o diagnóstico laboratorial (VDRL) da sífilis. Cabe lembrar que produzimos, permanentemente, e antes mesmo de entrarmos em contato com qualquer Ag externo, uma população de autoAc, ditos naturais. A função desses autoAc ainda não está definitivamente estabelecida, embora alguns considerem que ajam como uma primeira barreira de resposta anti-microbiana, graças justamente à sua grande capacidade de reação cruzada com Ag externos [65]. Do mesmo modo, a fisiologia dos processos de amadurecimento e diferenciação linfocitárias inclui um mecanismo (dito de seleção positiva) no qual justamente serão consideradas aptas a integrar o repertório de células maduras e diferenciadas aquelas que reagirem com auto-Ag no nível do timo. Embora tais exemplos ilustrem a normalidade fisiológica de vários tipos de autoreatividade, sabemos que as respostas auto-imunes se mantém controladas como resultado da integridade de eficientes mecanismos de tolerância e regulação da resposta imuneIX [66]. Assim, a maior parte das IX Uma infecção pode desencadear o desenvolvimento simultâneo de múltiplos autoAc, que podem ou não derivar do fenômeno de compartilhamento antigênico. Pode-se ilustrar tal eventualidade com um exemplo “da casa”. A infecção malárica se acompanha da produção de Ac contra uma enorme gama de auto-Ag como DNA, fosfolipídios, ribonucleoproteínas, músculo liso, cardiolipina e Ag eritrocitários e linfocitários [66]. O padrão de produção desses Ac parece variar de acordo com o grau de imunidade à infecção e, embora alguns deles tenham sido associados a complicações da doença (como anemia, nefrite, trombocitopenia 71 72 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q respostas auto-imunes (auto-imunidade), inclusive as geradas por exposição a Ag externos microbianos, só se acompanha raramente de patologia (doença auto-imune). Se a diversidade do repertório de Ag comuns entre microorganismos e seus hospedeiros for realmente grande, as probabilidades de encontro de Ag externos parecidos com os nossos próprios Ag (leia-se dotados de propriedades de reação cruzada com auto-Ag) serão bastante altas. Mas qual o tamanho da ameaça potencial? Quantos Ag em média compartilhamos com um microrganismo? Podemos ter uma idéia realista da resposta à essa pergunta comparando proteomas. Como vimos, menos de 1% dos nossos genes são exclusivos da nossa espécie, isso quando consideramos todos os genes de todas as espécies conhecidas até hoje [3]. Um trabalho interessante dividiu o proteoma humano em pequenos oligopeptídeos de cinco aminoácidos de comprimento (pentapeptídeos ou 5-mers) de um modo a que todos os peptídeos possíveis que pudessem ser feitos com esse tamanho a partir do nosso proteoma fossem representados. Os autores adotaram, em seguida, o mesmo procedimento com proteomas de alguns vírus patogênicos e determinaram a quantidade de peptídeos idênticos entre os dois proteomas. Observou-se que entre 89,3% e 93,5% dos peptídeos derivados dos proteomas virais tinham um homólogo perfeito no proteoma humano [67]. Um outro trabalho do mesmo grupo utilizou essa metodologia para analisar quarenta bactérias diferentes (20 patogênicas e 20 e malária cerebral), não há evidências concretas de que alguns deles, como os Ac anti-DNA, sejam patogênicos [66]. não patogênicas) e o proteoma humano e encontrou números semelhantes (89,8% a 93,3%) quando pentapeptídeos foram considerados. A percentagem de homologia diminuiu para 28,8%-37,5% quando hexapeptídeos foram considerados, para 3%-4,9% no caso de heptapeptídeos e para 0,4%-0,7% no caso de octapeptídeos [41]. Se considerarmos que o comprimento ótimo de um epítopo proteico linear de célula B é de cinco aminoácidos [68] (embora epítopos de até 16 aminoácidos de comprimento tenham sido relatados [69,70]) e que o número de pentapeptídeos possíveis de serem construídos utilizando-se os 20 aminoácidos que ocorrem naturalmente no nosso mundo é de 3.200.000 (esse número sobe para 6,55 x 1014 quando consideramos 16 aminoácidos de extensão) somos induzidos à conclusão de que as altas percentagens de homologia encontradas não são devidas ao acaso. Na realidade, o fato de um vírus ou uma bactéria possuir em torno de 90% de estruturas semelhantes às nossas nos mostra que nosso sistema imune é bombardeado rotineiramente por um número enorme de Ag homólogos aos nossos apresentados numa roupagem parasitária. Logicamente esse tipo de abordagem não considera epitopos conformacionais ou os gerados por modificações pós-transcricionais e nem indica um valor médio de homologia entre os dois organismos levando em conta todos os possíveis epitopos (de cinco até 16 aminoácidos de comprimento). Na Tabela I, tentamos quantificar a percentagem média de homologia do proteoma de alguns organismos eucariotas patogênicos (com genoma completamente sequenciado) com o humano, utilizando o Procom e uma abordagem um pouco diferente. Calculamos a per- Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q centagem de proteínas homólogas em relação ao número total de proteínas dos diversos organismos e esse valor está representado como o primeiro número entre parênteses em cada célula da Tabela. Se levarmos em conta somente os organismos patogênicos (em negrito), essa percentagem variou entre 14,37% e 59,40% (com e-value de 10-10) e entre 1,19% e 10,88% (com e-value de 10-100) (Figura 1B). Por estarmos considerando homologias entre peptídeos derivados dos diversos proteomas de forma independente do tamanho dos mesmos, obtivemos números relativamente menores que os obtidos pelas análises que comparam apenas pentapeptídeos. Contudo, nossos números ainda são impressionantes já que, por exemplo alguns organismos apresentaram mais de metade das suas proteínas como homólogas às nossas. Esses dados têm implicações diretas para a compreensão da contribuição do fenômeno de compartilhamento de Ag à adaptação evolutiva de parasitos no contexto da co-habitação com seus hospedeiros ou, ao contrário, ao desenvolvimento de auto-imunidade e, eventualmente, de doença auto-imune. O número total de Ag potencialmente auto-imunes (estimados através do número conhecido de especificidades de auto-Ac) está na casa das centenas baixas [71]. Ainda menor seria o número de doenças auto-imunes conhecidas. Roitt [72] repertoria 31 principais, no capítulo de Doenças auto-imunes do célebre e clássico livro texto de imunologia, correspondendo uma dezena (ou menos) delas às mais comuns e conhecidas [73]. Assim, considerando-se que o número total de proteínas no proteoma humano gira em torno de 30.000, menos de um por cento das mesmas seria alvo potencial de autoimunidade. Essas estimativas não batem com o altíssimo número potencial de Ag que compartilhamos com organismos patogênicos (cerca de 90% – 27.000 proteínas – de nossos constituintes), que poderiam induzir autoimunidade. Dois racionais, não exclusivos, poderiam explicar tal contraste: i) os mecanismos de manutenção da tolerância são extremamente eficientes e só falhariam em raros casos; ii) o mecanismo de quebra da tolerância imunológica através do fenômeno de compartilhamento de Ag não é predominante nem suficiente para levar ao desenvolvimento de patologia auto-imune na maior parte dos casos. Acreditamos que este fenômeno de compartilhamento antigênico seja apenas um dos mecanismos através dos quais o que chamamos de tolerância imune pode ser desregulada. Repertoriar os mecanismos envolvidos na manutenção da tolerância a auto-Ag, mesmo quando estes são expostos ao sistema imune na “pele” de um microorganismo invasor, foge ao escopo e objetivos deste trabalho, mas hoje sabemos que estes são múltiplos, redundantes e que o contexto no qual esses auto-Ag são (ou não) apresentados ao sistema imune é determinante e decorre da variabilidade genética dos hospedeiros. Por exemplo, para explicar a fase da indução da cardite auto-imune pós-estretptocócica, dos Reis e Barcinski [74] propuseram, em um trabalho profético no início dos anos 80, que a apresentação de Ag estreptocóccicos de reação cruzada com fibras cardíacas pelos macrófagos seria uma função controlada geneticamente. Segundo os autores, determinantes antigênicos presentes em cepas de estreptococos ß hemolítico do grupo 73 74 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q A que causam a febre reumática seriam selecionados por macrófagos através de “genes de resposta imune” (que hoje se sabe corresponderem àqueles codantes de Ag de classe II do Complexo principal de histocompatibilidade, MHC em inglês), para serem apresentados aos linfócitos T. A reação cruzada entre os determinantes antigênicos selecionados geneticamente e componentes do tecido cardíaco geraria clones de células-T auto-reativas. A hipótese explicava a capacidade de cepas diferentes do estreptococos de produzir a febre reumática, assim como a variabilidade de susceptibilidade de diferentes indivíduos à doença. Assim, o risco à integridade dos organismos e de suas homeostasias dependeria mais das características genéticas de alguns raros indivíduos que tem, desafortunadamente, a “vocação” para apresentar esses Ag de reação cruzada a células imunes efetoras gerando o risco de indução de resposta auto-imune e mesmo de desenvolvimento de doença auto-imune. De fato, desde 1986 vários trabalhos tem demonstrado a associação de cardite reumática com alelos de classe II do MHC em afro-americanos (HLA-DR2), em Cáucaso-americanos (HLA-DR4), em brasileiros, egípcios, latvianos e turcos (HLA-DR7) [75]. Um outro componente da tolerância aos auto-Ag estaria representado pelo conjunto de células e mecanismos regulatórios da resposta imune. Assim, um organismo que, por alguma razão, apresentasse um desequilíbrio (momentâneo ou não) desses mecanismos estaria fragilizado se fosse simultaneamente exposto a Ag de reação cruzada presentes na superfície de microrganismos. Isso foi previsto por dos Reis e Barcinski [74] que supuseram que a auto-imunidade desencadeada pela exposição do hospedeiro a Ag de reação cruzada do estreptococo ß hemolítico tornar-se-ia uma resposta auto-imune patogênica, gerando doença (a febre reumática acompanhada de cardite pós-estreptocóccica) se, além da predisposição genética (revelada pela capacidade de macrófagos daquele indivíduo selecionarem determinantes antigênicos do estreptococo com propriedade de reação cruzada com antígenos do coração) ocorresse também um desequilíbrio da regulação da resposta de células T. Pode-se supor, portanto, que a possibilidade de coexistência de mais de um fator de risco de desenvolvimento de resposta auto-imune justificaria a redundância de mecanismos protetores da tolerância aos auto-Ag na tentativa de garantir a manutenção da integridade do organismo. Um mecanismo de redundância semelhante opera para garantir o nosso equilíbrio e envolve três componentes que operam simultânea e complementarmente: o cerebelo, o sistema coclear no ouvido interno e a visão. Em outras palavras: a propriocepção (capacidade de conhecer a posição do corpo no espaço, a função vestibular (capacidade de conhecer a posição da cabeça em relação ao corpo) e a visão (que pode ser usada para monitorar e ajustar as mudanças na posição do corpo). Podemos funcionar bem com somente dois desses componentes intactos. Assim, o famoso teste de Romberg (um vídeo explicando como o teste de Romberg deve ser executado e o que ele testa pode ser visto no seguinte website http://www.neuroexam.com/ neuroexam/content.php?p=37) utilizado no exame neurológico no qual se pede Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q ao indivíduo sob exame que tente se equilibrar em um pé só de olho fechado, pode detectar algum problema cerebelar ou coclear visto que, nesse caso, com a privação da visão, dois dos sistemas estarão “falhos” (o problemático, e a visão retirada do sistema), o que resultará na perda de equilíbrio e na positividade do teste [76]X. Organismos biológicos parecem se utilizar de estratégias de redundância semelhantes para garantir que o sistema como um todo funcione satisfatoriamente, mesmo que uma parte dele falhe por algum motivo. Isso faz com que, para que o sistema se desregule, mais de um fator de risco deva estar presente ao mesmo tempo (ou sequencialmente) de forma a inutilizar ou neutralizar mais de um dos mecanismos redundantes protetores da integridade em um determinado momento, gerando patologia. É provável que fenômeno comparável opere para garantir a tolerância a auto-Ag ou permitir o desenvolvimento de doenças auto-imunes. Assim entrar em contato com Ag homólogos apresentados com uma roupagem parasitária seria apenas um dos fatores potencialmente intervenientes no desenvolvimento de resposta auto-imune e não seria, em princípio, evento suficiente para determinar a gênese de patologia de autoagressão. Em conclusão as chances de produção de autoAc patogênicos por exposição a microrganismos com Ag de reação cruzada são diminutas em presença de mecanismos de regulação íntegros para a enorme maioria de perfis genéticos dos indivíduos. X Um vídeo explicando como o teste de Romberg deve ser executado e o que ele testa pode ser visto no seguinte website; WWW.neuroexam.com Agradecimentos CTDR é Bolsista de Produtividade do CNPq e Cientista do Nosso Estado da Faperj. Os autores agradecem aos Doutores Marcello Barcinski e Luis Anastácio Alves (IOC, Fiocruz) pela revisão crítica do manuscrito. Referências 1. de Miranda NF, Björkman A, PanHammarström Q. DNA repair: the link between primary immunodeficiency and cancer. Ann N Y Acad Sci 2011;1246:50-63. 2. S i n g h R S , A r t i e r i C G . M a l e s e x drive and the maintenance of sex: evidence from Drosophila. J Hered 2010;101(Suppl1):S100-6. 3. Lander ES, Linton LM, Birren B, Nusbaum C, Zody MC, Baldwin J and the International Human Genome Sequencing Consortium. Initial sequencing and analysis of the human genome. Nature. 2001;409(6822):860-921. Erratum in: Nature 2001;412(6846):565. Nature 2001;411(6838):720. 4. 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Em seguida, a organização morfológica e funcional do Sistema Nervoso é apresentada em grandes pinceladas sobre suas funções, sua macroestrutura e seus componentes celulares. Como em qualquer sistema, os mecanismos pelo qual a informação é obtida, trafega entre suas partes e é enviada para o meio exterior ao sistema, constituem uma parte fundamental da compreensão do seu funcionamento. No Sistema Nervoso a comunicação entre os neurônios e entre *Núcleo de Medicina Tropical, Universidade Federal do Pará, Belém/PA, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil, **Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Pará, Belém/PA, Brasil - Este artigo foi escrito a partir das conferências intituladas “Consciência, visão e sensibilidade ao contraste” e Hipótese do Centro Dinâmico: a Hipótese de Edelman para o substrato neural da consciência”, ministradas por Luiz Carlos de Lima Silveira, respectivamente, na I e II Jornadas Fluminenses de Cognição Imune e Neural Correspondência: Dr. Luiz Carlos de Lima Silveira, Universidade Federal do Pará, Núcleo de Medicina Tropical, Av. Generalíssimo Deodoro 92 Umarizal 66055-240 Belém PA, Tel: (91) 3201-6819, E-mail: [email protected] ou [email protected] Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q eles e as células associadas ocorre mais frequentemente através de mensageiros químicos. A informação neural pode também ser codificada e enviada a longas distâncias através de fibras nervosas utilizando um processo eletroquímico – o chamado impulso nervoso. Palavras-chave: sistema nervoso, impulso nervoso, comunicação intercelular, neurotransmissão, consciência, neurociência. Abstract This paper reviews some fundamental aspects of what is currently known about the Nervous System, how it is organized, and how it works. The starting point is the singularity of our current knowledge on three key issues – the Universe, the Life, and the Consciousness. Then, the morphological and functional organization of the Nervous System is presented in a large overview, encompassing its functions, macrostructure, and cell components. As in any other system, it is crucial for the understanding how the system works, to study how information from outside is obtained, processed, and then used to act on the external world. In the Nervous System, communication between neurons and between neurons and associated cells more often occurs by mediation of chemical messengers. In addition, neural information may be also coded and sent to long distances by nerve fibers by using an electrochemical process called the nerve impulse. Key-words: nervous system, nerve impulse, intercellular communication, neurotransmission, consciousness, neuroscience. Reflexão inicial A Neurociência é um ramo relativamente novo do conhecimento, cujo ponto de partida pode ser tomado como o da fundação, nos EUA, da Society for Neuroscience (1969). Entretanto, o seu objeto de estudo, o Sistema Nervoso, vem sendo investigado há alguns séculos com o uso de uma extraordinária multiplicidade de ferramentas. Ramos da ciência como Neurologia, Psiquiatria, Psicologia, Linguística, Neuroanatomia, Neurofisiologia, Neurofarmacologia, Neuroquímica, entre outros, têm olhado o Sistema Nervoso sob os mais diferentes ângulos e com uma grande variedade de métodos de investigação. No Sistema Nervoso residem os mecanismos de funções essenciais da experiência humana, como visão, audição, somestesia, fala, motricidade, percepção, emoção e motivação, assim como os processos de controle de uma série de funções do nosso corpo que se desenrolam sem tomarmos conhecimento de sua existência, como o controle neural da pressão arterial, do nível de oxigênio na corrente sanguínea e da osmolaridade plasmática. Dessa grande variedade de aspectos do Sistema Nervoso, nenhum nos fascina mais que a Consciência, a própria noção do eu, a constatação da própria existência que cada ser humano traz consigo, a qual indubitavelmente reside no funcionamento dos neurônios de certas regiões encefálicas em determinadas condições que resultam na vigília e no sonho. A Consciência é uma das três entidades fundamentais que ocupam as questões levantadas pela ciência atual e, como veremos abaixo, é possível que o estudo de todos os outros aspectos da natureza derive do estudo dessas entidades. Como em todas as questões abordadas pela ciência, o estudo da Cons- 81 82 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q ciência exige o desenvolvimento de um framework conceitual e experimental, sem o qual se torna muito difícil testar hipóteses, analisar resultados e propor novas perguntas dentro dos rigores do método científico. Esse framework pode ser encontrado nos trabalhos de Gerald Maurice Edelman (1929-), médico, imunologista e neurocientista americano, nascido em New York (1929), detentor do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina (1972), juntamente com o bioquímico e imunologista inglês Rodney Robert Porter (1917-), por seus trabalhos sobre a estrutura e a diversidade dos anticorpos, com contribuições importantes sobre as interações entre células que levaram à descoberta das moléculas de adesão celular (CAMs) [1]. Edelman propôs uma teoria original, biológica, sobre a Consciência, a qual procura associar determinados tipos de processos neurais às propriedades chaves da experiência consciente [2-5]. A existência de uma plataforma de trabalho como a proposta por Edelman permite abordar um problema técnico crucial, que aflige todos os que trabalham em Neurociência, qual seja como tornar possível registrar, medir, aferir objetivamente processos que acontecem dentro do cérebro, entre eles e, sobretudo, os processos subjacentes à experiência consciente. Desde o advento da Eletrofisiologia, quando os primeiros experimentos usando essa técnica foram feitos pelo médico e físico italiano Luigi Aloisio Galvani (1737-1798), no Século XVIII [6-8], diversos tipos de registro da atividade elétrica neural tanto periférica como central têm sido usados para explorar o funcionamento do Sistema Nervoso, aos quais se juntaram recentemente métodos complexos computadorizados de neuroimagem baseados em fenômenos elétricos [9,10], magnéticos [11], no emprego de raios X [12], de ressonância magnética nuclear [13,14] e de emissão de pósitrons [15], entre outros. A quantidade de informação obtida pelo emprego dessas técnicas é vastíssima, mas não tornou mais próxima a realização do experimento hipotético de “registrar a Consciência de um indivíduo”. Esse insucesso pode ser atribuído à resolução espacial ou à resolução temporal desses métodos, mas também à falta de colocar a pergunta experimental dentro de uma base conceitual adequada. Também é inteiramente possível, mudando esta argumentação para um enfoque mais pessimista, que o estudo adequado da Consciência esteja à espera de uma grande revolução no conhecimento científico como ocorreu com a própria Eletrofisiologia, a qual não poderia existir antes da descoberta da eletricidade, ou como ocorreu com a Astrofísica Estelar, impossível de avançar sem a descoberta da fusão nuclear. São dois exemplos da evolução do conhecimento que ilustram como muitas vezes é impossível, num dado momento histórico, formular perguntas para serem respondidas de forma experimental ou teórica sobre um dado problema científico sem que os fundamentos físicos subjacentes a esse problema sejam minimamente conhecidos. Pode ser esse o momento atual do estudo da Consciência. As três grandes questões mencionadas acima e que de certa forma compreendem o conjunto do que se indaga sobre ciência são as seguintes. O que é o Universo? O que é a Vida? O que é a Consciência? Todas as investigações que são realizadas pelos milhares de cientistas naturais de uma forma ou de outra acabam desembocando nessas três Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q questões. No centro desses trabalhos estão o homem, os seres vivos e todas as coisas existentes, em círculos cada vez maiores que compreendem o anterior. A Consciência A terceira grande questão pode ser a de maior interesse, pois diz respeito intimamente à natureza do ser humano: “o que é a Consciência, quando e como ela surgiu na linhagem que levou ao ser humano?” [16-18]. E, além disso, ela vem com questões subsidiárias altamente relevantes, tais como “outros animais são dotados de Consciência?” [16-18], “máquinas construídas pelo homem podem ser conscientes?”, “a Consciência é uma consequência frequente da evolução dos seres vivos?”, “existirão seres conscientes noutros planetas?”, “poderemos desenvolver métodos de registro de tal forma a preservar um estado consciente, tanto para estudá-lo objetivamente como para reproduzi-lo?” Se as duas primeiras grandes questões mencionadas no início desse capítulo levam à Astrofísica e à Biologia, respectivamente, a terceira leva à Neurociência. O problema enfrentado em cada uma dessas grandes áreas do conhecimento assemelha-se num aspecto: nas três situações, pelo menos por enquanto, é necessário tirar conclusões a partir de um único experimento – um único Universo; um único planeta com Vida – a Terra; um único ser vivo dotado de Consciência – o Homem. Entretanto, no caso da Cosnciência, existe mais de uma razão para supor que isso possa não ser o caso. Em primeiro lugar, o Homo sapiens sapiens foi precedido por muitos parentes próximos, os primatas da subtribo Hominina, fossem membros da sua própria espécie (H. sapiens neaderthalensis), do mesmo gênero (H. heidelbergensis, H. erectus, H. ergaster, H. habilis) e de gêneros diferentes (Paranthropus aethiopicus; P. boisei; P. robustus; Australopithecus sediba, A. garrhi, A. africanus, A. bahrelghazali, A. afarensis, A. anamensis; Ardipithecus ramidus, A. kadaba; e, provavelmente, muitos outros a serem descobertos), de tal forma que a partir do que sabemos da estrutura e função do Sistema Nervoso em primatas, é quase certo que pelo menos as espécies mais próximas do Homem, todas já extintas, possuíssem processos mentais muito semelhantes aos que ocorrem no cérebro humano, inclusive aquilo que chamamos Consciência. Em segundo lugar, a questão da presença de Consciência em outros primatas, outros mamíferos e até mesmo aves e outros animais, quando perguntada dentro do framework montado por Edelman e seus colegas, é respondida afirmativamente [16-19]. Assim, pode ser que pelo menos a Neurociência possa prosseguir a investigação da sua questão maior com mais de um ponto no gráfico, diferentemente do que acontece com a Biologia e a Astrofísica... A pergunta da ordem do dia é se há alguma maneira de registrar a atividade consciente, ou seja, usar algum tipo de neuroimageamento cuja análise revele exatamente o que um ser humano esteja pensando. Apesar de existirem muitas formas de registrar a atividade dos neurônios cerebrais (como listado no início deste capítulo), nenhuma delas ainda é capaz de fornecer essa informação, e o assunto ainda é do domínio da Ficção Científica (Figura 1). Entretanto, os métodos existentes de registro da atividade neural permitem estabelecer uma série de correlações entre o efeito da estimu- 83 84 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q lação sensorial como, por exemplo, a estimulação visual, e atividade neuronal, assim como a atividade neuronal que precede a execução de um determinado movimento, inclusive os movimentos que levam à fala. Esses métodos têm sido usados por Edelman e colegas para estudar os processos neurais que, segundo eles, formam a base neurofisiológica da Consciência [2,3]. Edelman e colegas seguiram as idéias do médico, psicólogo e filósofo americano William James (1842-1910), segundo o qual a Consciência é um processo, um fluxo que muda numa escala temporal de fração de segundo, tendo como uma das suas principais características o fato de ser unificada ou integrada e, por conseguinte, também não poder ser completamente compartilhada entre dois indivíduos [2,19]. Em outras palavras, a experiência consciente é feita de sucessivas unidades, cada uma dela durando aproximadamente 200 ms, não havendo mais do que uma única “cena” em cada estado da consciência, que não é passível de decomposição, de tal forma que o ser humano não experimenta dois pensamentos ao mesmo tempo. Várias observações experimentais corroboram essa descrição. Por exemplo, pacientes que foram submetidos ao seccionamento do corpo caloso são capazes de resolver simultaneamente dois problemas espaciais visuais quando cada um deles é apresentado a um dos hemisférios cerebrais, enquanto um indivíduo normal, com o corpo caloso intacto, combina esses problemas numa única grande questão muito mais difícil de resolver [2,19,20]. Além disso, um indivíduo não é capaz de fazer várias tarefas simultaneamente, a menos que uma delas seja altamente automática e não represente uma sobrecar- ga para a experiência consciente (como ler um texto ao mesmo tempo em que o datilografa e ouve uma música de fundo) [2,19]. Também não é possível tomar mais de uma decisão conscientemente dentro do chamado periodo refratário psicológico, aproximadamente o tempo que dura um estado da Consciência como descrito acima, cujas bases corticais têm sido objetos de estudos com imageamento por ressonância magnética nuclear funcional [2,19,24,25]. Outros fenômenos que também podem ser interpretados como decorrentes do caráter indivisível da Consciência são a biestabilidade de figuras ambíguas e a rivalidade perceptiva (“perceptual rivalry”), esta última usada por Edelman e colegas para explorar os mecanismos da Consciência em uma série de experimentos usando imageamento cortical por magnetoencefalografia [2,19,26]. Ainda segundo a teoria de Edelman e colegas, a segunda propriedade fundamental da Consciência é a sua grande diferenciação ou complexidade [2,19]. Essa propriedade está relacionada ao grande número de estados conscientes possíveis quando um deles é escolhido como o próximo dentro da sequência que constitui nossa experiência consciente diária. Esse número é, verdadeiramente, gigantesco e a escolha é feita dentro de uma fração de segundo, por exemplo, quando um indivíduo discrimina uma cena dentre um número muito grande delas [27]. As implicações da grande complexidade do fenômeno consciente levam ao seu tratamento usando ferramentas da Teoria da Informação [28]. Dentro de um processo, a diferenciação entre certo número de possibilidades implica em ganho de informação ou diminuição de incerteza ou entropia [28]. Por exemplo, Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Figura 1 - Los Angeles, Dezembro, 1999. Lenny Nero (Ralph Fiennes), um ex detetive policial que se tornou um ambulante, negocia com sonhos, especificamente com registros “Squid” de experiências feitos diretamente do córtex cerebral e reproduzidos num aparelho semelhante a um reprodutor de DVD. Esse equipamento permite que o usuário experimente todas as sensações vividas pelo sujeito em que o registro foi feito.” “Strange Days” é o título dessa película de Ficção Científica, lançada em 1995, dirigida por Kathryn Bigelow e produzida e co-escrita pelo seu ex-marido James Cameron. Estrelam Ralph Fiennes (A), Angela Bassett, Juliette Lewis (B), Tom Sizemore, Michael Wincott, Vincent D’Onofrio e Louise LeCavalier [56]. A película é notável pela sua visão “distópica” do futuro e a moral ambígua da maioria dos seus personagens, levando muitos críticos a considerarem-na como um exemplo moderno de “film noir”. Os trabalhos realizados por alguns grupos de pesquisa no exterior, inclusive o coordenado pelo neurocientista brasileiro Miguel Ângelo Laporta Nicolelis (1961-) um dia permitirão que esse tema clássico da Ficção Científica entre para a realidade da Ciência: o registo e reprodução da experiência cerebral humana [57,58]. Fontes das ilustrações: [59,60]. Todos os direitos reservados. A quando uma moeda de faces idênticas (ambas coroas) é jogada para o alto, sabe-se de antemão que ela cairá com coroa voltada para o observador e o ganho de informação é igual a zero; no caso de uma moeda comum, ela poderá cair com coroa ou cara voltada para o observador e o ganho de informação é igual a 0,5; no caso de um dado, ele pode cair com uma dentre seis faces voltada para cima e o ganho de informação é de aproximadamente 0,83; e assim por diante. Usando o mesmo procedimento, quando passamos B de um pensamento ao próximo, a escolha é feita entre bilhões de possibilidade e o ganho de informação é enorme, na métrica acima valor muito próximo de um, o valor máximo, e a entropia é diminuída para valores muito pequenos, próximos de zero. A abordagem dessa propriedade da Consciência pode ser usada para responder a questões aparentemente difíceis tais como se um computador digital pode ser consciente: neste caso a resposta é não. O ganho de informação, além disso, leva rapidamente a diferentes 85 86 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q consequências em termos de percepção, motivação ou ação, uma característica dos animais, especialmente dos mais complexos. O passo seguinte e crucial para estabelecer uma ligação entre o processo que representa a Consciência, tal como descrito acima pelas suas propriedades fundamentais, e a realidade fisiológica do funcionamento do Sistema Nervoso reside, então, na procura dos fenômenos neurofisiológicos que possam explicar a integração e diferenciação observada na atividade consciente. Edelman e colegas propuseram a chamada Dynamic Core Hypothesis para descrever essa ligação [2,19]. Diferentemente de William James que achava a Consciência um processo que ocorria em todo o cérebro, Edelman e colegas, baseado no conhecimento mais detalhado do funcionamento cerebral disponível na atualidade, atribuem esse papel à mudança na frequência de disparo de impulsos nervosos de neurônios situados em determinadas regiões do cérebro. Os neurônios que contribuiriam para a experiência consciente são aqueles que fazem parte de grupos funcionais que se tornam altamente integrados em cerca de 200 ms, a escala temporal do período refratário psicológico, e que exibem alto grau de diferenciação estimado pela sua complexidade, o qual se manifesta pela mudança constante no seu padrão de atividade e de conectividade. O dynamic core incluiria regiões córtico-talâmicas posteriores envolvidas na categorização perceptual interagindo de forma reentrante com regiões anteriores envolvidas na formação de conceitos, memória relacionada a valores e planejamento [2,19]. Utilizando paradigmas psicofísicos de rivalidade perceptual, neuroimageamento por magnetoencefalografia e es- timativa de complexidade usando Teoria de Informação, eles foram capazes de acrescentar comprovação experimental à hipótese proposta [2,3]. Neste ponto é importante que certos aspectos gerais da estrutura e função do Sistema Nervoso sejam descritos, uma vez que é na complexa forma como as células neurais se comunicam que residem os processos subjacentes à Consciência, seja como proposto acima, seja obedecendo a outras hipóteses já formuladas ou que o venham a ser. O Sistema Nervoso como um sistema Há diversos planos didáticos em que o estudo do Sistema Nervoso pode ser decomposto, incluindo o mapeamento de suas divisões anatômicas e dos nervos e tratos que ligam essas divisões, a caracterização dos elementos celulares que constituem essas divisões e as vias que as conectam, os processos bioquímicos e farmacológicos que estão na raiz da comunicação química entre as células do Sistema Nervoso e os fenômenos eletroquímicos responsáveis pelo impulso nervoso e a liberação de certas substâncias químicas pelas células do Sistema Nervoso. O estudo do Sistema Nervoso conduzido dessa maneira organiza o palco onde as grandes funções neurais como a Consciência, a Percepção, a Motivação, a Emoção, o Raciocínio, a Lembrança ou o Planejamento possam ser compreendidas, seja hoje ou amanhã, à medida que o conhecimento avança. Do ponto de vista anatômico, o Sistema Nervoso pode ser dividido em sistema nervoso central e periférico. O sistema nervoso central compreende o tecido nervoso alojado na caixa craniana e no Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q canal vertebral, sendo exceção as retinas e as porções extracranianas dos nervos ópticos que, apesar de fazerem parte do sistema nervoso central, originando-se do diencéfalo, terminam por ocupar ao longo do desenvolvimento uma localização fora da caixa craniana. As grandes divisões do Sistema Nervoso central compreendem o cérebro, o tronco cerebral, o cerebelo, todos protegidamente situados na caixa craniana, e a medula espinhal, dentro do canal vertebral (Figura 2). O sistema nervoso periférico compreende a maior parte do tecido nervoso situado fora do crânio e do canal vertebral, incluindo conjuntos neuronais situados nos gânglios nervosos e os ramos nervosos que se originam dos nervos cranianos e raquidianos. Figura 2 - A. O sistema nervoso central está bem protegido contra pequenos traumas por sua localização dentro da caixa craniana e do canal vertebral. As únicas porções do sistema nervoso central localizadas fora dessa proteção são as retinas, as quais são partes de uma região do cérebro chamada diencéfalo e que durante o desenvolvimento ocupam localização fora do crânio para formar a túnica interna do globo ocular. B. Grandes divisões do sistema nervoso central: 1) hemisférios cerebrais, compreendendo o córtex cerebral e os núcleos cinzentos da base do cérebro; 2) diencéfalo, compreendendo tálamo, hipotálamo e outros núcleos menores; 3) mesencéfalo; 4) ponte; 5) cerebelo compreendendo o córtex cerebelar e os núcleos cinzentos profundos do cerebelo; 6) bulbo raquidiano; 7) medula espinhal. O mesencéfalo, a ponte e o bulbo raquidiano constituem o tronco cerebral. Fonte da ilustração: [61]. Copyright © 1996, Appleton & Lange. Todos os direitos reservados. O Sistema Nervoso pode ser estudado do ponto de vista da Análise de Sistemas, um ramo da Engenharia, Matemática e Teoria da Informação. Nessa ciência, os elementos fundamentais que precisam ser definidos e aplicados à entidade que está sendo estudada, são sinal e sistema. Um sinal é uma quantidade física mensurável que varia no espaço, no tempo ou noutro domínio, 87 88 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q sendo representado por uma função de uma variável dependente em relação às variáveis independentes que representam o domínio de interesse [29]. Um sistema é um conjunto de relações causas-efeitos entre dois ou mais sinais – os sinais identificados como causas são chamados de inputs ou excitações enquanto os sinais identificados como efeitos são chamados outputs ou respostas [29]. Uma forma comum de representar um sistema é um diagrama em blocos, um fluxograma que sistematiza a maneira como a informação trafega e é modificada num determinado sistema, como os sinais entram num determinado sistema e originam sinais de saída nesse sistema [29]. O Sistema Nervoso pode ser esquematicamente representado por um fluxograma onde os seus componentes fisiológicos fundamentais podem ser visualizados em ação. O fluxograma de Larry W. Swanson (Figura 3) consiste numa síntese baseada nos conceitos neurofisiológicos desenvolvidos pelo neurofisiologista e histologista espanhol Santiago Ramón y Cajal (1852-1934, laureado com o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1906) e pelo neurofisiologista, histologista, bacteriologista e patologista inglês Sir Charles Scott Sherrington (1857-1952, laureado com o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1932), assim como nos conceitos cibernéticos do matemático americano Norbert Wiener (1894-1964) e do matemático húngaro János von Neumann (1903-1957) [30]. Esse fluxograma procura captar a essência de como a informação chega, trafega e sai do Sistema Nervoso. Ele também procura explicitar que existem partes essenciais, especializadas, para diversos subconjuntos de funções que ocorrem no Sistema Nervoso: a informação provinda do meio externo ou do meio interno chega pelo sistema sensorial; os sistemas sensorial, intrínseco e cognitivo influenciam o sistema motor; e a saída deste é a via final comum para o comportamento do indivíduo. O sistema sensorial pode influenciar diretamente o sistema motor e gerar respostas reflexas, as influências exercidas pelo sistema cognitivo sobre o sistema nervoso são importantes para gerar respostas voluntárias enquanto as influências exercidas pelo sistema intrínseco atuam como sinais de controle para regular o estado comportamental. Além disso, o fluxograma mostra a retroalimentação exercida pelo comportamento sobre o Sistema Nervoso, através de entradas convenientemente acessíveis do sistema sensorial, de tal forma que essa retroalimentação pode ser usada pelo sistema cognitivo para a percepção e pelo sistema intrínseco para atribuir afeto (prazer, dor). O fluxograma também mostra a mútua influência entre os quatro sistemas neurais. A partir de um fluxograma como esse é possível desenhar-se um plano coerente para o estudo da fisiologia do Sistema Nervoso, descrevendo a função desses seus quatro componentes principais e de suas divisões funcionais, e relacionando, na medida do conhecimento atual, forma e função, ou seja, que funções dependem de que estruturas neurais. Cada um dos sistemas mencionados acima está organizado em arquiteturas diferenciadas, entre elas a arquitetura paralela de processamento de informação e a organização hierárquica dos níveis de controle. O processamento paralelo consiste no uso de circuitos de neurônios sintonizados para diferentes domínios ou para diferentes regiões de um mesmo domínio, Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q transmitindo informação diferenciada de um nível para outro do sistema; os diversos tipos de informação transmitida por esses circuitos são combinados de acordo com as necessidades comportamentais para tornar mais eficiente o desempenho do organismo. A consequência disso é que numa determinada via sensorial, por exemplo, existem fibras nervosas transmitindo informações diferentes e, muitas vezes, complementares, sobre uma classe de estímulos sensoriais. A estimulação mecânica da palma da mão, por exemplo, é transmitida por pelo menos quatro classes de fibras nervosas conectadas a receptores sensoriais diferenciados quanto à localização, precisão espacial e precisão temporal: receptores de Merckel, superficiais, boa precisão espacial, pobre precisão temporal; receptores de Meissner, superficiais, pobre precisão espacial, boa precisão temporal; receptores de Ruffini, profundos, boa precisão espacial, pobre precisão temporal; receptores de Paccini, profundos, pobre precisão espacial, boa precisão temporal (Figura 4). Os comandos motores dirigidos aos músculos são levados por axônios de três classes distintas de motoneurônios alfa que se conectam respectivamente a três classes de fibras musculares estriadas esqueléticas que se distinguem pela intensidade da contração, rapidez de contração e susceptibilidade à fadiga. Figura 3 - O Sistema Nervoso pode ser tratado com as ferramentas da Análise de Sistemas e representado por fluxogramas. Neles o fluxo de informação pode ser seguido através de seus principais passos com maior ou menor detalhamento. No fluxograma abaixo, o comportamento (B) é determinado pelo sistema motor (M), o qual é influenciado pela informação provinda do sistema sensorial (S), pela informação oriunda do estado comportamental intrínseco do indivíduo (I) e pela informação cognitiva (C). A informação sensorial leva diretamente às respostas reflexas (r), a informação cognitiva produz respostas voluntárias (v) e a informação intrínseca atua como sinal de controle para regular o estado comportamental (c). A saída do sistema motor (1) produz o comportamento cujas consequências são monitoradas pelo retroalimentação sensorial (2). Esta pode ser usada pelo sistema cognitivo para a percepção e pelo sistema intrínseco para gerar afeto. Fonte da ilustração: [30]. Copyright © 2008, Elsevier Science. Todos os direitos reservados. 89 90 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Figura 4 - Os sistemas sensoriais são portas importantes pelas quais a informação provinda do meio externo chega ao Sistema Nervoso. No ser humano, o sistema sensorial somático é um dos mais importantes. Seus receptores estão distribuídos na pele, nos tecidos profundos e nas vísceras. A informação provinda da pele chega à Consciência enriquecendo-a com os detalhes de como os vários estímulos estão atuando na superfície do corpo. A. Mapas de campos receptivos das quatro classes de mecanorreceptores especializados encontrados na pele glabra humana: corpúsculos de Meissner (RA); células de Merckel (SAI); corpúsculos de Paccini (PC); corpúsculos de Ruffini (SAII). Meissner e Merckel são receptores superficiais, com campos receptivos pequenos, enquanto Paccini e Ruffini são receptores profundos, com campos receptivos grandes. B. Resposta de fibras nervosas periféricas a um padrão de pontos da escrita Braille deslocado sobre a superfície da ponta do dedo humano a uma velocidade de 60 mm/s, na direção indicada pela seta, com mudança de 200 µm na sua posição a cada passagem. Cada potencial de ação disparado pela fibra nervosa é representado por um ponto nos gráficos. Somente as fibras nervosas associadas às células de Merckel (SAI) seguem de forma fiel o padrão Braille, uma vez que possuem os menores campos receptivos e sua janela temporal de amostragem é relativamente grande, permitindo uma resposta sustentada à estimulação. As respostas das fibras nervosas associadas aos corpúsculos de Meissner (RA) e corpúsculos de Paccini (PC), por não terem essas características, distorcem a informação presente no estímulo. As fibras nervosas associadas aos corpúsculos de Ruffini (SAII) pouco respondem a esse tipo estímulo. Fonte da ilustração: [62]. Copyright © 2003, Elsevier Science. Todos os direitos reservados. A B Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Além disso, os sistemas neurais estão organizados em diversos níveis de processamento interconectados por vias dirigidas centralmente (ascendentes) ou perifericamente (descendentes). Assim por exemplo, o sistema visual possui três níveis hierárquicos na retina, seguido de um nível mais central no tálamo, pelo menos dois na área visual primária do córtex cerebral e assim sucessivamente. A organização hierárquica preconiza que cada nível está sob o comando de níveis superiores progressivamente mais abrangentes. Esse tipo de organização implica num progressivo aumento dos graus de liberdade dentro de um domínio determinado dos níveis hierárquicos progressivamente superiores, os quais são capazes de comandar funções progressivamente mais complexas. O Sistema Nervoso feito de células O estudo do Sistema Nervoso como sistema, visualizando-se seus centros e vias como grandes blocos de um fluxograma por onde “flui um software escrito em linguagem do mais alto nível computacional” permite, outrossim, dissecar ordenamente as entranhas do seu hardware. Tanto num nível como noutro, software e hardware, muito ainda há que descobrir, categorizar e associar com as funções neurais de ordem superior que se sabe, pela introspecção, ocorrerem no organismo humano na dependência das ações do Sistema Nervoso. É possível que quando tudo for conhecido, os detalhes do hardware tornem-se irrelevantes, tal como num computador digital de hoje em dia. Contudo, até que seja gerado laboriosamente o conhecimento de como essas funções neurais superiores estão implementadas no tecido nervoso, não é possível prosseguir sem os detalhes do que constitui o tecido nervoso, suas células e como essas células se comunicam (Figura 5). Figura 5 - O tecido nervoso é formado pelos neurônios, responsáveis pelas funções de armazenamento e transmissão de informação necessária à percepção sensorial e ação motora, e diversos outros tipos celulares com função de nutrição e defesa. O tecido nervoso adota vários aspectos estruturais nas diversas partes do sistema nervoso periférico ou central. A fotomicrografia acima ilustra uma região periférica da retina do macaco reso corada com uma variante do método de Gros-Schultze [63]. Esse método utiliza a alta afinidade de metais pesados, no caso a prata, pelo tecido nervoso. Silveira e Perry aperfeiçoaram o método para corar uma classe de células ganglionares da retina de primatas, as células M, responsáveis pela visão em baixos níveis de contraste [64]. Na fotomicrografia os corpos celulares das células M aparecem como contornos elípticos marrons e os seus axônios como feixes da mesma coloração contra um fundo amarelado de células que se coram menos intensamente. Escala = 100 µm. 91 92 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q A descrição de uma célula é tarefa que muda a cada momento, já que a Citologia é área da ciência em desenvolvimento extremamente acelerado nos dias atuais. Por outro lado, essa missão há que ser abordada de diversos ângulos. Por exemplo, partindo-se das ferramentas originais da Citologia, podem-se descrever as caraterísticas morfológicas da célula, suas organelas e, nos dias de hoje, suas macromoléculas. De outra maneira, pode-se estudar o tráfego de moléculas entre o meio externo e o interior celular, ou entre compartimentos dentro das células, definindo-se as forças que atuam nessas moléculas, que as fazem mover e, assim, executar os fenômenos essenciais ao funcionamento da célula. Outra abordagem consiste na quantificação das diversas reações químicas que ocorrem na célula, como o complexo de fenômenos bioquímicos que levam ao aproveitamento da energia contida nas moléculas de glicose, pela oxidação de carbono ao dióxido de carbono e de hidrogênio à água; ou à duplicação do material genético, de tal forma a permitir que as células filhas recebam da célula mãe na divisão celular a informação necessária para o seu funcionamento; ou, ainda, descrever biofisicamente certos fenômenos celulares como a biomecânica da contração das miofibrilas, a bioeletrogênese do impulso nervoso e a bioenergética mitocondrial. Essa multiplicidade de formas de ver e descrever uma célula e o seu funcionamento, é consequência do desenvolvimento histórico dessa ciência – a Citologia – do estado atual do conhecimento e da própria conveniência de usar um conjunto simplificado de equações, e outras formas de representação, que melhor se adequem às necessidades do momento. Deve-se apontar, entretan- to, que todos os fenômenos biológicos são oriundos da ação de apenas duas das quatro interações fundamentais da natureza. Esses fenômenos podem ser explicados inteiramente, tendo-se todos os elementos do problema, a partir da quantificação dessas interações, a força gravitacional e a força eletromagnética, já que a força nuclear fraca e a força nuclear forte não têm qualquer efeito conhecido que seja especial à Biologia. Assim, por exemplo, a exigência de maior força a ser exercida pelo coração humano para impulsionar o sangue até o cérebro na posição ereta, é um fenômeno obviamente dependente da força gravitacional. Por outro lado, a conformação que as moléculas de hemoglobina adotam no líquido intracelular das hemácias depende exclusivamente de uma miríade de interações eletromagnéticas entre os seus vários átomos e os átomos circunjacentes, entre eles os átomos das moléculas de água e os íons do líquido intracelular. O neurônio tem em comum com outras células eucarióticas os seus principais constituintes: o núcleo, onde a maior parte do DNA celular está armazenada; o citoplasma, com as organelas habituais, tais como mitocôndrios, ribossomas, retículo endoplasmático rugoso, complexo de Golgi e retículo endoplasmático liso; e a membrana plasmática. Além disso, como acontece com as demais células eucarióticas, o neurônio apresenta determinadas especializações que lhe são peculiares, específicas para as funções que exerce. Assim, ao mesmo tempo em que o corpo celular – a região perinuclear – assemelha-se a de muitas outras células, por outro lado dele irradiam prolongamentos muitas vezes extensos e complexos, os dendritos e o axônio, os quais são locais de contactos sináp- Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q ticos entre os neurônios e fazem parte dos circuitos neurais por onde trafega o impulso nervoso. A Neurociência atual compreende o estudo de uma série de fenômenos nucleares, citoplasmáticos e da membrana plasmática, importantes para o entendimento de como o neurônio funciona e como são geradas as funções neurais a partir do funcionamento de neurônios individuais. O núcleo do neurônio é uma região de alta atividade metabólica e, para cada classe neuronal, determinados genes são expressos e eles determinam as particularidades daquela classe como, por exemplo, o tipo utilizado de neurotransmissor, ou seja, da substância química que aquela classe de neurônio usa para mandar mensagens para outros neurônios ou células fora do Sistema Nervoso. O estudo do núcleo neuronal tem permitido, num primeiro movimento, a localização em pontos específicos do genoma humano dos genes fundamentais para o funcionamento do Sistema Nervoso e, numa segunda fase, os mecanismos nucleares que controlam a expressão desses genes, avançando diariamente o conhecimento sobre a genômica dos receptores sensoriais, da bioeletrogênese, da transmissão sináptica e da contração muscular [31]. O citoplasma neuronal, além de ser dotado de organelas e outros componentes semelhantes àquele de outras células, apresenta determinadas especializações peculiares ao tecido nervoso. Assim, ele é dotado de um citoesqueleto robusto, composto por três sistemas protéicos fundamentais, formados por microtúbulos, neurofilamentos e actina, às quais estão associadas diversas proteínas conversoras de energia e transportadoras. Esse citoesqueleto dá suporte ao tráfego intenso, bidirecional, entre o pericário e o terminal axonal situado, frequentemente, a uma grande distância. No homem, por exemplo, os corpos celulares dos motoneurônios que inervam as fibras musculares dos pequenos músculos das mãos e dos pés estão situados na substância cinzenta medular dos segmentos cervicais e lombares, portanto a dezenas de centímetros de distância de seus terminais axonais. Apesar disso, diversos elementos necessários ao funcionamento da sinapse neuromuscular são formados nos corpos celulares e enviados por transporte axoplasmático para o terminal axonal à essa distância, enquanto que uma série de mensageiros químicos trafegam no sentido oposto, vindo da zona sináptica dos motoneurônios em direção aos seus pericários. A membrana plasmática neuronal, tal como nas outras células, demarca o limite entre dois sistemas com princípios de organização muito diferentes, o citoplasma e o líquido extracelular. Em situações como essas, a interface entre os meios é local de grande complexidade físico-química e de difícil modelagem matemática. Para citar um exemplo comum a todas as células, a diferença de potencial elétrico entre os líquidos intracelular e extracelular, o chamado potencial de membrana ou diferença de potencial elétrico transmembranar, representa uma queda de voltagem de aproximadamente 75 mV / 7,5 nm, ou seja, 10.000.000 V/m! Esse valor tão grande exerce uma tensão extraordinária sobre as proteínas integrais da membrana plasmática e certamente explica como algumas delas reagem com mudanças conformacionais importantes quando o potencial de membrana sofre pequenas variações por efeito de estímulos de di- 93 94 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q versas naturezas. A enorme extensão de membrana plasmática do conjunto dos neurônios de um organismo é também notável, já que essas células têm prolongamentos extensos e topologicamente complexos – a área que as membranas plasmáticas de todos os neurônios do cérebro humano ocupariam se fossem espalhadas lado a lado seria da mesma ordem de magnitude da superfície da Terra! É nessa área gigantesca, sujeita a uma queda de voltagem gigantesca, que atuam a miríade de sinais que modificam o funcionamento cerebral a cada instante! A membrana plasmática neuronal apresenta toda uma série de receptores que reconhecem sinais provindos do meio externo de uma forma geral, inclusive de outras células, neuronais ou não. No caso do neurônio, os mecanismos de reconhecimento de sinais externos tomam formas bastante sofisticadas e essenciais ao funcionamento do Sistema Nervoso. É o caso dos diversos processos de reconhecimento de estímulos localizados nos receptores sensoriais, os quais são células neuroepiteliais especializadas ou extremidades dendríticas de neurônios com corpos celulares localizados quase sempre nos gânglios sensitivos. E também é o caso dos receptores de neurotransmissores, os quais estão localizados na membrana pós-sináptica de todos os neurônios e, em alguns casos, noutras regiões da membrana fora do que tradicionalmente é considerada a membrana pós-sináptica. São funções essencialmente dependentes da membrana plasmática neuronal as bases iônicas do impulso nervoso, a propagação do impulso nervoso, a liberação de neurotransmissores e sua ação pós-sináptica, a recaptação de neurotransmissores e a interação entre os estímulos e os receptores sensoriais. Essas funções neuronais fundamentais dependentes das funções da membrana plasmática podem ser abordadas a partir do conhecimento do modelo do mosaico fluido para as membranas biológicas, das propriedades físico-químicas da bicamada lipídica que representa a matriz desse mosaico e de algumas famílias de suas proteínas integrais, proteínas essas constituídas por um número variável de segmentos que atravessam a membrana plasmática, estendendo-se do líquido intracelular ao extracelular [32]. Comunicação no Sistema Nervoso – o impulso nervoso Portanto, o sistema nervoso pode ser descrito no nível celular como formado por neurônios e diversos tipos de células associadas, estas com funções de proteção, nutrição, controle do meio interno e isolamento elétrico dos axônios. Grupos de neurônios associados em circuitos paralelos, hierárquicos, reentrantes, recebem informação do meio exterior ao organismo e do meio interno do próprio organismo, processam essa informação confrontando-a com aquela armazenada previamente, de natureza inata ou decorrente de experiência anterior, e enviam às diversas partes do corpo informação necessária para o controle das funções orgânicas e para a modificação do meio ambiente circunjacente. Desse tráfego de informação emanam a percepção, o aprendizado, a emoção, a motivação e a satisfação das necessidades do organismo de sobrevivência e reprodução. Crítico para que tudo ocorra é a capacidade que os neurônios têm de mandar mensagens de um ponto a outro dentro da mesma célula (os neurônios podem ter metros de comprimento e uma topologia extraordinariamente Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q complexa, cheia de ramos que se superpõem aos ramos dos neurônios vizinhos), de um neurônio a outro e de um neurônio a outras células do organismo. As formas de comunicação neuronal, comunicação química e comunicação eletroquímica, são especializações derivadas de funções existentes em todas as células, mas que atingem um alto grau de sofisticação no neurônio. A forma de comunicação natural entre células é através de mensageiros químicos e os neurônios são dotados de maneiras altamente especializadas de realizar a comunicação química. Porém, o envio de informação complexa e precisamente codificada, a longas distâncias e em alta velocidade exige que a evolução buscasse outras soluções que não apenas mensageiros químicos. Para isso, neurônios – e também as fibras musculares – desenvolveram uma forma especial de comunicação para satisfazer essas necessidades, uma forma extremamente rápida para mandar mensagens a grandes distâncias utilizando os gradientes eletroquímicos transmembranares, o impulso nervoso. Como mencionado no início desse capítulo, os primeiros experimentos demonstrando a existência de eletricidade nos seres vivos foram feitos por Galvani [6-8]. Galvani observou que estimulando eletricamente o nervo ciático de rã fazia com que os músculos das patas do animal se contraíssem em resposta. A descoberta da bioeletricidade resultou dessa observação e dos experimentos subsequentes, e representou o ponto de partida para os estudos que prosseguem até hoje sobre os fenômenos eletrofisiológicos neurais e musculares. A polêmica entre Galvani e o também físico italiano Conde Alessandro Giuseppe Antonio Anastasio Volta (1740-1827) sobre se os fenômenos observados eram privilégio exclusivo dos seres vivos, como Galvani achava, ou se podiam ser reproduzidos quimicamente em sistemas inanimados, como achava Volta, levou de um lado à Eletrofisiologia e de outro à Eletroquímica. Os trabalhos de Volta criaram uma nova área do conhecimento, revolucionaram a Física e legaram uma invenção impactante no futuro do desenvolvimento tecnológico, a pilha ou bateria eletroquímica. Entretanto, devido ao grande prestígio de Volta e da oposição ferrenha que ele fez à idéias de Galvani, eles tiveram o efeito negativo de cessar os trabalhos sobre a bioeletricidade por um longo período [6,7]. Apesar disso, os nomes dos dois grandes italianos ficaram ligados eternamente à ciência e à tecnologia nas expressões galvanismo, corrente galvânica, galvanômetro, bateria voltaica, voltagem, voltímetro, volt, entre outros. O caminho aberto por Galvani, todavia, estava destinado a ser trilhado com sucesso pelos seus sucessores e o resultado dessa caminhada influenciou definitivamente o curso da Eletrofisiologia (Figura 6). Os experimentos sobre a bioeletricidade foram retomados várias décadas depois pelo físico e fisiologista italiano Carlo Matteuci (1811-1868). Matteuci realizou uma série de experimentos usando o galvanômetro inventado pelo físico italiano Leopoldo Nobili (17841835), bastante sensível para a época, e mostrou que os tecidos biológicos excitáveis realmente geravam correntes elétricas, como proposto por Galvani, que podiam ser somadas adicionando elementos em série como na pilha elétrica inventada por Volta. Ele mostrou que num músculo de rã seccionado havia um fluxo de corrente da área cortada, ou seja, 95 96 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Figura 6 - A eletrofisiologia é um dos pilares para entender-se o Sistema Nervoso. Ela avançou a partir da descoberta da eletricidade animal pelo médico e físico italiano Luigi Aloisio Galvani (1737-1798) (A), seguida da descoberta do potencial de ação pelo físico e fisiologista alemão Emil du Bois-Reymond (1818-1896) (B) e de seu registro e medida da velocidade de propagação pelo fisiologista alemão Julius Bernstein (18391917) (C). Bernstein usou a equação desenvolvida pelo físico-químico alemão Walther Hermann Nernst (1864-1941) (D) para modelar o potencial de membrana dos neurônios na situação de repouso. Deve-se aos biofísicos e fisiologistas ingleses Sir Alan Lloyd Hodgkin (1914-1998) (E) e Sir Andrew Fielding Huxley (1917-) (F) as equações que descrevem modernamente o potencial de ação. Ver texto para maiores detalhes. Fontes das ilustrações: [65-70]. Todos os direitos reservados. A B C D E F do lado intracelular, para a superfície íntegra, ou seja, para o lado extracelular; essa corrente bioelétrica foi chamada de corrente de lesão [6,33]. A existência de uma corrente eletroquímica assim orientada significava que o potencial elétrico na zona lesada era negativo em relação à zona intacta. Os trabalhos de Mateucci inspiraram diretamente o trabalho do físico e fisiologista alemão Emil du Bois-Reymond (1818-1896), o qual duplicou os experimentos de Matteucci com equipamentos mais avançados e chegou à descoberta que um estímulo aplicado tanto no nervo quanto no músculo levava à diminuição Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q da corrente de lesão, ou seja, a diferença de potencial elétrico entre os lados intracelular e extracelular da preparação diminuía ou mesmo desapareceria; havia uma “variação negativa” no potencial elétrico externo que se propagava ao longo do nervo ou do músculo [6,33]. Hoje sabemos que isso corresponde ao potencial de ação, esse fenômeno elétrico que se propaga ao longo das fibras nervosas e musculares quando elas são estimuladas e que constitui o substrato eletrofisiológico do impulso nervoso [34-36]. Um experimento importante para estabelecer a conexão direta entre o potencial de ação e o impulso nervoso consiste em mostrar que os dois se propagam com a mesma velocidade. Quando du Bois-Reymond descobriu o potencial de ação, a velocidade de condução do impulso nervoso já era conhecida. Ela havia sido medida por um dos maiores cientistas de todos os tempos, o médico e físico alemão Hermann Ludwig Ferdinand von Helmholtz (1821-1894), com uma notável contribuição nos campos da Termodinâmica, Óptica, Acústica, Oftalmologia, Otologia e Filosofia, entre outros campos do conhecimento. von Helmholtz usou uma preparação nervo-músculo, como seus antecessores, e construiu um aparelho que lhe permitiu medir o intervalo temporal entre o estímulo do nervo e a contração do músculo com grande precisão. Realizando várias vezes o experimento com os eletrodos de estimulação colocados em diferentes pontos ao longo do nervo, e dividindo a diferença da distância percorrida pela diferença do intervalo de tempo necessário para observar a contração muscular nas diferentes colocação dos eletrodos, ele determinou com precisão a velocidade de condução do impulso nervoso [6]. Assim, o experimento crucial consistia em medir a velocidade de propagação do potencial de ação e comparar com os resultados obtidos por von Helmholtz. du Bois-Reymond, após ter tentado e falhado, passou esse problema para o seu discípulo, o fisiologista alemão Julius Bernstein (1839-1917). Este último construiu um equipamento eletromecânico para registrar e medir a velocidade de propagação do impulso nervoso, chamado por ele de reótomo diferencial, e produziu os primeiros registros do potencial de ação, assim como foi capaz de medir pela primeira vez a velocidade de propagação desse fenômeno (Figura 7). Como esperado, a velocidade de propagação do potencial de ação era a mesma do impulso nervoso, estabelecendo-se pela primeira vez uma relação causal entre os dois fenômenos [6,32]. Bernstein também reconheceu a importância da permeabilidade da membrana plasmática ao K+ para o estado de repouso dos neurônios e, usando a equação desenvolvida pelo físico-químico alemão Walther Hermann Nernst (1864-1941, ganhador do Prêmio Nobel de Química de 1920), foi capaz de modelar essa condição de equilíbrio [6,33]. Ele compreendeu corretamente que, na situação de repouso, a diferença de potencial elétrico entre um lado e outro da membrana plasmática obedecia o previsto pela Equação de Nernst para o K+. O potencial de membrana de repouso era igual ou muito próximo do potencial de equilíbrio para o K+, ou seja, proporcional à diferença de potencial químico para K+ entre o lado intracelular e extracelular, sendo o potencial elétrico intracelular menor que o potencial elétrico extracelular. Essa dependência entre o potencial elétrico e o potencial químico para K+ foi interpretada corretamente por Bernstein 97 98 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q como devida à permeabilidade seletiva ao K+ da membrana plasmática na situação de repouso. Entretanto, a mudança da diferença de potencial elétrico que ocorria após a estimulação do nervo foi interpretada erradamente como simplesmente uma perda dessa permeabilidade seletiva, um aumento generalizado da permeabilidade da membrana plasmática a íons e o colapso do potencial de membrana para zero. Essa interpretação estava alinhada com o que havia sido registrado nos primeiros experimentos de du Bois-Reymond e nos próprios registros de Bernstein. Entretanto, o exame cuidadoso dos registros feitos por Bernstein, mostra que em determinadas condições ele havia documentado o “overshoot” do potencial de membrana durante o potencial de ação, ou seja, a inversão da polaridade do potencial de repouso, porém não deu importância ao mesmo, possivelmente julgando tratar-se de um artifício de registro. Ou seja, durante o potencial de ação a membrana simplesmente não perdia a diferença de potencial elétrico entre o lado de dentro e o lado de fora, mas essa diferença se invertia, e o lado de dentro ficava agora com potencial elétrico maior que o lado de fora. Figura 7 - Os gráficos são uma reprodu- ção dos primeiros registros do impulso nervoso publicados, feito devido ao fisiologista alemão Julius Bernstein (18391917), utilizando um equipamento da época chamado reótomo diferencial (ver detalhes do funcionamento desse aparelho em [6]). Na parte de cima da figura o impulso nervoso é apresentado como a variação da amplitude da diferença de potencial elétrico em função do tempo num dado ponto do nervo. Na parte de baixo, o impulso nervoso é mostrado como a variação da amplitude da diferença de potencial elétrico em função da distância ao longo do nervo numa dado momento (dois impulsos nervosos sucessivos são ilustrados). Esses dois gráficos capturam a essência do impulso nervoso como uma alteração abrupta da diferença de potencial elétrico entre os lados intra e extracelular da membrana plasmática que ocorre numa dada região da fibra nervosa estimulada artificialmente e que, a partir daí, se propaga a uma velocidade mensurável em ambas as direções, afastando-se do ponto de estimulação. Na situação natural, o impulso nervoso começa no início do axônio de um neurônio, próximo ao corpo celular e propaga-se em direção ao terminal axonal, algumas vezes situado a mais de um metro de distância. Fonte da ilustração: [6]. Copyright © 1983, Elsevier Science. Todos os direitos reservados. Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Figura 8 - As equações de Hodgkin e Huxley [34] descrevem a variação do potencial de membrana do nervo em função do espaço e do tempo, tendo como parâmetros a capacitância da membrana e os vários componentes da condutância da membrana (permeabilidade da membrana a íons). Os gráficos mostram como a solução numérica para as equações de Hodgking e Huxley levam às variações dos componentes da condutância da membrana (g) durante um potencial de ação propagado (-V) – esses componentes são a condutância ao íon sódio (gNa+) e a condutância ao íon potássio (gK+). No início do potencial de ação há um rápido aumento da permeabilidade da membrana quase inteiramente devido ao aumento de gNa+ mas, após o pico do potencial de ação, gK+ cresce, tornando-se uma fração progressivamente maior da condutância total, ao mesmo tempo que gNa+ decresce rapidamente para tornar-se negligível. A parte final do aumento da condutância da membrana que decresce gradualmente é devida inteiramente ao aumento de gK+. Fonte da ilustração: [34]. Copyright © 1952, The Physiological Society / Blackwell Publishing. Todos os direitos reservados. Deve-se aos biofísicos e fisiologistas ingleses Sir Alan Lloyd Hodgkin (19141998) e Sir Andrew Fielding Huxley (1917-), em experimentos realizados na Universidade de Cambridge (Inglaterra), em meados do século vinte, a descoberta ou redescoberta do overshoot do potencial de ação e o estabelecimento definitivo da importância dos fluxos de K+ e Na+ através de permeabilidades específicas da membrana plasmática para a geração tanto do estado de repouso quanto do estado de ação do potencial de membrana dos neurônios e das fibras musculares [34]. Eles ampliaram de forma considerável o trabalho fundamental do século dezenove de Bernstein. Hodgkin e Huxley foram além e, trabalhando no axônio gigante de lula e usando a técnica de fixação de voltagem, desenvolveram empiricamente as equações que descrevem a permeabilidade da membrana plasmática nas condições de repouso e ação [34]. Esse trabalho lhes valeu o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1963, que compartilharam com outro biofísico e fisiologista, o australiano Sir John Carew Eccles (1903-1997), este pelo trabalho sobre a fisiologia das sinapses. Hodgkin e Huxley fixaram no espaço e no tempo a diferença de potencial elétrico através da membrana plasmática do axônio gigante de lula em vários níveis de voltagem, mediram a corrente elétrica transmembranar e calcularam a condutância elétrica da membrana. Eles foram capazes de separar duas correntes, uma devida ao Na+ e outra ao K+, passando por condutâncias (permeabilidades) seletivas da membrana dependentes da própria voltagem transmembranar, com cursos temporais diferentes. Eles encontraram equações diferenciais que descreviam adequadamente as mudanças nas condutâncias de 99 100 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Na+ e K+ associadas com a estimulação elétrica da fibra nervosa. Eles propuseram que durante a primeira fase do potencial de ação, quando o potencial de membrana se inverte, tornando-se o potencial elétrico maior no interior da células em comparação com o potencial elétrico do líquido extracelular, o fator causal era um aumento da condutância da membrana ao Na+. Este aumento era transitório e, na segunda parte do potencial de ação, quando o potencial de membrana voltava à polaridade de repouso, ou seja, com o potencial elétrico do interior da célula menor do que o potencial elétrico do líquido extracelular, o fator preponderante era um aumento da condutância ao K+ (Figura 8). A descrição adequada dos fenômenos iônicos que explicam o potencial de membrana tanto na situação de repouso, quanto nas diferentes fases do potencial de ação, incorporou-se ao conhecimento do funcionamento dos neurônios e fibras musculares e permitiu o enorme avanço sobre a fisiologia dessas células com técnicas progressivamente mais sofisticadas [35,36] (Figura 9). O potencial de membrana neuronal depende principalmente de duas classes de proteínas integrais da membrana plasmática, canais e bombas que translocam íons de um lado para outro dessa membrana [35]. As bombas utilizam a energia da quebra do ATP para transportar íons contra seus gradientes eletroquímicos e os canais deixam os íons fluírem a favor dos seus gradientes eletroquímicos. Na situação de repouso o potencial de membrana depende principalmente dos canais de K+ com portões permanentemente abertos e, em menor extensão, da bomba de Na+/K+ [35]. Nas últimas décadas houve um grande avanço num dos “mistérios” centrais da base biofísica das condutâncias de K+ e Na+, críticas para o entendimento do potencial de membrana nas condições de repouso e ação. Tanto Bernstein quanto Hodgkin e Huxley, entre outros, registraram o efeito dessas condutâncias e as modelaram matematicamente, porém sua base estrutural permaneceu desconhecida por muito tempo. Hoje, a estrutura dos canais de K+ é conhecida em grande detalhe, graças a estudos de clonagem e expressão gênicas, inicialmente realizados em canais de neurônios do invertebrado Drosophila melanogaster [37], e estudos cristalográficos realizados em canais da bactéria Streptomyces lividans [38]. Os canais de K+ são uma das mais antigas proteínas transmembranares, ocorrendo em todas as células procarióticas e eucarióticas. Assim, mesmo o conhecimento angariado em neurônios de invertebrados ou mesmo em células não neurais é importante e útil para entendermos a estrutura e função desses canais no Sistema Nervoso de mamíferos, inclusive no córtex cerebral do homem [39,40]. O estudo da estrutura do canal de + K permitiu a descoberta das bases moleculares da permeabilidade e seletividade da membrana plasmática a esse íon e também a outros íons importantes para a eletrofisiologia celular (Figura 10) [41]. Existe uma grande variedade de canais de K+, alguns com portões constantemente abertos, outros com portões dependentes do nível de voltagem transmembranar ou dependentes da ligação de um neurotransmissor. Esses canais têm estrutura bastante semelhante entre si e com os canais de Na+ e Ca++ com portões dependentes de voltagem: tetrâmeros formados por quatro subunidades semelhantes; cada subunidade possuindo seis segmentos transmembranares (apenas Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Figura 9 - Atualmente, utilizam-se procedimentos sofisticados de registro intracelular e extracelular de neurônios de vários animais e localizações, empregando-se microeletródios. Nos gráficos acima, é feita uma comparação das propriedades de disparo entre neurônios da substância branca e neurônios piramidais da camada V do córtex cerebral, registrados com micropipetas inseridas no citoplasma [71]. (A) Registro de neurônio da substância branca. Potenciais de ação provocados por pulsos de corrente de 60 pA. Os potenciais de ação foram seguidos por pós-potenciais hiperpolarizantes rápidos (PPHr) e, após o estímulo, por pós-potenciais hiperpolarizantes lentos (PPHl). O potencial de repouso (ERM) no momento do registro encontrava-se em -56 mV. (B) Mesmo neurônio de (A). Aumentando-se a intensidade do pulso de corrente de estimulação, mais potenciais foram disparados e não foi observada adaptação da célula ao estímulo. (C) Outro neurônio da substância branca, onde os potenciais de ação foram provocados com a mesma intensidade de corrente da célula anterior mostrada em (A) e (B). Nesta célula os potenciais de ação foram seguidos por PPHr e por pós-potenciais hiperpolarizantes médios (PPHm), com ERM de -54 mV. (D) Quando a intensidade da corrente foi aumentada, mais potenciais foram disparados, mas ocorreu uma adaptação. (E-F) Neurônio piramidal da camada V. Procedimento experimental como nas duas células anteriores ilustradas em (A-D). Notar a acentuada adaptação e um proeminente PPHm seguindo cada potencial de ação, com ERM de -65 mV. 101 102 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q dois em alguns tipos de canais de K+); os segmentos S5 e S6 formam o poro do canal e possuem interposto entre eles, na conformação primária da proteína, uma sequência de aminoácidos que forma a região responsável pela seletividade iônica (Figura 10). A permeabilidade e seletividade iônica dos vários canais foram durante muito tempo grandes enigmas da Biofísica Celular. Por exemplo, a alta taxa transporte de K+ de dentro para fora da célula (fK+ = 108 íons / s), próxima do limite de difusão, indica que o transporte ocorre através de um poro aquoso. Por outro lado, a alta seletividade, 104 vezes maior do que a do Na+, não é fácil de explicar por um processo difusional em fase aquosa, uma vez que os íons K+ e Na+ são esferas sem maiores particularidades, inclusive tendo o Na+ um raio de Pauling menor (rNa+ = 0,95 Å; rK+ = 1,33Å). Esse enigma começou a ser solucionado a partir dos anos noventa, mostrando-se que a permeabilidade e seletividade dos canais de K+ dependem essencialmente de suas propriedades estruturais e que princípios e mecanismos semelhantes devem também determinar as propriedades dos canais de Na+ e Ca++ [37-40] (Figura 10). O K+ é atraído para a abertura interna do canal por cargas negativas de ácido glutâmico estrategicamente localizadas. A partir daí ele percorre um estreito pertuito até uma cavidade central, onde é estabilizado eletrostaticamente pelas moléculas de água de solvatação e pelos dipólos formados pelas hélices do poro. A passagem pelo filtro de seletividade só é possível pela perda da maioria das moléculas de água, a barreira energética enorme que se opõe a esse processo sendo vencida pela substituição dos oxigênios das moléculas de água pelos oxigênios de carbonilas situadas ao longo do filtro de seletividade. Ao longo do filtro de seletividade, o K+ passa com apenas duas das seis moléculas de água da camada mais interna de solvatação e os sucessivos oxigênios das carbonilas vão ocupando a posição das outras quatro moléculas de água mais internas. As cargas negativas de ácido aspártico situadas estrategicamente na abertura externa do canal contribuem para dirigir a saída do K+. Em situações onde o fluxo se inverte o K+ é inicialmente atraído por essas cargas. A razão pela qual o Na+, apesar de menor que o K+, não poder passar pelos canais de K+ é porque os oxigênios das carbonilas do filtro de seletividade ficam muito longe do íon e não conseguem substituir apropriadamente a ação eletrostática dos oxigênios das moléculas de água; isso impede que o Na+ se desfaça das moléculas de água de solvatação e, assim, não consiga permear o filtro de seletividade. Outros estudos desse tipo estão esclarecendo outros aspectos da fisiologia dos canais iônicos, tais como a estrutura do sensor de voltagem, as alterações conformacionais que permitem a abertura desses canais sob a ação da modificação do potencial de membrana, e o bloqueio que determinados canais sofrem após sua abertura, de tal forma que o fluxo iônico é subitamente interrompido (chamado de mecanismo de inativação) [41-45]. Em resumo, a modificação do potencial de repouso neuronal, quando levada além de um determinado valor – o chamado potencial limiar – dispara o impulso nervoso, uma variação de grande amplitude no potencial de membrana que se propaga ao longo de seus prolongamentos [35]. Esse é um fenômeno Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q Figura 10 - O estudo da estrutura do canal de K+ permitiu a descoberta das bases mo- leculares da permeabilidade e seletividade da membrana plasmática a esse íon. Existe uma grande variedade de canais de K+ na natureza, os quais são encontrados em células procarióticas e eucarióticas, sendo sua estrutura bastante semelhante entre si e com os canais de Na+ e Ca++ dependentes de voltagem. No caso dos canais de K+, as subunidades podem compreender todos os seis ou apenas dois segmentos transmembranares. Nesse último caso, eles correspondem aos segmentos transmembranares S5 e S6, que formam o poro do canal e possuem interposto entre eles, ao longo da conformação primária da proteína, uma sequência de aminoácidos que constitui a região responsável pela seletividade iônica. Roderick MacKinnon e colaboradores estudaram o canal de K+ KcsA da bactéria Streptomyces lividans, formado por 396 aminoácidos e cerca de 6.000 átomos. Esse canal é do tipo com quatro subunidades de dois segmentos transmembranares cada (uma hélice alfa externa e outra interna) mais uma região interposta entre eles parcialmente helicoidal (hélice alfa do poro) e parcialmente desespiralizada (filtro de seletividade). A. Vista esquemática lateral do canal de K+. B. Corte longitudinal no canal de K+, mostrando a superfície acessível ao solvente aquoso, colorida de acordo com suas propriedades físicas: as áreas azuis são carregadas positivamente, as brancas têm polaridade intermediária e as vermelhas são carregadas negativamente; as áreas amarelas correspondem às regiões hidrofóbicas voltadas para a luz do canal. Os íons K+ são representados por esferas verdes de dimensões correspondentes ao raio de Pauling (1,33 Å). As hélices internas estão voltadas para o interior do canal, enquanto as hélices externas estão voltadas para a matriz lipídica. O canal possui um pertuito longo (20 Å de comprimento), que se estende da abertura interna guardada por cargas negativas de ácido glutâmico, até uma cavidade central (10 Å de comprimento), seguida pelo filtro de seletividade (12 Å de comprimento por 1,4 Å de raio), que se estende até a abertura externa, onde cargas negativas de ácido aspártico exercem certa influência. As hélices do poro formam dipólos apontando suas cargas negativas parciais para a cavidade central do canal. No texto são relacionados esses aspectos estruturais com a permeabilidade e seletividade do canal de K+. Fonte da ilustração: [40]. Copyright © 1998, American Association for the Achievement of Science. Todos os direitos reservados. A B 103 104 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q particular de apenas algumas células, as chamadas células excitáveis, que compreendem além do neurônio, a fibra muscular estriada esquelética, a fibra muscular estriada cardíaca e a fibra muscular lisa, ressaltando-se o fato de que algumas células neuroepiteliais (e.g., cones, bastonetes, células ciliadas do órgão espiral de Corti) e alguns neurônios (e.g., células horizontais retinianas, células bipolares retinianas, algumas células amácrinas retinianas) não apresentam essa propriedade. A excitabilidade neuronal depende do trabalho de uma classe específica de canais Na+ e K+ presentes na membrana plasmática, cuja abertura é dependente do próprio potencial de membrana – quando a diferença de potencial através da membrana plasmática cai além de um certo valor, esses canais se abrem. O fenômeno é dominado inicialmente pela abertura dos canais de Na+ dependentes de voltagem, levando à entrada desse íon no neurônio, a favor do seu gradiente eletroquímico. Na fase final, os canais de Na+ fecham-se através do mecanismo de inativação, enquanto que os canais de K+, mais lentos e sem mecanismo de inativação, permanecem abertos, levando à saída desse íon a favor do seu gradiente eletroquímico. A consequência é uma inversão abrupta da diferença de potencial elétrico transmembranar que dura cerca de 1 ms – o impulso nervoso. A propagação do impulso nervoso deve-se à ação longitudinal das cargas que foram mobilizadas transversalmente através da membrana, o que serve de estímulo para as regiões vizinhas ainda em repouso. O restabelecimento das condições originais do neurônio ocorre a um prazo mais longo que o impulso nervoso, sendo necessário que o Na+ que entrou na primeira fase seja devolvido ao líquido extracelular e o K+ que saiu seja devolvido ao interior da célula; esse papel é desempenhado pela bomba de Na+/K+ às custas de energia metabólica. Comunicação no Sistema Nervoso – a sinapse química O potencial de repouso pode ser modificado de muitas maneiras, por muitos tipos de estímulos, contudo a via final comum desses estímulos é constituída por proteínas integrais que modificam a permeabilidade a íons da membrana plasmática, seja atuando como canais, que deixam os íons se difundirem a favor dos seus gradientes eletroquímicos, seja atuando como bombas, as quais transportam os íons contra seus gradientes eletroquímicos às custas direta ou indiretamente de energia metabólica. No caso dos estímulos sensoriais, existem mecanismos muito diversos entre si, baseados em famílias diferentes de proteínas transmembranares sensíveis especificamente ao estímulo sensorial a ser detectado. Por exemplo, na visão esse papel é desempenhado por uma proteína transmembranar chamada rodopsina, a qual existe em vários tipos, e ocorre tanto em cones quanto bastonetes [46]. A rodopsina é estimulada quando absorve um fóton e sua excitação é transmitida por uma cascata molecular cujo efeito é diminuir a condutância de uma classe específica de canais de cátions, permeáveis em diferentes proporções à Ca++, Mg++, Na+ e K+ [47]. Esse é um dos muitos mecanismos pelos quais os estímulos sensoriais são transduzidos em variações do potencial de membrana dos receptores sensoriais. Contudo, talvez, o caso mais universal de modificação do estado neu- Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q ronal é encontrado na sinapse, onde os neurotransmissores liberados pelos neurônios pré-sinápticos atuam em proteínas integrais da membrana plasmática dos neurônios pós-sinápticos, chamadas receptores de neurotransmissores que vão, por seu turno, modificar o potencial de repouso desses neurônios [48-50]. Essa modificação pode ser por ação direta, quando esses receptores possuem canais iônicos, ou indireta, quando eles controlam uma cascata de reações metabólicas que levam, ao final, à abertura ou fechamento de canais iônicos [50]. Outras proteínas integrais da membrana plasmática são importantes para funções fundamentais do neurônio. Por exemplo, certos canais de Ca++ dependentes de voltagem permitem o influxo de Ca++ essencial para disparar o complexo processo de exocitose das vesículas sinápticas que contém as moléculas do neurotransmissor [48]. Esse processo compreende a ação orquestrada de várias classes de proteínas da membrana plasmática, da membrana da vesícula sináptica e do citoplasma, sendo o produto final a liberação de moléculas de neurotransmissor no líquido extracelular, as quais vão servir de estímulo químico para os próximos neurônios do circuito neural. Outro exemplo envolve o transporte de moléculas de neurotransmissores de volta ao citoplasma neuronal ou de dentro do citoplasma para o interior das vesículas sinápticas, ou seja, para o seu armazenamento [51]. Esses dois fenômenos dependem de quatro classes de proteínas integrais, sendo duas classes de transportadores e duas classes de bombas iônicas. O transporte do neurotransmissor através da membrana plasmática, de volta ao citoplasma, depende dos chamados transportadores de solutos da membrana plasmática, uma classe que compreende muitas proteínas diferentes, uma para cada grupo de solutos, não somente neurotransmissores, mas também aminoácidos em geral e açúcares, entre outros solutos. Assim, existe um transportador de glutamato, outro de GABA, outro de colina, outros para as diversas aminas biogênicas, etc... Esses transportadores usam a energia do gradiente eletroquímico de Na+, criado pela bomba de Na+/K+ e, como tal, realizam o sinporte de seu soluto com íons Na+, outros íons podendo ser transportados simultaneamente num sentido ou noutro. Por outro lado, o transporte de moléculas de neurotransmissor do citoplasma para o interior das vesículas sinápticas envolve uma outra família de proteínas integrais, dessa feita situadas na membrana vesicular, as quais utilizam o gradiente eletroquímico de H+, criado às expensas de energia metabólica por uma bomba de H+ presente nessa membrana. Novamente, existem transportadores de solutos da membrana vesicular para glutamato, GABA, acetilcolina, aminas biogênicas, e assim por diante, os quais executam o antiporte do seu neurotransmissor e H+. O termo sinapse foi usado pela primeira vez por Sherrington, em seu livro The Integrative Action of the Nervous System (1906), para responder questões relativas a uma descontinuidade entre um neurônio e outro. Sherrington comparou a propagação bidirecional que ocorria em um nervo com a propagação unidirecional em um arco reflexo. Essa diferença era devida a barreiras intercelulares existentes entre os neurônios que ele denominou sinapse [52]. A partir dessas 105 106 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q observações, duas escolas antagônicas de neurocientistas tentaram descrever como o sinal passava de uma célula para outra através das sinapses. Os eletrofisiologistas partilhavam a idéia que o impulso nervoso cruzava a sinapse eletricamente, enquanto os farmacologistas preferiam a idéia da transmissão química. Após cinquenta anos de debates, ambas as escolas finalmente chegaram a um acordo de que ambas as formas de transmissão podiam existir no Sistema Nervoso. A transmissão química foi mostrada de uma maneira inequívoca por um experimento histórico realizado em 1921 pelo farmacologista alemão Otto Loewi (1873-1961, ganhador do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1936). Ele desenvolveu uma preparação contendo o nervo vago e o coração de uma rã. Quando o nervo era estimulado eletricamente, o coração diminuía imediatamente a força e a frequência de seus batimentos. Quando a solução que banhava a preparação foi adicionada a uma segunda preparação contendo agora somente o coração, sem interferência do nervo vago, esse coração também diminuía a força e a frequência de seus batimentos. Esse resultado era sugestivo que ocorria uma inibição causada por uma substância presente na solução que hoje se sabe ser acetilcolina liberada pelo terminal do nervo vago que havia sido estimulado eletricamente [53]. O conhecimento de todas as etapas da transmissão química intervindo no processamento do sinal nervoso veio, principalmente, através de estudos de órgãos periféricos como o músculo sartório de rã e do músculo dorsal de anelídeos. Nesses estudos, as respostas eram comparadas com os efeitos de certas substâncias químicas naturais e/ou sintéticas aplicadas na sinapse entre o neurônio motor e os seus músculos alvos e era constatado que os efeitos observados eram bastantes similares [52,54]. Em ambos os casos a acetilcolina, neurotransmissor natural, era sintetizada pelos neurônios motores e liberada por estimulação elétrica artificial ou natural dos seus terminais motores. Portanto, pode-se considerar a acetilcolina como um mediador químico ou neurotransmissor que ao se distribuir na fenda sináptica transmite os sinais provindos do terminal nervoso ao músculo estriado com que aquele faz sinapse. Registros eletrofisiológicos com microeletrodos intracelulares revelaram sinais elétricos típicos dessas sinapses. Na preparação nervo – músculo já mencionada, se o neurônio motor for estimulado com eletrodos posicionados nessa célula, uma resposta pode ser observada na fibra muscular estriada esquelética por eletrodos de registro lá posicionados. Se os eletrodos de registro forem colocados agora no neurônio motor e o estímulo for dado na fibra muscular, nenhuma resposta é obtida. Portanto, o sinal passa somente em uma direção, do neurônio motor para fibra muscular. A informação que passa através de uma sinapse química é vetorizada, ao passo que numa sinapse elétrica o sinal passa nos dois sentidos. Outra diferença entre a sinapse elétrica e a sinapse química é o retardo sináptico que ocorre na sinapse química, em torno de 0,3 a 0,8 ms, decorrente das inúmeras etapas químicas intervenientes entre a chegada de um impulso nervoso no terminal pré-sináptico e a geração de um novo impulso na célula seguinte, muscular ou neuronal. Outra técnica que revelou particularidades e diferenças entre a sinapse elétrica e aquela que faz uso de neuro- Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q transmissores, como a sinapse neuromuscular, foi a microscopia eletrônica. Essa técnica mostrou que a sinapse química possuía uma polaridade morfológica que refletia sua polaridade funcional. A fenda sináptica era muito mais larga (20 a 50 nm) do que na junção elétrica. Além disso, os dois lados da fenda sináptica apresentavam morfologias diferentes, coisa que não era vista na sinapse elétrica: no lado pré-sináptico existiam vesículas sinápticas com 30 a 60 nm de diâmetro, enquanto do lado pós-sinaptico essas vesículas não existiam. Quando as vesículas foram isoladas por meios bioquímicos, constatou-se a presença de neurotransmissores nessas estruturas [55]. Figura 11 - As sinapses são locais onde os neurônios se comunicam entre si ou com células a eles associadas. Na figura vê-se a representação esquemática de uma sinapse química. Ela é formada por um elemento pré-sináptico e um elemento pós-sináptico separados por uma fenda sináptica. Frequentemente o elemento pré-sináptico é o terminal axonal de um neurônio, dentro do qual as moléculas do neurotransmissor estão concentradas nas vesículas sinápticas. Diversas macromoléculas presentes na membrana plasmática, membrana das vesículas sinápticas e no próprio citoplasma executam um grande conjunto de funções que permitem a síntese, acumulação, liberação e recaptação do neurotransmissor. Frequentemente também o elemento pós-sináptico é um dendrito ou o próprio corpo celular de um neurônio, onde existem macromoléculas situadas na membrana plasmática que funcionam como receptores dos neurotransmissores. Atuando nos seus receptores, os neurotransmissores deflagram uma série de fenômenos no neurônio pós-sináptico, cuja consequência é a passagem da informação neural de um neurônio para o próximo. Para ser considerado um neurotransmissor, a molécula transmissora requer alguns pré-requisitos: i) presença de enzimas como passos limitantes no terminal pré-sináptico; ii) armazenamento da molécula em vesículas pré-sinápticas; iii) liberação da molécula pelo terminal pré-sináptico regulada por Ca++; iv) presença de receptores específicos na membrana pós-sináptica para interagir com essa molécula; v) presença de transportadores e/ou enzimas que tenham a função de terminar com a ação da molécula sobre a membrana pós-sináptica (Figura 11). Existem varias classes de neurotransmissores que podem ser classificados por sua estrutura química, tais como: acetilcolina; aminoácidos como aspartato, glutamato, glicina e GABA; e aminas biogênicas, sendo as mais conhecidas serotonina, dopamina, noradrenalina, adrenalina e histamina. Fazem parte também do grupo, os neuropeptídeos que podem ter de três a mais de 30 resíduos de aminoácidos. Esses neuropeptídeos podem ser classificados em quatro grupos principais: as taquicininas, tais como a substância P, cuja função mais conhecida é sua parti- 107 108 Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q cipação como neurotransmissor nas vias da dor; os hormônios neurohipofisários ocitocina e vasopressina, o primeiro que está envolvido com funções da glândula mamária e o segundo que atua como hormônio antidiurético; os hormônios liberadores hipotalâmicos, incluindo o hormônio liberador de corticotropina, a somatostatina e vários outros; os neuropeptídeos opiáceos, endorfinas e encefalinas. A sinapse colinérgica que usa o neurotransmissor acetilcolina (ACh) pode ser usada como exemplo de sinapse química. A acetilcolina (ACh) é sintetizada a partir de dois precursores imediatos, a colina e acetil-coenzima A, através da enzima colina acetiltransferase (ChAT) que está presente no terminal nervoso pré-sináptico. A purificação dessa enzima permitiu que se produzisse anticorpos e assim se pudesse mapear sinapses colinérgicas em todo o sistema nervoso central. A enzima de degradação é a acetilcolinesterase que está presente em células que apresentam receptores colinérgicos. A síntese de ACh é limitada pela quantidade de colina presente no terminal pré-sináptico. A captação de colina ocorre através de um transportador de alta afinidade. Um segundo transportador presente em vesículas sinápticas faz o terminal pré-sináptico acumular ACh. Quando um potencial de ação chega ao terminal nervoso, ocorre um fluxo de íons Ca+ através de canais de Ca++ dependentes de voltagem, como mencionado acima. Como resultado da concentração aumentada de Ca++ intracelular, vesículas contendo ACh fundem-se com a membrana pré-sináptica e liberam o seu conteúdo na fenda sináptica. O neurotransmissor difunde-se pela fenda sináptica e atinge a célula pós-sináptica em cuja membrana plasmática ficam localizados os receptores pós-sinápticos. Os receptores pós-sinápticos foram primeiro notados pelo fisiologista inglês John Newport Langley (1852-1925) que, ao trabalhar com uma preparação neuromuscular, mostrou que a nicotina era capaz de estimular o músculo e o curare inibir a contração observada. Ele chamou a substância presente no músculo de substância receptiva, hoje chamada de receptor. Existem várias peculiaridades para cada neurotransmissor e simplesmente não se pode dizer que uma molécula é excitatória ou inibitória. Dependendo da situação, o neurotransmissor pode ser excitatório e em outra situação comportar-se como inibitório. A ação do neurotransmissor depende do tipo de receptor em que ele se liga e dos processos intracelulares que são influenciados pelo receptor em questão. A interação química entre o neurotransmissor e seu receptor pós-sináptico desencadeia uma série de eventos na célula pós-sináptica. Essas modificações podem levar diretamente a uma resposta de sinalização rápida traduzida como hipopolarização (excitação) ou hiperpolarização (inibição) da célula pós-sináptica quando o receptor contém na sua estrutura um canal iônico – receptor ionotrópico. Esse é o caso do receptor nicotínico de ACh que contém um canal de cátions. Noutras situações, o receptor de neurotransmissor estimulado desencadeia uma cascata de reações bioquímicas na célula pós-sináptica que, entre outros efeitos, abre ou fecha certos canais iônicos da membrana plasmática; essa resposta é lenta em comparação com a primeira descrita acima porque envolve muitas reações químicas na membrana plasmática, no citoplasma, em organelas e até mesmo no núcleo celular, e o receptor é dito metabotrópico. Esse é o caso dos Neurociências99:_b^QTQ6\e]Y^U^cUTU3_W^Y|z_9]e^UU>UebQ\1SQTU]YQ>QSY_^Q\TU=UTYSY^Q vários tipos de receptores muscarínicos de ACh. Após a liberação do neurotransmissor na fenda sináptica e sua ligação ao receptor na membrana plasmática, o neurotransmissor precisa ser removido para finalizar a ação sináptica. Essa remoção pode ser por recaptação do neurotransmissor pelo terminal pré-sináptico ou sua degradação enzimática. No caso da transmissão neuromuscular, a ACh é degradada pela enzima acetilcolinesterase (AChE). Assim todas as etapas da neurotransmissão foram cumpridas na sinapse neuromuscular entre o neurônio motor e a fibra muscular estriada esquelética e constata-se que ACh pode e deve ser considerada uma molécula neurotransmissora nessa sinapse. Uma nova revolução tecnológica Está em gestação uma nova revolução na história do desenvolvimento científico e tecnológico. Ela é dirigida para o funcionamento do cérebro, para a criação de máquinas inteligentes e para o desenho de interfaces entre cérebro e máquina. O Brasil pode desfrutar de uma posição de destaque nessa nova era. Graças a um trabalho de mais de meio século, encontram-se funcionando em muitas universidades e institutos de pesquisa grupos de investigação em Neurociências, com um grande número de pesquisadores, já em sua terceira geração. A recente criação do Instituto Internacional de Neurociências em Natal, do Instituto do Cérebro do Hospital Albert Einstein em São Paulo e da Rede Instituto Brasileiro de Neurociências distribuída por diversos estados da federação pode servir para atrair jovens neurocientistas, aumentar o intercâmbio entre os cien- tistas brasileiros e do exterior, e criar uma ponte entre a vida acadêmica e as necessidades da sociedade em geral. O mundo dentro de algumas décadas terá sofrido um enorme impacto das descobertas científicas e inovações tecnológicas provindas da Neurociência e o Brasil tem agora uma oportunidade de desenvolver-se no mesmo passo dos demais países que não teve noutras fases da revolução científica, tecnológica e industrial. Referências 1. Edelman GM. Antibody structure and molecular immunology. Nobel Lecture 1972. Disponível em URL: http:// nobelprize.org/nobel_prizes/medicine/ laureates/1972/edelman-lecture.html 2. Tononi G, Edelman GM. Consciousness and complexity. Science 1998;282:184651. 3. Tononi G, Srinivasan R, Russell DP, Edelman GM. Investigating neural correlates of conscious perception by frequency-tagged neuromagnetic responses. Proc Natl Acad Sci U S A 1998;95:3198-3203. 4. Edelman GM. Naturalizing consciousness: a theoretical framework. Proc Natl Acad Sci U S A 2003;100:5220-4. 5. Seth AK, Izhikevich E, Reeke GN, Edelman GM. 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