a formação da personalidade e o comportamento violento

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Revista Augustus | ISSN 1415-398X | Rio de Janeiro | v. 17 | n. 33 | Janeiro de 2012 | Semestral
Maria Angélica Oliveira Gabriel e Mauricio Castanheira
A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE E O COMPORTAMENTO
VIOLENTO: ARGUMENTOS PARA A APROXIMAÇÃO DA TEORIA
SOCIOLÓGICA DA REALIDADE E A TEORIA PSICOSSEXUAL
Maria Angélica Oliveira Gabriel
Mestre em Psicologia
Professora adjunta e coordenadora do curso de Psicologia da UNISUAM
Mauricio Castanheira
Doutor em Filosofia
Professor Assistente da UNISUAM
Professor Associado do CEFET
RESUMO
O presente estudo apresenta duas diferentes abordagens
teóricas que tratam do processo de formação da personalidade
e propiciam conhecimentos para compreensão da construção do
comportamento violento, com o objetivo de identificar fatores
explicativos para compreensão desse tipo de comportamento
na sociedade atual. No aspecto metodológico, foi realizado um
levantamento bibliográfico da teoria sociológica da formação do
eu e da teoria psicossexual de Freud, com o intuito de conhecer
fenômenos sociais e intrapsíquicos que interferem na formação
da personalidade. Em um segundo momento, foi analisado o
comportamento violento à luz dessas teorias. Considerou-se que
o meio social e a formação intrapsíquica do sujeito são fatores
relevantes no desenvolvimento do comportamento violento.
Palavras-chave: Comportamento violento.
personalidade. Desenvolvimento humano.
Formação
da
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A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE E O COMPORTAMENTO VIOLENTO: ARGUMENTOS PARA A APROXIMAÇÃO DA
TEORIA SOCIOLÓGICA DA REALIDADE E A TEORIA PSICOSSEXUAL
THE PERSONALITY DEVELOPMENT AND THE VIOLENT
BEHAVIOR: ARGUMENTS FOR THE APPROACH TO THE
SOCIOLOGICAL OF REALITY AND PSYCHOSOCIAL THEORIES
ABSTRACT
The study presents two different theorical approachs that deals
with the process of personality formation and provide knowledge
to compreehend the construction of violent behavior, being the
objective the identification of explaining factors of the current
violent behavior in present society. In the methodological aspect,
it has been made a bibliographical survey about the sociological
theory of self formation and of Freud`s psychosexual theory, wit
the intention of knowing social and intrapsychic phenomena that
intefere in the personality formation. In a second moment, it was
analized the violent behavior under the light of these theories.
It was considered that the individual`s social ambient and the
intrapsychic formation are relevant factors in the development of
violent behavior.
Keywords: Violent behavior. Personality formation. Human
development.
1 INTRODUÇÃO
No presente artigo, serão apresentadas variáveis
que influenciam a formação da personalidade e
o comportamento violento, por meio da teoria
sociológica da construção da realidade e da
formação do eu de Berger e Luckman (2000) e da
teoria psicossexual da formação da personalidade
de Freud (1905). Após análise dos processos de
socialização e tipificações de comportamento e
dos impulsos agressivos e sexuais e seus destinos
dispostos nessas teorias, será apresentado um
argumento sobre o comportamento violento,
analisando-se as influências do processo de
formação da personalidade no desenvolvimento
do comportamento violento.
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Considerou-se que a promoção de estudos
que busquem a relação entre a formação
da personalidade e o desenvolvimento do
comportamento violento contribuirão para
futuros trabalhos preventivos que promovam
saúde a partir de um processo socioeducativo de
prevenção do comportamento social violento.
De acordo com o Mapa da Violência no Rio de
Janeiro, divulgado pelo Instituto Sangari (2011), a
taxa de homicídios no Estado do Rio de Janeiro, de
1980 a 2010, manteve-se em torno de 26,1%, com
um aumento de percentual até 65,9% na década
de 90. Observa-se que o número de homicídios
diminuiu significativamente do final do século XX
para o início do século XXI, porém há outros tipos
de violência que se mantêm em nossa sociedade
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e que por muitas vezes são desqualificados como
tal, como a violência social, racial, de gênero, de
poder, abuso sexual, ambiental e outras. Sendo
assim, o presente estudo torna-se relevante para
um futuro trabalho preventivo no que tange ao
controle do comportamento violento.
Até o final do século passado, as preocupações
de estudiosos e profissionais de saúde estavam
focadas nas vítimas, porém nesse momento as
pesquisas têm buscado compreender o perfil do
agressor para que propostas preventivas possam ser
implementadas no contexto da violência e saúde.
Ao dirigir o olhar para o comportamento
violento, notou-se que analisar o processo
de formação da personalidade humana,
levantando questões sobre que fatores
intrapsíquicos e sociais interferem na produção
do comportamento violento, seria um caminho
para o desenvolvimento de teses explicativas
fundamentadas na construção do sujeito.
2 A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE
Há um número significativo de teorias
que explicam o processo de formação da
personalidade. Para desenvolvimento desse
trabalho, será apresentada inicialmente a
teoria social da construção da realidade de
Luckman e Berger e, posteriormente, a teoria do
desenvolvimento psicossexual da personalidade
de Freud.
2.1 Leitura sociológica
A análise dos fatores hereditários e ambientais
conduz à conclusão de que a hereditariedade não
atua ou influencia isoladamente o processo de
desenvolvimento das características individuais.
Há uma contínua interação entre hereditariedade
e meio. Sem a hereditariedade não surgiriam as
características individuais e do próprio indivíduo.
A hereditariedade é um ingrediente básico, mas
sem o meio este fator não se desenvolve.
De acordo com a teoria da Construção
Social da Realidade, Luckman e Berger (2000)
observaram que o ser humano é um animal
que nasce biologicamente imaturo, pois o
seu desenvolvimento ontogenético "desde o
nascimento até a maturação para reprodução" é
o mais longo de todos os mamíferos. Dessa forma,
o organismo humano ainda está em crescimento
quando se encontra já em relação com seu meio
ambiente, o que faz pensar na influência do meio
na formação do sujeito. Além do meio natural,
o meio ambiente é composto por outros seres
vivos, sobretudo humanos, inseridos num mesmo
contexto sociocultural, e o contato com eles faz
com que o indivíduo se forme em um ambiente
com uma ordem social e cultural específica.
O fato de o desenvolvimento humano
acontecer juntamente às determinações
socioculturais ajuda a compreender porque
há tantas variações no tornar-se humano. A
documentação etnológica referente à sexualidade
ilustra tais variações, visto que as pessoas
relacionam-se de acordo com os costumes sexuais
próprios de cada cultura. Embora os impulsos
sexuais sejam iguais, a escolha do objeto para
relacionar-se, os ritmos temporais das relações e
as fantasias sexuais estão de acordo com o meio
em que o indivíduo está incluído. Nota-se, assim,
que o ser humano tem uma natureza flexível e
suscetível às influências sociais. Seus impulsos,
inicialmente, são desprovidos de especialização e
direção. A socialização terá significativa influência
na direção e especialização dos impulsos do ser
humano, levando a concluir que o homem é, em
parte, produto de experiências socioculturais.
Luckman e Berger (2000) ressaltam que, ao
passar por um processo de socialização, o ser
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humano inicia a formação do eu. Embora a origem
do eu esteja no nascimento biológico, o eu,
enquanto uma identidade reconhecida, é formado
por processos sociais de uma determinada
cultura e, também, por aspectos psicológicos que
complementam esta configuração. Assim, não
se deve compreender um ser sem conhecer sua
biografia e o contexto social em que foi formado
(LUCKMAN; BERGER, 2000).
Para os autores, a socialização inicia-se com
a criação de hábitos, inerentes à cultura, que
dirigem os impulsos do homem biológico. Formamse, assim, pessoas com condutas diferentes,
características das culturas a que pertencem. Ao
haver o encontro de dois indivíduos oriundos de
diferentes culturas, observa-se que as condutas
habituais, desempenhadas por um, levam o
outro a observá-las e imitá-las. Desta forma, há
uma tipificação recíproca de conduta, pois cada
indivíduo tem seu comportamento específico, que
serve de modelo para o outro, além de tornar-se
conhecido por este. Inicia-se a institucionalização,
existindo assim uma rotina habitual e certa, em
que cada um é capaz de predizer as ações do outro.
As atitudes pessoais não são mais fontes de
observação e atenção, elas passam a ser naturais
e, ao nível de rotina, criam espaço para inovações,
construindo, assim, o mundo social, no qual as
pessoas interagem e atuam separadamente, uma
interação que promove reciprocidade. Supondose a entrada de uma terceira pessoa nessa
interação, ela receberá a comunicação original. Os
hábitos e tipificações dos dois primeiros passam a
ser instituições históricas, pois já são existentes;
são experimentados como realidades próprias
e são recebidos como algo exterior e coercitivo,
sendo assim qualificados como realidade objetiva.
O mundo objetivo é cristalizado no momento da
transmissão e não pode mais ser modificado com
facilidade pelos membros do grupo institucional.
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Ao tomar como exemplo a instituição familiar,
observa-se que os pais interagem construindo
uma realidade, configurando um mundo, que
os filhos, ao nascerem, recebem pronto. Para os
filhos, este é o mundo, e não um mundo entre
outros, e, como não participaram da formação
dele, é uma realidade objetiva, tal como a
natureza. Apenas desta maneira, como mundo
objetivo, é transmitido para outras gerações.
O mundo institucional transmitido pelos pais
tem o caráter de realidade histórica e objetiva,
porque já existia antes de o indivíduo nascer e
continuará existindo.
As tipificações de condutas são construídas
no curso de uma história e esta, por sua vez,
é constituída com tipificações. Tem-se, assim,
uma interação da tipificação de condutas com
o processo de institucionalização. Para que
se compreenda a instituição, é necessário
compreender a construção de sua história. A
conduta do homem é produto da instituição em
que ele vive e, ao mesmo tempo, esta controla o
seu comportamento por meio do estabelecimento
de padrões de conduta.
Luckman e Berger (2000) concluem que a
biografia do indivíduo é um episódio vivido
dentro da história objetiva da sociedade. O sujeito
está incluído nas instituições que existem e que
funcionam como realidade exterior, tendo poder
coercitivo sobre ele por meio do controle social.
Para que o mundo institucional seja
reconhecido, ele tem de ser explicado e
justificado, e isto é feito por meio da linguagem,
que leva o indivíduo ao conhecimento das
normas institucionais. Pelo conhecimento teórico
das instituições, ele consegue explicar seu
funcionamento, porém, é imprescindível que haja
o conhecimento pré-teórico, ou seja, conjunto
de tudo aquilo que todos sabem: princípios
morais, crenças, mitos, provérbios, valores etc.
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Nesse nível, as regras são pré-estabelecidas
e conhecidas, como uma receita, fornecendo
condutas aceitáveis institucionalmente. Como
o conhecimento pré-teórico é um corpo de
verdades válidas sobre a realidade, o que nele
não se enquadrar é considerado como desvio
da ordem institucional, tomando caráter de
afastamento da realidade. Este desvio deve ser
encarado como transtorno mental, depravação
moral ou ignorância.
A realidade social transmitida pelos outros
é apreendida como realidade objetiva durante
a socialização. Posteriormente, o indivíduo
interiorizará este conhecimento como verdade, ou
seja, o subjetivará. A interiorização terá o poder
de configurar um tipo X de pessoa num grupo
social com identidade e biografia específicas.
Tais informações são sedimentadas e retidas na
consciência do sujeito e são suscetíveis de serem
lembradas, devendo, assim, o indivíduo dar
sentido à sua biografia.
Criando um contraponto às teorias
sociológicas, temos a teoria psicanalítica, em que
o desenvolvimento fisiológico tem fundamental
importância no desenvolvimento psicológico de
um indivíduo.
2.2 Leitura psicossexual
Freud tinha como base da sua teoria que
nada existe ao acaso, há uma causa para todo
tipo de pensamento, ideia similar à da ação e da
reação. Todo pensamento é fruto de uma ação
anterior, nenhum pensamento surge sem haver um
processo motivacional. Tanto o consciente quanto o
inconsciente levam à elaboração e desenvolvimento
de um determinado processo mental e
comportamento (FADIMAN; FRAGER, 1980).
Para Freud (1980a), todos os pensamentos,
emoções, ações, ideias têm uma causa, nada
acontece ao acaso e de modo indeterminado.
Os impulsos insatisfeitos e os provenientes do
inconsciente causam a maioria dos determinados
eventos psicológicos.
A personalidade humana é dividida em três
grandes superestruturas, que compreendem
os seguintes complexos psicológicos: Ego, Id e
Superego. O Ego é a parte da personalidade que
toma as decisões a respeito de quais impulsos
do Id deverão ser satisfeitos e de que modo. O
Id é a parte inicial da personalidade, é a partir
dela que o Ego e o Superego se desenvolvem, ele
é responsável pela concretização dos impulsos
biológicos mais básicos inerentes à pessoa
humana. Por outro lado, o Superego é a parte
cognitiva da personalidade que está encarregada
de julgar e distinguir o que é certo e o que está
errado; de uma maneira geral, ele é a reprodução
dos valores e costumes internalizados pelo
indivíduo (FREUD, 1980b).
Freud (1980a), em Três Ensaios sobre
a Sexualidade, descreve os estágios de
desenvolvimento que ocorrem durante os
primeiros cinco anos de vida humana. Os diferentes
estágios fisiológicos do desenvolvimento
influem na dinâmica do desenvolvimento da
personalidade. Assim, ele desenvolve uma teoria
fundamentada no desenvolvimento psicossexual.
Essas fases são determinadas pelo fato de que
os impulsos provenientes do Id, os quais se
encontram em processo de busca do prazer
sexual, concentram-se em determinadas áreas do
corpo humano e em contínua atividade.
A primeira fase do desenvolvimento
psicossexual é a fase oral. Nela, os bebês obtêm
prazer pela boca, situação principalmente
observável durante a sensação de prazer deles
durante os atos de amamentação e sucção;
assim os bebês passam a levar outros objetos à
boca, a fim de obter prazer. No segundo ano de
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vida, ocorre uma fase denominada fase anal, na
qual a região anal é a fonte principal de prazer,
principalmente no instante em que as crianças
retêm e/ou expelem fezes, no entanto, nessa fase
ocorre um conflito, em que os agentes são os
pais e buscam impor aos filhos ou tutelados uma
educação sanitária adequada.
Na próxima fase, denominada por Freud como
fálica, as crianças sentem prazer na genitália. Elas
observam as diferenças entre os sexos, ao ponto
de dirigir seus impulsos sexuais ao genitor de sexo
oposto, momento chamado de Fase Edipiana.
Nessa fase, a criança dirige o seu desejo à figura
parental do sexo oposto e deseja eliminar a
figura parental do mesmo sexo. Se resolver a fase
edipiana, a criança percebe as normas sociais,
abre mão de seu desejo e vai em busca de um
objeto no meio social. Se bem resolvido, observase a instalação do Superego.
Para pontuar o conflito vivido pela criança em
relação a seus pais no que se refere à passagem
de uma relação dual entre mãe e filho à estrutura
triangular mãe, filho e pai, este último aparecendo
para interditar a fusão inicial dos outros dois
protagonistas, Freud formula o Complexo de
Édipo. Nesse sentido, o Complexo de Édipo não
deve ser pensado dissociado do complexo de
castração, por sua vertente interdita, que faz com
que haja um limite à relação dual, limite este
dado pela Lei Simbólica, a lei do pai, que remete
à lei de interdição do incesto. É a resolução desse
complexo que permitirá a inserção do sujeito no
mundo social, aceitando regras e reprimindo os
impulsos sexuais e agressivos.
No Complexo de Édipo, a criança tem a
atenção dirigida para o seu progenitor do sexo
oposto e a instalação do superego se concretiza,
pois as leis e normas de convívio social, em um
desenvolvimento normal, são adquiridas nesse
momento. Pode-se dar como exemplo o caso
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do menino: no desenvolvimento psicossexual,
analisa-se a entrada do pai como terceiro na
relação mãe-filho, o que faz com que o menino
veja o pai como rival e dirija a ele sua agressividade
e desejos inconscientes de morte. Porém, devido
ao medo da castração, o menino passa a ter uma
identificação com o pai, fazendo com que ocorra
a resolução do Complexo de Édipo e o surgimento
da possibilidade de estabelecer novas escolhas
objetais, de acordo com a posição por ele tomada.
Nesse momento, em que o menino aceita as regras
de relacionamento social e suprime seus desejos
pela mãe em troca da inserção no mundo social,
pode-se dizer que há a estruturação do Superego,
o que permite ao sujeito reprimir os impulsos
agressivos e sexuais de forma desordenada
na sociedade, dando-lhes diferentes direções,
propiciando assim o convívio social de formas
variadas (FREUD, 1980a).
Dessa forma, entende-se que na infância há
uma parte de moções sexuais perversas (associais)
que com a ajuda das normas e regras sociais se
mantêm sob controle. Porém, há uma parte
dessas moções que se expressam em atividades
sexuais, excitações. As excitações da criança
buscam certo prazer e satisfazem-se quando
o alcançam. A intensidade e direção dessas
satisfações propiciaram o desenvolvimento de
diferentes perfis de personalidade.
Freud relata que há fatores hereditários e
constitucionais que criam uma disposição originária
para formação da personalidade. Porém define
que outros fatores, que chama de elaboração
ulterior, decidem a sua constituição. Quando as
excitações infantis são mantidas sem controle e
reforçadas no amadurecimento, o desfecho é o
desenvolvimento de uma personalidade perversa.
Quando no curso do desenvolvimento alguns
desses componentes passam pelo recalcamento,
as excitações continuam a ser produzidas, mas são
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impedidas por um obstáculo de atingir seu alvo
e são dispersas por outros caminhos, tomando
assim a personalidade o caminho da neurose. O
terceiro fator que define a personalidade seria
a sublimação, em que as excitações encontram
escoamento em outros campos, aqui tem-se os
religiosos, os artistas e outros.
Em síntese, aquilo que se chama caráter, para
Freud, constroi-se a partir das excitações sexuais,
fixações desde a infância, de sublimações e de
outras construções destinadas a frear as moções
perversas da infância.
O autor entende que os fatores constitucionais
e vivenciais têm um relacionamento de
cooperação na constituição do sujeito e não
de exclusão. O fator constitucional aguarda
experiências que o ponham em vigor, o vivencial
apoia-se no constitucional.
Para Freud, qualquer trauma vivido em alguma
dessas fases ocasionaria o surgimento de um
posterior distúrbio de personalidade por um
processo de fixação (FREUD, 1980a), que será
relacionado a seguir com o processo de violência
na atualidade, juntamente com análise de fatores
sociais que possivelmente desencadeiam os
comportamentos sociais agressivos.
3 O COMPORTAMENTO VIOLENTO
Bock (2003) relata que, para entender a
personalidade violenta, precisa-se antes entender
a diferença entre violência e agressividade. A
agressividade é um impulso, natural do ser
humano, que se volta para fora do próprio
indivíduo (heteroagressão) ou para dentro dele
(autoagressão), e sempre fará parte da constituição
do indivíduo, fazendo parte do binômio amor/
ódio, pulsão de vida/pulsão de morte.
A
agressividade manifesta-se de diferentes formas:
pela ironia, por pensamentos e imaginações, pela
omissão de ajuda; ou seja, a agressividade não
se manifesta apenas pela destruição do outro,
humilhação ou constrangimento, isto é, pela ação
física ou verbal. Essa agressividade é comum ao
ser humano e a educação e os mecanismos da lei
buscam a subordinação e o seu controle.
A Psicanálise afirma que a cultura e a vida
social visam produzir o controle desses impulsos
inerentes ao ser humano. O controle acontece
por meio de vínculos significativos que o indivíduo
estabelece com os outros pelo processo de
socialização, em que ele interioriza os controles.
Para esse indivíduo, o controle é interno e não precisa
mais de controle externo para o que ele aprendeu
a reprimir. Mas, em todo grupo social, há controle
externo para controlar e/ou punir os comportamentos
agressivos não valorizados pelo grupo.
A sociedade também tem outros mecanismos
de controle, que são a ordem jurídica às leis. Se
a sociedade cria mecanismos para controle da
agressividade, precisa-se analisar porque a violência
vem se constituindo como um comportamento tão
presente nas relações humanas.
A violência é o uso desejado da agressividade
com fins destrutivos. Ela é planejada, racional e
se constitui em uma relação assimétrica, em que
um indivíduo tem o poder sobre a outra que está
subjugada. Quanto à consequência da violência,
observa-se que há sempre um prejuízo físico,
social ou psicológico para a vítima (BOCK, 2008).
Costa (2003, p. 76) entende violência como
uma situação em que "o indivíduo foi submetido
a uma coerção e a um desprazer, absolutamente,
desnecessários ao crescimento, ao desenvolvimento
e ao seu bem estar físico, psíquico e social".
Ressalta-se que os impulsos agressivos não
são os únicos determinantes do comportamento
violento, há múltiplos fatores que determinam
a violência, pode-se dizer assim que a violência
é multideterminada por fatores históricos,
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econômicos, sociais, culturais, demográficos,
psicológicos e outros. Esses fatores estão
combinados e imbricados com outros fatores.
Sendo assim, é necessário analisar as peculiaridades
de cada caso em que o comportamento violento se
manifesta (COSTA, 2003).
No século XXI, destaca-se como determinante
da violência a desigualdade social na distribuição
de renda e de direitos sociais (BOCK, 2008).
Hobsbawn (apud BOCK 2008, p.\331) relata que “a
maior crueldade social é aquela que existe entre
cidadãos de um mesmo país, que, por sua origem
social, já têm seu destino traçado”. Pessoas de uma
condição social mais baixa não podem consumir
o mesmo que pessoas de outra condição. Os
adolescentes, por características próprias dessa fase
do desenvolvimento humano, são os que menos se
conformam com isso, por verem passar por seus
olhos o que é ícone de sua identidade e não poder
consumir leva-os a buscar "muitas vezes de forma
ilícita" aquilo que insistentemente a mídia mostra
que é importante possuir para ter valor social.
Outro fator considerado relevante para determinar
o comportamento violento é a deterioração dos
valores éticos como a dignidade, a justiça e a
solidariedade. Na atualidade, devido ao avanço da
tecnologia, da mídia e da globalização, cada vez mais
obtêm-se informações de que a organização social
estimula, legitima e mantém diferentes modalidades
de violência. Assim, observam-se na guerra, no
combate ao inimigo político ou religioso, na pena
de morte, na redução da idade penal como solução
para redução do envolvimento do adolescente com o
crime (BOCK, 2008).
O aumento do tráfico de drogas, de armas e
de seres humanos, que afeta a vida de milhões
de pessoas, mas também cria empregos e
sustentação econômica para essas pessoas e suas
famílias, deve ser considerado mais um fator que
determina a violência (BOCK, 2008).
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dessa forma, avança-se para além da teoria dos
impulsos agressivos de Freud para compreensão da
manifestação da agressividade por meio da violência
e amplia-se o nosso olhar para a influência do social
na formação do eu. A abordagem sociológica mostra
que fatores sociais são significativos na formação do
eu social, e comportamentos do mundo objetivo
observados são subjetivados durante o período de
socialização primária.
Destaca-se que a violência não é expressa
apenas na criminalidade, mas também na guerra,
no preconceito, na destruição do meio ambiente,
na corrupção e na fome, dentre outras formas de
expressão. Os impulsos agressivos dirigidos ao
meio, heteroagressão, demonstram ser fatores
relevantes para se compreender o comportamento
violento do homem. Ao buscar a compreensão
do comportamento violento por meio de uma
aproximação da leitura sociológica com a leitura
psicossexual, pode-se dizer que a violência é
decorrente de uma formação psíquica em que há
uma falha na estruturação do Superego, dificultando
assim a repressão dos impulsos agressivos e sexuais
oriundos do Id. Acresça-se o favorecimento social
do comportamento violento, considerando o olhar
da teoria sociológica, em que a violência é inerente
à nossa cultura e é institucionalizada a partir de
tipificações do comportamento.
Outro fator relevante, corroborando o
pensamento de Bock (2008), é dizer que a violência
está presente em lugares que, a princípio, seria
para nos proteger delas, como a escola, a igreja, a
família, abrigos, além de instituições que existem
para erradicá-las, tais como polícia e prisões. A
relação circular da sociedade com a violência é um
fator que merece aprofundamento de estudos para
que se pense em estratégias para buscar diminuição
do processo de violência entre humanos.
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REFERÊNCIAS
BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A construção social
da realidade. 19. ed. Petrópolis: Vozes, 2000.
BOCK, A. M. Psicologias: uma introdução aos
estudos da psicologia. 14. ed. São Paulo: Saraiva,
2008.
COSTA, J. F. Violência e psicanálise. São Paulo:
Graal, 2003.
FADIMAN, J.; FRAGER, R. Teorias da
personalidade. São Paulo: Habra, 1980.
FREUD, S. Três ensaios sobre a sexualidade. Rio
de Janeiro: Imago, 1980a. (Coleção de Obras
Completas de Sigmund Freud, v. 17).
______. O ego e o id. Rio de Janeiro: Imago,
1980b. (Coleção de Obras Completas de Sigmund
Freud, v. 19).
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