herculano pires I Arquivo " £ . u U t ..vu.H" IFf H/UWjpA n/ tombo - c l 8 8 8 i { Q U - * africa o e m a cdlçôeé «o mímdo» (»o pnulo 13 d» mata il» 1987 AEL/IFCH/UNICAMP POEMA PARA S E U CANTADO O crítico Homero Silveira, lendo êste poema no original, escreveu ao autor uma carta de que destacamos o seguinte: «Sua descrição africana é forte. Mas o que mais me agradou, exigindo a leitura em voz alta, porque cheia de onomatopéia negra e de sugestões de macumba, foi a primeira parte do «êxodo». Muito bonita. E bem achado aquéle: "e a noite cansada se atira no rio bá a juba de sombras se diluindo nas aguas" Beni apanhada a despedida dos negros: "calunga nos leva para onde oxalá calunga nos leva Vara onde oxalá" que me sugere a apresentação teatral desse canto de macumba. Todo o seu poema poderia ser transformado em "ballet». «Ballet» de fundo mágico, com músifln de Vila-Lobos e côro de macumbeiros baianos, ao som de batuques soturnos. (Por que não tentá-lo?) E um poema francamente coreográfico e de multa sugestão (continua nu outra capa) AEL/IFCH/UNICAMP herciitano pires áfrica p o 0 m a I à alma a arreia branca e ao meus da cliza negro irmãos negros criiçõeJ «o minuto» •»o pnulo 13 d» mulo <)« \ W AEL/IFCH/UNICAMP « O * \ ^ ..V» •9V -I«.- .... " 'U'M ' fî I,» ...3 AEL/IFCH/UNICAMP g ê n e s e o grande oleiro estendeu as mãos ao fundo no mais fundo das entranhas da terra e arrancou um punhado noturno de barro a noite abriu no céu as suas chagas de estrelas a lua borbulhou como uma fonte de lágrimas II Iemanjá derrama sobre o mundo a sua cabeleira Ide rios silêncio xangô adormeceu na pedreira das nuvens oxóssi atropela manadas de sombras a noite abre suas pétalas úmidas na boca da I gruta c o primeiro leão sacode a sua Juba vermelha borrifando estrelas III a água escorre do torso negro como a chuva na face de olorum sol AEL/IFCH/UNICAMP — 2— crocodilos verdes espreitam na lama e árvores ramalhudas derramam-se na [correnteza sol aves negras palpitam no anseio do vôo sombra e sol nas ramagans negra teu corpo é a Jovem noite que espera a hora madura de se abrir em estrelas IV dorme dorme negrinho negro dorme filhinho exit foi embora o b ta lá vem vindo ogum comanda os orixás no ctui dorme dorme negrinho negro dorme filhinho xangô vai dar na mata escura a pedrada do sol que louco incêndio na terra Inteira dorme dorme negrinho negro dorme filhinho xangfl demora AEL/IFCH/UNICAMP dorme no seio da mãe noturna de pele negra que esconde a aurora V o povo do mar e o povo do mato na terra e nas águas que povo nas ondas que povo no mato calunga nas águas zambi nas nuvens calundu nas horas de grito e de riso nunca o homem tilo livre e tfio puro dormiu entre deuses e estrelas no dorso da noite II v x o d o I n noite chegou com suas patas de nuvens rolou sobre o mundo a sua Juba de sombras zttrô Mwê odô olodô toca a macumba elegbá rum rumpi e lé bate-bate kilulu AEL/IFCH/UNICAMP zarô zazê odô olodô a lua fareja a noite girafas compridas comem estrelas tumba retumba o batacotô zarô zazê elegbá elii Iemanjá borbulha o seu colar de estrelas sobre os morros a lua dansa na clareira do céu e a noite cansada se atira no rio bá a Juba do sombras se diluindo nas águas II negro teu couro foi curtido pelo fogo do exú teu cabelo queimado se enrolou ao sopro de omolu oxóssl te arrastou pelos barranco* e puxou teus músculos corno cipós » do ventre de olorum azul azul caíram sobre a mata voguns e orixás do ventre de Iemanjá nasceu orlxá-okô que te ensinou os segredos do colar de ifá mas ogum Já te espreitava negro . AEL/IFCH/UNICAMP t — 5— c caiu sobre a tua carne pior do que omolu baru ou elegbá ogum dos brancos te pegou traiçoeiro e te amarrou no dorso de calunga III quando chegaram cxus traiçoeiros brancos xapanans brancos como a lua alvoroçaram o céu noturno o céu de aiacó cheio de estrelas macumba de ventos ganzá de luas gritos na mata baques 110 rio olorum te levam teus ventos e luas aiacó nas nuvens Já se descabela brancos xapanans brancos como a lua cxus traiçoeiros do garras e bicos roubaram as luas do ganzá de aiacó levaram os ventos da macumba de olorum AEL/IFCH/UNICAMP VII calunga nos leva para onde oxala calunga nos leva para onde oxalá adeus angola adeus ó eongo adeus zambeze o lunda nunca mais a noite a noite o ronco de omolu calunga nos leva despacho de exu nunca mais ó terra de Iemanjá e latir,ã nunca mais os ventos da tua macumba olorum nunca mal» as luas do teu ganzá alacó dorme negrinho a noite (• de omolu dorme negrinho a noite 6 de omolu calunga nos leva despacho de exu calunga nos leva para onde oxa<-' AEL/IFCH/UNICAMP — 7— V i• aiacó esparrama os seus filhos na noite e olorum lá longe donne um sono azul terra negra terra negra rios quentes rolando o congo o zambeze o niger e areíais e florestas entre sois e luas áfrica de céu descabelado em nuvens dc ventos penteando teus cabelos noturnos xangó te apedreja com pedras de fogo xangô te apedreja em tua carne de Arvores alaeó deusa da noite filha de iemanjá embala a mãe africa com o teu ganzá de [estrelas dorme dorme terra negra donne o teu sono de voguns e orixás , dorme dorme dorme dorme dorme áfrica negra dorme cm teus rios em teus silêncios em teu mormaço de barro e de sol aiacó esparrama os seus filhos na noite * VI babilônia verde abre o teu selo de brancas praias o mar galopa na noite sem lua e te lança nos braços os filhos de aiacó AEL/IFCH/UNICAMP — 8— a lua chcia crescerá sobre tuas matas em grandes noites de fogo e ventos largos rolarão sobre os teus rios soprando estrelas estonteadas babilônia verde abre teus braços numa cruz de estrelas para o suplicio das senzalas e dos tronco1TI e x í l i o I bata no couro da lua negro doido bate bate 110 couro da lua esticado na boca da noite batacotô batacotô batacotô | slnliô comanda um zarazá de exus a Africa ruge no tambor noturno o céu borrifa lágrimas de estrelas batacotô batacotô batacotô AEL/IFCH/UNICAMP T — 9— t f f bate no couro da lua negro doido que a noite morreu na espuma das cachoeiras bacatccô enxu cie exus abre tua boca sobre a noite morta a madrugada espia sobre os montes batacotô morreu na escuridão a madrugada espia cautelosa e um leão de nuvens abocanha a lua II mãe preta corre entre os dedos o seu rosário de estrelas a noite dorme embalada pelos ventos sobre os rios corolas roxas na terra luar em flocos no céu mãe preta pende a cabeça fecha os olhos treme as mãos \ > era um rei de manto <• espada prlncezinha de diadema íeis e princezas no tempo correram como as estrelas AEL/IFCH/UNICAMP galoparam sôbre nuvens galoparam galoparam surge um dragão 110 terreiro vindo do fundo do mar seus ollios sangram de raiva suas garras rasgam a terra mãe preta conta as espigas que o vento embala no céu cal sobre o morro a medalha de sfio Jorge cavaleiro slnhô risca a montaria tinindo esporas de prata uma estrela se debulha 110 mllharal da dlstftncla mâe preta corre as suas contas entre os dedos contas brancas o vcntu zune vu u u m&c preta chora zl fio os vento» embalam a noite recem nascida dos rios AEL/IFCH/UNICAMP VII *j» V1 c â n t i c o dos c â n t i c o s do ventre do quarteirão saltas para a noite e a noite fulge na tua pele escorre nos teus bruços pulsa como um tambor nos teus seios teus olhos estão mais densos do que o óleo noturno do céu o vento te assalta e desfolha 110 asfalto as pétalas de tuas mãos e ris e ris como uma criança i|! II de onde vieste c por que trazes na boca a rosa dos ventos cm febre de sangue fv , a noite se estorce como um ventre de sombras a noite sem estrelas nem lua AEL/IFCH/UNICAMP • — 12 — vazia como um pandeiro rola 110 asfalto e pisas inquieta o ventre da noite >« t 1X1 tambor becos úmidos choram a morte da noite tambor teus pés inquietos arrancam centelhas cia carne noturna tambor IV dorme a áfrica dorme em teus cabelos nas palmas de tuas mãos dorme o deserto cortado pelos caravanas mas a sen/.ala acorda no Intermtmdlo dos teus olhos e os cafezais rumorejam mn safras rubras na tua carne AEL/IFCH/UNICAMP ^ — 13 — V \ 'i< vens para a noite que te espera com seus tentáculo' e to envolve ávida e te suga vens para a noite morcegos flácidos ondulam em órbitas vazias vens para a noite vens e bocas anciosas te esperam com beijos (unidos apanha cm tuas mãos a cidade em cinza' e atira-a na face dos astros VI leu riso gorgoleja no quarteirão vazio teu riso borbulha entre os paralelepípedos  ' mas agora o teu riso 0 um pássaro noturno voando entre acordes ris o as estrelas se desfolham sobre o cadáver da noite AEL/IFCH/UNICAMP VII não a cidade não sabe que por trás dos teus dentes brancos dos teus seios noturnos _ da tua pele de pandeiro abre-se uma rosa vermelha VIII as estrelas encheram a noite e ogum pendurou a lua no céu a cidade delira e tu surges no quarteirão com uma flor dc sangue nos cabelos corre no asfalto um zambeze de pixe hoje é a noite hoje em que o bodum da tua carne enlouquecerá as estrelas IX que Importa o deserto o simuiti arrepiando o palmeiral as selvas cnovelando-se o urro dos leões e o tropel das manadas sacudindo a noite é >f que importa o oceano ltirldo nrfantn AEL/IFCH/UNICAMP — 15 — o frémito dos rios na carne da terra que importa a cidade delirante a lua as estrelas o mundo se o riso brota em tua boca ardendo como um cravo X não tens nada não moras ninguém sabe o que fazes tuas mãos negras têm as palmas brancas uando surges s c a n o um recorte XI > t fruto da noite nunca ninguém te viu de dia gota de pixe borbulhas na pele do asfalto que importam os dias >;(• a noite é tua Irmã e quando chega vestida de trevas e estrelas toma-te pelo braço e te leva 1 AEL/IFCH/UNICAMP - 1 6 que importam os dias se a noite te espera com estrelas e luas tilintando entre os dedos XII em cada esquina dois olhos te espreitam . 5 OS mesmos olhos do exú traiçoeiro que te arrancou da terra de Iemanjá mas tu nada percebes nem compreendes porque és mansa e pura como a terra XIII a noite range anúncios luminosos anúncios >im cheiro de borracha e gasolina exsuda a noite hà um tango na esquina uni samba no melo do quarteirão teus olhos negra tangam e sambam tangidos pelo vento que tange as estrelas t cada estrela é um gole de cachaça f XIV ris e o teu riso arrepia as trevas AEL/IFCH/UNICAMP — 17 — não queres saber se as estrelas brilham nein se o vento da noite está carregado de sombras ris e a noits se despeja na voragem das tuas entranhas és uma pequena taça de barro cozido mas engoles o mundo XV quem disse que a negra sambando não cheira que o cheiro da negra não deixa estonteado a é a é negra se samba que cheira na noite noite se cheira que samba com a negra quem disse que a negra não cheira e não samba quem disse que a negra decerto fugiu quem disse mentiu XVI com dois dedos o branco te pega AEL/IFCH/UNICAMP — 18 — a noite agoniza afogada na sombra com dois dedos o branco te ergue com dois dedos o branco te vira de um gole XVII que Importa que os ventos assoprem no asfalto que importa a noite estertora nos dedos do branco a noite estertora e os olhos do negro te espreitam vazios XVIII taça de barro tanto te cozeram taça de barro tanto te queimaram agora te rodam entre os dedos c os lábios te rodam te viram AEL/IFCH/UNICAMP I — 19 — te emborcam de um gole te quebram o de novo te queimam de novo te cozem taça de barro cheiras u carvão XIX o engenho fantasma não geme na noite as estrelas cochilam os rios dormiram num sono lunar nem os ventos cantam sobre os canaviais os dedos do branco não te apertam mais os olhos no negro já não mais to espreitam negra negra a lua murchou na tumba de aiacó há um buraco no céu XX era uma vez era uma noite uma negra tão negra a própria noite a chamava de lrmft a Africa ardia em sua carne Incendida leões n turnos urravam em sua nele sombria AEL/IFCH/UNICAMP — 20 — era uma vez uma negra pequena taça de barro de café e quentão sempre tão escura tão cheirosa sempre ah que cheiro de negra ah que cheiro de noite era uma vez uma noite sem lua sem vento sem negra uma noite tão só FCH/UNICAMP AEL/IFCH/UNICAMP comporto c imprcMo na anmannel Mo paul o em do ano de gráfica maio 105Ç- 1 „ - - —-»• —» podidos para edições to minuto, run dr, bacolar 5 0 5 fono 72157 j AEL/IFCH/UNICAMP "Bate no couro da lua negro doido bate no couro da lua esticado na boca da noite batacotô batacotõ batacotô" é pura cantiga africana para ser sambada em noite de lua, nalgum terreiro da Bahia. Simplesmente delicioso aquilo: "quem disse que a negra sambando não cheira que o cheiro da, negra não deixa estonteado" tem que ser musicado à moda antiga, em ritmo de modinha. Música de Heckel Tavares. Ér um poemazinho de ternura, que até j á copiei em meu caderno. Grande, por evocativo e multa felicidade onomatopaica: "o vento zune vu u u" F e r n a n d o Pesoa tem poemas para serem berrados à beira mar. Sim, berrados I Nfio me lembro quais, assim de memória. O seu poema é p a r a ser cantado quase todo. Difícil de recitar. Muito sugestivo de sons. Belo. Bom a r quitetado !» AEL/IFCH/UNICAMP AEL/IFCH/UNICAMP