Todos aqueles que não se alistaram em guerras

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« continuando da parte 3
O eletromagnetismo é o nome da teoria unificada desenvolvida por James
Maxwell para explicar a relação entre a eletricidade e o magnetismo. A
variação do fluxo magnético resulta em um campo elétrico. Já a variação de
um campo elétrico gera um campo magnético. Devido a essa
interdependência entre campo elétrico e campo magnético, faz sentido falar
em uma única entidade chamada campo eletromagnético.
Campos de pensamento
Você pode estar achando agora que após toda essa exposição, a carreira
científica do Dr. Parsinger mereceria cair num ostracismo sem volta, e
principalmente: que eu mesmo concordaria com isso. Mas não, na verdade
o estudo sistemático da filosofia nos lembra que em exposições de ideias,
devemos criticar ou reafirmar ou complementar ideais alheias, e apenas
ideias. Na ciência isso é até mesmo mais evidente, pois todo o mérito de
uma teoria científica deve ficar a cargo de sua falsificabilidade – se pode ou
não ser testada –, sua plausibilidade – se faz sentido crer nela baseando-se
em tudo que foi descoberto até agora –, e sua simplicidade – se não traz
variáveis adicionais inúteis às teorias prévias... Ou seja, tanto em filosofia
quanto ciência, o que importa são as ideias, as teorias elaboradas, e não
quem as elaborou – e se concordamos ou discordamos de suas crenças.
A despeito do que a mídia “especializada” fez da “neuroteologia”, ela é
genuinamente uma ideia fora da caixa na ciência, e Parsinger foi um dos
pioneiros dela, ainda na década de 80. Encontrar no cérebro, ou na mente,
os elementos físicos que podem explicar nossa experiência mística e
religiosa é uma grande ideia, uma ideia que deveria suscitar o entusiasmo
tanto de céticos quanto de espiritualistas – pois nos parece que essas
experiências de fato existem, e de fato fazem parte das experiências
subjetivas mais intensas registradas pela história religiosa. Portanto,
independentemente de existir ou não um “deus”, um “espírito santo”, a
provocá-las, ou se são fruto de nossos próprios processos mentais, o estudo
é válido, é interessante, é promissor!
O grande problema com a ideia inicial de Parsinger foi tentar reduzir tais
experiências a efeitos aleatórios periféricos do ambiente, como se a mente
fosse uma mesa de bilhar e a “experiência mística” fosse somente um
campo magnético a lançar as bolas umas contra as outras, provocando
algum “efeito estranho” que supostamente poderia ser explicado como
algum “efeito neuronal aleatório”... Mas dá para entender porque Parsinger
inicialmente pensou assim: os cientistas são reducionistas por natureza,
eles pretendem esquadrinhar a natureza um pedaço de cada vez, e seria
tentador supor que a mente se resume a esse tilintar neuronal, que o “eu” é
uma ilusão, que a consciência provavelmente não existe da forma como
acreditamos que exista, e que tanto a liberdade de escolha quanto a
subjetividade são equívocos de um cérebro grandioso e complexo.
Infelizmente para Parsinger, e felizmente para os grandes aventureiros do
desconhecido, a Natureza não nos deixará relaxar: sua imaginação suplanta
em muito a nossa, e o problema difícil da consciência ainda é um mistério
que levará muito, muito tempo para ser desvelado...
A falácia do argumento ad hominem é bastante fácil de reconhecer, mas às
vezes difícil de evitar... Consiste simplesmente em atacar uma pessoa em
vez dos argumentos e ideias que ela expõe, usando um traço de seu caráter
como pretexto para desqualificar ou ignorar o que ela diz. Pode ser usado
quando não se sabe como refutar o que o oponente diz ou simplesmente
por excesso de preconceito, sendo um meio muito cômodo (e desonesto) de
fugir do debate. Poderíamos citar alguns exemplos: “O que Fulano diz sobre
o balanço da empresa não pode ser levado a sério, afinal ele traiu a
mulher”; ou “O senhor não tem autoridade para criticar nossa política
educacional, pois nunca concluiu uma faculdade”; ou ainda, no caso de uma
análise do capacete de Parsinger: “Este experimento é ridículo, afinal o Dr.
Parsinger provavelmente é ateu e materialista, e não entende nada de
Deus”... E todos eles estariam igualmente dentro dos argumentos ad
hominem, já que o que importa é analisar a ideia de Parsinger no campo
filosófico, e sua teoria e experimentação no campo científico. Foi somente
nesse sentido que o critiquei nos artigos anteriores.
Uma outra vantagem de se pensar assim é que não somos obrigados a
ignorar todo o pensamento de alguém somente porque ele tem uma ou
outra teoria para a qual torcemos o nariz. No caso de Richard Dawkins, já
citado e elogiado por seu ceticismo em relação ao capacete de Parsinger
(ver parte 1), mas do qual discordo veementemente da sua crítica feroz as
crenças alheias, posso citar sua brilhante teoria dos memes, que sob
inúmeros aspectos se trata de uma teoria que aborda questões
espiritualistas, e não somente científicas ou psicológicas. Do mesmo modo,
há inúmeros cientistas e céticos que admiro, e que de modo algum
acreditam em espíritos, mas que propuseram ideias e teorias fantásticas, ou
simplesmente me auxiliaram enormemente na compreensão da ciência
atual, através de sua divulgação científica. De Carl Sagan a Marcelo Gleiser,
eu poderia citar inúmeros deles, cujas ideias e textos já passaram aqui pelo
blog...
Hoje em dia o Dr. Parsinger acena com um experimento bem mais
interessante e “humilde”, que não pretende reduzir o encontro com Deus
aos campos magnéticos de um capacete, mas sim demonstrar a
possibilidade de duas mentes transmitirem informação entre si não de
forma “física”, mas através de campos de pensamento que teoricamente se
formariam em um circuito eletromagnético fechado entre ambas.
Ironicamente, este é um experimento para o qual muitos antigos
entusiastas de Parsinger torceram o nariz... Desta vez, é Parsinger quem –
querendo ou não – se aproximou das teorias espiritualistas, ou no mínimo
das teorias parapsicológicas, como telepatia e percepção extrassensorial
(PES):
“O que nós descobrimos é que se você colocar duas pessoas diferentes em
câmaras separadas e distantes, e incluir um campo magnético circular entre
seus cérebros [lembrem-se do capacete de deus, agora são dois deles], e
então se certificar de que estão conectados ao mesmo computador e
recebendo a mesma estimulação magnética, desta forma se você irradia um
flash de luz no olho de uma pessoa, a sua parceira na outra câmara,
recebendo apenas o campo magnético, terá alterações cerebrais
compatíveis com o evento de vermos um flash de luz. Nós pensamos que
isso é extraordinário porque esta pode ser a primeira demonstração macro
de uma conexão quântica, o tão conhecido emaranhamento quântico. Se for
verdade, então teremos uma nova forma potencial de comunicação que
pode ter aplicações úteis, por exemplo, em viagens espaciais.”
Bem, esta nova pesquisa de Parsinger certamente não teve a mesma
exposição na mídia do que o capacete de deus, talvez porque não tenha
sido intitulada como “o incrível campo da telepatia quântica”, ou qualquer
coisa do tipo, de preferência com “quântico” (ou “quântica”) incluso. Desta
vez Parsinger parece mais interessado em sua ciência do que na
“midiatização” da ciência, e isso por si só já demonstra que ele deve ter
aprendido alguma lição nesses anos todos...
Mas, será que desta vez seu experimento poderá ser replicado com
sucesso? Tudo indica que este novo experimento se baseia muito mais em
informações objetivas do que subjetivas – o paciente não precisa descrever
que “viu uma luz ali”, há tecnologias disponíveis para se “ver” o seu cérebro
nos dizendo: “vi uma luz ali”. Isto é objetivo, isto é replicável, esta é uma
experiência (e uma teoria) muito mais promissora do que a anterior. Ainda
assim, o Dr. Parsinger parece bem realista acerca de sua possível aceitação
na Academia:
“Eu penso que um aspecto vital acerca da ciência é que ela precisa ser
mente aberta. É importante reconhecer que o objetivo principal da ciência é
a busca do desconhecido. Infelizmente cientistas têm se tornado
extraordinariamente orientados por seus próprios grupos fechados. Nossos
críticos mais típicos não são do tipo que creem em coisas místicas. Eles são
cientistas que tem uma visão bastante estreita de como o mundo é, ou
deve ser.” [1]
E eu mesmo não tenho nada a acrescentar. O que há são ideias, campos de
pensamento. Ideias foram à origem de todos os campos do conhecimento
humano, e as ideias que deixaremos para trás serão toda a nossa herança
para a ciência do amanhã – que permaneçamos abertos, portanto, a novas
ideias.
***
[1] Todas as citações do Dr. Michael Parsinger foram retiradas do podcast
do site Skeptiko (em inglês). A experiência descrita acima também foi
recentemente noticiada no programa da Discovery Channel, Grandes
Mistérios do Universo com Morgan Freeman, onde se falava sobre teorias
científicas acerca do “sexto sentido”.
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