XXVII ENEGEP – Foz do Iguassu, PR, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2007. O mito da globalização no cenário industrial mundial e seus impactos na economia do Brasil Ciro Marques Arruda (GESLOG/UFC) [email protected] Bruno de Athayde Prata (GESLOG/UFC) [email protected] Carlos Américo Leite Moreira (GESLOG/UFC) [email protected] Resumo A globalização é uma tendência de internacionalização da atividade econômica, que elimina as barreiras restritivas ao livre comércio das nações. Esse processo se deu, principalmente, a avanços tecnológicos nas áreas de informática, telecomunicações e transportes. A globalização, entretanto, possui diversas falácias no que se refere às suas causas e conseqüências. O objetivo do trabalho reportado neste artigo é analisar alguns dogmas do modelo de internacionalização das atividades das grandes corporações, denotado correntemente como globalização, avaliando sua interferência na economia mundial, e, em especial, na economia brasileira. Foi realizada uma revisão bibliográfica acerca de globalização; dos seus impactos no desenvolvimento econômico e tecnológico brasileiro; e do grau de internacionalização das atividades funcionais da gestão das grandes corporações. Como conclusões do estudo, podem ser destacadas: (a) a globalização não é um fenômeno natural e incontrolável, mas sim uma conseqüência da postura neoliberal adotada por grande parte das grandes potências industriais; (b) as grandes corporações não são verdadeiramente globais, pois não ocorre uma internacionalização das suas áreas funcionais de gestão; e (c) a globalização serviu como pretexto, para o governo brasileiro, para abrir seu mercado nacional. Palavras-chave: Globalização, Grandes Corporações, Redes de Empresas e Cadeia Produtiva. 1. Introdução A revolução nas áreas de tecnologia de informação e de transportes proporcionou a maior internacionalização dos mercados, deixando-os mais conectados. As empresas, visando obter maior lucro, intensificaram suas vendas nos mercados externos e instalaram algumas de suas atividades em outros países. Estas empresas começaram a ser chamadas de empresas globais, por atuarem em diversos países. Esse fenômeno de internacionalização de mercados e de empresas foi chamado de globalização. O termo globalização é largamente utilizado hoje em dia nos veículos de informação e no governo, sendo também muito estudado pelos cientistas de diversas áreas das ciências humanas e sociais. Esse termo é amplamente utilizado para justificar os fenômenos e tendências que dizem respeito ao desequilíbrio externo e ao desemprego das economias nacionais. A globalização é, portanto, encarada como um processo natural que deve ser aceito por todos. As corporações globais são vistas como indutoras do desenvolvimento econômico e tecnológico dos países onde se instalam, aproveitando-se da globalização para expandir seu mercado. Logo, é importante verificar se a globalização é realmente um processo incontrolável ou passível de intervenção, e se ela e as corporações globais são realmente interessantes para o desenvolvimento dos países subdesenvolvidos como, por exemplo, o Brasil. XXVII ENEGEP – Foz do Iguassu, PR, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2007. O objetivo do trabalho reportado neste artigo é analisar alguns dogmas do modelo de internacionalização das atividades das grandes corporações, denotado correntemente como globalização, avaliando sua interferência na economia mundial, e, em especial, na economia brasileira. A estrutura do trabalho é composta de cinco seções, descritas a seguir. Na primeira seção, introduz-se o tema abordado. Na segunda seção, discute-se o tema da globalização. Na terceira seção, discute-se o modelo de internacionalização das atividades das grandes corporações. Na quarta seção, discute-se o caso das corporações situadas em regiões com pequenos mercados. Na quinta seção, avaliam-se os efeitos da globalização na economia do Brasil. Por fim, na sexta seção, são realizadas as considerações finais acerca do tema abordado, sendo, em seguida, apresentadas as referências bibliográficas que deram suporte ao trabalho. 2. Globalização 2.1 Conceitos básicos Em 1983, Théodore Levitt propôs o termo globalização para designar o fenômeno de dilatação e convergência dos mercados. A sociedade global atua com constância e resolução como se o mundo fosse uma única entidade vendendo a mesma coisa, da mesma maneira e em todos os lugares. Nesse sentido, a globalização dos mercados se opõe a visão anterior de ciclo de vida dos produtos que consiste a vender nos países menos avançados os produtos que se tornam obsoletos nos países desenvolvidos. Vale destacar que o termo globalização utilizado por Levitt se aplica, sobretudo, a gestão das empresas multinacionais e se refere exclusivamente as trocas internacionais. Essa noção foi ampliada por Ohmae (1991) que passa a considerar o conjunto da cadeia de criação do valor que envolve além da dimensão comercial, o conhecimento, a produção, o marketing, os serviços e as finanças. Na visão desse autor, a globalização significa uma forma de gestão, totalmente integrada a escala mundial, da grande firma multinacional. Nessa perspectiva do agente econômico, o termo globalização é definido como uma nova forma de produção permitindo intensas trocas de produtos e serviços intra e/ou inter-firmas, organizadas a escala mundial por empresas que detém uma grande parte do capital sob forma de ativos industriais, comerciais e intangíveis (patentes, licenças, conhecimento). Essas empresas procuram administrar no plano global todas as atividades de produção de conhecimento, industrialização, marketing e distribuição. Essas organizações são caracterizadas por uma forte coordenação de maneira a valorizar as articulações entre as posições geográficas e entre as atividades/funções realizadas (GUILHON, 1998). Considerando que as multinacionais representam uma fração importante da produção global, os diversos espaços nacionais são obrigados a se ajustar as exigências dessas empresas. Nesse sentido, a globalização é também percebida como um processo que permite as firmas que atuam como global players redefinir, em seu próprio benefício, as políticas econômicas anteriormente impostas pelos Estados. Os governos seriam impotentes face às novas estratégias das grandes corporações, perdendo sua capacidade de influenciar as evoluções econômicas nacionais (BOYER, 1997). 2.2 Os mitos da globalização Na atual conjuntura, existe um certo modismo no uso da palavra globalização, e, como em todo termo em voga, seu emprego acaba sendo, em muitos casos, inoportuno. Fala-se muito sobre um processo, irreversível e irrefreável, de internacionalização da atividade econômica, que culminará nas quedas das fronteiras e na constituição de uma aldeia global. A disseminação do uso do termo globalização teve como meta valorizar exacerbadamente o XXVII ENEGEP – Foz do Iguassu, PR, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2007. poder das forças econômicas globais e, por conseguinte, minorar as iniciativas nacionais. Nota-se um viés liberal nessa questão: as economias nacionais têm de se curvar à nova ordem da economia mundial, na qual a intervenção do Estado é ineficiente e desnecessária. A globalização passou a ser a justificativa para todos os males que atacam a economia de uma Nação. Recessão, desemprego ou desequilíbrio externo? Culpa da globalização. A internacionalização da atividade econômica inocentava as políticas econômicas ineficientes dos países, isentando a responsabilidade dos governos e transferindo-a a uma externalidade incontrolável. Alguns autores contestam se a globalização da economia seria um fenômeno novo ou apenas uma continuação natural do processo de colonização. Hirst & Thompson (1996) apud Batista Júnior (1998), remetem, inclusive, o início desse processo à década de 1870. O grau de relacionamento da economia mundial, nas últimas décadas, é comparável, e, em alguns aspectos, até inferior, do que o observado no período anterior à Primeira Guerra Mundial. O caráter irrefreável e irreversível da globalização também é questionável. Nota-se que o modelo de globalização pressupõe uma minimização do Estado e uma maximização do mercado. Contudo, tal processo está longe de ser incontrolável. A adoção de uma política econômica intervencionista, por exemplo, pode impor barreiras ao livre comércio e salvaguardar mercados nacionais em detrimento de mercados globais. 3. A corporação global Com a globalização, houve intensificação do mercado mundial que resultou no aumento da competitividade entre as empresas. Devido às facilidades oferecidas pela evolução da tecnologia de informação e dos transportes, as empresas passaram a produzir e atuar de maneira mais intensa no mercado internacional. Sobre esse assunto, Robert Gilpin (2004, p. 226) afirma que os progressos revolucionários nas comunicações e nos transportes, como a internet e a teleconferência, permitiram aos negócios organizar e gerir globalmente sistemas industriais e de distribuição. Esses avanços tecnológicos reduziram muito os custos da globalização tanto dos serviços quanto do setor de produção. Ademais, as mudanças no método de produção e organização industrial se constituem outro fator importante da internacionalização dos negócios, já que permitem as multinacionais interagiram em escala global através de uma ampla rede de alianças corporativas externas, como as joint-ventures, subcontratações, licenciamentos e acordos. No que se refere às estratégias das empresas multinacionais, esse novo momento possibilitou a globalização das atividades produtivas. Sobre essa questão, observa-se uma distinção importante entre as estratégias multidomésticas praticadas pelas multinacionais nos anos sessenta e as estratégias globais desenvolvidas mais recentemente. As primeiras consistiam em produzir em vários espaços nacionais produtos adaptados a cada mercado. As filiais das empresas estrangeiras eram relativamente bem integradas industrialmente, o que possibilitava a constituição de estruturas industriais diversificadas (MOREIRA, 2003). Por outro lado, a estratégia global visa fazer de cada filial uma unidade especializada na fabricação de um componente do produto final. A localização da produção entre diferentes países é efetuada em função das vantagens comparativas de cada país e de considerações logísticas. Nesse sentido, a tendência de redução dos custos de transportes e a liberalização do comércio passam a ser importantes na analise da globalização. Esses fatores facilitam o estabelecimento de relações horizontais entre as unidades de produção localizadas em nações diferentes. Segundo Porter (1988), a empresa é global quando ela organiza suas operações considerando toda a cadeia produtiva, que vai das atividades de pesquisa e desenvolvimento e XXVII ENEGEP – Foz do Iguassu, PR, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2007. de financiamento, passando pela produção e a distribuição, até chegar às vendas finais, com o objetivo de maximizar sua rentabilidade a escala mundial. Esse argumento da firma global foi questionado por diversos pesquisadores. Na verdade, constata-se que a maior parte das atividades das empresas multinacionais continua concentrada nos seus territórios de origem. O controle do capital permanece largamente nacional, assim como os postos de direção das empresas. Finalmente, a quase totalidade da pesquisa é realizada no território nacional das empresas. O item a seguir mostrará o carater extremamente centralizado e hierarquizado do modelo de corporação global, abordando as cinco áreas funcionais da gestão. 3.1 A internacionalização das cinco áreas funcionais da gestão Segundo Gerreffi e Korzeniewicz (1994), a administração de empresas é dividida entre os setores de vendas, produção, finanças, Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e Recursos Humanos (RH). Para ser considerada genuinamente uma corporação global, uma companhia deve apresentar alto grau de internacionalização em alguns destes setores. Ao considerar as empresas multinacionais atualmente, percebe-se que essa internacionalização não ocorre. De uma maneira geral, a internacionalização do setor de vendas das grandes corporações desenvolveu-se muito nos últimos anos. De acordo com Gerreffi e Korzeniewicz (1994), as empresas de alimentos, química, petróleo e computadores vendem boa parte de seus produtos para o exterior, algumas atingindo 90% de suas vendas como, por exemplo, a Nestlé. Porém, para muitas destas corporações, vender para o exterior significa exportar sua produção, ou seja, a internacionalização da produção é pouco significativa. Isso ocorre, principalmente, devido às necessidades das empresas por mão-de-obra qualificada e ao incentivo dos países de origem preocupados com o problema do desemprego. Além disso, Batista Júnior (1998) afirma que, apesar da rápida expansão das transações econômicas internacionais, os mercados internos continuam preponderantes, sobretudo nas economias maiores. Na economia mundial, a demanda interna dos países absorve cerca de 80% da produção e responde por 90% dos empregos. O aumento da competitividade, causado pela intensificação do mercado internacional, forçou as empresas a investirem mais no desenvolvimento de novos conhecimentos, para estarem sempre renovando seus produtos e mantendo sua competitividade no mercado. A tecnologia passou a ser fundamental para o crescimento capitalista atual; portanto, as empresas passaram a investir cada vez mais em tecnologia e a instalar seus centros de desenvolvimento tecnológico em países desenvolvidos, onde há mão-de-obra qualificada. De acordo com Moreira e Melo (2002), a tecnologia de informação e a comunicação forçaram uma divisão do trabalho segmentada em blocos de conhecimento homogêneo. As etapas do processo de produção, que necessitam de trabalho qualificado, são localizadas em lugares onde as vantagens não se resumem somente a mão-de-obra barata e recursos naturais. As firmas internacionais procuram países que tenham sistema nacional de inovação, mercado interno exigente, e que estimulem investimentos em tecnologia. Logo, as grandes companhias instalam seus centros de (P&D) no seu país de origem, onde as condições supracitadas são satisfeitas. A internacionalização da produção é pouco significativa, pois a maioria das grandes corporações mantém a maior parte dos seus recursos produtivos nos países de origem. Os países periféricos são utilizados estrategicamente por fornecerem matérias-primas e mão-deobra a baixos custos, por concederem incentivos fiscais e por estarem próximos de grandes mercados consumidores. Contudo, as matrizes, situadas nos países sede das corporações, ainda detém os meios de produção mais sofisticados. XXVII ENEGEP – Foz do Iguassu, PR, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2007. Sob o ponto de vista financeiro, a globalização das grandes corporações também é um mito. O controle acionário continua a ser majoritário nos países sede das empresas e o excedente, oriundo dos lucros, é remetido para as matrizes, comprometendo o balanço de pagamentos dos países periféricos. A composição internacional do quadro gerencial das grandes corporações é incipiente. Como exemplos desta afirmação, podem ser citados (GERREFFI & KORZENIEWICZ, 1994): (i) em 1993, apenas 2% do corpo gerencial das grandes companhias norte-americanas era composto por estrangeiros; (ii) de vinte companhias japonesas, somente duas (Sony e Mazda) possuem estrangeiros no seu quadro executivo; (iii) de quinze firmas germânicas, apenas quatro (Metallgesellschaft, Preussag, Volkswagen e Krupp) têm um ou dois estrangeiros no seu quadro gerencial; e (iv) de oito firmas francesas, somente uma (Alcatel Alsthom) possui um estrangeiro no seu quadro executivo. Nota-se, portanto, que não ocorreu uma internacionalização da função de RH nos quadros gerenciais das grandes corporações, sendo estes restritos aos executivos nascidos nos países de origem das empresas. Assim, constata-se que o argumento de que a globalização internacionalizou as atividades de gestão das corporações é perfeitamente refutável. As grandes potências industriais polarizaram as funções vendas, produção, finanças, P&D e RH, e continuarão com esta prática. 3.2. Grandes corporações: companhias globais ou transnacionais? Através da análise anterior, percebe-se que não existem corporações globais ou multinacionais. Existem apenas corporações transnacionais, ou seja, grandes empresas que distribuem suas diversas atividades pelo mundo sem contribuir para o desenvolvimento das regiões onde se instalam. De acordo com Hayne (2003), o desenvolvimento tecnológico tornou-se um meio de alcance do crescimento econômico, constituindo-se como base fundamental para o crescimento econômico capitalista. Conforme Romer (1987) apud Fonseca (2001), a tecnologia é o principal motor do crescimento econômico. Logo, para que um país obtenha crescimento de seu produto per capita de maneira sustentável, este deve investir na produção e utilização de novas tecnologias. A partir do momento em que o campo tecnológico gera inovações, o campo econômico trata de absorvê-las, desenvolvendo ou aperfeiçoando produtos. Estes novos produtos geram lucro suficiente para reinvestir em tecnologia e realimentar o ciclo. Por isso as grandes corporações instalam seu setor de P&D em seu país de origem, enquanto que, nos países subdesenvolvidos, elas instalam as indústrias de montagem de produtos de baixo valor agregado e que não necessita de mão-de-obra qualificada. A empresa utiliza-se da mão-de-obra barata local e não repassa a sua tecnologia. Dessa maneira, a maior parte dos investimentos em tecnologia é aplicada em países desenvolvidos. A Tabela 1 mostra a distribuição dos Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) no mundo. Ao se analisar a Tabela 1, percebe-se que, em média, 73% dos investimentos estrangeiros diretos são destinados aos países desenvolvidos, principalmente na União Européia, enquanto que apenas 9,4% dos IED são destinados aos países subdesenvolvidos da AL e Caribe. A maior parte dos investimentos estrangeiros diretos é destinada à aquisição ou fusão de empresas. Segundo Gregory e Oliveira (2005), essas transações representam 90% do IED mundial. Os maiores investidores de 2003 foram Estados Unidos, Japão, Países Baixos, França, Bermudas, Ilhas Cayman, Espanha, Ilhas Virgens Britânicas, Alemanha e Itália. XXVII ENEGEP – Foz do Iguassu, PR, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2007. US$ Bilhões 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Países Desenvolvidos 270 472 825 1120 589 460 União Européia 128 250 475 684 389 374 EUA 103 174 283 314 144 30 Países em Desenvolvimento 193 191 229 246 209 162 Ásia e Pacífico 109 100 109 142 107 95 China 44 44 40 41 47 53 África 11 9 12 8 19 11 América Latina e Caribe 73 82 108 95 84 56 Argentina 9 7 24 12 3 1 Brasil 19 29 29 33 22 17 Chile 5 5 9 4 4 2 México 14 12 13 15 25 14 Venezuela 6 4 3 4 3 1 Europa Central e do Leste 19 22 25 26 25 29 Total Mundial 483 686 1079 1393 824 651 Fonte: UNCTAD⁄ WIR (2003) apud Gregory e Oliveira (2005). Tabela 1 – Distribuição mundial do IED 467 341,8 86,6 155,7 99 57 14,4 42,3 0,3 10,1 3,1 10,4 3,3 30,3 653 Média 97-03 (%) 73 46 19,6 24 13,2 5,6 1,5 9,4 1 2,8 0,5 1,8 0,4 3 100 Como os maiores investidores são países desenvolvidos, conclui-se que grande parte dos IED, destinados aos países subdesenvolvidos, são destinados para a aquisição de empresas nacionais, por grandes corporações transnacionais, que enviam seus lucros aos países de origem, objetivando investir em tecnologia. Essas aquisições implicam em racionalização da produção e da mão-de-obra, fato que se verificou, principalmente, em estatais que foram privatizadas. Então, as empresas transnacionais, ao invés de expandirem sua produção, racionalizam-na, devido ao fraco crescimento da economia mundial caracterizado pelo regime de acumulação financeira. Além disso, apesar da crescente presença das transnacionais nos países subdesenvolvidos, a difusão de suas tecnologias tem sido muito escassa (KAY, 1998). Assim, as empresas transnacionais, além de comprarem as empresas nacionais e enviarem seus lucros para investir em tecnologia em países desenvolvidos, não difundem essa tecnologia nos países subdesenvolvidos onde se instalam. 4. A internacionalização das atividades de firmas de pequenos sistemas industriais Em diversas áreas funcionais da gestão, companhias originadas em pequenos sistemas industriais têm mostrado elevados graus de internacionalização. Por pequenos sistemas industriais entendem-se regiões de mercados limitados e de pouca disponibilidade de recursos naturais e mão-de-obra. Firmas de países como a Suíça (Nestlé e Ciba-Geigy), Holanda (Shell, Unilever e Phillips) e Suécia (Electrolux e Volvo) atuam, com excelência, em mercados de diversos países. Como exemplos do elevado grau de internacionalização das empresas de pequenos sistemas industriais, podem ser citados (GERREFFI & KORZENIEWICZ, 1994): (i) na década de 70, 83% dos empregos das cinco maiores companhias suíças eram ofertados fora do país, e o mercado local correspondia a apenas 5% das suas vendas; (ii) a Áustria, a Bélgica e os países nórdicos apresentam firmas altamente internacionalizadas; e (iii) empresas de pequenos sistemas industriais, como, por exemplo, a Phillips, permitem um elevado grau de autonomia para suas subsidiárias. XXVII ENEGEP – Foz do Iguassu, PR, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2007. A internacionalização destas companhias deve-se, primeiramente, à limitação dos seus mercados locais. Bens de consumo tais como alimentos, eletro-eletrônicos, medicamentos e automóveis, requerem grandes mercados, como os disponíveis nos países em desenvolvimento. Outra razão pela qual tais empresas se internacionalizam é a necessidade de uma gama de suprimentos, sejam estes matérias-primas ou componentes. Firmas como a Phillips ou a Volvo não possuem uma quantidade de suficiente de fornecedores domésticos sofisticados, necessitando contar com fornecedores estrangeiros. Nota-se a necessidade de uma dispersão das atividades de venda e de produção dessas firmas; no entanto, no que se refere às outras atividades funcionais da gestão, o grau de internacionalização ainda é pouco significativo. No que se refere às finanças, ocorre uma limitação da quantidade de acionistas estrangeiros. O setor de P&D também é polarizado nos países sede das companhias. Por fim, as transnacionais de pequenos sistemas industriais possuem poucos estrangeiros engajados no seu quadro gerencial. 5. A globalização no cenário brasileiro Através de mitos como o de que as iniciativas nacionais devem ser paralisadas, por serem ineficazes frente às forças das economias globais, o governo conseguiu a desculpa necessária para abrir o mercado nacional. A globalização acabou sendo um pretexto, conforme se constatou nos Governos Collor e Fernando Henrique Cardoso, para a exposição abrupta da economia nacional à competição internacional e para implantação do modelo econômico neoliberal. Sobre o tema, Batista Júnior (1998, p.128) acrescenta: Essas políticas macroeconômicas, associadas a distorções do sistema tributário brasileiro e a deficiências da infra-estrutura econômica, acabaram se revelando destrutivas para muitas empresas nacionais, especialmente as de menor porte e as mais expostas à competição com produtores estrangeiros. Ao mesmo tempo, a economia adquiriu uma propensão ao desequilíbrio externo; ficou mais dependente de capitais externos e mais vulnerável às flutuações do contexto financeiro internacional. De acordo com Petras (1995), o governo de Fernando Collor teve como estratégia econômica a privatização de 188 empresas estatais e a retirada das barreiras que protegiam o mercado nacional das empresas de alta tecnologia estrangeiras. A globalização disseminou, em países em desenvolvimento como o Brasil, a idéia de que os estados estavam perdendo a capacidade de intervenção sobre a economia (modelo liberal), tornando-se um estado mínimo, ideal para o crescimento econômico (BRAGA, 2003). Com a adoção dessa política neoliberal, o crescimento econômico brasileiro praticamente estagnou. Sem investimentos em educação e em tecnologia, o país adotou uma política de assimilação tecnológica passiva. Abrindo o mercado interno, acreditou-se que as transnacionais, ao se instalarem no país, difundiriam tecnologia, investindo no país. O que ocorreu foi a estagnação da produção e da tecnologia brasileira, pois as transnacionais, ao invés de instalarem novas indústrias, compraram as indústrias nacionais que não tinham mais condições de concorrer com os produtores internacionais. O país tornou-se dependente dos investimentos estrangeiros diretos. Para conseguir cumprir seus compromissos com as instituições de crédito internacionais, o Brasil adota a política econômica de juros altos. Deste modo, o país atrai especuladores internacionais que trazem os investimentos necessários ao pagamento da dívida externa. Além XXVII ENEGEP – Foz do Iguassu, PR, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2007. disso, o governo mantém o câmbio desvalorizado para aumentar a competitividade dos produtos nacionais no mercado exterior deixando-os mais baratos. Assim, o país consegue obter superávits, na balança comercial e de pagamentos, necessários ao pagamento dos juros da dívida externa. A política econômica adotada pelo país reprime o mercado interno e o crescimento econômico. A iniciativa privada, ao invés de investir em bens de produção e em tecnologia, aplica seu dinheiro no mercado financeiro, que é mais lucrativo devido aos juros altos. Por isso, o crescimento econômico e tecnológico brasileiro hoje é lento. A verdade é que, no Brasil, o termo globalização serviu apenas como desculpa fácil para o governo, como justificativa de tudo que acontece de negativo no país, eximindo sua responsabilidade e repassando a culpa para um fenômeno fora de controle nacional. Em termos de IED, de acordo com Gregory & Oliveira (2005), os valores no Brasil atingiram o seu auge em 2000, atingindo a quantia de 32,8 bilhões de dólares. Porém, apesar dos resultados positivos, torna-se crucial observar as transformações ocorridas no processo de internacionalização produtiva e tecnológica. No que se refere à estratégia de produção, a abertura comercial e financeira transforma substancialmente o modo de operação das filiais multidomésticas das multinacionais implantadas no Brasil. A concorrência oligopolística global obriga essas empresas a implementar um intenso processo de reestruturação produtiva que se caracteriza por movimentos de desverticalização/especialização levando a uma redução substancial do tamanho das filiais estrangeiras (downsizing). Esse processo implicou na supressão de atividades consideradas não competitivas, tais como as que produzem bens intermediários e bens de capital de alto valor adicionado. No que se refere às modalidades de implantação, constata-se a predominância das operações de fusão/aquisição em detrimento dos investimentos diretos visando a criação de uma nova unidade de produção (greeenfield). Mais adaptadas a conjunturas de baixo crescimento, essas operações não tem como objetivo a expansão do capital produtivo, mas são frequentemente associadas a operações de racionalização produtiva que implicam em desemprego em massa (MOREIRA, 2003; MOREIRA e SHERER, 2002). Finalmente, a centralização das atividades de pesquisa e desenvolvimento nos países desenvolvidos foi acompanhada por um downgrading tecnológico cada vez mais acentuado das filiais das firmas multinacionais instaladas no Brasil. 6. Conclusões Este trabalho analisou o paradigma da globalização, buscando quebrar os mitos existentes sobre a internacionalização das atividades das grandes corporações. O trabalho buscou, também, avaliar os impactos da globalização no cenário econômico brasileiro. Como principais conclusões do estudo, podem ser destacadas: a) A globalização não é um fenômeno natural e incontrolável, mas sim uma conseqüência da postura neoliberal adotada por grande parte das grandes potências industriais; b) Os países emergentes não são vítimas do processo de globalização, mas da inaptidão ou do desinteresse dos seus governos em proteger as economias nacionais contra a acirrada concorrência externa; c) Através dos mitos da globalização, os países desenvolvidos conseguiram lubridiar os países subdesenvolvidos e fazer com que estes abrissem seus mercados para as grandes corporações transnacionais, causando graves problemas sócio-econômicos nestes países; d) As grandes corporações não verdadeiramente globais, pois não ocorre uma XXVII ENEGEP – Foz do Iguassu, PR, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2007. internacionalização das suas áreas funcionais de gestão; e) As companhias mais internacionalizadas do mundo tendem a se originar em pequenos sistemas industriais; contudo, seu grau de internacionalização é extremamente limitado, restringindo-se às atividades de vendas e de produção; f) Com os mitos da globalização, os países desenvolvidos conseguiram implantar, no Brasil, o modelo econômico neoliberal. Este modelo estagnou o crescimento econômico e tecnológico do país, prejudicando o mercado interno e o desenvolvimento industrial. g) A globalização serviu como pretexto, para o governo brasileiro e de diversos outros países subdesenvolvidos, para encobrir o verdadeiro motivo para tudo que acontece de ruim no país. Referências BATISTA JÚNIOR, P.N. Mitos da globalização. Estudos Avançados Vol. 12, n.32, p.125-186, 1998. BRAGA, R. Globalização e transformações territoriais no Brasil: comentários sobre a ação do estado e a distribuição da renda na década de 90. Geografia, Rio Claro vol. 28, n.3, p.345-362, 2003. BOYER, R. Mondialisation au dela des mythes. Paris, La Découverte, 1997. FONSECA, R. Inovação Tecnológica e o Papel do Governo. Revista Parcerias Estratégicas. Vol. 13, p.64-79, 2001. GERREFFI, G. & KORZENIEWICZ, M. Commodity chains and global capitalism. Greenwood Press, 1994. GILPEN, R. O desafio do capitalismo global. Rio de janeiro, Editora Afiliada, 2004. GORENDER, J. 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