Rev Pat Tocantins V. 2, n. 04, p. 17-26 SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS CASE REPORT Relato de caso: Linfoma esplênico primário em um homem de 70 anos A case report: Primary splenic lymphoma in a 70-year-old man Isabella C. Oliveira¹, Caroline André Souto¹, Micael C. Santana¹ e Virgílio R. Guedes² Maria Cristina da S. Pranchevicius3 RESUMO Os linfomas esplênicos primários são neoplasias malignas que ocorrem em menos de 1% dos pacientes com linfoma. São raramente diagnosticados porque não causam sintomas até a sua disseminação, fato que obscurece a sua localização primária no baço. No presente relato de caso, ilustramos um exemplo de linfoma primário de baço em um homem de 70 anos completamente assintomático que ao se submeter a um exame de imagem simples foi constatada a presença de um nódulo esplênico inespecífico. Com base nesse relato, foi realizada uma revisão da literatura sobre essa neoplasia e discutido os pontos de maior relevância sobre o assunto. Palavras-chave: Linfoma esplênico primário. Neoplasia. Baço. ABSTRACT The primary splenic lymphomas are malignancies that occur in less than 1% of patients with lymphoma. Rarely diagnosed because they do not cause symptoms until its spread, a fact that obscures the primary location in the spleen. In this case report, we illustrate an example of a primary splenic lymphoma in a 70-year-old man who was completely asymptomatic until he did an common image examn that showed the presence of a nonspecific splenic nodule. Based on this report, a literature review was performed on this neoplasm and discussed the points of greatest relevance on the subject. Key-words: Primary splenic lymphoma. Neoplasm. Spleen. Graduando em Medicina, Universidade Federal do Tocantins (UFT) – Palmas, Tocantins (TO), Brasil. 2. Mestrando, docente do Curso de Medicina da Universidade Federal do Tocantins (UFT) – Palmas, Tocantins (TO), Brasil. 3. Pós-Doutorado, docente do Curso de Medicina da Universidade Federal do Tocantins (UFT) – Palmas, Tocantins (TO), Brasil. Docente do Departamento de Genética e Evolução (DGE), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Paulo (SP), Brasil. Correspondência: CDA Palmas – Laboratórios de Anatomia Patológica e Citopatologia. 306 Sul Avenida LO 05, loja 1 - Lt 23 - Plano Diretor Sul, Palmas – Tocantins. CEP: 77021-026. Email: [email protected]. 1. 17 Rev Pat Tocantins V. 2, n. 04, p. 17-26 SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS INTRODUÇÃO Os hilares e esplenomegalia marcante, mas linfomas a adenopatia periférica está geralmente esplênicos ausente³. Além disso, pelo menos 75% primários (LEP) são descritos nos dos contextos de Linfomas Hodking (LH) e pacientes apresentam citopenias.³,9,10 , não Hodking (LNH)¹ ². O tipo LNH consiste em um câncer extra-nodal A maioria desses pacientes têm biologicamente virulento¹,² que é capaz tumores de envolver o baço em uma pequena morfológicas e um prognóstico de LEP parcela dos pacientes³. O acometimento de baixo grau. Poucos evoluem com esplênico pode fazer parte de uma curso clínico desfavorável dos linfomas disseminação difusa do LNH, na qual o de grandes células9,11,12. Segundo Falk e baço é apenas um dos múltiplos órgãos Sutte13, acometidos³, ou pode ser o local de diagnosticados origem primária desse tumor³. De modo sintomas até a sua disseminação, fato geral, os linfomas esplênicos primários que são neoplasias malignas que ocorrem primária no baço. Apesar de sua em menos de 1% dos pacientes com raridade, linfoma4,5,6,7. Constituem um conjunto clinicamente, de doenças amplo e heterogêneo, cujo esplenectomia associada, ou não, à comportamento clínico varia de um quimioterapia pode levar à remissão a curso longo prazo, e até mesmo à cura indolente até um altamente agressivo, sendo que células linfoides8. obscurece a eles não sua causam localização são uma raramente importantes vez que a 70 anos, sexo masculino, aposentado, com histórico de episódios recorrentes de nefrolitíase baço e podem se espalhar para outros ao longo de um ano, foi submetido à locais quando em fase avançada, em um ultrassonografia (USG) de abdome para padrão de disseminação não previsível3, confirmação diagnóstica de litíase renal. como para linfonodos regionais, medula Pode são porque O.M.C., Esses tumores se originam no fígado³. LEP RELATO DE CASO alto grau de variação biológica das e os características definitiva13. tal heterogeneidade clínica se relaciona ao óssea com O ultrassom evidenciou litíase renal haver bilateral, hidronefrose à direita e uma envolvimento adicional de linfonodos imagem 18 nodular esplênica não Rev Pat Tocantins V. 2, n. 04, p. 17-26 SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS esclarecida. Foi submetido então à Figura 1: Análise macroscópica do Tomografia Computadorizada (TC) de baço. Baço com cápsula espessada e abdome opaca. para melhor investigação clínica da imagem nodular do baço. O aspecto da imagem revelou-se inespecífico, e teve como hipóteses diagnósticas neoplasia primária do baço (incluindo hemangioma) linfoproliferativa. laboratoriais, e Outros como doença exames hemograma, leucograma e esfregaço de sangue periférico não apresentaram Figura 2: Cortes do baço. Múltiplas anormalidades. formações abordagem cirúrgica, por meio de O exame histopatológico do esplenectomia total com envio da peça baço revelou arquitetura alterada com para análise anatomopatológica, e à infiltração e proliferação linfóide difusa. biópsia de medula óssea. A análise O tecido esplênico apresentou áreas de macroscópica do baço revelou: pesando g, pesando 189g, proliferação de pequenas células com medindo fibrose em traves completas delimitando 14,5x8,5x7,3cm, com cápsula espessada o nódulo e a vascularização é evidente. e opaca (Figura 1). Aos cortes mostrou várias brancacentas formações medindo, Nota-se ainda fundo celular o composto nodulares o brancacentas infiltrativas em parênquima esplênico. Após 30 dias, foi submetido à 189 nodulares por células linfóides médias e grandes, conjunto: com moderado número de mitoses, 4,0x3,4x2,8 cm, associadas a áreas sendo a distribuição de maneira difusa vinhosas de consistência friável e (Figuras 3 e 4). difluente (Figura 2). 19 Rev Pat Tocantins V. 2, n. 04, p. 17-26 SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS Figura 3: Análise histopatológica do CD3 – receptor de linfócitos T (cadeia epsilon) baço. Arquitetura esplênica alterada por infiltração e proliferação linfóide difusa. Polyclonal Negativo Ciclina-D1 – proteína reguladora do ciclo celular (bcl-1) SP4 Negativo Proteína antiapoptótica bcl-2 124 Focalme nte positivo Coloração HE. Aumento de 40x. O estudo imunoistoquímico revelou positividade para CD20 e para BCL-2 (Figura também 5). Evidenciou-se hiperplasia de células dendríticas foliculares nos nódulos. Os achados foram, portanto, compatíveis Figura 4: Análise histológica do baço. com linfoma de pequenas e grandes Distribuição difusa de linfócitos atípicos células B. em áreas de polpa vermelha e polpa branca. Coloração HE. Aumento de 100x. Figura 5: Estudo imunoistoquímico do Os cortes histológicos do órgão com representação neoplásica foram baço. analisados métodos parênquima esplênico com arquitetura marcadores geral alterada, à custa de proliferação de por imunoistoquímicos com À esquerda, fragmentos linfóides selecionados e amplificados células através intermediárias e grandes, com núcleos de reações pelo sistema polímero MACH 1 (Biocare). irregulares. Os 1 À pequenas direita, imunoistoquímico resultados obtidos foram: TABELA linfóides de – / estudo revelando positividade para CD20. ESTUDO A análise histológica da medula IMUNOISTOQUÍMICO DO BAÇO. óssea mostrou uma celularidade de 70% Anticorpos Clone Resulta do à custa das três linhagens Ki-67 (antígeno de proliferação celular) M1B1 Positivo 40% CD10 - antígeno comum da leucemia linfóide aguda (CALLA) 56C6 Negativo maturação. L26 Positivo imunoistoquímico para estadiamento, MRK-57 Negativo cujo resultado é apresentado a seguir: CD20 – antígeno de linfócitos B CD23 – células dendríticas foliculares 20 hematopoéticas, em diversos estágios de Solicitou-se estudo Rev Pat Tocantins V. 2, n. 04, p. 17-26 SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS TABELA 2 – ESTUDO IMUNOISTOQUÍMICO DA Com o auxílio dos exames MEDULA ÓSSEA. histológico e imunohistoquímico, o Anticorpos Clone Resultado CD20 – antígeno de linfócitos B L26 Positivo CD3 – receptor de linfócitos T (cadeia epsilon) CD138Synd1 – antígeno de plasmócitos Mieloperoxidase (células de linhagem mielogranulocític a) Polyclonal Focalment e positivo paciente foi diagnosticado com um Agregado linfóide linfoma esplênico primário de pequenas Alguns linfócitos T e grandes células B CD20+ e BCL-2+, e MI15 Positivo Alguns plasmócitos MPO-7 Positivo Granulócitos provável infiltração neoplásica de medula óssea. O paciente foi então submetido à quimioterapia e vem sendo acompanhado por equipe médica especializada. Seis meses após ter Observaram-se diversos concluído o tratamento, os exames agregados linfóides constituídos por periódicos de PET-scan não mostraram pequenos linfócitos B (CD20+) e alguns recidiva da doença ou surgimento de linfócitos T (CD3+) (Figura 6). No metástases. contexto clínico de estadiamento de linfoma folicular DISCUSSÃO previamente diagnosticado, esses achados foram Como é um órgão linfóide considerados suspeitos de infiltração secundário, o baço pode ser acometido medular por linfoma B de pequenas por neoplasias linfóides durante seu células de pequena carga tumoral. processo de disseminação. No entanto, raramente se apresenta como único local de uma neoplasia num critério anatômico, a designação esplênico" (LE) Baseado Figura 6: Estudo imunoistoquímico da medula óssea. Medula óssea ricamente constituído restrita a esplênico primário é confirmado se a agregado linfóide próximo à trabécula esquerda) "linfoma condição8. O diagnóstico de linfoma normal presente, em maturação. Nota-se à meramente neoplasias que cumprem esta última celular para a idade, com hematopoese (foto está linfoide8. esplenomegalia por isolada ocorre em ausência de qualquer outro linfoma pequenos linfócitos B (CD20+; foto à localizado, especialmente no fígado ou direita) e alguns linfócitos T (CD3+). 21 Rev Pat Tocantins V. 2, n. 04, p. 17-26 SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS em gânglios linfáticos paraórticos ou exames de imagem, inicialmente uma 14 mesentéricos . ultrassonografia de abdome, seguida por uma TC. De acordo com a literatura, Segundo a literatura, a idade esses dois exames são mandatórios para média de apresentação do LEP é de 36 todos os pacientes com suspeita de anos, variando numa faixa de 22-48 linfoma anos. É mais frequente em mulheres, com uma relação de 4:114,15. Diante dessas informações, infere-se que o a neoplasia costuma na estadiamento dos à observa-se esplênico, uma apresentar-se esplenomegalia e sintomas laboratoriais, desconforto abdominal devido menos 75% dos o exames de imagem, óssea, tentando assim evitar que a esplenectomia e/ou seja um método diagnóstico dessa patologia8. Ainda que à esse procedimento cirúrgico seja um esplenomegalia marcante8. Além disso, pelo confirmar análise de sangue periférico e medula mudanças orgânicos deve-se integrada dos sintomas clínicos, exames assintomáticos quantitativas no sangue periférico; ou com está diagnóstico através da interpretação com esplenomegalia assintomática; ou com suspeita suspeitar de um caso de linfoma apresentação grande variedade clínica. Os indivíduos podem TC Ainda segundo a literatura, ao se relação pacientes, a locais nodais e extranodais 8,16. idoso de 70 anos. desses linfomas, e confinada ao baço ou se envolve outros se apresentar, já que acometeu um homem Em método investigação linfoproliferativa perfil fenotípico bem diferente daquele qual padrão-ouro Como permite determinar se a desordem paciente em questão enquadrou-se num no esplênico8. método dispensável para diagnóstico de pacientes LEP, muitos diagnósticos precoces de apresentam citopenias ³,9,10. linfoma não Hodgkin só podem ser não No caso apresentado, o paciente firmados através da retirada do órgão 17, apresentava informação que entra em consonância esplenomegalia, adenopatias ou outras alterações do com exame físico. Além disso, seus exames Juntamente à esplenectomia, outros laboratoriais métodos que podem confirmar um LNH encontravam-se sem anormalidades. O que desencadeou a são: suspeita de linfoma esplênico foram os 22 o caso biópsias clínico prévias apresentado. de nódulos Rev Pat Tocantins V. 2, n. 04, p. 17-26 SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS linfáticos, medula óssea e/ou tecidos esplênico primário de pequenas e 17 extraganglionares . grandes células B CD20+ e BCL-2+. Concomitantemente, A análise de sangue periférico a biópsia de medula óssea revelou suspeita de também é um passo importante e infiltração tumoral por pequenas células obrigatório no diagnóstico de linfoma B, demonstrando assim que a neoplasia esplênico. Ela permite identificar tipos encontrava-se em progressão, e poderia celulares peculiares, que podem indicar piorar o prognóstico desse paciente caso uma doença linfoproliferativa8. Por levasse ao surgimento de metástases e outro lado, ela também pode demonstrar não fosse diagnosticada precocemente. a presença de populações celulares linfóides atípicas, e essa informação é A ação conjunta de crucial para a análise subsequente da esplenectomia e quimioterapia pode amostra por métodos de citometria, trazer histopatologia e imunoistoquímica8,18,19. indivíduos a cura definitiva acometidos para por os essa 13 Outro passo fundamental na condução neoplasia . Até o momento, não há de um caso de LEP é a biópsia de evidências suficientes que apóiem a medula óssea, uma vez que quase adoção de estratégias de tratamento sempre esse órgão é acometido 8,20. Esse diferentes para o LEP. Por essa razão, a procedimento permite realizar associação análise uma histopatológica, imunofenotípica, biomolecular e pela periférico de não portanto, o tratamento não evidenciaram reaparecimento do tumor ou surgimento de metástases, indicando que o paciente possibilitou a análise do tecido por e, concluído PET-scan de LEP. Foi a esplenectomia que imunoistoquímicos ser quimioterápico, os exames seriados de tornou ainda mais difícil o diagnóstico histológicos pode No caso apresentado, após seis meses evidenciou anormalidades, fato esse que métodos esplenectomia, adequado para esses tipos de paciente.8 realizados no paciente em questão. A sangue e considerada como o tratamento mais Esses dois procedimentos foram de RituximabR poliquimioterapia, precedida ou não citogenética das células colhidas 8,20. análise de provavelmente encontra-se curado. e a CONCLUSÃO confirmação diagnóstica de linfoma 23 Rev Pat Tocantins V. 2, n. 04, p. 17-26 Os SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS linfomas esplênicos Safioleas M. Surgical approach primários são neoplasias raras que of primary splenic lymphoma: podem ser de difícil diagnóstico, pelo Report of a case and review of fato literature. Indian J Hematol de as poderem manifestações ser clínicas assintomáticas ou Blood oligossintomáticas. Esse relato de caso é um exemplo incomum Transfus. 2009; 25(3):120–124. dessa 3. Kehow J, Strauss DJ. Primary neoplasia, uma vez que envolveu um Lymphoma of the Spleen - indivíduo do sexo masculino, idoso, clinical features and outcome totalmente after splenectomy. Cancer 1988; assintomático. A interpretação conjunta de exames de imagem, resultados 4. Montanaro A, anatomopatológicos do baço e da Primary splenic medula imunoistoquímica lymphoma, histiocytic type, with foram fundamentais para o diagnóstico sclerosis. Cancer 1976; 38:1625- da doença. Sem dúvida alguma, a 1628. óssea, e dos 62(7):1433-1438. estudos Patton, R. malignant interpretação correta do exame de 5. Skarin AJ et al. Lymphosarcoma ultrassonografia e, posteriormente, a of the spleen. Arch of Intern tomografia Med 1971; 27:259-265. computadorizada, possibilitaria a condução do caso até 6. Ahmann DI, Kiely JM, Harrison que fosse possível a confirmação EG, diagnóstica lymphoma of the spleen. Cancer através dos métodos imunoistoquímicos. AK, Shivaswamy WS. 7. Bostick WL. Splenic neoplasms. BS, Rohith S, Babu R, Am J Pathol 1945; 21(1):11431165. 8. Iannitto E, Tripodo C. How I Santhosh CS. Primary splenic diagnose lymphoma: a case report. Indian lymphomas. J 117(9):2585-2595. Surg Malignant 1966; 19:461-469. 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