Mieloma Dor orofacial Entrevista

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www.revistaonco.com.br
maio/junho 2013
º
!NOsN
Oncologia para todas as especialidades
Mieloma
Um panorama do
mieloma múltiplo
Dor orofacial
Cuidados paliativos orais
em pacientes com câncer
Entrevista
Laurence Klotz fala sobre
as controvérsias e evidências
na saúde do homem
Capa
Álcool e tabaco:
os vilões de sempre
nutrigenômica | marcadores tumorais | curtas
sumário
entrevista
8
capa
14
Os vícios do tabagismo e do alcoolismo continuam relacionados
a diferentes tipos de câncer. O que fazer para diminuir o impacto
dessa perigosa associação?
mieloma
20
Panorama do mieloma múltiplo
Ângelo Maiolino
dor orofacial
25
Dor orofacial e cuidados paliativos orais em pacientes com câncer
José Tadeu Tesseroli de Siqueira, Sumatra Jales e Rita de Cássia B. Vilarim
marcadores tumorais
33
O papel dos marcadores séricos no screening do câncer
Luiz Gustavo Torres e Daniel Tabak
nutrigenômica
38
Nutrigenômica e câncer; qual a evidência?
Rita de Cássia Borges de Castro e Dan Linetzky Waitzberg
do bem
44
Grupos de combate ao tabagismo e ao etilismo ajudam pacientes de câncer
a ter sucesso no tratamento e melhorar sua qualidade de vida
curtas
49
Notícias da indústria, iniciativas, parcerias: um giro pelo mundo
da oncologia
calendário
58
Programe-se: eventos e congressos
para anotar na agenda
Laurence Klotz, um dos ícones da uro-oncologia mundial, defende o
rastreamento para câncer de próstata, reafirma a importância da
vigilância ativa e propõe um olhar mais generoso para a saúde pública
Conselho
editorial
Editor clínico:
Sergio D. Simon
I – Cancerologia clínica
Oncologia clínica:
André Moraes (SP)
Anelisa Coutinho (BA)
Auro Del Giglio (SP)
Carlos Sampaio (BA)
Claudio Petrilli (SP)
Clarissa Mathias (BA)
Daniel Herchenhorn (RJ)
Fernando Medina (SP)
Gothardo Lima (CE)
Igor Morbeck (DF)
João Nunes (SP)
José Bines (RJ)
Karla Emerenciano (RN)
Marcelo Aisen (SP)
Marcelo Collaço Paulo (SC)
Maria de Fátima Dias Gaui (RJ)
Nise Yamaguchi (SP)
Oren Smaletz (SP)
Paulo Marcelo Gehm Hoff (SP)
Roberto Gil (RJ)
Sebastião Cabral Filho (MG)
Sérgio Azevedo (RS)
Sergio Lago (RS)
Onco-hematologia:
Carlos Chiattone (SP)
Carmino de Souza (SP)
Daniel Tabak (RJ)
Jane Dobbin (RJ)
Nelson Spector (RJ)
Vânia Hungria (SP)
Transplante de medula:
Jairo Sobrinho (SP)
Luis Fernando Bouzas (RJ)
Nelson Hamerschlak (SP)
Yana Novis (SP)
II – Biologia molecular
Ada Alves (RJ)
André Vettore (SP)
Carlos Gil (RJ)
Helenice Gobbi (MG)
José Cláudio Casali (RJ)
Luísa Lina Villa (SP)
Maria Isabel Achatz (SP)
III – Cancerologia
cirúrgica
Neurologia:
Manoel Jacobsen Teixeira (SP)
Marcos Stavale (SP)
Cabeça e pescoço:
Luis Paulo Kowalski (SP)
Vergilius Araújo (SP)
Tórax:
Angelo Fernandez (SP)
Riad Naim Younes (SP)
Abdômen:
Ademar Lopes (SP)
José Jukemura (SP)
Laercio Gomes Lourenço (SP)
Marcos Moraes (RJ)
Paulo Herman (SP)
Mama:
Alfredo Barros (SP)
Antonio Frasson (SP)
Carlos Alberto Ruiz (SP)
Maira Caleffi (RS)
Urologia:
Antônio Carlos L. Pompeu (SP)
Miguel Srougi (SP)
Ginecologia:
Jorge Saad Souen (SP)
Sérgio Mancini Nicolau (SP)
Sophie Derchain (SP)
Tecido osteoconjuntivo:
Olavo Pires de Camargo (SP)
Reynaldo J. Garcia Filho (SP)
IV – Radioterapia
Ludmila Siqueira (MG)
Paulo Novaes (SP)
Robson Ferrigno (SP)
Rodrigo Hanriot (SP)
Wladimir Nadalin (SP)
V – Cuidados paliativos
e dor
Ana Claudia Arantes (SP)
Claudia Naylor Lisboa (RJ)
Fabíola Minson (SP)
João Marcos Rizzo (RS)
Ricardo Caponero (SP)
Ano 3 • número 17
maio/junho 2013
Publisher Simone Simon
[email protected]
Editorial Valéria Hartt
[email protected]
Reportagem Sergio Azman
[email protected]
Direção de arte/Prepress Ione Franco
[email protected]
Revisão Patrícia Villas Bôas Cueva
Projeto Gráfico Luciana Cury
4
maio/junho 2013 Onco&
Impressão: Gráfica Eskenazi
Tiragem: 10 mil exemplares
ISSN: 2179-0930
Jornalista responsável: Valéria Hartt (MTb 24.849)
Colaboraram nesta edição: Ângelo Maiolino,
Conceição Lemes, Dan Linetzky Waitzberg,
Daniel Tabak, José Tadeu Tesseroli de Siqueira,
Luiz Gustavo Torres, Rita de Cássia B. Vilarim,
Rita de Cássia Borges de Castro, Sumatra Jales
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A revista Onco& – Oncologia para todas as especialidades, uma publicação da Iaso Editora, especializada em comunicação médica, traz
informações sobre oncologia a profissionais de todas as especialidades
médicas. De circulação bimestral, tem distribuição nacional e gratuita
por todo o território nacional. A reprodução do conteúdo da revista é
permitida desde que citada a fonte. A opinião dos colaboradores não
reflete necessariamente a posição da revista.
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(11) 2478-6985 (redação) – (21) 3798-1437 (comercial)
Álcool, tabaco e o câncer no Brasil
R
ECENTE RELATÓRIO DA
ORGANIZAÇÃO MUN-
DIAL DE SAÚDE EXPRESSOU EM NÚMEROS O QUE
JÁ SE SABIA: TABAGISMO E CONSUMO DE ÁLCOOL
continuam a alimentar as estatísticas da saúde e
estão entre os principais fatores de risco de doenças crônicas, que levam à morte. O álcool mata
mais que a aids e a violência urbana e, entre os
casos de câncer, de 20% a 30% estão associados
ao etilismo. O uso do tabaco não fica atrás e tem
um impacto bem conhecido na saúde, responsável
por 90% dos tumores no pulmão e associado a
mais de 20 diferentes tipos de câncer.
Em reportagem de capa, a proposta é mostrar
o tamanho desse desafio e buscar caminhos inspiradores para uma nova realidade. É esse também
o convite de nossos articulistas, com temas atuais
e em permanente diálogo com a prática clínica.
Esta edição traz artigo de revisão sobre cuidados
paliativos orais na oncologia, assim como discute as evidências da nutrigenômica na prevenção
do câncer e o papel dos marcadores séricos no
screening populacional.
Onco& também apresenta um panorama do
mieloma múltiplo em artigo que reforça a importância da detecção precoce e faz refletir sobre o
acesso universal aos modernos regimes empregados no tratamento da doença. E, na entrevista, as
lições do uro-oncologista Laurence Klotz para um
outro olhar sobre a saúde do homem.
Boa leitura!
Valéria Hartt
* Jornalista especializada na
cobertura de saúde, é editora
da Onco& – Oncologia para
todas as especialidades
Contato: [email protected]
Onco& Onco&
setembro/outubro
maio/junho 2012
2013
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entrevista
Controvérsias e evidências
na saúde do homem
Laurence Klotz, um dos ícones da uro-oncologia mundial,
defende o rastreamento para câncer de próstata, reafirma a
importância da vigilância ativa e propõe ao jovem médico
brasileiro um olhar mais generoso para a saúde pública
Por Valéria Hartt
E
LE NASCEU NUMA FAMÍLIA DE MÉDICOS, FILHO DE
UROLOGISTA E, PELO LADO MATERNO, NETO DE
Divulgação
UM DOS PRIMEIROS JUDEUS A SE GRADUAR NUMA
Laurence Klotz
* Presidente da Federação Mundial
de Uro-Oncologia; chefe da divisão
de Urologia do Sunnybrook e
professor do departamento de
Cirurgia Urológica da Universidade
de Toronto; é membro do Instituto
do Câncer do Canadá (NCIC) e
presidente da Associação
Canadense de Urologia.
Contato:
[email protected]
8
maio/junho 2013 Onco&
escola de medicina em Toronto, ainda em 1910.
Laurence Klotz saiu aos seus, como se costuma
dizer, mas diversificou na hora de definir-se pela
especialidade. Graduado pela Toronto University,
pensou em eleger a psiquiatria, apaixonado pela
filosofia e pelo pensamento reflexivo, mas a urologia falou mais alto. Diferentemente do pai, interessado no tema da infertilidade, Klotz preferiu se
dedicar à cirurgia. Fez o fellowship no Memorial
Sloan-Kettering, orientado pelo consagrado Willet
Whitmore. E a carreira vai bem, obrigada, hoje
como uma das maiores autoridades mundiais em
câncer de próstata.
Em sua quarta visita ao Brasil, o médico falou à
Onco& sobre aspectos controversos da uro-oncologia. Ele defende o rastreamento para câncer de
próstata, sublinha as evidências que sustentam a vigilância ativa para a doença de baixo risco e de risco
intermediário e relativiza a euforia em torno da robótica na prostatectomia. Entusiasta do ativismo
masculino na saúde, ele dá a receita de um movimento de apoio à saúde do homem que nasceu na
Austrália e tem tudo para aportar por aqui.
Na vida pessoal, ele se revela o típico sujeito
bem-humorado, que nas horas livres costuma improvisar escalas harmônicas de jazz e gosta de en-
carar novas aventuras. Foi assim que decidiu aproveitar o período no Brasil para conhecer também a
Amazônia e se render aos encantos da floresta. Lá
os ribeirinhos dizem que é verão quando chove
todo dia e sabem que é inverno quando chove o dia
todo. Essa rotina das águas, que marca a paisagem
equatorial úmida tão típica da floresta, ficou para o
visitante como a grande síntese da viagem. “É muita
água”, declarou um dos ícones da uro-oncologia
sobre suas impressões acerca da Amazônia. É a
maior reserva de água doce do planeta, sem dúvida,
muita, muita água.
E é na volta dessas andanças, a caminho de casa,
que Klotz nos recebeu para esta entrevista no aeroporto internacional de Guarulhos, em São Paulo,
quando se preparava para regressar a Toronto.
Onco& – Hoje temos um Brasil que convive com
modernos agentes terapêuticos para o tratamento do câncer de próstata, mas onde também
se pratica a orquiectomia. Como o senhor avalia
esse cenário?
Laurence Klotz – Esse é um desafio para todos os
países. Em primeiro lugar, é preciso considerar que
estamos falando de uma parcela de pacientes com
doença avançada, o que obrigatoriamente motiva o
debate sobre o rastreamento para câncer de próstata
e sobre a detecção precoce para o tratamento da
doença local. Veja que é um cenário cheio de complexidades, mas falamos aqui de pacientes que
apresentam doença metastática ou localmente avançada, e em todo o
mundo os sistemas têm procurado custear injeções de DEPOT com
agonistas de LHRH para casos como esses. Há pelo menos duas grandes vantagens nessa terapêutica. A primeira é evidentemente a preservação dos testículos, e muitos homens fariam essa opção se pudessem
escolher. A segunda é a possibilidade de interromper essa castração
química, e esse é um benefício importante, especialmente para aqueles
pacientes que não apresentam doença metastática. No Canadá, uma
injeção dessas custa em torno de 350 dólares por mês. Claro que,
quando não há recursos e os sistemas de saúde não têm condição de
prover esses medicamentos, a castração cirúrgica, com a remoção dos
testículos, produz o mesmo efeito.
Outra situação é a de pacientes previamente tratados com cirurgia
ou radioterapia, cujo PSA se mantém em elevação, revelando a recidiva
da doença. Em artigo no New England Journal publicado em 2012 demonstramos que para esse grupo a supressão intermitente traz benefícios importantes e nesses casos os pacientes podem ficar longe dos
hormônios durante três quartos do tratamento. Significa que ao longo
de dez anos esses pacientes terão recebido as injeções por dois ou três
anos, preservando seus testículos. Na Europa esse é o tratamento padrão, enquanto na África a castração continua majoritariamente como
a conduta de escolha, porque não há recursos para custear o tratamento com drogas mais modernas. A ciência tem feito progressos e
novas drogas chegam para tratar também o câncer de próstata avançado, quando o bloqueio hormonal deixa de ser efetivo, como é o caso
da enzalutamida, da abiraterona ou do cabazitaxel. São drogas com
um grande impacto no PSA, em pacientes hormônio-resistentes.
Onco& – E a imunoterapia, é também um caminho promissor?
Laurence Klotz – Sem dúvida. O Sipuleucel-T é a síntese dessa promessa, mas chega a um custo muito elevado, em torno de 93 mil dólares o tratamento, e prolonga a sobrevida em cerca de quatro meses.
Está claro que temos uma equação complexa. Há avanços tremendos
em pesquisa promovendo grandes progressos sob a forma de novas
drogas, mas o problema é saber quantos podem pagar por isso. Cabe
à sociedade assumir esses custos, cabe aos sistemas de saúde ou essas
drogas ficam restritas a quem pode pagar por elas?
Recentemente eu estava no Japão em um encontro internacional no
qual discutíamos o papel desses novos agentes no tratamento do câncer
de próstata. Falávamos da abiraterona, do cabazitaxel, da enzalutamida
e do Sipuleucel-T. Eu rapidamente calculei que debatíamos uma terapêutica que custa em torno de 400 mil dólares. Aí olhei para a plateia
e vi que aquela audiência era predominantemente de sul-asiáticos, chineses, indianos. Tínhamos ali pessoas de países emergentes, de países
onde a renda gira em torno de 10 mil dólares anuais e, portanto, a realidade é que populações inteiras levam toda uma vida para ganhar 400
mil dólares. E surpreendentemente ninguém se ergueu ali para perguntar quem afinal vai pagar a conta desses modernos tratamentos.
Onco& – Investir no rastreamento poderia diminuir esse cenário
de desigualdades na saúde do homem?
Laurence Klotz – O raciocínio é como você pode reduzir a mortalidade: prevenção, detecção precoce e oferta dos melhores tratamentos
disponíveis. E, quando você coloca uma questão desafiadora, o que se
debate em tese é se deveríamos colocar os recursos na detecção precoce
ou no tratamento da doença avançada. Você não cura ninguém com
doença avançada e a balança tende a favorecer as políticas de prevenção e detecção precoce, porque é possível tratar pessoas com doença
local. Eu sou a favor do rastreamento para o câncer de próstata, acho
que é importante, mas precisa ser feito da forma adequada. E qual a
forma adequada? É tratar apenas a doença agressiva, que acontece em
um pequeno grupo de pacientes – o grupo maior não precisa de tratamento, precisa de vigilância. O que se sabe agora é que há um número grande de homens recebendo tratamentos desnecessários e não
é difícil distinguir quem vai evoluir com uma doença agressiva da
grande maioria que vai ficar em vigilância assistida. Somente 3% dos
homens com câncer de próstata vão morrer por causa da doença.
Então, se você é um país pobre, vai destinar recursos para higiene, tuberculose, doenças infectocontagiosas, malária. A realidade é essa, mas
em termos de Brasil não dá para pensar dessa forma, porque o Brasil
já deixou de ser um país pobre.
Então, o PSA é um exame barato. A biópsia não, mas a chave da
questão é saber, diante do diagnóstico de câncer, quem tratar e quem
não tratar. O que temos hoje é certamente um cenário de diagnósticos
em excesso e de tratamentos desnecessários para o câncer de próstata.
Em todo o mundo já existe conhecimento suficiente sobre isso e os
médicos têm que incorporar essa visão na prática clínica. Claro que
há forças econômicas atuando nesse cenário e mesmo entre os médicos
há interesses, não se pode negar. Não sei qual é exatamente a situação
brasileira, mas o que costumo dizer é que um país com muitos cirurgiões não é certamente um país saudável. Se alguém vai ser rastreado
para a doença prostática, é muito importante que seu médico esteja
atento à vigilância ativa, e felizmente acho que muitos médicos estão
olhando nessa direção. O que vale é a regra de não tratar tumores de
baixo risco, com escore Gleason 6 ou inferior, e tratar tumores de alto
risco ou risco intermediário, com Gleason a partir de 7.
A escala Gleason é no fundo um grande caldeirão onde estão em
jogo dois números, que são como um modelo para indicar tumores
completamente diferentes em termos de comportamento biológico.
O padrão 4, por exemplo, revela um comportamento agressivo, com
alto risco de progressão ou mortalidade associada, enquanto o padrão
3 é comumente associado a um melhor prognóstico. Sabemos que o
padrão 3 não está associado à invasão extracapsular e que é, na verdade, o que designamos em inglês de um “sudo” câncer, que não vai
levar o paciente à morte. Essa visão é a base dos esquemas propostos
atualmente e permite a seleção mais precisa do tratamento. Um escore 6 de Gleason (3 +3) indica um “sudo” câncer, um falso câncer
ou um câncer indolente e, portanto, um caso bastante distinto de um
Onco& maio/junho 2013
9
“Tivemos uma
batalha e tanto até
difundir que é
plenamente possível
não tratar o câncer
de próstata e
reservar cirurgia e
arsenal terapêutico
apenas para aqueles
casos que realmente
merecem ser
tratados. Hoje vejo
que vencemos
a batalha”
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maio/junho 2013 Onco&
Gleason 8 (4 +4), este claramente um câncer bastante agressivo e que deve ser tratado.
Tivemos uma batalha e tanto até difundir que é
plenamente possível não tratar o câncer de próstata
e reservar cirurgia e arsenal terapêutico apenas para
aqueles casos que realmente merecem ser tratados.
Hoje vejo que vencemos a batalha e que essa ideia
é agora amplamente aceita em todo o mundo e as
evidências são cada vez mais fortes. Essa visão começou há uns 15 anos, quando percebemos que
muitos homens estavam sendo tratados sem necessidade alguma. Hoje, as evidências são mais robustas e mostram que a vigilância ativa é a melhor
abordagem para os casos de baixo risco.
Onco& – Argumentar com o paciente que ele
tem um câncer e vai ficar sob vigilância não
pode gerar uma certa ansiedade?
Laurence Klotz – Todos os pacientes enfrentam
algum grau de ansiedade por causa do câncer. No
relacionamento com seu paciente, cabe ao médico
educar esse homem, e no intervalo de alguns anos
ele vai estar aliviado por não conviver com efeitos
adversos. Eles se afastaram dos tratamentos – cirurgia e radioterapia – e estão bem, não têm incontinência urinária nem disfunção erétil. Pacientes que
são submetidos à prostatectomia e à radiação também enfrentam certo grau de ansiedade e ainda
podem conviver com esses efeitos indesejáveis do
tratamento, que comprometem a qualidade de vida.
Então, se você usar a informação adequada o paciente naturalmente vai compreender que o câncer
de próstata vem com a idade, normalmente é um
“sudo” câncer e, portanto, ele não vai morrer desse
câncer, mas de outras causas.
Onco& – Por que o PSA continua alimentando
tanta controvérsia?
Laurence Klotz – Acho que exatamente pelo excesso de diagnóstico, pelo excesso de tratamento.
O último dado de que dispomos mostra que nos
Estados Unidos mais de 90% dos pacientes de
baixo risco eram submetidos à prostatectomia
radical e radioterapia. Isso está mudando, mas as
críticas feitas pela Força-Tarefa para Serviços Preventivos dos Estados Unidos (United States Preventive Services Task Force - USPSTF) pesaram nesse debate. Vejo que aquilo que era para ser um alerta ao
supertratamento acabou servindo para desencorajar
o rastreamento, e muitas pessoas deixaram de fazer
o exame de PSA. A controvérsia é porque muitas pessoas estavam sendo tratadas desnecessariamente e o
recado é que precisamos fazer diferente, saber separar diagnóstico de tratamento, o que não significa
ignorar o rastreamento. Eu acho que o rastreamento
para câncer de próstata deveria ser feito em países
como o Brasil, mas ser feito de forma adequada.
Onco& – Se é possível afirmar que o câncer de
próstata é próprio da velhice, como entender o
aumento do número de casos de câncer de testículo entre homens jovens?
Laurence Klotz – Ninguém tem essa resposta. Há
algumas teorias que procuram explicar esse aumento. Depois da puberdade a testosterona estimula o crescimento dos testículos e, consequentemente, as células estão se multiplicando e, por
alguma razão, algo dá errado nesse processo.
A remoção é cirúrgica, mas de 20% a 30% dos
pacientes tratados cirurgicamente para câncer de testículo vão ter doença residual e vão demandar outro
tipo de tratamento, seja por químio ou radioterapia.
O autoexame é a melhor forma de identificar a
doença em seu estágio inicial e isso deve ser feito
regularmente pelos homens, principalmente pelos
mais jovens, entre 15 e 35 anos. Durante o banho,
é importante observar os testículos e apalpá-los, verificar se há alguma alteração no volume, assim
como localizar o epidídimo no topo de cada testículo, que deve ter forma bem definida. Um aumento anormal ou a presença de qualquer massa
suspeita devem motivar a visita ao urologista, porque é sempre bom lembrar que o câncer de testículo
é facilmente curável se detectado precocemente.
Todos os anos digo aos 250 alunos que ingressaram nos cursos de medicina para realizar o autoexame e anualmente temos quatro ou cinco casos
de câncer de testículo entre esses estudantes.
O que se sabe é que bebês que nascem com
retenção dos testículos, a criptorquidia, têm risco
ampliado para a doença. Hoje algumas teorias atribuem isso aos chamados contaminantes ambientais e interferentes endócrinos (endocrine disruptions
environment), que há tempos são investigados como agentes cancerígenos. Eu pessoalmente não
partilho dessa visão e entendo que o câncer de testículo não é um grande problema, porque ainda
que a incidência tenha aumentado não houve um
crescimento dramático e as taxas continuam mos-
trando que não é um tumor comum, com cerca de 14 casos para
100.000 indivíduos.
Onco& – Outra controvérsia da uro-oncologia é a prostatectomia
robótica. Qual a sua opinião a respeito?
Laurence Klotz – Durante muito tempo fui um crítico da robótica.
A robótica era guiada por interesses de marketing e ponto parágrafo.
Acontece que nos Estados Unidos um indivíduo em Detroit começou
a usar a robótica e a difundir que os resultados eram fantásticos. Os
cirurgiões começaram a perder seus pacientes e trataram de incorporar
também os robôs, porque se criou um grande entusiasmo. Em pouco
tempo tínhamos dez robôs em Detroit e a novidade se espalhou para
as cidades vizinhas como uma febre. Se um hospital tinha, o outro
também tratava de adquirir o seu robô. O marketing motivou essa expansão, porque durante muitos anos não houve nenhum dado, nenhuma evidência em favor da robótica. O argumento principal sustenta
que a robótica provoca menos sangramento e permite menor tempo
de internação hospitalar, mas o que deve contar não é se sangra menos
ou mais, o que deve estar em perspectiva na prostatectomia é a função
erétil, o controle urinário e, principalmente, a recorrência da doença.
Durante muito tempo não havia evidências em favor da robótica. Hoje,
há estudos que mostram certa vantagem da prostatectomia por robôs,
principalmente a revisão sistemática e a metanálise de Novara, do European Urology. Então, só agora, pela primeira vez, é possível dizer que
existe alguma evidência, e como resultado o que eu vejo hoje são três
grupos: você tem os críticos, que dizem que a robótica é terrível, você
tem os neutros, que acham que existe benefício, mas nem tanto, e existem aqueles plenamente a favor e que adotam a robótica. Se observarmos a lista de autores desses estudos recentes veremos que são todos
de cirurgiões do grupo pró-robótica. Nos Estados Unidos a robótica
domina, e forças de marketing têm influência nesse comportamento.
A minha opinião é que não há nada de errado com a cirurgia aberta e
que é a qualidade do cirurgião que faz a diferença, não a técnica. Certamente uma cirurgia aberta bem-feita é melhor que a robótica malfeita
e vai trazer resultados melhores para o paciente.
Onco& – A curva de aprendizado é um desafio?
Laurence Klotz – A curva de aprendizado para a cirurgia robótica é
em torno de 200 procedimentos, e isso pode levar tempo. Se você
está em um centro que faz 100 cirurgias por ano, pode atingir a curva
em um curto espaço de tempo, mas se faz cinco por ano a situação
começa a se complicar. Esta é a lógica: leva tempo para ser um especialista em cirurgia robótica e na verdade essas técnicas minimamente
invasivas são uma ferramenta ainda muito, muito cara. Se eu fosse o
ministro da Saúde do Brasil, dificilmente poria recursos na robótica
para a prostatectomia.
Onco& – Fica então o recado para o nosso ministro Alexandre
12
maio/junho 2013 Onco&
Padilha. E para os jovens médicos, possivelmente ávidos pela
robótica, que mensagem o senhor gostaria de deixar?
Laurence Klotz – Vejo que no Brasil é comum trabalhar parte do
tempo em uma instituição pública, parte do tempo em um serviço privado. Acho que é um equilíbrio importante para que o médico possa
levar uma vida decente. Mas a minha mensagem é que ele se recorde
daquela motivação que o fez ingressar na escola de medicina. Ele um
dia quis se colocar como um ser humano dedicado a cuidar de seus
pacientes, e é esse sentimento que precisa ser preservado na prática
médica. O bem-estar das pessoas comuns, de pessoas anônimas que
estão em busca de cuidados no sistema público de saúde, que precisam
e merecem receber esses cuidados. Lembrem-se dessas pessoas, da importância disso e do valor que isso representa, e não fiquem preocupados apenas com os seus pacientes particulares. A medicina privada
é certamente a oportunidade para implementar muitas novidades e
isso desperta um entusiasmo, o que é natural. Não há nada de errado
nisso. Entretanto, em um país com milhões e milhões de pessoas, que
tem crescido economicamente mas onde a pobreza é ainda um desafio,
o médico tem que assinar o que chamamos de um contrato social.
Deixo ao jovem médico brasileiro o convite para pensar sobre a importância de olhar o sistema público de saúde.
Onco& – E a pesquisa clínica, como garantir o incentivo necessário?
Laurence Klotz – Esta é minha quarta visita ao Brasil e fico sempre
muito bem impressionado com a qualidade dos profissionais médicos
que tenho conhecido aqui, excelentes médicos, mas vejo que as atividades de pesquisa são ainda tímidas. Em parte, isso requer uma cultura
de pesquisa, voltada à pesquisa. Na nossa universidade não há como
contratar alguém que não faça pesquisa. Tem que fazer. Então, parte
do problema está nas expectativas das próprias instituições, parte na
infraestrutura, que leva tempo para ser construída. E, evidentemente,
tudo isso consome dinheiro. Nós temos organizações de apoio a pacientes que ajudam a financiar pesquisas. O Movember é um grande
exemplo. É uma organização que começou na Austrália, onde a palavra
“Mo” significa bigode. No dia 31 de outubro os homens fazem a barba
e durante o mês de novembro deixam o bigode crescer como expressão
desse movimento, que chegou também ao Canadá. No ano passado
isso rendeu 40 milhões de dólares às pesquisas, e veja que no Canadá
temos apenas 30 milhões de pessoas. Então, no Brasil, se isso funcionar
da mesma maneira, vocês terão uma verba significativa dedicada a pesquisas sobre a saúde do homem. O livro O Imperador de Todos os Males
fala do movimento de advocacy das mulheres no final dos anos 80,
liderado por Mary Helen Mautner, e o Movember segue esse mesmo
caminho, agora em defesa da saúde do homem. É uma iniciativa inspiradora, que pode render bons frutos no Brasil e certamente incentivar a pesquisa clínica.
capa
Os vilões de sempre
Tabagismo e uso abusivo de álcool estão entre os principais
fatores de risco para o surgimento de um câncer, mas anamnese
adequada ainda é desvalorizada no consultório como forma da
prevenir e tratar a dependência
Por Conceição Lemes
N
ÃO ADIANTA BANCARMOS AVESTRUZ: O CÂNCER É
HOJE PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA MUNDIAL.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima
que, em 2030, ocorram 27 milhões de casos novos
da doença e 17 milhões de mortes.
No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer (Inca)
calcula para 2013 aproximadamente 518.510 casos
novos: 257.870 em homens e 260.640 em mulheres.
Entre os principais fatores de risco, além de alimentação inadequada e sedentarismo, estão o tabagismo e o consumo abusivo de álcool.
O Ministério da Saúde não tem o cruzamento
específico de gastos do SUS com o tratamento de
câncer relacionado a tabaco e álcool. Apenas
dados globais.
Em resposta à Onco&, por meio de sua assessoria de imprensa, informa: “Sob a perspectiva do
SUS, os custos totais atribuíveis ao tabagismo no
Brasil, em um ano, ultrapassaram os R$ 330 milhões para pacientes com 35 anos ou mais. Já em
decorrência do alcoolismo, houve 82.472 internações no SUS em 2012, o que representa um custo
de R$ 63,3 milhões”.
A propósito, no consultório, clínica, ambulatório, quando faz a avaliação clínica dos pacientes,
você costuma:
14
maio/junho 2013 Onco&
Perguntar se eles fumam e/ou consomem bebida alcoólica?
Àqueles que bebem, pergunta a frequência?
(veja o quadro O seu paciente bebe mesmo com
moderação?)
Àqueles que estão exagerando, sugere moderar?
Àqueles que fumam, recomenda parar?
Aos que fumam, orienta procurar um serviço
público ou privado para abandonar o tabaco?
Frequentemente essas questões passam ao largo
da anamnese por várias razões: tempo reduzido de
consulta, desinformação, valorização exagerada dos
exames de sangue e de imagem, desapreço pela avaliação clínica e até descaso em relação aos hábitos
de vida do paciente.
Pena. Afinal, perde-se uma excelente oportunidade de contribuir para a prevenção de dezenas de
doenças associadas ao tabagismo e ao abuso de álcool, inclusive o câncer.
Adulto tabagista perde de 13 a 15 anos de
vida, em média
O primeiro câncer a ser relacionado com tabagismo foi o de pulmão, na década de 1950.
De 1930 a 1960, o hábito de fumar era glamourizado pelos filmes de Hollywood. Era impensável
um galã que não fumasse. Já a estrela geralmente exibia elegantes piteiras ou acabava caindo de amores pelo mocinho fumante. Até médicos entraram na dança da manipulação tabagística. “Cigarro x, o
preferido dos médicos”, dava como álibi um anúncio célebre veiculado em revistas brasileiras no início dos anos 1950.
Aos poucos, porém, mais e mais tumores malignos foram engrossando a lista dos tipos associados ao hábito de fumar.
Hoje se sabe que a fumaça do tabaco tem comprovadamente cerca
de 60 substâncias cancerígenas ao ser humano. Grande parte delas
resulta da decomposição do fumo, mas outras são adicionadas pela
própria indústria para dar um sabor mais palatável ao produto.
“Os carcinógenos se ligam ao DNA das células, mudando o jeito
com que fazem a divisão celular”, explica o oncologista Munir Murad
Júnior, coordenador do Programa de Residência Médica em Cancerologia Clínica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG). “Além disso, a alta temperatura da fumaça por
si só já danifica a mucosa respiratória, diminuindo o nível dessa camada natural protetora.”
Os genes K-ras e p53 são os mais afetados pela ação das substâncias
cancerígenas. Elas ativam os mecanismos de divisão celular e freiam os
relacionados à morte celular programada. Resultado: fica no organismo
muita célula modificada e poucas morrendo, levando ao descontrole
do crescimento celular. É o câncer, simplificadamente, é claro.
“O tabaco é o único fator de risco que atua nos três estágios do
câncer: iniciação, promoção e progressão”, alerta o pneumologista Ricardo Henrique Meirelles, da Divisão de Controle de Tabagismo do
Inca. “Daí haver relação direta do tabagismo com o câncer.”
Iniciação é o primeiro estágio: o DNA da célula se altera. Promoção,
o segundo: a célula alterada começa a sofrer ação de outros agentes,
que vão levar à multiplicação. O terceiro estágio é o da progressão: é
quando ocorre a multiplicação descontrolada das células alteradas, levando ao câncer.
Praticamente 90% dos cânceres de pulmão são em fumantes. Entre
os 10% restantes, 30% são fumantes passivos.
O tabagista também tem mais risco de câncer em vários outros órgãos: boca, língua, laringe, faringe, traqueia, esôfago, mama, estômago,
pâncreas, rim, bexiga, colo do útero, pênis. Já há estudos associando
tabagismo a leucemia mieloide e linfoma.
“O tabaco parece duplicar o risco de infecção pelo HPV. A mulher
tabagista e infectada pelo HPV tem o seu risco de câncer do colo do
útero aumentado 60 vezes”, avisa Munir. “No caso do tumor de rim,
além do risco aumentado, o tabagista tem pior prognóstico; o tumor é
mais agressivo.”
Não à toa o tabagismo é a maior causa de morte isolada que existe.
Além dos diversos tipos de câncer, está associado a mais de 50 doenças,
entre as quais enfisema, pneumonia, tuberculose, infarto agudo do
miocárdio, acidente vascular cerebral, hipertensão arterial, aneurisma
arterial, osteoporose, degeneração macular e catarata.
O tabagismo mata por ano, no mundo, 6 milhões de pessoas,
sendo 20% por câncer.
“Metade dos tabagistas acaba morrendo de câncer e outras doenças
relacionadas ao tabaco”, adverte Munir. “O adulto tabagista perde, em
média, de 13 a 15 anos de vida devido à sua dependência química. Ou
seja, vive, em média, de 13 a 15 anos menos do que quem não fuma.”
Importante: se o tabagista ainda abusa de bebida alcoólica, o risco
de ter câncer de boca, língua e laringe é maior. O álcool potencializa
o efeito das substâncias carcinogênicas do fumo.
Por exemplo, o abuso de álcool aumenta cinco vezes o risco de
câncer de boca. Já se essa pessoa for também fumante, esse risco aumenta 35 vezes. Normalmente, as pessoas que têm câncer na cavidade
oral são tabagistas e alcoolistas.
Alcoolismo aumenta o risco de vários tumores
O abuso de bebida alcoólica também é problema de saúde pública.
Causa diversas doenças, como cirrose hepática e câncer, aumenta o
risco de acidentes no trabalho e no trânsito, contribui para agressões
e violências.
“Todas as áreas mais em contato direto com o álcool, como cavidade oral, faringe, laringe e esôfago, têm risco aumentado de desenvolver câncer”, diz Fábio Gomes, nutricionista da Unidade Técnica de
Alimentação, Nutrição e Câncer do Inca. “Nessas regiões, o álcool pode
levar ao câncer de duas formas.”
Primeiro, pela própria agressão. Ele inflama o local, transformando
células saudáveis em células precursoras do câncer. A inflamação crônica, persistente, pode causar câncer nessas localidades.
Segundo, de alguma forma o álcool fragiliza a barreira protetora natural dessas regiões, facilitando a entrada de componentes cancerígenos.
“É como se o álcool dissolvesse a barreira natural de proteção das
mucosas”, expõe Fábio. “Daí por que ele potencializa o efeito do tabagismo. Ao destruir as defesas da mucosa oral, facilita a entrada da fumaça do tabaco com todos os seus componentes cancerígenos.”
O alcoolismo também aumenta o risco de câncer no fígado, pâncreas e mama.
“Um dos produtos do metabolismo do álcool é o acetaldeído, que
é tóxico para o fígado e transforma as células saudáveis do órgão em
células precursoras do câncer”, explica Fábio. “Quanto ao câncer de
pâncreas, não se tem ainda evidência suficiente para dizer por que o
alcoolismo favorece esse tipo de tumor.”
Onco& maio/junho 2013
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“É fundamental
perguntar ao seu
paciente sobre o
uso do tabaco e o
consumo abusivo
de bebida. Mais
importante ainda é
orientar o tabagista
a dar adeus ao
cigarro, e ao
alcoolista, a
parar de beber”
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“De um modo geral, o brasileiro bebe até menos
que o alemão e o francês, mas bebe pior”, acrescenta
o nutricionista. “O brasileiro tem um consumo
agudo muito grande – por exemplo, junta tudo
num fim de semana –, o que é pior para o câncer.”
O nosso organismo, diz Fábio, tem capacidade
de se recuperar de agressões. Assim, quando a pessoa
bebe todo dia um pouco (veja o quadro O seu paciente
bebe mesmo com moderação?), dá a chance de a região atingida, de alguma forma, se recompor entre a
dose de hoje e a outra, de amanhã. Agora, quando se
consome muita bebida alcoólica de uma só vez, isso
não acontece. O prejuízo ao organismo é pior.
Como você vê, é fundamental perguntar ao seu
paciente sobre o uso do tabaco (veja o quadro Cachimbo ou cigarro? Light ou mata-rato?) e o consumo abusivo de bebida. Mais importante ainda é
orientar o tabagista a dar adeus ao cigarro, e ao alcoolista, a parar de beber.
Mas atenção. O fumante e o alcoolista não são burros, fracos de caráter, sem força de vontade ou semvergonha, como muita gente fala. Ambos têm uma
doença, mais precisamente uma dependência química crônica multifatorial, que precisa de tratamento.
“As pessoas não fumam porque querem, mas
porque precisam da droga nicotina”, previne Ricardo
Henrique Meirelles. “A nicotina tem uma capacidade
de gerar dependência muito maior do que o álcool –
90% dos fumantes são dependentes da nicotina.”
A nicotina libera no cérebro substâncias químicas que dão sensação de prazer e bem-estar muito
grande, como qualquer droga. E, como a nicotina
tem uma vida muito curta, o fumante tende a fumar
vários cigarros ao dia, para manter o nível de prazer
e satisfação. Isso faz com que o cigarro passe a fazer
parte do cotidiano do fumante. Além da questão
química, existe a comportamental e a psicológica.
A pessoa fuma para relaxar. Então ela passa a associar várias situações ao hábito de fumar.
“Se você, colega, não se sente capaz de fazer a
abordagem adequada do paciente tabagista ou alcoolista, encaminhe-o para um serviço capacitado”, recomenda Ricardo. “É para que ele possa
fazer o melhor tratamento para ajudá-lo a se livrar
da dependência.”
“As pessoas não param de fumar ou de abusar
do álcool por conhecer os riscos para a saúde”,
aparteia Fábio. “Para que ocorra a mudança de
comportamento, é fundamental que elas se sintam
inseridas num plano terapêutico capaz de atacar o
problema de forma séria.”
Existem hoje clínicas privadas e serviços na rede
pública de saúde que atendem esses pacientes.
Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 3 mil
unidades e serviços do SUS oferecem o tratamento
para abandonar o tabaco, que inclui apoio psicológico e medicamentos, atendimentos educativos
e terapêuticos, além de prevenção. A meta é ampliar para 30 mil unidades em 5,1 mil municípios
do país.
“Mesmo que o paciente já tenha câncer, ele deve
ser estimulado a parar”, salienta Ricardo. “Está provado que fumante com câncer que continua fumando tem a sua qualidade de vida diminuída.
Algumas substâncias presentes no tabaco interferem
em certos quimioterápicos, dificultando a recuperação e aumentando a probabilidade de ele ter
outro tumor ou uma metástase do tumor original,
além de outras doenças decorrentes do tabagismo.”
Tanto que parar de fumar hoje faz parte do tratamento do paciente oncológico tabagista. Melhora
a qualidade e a expectativa de vida. Se tiver de fazer
cirurgia, o resultado será melhor. O monóxido de
carbono presente na fumaça do cigarro dificulta a
cicatrização pós-cirúrgica.
Mas o desafio não é fácil. Interromper 10, 20,
40 anos de consumo de cigarro, cachimbo, charuto
ou cigarrilha é dureza. O fumante tem dificuldade
muito grande de parar não só pela nicotina, mas
pelo papel que o cigarro tem na sua vida.
“Eu trabalho com tabagismo no Inca há muitos
anos”, conta Ricardo. “Observo que as pessoas conseguem parar de usar álcool, maconha e cocaína,
mas o cigarro é mais difícil. Por isso, incentive o seu
paciente a buscar tratamento. Não o critique por
estar fumando.”
Esse mesmo raciocínio vale para o abuso de
álcool. Lembre-se sempre: ao parar com o álcool e
o tabagismo, ainda hoje a saúde do seu paciente começará a ter benefícios.
O seu paciente bebe mesmo com moderação?
Tudo bem, de vez em quando, se reunir com amigos, colegas,
parceiros ou familiares para celebrar, conversar, comer e “tomar alguma coisa”. Em geral, em pequenas doses, o álcool deixa as pessoas
mais relaxadas, alegres e descontraídas, sem ameaçar a saúde. É o
famoso “beba com moderação”. Logo, quem segue essa orientação
é um bebedor moderado.
O seu paciente se enquadra nesse time?
A médica Laura Helena Andrade, responsável pelo Núcleo de
Epidemiologia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas
e professora da Faculdade de Medicina da USP, sugere um teste. É
bem simples.
Primeiro, para o paciente homem. Peça-lhe para pensar no consumo de bebida alcoólica no último mês. Aí, pergunte se ele se lembra de ter consumido, em uma balada, happy hour, festa familiar
ou reunião com amigos:
a) Cinco latinhas de cerveja ou garrafa pequena (long neck)?
b) Três garrafas normais de cerveja?
c) Cinco doses de uísque, vodca, aguardente? Uma dose, aqui, é
aquela medida de dosador de destilados, que contém 36 ml. Num
daqueles copinhos tradicionais de pinga, “pega” um pouco acima
da segunda listra. Normalmente, a “dose” de bares e restaurantes
contém duas doses de destilado.
d) Três caipirinhas de vodca ou de aguardente? Em geral, são usadas
duas ou mais doses do destilado para fazer uma caipirinha.
e) Cinco taças ou copos de vinho?
Agora, a paciente mulher. Peça-lhe também para pensar no consumo de bebida alcoólica no último mês. Pergunte se ela se lembra
de ter consumido, em uma balada, happy hour, festa familiar ou
reunião com amigos:
a) Quatro latinhas de cerveja ou garrafa pequena (long neck)?
b) Duas garrafas normais de cerveja?
c) Quatro doses de uísque, vodca, aguardente? (Vale a explicação
dada na pergunta dirigida aos homens.)
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d) Duas caipirinhas de vodca ou de aguardente? Lembre-se de que,
em geral, são usadas duas ou mais doses do destilado para fazer
uma caipirinha.
e) Quatro taças ou copos de vinho?
“O sim a qualquer uma dessas alternativas indica que o paciente
bebeu pesado, ultrapassando o limite da moderação”, diz Laura.
Considera-se padrão heavy, ou pesado, o homem que consome
cinco doses de álcool numa única ocasião; a mulher, quatro, já que
é mais sensível à bebida. “Uma vez por mês já é suficiente para
dizer que a pessoa tem padrão heavy”, justifica Laura. “Ele é bastante frequente.”
Se você duvida, observe, numa reunião com amigos, o quanto
eles bebem. Uma lata de cerveja (350 ml) tem a mesma quantidade
de álcool que uma taça ou copo de vinho (120 ml) ou uma dose
(36 ml) de uísque, rum, vodca, pinga ou outro destilado. O que
muda é o volume.
“O padrão heavy nem sempre leva à dependência”, observa
Laura. Porém, é fator de risco para uma lista imensa de problemas,
diretamente ligados à intoxicação ou à ação biológica do álcool, tais
como violência, acidentes (carro, moto, operação de máquinas, atropelamento, queda), relação sexual sem proteção, aumento de gordura no fígado, problemas de memória e arritmia cardíaca e câncer.
Por isso, reiteramos: beba com moderação.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera como de
baixo risco até duas doses de álcool por ocasião para um homem e
uma dose para mulher.
Fábio Gomes, nutricionista da Unidade Técnica de Alimentação,
Nutrição e Câncer do Inca, reforça: “Para a prevenção dos cânceres
associados à bebida alcoólica, o ideal seria que as pessoas não a consumissem. Mas, se beberem, deve ser, no máximo, duas doses por
ocasião, e as mulheres, uma”.
“Algumas pessoas transformam essa informação: ‘Como eu não
bebo, vou passar a consumir até duas doses’”, alerta Fábio, com
base na sua experiência. “Por isso, por precaução, atentem se o seu
paciente entendeu corretamente. Vale a pena esse cuidado.”
Cachimbo ou cigarro? Light ou mata-rato?
Certamente várias dúvidas devem estar pipocando, agora, na
cabeça de muitos. Selecionei algumas que provavelmente seus pacientes farão a você.
Elas constam do capítulo “Parar de fumar – Lucre já!”, do livro
Saúde – A Hora é Agora. Eu o fiz em parceria com o professor Mílton
de Arruda Martins, titular de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP, e o doutor Mário Ferreira Júnior, responsável pelo
Centro de Promoção de Saúde do Hospital das Clínicas de São
Paulo. Nós três somos os editores.
– Doutor, é tabagista quem fuma um cigarro por dia?
Sim. A questão é apenas de quantidade.
– O risco de quem fuma um cigarro por dia é igual ao de quem
fuma 20?
Não. Quanto maior o número de cigarros fumados, maior o
risco. Assim como quanto maior o tempo de tabagismo, maior a
possibilidade de malefícios.
– Por que as campanhas batem no cigarro e ignoram cachimbo, charuto e cigarrilha?
De fato, as campanhas focalizam preferencialmente o cigarro,
porque é o mais consumido e estudado. Porém, sempre que se diz
que o tabaco faz mal, entenda-se: todas as formas de consumo –
sem exceção! – causam danos à saúde. Desde o cigarro de palha,
ainda curtido no interior, passando pelo industrializado, o “indiano”, o de “Bali”, a cigarrilha, o charuto e o cachimbo, até o narguilé, originário do Oriente Médio e recentemente introduzido no
Brasil. No narguilé, a fumaça passa por água antes de ser inalada
pelo fumante.
– Mas a cigarrilha não faz menos mal do que o cigarro, já que a pessoa não traga?
A cigarrilha, assim como o cigarro de palha, o charuto e o cachimbo, não é para ser tragada. Neles, a absorção da nicotina pela
boca é bem menor do que a do cigarro. Por isso, eles provocam
menor grau de dependência e seus usuários fumam menos. Mas
isso não quer dizer que não tenham riscos. Têm, sim. Por exemplo,
na Índia, onde se fuma mais cachimbo, a incidência de câncer de
boca é enorme.
– Vale a pena trocar o cigarro por cigarrilha, cachimbo ou charuto
para não tragar?
Não. Muito tabagista tenta fazer a troca, achando que será um
fumante tradicional de charuto, cachimbo, cigarrilha ou cigarro de
palha e, por isso, fumará menos. Só que geralmente ele se dá mal.
Troca seis por doze. Explica-se: quando a pessoa sai do cigarro e vai
para outras formas de consumo do tabaco, ela traga, pois seu cérebro
“quer” a quantidade de nicotina a que está habituado. E, aí, é pior,
já que esses produtos não têm filtro. A pessoa acaba consumindo
muito mais substâncias tóxicas do que quando tragava o cigarro.
– Pitar um cigarro de palha toda noite é vício ou hobby?
É vício (faz mal à saúde) e hobby (fonte de satisfação) ao
mesmo tempo.
Embora as pessoas mais antigas digam que não faz mal, faz, sim.
O cigarro de palha tem quatro vezes mais o cancerígeno alcatrão e
o venenoso monóxido de carbono do que os cigarros industrializados. Portanto, um por dia não é bom, dois é ruim, três é pior ainda.
– O que o consumo de cigarro e bebida alcoólica causa?
Essa combinação constante aumenta muito o risco de alguns
tipos de câncer, como de boca, faringe e esôfago.
– Em termos de danos à saúde, há diferença entre o cigarro “matarato” e o mais caro?
Não. Todos fazem mal à saúde. Não há nenhum motivo para
comprar o mais caro para tentar reduzir os malefícios. Cigarro
menos perigoso não existe.
– Os cigarros light são menos nocivos?
Cigarro light, leve ou baixo teor, uma ova. É enganação das multinacionais para cima dos fumantes. Seguramente, é pior do que o
normal. Nas décadas de 1970 a 1980, quando a área de saúde começou a apontar os malefícios do cigarro, a indústria tabagista prontamente manobrou. Primeiro, negou. Depois, colocou no mercado
os cigarros light, alardeando que tinham menor teor de nicotina e
de alcatrão e diminuíam o risco de exposição do fumante.
Mentira. Os cigarros light têm apenas menor quantidade de tabaco e furos nos filtros, por onde deixam escapar o monóxido de
carbono. Aí, como precisa manter o nível de nicotina circulante para
satisfazer o cérebro, o fumante começa a fumar e a tragar mais.
Então, além da nicotina, inala mais todas as substâncias tóxicas e
cancerígenas do tabaco. Não à toa, a OMS recomenda a proibição
das expressões light, baixos teores e leve nos maços de cigarro.
– Mas, doutor, não há um jeito de o tabaco não prejudicar
a saúde?
Em todo o planeta, só existe um derivado saudável do tabaco:
o que não é fumado. Ou seja, nenhum.
Onco& maio/junho 2013
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mieloma
Panorama do mieloma múltiplo
N
EOPLASIA ONCO-HEMATOLÓGICA, O MIELOMA
ABHH/divulgação
MÚLTIPLO REPRESENTA 1% DE TODOS OS TIPOS
Ângelo Maiolino
*Hematologista; professor adjunto
de hematologia do Departamento
de Clínica Médica da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ);
coordenador do Programa de
Transplante de Medula Óssea do
Hospital Universitário Clementino
Fraga Filho. É membro da
diretoria da Associação Brasileira
de Hematologia, Hemoterapia e
Terapia Celular (ABHH), do
International Myeloma Working
Group e do Conselho Científico
da International Myeloma
Foundation, Latin-America
Contato:
[email protected]
20
maio/junho 2013 Onco&
DE CÂNCER, SENDO O SEGUNDO MAIS COMUM
entre os hematológicos, atrás apenas dos linfomas
não-Hodgkin. A doença surge em uma célula do
sistema de defesa do organismo, chamada plasmócito, responsável pela produção dos anticorpos, as
imunoglobulinas. Por alguma alteração se torna um
plasmócito neoplásico e começa a se proliferar, o
que ocasiona o mieloma1.
Diferentemente de outros cânceres, que têm
uma relação causa-efeito (ex.: fumo causa câncer de
pulmão), no caso do mieloma múltiplo não há
ainda na literatura médica descrição clara referente
aos fatores predisponentes que justifiquem o desencadeamento da neoplasia.
A doença não tem cura e o desafio para os médicos é manter os pacientes em tratamento e oferecer uma sobrevida com qualidade. De acordo com
o National Cancer Institute, aproximadamente 21,7
mil norte-americanos são diagnosticados anualmente com mieloma múltiplo, sendo que 10.710
deles morrem da doença. No Brasil não há estatísticas exatas, mas estima-se que haja cerca de 30 mil
pacientes em tratamento no país, sendo que 80%
deles têm mais de 60 anos de idade.
Um dos desafios no campo da terapêutica no
Brasil está ligado ao diagnóstico tardio. Isso se deve
às fragilidades na identificação dos sintomas apresentados por pacientes atendidos na rede de assistência primária do serviço público de saúde como
sendo um caso de mieloma múltiplo. Com isso, os
pacientes com mieloma geralmente chegam ao ser-
viço de hematologia apresentando quadro avançado
da neoplasia.
Para alcançar a detecção precoce do mieloma é
crucial atentar à combinação de sintomas como
anemia, dores ósseas, problemas renais, elevação de
cálcio, infecção por repetição. A fase inicial da neoplasia pode ser identificada, sobretudo, por meio
do exame de eletroforese de proteína, responsável
por detectar a proteína monoclonal no sangue, referente à anomalia.
Paciente com sintoma, normalmente, é conduzido a um tratamento para dor óssea, o que protela
a investigação diagnóstica correta. Trata-se na verdade de uma questão multifatorial, que envolve
também o desconhecimento dos especialistas em
contato com a neoplasia.
Se aqui o diagnóstico é tardio, cerca de um ano
após surgirem as primeiras dores, nos EUA e na
maioria dos países da Europa 60% dos casos da
doença são detectados ainda na fase pré-sintoma.
O exame de eletroforese de proteínas está incluído
nas rotinas de check-up. Além disso, quando o paciente tem um problema gástrico ou do coração ou
qualquer outro distúrbio, faz parte da cultura médica dos europeus e norte-americanos acrescentar
esse exame, que, por sinal, não é muito mais caro
que um hemograma. O procedimento possibilita
um diagnóstico no período pré-sintoma, o que para
nós é ideal.
Terapêutica – novas drogas e TMO
Mudanças significativas no campo terapêutico,
observadas ao longo da última década, impactaram
diretamente no aumento da sobrevida e na melhoria da qualidade de vida de pacientes com mieloma múltiplo.
No passado a sobrevida era muito curta devido
a manifestações como evolução da doença, ocasionando falência renal, infecções levando a óbito. A
mediana de sobrevida atingia não mais que três anos.
Após a introdução de novas drogas, como talidomida, lenalidomida, bortezomibe e do transplante de medula óssea autólogo como opção
terapêutica, os resultados melhoraram em média de
três para sete os anos de sobrevida.
Hoje não é incomum pacientes de mieloma
com 15 anos de sobrevida. Mas sem esses medicamentos que estão sendo desenvolvidos, pelo menos
uma lista de cinco ou seis extremamente promissores, o resultado não é alcançado. A combinação desses medicamentos faz com que os resultados sejam
muito promissores.
Novas drogas e entraves ao acesso
universal
O Brasil apresenta entraves no acesso universal
a novos medicamentos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão responsável pelo
registro de fármacos no país, aprova a talidomida e
o bortezomibe, sendo a primeira de acesso universal e a segunda, imprescindível no tratamento, não
acessível a todas as instituições públicas por causa
de déficit orçamentário.
Enquanto o transplante de medula óssea continua a ser um elemento-chave no tratamento da
doença, novas drogas como a lenalidomida e o bortezomibe permitem cuidar do paciente de uma
forma muito mais eficaz. A lenalidomida é a segunda na classe dos agentes que são chamados
IMiDs, sigla que significa immunomodulatory drugs
(drogas imunomoduladoras), isto é, substâncias
químicas que têm a capacidade de modular o sistema imunitário. Trata-se de um análogo da talidomida, porém muito mais efetivo, com taxas elevadas
de respostas, baixas taxas de neuropatia periférica
e efeitos secundários consideravelmente menores.
O futuro é promissor para os pacientes de mieloma,
embora a doença ainda permaneça incurável.
A lenalidomida, já aprovada em mais de 80 países do mundo, não obteve registro no Brasil, sendo
indeferido pela última vez em dezembro de 2012.
Tem aprovação nos Estados Unidos, pelo Food and
Drug Administration (FDA), e na Europa, pela European Medicines Agency (EMEA), além de países
sul-americanos.
Responsável por aumentar a sobrevida e melhorar a qualidade de vida dos pacientes, o medicamento pode ser utilizado de forma isolada ou
combinado com outras drogas. Dois estudos reconhecidos mundialmente (MM09 e MM010) embasaram a decisão de agências reguladoras internacionais em aprovar o medicamento2. A lenalidomida
apresenta taxas elevadas de resposta terapêutica e
baixa toxicidade. E, principalmente, é a única opção
a pacientes refratários a outras drogas disponíveis.
Entidades de classe médica e de pacientes lutam
para reverter a decisão. Doentes submetidos previamente a talidomida e bortezomibe podem ficar refratários ao tratamento, sendo a terceira linha a
chance de resposta terapêutica positiva.
Em relação ao diagnóstico, tem-se buscado estabelecer um programa de educação continuada em
esclarecimento sobre o mieloma múltiplo. Aspectos
referentes à definição da doença, ao diagnóstico e a
quais exames devem ser realizados.
O acesso aos medicamentos envolve políticas
públicas de saúde. A negativa ao registro da lenalidomida é um grande revés para a comunidade que
trata de mieloma no país, fato que foge à compreensão, ainda mais quando há como norte sólida
base científica.
“Após a introdução
de novas drogas,
como talidomida,
lenalidomida,
bortezomibe e do
transplante de
medula óssea
autólogo como
opção terapêutica,
os resultados
melhoraram em
média de três
para sete os anos
de sobrevida”
Impactos do TMO: mudança de perspectiva
Antigamente havia apenas uma opção terapêutica, por meio do uso de uma única droga. O que está
em discussão agora é o tratamento de uma doença
crônica com expectativa de ser até curável. Fora um
subgrupo pequeno (aproximadamente 20%) de pacientes que apresentam alto risco molecular citogenético, os outros 80% vão ter uma perspectiva, senão
de cura, pelo menos de cronicidade (uma qualidade
de vida boa, com sobrevida maior possível, e dentro
de uma toxidade aceitável de tratamento).
Onco& maio/junho 2013
21
Esse progresso se deu a partir da introdução do transplante no final
da década de 1980 e da introdução das novas drogas a partir do final
de 1990 a 2000, período marcado pela aprovação dos fármacos talidomida, bortezomibe e lenalidomida. São dez anos. Entretanto, esta é
uma história em curso, ainda sem um desfecho. Fora isso, no campo
do desenvolvimento científico existem cerca de dez estudos em andamento, alguns em fase avançada.
Recente estudo multicêntrico, prospectivo e randomizado de
autoria de hematologistas brasileiros, publicado em 26 de junho de
2012 no American Journal of Hematology (fator de impacto3,7), apontou
que o uso combinado de talidomida e dexametasona, medicamento
da classe dos corticoides e que atua no controle da velocidade da síntese da proteína, duplicou a sobrevida livre de doença de pacientes
com mieloma múltiplo submetidos a transplante autólogo de medula óssea3,4.
A pesquisa foi conduzida por cinco instituições: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Faculdade de Ciências Médicas da
Santa Casa Misericórdia de São Paulo; Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); USP-Ribeirão Preto; além do Centro de Transplante
de Medula Óssea (CEMO), do Instituto Nacional do Câncer (Inca),
que fez as análises moleculares.
Dos 213 pacientes com idade inferior a 70 anos, foram randomizados para o tratamento de manutenção após o transplante 108 pacientes. Destes, 52 receberam apenas dexametasona, enquanto 56
pacientes foram submetidos a terapia de manutenção com talidomida
mais dexametasona. Verificamos que o tempo de vida sem a doença
dobrou no grupo de pacientes tratados com talidomida, e esse resultado
é promissor em se tratando de uma doença crônica como o mieloma.
Nos primeiros 12 meses pós-transplante não houve diferença entre
os grupos, mas após 27 meses o tempo livre de progressão da doença
Referências bibliográficas
1. Maiolino A. Mieloma múltiplo: qual o grau de conhecimento sobre a doença
em médicos que atuam no sistema de atenção primária à saúde? Rev. Bras.
Hematol. Hemoter., São Paulo, v. 30, n. 6, Dec. 2008. Available from <http://
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-848420080006 00001
&lng=en&nrm=iso>. access
2. Dimopoulos MA, Chen C, Spencer A, Niesvizky R, Attal M, Stadtmauer EA,
Petrucci MT, Yu Z, Olesnyckyj M, Zeldis JB, Knight RD, Weber DM. Long-term
follow-up on overall survival from the MM-009 and MM-010 phase III trials
of lenalidomide plus dexamethasone in patients with relapsed or refractory
multiple myeloma. Leukemia.2009 Nov;23(11):2147-52.
22
maio/junho 2013 Onco&
foi de 85% nos pacientes que receberam a combinação de drogas e
70% naqueles apenas submetidos a um medicamento.
Por meio da introdução do transplante de medula óssea autólogo
à terapêutica foi possível submeter o paciente à dose elevada de quimioterapia. O procedimento é restrito até o máximo de 65-70 anos,
pois acima dessa faixa etária a toxicidade aumenta, o que torna o tratamento agressivo. Por essa razão, qualquer paciente com mieloma até
70 anos que vai iniciar o tratamento deve ter uma avaliação pré-TMO.
Os resultados foram promissores tanto para os pacientes com mieloma como para a comunidade científica. Trata-se de um estudo muito
raro na área da onco-hematologia, de iniciativa de investigadores brasileiros, com envolvimento de vários centros.
Novos horizontes
Enquanto no Brasil médicos e pacientes aguardam a aprovação
da lenalidomida, o FDA aprovou em fevereiro de 2013 a pomalidomida, terceira droga na classe dos agentes IMiDs. Esse passo representa um significativo avanço no tratamento de pacientes com
mieloma múltiplo.
Recentemente, especialistas do Brasil e do mundo reuniram-se em
Kyoto, no Japão, para o 14º Workshop Internacional do Mieloma, realizado em abril. Os estudos apresentados em Kyoto mostram que a
quimioterapia de forma isolada e/ou combinada com medicamentos
antigos não é suficiente para melhorar a vida dos pacientes. Como o
mieloma é uma doença heterogênea, é preciso combinar as velhas terapias com as novas, que incluem três classes de medicamentos: os
chamados inibidores de proteassoma, os imunomoduladores e a novidade mostrada no congresso: os novos estudos com os anticorpos
monoclonais, que atacam diretamente as células doentes – estes ainda
à espera de aprovação nos Estados Unidos.
3. Wang M, Dimopoulos MA, Chen C, Cibeira MT, Attal M, Spencer A, Rajku-
mar SV, Yu Z, Olesnyckyj M, Zeldis JB, Knight RD, Weber DM. Lenalidomide
plus dexamethasone is more effective than dexamethasone alone in patients
with relapsed or refractory multiple myeloma regardless of prior thalidomide
exposure.Blood. 2008 Dec 1;112(12):4445-51.
4. Maiolino A, Hungria VT, Garnica M, Oliveira-Duarte G, Oliveira LC, Mercante DR, Miranda EC, Quero AA, Peres AL, Barros JC, Tanaka P, Magalhães
RP, Rego EM, Lorand-Metze I, Lima CS, Renault IZ, Braggio E, Chiattone C,
Nucci M, de Souza CA; Brazilian Multiple Myeloma StudyGroup (BMMSG/
GEMOH).Thalidomide plus dexamethasone as a maintenance therapy after
autologous hematopoietic stem cell transplantation improves progression-free
survival in multiple myeloma.Am J Hematol. 2012 Oct; 87(10):948-52
dor orofacial
Arquivo pessoal
Dor orofacial e cuidados paliativos
orais em pacientes com câncer
E
MBORA O CÂNCER SEJA UMA DOENÇA QUE EXIJA
PROFISSIONAIS ALTAMENTE TREINADOS EM DIFE-
José Tadeu Tesseroli de Siqueira
* Cirurgião-dentista, supervisor da
Equipe de Dor Orofacial. Divisões
de Odontologia e Neurologia do
Instituto Central do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo
(FMUSP).
Contato:
[email protected]
Sumatra Jales
*Doutora em ciências pelo
Programa Neurologia da Faculdade
de Medicina da Universidade de
São Paulo (FMUSP); cirurgiãdentista da Equipe de Dor Orofacial
e da Divisão de Odontologia das
Unidades Médicas e de Apoio do
Instituto Central do Hospital das
Clínicas da FMUSP.
Contato:
[email protected]
Rita de Cássia B. Vilarim
* Cirurgiã-dentista da Divisão de
Odontologia do Instituto Central
do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo
(FMUSP).
Contato:
[email protected]
RENTES ÁREAS E ESPECIALIDADES, O SEU DIAG-
nóstico, e muitas vezes a qualidade de vida dos
pacientes, pode depender de profissionais da saúde
dedicados ao diagnóstico e controle da dor crônica
em geral.
A dor no câncer é um bom exemplo de como
vários fatores podem contribuir para a instalação e
a manutenção da dor crônica, inclusive no segmento facial. Além disso, ela contribui para o diagnóstico precoce do câncer, embora possa ocorrer
durante ou após o tratamento do tumor, exigindo
reavaliações constantes para identificar suas causas
e melhorar a qualidade de vida dos doentes.
Portanto, o câncer é uma doença que realça a
importância de avaliação padronizada dos pacientes
com queixas de dor, de modo a não se restringir
apenas a algumas estruturas da boca, mas a examinar toda a região de cabeça e pescoço, e também de
incluir exames subsidiários, como os de imagens e
os hematológicos. A despeito dos avanços no diagnóstico e tratamento do câncer de boca, esta ainda
é uma área que necessita de atenção, de modo a
conjugar a necessidade dos pacientes, por problemas decorrentes do tumor, com a possibilidade da
existência de doenças odontológicas comuns, muitas delas infecciosas, que comprometem mais ainda
sua precária condição de saúde.
Além da mucosite oral, muito estudada pela sua
importância clínica, existem duas outras situações
distintas que dizem respeito à dor orofacial decorrente do câncer, que ainda são precariamente abordadas entre nós mas que merecem atenção. A
primeira delas diz respeito à dor orofacial como sin-
toma inicial do câncer, quando o paciente nem
supõe que possa ter essa doença, e que o leva a procurar assistência médica ou odontológica. A segunda refere-se aos pacientes com câncer avançado,
já sem possibilidades de cura, e que compromete
a cavidade oral, como ocorre no câncer de cabeça
e pescoço.
O câncer de boca
A denominação “câncer de boca” é amplamente
conhecida e engloba tumores primariamente de origem epitelial. A frequência de tumores primários
de cabeça e pescoço é de cerca de 40% na boca,
25% na laringe, 15% na orofaringe e hipofaringe,
7% nas glândulas salivares e 13% em outras áreas.
O câncer de boca ocorre em cerca de 3% dos
cânceres que acometem o ser humano. A dor chega
a ocorrer em cerca de 60% dos pacientes que aguardam tratamento e em cerca de 30% dos pacientes
já tratados, e afeta as funções orais em diferentes níveis de complexidade. Esse tipo de câncer tem
ótimo prognóstico quando detectado precocemente, mas infelizmente nem sempre ele é identificado nas fases iniciais.
Entretanto, quando a dor é o primeiro e, muitas
vezes, o único sintoma inicial do câncer de boca,
nem sempre esse tipo de doença é considerado durante o diagnóstico diferencial da dor.
Dor orofacial no câncer
A dor orofacial é um sintoma frequente em pacientes com câncer de cabeça e pescoço. Neoplasias
de cabeça e pescoço, ao invadir as estruturas adjacentes, tais como a ATM e os músculos da mastigação, podem causar dor e disfunção mandibular.
Onco& maio/junho 2013
25
Então os clínicos devem ficar atentos para essa possibilidade, principalmente quando a dor é persistente ou recorrente, pois em pacientes
ainda não diagnosticados os sintomas assemelham-se àqueles produzidos por afecções ou doenças benignas.
A dor orofacial no câncer pode ocorrer em três situações distintas:
Pré-diagnóstico: sintoma inicial;
Pós-diagnóstico: durante ou após o tratamento;
Em doentes sob cuidados paliativos.
Dor orofacial como sintoma inicial de câncer: antes
do diagnóstico
Quando a dor é o motivo de procura por atendimento, e ainda não
foi relacionada com o câncer, ela é tipicamente aguda, ou seja, de início
recente, e pode ser o sintoma inicial que leva o paciente a procurar
atendimento médico ou odontológico. Assim, é indispensável que o
câncer seja incluído no diagnóstico diferencial das dores orofaciais.
Embora os estudos sobre dor como manifestação inicial de cânceres
de cabeça e pescoço, incluindo a boca, sejam escassos, são inúmeros
os relatos de casos clínicos mostrando que tumores frequentemente
são confundidos com outras dores benignas, como dor de dente ou
dor na ATM ou disfunção mandibular. A ATM também pode ser afetada por tumores e apresentar quadro clínico semelhante ao produzido
por distúrbios do disco articular ou osteoartrite. Tumores malignos da
orofaringe têm progressão lenta e geram dor que simula a dor da disfunção mandibular.
Os tumores malignos da base do crânio, representados geralmente
por carcinomas ou sarcomas da rinofaringe, podem erodir a estrutura
óssea ou invadir a cavidade craniana pelos orifícios naturais e comprimir ou destruir o gânglio trigeminal, as divisões periféricas ou a raiz
do nervo trigêmeo e originar dor facial, geralmente constante, e anormalidades sensitivo-motoras trigeminais e frequentemente lesão de outros nervos cranianos. Os processos neoplásicos da face, cavidade oral,
nasal ou seios da face também podem causar dor facial nociceptiva
que, na maioria das vezes, apresenta características diferentes das de
neuralgia trigeminal.
Infelizmente esse tema ainda é abordado precariamente quando se
discute o diagnóstico diferencial das dores orofaciais, mas espera-se
que os clínicos envolvidos nessa atividade fiquem atentos a esse importante problema, pois o diagnóstico precoce melhora o prognóstico
do doente. O câncer é um bom exemplo da importância de avaliação
padronizada dos pacientes com queixas de dor, de modo a não restringir o exame apenas a algumas estruturas da boca, mas de examinar
toda a região de cabeça e pescoço, e também de incluir exames subsidiários, como de imagens ou laboratoriais.
Dores recorrentes, atípicas ou que não respondem a nenhum tipo
de tratamento devem ser motivo de reavaliação periódica. A avaliação
26
maio/junho 2013 Onco&
inicial do doente com suspeita de dor orofacial por câncer deve seguir
a rotina para o diagnóstico de dor, lembrando que os exames de imagem ou complementares são indispensáveis.
Dor orofacial durante ou após o tratamento do câncer:
após o diagnóstico
Como verificado na etiologia da dor do câncer, a dor depende do
tipo, localização, estágio de evolução e tratamento do tumor. Ela também pode instalar-se cronicamente após o tratamento e controle
da doença.
A dor orofacial nesses pacientes pode ser multifatorial e estar relacionada ao câncer, ao seu tratamento ou a morbidades associadas.
Quando decorrente do câncer de boca, pode ser devido a massa tumoral, compressão, ulceração, inflamação e invasão tumoral. Quando
decorrente do tratamento, pode ocorrer durante ou após o tratamento
e pode ser devido a efeitos agudos e tardios. Entre eles, merece destaque a mucosite oral, que contribui para o agravamento da dor e a piora
da qualidade de vida desses pacientes. Outros fatores podem contribuir
para a dor orofacial, como infecções, lesões cicatriciais, bem como fibroses decorrentes de cirurgias e outros tratamentos.
A ressecção cirúrgica tumoral pode causar lesão nervosa resultando
em dor neuropática crônica. As dores musculoesqueléticas crônicas
podem estar presentes e afetar ombro (31%-38,5%), pescoço (4,9%34,9%), articulação temporomandibular (4,9%-20,1%), cavidade
bucal (4,2%-18,7%) e a face, além de outras regiões da cabeça e pescoço (4,2%-15,6%).
A toxicidade do tratamento oncológico compromete a respiração,
comunicação e alimentação. A ingesta oral fica comprometida pela dificuldade de deglutição (disfagia e odinofagia), alteração do paladar,
trismo, xerostomia e mucosite, bem como devido à presença de feridas
intra ou extraorais. Medidas terapêuticas e cuidados paliativos são necessários nesses pacientes, particularmente em fase terminal, em que
a condição pode se tornar dramática.
Mucosite oral
A mucosite oral é a inflamação com ulceração dolorosa frequente
na mucosa bucal. É a mais dolorosa complicação decorrente da quimioterapia e radioterapia da região de cabeça e pescoço. É consequência de dois mecanismos principais: a toxicidade terapêutica utilizada
sobre a mucosa e a mielossupressão gerada pelo tratamento. Sua fisiopatologia pode ser descrita de forma simplificada em quatro fases interdependentes: inflamatória/vascular, epitelial, ulcerativa/bacteriológica e de reparação. A mucosite grave obriga à interrupção do tratamento, funciona como fator limitante da dose, compromete a higiene,
a ingesta oral e a nutrição do doente e pode persistir por uma a duas
semanas após o término do tratamento.
Características clínicas: os pacientes sentem dor e
queimação na boca, que piora com a mastigação, e
são visíveis úlceras pseudomembranosas de diferentes dimensões em diversas áreas da boca.
Tratamento da mucosite: é sintomático na maioria
das vezes, baseia-se em minuciosa higiene bucal,
orientação dietética, tratamento de infecções associadas, agentes tópicos e analgésicos. A menos que
as infecções secundárias tornem-se graves, a mucosite começa a diminuir dentro de poucas semanas
após o término do tratamento. A solução de clorexidina reduz o quadro clínico, tornando-o menos
intenso e com graduações menores de mucosite, reduzindo o desconforto e a dor. A aplicação de anestésico local é útil para aliviar a dor. O laser de baixa
potência tem demonstrado eficácia na redução de
intensidade e frequência das mucosites orais quando aplicado previamente à radioterapia.
Osteorradionecrose
É definida como a exposição do osso irradiado
na ausência de recorrência tumoral ou de tumor
residual. É a mais grave complicação tardia da radioterapia e decorre da obliteração vascular e diminuição do suprimento vascular nos tecidos irradiados; essa redução da vascularização diminui o
potencial de cicatrização e aumenta o risco de infecções oportunistas.
Infecções odontogênicas crônicas (periapicais
ou periodontais) podem predispor à osteorradionecrose dos maxilares em doentes irradiados e
aumentar esse risco após a radioterapia. Sempre
que possível, eliminar previamente os focos; as
exodontias pós-irradiação devem ser minimamente traumáticas.
Características clínicas: pode se manifestar como
uma pequena exposição óssea assintomática que
pode permanecer estável por anos e cicatrizar com
tratamento conservador. Em outros casos, pode
progredir gradualmente, produzir sequestros e
apresentar fístulas gengivais e cutâneas. A sintomatologia é complexa e variada, porém evolutiva. Dor
é a queixa mais frequente; disestesia e parestesia
podem ocorrer ao comprometer o nervo alveolar
inferior. Halitose em níveis variados pode ser outro
sintoma importante, além de trismo, edema e fís-
tulas gengivais ou cutâneas, simples ou múltiplas e
fraturas patológicas.
Tratamento da osteorradionecrose: para os casos brandos, a limpeza periódica com irrigações, antibioticoterapia e a proteção temporária da área exposta
são preconizadas. Na presença de sequestros ósseos, seu tratamento consiste no debridamento, remoção dos sequestros e antibioticoterapia. O
oxigênio hiperbárico promove neoformação vascular e aumento do número de células, favorecendo a
cicatrização dos tecidos comprometidos.
Xerostomia/hipossalivação
A xerostomia é definida como a sensação subjetiva de boca seca resultante da redução do fluxo
salivar e é a complicação mais comum resultante
da radioterapia e quimioterapia para tratamento
do câncer de cabeça e pescoço. Resulta da lesão
das glândulas salivares e sua magnitude é dose-dependente. Quando as glândulas salivares estão presentes no campo irradiado, a xerostomia torna-se
presente já na segunda semana (1500 a 2000cGy),
alterando a saúde geral do paciente, que fica com
dificuldade para se alimentar, falar e dormir.
Como o grau de xerostomia depende do volume
de tecido irradiado, a radioterapia com intensidade modulada (IMRT) – um avanço recente –
permite a administração de alta dose de radiação
ao tumor-alvo, reduzindo a exposição dos tecidos
normais adjacentes. O uso de drogas citoprotetoras como a amifostina também reduz a xerostomia radioinduzida.
Características clínicas: a mucosa torna-se ressecada,
eritematosa, atrófica e ulcerada. O paciente pode
queixar-se de ardor, disfagia, disartria e ardência na
mucosa bucal.
Tratamento da xerostomia: é puramente sintomático,
com a administração de substitutos salivares e
orientação dietética. Reforço à higiene bucal devido
ao elevado risco de cárie pela perda da capacidade
protetora da saliva.
“A mucosite grave
obriga à interrupção
do tratamento,
funciona como fator
limitante da dose,
compromete a
higiene, a ingesta
oral e a nutrição
do doente“
Candidose
A candidose bucal é uma infecção comum em
pacientes sob tratamento de neoplasias malignas
das vias aerodigestivas superiores. A colonização da
Onco& maio/junho 2013
27
mucosa bucal pode ser encontrada em até 93% desses pacientes, enquanto a infecção por Candida pode ser vista em 17%-29% dos indivíduos submetidos à radioterapia.
Características clínicas: os pacientes podem ser assintomáticos ou apresentar uma grande variedade de sintomas, como queimação, disgeusia
e, se acometer o esôfago, disfagia.
Tratamento da candidose: uso de antifúngicos tópicos como a nistatina
100.000UI, e, para os casos resistentes, a anfotericina B. Não se deve esquecer de minimizar fatores contribuintes para essa condição, como a hipossalivação, reduzindo assim o risco de infecção crônica ou recorrente.
Dor orofacial em doentes sob cuidados paliativos
Pacientes com câncer de cabeça e pescoço, particularmente quando
atinge a cavidade oral, têm sérias restrições funcionais e grande comprometimento das funções orais. Esses problemas tornam-se complexos
quando o câncer é incurável e os pacientes são submetidos a cuidados
paliativos. Nessa condição, os sintomas habituais agravam-se e nem
sempre são curáveis, necessitando de atenção e cuidados especiais.
Dor, ulceração, sangramento e trismo são os mais importantes sintomas em casos de câncer de boca avançado. A respiração e a comunicação também podem ser afetadas pela presença de tumores
volumosos, comprometimento neuromuscular secundário ao crescimento tumoral ou edema de faringe e laringe.
A falta de tratamento ou o tratamento inadequado resultam em
desconforto e prejuízos nutricionais, comprometendo mais ainda a
qualidade de vida desses doentes. O cirurgião-dentista contribui fornecendo intervenções próprias de sua área de atuação profissional,
além de cuidados de suporte que assegurem uma boca mais saudável,
livre de infecção e dor.
Doenças bucais e morbidades associadas
A existência de doenças orais, como raízes dentárias infectadas ou
doença periodontal, odontalgias e mialgias mastigatórias, deve ser detectada e tratada, pois contribui para agravar o estado de saúde do paciente de câncer.
Para minimizar as complicações orais, a prioridade nesses pacientes
é a higiene oral, minimamente, de modo a manter a saúde oral, reduzir
a irritação, a lesão tecidual e promover melhor conforto.
Reavaliações periódicas são sempre necessárias e a boca deve ser
examinada para avaliar possíveis recidivas do tumor e também para
investigar a condição de saúde bucal, já que doenças odontológicas
podem causar infecção e dor e confundir o quadro clínico.
Conclusão
Profissionais que tratam pacientes com dor orofacial não podem
desconsiderar o câncer como uma de suas causas. No primeiro momento a dor pode ser o alarme da ocorrência do tumor e um indicador
que leva ao diagnóstico. Num segundo momento, é necessário que o
especialista em dor orofacial conheça essa área e se prepare para intervir em todas as etapas que requeiram sua participação.
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maio/junho 2013 Onco&
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odontologia hospitalar. Prática Hospitalar.2011;Ano XIII(77):89-92.
marcadores tumorais
O papel dos marcadores séricos no
screening do câncer
O
S PROGRAMAS DE SCREENING DESENVOLVIDOS
NOS ÚLTIMOS ANOS PARA O CÂNCER DE MAMA,
Arquivo pessoal
COLO UTERINO, CÓLON E RETO TÊM SIDO RES-
Dr. Luiz Gustavo Torres
*Oncologista clínico do
Centron-RJ, Centro de Tratamento
Oncológico; mestre em ciências
pela ENSP-Fiocruz
Contato:
[email protected]
Dr. Daniel Tabak
*Hematologista-oncologista;
diretor médico do Centro de
Tratamento Oncológico (CENTRON);
membro titular da Academia
Nacional de Medicina
Contato:
[email protected]
ponsáveis tanto pela redução da mortalidade como
pela redução da incidência de doenças em estágio
avançado. Estudos em curso procuram determinar
métodos de screening eficazes para o câncer de próstata, ovário e pulmão. O desafio passa por desenvolver métodos eficazes para a detecção precoce,
capazes de permitir menor risco de morte, tratamento menos agressivo e com menor risco de sequelas aos sobreviventes.
O envelhecimento populacional e o consequente aumento na incidência do câncer vêm tornando
cada vez mais frequente no consultório do oncologista a seguinte situação: pacientes assintomáticos
que se apresentam com marcadores tumorais séricos elevados e são encaminhados para investigação
de um suposto tumor oculto. Esses exames são solicitados com intenção de rastrear e identificar precocemente o surgimento da doença, mas não existe
fundamento científico para utilização da grande
maioria desses marcadores no contexto de screening.
Além do impacto econômico (que inclui exames
subsequentes de investigação) e emocional negativo, é importante ainda considerar eventuais danos
por biópsia, exames e procedimentos invasivos.
Screening de câncer é sinônimo de prevenção secundária, na qual a intervenção terapêutica precoce
se torna possível através do rastreamento na população assintomática e da identificação da doença em
estágio mais inicial do que seria diagnosticado na
ausência de screening. Espera-se então que o diag-
nóstico e a terapêutica precoces levem à redução da
mortalidade. Esse conceito difere do conceito de
achado ou detecção de caso, que ocorre quando são
realizados a partir de um sintoma.O exame de screening, em geral, não dá o diagnóstico, mas aponta
quais são os indivíduos que mais provavelmente
possuem a doença. Em algumas situações o screening também pode ser considerado prevenção primária, por exemplo, no câncer colorretal. A identificação e a remoção de adenomas (pólipos) reduzem
a incidência da doença.
A acurácia ou validade de um teste de screening,
ou seja, a capacidade em identificar as pessoas
potencialmente doentes entre a população assintomática, é dada pela sensibilidade (proporção de
pessoas com teste positivo dentre as realmente
doentes) e especificidade (proporção de pessoas
com teste negativo dentre as realmente não doentes). O valor preditivo positivo (VPP) também é um
importante parâmetro no desenvolvimento de um
programa de screening. O VPP é a proporção de indivíduos com teste positivo que realmente tem a
doença. Um VPP de 20% significa que em 2 de cada
10 testes positivos a existência da doença é confirmada. O VPP é influenciado pela sensibilidade, especificidade e prevalência da doença.
O dado mais importante sobre a validade e utilização clínica de um exame de screening deve ser
extraído de um ensaio clínico randomizado que
compare a mortalidade causa-específica entre o
grupo submetido ao exame de screening com o
grupo submetido ao cuidado usual. A mortalidade
global não é um bom indicador pois o número de
Onco& maio/junho 2013
33
mortes causadas pela doença de interesse será
muito pequeno proporcionalmente ao número de
mortes por todas as outras causas.
Alguns outros conceitos são importantes na
avaliação de testes de screening de câncer, como
lead-time bias, length bias e overdiagnosis.
LEAD-TIME BIAS: o intervalo de tempo entre o
câncer detectado por screening e o momento em que
ele seria detectado por sintomas é chamado de lead
time. Na ausência de screening a sobrevida é medida
do momento do diagnóstico (na presença de sintomas) até o desfecho (morte), calculando-se qual a
proporção de mortos ou sobreviventes em um intervalo estabelecido. Na presença de screening, a sobrevida é medida a partir da detecção de um tumor
oculto. Imaginando que o screening resulte na detecção precoce mas que as mortes ocorram no
mesmo momento em que o screening foi realizado,
parecerá ter ocorrido aumento da sobrevida com a
realização do screening, o que de fato não ocorreu.
“Esses exames são
solicitados com
intenção de rastrear
e identificar
precocemente o
surgimento da
doença, mas não
existe fundamento
científico para
utilização da grande
maioria desses
marcadores
no contexto
de screening”
34
maio/junho 2013 Onco&
LENGTH BIAS: refere-se à tendência dos exames
de screening em detectar com mais frequência os tumores de crescimento lento e de comportamento
menos agressivo, e com menor frequência os tumores de crescimento acelerado e curso mais agressivo.
Dessa forma, doenças que possuem longo intervalo
da chamada fase pré-clínica detectável (FPCD) têm
maior possibilidade de ser detectadas em exames
de screening. Em casos nos quais o câncer apresenta
crescimento lento e melhor prognóstico, o screening
pode selecionar casos com baixo risco de morte e
criar a impressão de que o aumento da sobrevida é
resultado do screening, quando na verdade esse aumento é resultado do comportamento biológico
mais favorável de um câncer indolente.
OVERDIAGNOSIS: A consequência de um exame
de screening também pode ser o overdiagnosis, ou
seja, diagnósticos que não seriam obtidos sem o
rastreamento. Isso pode ocorrer quando um caso
que jamais progrediria a uma doença sintomática é
detectado. Uma vez diagnosticado, não há como
distingui-lo de uma doença que virá a ter significado clínico.
Alguns marcadores têm papel bem definido,
seja no screening ou em outro contexto clínico.
PSA/câncer de próstata
Atualmente o screening do câncer de próstata
pela avaliação do PSA sérico vem sendo alvo de
muita discussão e controvérsia na comunidade
científica. O câncer de próstata é a segunda causa
de morte por câncer em homens nos EUA, cerca de
28 mil óbitos apenas no ano de 2012. Após a documentação da elevação do PSA em indivíduos assintomáticos, a decisão em torno da recomendação
de biópsia e tratamento, levando-se em conta os potenciais benefícios e danos, deve incluir conceitos
como overdiagnosis, overtreatment, eventos adversos
e qualidade de vida. O papel do exame urológico
(toque retal), associado ou não ao valor do PSA, não
será discutido nesta revisão.
Em 2011, foi publicada uma revisão sistemática
desenvolvida pela Agency for Healthcare Research
and Quality (AHRQ) com o objetivo de avaliar a
papel do PSA no screening, tendo como base os
dados de cinco grandes estudos randomizados. Os
dados revelaram um significativo aumento na incidência do câncer de próstata, sem redução na mortalidade global ou mortalidade específica. No
entanto, os resultados isolados daqueles considerados com maior peso estatístico, o estudo PLCO
(Prostate, Lung, Colorectal and Ovarian) e o estudo
ERSPC (European Randomized Study of Screening
for Prostate Cancer), foram discordantes.
O estudo PLCO, que envolveu 76.685 homens
entre 55 e 74 anos, utilizou como critério a medida
do PSA anual, sendo considerado positivo caso o
PSA se apresentasse maior que 4ng/ml. Após 13
anos de seguimento não foram observadas diferenças na mortalidade global e específica. Por outro
lado, o estudo ERSPC, que analisou 182.160 homens entre 50 e 74 anos, avaliou o PSA a cada 4
anos, com menor ponto de corte (PSA>3ng/ml).
Apesar do número maior de falso-positivos, após
11 anos de seguimento em subgrupo estabelecido
previamente de 162.388 homens (apenas entre 55
e 69 anos) foi observada uma redução de 20% na
mortalidade específica por câncer de próstata. Em
ambos os estudos a taxa de falso-positivos foi em
“Os conceitos de
overdiagnosis e
length bias devem
ser lembrados na
interpretação dos
estudos de screening
de câncer de
próstata pela alta
prevalência da
doença latente em
homens idosos”
torno de 12%. Foram observadas as seguintes complicações em um dos centros do ERSPC após realização de 5.802 biópsias: febre (3,5%), retenção
urinária (0,4%), hospitalizações por prostatite ou
sepse urinária (0,5%), hematúria (22,6%).
Já amplamente praticada, a utilização da medida do PSA como método de screening para o câncer de próstata tem o potencial de reduzir o risco
de morte pela detecção precoce, e algumas evidências sugerem que essa prática é benéfica em alguns
grupos. Contudo, o desenvolvimento de um programa de screening mais amplo que inclua estratificação de risco e individualização da conduta é
desejável. Os conceitos de overdiagnosis e length bias
devem ser lembrados na interpretação dos estudos
de screening de câncer de próstata pela alta prevalência da doença latente em homens idosos.
As discussões em torno da realização ou não da
medida do PSA de rotina são complexas e difíceis
de realizar em uma única visita no consultório.
Apesar de o teste não apresentar qualquer risco, é
necessário discutir sobre os riscos envolvidos na investigação de um teste positivo. Uma discussão
franca sobre expectativa de vida é importante e
deve ser considerada sempre que possível.
Com base nas evidências atuais e na opinião de
especialistas, a Sociedade Americana de Oncologia
Clínica (ASCO) traz as seguintes recomendações:
- Em homens com expectativa de vida menor que
dez anos: a utilização do PSA no screening do câncer
de próstata deve ser desencorajada, uma vez que os
eventuais danos parecem ser mais significativos que
o benefício.
- Em homens com expectativa de vida maior que
dez anos: recomenda-se que o médico discuta com
o paciente se considera a avaliação do PSA como
screening apropriada para o caso. A utilização do
PSA pode reduzir a mortalidade, mas os potenciais
danos devem ser citados (complicações de biópsias
desnecessárias, cirurgia e radioterapia).
CEA/câncer de cólon
A dosagem do nível do CEA tem importante
papel no diagnóstico da recorrência e avaliação da
36
maio/junho 2013 Onco&
resposta terapêutica no câncer colorretal. No entanto, sua utilização na identificação de câncer
oculto não deve ser realizada. Isso porque, apesar
da sua alta especificidade, o teste possui baixa sensibilidade, não sendo recomendada sua utilização
para screening.
A realização do exame no pré-operatório tem
sido recomendada. Alguns estudos têm revelado
que valores elevados (CEA> 5mg/ml) são um importante marcador prognóstico, independente.
Ueno e colaboradores, em estudo envolvendo 2.230
pacientes, demonstraram que o grupo que apresentava CEA elevado no pré-operatório apresentou
pior prognóstico. Também durante o período de vigilância, pacientes que apresentam elevação inicial
do marcador com normalização e subsequente elevação devem ser investigados quanto à possibilidade de recidiva neoplásica. Vale enfatizar que a
dosagem do CEA pode variar entre diferentes laboratórios e países.
No pós-operatório, para pacientes com doença
estádio II e III, tem sido recomendada a dosagem
do CEA a cada três meses. Isso se justifica porque
no câncer colorretal a detecção precoce da recidiva
pode representar ganho de sobrevida. A ressecção
de metástase isolada e o início de tratamento sistêmico no paciente assintomático podem aumentar
a sobrevida.
O CEA deve ser avaliado antes do início do tratamento sistêmico paliativo na doença metastática
e a cada um a três meses durante o tratamento. Elevação persistente do marcador sugere doença progressiva e necessidade de nova avaliação radiológica. A interpretação da elevação do CEA durante
as primeiras seis semanas após a implementação de
nova terapia deve ser realizada com cautela, considerando que nesse período uma elevação espúria
do marcador pode ocorrer com maior frequência.
CA 19-9/câncer de pâncreas
Alguns marcadores têm sido estudados no câncer
de pâncreas. Entre eles o antígeno 19-9 (CA 19-9) é
o de maior utilidade clínica. A sensibilidade e a especificidade do CA 19-9 no câncer de pâncreas variam de 70%-92% e de 68%-92%, respectivamente.
Outro detalhe importante é que pacientes com fe-
nótipo Lewis-negativo (ausência do antígeno do grupo sanguíneo
Lewis), cerca de 5% a 10% da população, não são capazes de expressar
CA 19-9.
A sensibilidade do marcador está intimamente relacionada ao tamanho do tumor, ou seja, o CA 19-9 tem sensibilidade limitada para
tumores pequenos. Seu valor preditivo positivo (VPP) também é baixo,
principalmente em pacientes assintomáticos. Em uma grande série envolvendo cerca de 70 mil pacientes assintomáticos, utilizando o cut-off
de 37 U/ml , o VPP foi de 0,9%. Com isso, a maioria das diretrizes recomenda que o CA 19-9 não seja utilizado para screening. Mesmo nos
indivíduos sintomáticos (dor epigástrica, perda de peso e icterícia), a
sensibilidade, a especificidade e o VPP do CA 19-9 > 37U/ml são de
aproximadamente 80%, 85% e 72%.
Valores elevados do CA 19-9, tanto na apresentação inicial como
no pós-operatório, têm sido relacionados a um pior prognóstico a
longo prazo. Entre os pacientes com doença potencialmente ressecável,
a magnitude da elevação pode predizer a presença de doença micrometastática à distância. Estudo envolvendo 491 pacientes com doença
ressecável, submetidos a laparoscopia de estadiamento, revelou diferença significativa na taxa de irressecabilidade. Entre os grupos com
CA 19-9 >130U/ml e CA 19-9< 130U/ml, essa taxa foi de 26% e 11%,
respectivamente. No grupo de pacientes com tumor de corpo e cauda
de pâncreas com CA 19-9 >130U/ml, mais de um terço apresentava
doença irressecável.
Elevados valores de CA 19-9 na apresentação podem ajudar os
cirurgiões a selecionar quais pacientes seriam candidatos a laparoscopia de estadiamento. No entanto, o painel de especialistas da
ASCO recomenda que o CA 19-9 não seja utilizado como marcador
de operabilidade.
O acompanhamento seriado do CA 19-9 a cada 1 a 3 meses pode
ser de grande utilidade no seguimento dos pacientes com doença potencialmente ressecável após a cirurgia e nos pacientes com doença
metastática, em tratamento quimioterápico paliativo. Elevação no valor
de CA 19-9 usualmente precede a recorrência/progressão neoplásica,
que deve ser confirmada com exames de imagem e/ou biópsia.
Referências bibliográficas
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4. De vita, Hellman, and Rosenberg’s: Cancer Principles e Practice of Oncology,
8th edition.
CA 125/câncer de ovário
A mensuração do nível sérico do CA 125 é o método de screening
de câncer de ovário mais estudado. O CA 125 se mostra elevado em
50% dos casos em estágios iniciais e em até 80% dos casos na doença
avançada. Jacobs e colaboradores, em estudo que envolveu 22 mil voluntários, demonstraram que em mulheres na pós-menopausa, assintomáticas, o CA 125 > 30 U/ml foi um forte fator preditor de risco de
câncer de ovário. O risco de desenvolver a doença foi cerca de 35 e 14
vezes maior, em um e cinco anos, respectivamente.
No entanto, a especificidade desse marcador é baixa. O CA 125
pode se apresentar elevado em até 1% das mulheres saudáveis, e flutuações podem ocorrer de acordo com o ciclo menstrual. A alta prevalência de potenciais doenças benignas que elevem o CA 125
aumenta o risco de falso-positivos.
Algumas das causas benignas para elevação do CA 125 são casos
de endometriose, leiomioma uterino, doença inflamatória pélvica, cirrose e derrame pleural ou ascite, de outras etiologias.
Mesmo em mulheres consideradas de alto risco, as evidências são
contrárias à utilização do CA 125 anual como método de screening.
Três grandes estudos produzidos na Inglaterra e na Suécia, de medida
única de CA 125 para detectar câncer de ovário, revelaram VPP inaceitável (3%) para exame isolado de screening. Da mesma forma, pelo
menos um estudo que avaliou a utilização anual da medida do CA 125
associado à ultrassonografia transvaginal também apontou reduzido
VPP, e não sugere sua utilização clínica.
Por outro lado, o acompanhamento evolutivo do valor do CA 125
parece promissor como método de screening. Um grande estudo prospectivo envolvendo mais de 9 mil mulheres elaborou um modelo que
inclui idade/incidência de câncer de ovário, valor absoluto de CA 125
e elevação proporcional do marcador no decorrer do tempo. Esse método elevou significativamente a sensibilidade do teste e brevemente
deveremos ter a divulgação dos resultados.
randomized prostate-cancer screening trial. N Engl J Med 360:1310-1319,2009.
Onco& maio/junho 2013
37
nutrigenômica
Arquivo pessoal
Nutrigenômica e câncer:
qual a evidência?
A
ÚLTIMA DÉCADA TESTEMUNHOU PROGRESSO
IMPRESSIONANTE EM TÉCNICAS DE BIOLOGIA
Rita de Cássia Borges
de Castro
* Nutricionista; especialização em
nutrição clínica pelo GANEP;
mestranda em ciências pelo
Programa de Oncologia do
Laboratório de Nutrição e Cirurgia
Metabólica do Aparelho Digestivo
LIM 35 – Faculdade de
Medicina da USP.
Contato:
[email protected]
Dan Linetzky Waitzberg
* Médico; professor associado
do Departamento de
Gastroenterologia da Faculdade de
Medicina da USP; coordenador do
Laboratório de Nutrição e Cirurgia
Metabólica do Aparelho Digestivo
LIM 35 – Faculdade de Medicina
da USP; diretor do GANEP –
Nutrição Humana.
Contato:
[email protected]
38
maio/junho 2013 Onco&
MOLECULAR. APÓS O MAPEAMENTO DO GENOMA
humano e com a evolução das tecnologias de sequenciamento do DNA, houve uma revolução em
diversas áreas, incluindo a nutrição.
Foi a partir desse avanço do conhecimento biotecnológico que surgiram as áreas da nutrigenética
e da nutrigenômica, que estudam a interface entre
genética e nutrição, buscando compreender como
a dieta interage com o genoma humano para influenciar a saúde e a doença, e como a variabilidade
genética influencia a resposta à dieta. Esses estudos
buscam elucidar como fatores dietéticos podem
interferir na expressão gênica, com o objetivo de reduzir o risco de desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, como o câncer.
A nutrigenômica é a ciência que estuda a influência dos nutrientes na expressão dos genes e como
eles regulam os processos biológicos. A nutrigenética, por sua vez, analisa o efeito da variação genética
na interação dieta-doença, o que inclui a identificação e a caracterização do gene relacionado e/ou responsável pelas diferentes respostas aos nutrientes.
Desde 1981, os pesquisadores Doll e Peto estimaram que cerca de 35% de todas as mortes causadas por câncer poderiam ser atribuídas ou até
mesmo prevenidas pela dieta. Esses pesquisadores
consideraram a dieta como um contribuinte tão importante quanto o uso de tabaco para o desenvolvimento do câncer.
Após quase 30 anos e depois de uma complexa revisão de todas as evidências, o World Cancer
Research Fundation e a American Institute for
Cancer Research (WCR/AICR) publicaram em 2007
o documento “Alimentos, nutrição, atividade física
e prevenção de câncer: Uma perspectiva global”,
concluindo que o câncer é principalmente causado
por fatores ambientais, dos quais os mais importantes são: o tabaco; a dieta e fatores relacionados à
dieta, incluindo aumento da massa corpórea; sedentarismo; exposição a carcinógenos no ambiente
de trabalho ou outros locais.
Estudos epidemiológicos demonstram que a ingestão de carne vermelha, gordura animal e frituras
pode aumentar a incidência de câncer. Por outro
lado, a ingestão de frutas, hortaliças, peixes e seus
óleos foram associados com a redução do risco de
doenças malignas.
O incentivo ao consumo de grande variedade
de frutas, legumes e verduras se deve ao fato de
serem elas as principais fontes de micronutrientes
e compostos bioativos dos alimentos (CBAs). Diversos estudos demonstram que compostos como
os CBAs podem interferir na carcinogênese. Evidências sugerem que a quimioprevenção através do
consumo de CBAs pode reduzir a morbidade e a
mortalidade por câncer(4,5). Alguns exemplos de
CBA são o resveratrol presente na uva, o licopeno
presente no tomate, a genisteína presente em produtos da soja, os ácidos graxos ômega-3 presentes
nos óleos de peixe, o sulforafano presente nos vegetais crucíferos, entre outros. Esses componentes
alimentares participam de diversos processos bioquímicos e fisiológicos, demonstrando papéis importantes na prevenção e no tratamento de doenças
crônicas, incluindo o câncer. Os benefícios muitas vezes estão associados ao fato de serem antioxidantes, podendo prevenir danos ao DNA,
além de auxiliar nos processos de reparo de DNA, suprimir a expressão de oncogenes e modular os níveis hormonais e o sistema imunológico (Figura 1).
Metabolismo carcinogênico
Resposta
inflamatória
Regulação hormonal
Ciclo celular aumentado
CBAs
Diferenciação celular
Apoptose
Reparo
do DNA
Figura 1: Atuação dos compostos bioativos dos alimentos (CBAs) na
prevenção do câncer
Epigenética, câncer e nutrição
A carcinogênese envolve complexas alterações genéticas e epigenéticas que afetam os padrões de expressão gênica. Essas alterações
ocorrem concomitantemente ao ganho de atividade oncogênica e à
perda de funções de genes supressores tumorais. Os eventos epigenéticos podem ser definidos como alterações estáveis e potencialmente
herdáveis na expressão gênica, que não alteram a sequência de nucleotídeos do DNA. Esses eventos envolvem mecanismos de ativação ou
silenciamento de genes por meio de modificações na conformação da
cromatina, dos quais os mais amplamente estudados são metilação do
DNA e modificações pós-traducionais em histonas.
Esses eventos são suscetíveis a mudanças ao longo da vida e são
alvos para explicar como os fatores ambientais, incluindo a dieta,
podem modificar o risco de câncer. Diversos estudos fornecem evidências sobre a relação entre quimioprevenção, dieta e modulação dos
processos epigenéticos.
Inicialmente, os estudos apontaram para a possibilidade de que
componentes dietéticos são reguladores-chave dos eventos epigenéticos, participando tanto da metilação do DNA quanto das modificações
pós-traducionais em histonas. Diversos CBAs, incluindo polifenóis, selênio, retinoides, ácidos graxos, isotiocianatos, entre outros que apresentam capacidade antitumorigênica, têm sido relacionados com
modulação de mecanismos epigenéticos. Por interferir em eventos epi-
genéticos desregulados durante a carcinogênese, como a hipermetilação em região promotora de genes supressores de tumor e oncomodificações em histonas, esses compostos podem modular mecanismos
relevantes para a prevenção e a supressão do câncer, incluindo vias de
transdução de sinal, crescimento celular, diferenciação e apoptose.
A metilação do DNA é uma reação que envolve a adição do radical
metil (CH3) à citosina do DNA, especialmente em regiões promotoras
de genes, que pode silenciar a sua expressão enquanto estiver metilado
e retornar sua expressão quando não metilado. Essa reação é catalisada
por uma família de DNA metiltransferases (DNMTs) que utiliza a
S-adenosilmetionina (SAM) como doadora do radical metil. A SAM é
uma molécula gerada no ciclo da metionina e a sua disponibilidade é
diretamente influenciada pela dieta. O folato, as vitaminas B12 e B6,
a colina e a betaína são chamados de doadores de grupo metil e estão
metabolicamente relacionados à formação da metionina e à sua conversão em SAM. Assim, os eventos epigenéticos são diretamente influenciados por esses compostos dietéticos.
A atividade das histonas também pode ser alterada por componentes dietéticos, através de atuação na HDAC (desacetilase de histona).
Essa enzima apresenta atividade aumentada em tumores, silenciando
genes supressores tumorais e genes de reparo de danos ao DNA. O butirato (ácido graxo de cadeia curta proveniente da fermentação das fibras solúveis), o dialil dissulfeto (fitoquímico presente no alho e na
cebola) e o sulforafano (fitoquímico presente no brócolis) possuem atividade inibitória da HDAC. Por esse efeito, pesquisas observaram que
esses compostos alteram a expressão de genes específicos, aumentando
a expressão de genes supressores tumorais e genes de reparo de danos
ao DNA. Os resultados das pesquisas experimentais sugerem que a
contínua exposição a esses componentes bioativos dos alimentos é
necessária para manter o controle dos mecanismos epigenéticos.
Nutrientes e
CBAs
N
u
t
r
i
g
e
n
ô
m
i
c
a
Nutrigenética
DNA
Epigenética
nutricional
Necessidades
&
Insultos
RNA
Trancriptoma
nutricional
Proteína
Processos
celulares
Proteômica
Metabolômica
Metabólito
Fenótipo
Adaptado de Trujillo et al, 2006.
Figura 2: Nutrientes e compostos bioativos dos alimentos (CBAs) nas
ciências “ômicas” para identificar como os fatores dietéticos podem
contribuir para o fenótipo de saúde e doença
Onco& maio/junho 2013
39
Assim, com os avanços da pesquisa em nutrigenômica torna-se cada vez mais clara a ideia de
que a dieta possui diferentes substâncias que, dependendo do tempo e das concentrações, são capazes de modular os eventos epigenéticos.
Pesquisas e evidências em nutrigenômica
no câncer
“As interações
nutriente-genenutriente podem
modular as alterações
genéticas e
epigenéticas, através
do aumento da
expressão de genes
supressores de tumor
e genes de reparo de
danos ao DNA, bem
como da diminuição
da expressão
de oncogenes”
40
maio/junho 2013 Onco&
A pesquisa em nutrigenômica tem como foco
identificar e compreender as interações em nível
molecular entre os nutrientes e CBAs com o genoma e as consequências funcionais na expressão gênica, através da aplicação de tecnologias que avaliam
genômica, transcriptômica, epigenômica, proteômica e metabolômica (Figura 2). Esses novos conhecimentos irão contribuir para o planejamento
de uma dieta personalizada, permitindo uma abordagem mais eficiente na prevenção e no tratamento
de doenças como o câncer.
As hipóteses fundamentais que sustentam a
ciência da nutrigenômica e nutrigenética são as
seguintes:
• A nutrição pode exercer impactos sobre a saúde
por afetar diretamente e/ou indiretamente a expressão de genes relacionados com vias metabólicas,
afetando a incidência de mutações que, por sua vez,
provocam alterações nos níveis de expressão gênica.
• Os efeitos sobre a saúde de nutrientes e nutriomas
(combinações de nutrientes) dependem de variantes genéticas hereditárias que alteram a absorção e
o metabolismo dos nutrientes e/ou a interação molecular de enzimas com os seus cofatores e, portanto, a atividade de reações bioquímicas.
• O melhor estado de saúde pode ser alcançado se
as recomendações nutricionais forem personalizadas, levando em consideração tanto as suas características genéticas herdadas como as adquiridas,
dependendo do estágio da vida e das preferências
alimentares.
Para exercer os efeitos benéficos, os componentes dietéticos podem atuar em diferentes momentos
da expressão gênica, desde o estímulo para que o
gene seja expresso, através de um receptor, até as
modificações que podem ocorrer nas proteínas,
após terem sido traduzidas.
Assim, a dieta pode alterar a expressão de genes
de maneira direta ou indireta. Por exemplo, vitaminas A, D e ácidos graxos apresentam ações diretas,
pois ativam receptores nucleares que induzem a
transcrição de genes específicos. O resveratrol da
uva e a genisteína da soja influenciam indiretamente a transcrição de genes através da inibição de
vias de sinalização molecular, como a do fator nuclear kappa B (NF B).
Para demonstrar as principais evidências, abordaremos um pouco mais sobre a vitamina D e os
ácidos graxos ômega-3:
– Vitamina D e câncer
Diversos mecanismos moleculares têm sido
propostos para os efeitos protetores da vitamina D
no câncer. Muitos desses mecanismos estão relacionados com a produção de 1,25(OH)2D3 por tecidos que possuem a enzima CYP27B1, como
próstata, cólon, mama e pâncreas. Nas células desses tecidos, a 1,25(OH)2D3 liga-se ao receptor da
vitamina D (VDR) formando um complexo para
influenciar a expressão de genes envolvidos na regulação da inflamação, apoptose de células tumorais, diminuição da proliferação, diferenciação
celular e imunomodulação. Estudos têm verificado
que a maior expressão do receptor de vitamina D
está diretamente relacionada à modulação da proliferação e diferenciação celular, bem como à indução de apoptose em células tumorais.
Diversos estudos in vitro, in vivo e estudos epidemiológicos demonstram um papel importante da
vitamina D especialmente na redução da incidência
do câncer colorretal. Em estudo de metanálise(13),
pesquisadores verificaram que indivíduos com os
níveis séricos de 25(OH)D3 ≥ 82 nmol/l tiveram
uma incidência 50% menor de câncer colorretal do
que aqueles com níveis ≤ 30 nmol/l.
– Ácidos graxos ômega-3 e câncer de mama
Observações epidemiológicas sugerem que o
aumento da ingestão de óleo de peixe, principal
fonte de ácidos graxos ômega-3 (AG n-3), pode
estar associado à redução da incidência do câncer
de mama. Estudos experimentais têm consistentemente observado que os AG n-3 podem suprimir a
formação e o desenvolvimento do câncer de mama
in vitro e in vivo. Uma série de mecanismos têm sido propostos para
as ações anticarcinogênicas dos AG n-3, incluindo supressão de transformação neoplásica, inibição da proliferação celular, aumento da
apoptose e da antiangiogênese.
Em nosso laboratório (Laboratório de Nutrição e Cirurgia Metabólica do Aparelho Digestivo – LIM 35 – Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo) observamos que o tratamento com
o ácido docosahexaenoico (DHA), um membro da família dos
AG n-3, induziu apoptose e alterou a distribuição das células nas
fases do ciclo celular da linhagem celular de mama com superexpressão de HER-2. Além disso, verificamos também que o DHA pode
alterar a expressão gênica e modular mecanismos epigenéticos de
maneiras distintas, dependendo das características celulares, modulando a expressão gênica de vias do metabolismo lipídico e aumen-
Referências bibliográficas
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8. Davis CD, Emenaker NJ, Milner JA. Cellular proliferation, apoptosis and
42
maio/junho 2013 Onco&
tando a expressão de genes supressores tumorais. Aqui, trata-se de
estudos com experimentos in vitro e ainda faltam evidências mais robustas para sustentar esses achados iniciais.
Considerações finais
A nutrigenômica, portanto, emerge da oportunidade de que as interações nutriente-gene-nutriente podem modular as alterações genéticas e epigenéticas, através do aumento da expressão de genes
supressores de tumor e genes de reparo de danos ao DNA, bem como
da diminuição da expressão de oncogenes. Nesse sentido, a nutrigenômica, por meio de técnicas avançadas de biologia molecular das
ciências “ômicas”, pode fornecer as informações para identificar genes
e moléculas-alvo de nutrientes e compostos bioativos de alimentos
para a prevenção e o tratamento do câncer.
angiogenesis: molecular targets for nutritional preemption of cancer.Semin
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do bem
Suporte no combate ao vício
Pacientes de câncer contam com ajuda de grupos de combate
ao tabagismo e ao etilismo para contribuir com o sucesso do
tratamento e melhorar a qualidade de vida
Por Sergio Azman
R
ECEBER UM DIAGNÓSTICO DE CÂNCER NÃO É
FÁCIL.
PIOR AINDA QUANDO O CÂNCER TEM RE-
LAÇÃO DIRETA COM O VÍCIO DO PACIENTE EM CI-
garro ou bebida. O risco de câncer de pulmão em
tabagistas chega a ser 30 vezes maior que entre não
fumantes. O cigarro também tem importância significativa nos cânceres da região da boca, esôfago,
estômago, bexiga e intestino, além de ter influência
em todos os outros tipos de câncer, ainda que em
menor grau.
Apesar de a maioria das pessoas ter consciência
dos malefícios do cigarro, vencer o vício é um longo
e árduo caminho. “Poucos médicos são capacitados
a passar por todos os processos e ajudar o paciente
a parar de fumar. Não é só receitar remédio e mandar embora. Precisa ter um acompanhamento. Alguns pacientes param de fumar na primeira
44
maio/junho 2013 Onco&
consulta, outros precisam de tempo, várias tentativas”, afirma a pneumologista Eliana Lourenço Borges, coordenadora do Núcleo de Apoio ao Tabagista
(NATA), do Hospital do Câncer de Barretos, que há
cerca de quatro anos atende os pacientes fumantes
da instituição. Assim como Barretos, outros hospitais e centros de tratamento de câncer também oferecem grupos de apoio ao paciente que precisa
parar de fumar, contribuindo para o sucesso do tratamento e para uma vida mais saudável, sem vícios.
Foi o que aconteceu com Ângela Maria Mendes,
53 anos. Ela tinha uma asma grave, uma falta de ar
muito forte que a impedia de fazer coisas simples,
cotidianas. Mesmo assim, continuava fumando três
maços de cigarro por dia. “Eu estava muito mal, e
uma conhecida que estava fazendo tratamento para
largar de fumar disse que ia marcar uma consulta
para mim. Como fiz uma mamografia na carreta
móvel anos atrás, eu pude me tratar no hospital.”
Ângela começou o tratamento no NATA e um mês
depois parou de fumar. “Sentia falta, mas fui diminuindo porque passava muito mal quando fumava,
não conseguia andar direito, tinha que dormir sentada. Meu marido fuma, tem cigarro dentro de casa
e não sinto mais vontade. Minha vida está bem melhor agora”, comemora.
O núcleo de Barretos atende pacientes de quase
todo o Brasil, e algumas vezes fica difícil manter o
acompanhamento. Além disso, o não fornecimento
do remédio também atrapalha a adesão ao tratamento. Existem dois medicamentos aprovados no
Brasil, e o governo fornece um deles, além da goma
e do adesivo. “O problema é que aqui no hospital
ainda não temos essa medicação disponível. É preciso passar por um processo de capacitação e preencher alguns critérios para receber a medicação do
governo. Estamos no caminho”, diz Eliana, coordenadora do NATA. “A maioria dos nossos pacientes
tem uma renda baixa, e a medicação não é barata.
Fizemos uma cotação para saber quanto seria o
gasto do tratamento completo, recomendado pelos
protocolos de cessação de tabagismo. O tratamento
dura aproximadamente três meses e custa cerca de
900 reais. Em alguns casos até mais, quando a pessoa precisa usar mais tempo”, explica Eliana.
Segundo ela, a maioria dos pacientes tem uma
dependência física muito grande, e mesmo sabendo
que o cigarro faz mal não consegue parar. Muitos
apresentam outros distúrbios, como depressão e ansiedade, que acabam dificultando o tratamento.
Nesses casos, o paciente é encaminhado para um
psiquiatra, que pode indicar uma medicação mais
forte para controlar esses problemas.
Adesão ao tratamento
O tabagismo é baseado em um tripé de dependência – química, psicológica e comportamental.
Para tratar adequadamente o vício, é preciso traba-
lhar esses três aspectos. “O tratamento é individual,
mesmo quando feito em grupo. Tem que ter sensibilidade, é preciso acolher adequadamente o paciente que quer colaborar e aquele mais resistente.
Não existe uma receita de bolo, cada caso é único”,
diz Cristina Cantarino Gonçalves, coordenadora do
Centro de Estudos para Tratamento da Dependência à Nicotina, do Instituto Nacional do Câncer
(Inca), que começou suas atividades há dez anos,
inicialmente tratando funcionários. Hoje, cerca de
70% do grupo são pacientes com câncer que querem largar o vício.
Ela explica que na literatura internacional existe
um conceito chamado “janela de oportunidades”,
que é quando o paciente está mais sensível para
promover uma mudança comportamental. “Esse
período acontece até três meses após o diagnóstico.
Por isso é preciso encaminhar o paciente o mais rápido possível.”
Alguns pacientes têm a iniciativa de procurar o
serviço, ou pedem ajuda para o médico. Outros precisam de um incentivo de amigos, familiares ou da
equipe de saúde. Fumante desde a adolescência,
Maria Aparecida de Sousa, 45 anos, moradora de
São Joaquim da Barra (SP), marcou a consulta por
iniciativa própria. Apesar disso, ela não compareceu.
“Na segunda vez me encaixaram de manhã, antes de
eu voltar para minha cidade, para garantir que eu
fosse.” Maria não só tinha o vício do cigarro como
também bebia e era usuária de drogas. “A médica
me receitou um remédio para controlar o cigarro e
a bebida. Só uso drogas quando bebo. Parei de
beber, resolvi o problema com drogas”, comemora.
Ela conta que no começo não foi fácil, ficava
nervosa, queria fumar, sentia dores de estômago,
tontura, dor de cabeça. Com o tempo os sintomas
melhoraram. Hoje, se sente renovada. “Para mim
foi muito importante. Melhorou minha pele, cheiro,
cabelo, dentes. Estou mais disposta, me cuidando,
durmo bem, como bem. Estou muito feliz.”
Quem consegue completar o tratamento, como
“Existe um conceito
chamado ‘janela de
oportunidades’,
quando o paciente
está mais sensível
para promover
uma mudança
comportamental.
Esse período
acontece até três
meses após o
diagnóstico. Por
isso é preciso
encaminhar o
paciente o mais
rápido possível”
Onco& maio/junho 2013
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“Quando a gente
pensa em promoção
de saúde, é preciso
trabalhar quatro
aspectos: tabagismo,
etilismo, sedentarismo
e alimentação”
Maria Aparecida, não se arrepende. No entanto, o
que se vê em todos os serviços é que o número de
pacientes diminui conforme o tratamento avança.
Em 2012, quase mil pacientes passaram pela consulta ambulatorial em Barretos. Alguns não vão à
terapia de grupo, ou porque moram longe e fica difícil comparecer uma vez por semana, ou por ainda
não estarem preparados para parar de fumar. “Dos
mil iniciais, sobram 300. E desses 300 alguns não
conseguem comprar o remédio, têm dificuldade de
parar e acabam desistindo. Atualmente estamos
acompanhando aproximadamente 120 pessoas”,
explica Eliana.
Apesar de a maioria dos pacientes, principalmente de cabeça e pescoço, apresentar o vício do
cigarro e da bebida, o hospital ainda não possui um
trabalho específico para enfrentar a dependência do
álcool. A saída é recorrer ao suporte dos Alcoólicos
Anônimos, que têm presença em todas as cidades,
por menores que elas sejam. Mas, diante do diagnóstico de câncer, parece mais fácil se livrar da bebida que vencer o tabagismo. “A maioria dos meus
pacientes fala que foi fácil parar de beber, mas de
fumar está sendo difícil. Muitos falam do cigarro
como um amigo, como se estivessem perdendo um
companheiro de muitos anos”, diz ela.
Álcool também é um importante fator de
risco modificável para câncer
Todo mundo associa o tabagismo com o câncer. De fato, o cigarro é o primeiro fator de risco
modificável para o câncer. Em segundo lugar vem
o álcool, que impacta principalmente os cânceres
de cabeça e pescoço, boca, faringe, laringe, cordas
vocais, e os cânceres de trato gastrointestinal, esôfago, pâncreas, estômago e fígado. “O álcool é um
fator de risco modificável muito importante, mas
ainda pouco discutido. Alguns temas foram eleitos
durante um tempo, tivemos um trabalho importantíssimo com o cigarro, e a questão do álcool
ficou em segundo plano. Precisamos começar a tra-
46
maio/junho 2013 Onco&
balhar o alcoolismo, tanto na prevenção como em
pacientes que já têm um câncer. Para eles, o álcool
tem uma influência direta no prognóstico e na aderência ao tratamento”, afirma Thiago Marques Fidalgo, psiquiatra responsável pelo Centro de
Atendimento ao Dependente de Álcool (CADA), do
Hospital A.C.Camargo, primeiro grupo a tratar a
relação entre álcool e câncer no país.
Cristina Cantarino concorda que a bebida também deve ser trabalhada em ações de prevenção e
tratamento, e acrescenta que existem mais dois aspectos que contribuem para a saúde da população
– a alimentação saudável e a atividade física.
“Quando a gente pensa em promoção de saúde, é
preciso trabalhar quatro aspectos: tabagismo, etilismo, sedentarismo e alimentação. Se isso acontecer de forma difusa no país, seguramente vai
reduzir, e muito, todas as doenças crônicas.
Segundo Thiago, o oncologista é um profissional-chave para que o programa dê certo. “Um dos
primeiros trabalhos que temos feito é investir na
formação do oncologista para que ele fale sobre isso
com o seu paciente. Se o oncologista não perguntar
e não identificar quem é o paciente com risco, esse
paciente não vai chegar ao nosso serviço.”
O método de acompanhamento é semelhante
ao tratamento do paciente tabagista. O paciente
passa por consultas semanais com o psiquiatra por
pelo menos dois meses, período crítico para fazer
com que o tratamento dê certo e quando é avaliada
a necessidade de medicação. “No geral, cerca de
90% dos pacientes vão fazer uso de medicação.
Nessas consultas semanais também é feito um trabalho de motivação”, diz. Mais dois meses com avaliações quinzenais e depois as consultas passam a
ser mensais. Desde que passaram a contabilizar essa
demanda, em 2011, já foram atendidos cerca de
200 pacientes. “Como o programa é recente, foi estruturado em 2012, ainda não temos a perspectiva
da alta. A ideia é que esse período de acompanhamento seja por volta de um ano e meio”, diz.
O hospital também possui o Grupo de Apoio ao
Tabagista (GAT), criado em 1997, o primeiro do gênero em um hospital de câncer. Enquanto o CADA
é voltado apenas para o atendimento de pacientes
da instituição, o GAT atende tanto pacientes como
pessoas sem câncer, de fora da instituição, que vêm
procurar ajuda. “Tanto o cigarro como o álcool com-
prometem a saúde, mas, se o álcool chegou ao ponto
de causar um câncer, é porque a pessoa já bebe
tanto, há tanto tempo, que a vida dela já se fechou
em torno do vício, já perdeu emprego, família. O cigarro, não. A pessoa está trabalhando, com a família
estruturada, a vida está acontecendo, com pausas a
cada hora para fumar um cigarro”, explica Thiago.
Rede do Bem Capixaba
Para atuar na prevenção do tabagismo e do etilismo, além da prevenção de drogas ilícitas, a Rede
do Bem Capixaba tem uma proposta de trabalho baseada em dois caminhos: capacitação e mobilização
da sociedade. O primeiro objetivo é capacitar o professor para trabalhar essas questões com seus alunos. Para isso, foi desenvolvido um material didático
voltado para crianças do primeiro ao quinto ano do
ensino fundamental. São dois livros, um para o aluno
e outro para o professor, com estratégias lúdicas, brincadeiras e jogos para realizar a conscientização e prevenção das crianças sobre álcool, cigarro e outras
drogas desde o primeiro ano.
“Nós fizemos um trabalho preliminar para saber
a porcentagem das crianças com familiares tabagistas
e etilistas. E descobrimos que cerca de 50% das crianças convivem com um fumante em casa, e 60% com
um familiar que faz uso do álcool. Então a criança já
está exposta ao tabaco e ao álcool dentro de casa. Não
há razão para a escola esperar a adolescência para falar
sobre isso”, explica Adriana Madeira, professora da
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e
idealizadora do projeto.
O segundo objetivo da Rede do Bem Capixaba é
a organização da sociedade civil. A proposta é que
cada entidade (igreja, polícia, Alcoólicos Anônimos,
maçonaria, rotary) colabore com uma ou duas ações anuais dentro da Rede do Bem. Como são muitas
entidades e as cidades muitas vezes são pequenas, é possível ter uma quantidade considerável de
ações de prevenção durante o ano. O gerenciamento das atividades é feito pelas prefeituras dos municípios. “É um modelo que está começando em cidades pequenas, mas pode ser feito em cidades
maiores também”, afirma Adriana.
48
maio/junho 2013 Onco&
Divulgação
curtas
Brasileiros desenvolvem
nanomateriais radioterápicos
para combate ao câncer
Geralmente aplicada no combate ao câncer de próstata, a
braquiterapia é um tratamento que dispensa cirurgia, diminuindo o risco de efeitos colaterais como incontinência urinária
e disfunção erétil. Apesar de já estar difundida em diversos países, no Brasil sua utilização ainda é restrita em razão do seu
alto custo.
Agora, um trabalho pioneiro no Brasil poderá facilitar o acesso
público ao tratamento de câncer por braquiterapia. Os responsáveis pelo projeto são o professor Koiti Araki, do Laboratório de
Química Supramolecular e Nanotecnologia (LQSN) do Instituo
de Química da USP (IQ), e Maria Elisa Rostelato, do Centro de
Tecnologia das Radiações (CTR) do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), autarquia estadual associada à USP.
O método consiste no implante do material radioativo iodo125, depositado em fios de prata e encapsulado em um envólucro de titânio (cerca de 4,5 mm x 0,8 mm), chamados de sementes, diretamente no tumor do paciente. Os valores envolvidos (36 e 40 dólares por semente, sendo que cada paciente
demanda de 80 a 120 sementes) fazem com que o Sistema Único
de Saúde (SUS) não ofereça o tratamento por braquiterapia.
Com o processo de produção nacional de sementes já em
fase de testes – são fabricados lotes submetidos a um controle
de qualidade seguindo normais internacionais –, Maria Elisa espera que o governo inclua a braquiterapia com sementes de
iodo-125 no rol de serviços dos SUS. “Enquanto atualmente no
Brasil são utilizadas cerca de 3,8 mil sementes por mês, a projeção é de que, com o material sendo fabricado no país, a demanda
atinja 8 mil sementes mensais, e o valor de cada uma seria consideravelmente reduzido”, diz. A fabricação do material em escala comercializável deve começar no final de 2014.
Marcadores para tratamento com
sunitinibe em câncer renal de
células claras
De acordo com um estudo apresentado no 28º Congresso Anual
da European Association of Urology (EAU), em Milão, marcadores
como CA9, CD31, CD34 e VEGFR1/2 nos tumores primários
podem servir como indicadores de uma boa resposta ao tratamento
com sunitinibe em doentes com carcinoma renal de células claras
metastático (ccRCC).
“A inativação do gene von Hippel-Lindau (VHL) é um evento
comum em ccRCC e finalmente leva à indução do HIF1 de genesalvo, tais como CA9 e VEGF”, disseram os autores. “Os receptores
de VEGF e PDGF também desempenham um papel importante na
angiogênese, que é refletida pela densidade de microvasos (MVD).”
O inibidor da tirosina quinase (TKI) sunitinibe tem como alvo,
entre outros, os receptores de VEGF e PDGF e atualmente é uma
das opções de tratamento padrão para ccRCC metastático.
No estudo, os tumores primários de pacientes com ccRCC, que
depois foram tratados com sunitinibe, foram usados para análises
de biomarcadores. Durante o estudo, o DNA foi isolado a partir de
amostras criopreservadas do tumor de 20 pacientes com ccRCC
para o número de cópias e análises de mutações VHL. Análises de
microarrays foram preparadas a partir de 42 amostras de tecidos renais malignas e não malignas embebidas em parafina.
A coloração imuno-histoquímica de BVS, CA9, PDGFR, PDGFR,
VEGFR1, VEGFR2, VEGFR3, CD31 e CD34 foi avaliada por um
sistema de pontuação, incluindo intensidade da coloração e a porcentagem de células coradas do tumor. A taxa de resposta objetiva
foi avaliada de acordo com os critérios RECIST após 3, 6, 9 meses
e último relatório (12-54 meses) de tratamento com sunitinibe.
Perda do número de cópias e mutação de VHL foram observadas
em 60% e 50%, respectivamente, com 40% dos casos apresentando
ambas as mudanças de VHL. Essas alterações no gene VHL foram
acompanhadas por uma redução da coloração da proteína BVS e
um aumento da pontuação CA9.
Depois de 9 meses, 45% dos pacientes responderam ao tratamento com sunitinibe. A sua resposta foi associada com baixo grau de
tumor primário Fuhrman (p <0,05). A coloração vessel de VEGFR1/2
foi elevada em pacientes com uma resposta após último relatório.
Os pacientes com uma resposta após 6 meses apresentaram um
aumento da coloração MVD e CA9 no tumor primário (p <0,05), e
sua mediana de sobrevida livre de progressão estimada (12 meses
versus 8 meses, p <0,001) e mediana da sobrevida global (45 meses
vs 21 meses, p <0,001) foram maiores do que para os não respondentes. O CA9 alto e um baixo PDGFR estão associados a uma
maior sobrevida global (p,0,01).
Fonte: Medical News Today
Onco& maio/junho 2013
49
Istockphoto
Proteína Siah2 relacionada a câncer
de próstata resistente à castração
Terapias hormonais podem ajudar a controlar o câncer de
próstata avançado por um tempo. No entanto, para a maioria
dos homens, em algum momento o câncer de próstata eventualmente para de responder ao tratamento hormonal adicional.
Nessa fase a doença é denominada andrógeno-insensível ou resistente à castração.
Em um estudo publicado em março na revista Cancer Cell, uma
equipe liderada por pesquisadores da Sanford-Burnham Medical
Research Institute encontrou um mecanismo em células andrógeno-insensíveis que lhes permite sobreviver ao tratamento. Eles
descobriram que uma proteína chamada Siah2 mantém uma porção de receptores androgênicos constantemente ativos nas células
cancerosas da próstata. Receptores de andrógenos são sensores que
recebem e respondem ao hormônio andrógeno e desempenham
um papel crítico no desenvolvimento e na progressão do câncer
de próstata.
Com base nessa nova informação, Siah2 poderia ser um biomarcador promissor para controlar a resposta de um paciente com
câncer de próstata à terapia. A inibição da interação do Siah2 com
o receptor androgênico pode também proporcionar um novo método para a ressensibilização de tumores de próstata resistentes à
castração para a terapia hormonal.
“Tumores de próstata se tornam resistentes à castração se utilizando de diversas formas de modificar o receptor de andrógeno
para se tornar constantemente ativo. Nesse estudo, demonstramos
como isso acontece através de um mecanismo previamente desconhecido orquestrado por Siah2. Surpreendentemente, verifica-se
que apenas uma fração de todos os receptores de andrógenos é al-
50
maio/junho 2013 Onco&
terada em tumores resistentes à castração”, afirmou Ze'ev Ronai,
diretor associado do Sanford-Burnham, diretor científico do Instituto La Jolla Campus e autor sênior do estudo.
Normalmente, os receptores de andrógenos são mantidos em
xeque por um inibidor chamado NCOR1. Esse estudo revelou
que, em tumores de próstata resistentes à castração, Siah2 marca
o receptor de andrógeno NCRO1 para a degradação. Isso permite
a mudança do receptor de andrógeno de inativo para o estado
ativo. Como resultado, as células de câncer da próstata produzem
mais receptores andrógenos ativos, que as tornam resistentes à terapia hormonal.
Para avaliar se Siah2 desempenha o mesmo papel no câncer
de próstata resistente à castração como haviam observado no laboratório, foram utilizadas amostras fornecidas por colaboradores
do Vancouver Prostate Centre da University of British Columbia.
A equipe determinou que os tumores humanos de próstata resistentes à castração têm níveis anormalmente elevados de Siah2 e
selecionam os alvos receptores de andrógeno.
Ronai e sua equipe também analisaram o que acontece quando
eles inibem a Siah2. Para isso, utilizaram três diferentes modelos
animais. Em cada caso, a inibição da Siah2 restaurou a sensibilidade
de tumores da próstata à terapia hormonal. Com Siah2 fora de cena,
os tumores de próstata regrediram durante a terapia hormonal.
“Nós vemos Siah2 não só como um biomarcador – uma forma
de acompanhar o desenvolvimento e progressão da castração de
resistência –, mas também como um potencial alvo terapêutico
para o câncer de próstata”, explicou Jianfei Qi, cientista da equipe
do laboratório de Ronai e primeiro autor do paper.
Resultados do BRIGHT (estudo investigacional de bendamustina mais rituximabe em linfoma não-Hodgkin) suportam o uso de bendamustina (Treanda,
Cephalon) + rituximabe (BR) no tratamento de primeira linha do linfoma nãoHodgkin avançado indolente (NHL) ou linfoma de células do manto (MCL). O
ensaio de fase III descobriu que a BR não foi inferior aos padrões de cuidado,
R-CVP (rituximabe, ciclofosfamida, vincristina e prednisona) e R-CHOP (rituximabe, ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina e prednisona). BR também causou
menos alopecia e neuropatia.
Ian Flinn, diretor do Programa de Pesquisa de Malignidades Hematológicas no
Sarah Cannon Research Institute, em Nashville, Tennessee, apresentou os resultados na reunião anual da Sociedade Americana de Hematologia (ASH, estudo 902).
De acordo com Joshua Brody, professor assistente de hematologia e oncologia
médica na Mount Sinai School of Medicine, em Nova York, que não esteve envolvido na pesquisa, o BRIGHT “é extremamente importante” e confirma os resultados
do grupo alemão de estudo de linfomas indolentes (STiL) NHL trial.
“O estudo STiL, apresentado por Mathias Rummel na ASH 2009 e atualizado
na ASCO 2012, foi o primeiro grande estudo randomizado a mostrar que a BR é tão
eficaz ou, possivelmente, melhor do que o regime R-CHOP e, aparentemente, mais
bem tolerada em alguns aspectos importantes. O uso de BR aumentou significativamente em 2010 depois que os dados foram apresentados, apesar de o estudo ainda
não ter sido publicado em um periódico peer-reviewed para análise mais aprofundada”, disse Brody. “Pessoalmente, nossa prática clínica mudou naquele momento
e passamos a incorporar BR para a maioria dos nossos pacientes que poderiam ter
recebido previamente R-CHOP ou R-CVP, e estamos satisfeitos com os resultados.”
O BRIGHT incluiu pacientes com NHL indolente ou MCL que não tinham recebido nenhum tratamento anterior, tinham 18 anos ou mais e satisfaziam ao critério de necessidade de tratamento. Os doentes tinham doença CD20-positivo,
uma performance status ECOG de 0 a 2, e estágio Ann Arbor não inferior a 11.
Os pacientes foram distribuídos aleatoriamente para R-CHOP/BR ou
R-CVP/BR. A análise incluiu 213 pacientes que receberam BR e 206 pacientes que
receberam R-CHOP ou R-CVP.
A taxa de remissão completa foi de 31% no braço de bendamustina em comparação com 25% no braço R-CHOP/R-CVP, com uma não inferioridade P-value
de 0,0225. O P-value para determinar a superioridade não alcançou significância
estatística (P = 0,1269). A taxa de resposta parcial foi de 65% no braço bendamustina e 66% no grupo de terapia padrão.
BR foi associada a uma maior incidência de náuseas e vômitos, febre, arrepios,
hipersensibilidade a fármacos, diminuição do apetite, erupção cutânea e pruridos.
R-CHOP e R-CVP foram associados a uma maior incidência de constipação, parestesia, neuropatia periférica e alopecia. R-CHOP foi associado a uma maior incidência de neutropenia febril e inflamação das mucosas.
52
maio/junho 2013 Onco&
Iscom
Estudo BRIGHT confirma eficácia da
bendamustina + rituximabe como primeira
linha de linfoma não-Hodgkin e tumor de
células do manto
Braçadeiras reduzem o
risco de complicação
após mastectomia
A mastectomia (remoção da mama) é
uma técnica utilizada em alguns casos de
câncer de mama, quando a doença já passou dos estágios iniciais. Estima-se que
cerca de 20% das pacientes submetidas à
mastectomia corram risco de complicações
pós-cirúrgicas. É comum haver inchaço e
dor enquanto as pacientes estão em recuperação. O risco maior está na evolução do
quadro para deformidades, o que torna o
tratamento longo e complexo.
Utilizadas em caso de mastectomia seguida ou não de radioterapia, e em casos
de linfedemas discretos, moderados e leves,
as braçadeiras de compressão graduada
Sigvaris Advance possuem silicone respirável, material bacteriostático e termorregulador, e oferecem compressão graduada de
20-30mmHg. Elas ajudam a evitar complicações em casos de mastectomia, e podem
ser usadas com outras medidas terapêuticas, como drenagem linfática e exercícios.
Realizar ou não o esvaziamento axilar em pacientes com micrometástases
linfonodo sentinela (IBCSG 23-01): estudo randomizado controlado fase 3
Para pacientes com câncer de mama e metástases no linfonodo sentinela, o esvaziamento axilar tem sido o tratamento padrão. No entanto, para pacientes com pouco envolvimento do linfonodo sentinela o esvaziamento axilar pode ser desnecessário. O estudo IBCSG
23-01 procura determinar se o não esvaziamento axilar tem performance de não inferioridade em relação ao esvaziamento axilar em pacientes com um ou mais linfonodos sentinela micrometastáticos (≤ 2 mm) e tumor de no máximo 5 centímetros.
Nesse estudo multicêntrico, randomizado, de fase 3, os pacientes eram elegíveis se tivessem linfonodo axilar clinicamente não palpável
e um tumor primário de 5 centímetros ou menos e que, após a biópsia dos sentinela, tivessem um ou mais linfonodos micrometastáticos
(≤ 2 mm) sem extensão extracapsular.
Os pacientes foram distribuídos aleatoriamente (ratio 1:1) para realizar ou não o esvaziamento axilar. A randomização foi estratificada
por centro e status menopausal. O endpoint primário foi a sobrevida livre de doença. A não inferioridade foi definida com hazard ratio
(HR) de menos de 1,25 para o não esvaziamento axilar versus o esvaziamento axilar, e a análise considerou a intenção de tratar.
No período entre 1 de abril de 2001 e 28 de fevereiro de 2010, 464 pacientes foram aleatoriamente designados para esvaziamento
axilar e 467 pacientes para o grupo de não esvaziamento axilar.
Após um seguimento médio de 5 anos foram registrados 69 eventos de sobrevida livre de doença no grupo de esvaziamento axilar e 55
eventos no grupo que não foi submetido ao esvaziamento axilar. Eventos de câncer de mama foram registrados em 48 pacientes com esvaziamento axilar e em 47 no grupo que não esvaziou a axila (dez recidivas locais no grupo do esvaziamento axilar e oito no grupo de não esvaziamento axilar; três e nove tipos de câncer de mama contralateral; uma e nove recidivas regionais; e 34 e 25 recidivas distantes, respectivamente).
Outros eventos foram registrados em 21 pacientes do grupo de esvaziamento axilar e em oito no grupo de não esvaziamento axilar,
como a ocorrência de segunda neoplasia e mortes não relacionadas ao câncer.
Em cinco anos, as taxas de sobrevida livre de doença foram de 87,8% no grupo sem esvaziamento axilar (95% CI) e 84,4% no grupo
com esvaziamento axilar (HR sem esvaziamento axilar vs esvaziamento axilar de 0,78;95% CI, não inferioridade p=0,0042).
O estudo concluiu que o esvaziamento axilar pode ser evitado em pacientes com câncer de mama em estágio inicial e envolvimento limitado do linfonodo sentinela, eliminando assim as complicações da cirurgia axilar com nenhum efeito adverso na sobrevida dos pacientes.
Esse estudo está registrado como ClinicalTrials.gov, NCT00072293.
Fonte: The Lancet
Pesquisa Revista
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Onco& maio/junho 2013
53
mundo virtual
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54
maio/junho 2013 Onco&
acontece
Fique por dentro dos congressos, simpósios, encontros de atualização
e outros tantos eventos do mundo da oncologia. Confira aqui o que foi destaque:
Divulgação
II Fórum Regional de Discussão de Políticas de Saúde – Rio de Janeiro
Organizado pelo Instituto Oncoguia, o II Fórum Regional de Discussão de
Políticas de Saúde em Oncologia aconteceu em 14 de março, no Rio de Janeiro,
gerando importantes debates sobre a atenção oncológica no estado. O evento contou com a participação de diversos agentes da oncologia carioca, que revelaram
dados alarmantes sobre as políticas públicas para o câncer no Rio de Janeiro.
Entre os temas debatidos, a falta de um sistema de regulação da assistência ao
paciente com câncer mostra que o estado não tem uma metodologia formal, organizada, para mediar o caminho do paciente dentro do Sistema Único de Saúde
(SUS), deixando vazios de assistência entre o cuidado da saúde, o diagnóstico do
câncer e o início do tratamento. Outros debates importantes foram o acesso ao
tratamento rápido e de qualidade como saída à judicialização, a inclusão da quimioterapia oral no rol de procedimentos da ANS e os direitos do paciente com câncer.
Na foto, da esquerda para a direita: Suzana de Queiroz Alves, da Defensoria Pública Federal de Saúde do Rio de Janeiro; Tiago Farina
Matos, diretor jurídico do Instituto Oncoguia; Carlos Manoel Mendonça de Araújo, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Radioterapia;
Carlos José de Andrade, chefe da oncologia do INCA; Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia e Rafael Kaliks, diretor científico
do Instituto.
Divulgação
7ª Conferência Brasileira de Câncer de Mama/Enfoque San Antonio 2012
O Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama (GBECAM) promoveu nos
dias 1º e 2 de março, em São Paulo, a 7ª edição do evento científico Conferência
Brasileira de Câncer de Mama / Enfoque San Antonio 2012, que contou com a
participação de cerca de 500 profissionais entre oncologistas clínicos, mastologistas,
radiologistas e patologistas envolvidos no tratamento do câncer de mama.O evento
teve como foco os principais trabalhos apresentados na 35ª Reunião Anual de
Câncer de Mama de San Antonio nos Estados Unidos, seguidos de discussão de
casos clínicos. Entre os palestrantes, destaque para os convidados internacionais
Giuseppe Viale, da Universidade de Medicina de Milão, Itália; Fabrice Andre, do
Instituto Gustave Roussy – Villejuif, França; além dos norte-americanos Thomas
Buchholz e Kelly Hunt, especialistas do MD Anderson Cancer Center. Na ocasião também aconteceu a cerimônia de premiação da
2ª edição do Prêmio Roche em Câncer de Mama.
Na foto, da esquerda para a direita: Dr Thomas Buchholz, radioterapeuta da Universidade do Texas MD Anderson Câncer Center;
Sergio Simon, diretor-presidente do GBECAM; Fabrice Andre, oncologista do Instituto Gustave Roussy; Giuseppe Viale, patologista da
Universidade de Milão/Itália; José Bines, diretor científico do GBECAM e Max Mano, chefe do Grupo de Câncer de Mama do Instituto
do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP).
Onco& maio/junho 2013
55
calendário 2013
Evento
Data
Local
Informações
ABC do Câncer: Abordagens para o Controle
do Câncer (Brasil)
1 a 31 de maio
Rio de Janeiro, RJ
www1.inca.gov.br/ie_eventos/Evento/
ficha-inscricao2.html
I Congresso Luso-Brasileiro de Oncologia Clínica
3 e 4 de maio
Cumbuco, CE
sponcologia.pt/archives/2233
Seminários Regionais Sobrafo – Porto Alegre
4 de maio
Porto Alegre, RS
www.sobrafo.org.br
V Simpósio Internacional de Atualização em
Câncer da Tireoide
10 e 11 de maio
Rio de Janeiro, RJ
www1.inca.gov.br/ie_eventos/
Simpósio Pan-Americano de Câncer de Mama e
Simpósio Internacional de Mastologia 2013
10 e 11 de maio
Rio de Janeiro, RJ
www.jzbrasil.com/congressos/
simrio/index.htm
XII Congresso Brasileiro de Psico-Oncologia
15 a 18 de maio
Belo Horizonte, MG
www.sbpo.org.br
Goiania Breast Cancer Symposium 2013 –
GBCS2013
23 a 25 de maio
Goiânia, GO
gbcs.net.br/gbcs/principal.asp
III Fórum Regional de Discussão de Políticas
Públicas em Oncologia
24 de maio
Curitiba, PR
www.oncoguia.org.br/eventos
/forumcuritiba2013/
Workshop GPR Academy Global Postlaryngectomy
Rehabilitation Academy
24 e 25 de maio
Rio de Janeiro, RJ
www1.inca.gov.br/ie_eventos/
ASCO 2013
31 de maio a 4 de junho
Chicago, EUA
http://chicago2013.asco.org/
VIII Conferência de Onco-Hematologia
6 a 8 de junho
São Paulo, SP
www.abrale.org.br
Next Frontiers to Cure Cancer –
Integrating Science and Patient Care
13 a 15 de junho
São Paulo, SP
www.accamargo.org.br/evento-detalhe/
next-frontiers-to-cure-cancer/82
V Congresso Brasileiro de Nutrição Integrada
(CBNI) e Ganepão 2013
19 a 22 de junho
São Paulo, SP
www.ganepao.com.br
10th International Gastric Cancer Congress
19 a 22 de junho
Verona, Itália
www.10igcc.com/
V Board Review – Curso de Revisão em
Oncologia Clínica
20 a 22 de junho
São Paulo, SP
www.einstein.br/Ensino/eventos
I Congresso Multidisciplinar em Oncologia do
Instituto do Câncer do Hospital Mãe de Deus
21 e 22 de junho
Porto Alegre, RS
www.icmd2013.com.br
Jornada Pós-ASCO 2013 – SBOC RJ
21 e 22 de junho
Rio de Janeiro, RJ
2010.interevent.com.br
VII Board Review – Curso de Revisão em
Hematologia e Hemoterapia/II Simpósio de
Oncologia Molecular e Medicina Personalizada
26 a 28 de junho
São Paulo, SP
www.einstein.br
Calendário de eventos de 2013 completo e atualizado:
58 maio/junho 2013
Onco&
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