Material de sociologia

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Desde os primórdios da humanidade a diversidade dos tipos humanos e das culturas
fascinou e, ao mesmo tempo, intrigou os pensadores, que tentavam entender o que provocava a
diversidade. No princípio, as explicações tinham bases divinas e míticas. A elas se misturavam os
preconceitos que pareciam autorizar os povos mais fortes a qualificarem os outros como
inferiores. Só com o passar do tempo é que foi possível perceber que o gênero humano é único e
é a história de cada um que explica o que são e por que diferem de nós. Após isso, foi possível à
sociologia empreender a tarefa de compreender as ações humanas e até qualifica-las.
CONTEXTUALIZANDO O SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA
Foram primeiramente os Gregos que, rompendo com o senso comum, com a tradição e
com o misticismo, desenvolveram uma reflexão laica e independente, própria do espírito
especulativo, que se debruçava sobre o mundo procurando entende-lo em sua objetividade, entre
os séculos IV a.C. e V a.C.. Um pouco antes disso, ocorreram alguns fatores históricos, que
modificando a materialidade da vida desse povo, contribuiu para que se percebessem como
capazes de conduzir suas vidas, interferindo e controlando a natureza. Em consequência,
acabaram por criar a filosofia e muitos campos do conhecimento até hoje conhecidos, além de
desenvolverem a democracia, forma de organização política da sociedade, que se vale da
capacidade racional, discursiva, tendo como princípio o confronto de ideias e opiniões no
processo de deliberação dos cidadãos acerca das questões públicas e dos rumos da ação política
de governo.
Deu-se o nome de “milagre grego” a esse salto qualitativo do conhecimento humano sobre
si e a natureza, em que se abandonou a explicação mítica e o princípio da interferência das
forças sobrenaturais nos destinos do homem para dirigir-se à obtenção do saber por meio da
abstração comandada pela razão. A consciência individual emancipou-se à medida que o homem
grego constatava ser o destino resultado da ação humana e não da vontade dos deuses e do
respeito aos rituais sagrados. Crescia nele a percepção de si mesmo como um indivíduo dotado
de razão e capaz de realizar ações inspiradas por ela. Esse foi um processo fundamental para a
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definição de quem somos nós hoje, resultante de uma tomada gradativa da humanidade de
consciência de si.
Apesar do grande avanço do conhecimento da natureza e da sociedade proporcionado
pelos gregos antigos, a racionalidade e a investigação especulativa da natureza só se tornaram
formas dominantes de pensar as coisas muitos séculos mais tarde, a partir do Renascimento.
Durante um largo período da história da humanidade, esteve instalado sobre ela, por toda a Idade
Média, o obscurantismo, imposto pela Igreja e que impedia a utilização da razão, ofuscando a
cresça do homem em si mesmo e que se desse, desta maneira, continuidade ao aperfeiçoamento
do conhecimento racional. Por essa e algumas outras razões esse período foi denominado de
Idade das Trevas. Época em que a instituição religiosa, Igreja, não cuidou apenas das questões
ligadas ao espírito e à fé, que por sinal, era tida como superior à razão, tendo sido a própria
filosofia subjugada à religião. A Igreja expandiu seus domínios e poder pelos campos políticos,
econômicos, sociais e culturais, determinando por séculos a configuração da humanidade.
O Renascimento, um momento de transição entre o medieval e o moderno, um dos mais
marcantes da história do Ocidente, é quando se começa a processar mais fortemente a ruptura
entre uma sociedade agrária, estamental, teocrática e fundiária (medieval), e o mundo urbano,
burguês e comercial, da modernidade. O desenvolvimento do comércio e da indústria se
intensifica nessa época. E uma nova postura do homem ocidental diante do mundo (re)começa a
ser posta em prática, resgatando-se valores daquela sociedade grega. O conhecimento deixa de
ser encarado como uma revelação, resultante da contemplação e da fé, para voltar a ser, como o
fora para os gregos e romanos, o resultado de uma bem conduzida atividade do pensamento. Um
ambiente fortemente marcado pela crença do homem no homem, onde os valores humanistas se
propagam e a partir do aperfeiçoamento da vida material humana, marcada pelo conhecimento e
contato entre culturas até então desconhecidas, proporcionado pelas Grandes Navegações, o
desenvolvimento das cidades e do comércio, põe-se quase que inevitavelmente o interesse pelo
entendimento da vida social, questionando-se o modelo de ser vigente e se ressaltando um
pensamento cada vez mais científico (Revolução Científica, liderada por figuras como Galileu
Galilei, que contribuíram para o desenvolvimento dessa postura, combatendo-se arcaicas
concepções, como, por exemplo, a visão teocêntrica do mundo, substituindo-a pelo modelo
heliocentrista).
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Descobertas de riquezas, de terras, de regiões alimentavam a imaginação do homem
renascentista, que passou a valorizar o “novo” e a considera-lo sinônimo de “maravilhoso”,
vislumbrando-se assim o progresso. Um mundo cada vez mais laico e independente da tutela da
religião se instala e o home é levado a pensar e analisar a realidade que o cerca em toda sua
objetividade. O aparecimento de novas instituições políticas e sociais – nações, estados,
legislações, exércitos – leva os estudiosos a repensar a vida social e a história. Surge a ideia de
uma vida social dinâmica e em permanente construção.
Através da própria Reforma Protestante questionasse o poder da Igreja e a sua
interferência nas tantas instâncias da vida. Nesse movimento, com a defesa da interpretação da
palavra sagrada, que deveria passar a ser realizada pelos próprios fieis, estimula-se também o
desenvolvimento da individualidade e da subjetividade humana.
Pode-se destacar dentre os mais importantes pensadores dessa época, Nicolau Maquiavel
(que escreveu o Príncipe) e Thomas Morus (quem concebeu A Utopia), por suas profundas
análises da sociedade. Maquiavel se propõe a analisar de forma clara e realística as bases do
poder político e as condições pelas quais um monarca absoluto – o príncipe – é capaz de
conquistar, reinar e manter seu poder. Ele acreditava que o bom exercício da política resultava da
destreza do homem em racionalmente e estrategicamente realiza-la (autor do pensamento
famoso, “os fins justificam os meios”). Já Morus, destaca-se pela construção ideal de uma
sociedade, na qual foram projetadas instituições políticas não autoritárias, mecanismos de
controle social justos e formas igualitárias de produção e distribuição de bens (socialismo
utópico), mostrando como o homem é capaz de pensar criticamente a sociedade e propor
soluções que dependem essencialmente da sua vontade, apesar da denotação de sua obra,
utopia, que significa literalmente, “lugar nenhum”.
Por todas essas contribuições, Maquiavel e Morus podem ser apontados como precursores
do pensamento sociológico e suas obras como pertencendo ao que se chama de sociologia précientífica.
Vem a modernidade! Diferentemente do homem medieval, espiritualista, contido e gregário,
o homem pós-renascentista é estimulado a amar a vida, a buscar a satisfação de suas
necessidades de forma individual e a cultivar sua subjetividade feita de sentimentos e de pontos
de vista pessoais. No campo econômico, uma atitude expansionista toma conta de todas as
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atividades e o lucro, que até então fora considerado sem ética, objeto de pecado, torna-se o
objetivo principal de qualquer atividade. Em função dessa busca, organizaram-se viagens
intercontinentais e fizeram-se guerras disputando-se rotas comerciais, as fontes de produtos e
matérias-primas, a clientela. O capitalismo assim estabelece cada vez mais profundas raízes e a
predominar enquanto modo de produção que se universaliza. A racionalidade e o planejamento
começam a ser exigidos dos produtores e acaba por se espraiar para o restante da vida cotidiana,
bem como o se estimula sobremaneira o desenvolvimento de tecnologia para a produção em
larga escala e o seu emprego, também, cada vez maior na vida.
Neste contexto de mudanças, em meio a verdadeiras revoluções (culturais, sociais,
econômicas e políticas), instala-se a Modernidade. Nela, o Iluminismo (Ilustração) se coloca como
o principal movimento filosófico, sendo amplo e agregador dos tantos anseios postos pela
sociedade moderna. Tal movimento, baseava-se na firme convicção da razão como fonte de
conhecimento, na crítica a toda adesão obscurantista e a toda crença sem fundamentos
racionais, assim como na incessante busca pela realização humana. Do desenvolvimento da
racionalidade e desse exercício de discernimento buscou-se a compreensão das diferentes
instâncias da vida social, das relações políticas, jurídicas e sociais, que de maneira nova se
realizavam. O poder, nessa nova conjuntura, passa necessariamente a ser entendido como uma
construção lógica e jurídica, independente de quem ocupa, de forma temporária e representativa,
reflexo da vontade e das necessidades do povo. As monarquias absolutas dão lugar à noção de
uma coletividade organizada e contratual (contratualismo), representada por sistemas legais,
políticos e administrativos convenientes. Tem-se uma verdadeira explosão de novas ideologias,
que descabam em, ou são reflexo de toda uma nova forma de organização humana, de vida
social.
No Iluminismo se discute os novos pressupostos humanos e modernos, que são marcados
pela crença na existência de uma dignidade natural (jusnaturalismo – direitos fundamentais: vida,
igualdade, liberdade) desses seres, a qual deve ser protegida e garantida pelo Estado; na crença
da organização contratual da vida em sociedade (contratualismo); na ordem constitucional do
Estado Moderno, dividido em três poderes e representativo da vontade e necessidades do povo;
a racionalização (conceito de Max Weber, que descreve a postura calculista, de previsibilidade e
antecipação, planejamento do homem moderno); no combate ao obscurantismo, que acaba por
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promover um largo processo de desencantamento da vida, de descristianização; da defesa da
realização da liberdade individual dos homens (liberalismo – homem livre político-econômicosocialmente), da emancipação da burguesia; e da enorme crença na razão e na ciência
(cientificismo) como os mais aptos condutores da vida; defende-se e estimula-se amplamente o
aperfeiçoamento do capitalismo.
O princípio de liberdade admitia que, livre de coibições, obstáculos e jugos, o homem seria
capaz de exercer sua soberania, escolhendo bem entre fins e objetivos propostos. As leis naturais
regulariam as relações econômicas e as sociedades seriam construídas com base na vontade
livre e nas relações contratuais firmadas entre os homens (liberalismo e contratualismo). O
francês Jean-Jacques Rousseau foi um dos mais ardorosos defensores dessa ideia de contrato
entre os homens. Em sua obra Contrato Social, afirmou que a base da vida social estava no
interesse comum e no consentimento unânime dos homens em renunciar às suas vontades
particulares em favor da coletividade. Ele rejeitou a ideia de evolução natural da sociedade e,
buscando desvendar a origem das desigualdades sociais, identificou no aparecimento da
propriedade privada (um direito natural na concepção dos liberais) a fonte de toda diferenciação e
injustiças sociais. Como Thomas Hobbes, acreditava nessa organização contratual das
sociedades, mas dele diferiu na crença sobre que forma de governo deveria ser implantada para
dar conta da realização social. Para Rousseau as sociedades deveriam ser organizadas
democraticamente, enquanto Hobbes ainda defendia o monarquismo. Rousseau também diferia
ideologicamente dos liberais, por causa da sua descrença na propriedade privada, que era vista
por ele como a fonte da miséria humana.
John Locke foi um dos que defendeu o respeito à propriedade privada. Pensador inglês,
que como Rousseau acreditava na ideia de uma sociedade resultante da livre associação entre
os homens, indivíduos dotados de razão e vontade e que assim se organizariam contratualmente.
Recomendava, como Montesquieu, que tais princípios, direitos e liberdades estivessem
expressos e garantidos por uma constituição (constitucionalismo) e que o Estado deveria ser
dividido em três poderes, para melhor cumprir o seu papel, o legislativo, o executivo e o judiciário.
Locke é também um dos grandes pensadores do liberalismo e do jusnaturalismo.
A filosofia da Ilustração preparou o terreno para o surgimento das ciências sociais no
século XIX, em destaque, da sociologia, resultante de todo o progresso científico que aflorou na
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época, lançando as bases para a sistematização do pensamento científico e espalhando otimismo
em relação a ele e sua possibilidade de aplicação às questões humanas e sociais. Um
pensamento científico que aparentemente parecia totalmente válido para explicar o universo, a
natureza, inclusive intervir sobre ela e transformá-la, consequentemente, que também poderia
explicar a sociedade, entendida, até então, como parte da natureza. A ciência moderna se
fundava como um conjunto de ideias que diziam respeito à natureza dos fatos e aos métodos
para compreendê-los.
Em meio a todo esse processo de profundas mudanças sociais (as duas revoluções mais
expressivas dessa época são, a Industrial – tecnológica principalmente, mas ainda, econômica,
social e cultural, e a Francesa, eminentemente política, contudo de fortes impactos sociais e
culturais) em todas os amplos aspectos da vida, desde a intelectualidade às questões mais
materiais, desenvolve-se a sociologia, filha da Modernidade, herdeira de suas crenças, imbuída
de desvendar, compreender e contribuir para melhor se organizar a vida moderna.
A ciência já não parecia mais uma forma particular de saber, simplória até, pelo contrário,
era vista então, como a única capaz de explicar a vida, abolir e suplantar as crenças religiosas e
até mesmo as discussões éticas. O homem ciente do seu potencial põe-se a viver a
Modernidade.
SE PERGUNTAREM POR QUE SURGIU A SOCIOLOGIA
Ao se propor uma resposta para a pergunta, por que surgiu a sociologia, deve-se
convenientemente considerar todo o contexto de transformações da Modernidade, lembrando que
ele é destacadamente marcado pela crença do homem em si mesmo, no seu potencial racional e
na sua capacidade de condução dos acontecimentos decorrentes da sua vida. Como também,
que as sementes dessa crença foram plantadas ainda na Antiguidade, na Grécia dessa época,
mas que, se é que cabe a analogia, foi regada durante o período que se denominou de
Renascimento, onde suas raízes se fixaram dando vida à sociedade moderna. Nesse contexto
cria-se a ciência que possui por excelência, como objeto de estudo, a sociedade e tudo que
resulta das relações humanas.
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