A PAISAGEM CULTURAL DA ESTRADA REAL Setor 5 – IDENTIDADES TERRITORIAIS – Eixo Norte Altino Barbosa CALDEIRA, PhD (*) [email protected] João Francisco de ABREU, PhD (*) [email protected] Dr. Sandro LAUDARES (*) [email protected] (*) Professores do programa de Pós-graduação em Geografia / Tratamento da Informação Espacial da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas RESUMO Este trabalho de pesquisa está sendo desenvolvido no Programa de Pós-graduação em Geografia/Tratamento da Informação Espacial, da PUC Minas com o apoio financeiro do FIP/FAPEMIG e trata dos bens que integram o patrimônio cultural do território conhecido como Estrada Real. Nele estão incluídos 169 municípios de Minas Gerais, 8 do Rio de Janeiro e 22 de São Paulo. Estes municípios detêm identidades culturais diversas, constituídas pelos bens naturais existentes neste espaço geográfico e pelos bens materiais e imateriais resultantes das atividades de apropriação deste território. O trabalho tem por objetivo realizar um mapeamento destes bens, na forma de um inventário descritivo, estimulando os diálogos interdisciplinares fundamentais na abordagem cultural da Geografia. Foi constituído um banco de dados com imagens, textos, fotografias, desenhos e mapas dos itens pesquisados, a ser disponibilizado na internet, visando fortalecer, proteger e difundir a diversidade das manifestações culturais dos grupos e das comunidades deste território, em suas múltiplas dimensões. Palavras-chave: Geografia Cultural, Paisagem, Estrada Real, Mapeamento Interativo. 1. INTRODUÇÃO O presente artigo visa analisar e descrever, sob a perspectiva da Geografia Cultural, a paisagem do território constituído pelos municípios que fazem parte da Estrada Real. Enfocada sob o ângulo da Geografia, a paisagem constitui tema central para compreender os diferentes aspectos da organização espacial (MACHADO, 2012). De acordo com DELPHIM (2008) a percepção da paisagem é um campo complexo no qual confluem e interferem diversificadas disciplinas e processos imateriais de conhecimento, experiências, atitudes e expectativas pessoais, culturais e mesmo genéticas. Processos imateriais de valorização, as atitudes, experiências e expectativas de seus fruidores interferem igualmente no conceito de paisagem. Esta pesquisa se baseia na percepção da paisagem, com foco nos aspectos físicos naturais e nas transformações ali ocorridas em função das atividades humanas. Em razão da variedade de formas agenciadas pela Natureza, dos inúmeros artefatos construídos pelos grupos humanos e das práticas e manifestações sociais que acontecem nos ambientes humanizados, optamos por dedicar o estudo da paisagem na Estrada Real, aos valores culturais que sobressaem neste território. Considerada até muito recentemente como um conceito subjetivo, a percepção da paisagem é um campo complexo no qual confluem e interferem diversificadas disciplinas e processos imateriais de conhecimento, experiências, atitudes e expectativas pessoais, culturais e mesmo genéticas. Processos imateriais de valorização, as atitudes, experiências e expectativas de seus fruidores interferem igualmente no conceito de paisagem. Segundo Claval (2002), o objetivo da abordagem cultural é entender a experiência dos homens no meio ambiente e social, compreender a significação que estes impõem ao meio ambiente e o sentido dado ás suas vidas. Buscou-se, portanto, apresentar informações que possam subsidiar o acesso às fontes da cultura deste território, considerando–se como cultura aquilo que se manifesta nas relações do ser humano com o seu ambiente, as experiências individuais e coletivas de cada povo e o produto desta experiência. Assim sendo, buscou-se localizar sítios naturais, lugares e manifestações culturais cuja identidade possui relevância como parte da identidade dos grupos sociais. No contexto do nosso projeto o termo Paisagem Cultural irá desempenhar um papel importantíssimo, pois ela demonstra como se estabelece a relação entre uma sociedade e o seu espaço de convivência. A paisagem cultural se manifesta de acordo com hábitos e costumes diversos, que lhes dão um caráter diferenciado, uma identidade que se expressa no modo de ser e fazer as coisas, na sua linguagem, no seu modo de perceber e interpretar o mundo à sua volta. De acordo com a afirmação de Edgar Morin (2000) deve-se contextualizar cada acontecimento, tendo em vista que nada ocorre separadamente. Considerando-se que as atividades econômicas desenvolvidas pelas diversas comunidades tornam-se sua cultura de raiz, de subsistência, e que o conjunto destas atividades se reforçam e se preservam, aprimorando-se na vida coletiva, elas acabam por se transformar na base das interações sociais. Desse modo o conceito de cultura se estende ao conjunto das manifestações que ocorrem em todos os aspectos da vida, passando a ser considerada como o patrimônio de uma coletividade. Associando patrimônio e cultura, podemos dizer, de acordo com a Carta de Caracas, de 1992, que "O Patrimônio Cultural de uma nação, de uma região ou de uma comunidade é composto de todas as expressões materiais e espirituais que lhe constituem, incluindo o meio ambiente natural" (CURY, 2004). Por outro lado, sabemos que os ambientes naturais onde o ser humano se instala apresentam diferentes paisagens, que se diferenciam de um lugar para outro de acordo com a sua posição geográfica e que cada qual possui características físicas que os distinguem de algum modo. Os grupos sociais são, portanto, herdeiros de patrimônio cultural constituído de valores materiais e imateriais que fazem parte processo de construção de cada indivíduo e do ser coletivo a que pertencem e que se encontram relacionados ao patrimônio natural. Para Caetano e Bezzi (2011), a paisagem intocada pelo homem é formada, apenas, pelos elementos naturais e passa a receber a “marca” humana quando os grupos sociais desenvolvem técnicas que alteram este meio natural. É importante resgatar que a paisagem tem-se constituído, ao longo da história do pensamento geográfico, em uma das características analíticas para a interpretação espacial. Estudos antropológicos e genéticos constatam que os nossos ancestrais imprimiram marcas nosso comportamento, assim como os locais onde vivemos, o que se revela nos modos de ser e fazer nossas atividades. Existe, portanto, intercâmbio entre o lugar e o indivíduo, que o faz, de algum modo, ser como é. Por outro lado, a Natureza do lugar, sua posição no planeta, seu clima, seu relevo e os outros aspectos do ambiente, participam da construção de uma cultura coletiva. Segundo Kovalczuk et al (2013) a ciência geográfica tem ampliado significativamente seus estudos em campos de abrangência que incluem, não apenas o aspecto físico do espaço, mas também as relações sociais, econômicas, políticas, históricas e culturais que neles ocorrem. Ressalta que a preservação de aspectos simbólicos de âmbito político, econômico, cultural e ambiental confere benefícios aos grupos sociais pertencentes e inseridos em determinado território (KOVALCZUK et al, 2013). Para promover o conhecimento do território da Estrada Real, em suas mais variadas manifestações, realizamos o levantamento dos sítios durante vários trabalhos de campo, buscando reconhecer o que é significativo para estas comunidades (Fig. 1). Fig. 1 – Exemplo de mapa dos municípios e distritos visitados (BARROS, L.C. e MILAGRES, F.C. 2007). 1. A ESTRADA REAL O conjunto de municipios da Estrada Real corresponde a cerca de 73.000 km2 e abriga uma paisagem constituída de relevos diferenciados, que se traduzem em diversos fatores climáticos, geológicos, geomorfológicos, hidrológicos, históricos, entre outros, capazes de serem apropriados de maneiras variadas em termos de uso da terra e do espaço. Os caminhos que conformam o percurso da Estrada Real foram criados no século XVII pela Coroa Portuguesa, com o objetivo de controlar e fiscalizar a circulação das riquezas e mercadorias que transitavam entre Minas, onde se minerava ouro e diamante, o Rio de Janeiro, onde se situava o porto pelo qual essas riquezas eram enviadas por navio a Portugal e São Paulo, de onde vieram os desbravadores bandeirantes em busca do ouro e dos diamantes. O trecho mais antigo, conhecido com Caminho Velho, corresponde hoje a cerca de 550 km. Liga Ouro Preto, antiga Vila Rica, a Paraty, no Estado do Rio de Janeiro, passando pelos atuais municípios paulistas de Aparecida, Arapeí, Areias, Bananal, Cachoeira Paulista, Canas, Cruzeiro, Cunha, Guaratinguetá, Lagoinha, Lavrinhas, Lorena, Pindamonhangaba, Piquete, Potim, Queluz, Roseira, São Luis do Piraitinga, São José do Barreiro, Silveiras, Taubaté e Tremembé. O banco de dados deste projeto reuniu 42 bens culturais, nestes municípios, entre naturais, materiais e imateriais. A área de proteção ambiental da Serra do Mar e a Serra da Bocaina encontram-se neste trecho, assim como fazendas históricas, igrejas, sobrados, estações de ferro, cemitérios, Casas de Câmara e Cadeia, escolas, etc., entre outros bens de interesse cultural. O Caminho dos Diamantes, que liga Ouro Preto à Diamantina, possui uma extensão de 384 km e o trecho da via principal acompanha os desníveis da Serra do Espinhaço, entre antigas vilas e povoados que surgiram com o ciclo do ouro e na rota dos diamantes, hoje transformadas em cidades. Neste trecho encontram-se os municípios de Acaiaca, Alvinópolis, Alvorada de Minas, Barão de Cocais, Barra Longa, Bela Vista de Minas, Bom Jesus do Amparo, Carmésia, Catas Altas, Conceição do mato Dentro, Congonhas do Norte, Couto de Magalhães de Minas, Datas, Diamantina, Dom Joaquim, Dores de Guanhães, Felício dos santos, Ferros, Gouveia, Guanhães, Itabira, Itambé do Mato Dentro, Jaboticatubas, João Monlevade, Lagoa Santa, Mariana, Monjolos, Morro do Pilar, Nova União, Ouro Preto, Passabem, Ponte Nova, Presidente Kubitschek, Rio Piracicaba, Sabinópolis, Santa Bárbara, Santa Luzia, Santa Maria de Itabira, Santana de Pirapama, Santana do Riacho, Santo Antônio do Itambé, Santo Antonio do Rio abaixo, Santo Hipólito, São Gonçalo do Rio Abaixo, São Gonçalo do Rio Preto, São Sebastião do Rio Preto, Senhora do Porto, Serra Azul de Minas, Serro e Taquaraçu de Minas. Andrade (2007) avalia o valor cultural da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, localizada no eixo deste território, identificando seu importante repositório de material genético, com consideráveis porções de flora e fauna. Sob o aspecto da diversidade biológica, a Serra do Espinhaço (Fig. 2), situada no território da Estrada Real, é considerada uma das mais ricas do mundo por sua importância geomorfológica, biológica e histórica. Fig. 2 - Serra do Espinhaço, no município de Santo Antônio do Itambé – MG (desenho: CALDEIRA, A. B. 2007). A Estrada Real perdeu a sua função original, mas, nos dias de hoje, existe um grande interesse por sua recuperação e utilização turística. O trecho conhecido como Caminho Novo, que liga Ouro Preto ao Rio de Janeiro, possui 403 km e uma variedade de práticas e manifestações sociais derivadas das experiências do passado que ainda se manifestam nos “modos de ser e fazer” que caracterizam os bens imateriais dos municípios e seus distritos, reflexo dos processos e das relações entre as sociedades e o ambiente em que vivem os grupos humanos, numa relação direta entre a posição geográfica do sítio e o surgimento das expressões culturais, materiais e imateriais, que se desenvolvem naquele território. Isto confirma o forte caráter interdisciplinar desta pesquisa, provenientes do olhar antropogeográfico que deu origem à sistematização da Geografia moderna por Ratzel, ao final do século 19, e aos conceitos de Ratzel e Vidal de La Blache, que se dedicaram ao estudo dessas relações, por meio de um diálogo mais profundo da Geografia com as Ciências Humanas. Desse modo se podem explicar os motivos e origens das diferentes formas de ocupação do espaço, mesmo quando se assemelham os desafios impostos pelo ambiente físico, como clima, relevo, vegetação, recursos disponíveis, conforme analisa Santos (2000). Os municípios do Rio de Janeiro que se encontram no trecho do Caminho Novo da Estrada Real são: Areal, Comendador Levy Gasparian, Magé, Paraíba do Sul, Paraty, Petrópolis, Rio de Janeiro e Três Rios. Neste trecho destacam-se os picos da Serra dos Órgãos, agenciados de forma admirável pela Natureza. Sob este aspecto, este trabalho pretende incorporar à pesquisa geográfica o conhecimento sobre o patrimônio natural, material e imaterial de 199 municípios adjacentes ao longo deste território, cobrindo uma área constituída de paisagens distintas. De acordo com Almeida (1993), a característica fundamental da paisagem cultural é a ocorrência, em uma fração territorial, do convívio singular entre a natureza, os espaços construídos e ocupados, os modos de produção e as atividades culturais e sociais, numa relação complementar entre si. Por este enfoque, o meio ambiente transformado pelo ser humano, que revelam os seus modos de vida, tornou-se o grande interesse desta pesquisa, que procura abordar a cultura como objeto de estudo, por meio de fronteiras disciplinares comuns, que conforme Melo (2005), envolvem diversos campos do saber, como a antropologia, arqueologia, arquitetura, ecologia, história, sociologia, etc. Considerando os três caminhos principais da Estrada Real, o Caminho dos Diamantes, o Caminho Velho e o Caminho Novo, foram georreferenciados e analisados os bens situados nas áreas dos distritos-sedes e nas zonas rurais, na expectativa de mapeá-los, enfocando as diferentes expressões, percepções e representações sobre o espaço (Fig. 3). O trabalho apresentado pretende reunir, por meio do tratamento da informação espacial, um conjunto de dados que permite a interatividade entre as informações. Isto possibilitará ao usuário-navegador participar, no ambiente dos sistemas de informações geográficas, do conhecimento das diversas expressões do seu patrimônio cultural. Fig. 3 – Representação espacial do distrito de Biribiri, situado no Município de Diamantina – MG (Desenho: MUTABILE Arquitetura e Design, 2013) 2. O MAPEAMENTO INTERATIVO Para Delphim (2008), a Estrada Real reúne, resulta e reflete movimentos interativos de pessoas e de intercâmbios multidimensionais, contínuos e recíprocos. Segundo ele os diferentes sítios naturais e assentamentos humanos instalaram-se pelos desníveis dos terrenos, de forma análoga a uma bacia hidrográfica, gerando uma bacia cultural, uma rede cuja medula espinhal é o cordão representado pela estrada, ramificando-se pelas áreas mais altas e mais baixas do território no qual se insere, e incluindo tudo aquilo que ali existe de representativo, sob o ponto de vista lato senso de patrimônio cultural, conforme definido pena Constituição Federal de 1988. De acordo com a Constituição Federal, em vigor, constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico ( BRASIL,1988). Salazar (2012) entende que a Geografia, ao longo de sua trajetória, tem contribuído para desvendar a realidade e que, tanto a pesquisa quantitativa quanto a qualitativa têm sido importantes recursos para esta análise. Sob este aspecto, o território da Estrada Real será documentado por meio de seus caminhos, que será dividido por municípios incluindo os seus distritos, e neles, serão destacados os bens culturais considerados protegidos pelos órgãos responsáveis pela preservação do patrimônio cultural brasileiro, tanto em nível federal, como o IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, bem como, os órgãos estaduais responsáveis pela organização e proteção destes bens, tais como o IEPHA em Minas Gerais, o INEPAC no Rio de Janeiro e o CONDEPHAAT em São Paulo. Foram estabelecidos que os dados a ser objeto de análise por meio de visita a campo, onde serão avaliados os aspectos de localização, conformação morfológica, descrição de suas condições naturais, matérias e imateriais associadas aos valores culturais a eles atribuídos. Estes dados serão apresentados no formato de mapas digitais interativos, onde as informações sobre os itens destacados poderão ser acessados via Internet. Foram feitos trabalhos de campo em todos os municípios, tendo sido percorridos mais de vinte mil quilômetros de estradas. De acordo com Silva (2016) as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC), utilizando-se de redes de telecomunicações de alta capacidade, alteram as relações espaciais entre lugares, as cidades e seus espaços produtivos e ampliam possibilidades de trocas e fluxos de informação e conhecimento. Para ele, a universalização do acesso à Internet como instrumento, não apenas de inclusão digital, mas também de desenvolvimento econômico, social e cultural, tornou-se um tema de alta relevância em todo o mundo. Para este projeto criou-se um Portal Interativo que foi desenvolvido sobre arquitetura padrão de cliente/servidor utilizado usualmente para criação de portais para internet. A tecnologia utilizada foi Asp.net MVC com recursos de WEB API e banco de dados MySql, que se comunicam utilizando Entity Framework em sua versão 6.0. O desenvolvimento no lado do servidor foi todo baseado na linguagem C Sharp (C#) e no lado cliente em JQuery (javascript). Como frontend, foram utilizados recursos do framework Bootstrap para apresentação e também a API padrão do Google Maps. O modelo de dados criado baseou-se nas informações já existentes do projeto disponíveis em padrão XML e Excel (CSV). Foi criado um programa que carregou todas estas informações de forma categorizada e as persistiu na base de dados. O resultado deste processamento inicial foram cerca de 600 bens de 42 tipos distintos distribuídos em 199 municípios dos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Além de todas estas informações, foram catalogadas também cerca de 4480 imagens. Para manipulação de todas estas informações foi criado, também, um site administrativo protegido por login/senha onde os administradores do projeto podem criar, editar e excluir qualquer informação, de acordo com a necessidade. Por fim, o Portal Interativo utiliza o que há de mais atual em usabilidade para apresentar todas as informações catalogadas na base de dados em camadas e pontos sobrepostos sobre o mapa padrão do Google, oferecendo opções de filtros cuidadosamente criados para facilitar ao máximo a localização da informação desejada. Além disso, o Portal Interativo ainda armazena as informações recentemente acessadas pelo usuário e possibilita a criação de rotas de acesso de qualquer lugar do país para qualquer lugar da Estrada Real onde se encontra o objeto de interesse. Entre os mapas possíveis de serem visualizados estão incluídos os sítios arqueológicos, as grutas e cavernas, a hidrografia, assim como os parques estaduais e nacionais existentes nos 1300 km de extensão da Estrada Real. Um levantamento sobre os sítios arqueológicos existentes e suas condições de preservação pretende colocar em discussão os resultados encontrados. A localização geográfica e descritiva de cada um deles facilitará o reconhecimento e sua identificação pelos usuários do site. Serão ainda, disponibilizados mapas referentes à localização e informações sobre as comunidades tradicionais que incluem Quilombos, Terras Indígenas, Comunidades Rurais e Ribeirinhas. Os quilombos identificados situam-se em 26 municípios de Minas Gerais e 5 no Estado do Rio de Janeiro entre os quais, Alagoa, Alvorada de Minas, Antonio Carlos, Barbacena, Belo Vale, Bias Fortes, Bom Jesus do Amparo, Caeté, Conceição do Mato Dentro, Diamantina, Dom Joaquim, Dores de Guanhães, Ferros, Gouveia, Itabira, Jaboticatubas, Jeceaba, Mariana, Moeda, Monjolos, Nazareno, Ouro Branco, Ouro Preto, Passa Tempo, Piranga, Ponte Nova, Resende Costa Ressaquinha, Rio Espera, Rio Piracicaba, rio Pomba, Sabinópolis, Santa Bárbara, Santa Luzia, Santa Maria de Itabira, Santana do Riacho, Santo Antonio do Itambé, Santos Dumont, São Gonçalo do rio Abaixo, Senhora do Porto e Serro, em Minas Gerais. No Estado do Rio de Janeiro as comunidades Quilombolas encontram-se nos municípios de Areal, Magé, Paraty, Petrópolis e Rio de Janeiro. As comunidades indígenas evidenciadas neste estudo foram obtidas por meio de dados fornecidos pela FUNAI. Os registros de quilombos existentes no contexto da pesquisa estão sendo objeto de análise, visando responder às indagações recorrentes do processo investigativo. O objetivo é realizar um diagnóstico ambiental da situação das comunidades quilombolas existente nos municípios da Estrada Real, já tendo sido localizadas a presença destas comunidades em 42 municípios. Na região do Serro/MG foi realizado, no âmbito do projeto de pesquisa em andamento, um diagnóstico ambiental da situação de preservação permanente de cursos de água e nascentes, pautados pelo levantamento de uso e ocupação do solo de duas comunidades quilombolas no município do Serro/MG. As comunidades indígenas identificadas encontram-se nos municípios de Senhora do Porto e Carmésia, em Minas Gerais os Pataxós e os Krenak. contatos ainda serão feitos para serem anexados ao banco de dados. Os Os assentamentos rurais localizam-se nos municípios de Brumadinho, Mariana e Matias Cardoso, conforme dados obtidos no INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Esta pesquisa busca identificar e avaliar as manifestações culturais existentes nos assentamentos rurais. Até o momento eles foram identificados em apenas quatro municípios: Brumadinho, Diamantina, Mariana e Matias Cardoso. Levantamentos sobre as comunidades rurais e suas atividades, possibilitam esclarecimentos que emanam das inquietações, respondem aos questionamentos sobre os problemas levantados e podem demonstrar a verdade dos fatos, conforme esclarece Pessôa (2012). De acordo com Alves (2015), as mulheres trabalhadoras rurais representam, atualmente, uma importante força de trabalho na produção de alimentos. A documentação já levantada sobre o importante papel da mulher na atividade agrícola, como uma extensão das atividades domésticas, é objeto deste estudo e permitirá reflexões sobre o seu reconhecimento. Essas mulheres vivem no campo e são coparticipantes e gestoras dos processos de produção familiar, desempenhando um importante papel econômico nas unidades familiares, já que grande parte da população rural feminina acumula funções reprodutivas e produtivas, nas quais a inserção na produção constitui um prolongamento das atividades domésticas. Entre os itens que compõem os conjuntos arquitetônicos, urbanísticos e paisagísticos urbanos duas cidades mineiras, Diamantina e Ouro Preto, além do Santuário de Bom Jesus de Matozinhos, de Congonhas, em Minas Gerais, são consideradas Patrimônio da Humanidade pela UNESCO (Fig. 3) . Estas duas cidades e Congonhas, além de Mariana, São João Del Rei, Tiradentes e Serro são consideradas conjuntos urbanos de excepcional valor histórico pelo patrimônio nacional. Além dessas, a cidade de Paraty, no Rio de Janeiro, é também considerada como um patrimônio nacional. Movidos por um interesse em discutir aspectos da realidade urbana e rural existentes nos trechos remanescentes da Estrada Real, este projeto pretende considerar os processos evolutivos, interativos e dinâmicos das relações humanas, reconhecendo nelas a rica diversidade que se revela como fenómeno específico de mobilidade e de trocas humanas que se desenvolveu através das vias de comunicação. De acordo com o ICOMOS (2008), a PAISAGEM CULTURAL é inseparável do entorno geográfico que contribuiu para configurar-lhe o traçado. Conecta e relaciona geografia e diversificados bens patrimoniais formando um todo unitário; distingue-se do entorno territorial natural ou cultural, urbano ou rural, que definem um ambiente impregnado tanto de valores de natureza física como imaterial, indispensável para sua compreensão, conservação e desfrute. Em trechos do entorno predominam formações naturais como florestas, grutas, cursos e quedas d’água, formações que são sempre impregnadas de valores culturais universais ou locais. Em outros, urbanos ou rurais, muitas vezes despontam elementos isolados como cruzeiros, muros de pedra, mosteiros, oratórios, passos da via-sacra, capelas, ermidas, pontes. A delimitação da zona de entorno deve marcar, com precisão, rigor e clareza, uma zona de transição com o ambiente circundante, bem como zonas de amortização de impactos (DELPHIM, 2008). Utilizamos como suporte referencial para este estudo, várias fontes de pesquisa entre as quais os documentos constantes da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, elaborada na Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em Paris (França), em 1972, e ratificada pelo Decreto no. 80.978, de 12 de dezembro de 1977. De acordo com o site do IPHAN, sob esta perspectiva o patrimônio cultural é composto por monumentos, conjuntos de construções e sítios arqueológicos, de fundamental importância para a memória, a identidade e a criatividade dos povos e a riqueza das culturas. A Convenção definiu também que o Patrimônio Natural é formado por monumentos naturais constituídos por formações físicas e biológicas, formações geológicas e fisiográficas, além de sítios naturais. A proteção ao ambiente, do patrimônio arqueológico, o respeito à diversidade cultural e às populações tradicionais são objeto de atenção especial. (http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/29) É importante salientar que os bens de natureza imaterial identificados neste projeto dizem respeito às práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer. Entre os bens imateriais encontram-se as celebrações, as formas de expressão cênicas, as artes plásticas, musicais ou lúdicas. Abrigam, ainda, as manifestações populares que ocorrem mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) define como patrimônio imaterial "as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos os indivíduos, reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural." Esta definição está de acordo com a Convenção da UNESCO para a salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, ratificada pelo governo brasileiro em março de 2006. (http://portal.iphan.gov.br) O patrimônio imaterial é transmitido de geração a geração, constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Entre os resultados obtidos observou-se que, sob o aspecto da abordagem cultural, a Estrada Real reúne e reflete movimentos interativos de pessoas e de intercâmbios multidimensionais, que resultam no conhecimento de bens, ideias e valores, ao longo de um considerável período de tempo. Observou-se o aspecto natural onde o organismo social e urbano desenvolveu relações múltiplas e recíprocas, no espaço e no tempo, fecundando o espaço de cultura que se manifesta na representação dos modos de vida, nas técnicas utilizadas e nas relações históricas associadas a um sistema dinâmico e interativo. De acordo com Delphim (2007), esta paisagem se mostra como um sistema complexo, as transformações realçam seus significados, relacionam e articulam os componentes em uma visão plural, mais completa e mais justa da história, favorecendo a comunicação entre diferentes grupos sociais, promovendo e consolidando a compreensão de valores até então isolados. Sendo assim, este projeto contribui para enriquecer e conferir novas dimensões e significados, em um processo interativo, colocando a paisagem da Estrada Real como um centro ordenador cujos elementos representam o testemunho patrimonial e a confirmação física de sua existência. Do ponto de vista geográfico, o espaço ocupado pelo território da Estrada Real traz à luz informações sobre os sítios que espelham, em sua geomorfologia, a origem dos primeiros assentamentos, visto que comportam na composição do seu solo e na forma de seu relevo, elementos provenientes da formação das camadas da Terra que associados à existência de uma rede hidrográfica que inclui os córregos e ribeirões, possibilitou um conjunto de situações onde os minerais ricos em ouro e diamantes encontraram seu lugar, permitindo aos desbravadores a descoberta dos veios que deram origem às primeiras vilas que se transformaram nas cidades atuais. Paisagens urbanas e rurais foram documentadas por meio de fotografias, mapas, desenhos, que encontram-se incorporados a textos descritivos sobre a origem, desenvolvimento e formas de preservação destes sítios. A difusão destas informações permitirá a valorização dos remanescentes da Estrada Real e de suas referencias históricas mais importantes, abrindo espaço para o desenvolvimento e o desdobramento de novas pesquisas sobre a ampla diversidade encontrada neste objeto de estudo. A experiência obtida nesta pesquisa servirá, também, como referencia para estudos mais profundos, relacionados aos modos de fazer e ser das comunidades ali presentes, permitindo que as manifestações de natureza imaterial, como os costumes, os hábitos as características das sociedades de cada município dessa região possam ser melhor identificados. Profissionais e estudantes poderão se valer do produto deste trabalho de pesquisa para avançar no conhecimento dos aspectos geográficos, históricos e socioeconômicos dos municípios estudados. Este projeto visa, portanto, trazer benefícios adicionais ao exercício das funções de proteção e conservação dos conjuntos de edificações e paisagens urbanas e rurais que fazem parte do roteiro da Estrada Real, configurada como uma PAISAGEM CULTURAL. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Maria Geralda. Geografia cultural e geógrafos culturalistas: uma leitura francesa. GEOSUL N. I5 ANO VIII, 1993 ALVES, Genilda do Rosário. A importância do trabalho da mulher na comunidade planalto rural em Montes Claros - MG. In: CALDEIRA, A. B. (Org.). A Paisagem Cultural de Montes Claros. Editora Unimontes: 2015. ANDRADE, Miguel Ângelo. A Estrada Real e suas reservas naturais. FAPEMIG/PUC Minas. Belo Horizonte: 2007. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da república Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal:Centro Gráfico, 1988. CAETANO, Jessica Nene e BEZZI, Meri Lourdes. Reflexões na Geografia Cultural: A Materialidade e a imaterialidade da cultura. 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Ratificada pelo Decreto no. 80.978, de 12 de dezembro de 1977. Paris: 1972. Observação: Agradecemos a colaboração dos estudantes Thaís Minardi (graduação em Arquitetura e Urbanismo), Miriam Abdo (Mestrado em Geografia / Tratamento da Informação Espacial da PUC Minas), Diego Filipe Cordeiro Alves e Ricardo Henrique Palhares (Doutorandos em Geografia /Tratamento da Informação Espacial da PUC Minas).